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O EFEITO DO USO DE CÂMARA SELETORA NA OPERAÇÃO DE
UM SISTEMA DE LODOS ATIVADOS - ESTUDO EM ESCALA
PILOTO
Eduardo Pacheco Jordão (1)
Engenheiro Civil e Sanitarista, Professor Adjunto da Escola de Engenharia
da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Vitor Manuel Marques dos Santos
Engenheiro Civil, M.Sc. em Engenharia Civil, UFRJ.
FOTO
Jeana Rodrigues da Conceição
Engenheira Química, aluna de mestrado da UFRJ.
Pedro Sá Freire de Pinho
Engenheiro Civil, Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de
Janeiro /PRECE.
Pedro Além Sobrinho
Engenheiro Civil e Sanitarista, Prof. Titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
Endereço(1): Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Departamento de Hidráulica e
Saneamento - Cidade Universitária - Rio de Janeiro - RJ - CEP: 21945-970 - Brasil.
RESUMO
O processo de lodos ativados tem sido utilizado nas estações de médio e grande porte, no
Brasil, com tecnologia já conhecida e dominada. Há alguns anos no entanto, os especialistas e
pesquisadores têm discutido algumas questões inerentes ou de influência para o processo,
particularmente os sistemas com mistura completa, ou com fluxo tendendo a pistão.
Recentemente foi introduzida uma modificação no processo que inclui na cabeceira do tanque
de aeração uma zona de mistura do esgoto afluente e do lodo ativado recirculado, antes do
corpo principal do reator, em condições anaeróbicas, anóxicas, ou aeradas. É o processo com
“câmaras seletoras”, sabendo-se já que esta nova concepção tem a característica de selecionar
uma população microbiana não filamentosa, capaz de favorecer as condições de sedimentação
do lodo formado, minimizando a ocorrência de intumescimento do lodo (“bulking”).
Com o objetivo de estudar estes aspectos foi montada uma estação de tratamento piloto de
lodos ativados, dotada de duas linhas de reatores em paralelo: uma de fluxo tendendo a pistão,
e outra de mistura completa, cada uma delas podendo operar sem e com uma câmara seletora.
Neste trabalho discute-se e avalia-se o comportamento destes diferentes sistemas.
PALAVRAS -CHAVE: Fluxo a Pistão, Mistura Completa, Índice Volumétrico de Lodo,
Sedimentabilidade, Lodos Ativados, Seletores, Tratamento de Esgoto.
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INTRODUÇÃO
O processo de lodos ativados tem sido utilizado nas estações de médio e grande porte, no
Brasil, com tecnologia já conhecida e dominada. Pode-se afirmar que as novas estações de
tratamento que se encontram em fase de projeto ou construção, nos grandes centros
metropolitanos, e nas cidades de porte médio, vêm utilizando este processo.
Desde alguns anos no entanto, os especialistas e pesquisadores têm discutido algumas questões
inerentes ou de influência para o processo, particularmente as relativas ao escoamento
hidráulico, sugerindo existir um correlacionamento entre a dispersão, as condições operacionais,
e a eficiência obtida.
Historicamente verifica-se que o processo de lodos ativados tem passado por fases em que ora
se mostra preferências por sistemas com mistura completa, ora por sistemas com fluxo
tendendo a pistão. Hoje em dia já se dispõe de uma quantidade razoável de informações
relativas a suas respectivas vantagens e desvantagens.
Recentemente foi introduzida uma modificação no processo que inclui na cabeceira do tanque
de aeração uma zona de mistura do esgoto afluente e do lodo ativado recirculado, antes do
corpo principal do reator, em condições anaeróbicas, anóxicas, ou aeradas. A esta nova
configuração chamou-se “processo de câmaras seletoras”, ou simplesmente “seletor”, sabendose já que esta nova concepção tem a característica de selecionar uma população microbiana
não filamentosa, capaz de favorecer as condições de sedimentação do lodo formado.
Na verdade, os especialistas, projetistas, e operadores, dirigem hoje sua preocupação para a
formação de um lodo não intumescido, em que não ocorra o fenômeno do “bulking”, com boas
condições de sedimentação, favorecendo a obtenção de um efluente límpido e com baixa
concentração de DBO (ou DQO).
