Instituto Politécnico de Leiria Escola Superior de Artes e Design Património Tecnológico e Artístico A viola de mão Vítor Varela Cruz Design Industrial 4 o Ano 2006 Índice Introdução 3 Colagem do tampo 41 A viola de mão 4 O cravelhame 44 Ferramentas e utensílios 5 Ensamblagem do braço com o cravelhame 49 Desenho auxiliar de construção 10 A escala 52 Acabamentos formais do braço 60 Construção da viola de mão O fundo 11 As cravelhas 63 O braço 15 Envernizamento 68 As ilhargas 19 Os trastos 76 Colagem do fundo, braço e ilhargas 22 Colocação da pestana, cravelhas e cordas 79 Reforço do fundo e ilhargas 25 A viola de mão 83 O tampo 27 Agradecimentos 87 A rosácea 34 Bibliografia 88 O cavalete 37 Introdução o plano de formação da cadeira de Património Tecnológico e Artístico, surgiu a oportunidade de fazer o acompanhamento da construção de uma viola de mão no atelier do Construtor Orlando Trindade. Desta forma, o presente documento pretende mostrar numa perspectiva detalhada todo o processo de construção de uma viola de mão, desde os materiais em bruto até à forma final do instrumento, acompanhando de perto todas as etapas realizadas. O modelo tem por base ou inspiração a viola de mão existente no Museu da música de Paris (Musée de la Music). O desenvolvimento do documento inicia-se com um breve resumo histórico acerca da viola de mão, seguido de todos os utensílios usados na construção e por fim todas as etapas de realização do instrumento. 3 A viola de mão viola de mão foi um instrumento desenvolvido na Península Ibérica tendo o seu apogeu durante o século XVI, em torno de um ambiente cortesão e aristocrata. Tendo em conta os inventários de instrumentos musicais das cortes espanholas, fontes iconográficas, bem como os sete livros de musica escrita para este instrumento, é fácil atestar a sua grande importância. A viola de mão é um instrumento de cordas com formato parecido a uma guitarra. De tampo plano com a abertura central decorada com uma rosácea de madeira talhada e pergaminho, sendo frequente a decoração do tampo harmónico com incrustações de folheado de madeira e marfim, formando as características figuras geométricas de influência árabe que conferiam uma estética muito especial ao instrumento. Conta com seis ordens de cordas de tripa, afinadas da mesma forma que o alaúde. Geralmente é aceite que a primeira ordem é simples, embora o instrumento permita a colocação de duas cordas tambem na primeira ordem. Os trastes eram de tripa atados em redor do braço como no alaúde. Em comparação com outros instrumentos de corda do Renascimento, o número de violas de mão conservadas é muito reduzido. Estão catalogados somente três exemplares. Um deles encontra-se no Museu Jacquemart André em Paris. Outra viola de mão encontra-se na Igreja da Companhia de Jesus de Quito (Equador), tratando-se de uma relíquia que pertenceu a Santa Mariana de Jesus e encontra-se numa urna junto aos seus restos mortais. Poucos a conhecem devido ao seu restrito acesso. Um terceiro exemplar redescoberto recentemente encontra-se actualmente no Museu da Música de Paris. Dos exemplares referidos este último é o mais interessante, mostrando evidências de ter sido bastante usado. É este último exemplar que serviu de base para a construção do presente instrumento. No final do século XVI a viola de mão entrou em declínio, cendendo o seu lugar à guitarra barroca. 4 Ferramentas e utensílios Base de acerto do cavalete. Cola de origem animal (grude), mistura de ossos e nervos de animais. A preparação é feita apenas com grude e água. Depois de derretido em água, é levado a aquecer em banho-maria até atingir o estado líquido (70 graus). Facas de corte (facas, bisturi e navalha). Formões e goivas para desbaste da madeira. Chapa de aquecimento e recipiente para colocar água. 6 Grampos de fixação de vários formatos consoante a aplicação. Grampo de fixação das barras de reforço do fundo. Lixas P40, P180, P255 e taco auxiliar. Molde de construção do tampo e fundo. Lamparina de álcool (não liberta fuligem enquanto arde, importante durante a colagem de madeiras claras). Molde para a construção do instrumento. 7 Ferro quente para dobrar ilhargas através de calor (possui uma resistência no interior, aquecendo o metal). Paquímetro e aparelho de verificação de espessuras (usado usualmente para tampos, fundos e ilhargas). Plainas. Raspador. Serra de mesa miniatura, usada para o corte de filetes ornamentais. Serrote de costas tipo japonês. 8 Serrote de folha. Serrote de ourives (pequeno). Verniz obtido através da mistura de álcool e goma laca, aplicado com uma boneca de tecido e luva para não passar a gordura das mãos. Suta. Serrote de rodear (grande). Engenho de furar. 