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Internacional Journal of Cardiovascular Sciences. 2015;28(1):35-41
ARTIGO ORIGINAL
Perfil dos Pacientes Chagásicos Portadores de Cardioversor –
Desfibrilador Implantável (CDI)
Profile of Chagasic Patients with Implantable Cardioverter Defibrillators (ICD)
Valéria Vieira da Silva1, Antônio Malan Cavalcanti Lima2,3, Maria Luiza Costa3, Isabela Pereira Gomes2
Pontifícia Universidade Católica de Goiás - Departamento de Medicina - Curso de graduação - Goiânia, GO - Brasil
Hospital Santa Casa de Misericórdia de Goiânia - Goiânia, GO - Brasil
3
Pontifícia Universidade Católica de Goiás - Departamento de Medicina - Goiânia, GO - Brasil
1
2
Resumo
Fundamentos: A morte súbita é responsável por 55-65% dos óbitos na doença de Chagas, e o cardioversordesfibrilador implantável (CDI) é a terapêutica mais efetiva para evitar morte súbita em pacientes com taquiarritmias
ventriculares.
Objetivo: Descrever o perfil clínico dos pacientes portadores de cardiopatia chagásica crônica com CDI internados
em hospital de referência.
Métodos: Foram avaliados 75 pacientes chagásicos, portadores de CDI, internados na Santa Casa de Misericórdia
de Goiânia no período de janeiro de 2011 a dezembro de 2013, mediante revisão de prontuários.
Resultados: A amostra (n=75) se constituiu de 57 (76,0%) pacientes do sexo masculino e 18 (24,0%) do sexo
feminino. As internações clínicas representaram 60,0% da amostra e as de causas cirúrgicas 40,0%. Das causas
clínicas, 40 (89,0%) foram de origem cardíaca: insuficiência cardíaca (IC) com 13 (32,0%) pacientes e a tempestade
elétrica (TE) com 12 (30,0%) pacientes. Das 30 causas cirúrgicas, 17 (56,66%) se deveram a desgaste da bateria.
Conclusão: O perfil clínico encontrado em pacientes portadores de cardiopatia chagásica crônica com CDI apresenta
as seguintes características: sexo masculino, faixa etária entre 51-60 anos, presença de dispositivos de dupla-câmara,
uso adequado de antiarrítmico e betabloqueador, presença de hipertensão arterial sistêmica (HAS), fração de ejeção
do ventrículo esquerdo (FEVE) entre 35-45%, internações clínicas por causas cardíacas (em especial IC e TE), e
número de internações pós-implante entre zero e três.
Palavras-chave: Desfibriladores implantáveis; Morte súbita; Doença de Chagas; Arritmias cardíacas
Abstract (Full texts in English - www.onlineijcs.org)
Background: Sudden death accounts for 55-65% of the deaths from Chagas disease, and the implantable cardioverter-defibrillator (ICD)
is the most effective therapy to prevent sudden death in patients with ventricular tachyarrhythmias.
Objective: To describe the clinical profile of patients with chronic Chagas disease with ICD admitted to a referral hospital.
Methods: 75 chagasic patients with ICD, admitted to Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, from January 2011 to December 2013,
were evaluated by means of medical record review.
Results: The sample (n=75) was composed of 57 (76.0%) male patients and 18 (24.0%) female patients. Clinical admissions
accounted for 60.0% of the sample, while surgical ones accounted for 40.0%. Out of all clinical admissions, 40 (89.0%) were due
to heart problems: heart failure (HF), with 13 (32.0%) patients, and electrical storm (ES), with 12 (30.0%) patients. Out of the
30 surgical admissions, 17 (56.66%) were due to battery depletion.
Conclusion: The clinical profile of patients with chronic Chagas disease with CDI is characterized as follows: male, aged 51-60,
presence of dual-chamber devices, appropriate use of antiarrhythmic drugs and beta-blockers, presence of systemic hypertension (SH),
left ventricular ejection fraction (LVEF) of 35-45%, clinical admissions due to heart problems (particularly HF and ES), and zero
to three post-implantation admissions.
Keywords: Implantable defibrillators; Sudden death; Chagas disease; Cardiac arrhythmias
Correspondência: Valéria Vieira da Silva
Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Departamento de Medicina
Av. Universitária, 1440 - Setor Universitário - 74605-010 - Goiânia, GO - Brasil
E-mail: [email protected]
DOI: 10.5935/2359-4802.20150006
Artigo recebido em 20/06/2014, aceito em 15/01/2015, revisado em 22/01/2015.
