Editorial
CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISA EM ENFERMAGM
E A ABEN: 80 ANOS DE DESAFIOS
O Centro de Estudos e Pesquisa em Enferma-
gem (CEPEn) é o órgão da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) destinado a incentivar o desenvolvimento e divulgação da pesquisa em enfermagem, organizar e preservar documentos históricos da profissão e regese pelas disposições do Estatuto da ABEn e do Regimento do CEPEn.
A constituição do CEPEn tem como marco a proposta elaborada pela Dra. Haydée Guanais Dourado, da Comissão de Legislação da ABEn, durante a Assembléia de Delegados do XXIII Congresso Brasileiro de Enfermagem
(Manaus, 1971). Por sua vez, a Diretoria da ABEn, reunida em 1978, propôs a realização de um Seminário de
Pesquisa em Enfermagem (SENPE) que veio a tornar-se um dos eventos nacionais da maior importância e
significação para o calendário científico da profissão. Com esse propósito, em novembro de 1979 foi realizado
o I SENPE, sediado na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (SP), cuja temática central foi O estado atual da
pesquisa em enfermagem no Brasil. Foi um Seminário do qual participaram 40 enfermeiros/docentes, indicados
pelas Escolas de Enfermagem de todo o país. A partir do I SENPE, podemos dividir sua história em três grandes
marcos representativos da trajetória da Enfermagem Brasileira, no que se refere ao desenvolvimento do campo
da pesquisa e ao seu papel na academia, na prática profissional e na sociedade.
No primeiro marco – de 1979 a 1985 – ocorreram quatro SENPEs: Ribeirão Preto (1979), Brasília (1982),
Florianópolis (1984) e São Paulo (1985). Retrospectivamente, os temas discutidos nesses Seminários foram: O
estado atual da pesquisa no país; O delineamento das áreas de pesquisa em Enfermagem e suas respectivas linhas; As
alternativas da interpretação metodológica na formulação do conhecimento (ressaltando aquelas mais adequadas aos
problemas da prática de enfermagem no país); A análise da produção científica, metodologia e prática da pesquisa em
enfermagem. Participaram do Seminário, realizado em Florianópolis, 181 enfermeiros, indicando uma franca
ampliação do interesse e da participação desses profissionais no restrito círculo acadêmico de pesquisadores.
Deve-se atentar para a consonância entre o debate profissional e o evolver da pós-graduação no país que,
naquele momento, vivia o ciclo ditatorial militar. Nesse período, um número crescente de enfermeiras já
discutia questões teóricas concernentes à pesquisa em enfermagem, bem como um maior contingente já expressava a necessidade de uma base científica para a realização das suas práticas.
O segundo marco - 1988 a 1995 - destaca-se pela aproximação entre a pesquisa acadêmica e o cotidiano da
prática profissional. Nesse período também foram realizados quatro SENPEs: Belo Horizonte (1988), Rio de
Janeiro (1991), Fortaleza (1994) e novamente Ribeirão Preto (1995). Merece destaque, nesse marco, o fato de
o sétimo SENPE ter acontecido no nordeste, apresentando um tema complexo – Pesquisa, ensino, assistência: o
desafio profissional. Aqui não escapa a vinculação medular com o novo momento democrático experimentado
pelo Brasil, bem como a reverberação – notadamente na área da saúde – da recém-ocorrida VIII Conferência
Nacional de Saúde, que recoloca no debate os princípios da Reforma Sanitária e a saúde como um direito
universal, o que termina consagrado na Constituição Federal de 1988 (denominada Constituição Cidadã).
Houve um aumento quantitativo de pesquisadores na área de enfermagem, em conseqüência direta da política
de qualificação profissional e do novo papel assumido pela academia. Como conseqüência, as lideranças da
enfermagem levantaram questões e preocupações relativas aos tipos de pesquisa e a sua orientação filosófica.
Já o terceiro marco – iniciado em 1999 – delimita claramente os impasses, desafios e necessidades com os quais a
enfermagem – tanto em seu corpus profissional quanto acadêmico – se defronta a partir do enxugamento, por
parte do Estado, das políticas de saúde e do redimensionamento do papel da universidade e da pesquisa no quadro
nacional. Busca-se, nesse momento, o fortalecimento e o enriquecimento tanto dos que ensinam quanto daque-
R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2006 abr/jun; 14(2):161-2.