9 Desenho auxiliar de construção 10 Construção da viola de mão O fundo Pranchas de Pau-Santo folheadas longitudinalmente a partir da mesma peça (simétricas), para o fundo da viola. Corte de um filete em Ácer para fins decorativos entre as duas pranchas de Pau-Santo. Após o acerto das faces a colar com uma plaina, faz-se a preparação da colagem das duas primeiras pranchas do fundo, colocando fita para as unir. Preparação para a colagem com grude. 12 Após a colocação da cola, introduz-se o filete, fechando em seguida as pranchas e batendo com um martelo para que o filete fique entre as duas. Colocação de grampos para auxiliar a colagem. Primeira fase do fundo concluída. Construção do restante fundo através do mesmo método. 13 O fundo depois de colado, do desenho passado através do molde e cortado com uma serra de ourives. Colocação da barra de reforço (picea abies). Colagem da barra com um formato ligeiramente abaulado, com o auxilio de grampos. A barra depois de colada. Desbaste da parte de cima da barra com uma plaina. Acerto das extremidades da barra, para que a superfície de colagem com as ilhargas seja reduzida. 14 Construção da viola de mão O braço Passagem das medidas do braço para a madeira. Corte do comprimento do braço com uma serra japonesa (boa precisão de corte). Corte do taco de fixação do braço no corpo da viola. O braço e o taco de fixação ainda em bruto. Adelgaçamento da peça do braço, moldada a partir de um pedaço de mogno (samanguilla). Corte da largura do braço com um serrote de folha. 16 O braço e o taco de fixação unidos usando somente cola de origem animal. Pa ss agem do des enho par a o tac o . Desbaste da madeira em excesso com o auxílio de um formão. Aproximação à forma final redonda com o auxílio de uma goiva. Abertura de rasgos para permitir a entrada das ilhargas. Acabamento da forma final do taco usando um formão. 17 O taco perto da forma final. Vista lateral do taco. Elaboração de outro taco de fixação, este usado no outro extremo do corpo para fixar as ilhargas. Passagem com um serrote de costas através da superfície do taco para abrir pequenos sulcos que facilitam a colagem, método aplicado em quase todas as colagens. Forma do taco vista da perspectiva do braço, estando o conjunto pronto para ser fixo no molde. Colocação no molde do braço e do taco de fixação das ilhargas. 18 Construção da viola de mão As ilhargas Pranchas de Pau-Santo folheadas longitudinalmente a partir da mesma peça. Depois de adelgaçadas, é feito um corte em bisel nas extremidades que irão ser introduzidas nos rasgos abertos na base do braço. Modelação das ilhargas através do ferro quente. Verificação no molde das curvas da ilharga, sendo primeiro modelada e depois colocada no molde. 20 Forma final da ilharga, o processo é igual para o lado oposto. Forma final das ilhargas, colocadas no molde com o auxílio de grampos para manter a forma. Encaixe das ilhargas no braço. 21 Construção da viola de mão Colagem do fundo, ilhargas e braço Colagem do fundo. Colocação de grampos em todo o redor do fundo. Fundo com todos os grampos de fixação. Passagem com a lamparina para reactivar a cola e esta se ajustar melhor às superfícies. O fundo e as ilhargas depois de colados. 23 Separação do corpo do instrumento do molde. A zona de fecho das ilhargas. O corpo principal da viola de mão. Corte de dois pequenos filetes. Aspecto final. 24 Construção da viola de mão Reforço do fundo e ilhargas Corte de pequenas tiras de pergaminho. Inicio da colagem das tiras no fundo. Colagem das tiras nas ilhargas. Reforço completo. Etiqueta do Construtor, Orlando Trindade. 26 Construção da viola de mão O tampo Peça de madeira em pinho nórdico (picea abies) de onde é extraído o tampo do instrumento. Divisão da peça em dois para perfazer a largura da viola e tornar o tampo o mais simétrico possível. Acerto das faces que vão ser coladas. Verificação de irregularidades. 28 Preparação das peças para a colagem usando fita para as manter unidas. Colocação de cola. O tampo durante o período de colagem, com grampos a criar uma área de compressão na zona de colagem. Após a colocação de grampos para maior pressão na zona de colagem, a cola é aquecida reactivando-a para se ajustar o melhor possível às fibras da madeira. 29 Marcação do tampo usando o molde. Recorte da forma final do tampo com uma serra de ourives. Adelgaçamento do tampo até à espessura pretendida, 2mm aproximadamente. Verificação da espessura do tampo. Acerto final do tampo. Verificação da uniformidade do tampo através da luz (inexistência de zonas com mais material). 