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Silva et al.
Perfil dos Pacientes Chagásicos Portadores de CDI
Introdução
O principal acometimento da doença de Chagas (DC) na
fase crônica é a cardiopatia. Essa complicação ocorre em
todas as áreas endêmicas em proporções que variam entre
10-40% dos indivíduos soropositivos, manifestando-se
de cinco a 30 anos após a infecção primária1,2.
As alterações teciduais geradas pelo processo infeccioso
e inflamatório justificam as manifestações clínicas da
cardiopatia chagásica crônica (CCC). A destruição
progressiva do tecido cardíaco suscita alterações nos
feixes elétricos cardíacos e consequente distúrbios de
condução, apresentando-se clinicamente com arritmias
cardíacas que podem ser ameaçadoras da vida3. A morte
súbita constitui um dos fenômenos mais
ABREVIATURAS E
expressivos da história natural da
ACRÔNIMOS
doença de Chagas, responsável por
55-65% dos óbitos; o mecanismo
• CCC – cardiopatia chagásica
crônica
frequentemente encontrado é a
taquicardia ventricular sustentada (TVS),
• CDI – cardioversordesfibrilador implantável
degenerando-se em fibrilação ventricular
•DM – diabetes mellitus
(FV).
•DPOC – doença pulmonar
obstrutiva crônica
•DRC – doença renal
crônica
•FA – fibrilação atrial
•FEVE – fração de ejeção
do ventrículo esquerdo
•FV – fibrilação ventricular
•HAS – hipertensão arterial
sistêmica
•IC – insuficiência cardíaca
•NYHA – New York Heart
Association
•TE – tempestade elétrica
O arsenal terapêutico utilizado no
combate à morte súbita inclui os
medicamentos antiarrítmicos, a ablação
endocárdica por cateter e o implante de
dispositivos elétricos: os cardioversoresdesfibriladores implantáveis (CDI)4-6.
Estudos internacionais demonstram que
os cardioversores-desfibriladores
implantáveis são a alternativa terapêutica
mais eficiente para interromper TVS e
FV, responsáveis por uma redução
expressiva na incidência de morte súbita4.
• TVS – taquicardia ventricular
sustentada
Apesar dos avanços obtidos com o CDI
na prevenção da morte súbita,
complicações relacionadas ao dispositivo e à evolução
da doença cardíaca de base ainda é uma preocupação
para pesquisadores, médicos-assistentes e pacientes.
Eventos indesejáveis podem ocorrer desde o momento
de implantação do dispositivo até meses/anos após a
instalação e variam desde complicações mecânicas e/ou
elétricas a transtornos emocionais graves como, por
exemplo, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)
e a TE.
Estudos internacionais demonstram a alta frequência
de readmissões hospitalares em indivíduos portadores
de CDI e o quanto esse fenômeno influencia negativamente
na qualidade de vida dos pacientes. Faz-se necessário
7-9
Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(1):35-41
Artigo Original
conhecer melhor as variáveis envolvidas e determinantes
de internação para que estratégias sejam traçadas no
sentido de preveni-las ou diminuí-las, reduzir a
morbimortalidade e melhorar a qualidade de vida do
paciente após o implante. Percebe-se, ainda, escassez
nessa linha de pesquisa em hospitais regionais e
nacionais, justificando a necessidade de desenvolver o
presente estudo. Este estudo tem por objetivo descrever as
características clínicas dos pacientes chagásicos portadores
de CDI, admitidos para tratamento clínico e/ou cirúrgico
de eventuais complicações.
Métodos
Estudo descritivo, mediante revisão de registros médicos
hospitalares, com pacientes chagásicos e portadores de
CDI, internados na Santa Casa de Misericórdia de
Goiânia (SCMG), no período de janeiro de 2011 a
dezembro de 2013, de acordo com os critérios de inclusão.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da instituição sob o nº 572 333 e realizado de
acordo com a Resolução CNS 466/12.
Neste período ocorreram 138 internações hospitalares de
pacientes portadores de CDI e selecionados 75 pacientes
para o estudo. Foram incluídos: pacientes com idade
superior a 18 anos, pacientes chagásicos (sorologia
positiva) e portadores de CDI, pacientes com prontuários
completos e pacientes que fizeram o implante na SCMG.
A internação hospitalar foi definida como a permanência
em ambiente hospitalar com duração maior que 12 horas
após implante do dispositivo.