METODOLOGIA
Tendo em conta estes aspectos - o escoamento hidráulico, o seletor, a sedimentabilidade do
lodo - foi montada na área da ETE Penha, no Rio de Janeiro, uma estação de tratamento piloto
de lodos ativados, dotada de duas linhas de reatores em paralelo: uma de fluxo tendendo a
pistão, e outra de mistura completa, cada uma delas podendo operar sem e com uma câmara
seletora. As duas linhas da ETE Piloto foram operadas em paralelo por um período de 125
dias, e individualmente por um período de 250 dias, visando comparar e avaliar justamente o
desempenho destes diferentes sistemas.
As instalações da ETE Piloto são compostas das seguintes Unidades, como
na Ilustração:
? sistema de alimentação do substrato (deversão de uma vazão de 1.000 a 1.400 litros/dia de
esgoto primário decantado da ETE Penha);
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? sistema de tratamento biológico na modalidade de fluxo tendendo a pistão, com baixo
número de dispersão: este sistema é composto por oito reatores em série (cada um com
volume de 39,3 litros, aerados por um sistema de bolhas médias a grossas), e por um
decantador final;
? sistema de tratamento biológico na modalidade de mistura completa: este sistema é
composto por um reator único (com o mesmo volume do conjunto de reatores de fluxo a
pistão), e por um decantador final, idêntico ao anterior;
? sistema de recirculação de lodo, por meio de duas bombas de diafragma;
? sistema de descarte de lodo em excesso; e
? sistema de controle de vazão.
A Pesquisa teve como Objetivos
? comparar aspectos operacionais e o comportamento dos dois sistemas clássicos de lodos
ativados operando em paralelo;
? verificar as características de sedimentabilidade do lodo formado nos reatores, através de
parâmetros clássicos de controle, como o Indice Volumétrico de Lodo, e de novas formas
de medição destas características, como o Indice Volumétrico de Lodo Diluído, e o Indice
Volumétrico de Lodo a Concentração Constante, por técnica de centrifugação;
? estudar aspectos operacionais e o comportamento do sistema de lodos ativados com fluxo
tendendo a pistão, precedido de uma câmara seletora, verificando em particular os
benefícios relativos ao controle do fenômeno de intumescimento do lodo.
Para a etapa inicial de comparação entre os dois sistemas (fase 1), estabeleceu-se como
parâmetro de comparação entre eles a sedimentabilidade do lodo, representada pela
determinação do Indice Volumétrico de Lodo. Na verdade o estudo da sedimentabilidade do
lodo é tão antigo como o artigo clássico em que MOHLMAN, 1934, descreve o índice que
leva o seu nome, também conhecido como Índice Volumétrico de Lodo, IVL. Por definição e
conceito, o IVL, dimensão ml/g, é o volume em mililitros ocupado por 1 grama de lodo, após
sedimentação de 30 minutos. Dito de outra forma, é a relação entre o volume de lodo que
sedimenta após 30 minutos em uma proveta graduada de 1.000 ml, e a concentração de sólidos
em suspensão nessa amostra. JORDÃO e PESSOA, 1995, denominam de Teor de Lodo o
volume sedimentado neste ensaio, padronizado e descrito no artigo original de Mohlman, e nos
manuais clássicos.
A experiência entre os que operam estações de tratamento por lodos ativados aponta que IVL
maior que 200 ml/g costuma ser uma indicação de lodo de má qualidade e má
sedimentabilidade. A literatura indica valores nesta ordem, em particular a publicação clássica
sobre operação de estações de tratamento, o MOP-11 da WEF, 1990.
Outros parâmetros usados na comparação entre os dois sistemas foram as determinações
clássicas de Sólidos em Suspensão, DBO, e DQO, para o efluente tratado, visando verificar a
eficiência dos mesmos.
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Para a segunda parte da pesquisa operou-se apenas o sistema de fluxo a pistão em quatro fases
subsequentes: sem câmara seletora (fase 2), com câmara seletora (fase 3), sem câmara seletora
(fase 4, tendo nesta ocasião ocorrido claramente o intumescimento do lodo), e com câma ra
seletora (fase 5, quando se buscou verificar o efeito do seletor na supressão do “bulking”).