30 Preparação do tampo para a abertura da boca. Perfuração do orifício, usando um compasso de corte. Pedaço de madeira do qual serão extraídas duas barras de reforço do tampo, no mesmo tipo de madeira do tampo. Corte das duas barras harmónicas. Passagem com os dentes do serrote para criar uma superfície rugosa para facilitar a colagem. 31 Colagem das barras. Colocação de grampos. Limpeza do excedente de cola usando um pincel e água. Acerto da barra. Acerto da extremidade da barra, para que a superfície de colagem, mais tarde, com as ilhargas seja a menor possível. Posicionamento das barras no tampo. 32 Acerto final das barras em relação às ilhargas e aos pilaretes. Corte do excedente. Desbaste com um formão, sendo posteriormente passada com água a zona de colagem entre a barra e o tampo para que a cola e os resíduos de madeira saiam na totalidade. 33 Construção da viola de mão A rosácea A rosácea é constituída por três camadas, sendo esta a primeira feita em pergaminho. Corte com o auxílio de um bisturi. Segunda camada feita em folheado de pereira. Terceira camada feita em folheado de pereira. As três camadas. 35 Passagem com água sobre o papel do desenho da rosácea para o separar da madeira. Colagem das duas primeiras camadas. Aspecto final da rosácea (três camadas) A rosácea no tampo. 36 Construção da viola de mão O cavalete Peça onde se fixam as cordas realizada em madeira de pereira (boa resistência mecânica e de fácil conformação). Passagem das medidas. Construção do cavalete. Corte dos orifícios das cordas, sendo estas fixas em cada vértice do rasgo. 38 Decoração do cavalete. Vista de baixo. Vista de topo. Aspecto geral do cavalete. 39 Colagem do cavalete com auxílio de grampos. Limpeza do excedente de cola. O cavalete na sua posição definitiva. 40 Construção da viola de mão Colagem do tampo Elaboração de quatro pilaretes, onde iram apoiar as extermidades das barras harmónicas do tampo. Colagem dos quatro pilaretes. Os pilaretes. Pormenor de um pilarete. Acerto das ilhargas para a colagem do tampo. Corte do excedente do tampo com uma serra de rodear. 42 Preparação do tampo para colar. Início da colocação de grampos após espalhar cola pelas superfícies em contacto. Tampo durante a secagem. 43 Construção da viola de mão O cravelhal Adelgaçamento do cravelhal. Passagem do desenho através de um molde. Corte do cravelhame com o auxílio de uma serra de ourives. Lateral depois de cortada. Espelho do cravelhal antes da colagem (PauSanto e filete em Ácer). 45 Colagem do espelho. Adelgaçamento do espelho através de um raspador. O cravelhal e o espelho. Corte do encaixe em V para fixação ao braço. O cravelhal com o espelho colado. Recorte do excedente do espelho, deixando apenas a zona do encaixe com o braço. 46 Realização dos furos para a colocação das cravelhas. Frente do cravelhal. Verso do cravelhal. 47 Construção da viola de mão Ensamblagem do braço com o cravelhal Adelgaçamento do braço Marcação do encaixe entre o braço e o cravelhal. Corte do encaixe. O encaixe em forma de V para melhor ligação entre os elementos. Ajuste da zona de corte. 49 Modelação do braço. O braço perto da sua forma final. 50 O braço visto de topo. Zona de encaixe entre o braço e o cravelhal. Preparação da ensamblagem. Ajustes finais. O braço e o cravelhal finalmente ensamblados. Ligação entre o braço e o cravelhal visto de perfil. 51 Construção da viola de mão A escala Escolha e marcação da madeira para a escala, em Ébano. Corte da escala numa medida próxima da final. Marcação e corte, a partir do mesmo pedaço usado na escala, das duas pontas finais da escala. Ajuste à espessura desejada. Divisão do taco de madeira em dois (uma peça para cada lado da escala). 53 Modelação final das peças através de um formão. Forma final das pontas da escala. Prontos para a colocação. Preparação do encaixe. 54 Encaixes finalizados. Grampo e elásticos para auxiliar a colagem. Colagem. Acerto entre o tampo e as pontas para que não haja qualquer tipo de ressalto entre ambos. Marcação da zona excedentária do tampo sobre o braço. 55 Zona a retirar. Corte do excedente. Descolagem do material através de um formão. Amolecimento dos resíduos de cola usando apenas água. Limpeza dos resíduos. 56 Preparação da colagem da escala. Ajuste da união com o tampo. Colocação da cola. Colagem com o auxílio de grampos e elásticos. A escala colocada no braço. 57 Adelgaçamento da escala através de um raspador. Acerto final com uma plaina. Ajuste entre o tampo e a escala. Verificação da escala. A ligação entre o tampo e a escala. Ajuste entre a escala e o braço. 