• p.161
Editorial
les inseridos no campo profissional. Cinco SENPEs ocorreram nesse período: Vitória (1997), Gramado (1999),
Belém (2001), Porto Seguro (2003) e São Luis (2005). As discussões nesses Seminários foram centradas nas
necessidades da profissão e na sua articulação com a sociedade, com os temas: Diretrizes para pesquisa em enfermagem; A interdependência do cuidar e do pesquisar na enfermagem; A pesquisa no espaço da enfermagem: multiplicidade e
complexidade; Interface da pesquisa em enfermagem: aproximando o ensino e o cuidado com outros campos do conhecimento;
e A pesquisa em enfermagem e sua expressão na atenção à saúde. Esse marco tem se caracterizado pelo desafio do
desenvolvimento de uma base científica de conhecimentos para a prática da profissão. Observa-se que o número
de pesquisadores aumentou, possibilitando o intercâmbio entre grupos de pesquisa e, por conseguinte, a disseminação do conhecimento.
Observa-se que, embora na Enfermagem Brasileira a pesquisa seja uma atividade recente, há uma apreciável
produção científica já consolidada. A preocupação com o futuro e a necessidade de fortalecimento e enriquecimento, tanto dos docentes quanto dos profissionais do campo profissional é uma marca dos dias atuais e se
coloca como desafio a ser enfrentado.
A preocupação crescente com o relativo distanciamento entre pesquisa e prática profissional é temática relevante, mas que exige conhecimento científico acadêmico e conhecimento científico aplicado, que não se esgota na
pesquisa acadêmica. A pesquisa aplicada, área que apenas recentemente começou o seu desenvolvimento na
enfermagem, através dos Mestrados Profissionais, reveste-se de importância para a prática profissional, mas
exige, também, a superação das reservas (e porque não dizer do preconceito) existentes entre teoria e prática e
entre teóricos e práticos. O processo de retradução do conhecimento científico em conhecimento para a prática
exige esforço e trabalho tanto do pesquisador quanto dos profissionais de campo, no sentido de aproximar a
teorização das necessidades colocadas pelo campo de práticas profissionais; e em sentido inverso, de se apropriar
do conhecimento existente para enriquecer a prática profissional. Nesse último aspecto, poderíamos perguntar:
quantas vezes o enfermeiro inserido na prática profissional busca a biblioteca para a leitura de textos publicados
nos periódicos brasileiros? Por outro lado, ainda poderíamos nos questionar sobre quantas vezes o pesquisador
busca os profissionais do campo de práticas para se informar sobre as necessidades desse campo?
O que queremos afirmar é que essa aproximação precisa ser paulatina, isso porque ainda temos no campo da
enfermagem, a exemplo de outras áreas frágeis do conhecimento, marcos teórico-conceituais fragmentados.
Precisamos fazer com que a prática de pesquisa atinja com urgência os enfermeiros assistenciais, mas diferenciando pesquisa de pesquisadores, já que a atividade de pesquisa é tarefa de todos, porém a pesquisa científica e
os profissionais pesquisadores foram definidos pelo Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia brasileiro,
através do III Plano Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação (PNPG). A ênfase principal desse Plano foi no
desenvolvimento da pesquisa pela universidade e na integração da pós-graduação ao sistema de ciência e
tecnologia, ou seja, a necessidade de institucionalização da pesquisa nas universidades para assegurar o funcionamento da pós-graduação e a ampliação das atividades de pesquisa como elemento indissociável da pósgraduação e de sua integração ao sistema nacional de ciência e tecnologia.
Pautada nessas considerações, a atual Diretoria do CEPEn tem um papel fundamental a cumprir no momento
histórico da pesquisa em enfermagem no Brasil, qual seja, por um lado, o de permitir e implementar sua
organização no país, e por outro, fortalecer as ligações entre a pesquisa acadêmica, de caráter não aplicado, e a
pesquisa aplicada, que responda às demandas colocadas pelo campo porfissional.
A ABEn, no dia 12/08/2006, estará comemorando 80 anos de conquistas e lutas nas quais a Enfermagem
Brasileira desenvolveu e desenvolve-se social e politicamente na educação, na saúde e na pesquisa, tendo esta
o seu ponto alto nos SENPEs que se realizam de dois em dois anos.
Juntamente com a comemoração dos 80 anos da ABEn, o CEPEn se depara com os desafios pontuados pelo
PNPG 2005-2010 para o desenvolvimento da atividade de pesquisa: o crescimento eqüânime do sistema de
pós-graduação para atender demandas múltiplas, a estabilidade e indução de demandas de pesquisa, a necessidade de desenvolvimento de estratégias para a melhoria das assimetrias do sistema, a articulação com agências
e com governos dos estados para a ampliação do financiamento de pesquisa, a articulação com o setor empresarial, a participação da pós-graduação nos fundos setoriais e a definição de tipologias regionais. Os desafios
estão colocados e cabe a nós enfrentá-los.
Josete Luzia Leite
Denize Cristina de Oliveira
p.162 •
R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2006 abr/jun; 14(2):161-2.
Download

80 anos de desafios