Na operação do sistema de fluxo a pistão individualmente, manteve-se o controle operacional
através do parâmetro de Indice Volumétrico do Lodo. Além disso, pôde-se realizar uma
investigação microbiológica através da identificação das características dos flocos em geral, e
das características dos filamentos em particular, incluindo a identificação dos filamentos
predominantes e o comprimento dos filamentos (os quais foram relacionados com o Indice
Volumétrico de Lodo).
RESULTADOS
Os resultados das determinações de IVL realizadas no lodo ativado retirado do interior dos
reatores dos dois sistemas são mostrados em gráfico, para o período de operação das duas
linhas de tratamento, de 125 dias. Os resultados relativos à eficiência dos dois sistemas são
também mostrados nos gráficos de DBO e SST.
O resultado do comportamento ou do efeito da câmara seletora para o sistema de fluxo
tendendo a pistão operando individualmente, é mostrado no gráfico que relaciona o IVL ao
longo do tempo, para o período de operação de 250 dias. Verificou-se que o efeito do seletor
em suprimir o “bulking” se deu em um período aproximado de 2,5 vezes a idade do lodo.
Dados físico-químicos medidos na afluente e no efluente, e nos reatores, permitiram a
comparação da operação durante todo o período. Resultados de investigações microbiológicas
indicaram a ocorrência e predominância dos vários organismos, em particular dos filamentosos.
Medições do comprimento dos filamentos foram plotados em gráfico e relacionadas aos IVLs
correspondentes.
Os Dados Operacionais principais foram:
?
?
?
?
?
?
?
?
?
vazão afluente: média, entre 1120 e 1514 litros/dia para os quatro períodos de operação.
SST efluente: médio, entre 12 e 44 mg/l
DQO efluente: médio, entre 14 e 26 mg/l
relação A/M: média, entre 0,40 e 0,95
SST no interior do reator: médio, entre 1300 e 2757 mg/l
idade do lodo: média, entre 8 e 10 dias
tempo de detenção hidráulico: médio, entre 5,5 e 6,3 horas
IVL em condições sem seletor: médio, 179 e 557 ml/g (situação com “bulking”)
IVL em condições com seletor: médio, 64 e 91 ml/g.
De posse dos parâmetros operacionais medidos foi possível estabelecer as condições de
carregamento e operação da câmara seletora:
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? relação A/M, base DBO : 3,7 kg.DBO/kg.SSTA.d, no primeiro período de operação, 8,5
/d no segundo período (quando houve o controle do “ bulking”); experiências citadas na
literatura se referem a faixas de trabalho de 3 a 6 kg.DBO/kg.SSTA.d
? relação A/M, base DQO: 9,2 kg.DQO/kg.SSVTA.d e 21,1/d nos dois períodos de
operação. Dados citados na literatura se situam entre 10 e 20/d.
? tempo de contato: 15,8 e 14,0 minutos nos dois períodos de operação. Dados da literatura
estão entre 10 a 20 minutos.
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DISCUSSÃO
A primeira fase da pesquisa mostrou a superioridade operacional do sistema de fluxo a pistão
sobre o de mistura completa. Resultados medidos de Indice Volumétrico do Lodo foram
claramente inferiores no sistema de reatores em série, operando em condições análogas ao
sistema de mistura completa. Naquele (fluxo a pistão), o IVL manteve-se abaixo de 190 ml/g
em 80% do tempo, enquanto no sistema de mistura completa chegou até 400 ml/g em 80% do
tempo. A simples observação do gráfico mostra esta situação comparativa. Além disso,
observou-se a ocorrência de intumescimento do lodo de forma mais acentuada no sistema de
mistura completa, quando comparada com o de reatores em série. Estes resultados estão de
acordo com os trabalhos já clássicos de CHUDOBA e outros, 1973, 1974.
Em relação à eficiência dos dois sistemas, eles se mostraram análogos, como se observa nos
gráficos correspondentes, devendo-se ressaltar apenas que eventuais formações de lodo
intumescido podem resultar em perdas de placas de sólidos no efluente final.