58 A pestana, obtida a partir de um pedaço de osso de bovino. Preparação da pestana. Acerto do topo da escala para a colocação da pestana. A pestana pronta a ser colada, tarefa essa a realizar após os acertos finais do braço. Pronta a colocar no braço. 59 Construção da viola de mão Acabamentos formais do braço Aperfeiçoamento das zonas de ensambla gem. Ajustes formais do braço. Arredondamento do braço para um melhor desempenho ergonómico. Pormenor da ligação entre o braço e as ilhar gas. 61 Acerto da superficie através de um raspador. Acabamentos finais. O braço finalizado. 62 Construção da viola de mão As cravelhas Preparação da madeira (Bucho) para a execução das cravelhas. As cravelhas em bruto. Corte em paralelepípedos, para posterior torneamento. Preparação dos pedaços de madeira para a colocação no torno. Realização de um orificio para auxiliar a colocação no torno. 64 O torneamento das cravelhas, usando um torno e goivas para o corte do material. Após o arredondamento do paralelepípedo, são realizadas marcações auxiliares para o torneamento da peça. Continuação da moldagem. Verificação do diâmetro da cravelha. 65 O botão. A cravelha após a passagem no torno. Torneamento do botão de fixação da correia para suster o instrumento. Corte do excedente da cravelha, usado para a fixação no torno. A cravelha sem os postiços. 66 Modelação da cabeça da cravelha para melhor desempenho ergonómico. O afiar da cravelha para que esta se torne cónica. A cravelha pronta a colocar. 67 Construção da viola de mão Envernizamento Preparação das superficies com lixa P180. Após a passagem de lixa as superficies são completamente limpas de pó. Inicío do envernizamento, passando em primeiro lugar os filetes de Ácer para que estes não absorvam a tonalidade do PauSanto durante o processo de envernizamento. O verniz é feito à base de goma-laca e alcool. Pormenor do envernizamento do filete de pinho. O fundo após a primeira camada de verniz. 69 Nova passagem de lixa agora P400 para eliminar os pontos altos e assim permitir um enchimento uniforme da superficie. Este passo pode ser repetido o numero de vezes que se achar conveniente. Preparação para o polimento francês. Nas primeiras passagens com 125 gramas de goma-laca para 1 litro de alcool, para finalizar apenas alcool com uma gota de óleo vegetal. Mais uma passagem de verniz sobre os filetes. O miolo da boneca deve ser absorvente para reter o verniz, devendo a cobertura ser macia para não deixar marcas ao passar. 70 O fundo depois de mais algumas camadas de verniz. Preparação para o envernizamento do cravelhal. Repetição do passo realizado nas costas em relação aos filetes. As ilhargas ao fim da primeira camada de verniz, contrastando com as várias já realizadas no fundo. 71 A viola ao fim de mais uma passagem de verniz. Repetição do processo com lixa preparando para nova passagem de verniz. 72 Rectificação final da escala, arredondando as arestas laterais para não danificar os trastos. Polimento da escala com recurso ao pó extra fino tripoli. Adicionamento de algumas gotas de óleo de linhaça cozido. O processo de polimento. 73 Preparação do tampo para receber enceramento. Envernizamento da rosácea. o Envernizamento do cavalete. 74 A cera de abelha usada para encerar o tampo. O enceramento. Marcação da zona onde será colocado o botão de fixação da correia. Abertura do orifício. O botão na sua localização final. 75 Construção da viola de mão Os trastos As 10 espessuras de trastos a usar0 (tripa). Aquecimento das pontas para que não se desfiem. Colocação do trasto. 77 Após a colocação, a ponta depois de cortada é novamente queimada para que a tripa dilate e impessa o desfazer do nó. O braço com todos os trastos colocados. 78 Construção da viola de mão Montagem da pestana, cravelhas e cordas Marcação da altura da pestana. Verificação e colagem da pestana. Verificação da altura das cordas. Marcação das zonas de passagem das cordas. 80 Afinação dos furos para um formato cónico, através do uso de um mandril. Abertura de um sulco na cravelha para prender a corda. Lubrificação das cravelhas com sabão de Marselha. Colocação da cravelha. 81 O cravelhame composto por doze cravelhas. Colocação das cordas. Abertura do sulco para a passagem da corda, usando uma lima, repetindo a tarefa corda a corda. A forma de atar a corda na cravelha. 82 A viola de mão 84 85 86 Agradecimentos Orlando Trindade Patrícia Pimenta Joaquim António Silva Bibliografia Turnbull, Harvey The Guitar from the Renaissance to the Present Day, The Bold Strummer Ltd, 1991 Musée de La Musique Luths et luthistes en Occident: actes du colloque 13-15 mai, 1998 Musée de La Musique Aux origines de la guitare: la vihuela de mano, Paris, 2004