A coleta de dados utilizou registros médicos pertencentes
a prontuário eletrônico e anotações médicas. As
seguintes variáveis foram analisadas: sexo, naturalidade,
idade, procedência, motivo da instalação do CDI, data
do implante, número de intervenções após implante e
seus motivos, motivo da internação atual, fármacos em
uso atual, conduta médica para internação atual, fração
de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), marca e
modelos dos dispositivos, morbidades associadas,
presença de ressincronizador, avaliação eletrônica e
desfecho.
Os dados encontrados foram tabulados através de
cálculos de percentuais, tabelas e gráficos construídos
pelos programas Microsoft Excel 2007; não foram
utilizados métodos específicos para análise dos resultados
uma vez que não se trata de estudo analítico.
Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(1):35-41
Artigo Original
Silva et al.
Perfil dos Pacientes Chagásicos Portadores de CDI
Resultados
Incluídos 75 pacientes no estudo: 57 (76,0%) do sexo
masculino e 18 (24,0%) do sexo feminino. A faixa etária
predominante foi 51-60 anos (n=30; 40,0%) e a média
aritmética das idades foi 61,86 anos (Tabela 1).
Tabela 1
Características clínicas dos pacientes
Características
Faixa etária
Sexo
Fração de
ejeção do
ventrículo
esquerdo
Número de
internações
anteriores
Morbidades
relatadas
Pacientes
%
30 a 40 anos
2
2,67
41 a 50 anos
8
10,67
51 a 60 anos
30
40,00
61 a 70 anos
17
22,67
≥71 anos
18
24,00
Feminino
18
24,00
Masculino
57
76,00
≤ 35%
24
32,00
> 35% e ≤ 45%
29
38,67
> 45%
22
29,33
0 a 3 internações
65
87,00
>3 e <6 internações
9
12,00
>6 internações
1
1,00
HAS
22
29,33
Hipotireoidismo
9
12,00
Diabetes mellitus
6
8,00
Forma digestiva
da doença de
Chagas
6
8,00
Fibrilação atrial
8
10,66
Insuficiência
cardíaca crônica
20
26,66
Tabagismo/
etilismo
21
28,00
DPOC
7
9,33
Doença renal
crônica
7
9,33
HAS - hipertensão arterial sistêmica; DPOC - doença pulmonar
obstrutiva crônica
Os fabricantes dos dispositivos encontrados foram:
Medtronic em 40 (53,33%) pacientes, Biotronik em 33 (44,0%)
e St. Jude Medical em 2 (2,66%) pacientes. Os modelos
predominantemente instalados foram o Lumax 340 DR-T
(Biotronik) com 26 (34,66%), seguido pelo Virtuoso II
(Medtronic) com 22 (29,33%). Dispositivos com câmara
dupla foram encontrados em 64 (85,33%) pacientes e
o de câmara única em 11 (14,67%). A estimulação
biventricular foi encontrada em 13 (17,33%) pacientes.
Em relação ao tempo de implante, 12 (16,0%) pacientes
apresentavam de zero a seis meses de implante, seguidos
de 12 (16,0%) com aproximadamente 72 meses, 11 (15,0%)
pacientes com até 24 meses, 10 (13,0%) com 48 meses,
8 (11,0%) com até 12 meses, 8 (11,0%) com 36 meses,
7 (9,0%) pacientes com 60 meses e 7 (9,0%) com mais de
72 meses de implante.
A indicação para implante do dispositivo foi
fundamentada a partir da manifestação clínica do
paciente: 27 (36,0%) pacientes devido a taquiarritmias
espontâneas detectadas ao Holter ou eletrocardiograma
(ECG), 27 (36,0%) pacientes diagnosticados a partir do
estudo eletrofisiológico e 21 (28,0%) pacientes que foram
ressuscitados após parada cardiorrespiratória.
Quanto aos fármacos utilizados pelos pacientes:
58 (77,33%) estavam em uso combinado de antiarrítmico
e betabloqueador; 11 (14,67%) pacientes estavam
usando somente antiarrítmico; 3 (4,0%) com dois
antiarrítmicos e betabloqueadores e 3 (4,0%) somente
com betabloqueador.
Dentre as morbidades encontradas, a HAS foi a mais
prevalente sendo encontrada em 22 (29,33%) pacientes;
hábitos de tabagismo e/ou etilismo em 21 (28,0%);
ICC em 20 (26,66%); hipotireoidismo em 9 (12,0%); doença
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) em 7 (9,33%);
doença renal crônica (DRC) em 7 (9,33%); fibrilação atrial
em 8 (10,66%); diabetes mellitus em 6 (8,0%) e a forma
digestiva da doença de Chagas em 6 (8,0%).