A segunda etapa da pesquisa, quando se inseriu o reator seletor, mostrou que o seletor traz
benefícios sensíveis em relação às condições operacionais. Para esta avaliação foram medidos o
Indice Volumétrico de Lodo e a ocorrência de organismos filamentosos (tipo, forma, estrutura,
comprimento de filamentos). A ilustração referente a esta etapa mostra claramente a melhoria
verificada, acompanhando-se a evolução do IVL numa fase inicial sem câmara seletora; em
outra em que se inseriu o seletor; em uma seguinte em que o seletor foi retirado (tendo ocorrido
um “bulking”); e na última com nova introdução do seletor, verificando-se então sua eficácia na
redução do fenômeno do intumescimento do lodo. O tempo entre a introdução da câmara
seletora e a supressão do “bulking”, de cerca de 2,5 vezes a idade do lodo, foi compatível com
o citado na literatura.
Os dados relativos ao carregamento da câmara seletora, operando como anóxica, podem ser
admitidos como parâmetros a adotar em projetos para este arranjo do processo de lodos
ativados.
O acompanhamento microbiológico mostrou claramente a modificação dos organismos ao
longo do tempo, e um relacionamento de comprimento de filamentos com IVL compatível com
a experiência citada por JENKINS e outros, 1986.
CONCLUSÕES
São duas as conclusões principais deste estudo:
? sistemas de lodos ativados operando com câmaras em série, com fluxo tendendo a pistão,
apresentam condições operacionais mais confiáveis que sistemas de fluxo totalmente
disperso em mistura completa;
? a introdução de câmaras seletoras a montante de sistemas de lodos ativados operando com
reatores em série (sistema de fluxo tendendo a pistão), se mostra eficaz em favorecer uma
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condição operacional estável, e na supressão de fenômenos de intumescimento do lodo;
parâmetros típicos das condições operacionais foram determinados, e podem ser utilizados
como referência.
AGRADECIMENTOS
Os recursos para esta pesquisa foram oriundos da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do
Rio de Janeiro - CEDAE, através de convênio firmado com o Escritório Técnico da Escola de
Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ENGTEC/ UFRJ.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1.
2.
MOHLMAN, M. L. The Sludge Index. Sew. Works J., 6(1):119, 1934.
APHA/AWWA/WEF. Standard Methods for the Examination of Water and
Wastewater. 19a Edição. APHA/AWWA/WEF, 1935.
3.
JORDÃO, E. P., PESSOA, C. A. Tratamento de Esgotos Domésticos. 3a Edição.
ABES, 1995.
JENKINS, D., RICHARD, M., DAIGGER, G. Manual on the Causes and Control
of Activated Sludge Bulking and Foaming. Water Research Commission. South Africa,
1986.
WEF. Operation of Municipal Wastewater Treatment Plants. MOP-11, 1990.
CHUDOBA, J. e outros. Control of Activated Sludge Filamentous Bulking I,
Effect of the Hydraulic Regime or Degree of Mixing in an Aeration Tank. Water
Research, vol. 7, 1973.
CHUDOBA, J. e outros. Control of Activated Sludge Filamentous Bulking II,
Selection of Microorganisms bt Means of a Selector. Water Research, vol. 7, 1973.
CHUDOBA, J. e outros. Control of Activated Sludge Filamentous Bulking III,
Effect of Sludge Loading. Water Research, vol. 8, 1974.
4.
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DBO AFLUENTE E DBO SOLÚVEL EFLUENTE
SISTEMAS DE MISTURA COMPLETA E FLUXO A PISTÃO - FASE 1
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120
DBO (mg/l)
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DBO afluente
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DBOs (MC)
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DBOs (FP)
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dia
SST AFLUENTE E EFLUENTE
SISTEMAS DE MISTURA COMPLETA E FLUXO A PISTÃO - FASE 1
140
SST (mg/l)
120
100
SST afluente
80
SST efl (MC)
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SST efl (FP)
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100
120
140
dia
ÍNDICE VOLUMÉTRICO DE LODO
SISTEMAS DE MISTURA COMPLETA E DE FLUXO A PISTÃO (R8) - FASE 1
700
600
IVL (ml/g)
500
400
Fluxo a Pistão
Mist.Completa
300
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100
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dia
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