Em relação à FEVE, 24 (32,0%) pacientes apresentaram
índices <35%, 29 (38,67%) entre 35-45% e 22 (29,33%)
>45% (Tabela 1).
Quanto às internações, 75 (86,66%) pacientes apresentaram
de zero a três internações prévias, 9 (12,0%) entre três e
seis internações e somente 1 (1,33%) apresentou mais que
seis internações anteriores à última internação (Tabela 1).
Os motivos de internação atual foram: 45 (60,0%)
pacientes por causas clínicas e 30 (40,0%) por causas
cirúrgicas.
37
38
Silva et al.
Perfil dos Pacientes Chagásicos Portadores de CDI
No presente estudo, 30,0% das internações clínicas
cardíacas foram causadas por tempestade elétrica
decorrentes de taquicardia ventricular (TV) e os fatores
precipitantes não puderam ser identificados. Em todos
os casos o tratamento foi fundamentado no ajuste de
fármacos antiarrítmicos com impregnação com
amiodarona, uso de betabloqueadores, sedativos e
infusão de estabilizador de membrana celular (sulfato
de magnésio); em 2 (16,66%) casos a ablação por
radiofrequência foi necessária e em outros 2 (16,66%)
somente a reprogramação associada ao tratamento
medicamentoso foi suficiente.
Das causas clínicas (n=45), 40 (88,88%) internações foram
secundárias a alterações cardíacas com 13 (32,0%) por IC
descompensada, 12 (30,0%) por TE, 7 (17,5%) devido a
choques apropriados, 4 (10,0%) por falha do dispositivo
em entregar a terapia e 4 (10,0%) secundárias a choques
fantasmas (Figura 1). As demais internações clínicas
(n=5 11,11%) foram secundárias a motivos não cardíacos,
com as seguintes causas detectadas: 1 (20,0%) por DPOC,
1 (20,0%) por erisipela, 1 (20,0%) por pneumonia,
1 (20,0%) por acidente vascular encefálico (AVE),
1 (20,0%) por crise convulsiva.
Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(1):35-41
Artigo Original
Quanto ao tratamento, 37 (49,33%) pacientes receberam
tratamento clínico medicamentoso; 3 (4,0%) receberam
tratamento clínico e ablação; 1 (1,33%) recebeu
reprogramação do dispositivo e ablação; 4 (5,33%)
receberam tratamento clínico e reprogramação do
dispositivo.
Figura 2
Causas cirúrgicas de internação (valores aproximados)
Receberam tratamento cirúrgico, 30 (40,0%) pacientes.
Dentre os procedimentos cirúrgicos, 18 (60,0%) receberam
um novo gerador, 5 (16,66%) tiveram os eletrodos
reposicionados, 4 (13,33%) receberam novos geradores e
eletrodos, 2 (6,66%) trocaram os eletrodos de choque e 1
(3,33%) recebeu um novo eletrodo para função de
ressincronização (Figura 3).
Quanto ao desfecho, 66 (88,0%) pacientes receberam alta
com melhora clínica e 9 (12,0%) faleceram: 3 devido à
descompensação de IC, 3 devido à TE, 1 devido a
choques apropriados secundários à TVS, 1 por
pneumonia e 1 paciente internou devido à baixa
impedância de choque.
Figura 1
Causas cardíacas de internação (valores aproximados)
TE - tempestade elétrica; ICC - insuficiência cardíaca congestiva
Das causas cirúrgicas (n=30), 17 (56,66%) foram devidas
a desgaste da bateria. Os demais foram para ajustes e/
ou reparos do aparelho: 3 (10,0%) por aumento do limiar
de eletrodo de choque, 2 (6,66%) por fratura de eletrodo,
2 (6,66%) por deslocamento dos eletrodos, 2 (6,66%) para
implante do terceiro eletrodo em ventrículo esquerdo;
2 (6,66%) devido ao aumento da impedância do eletrodo
de choque (Figura 2).
Figura 3
Condutas clínicas e cirúrgicas (valores aproximados)
Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(1):35-41
Artigo Original
Discussão
Setenta e seis por cento dos pacientes estudados eram do
sexo masculino, resultado semelhante ao encontrado em
pesquisa 10 com 1 609 registros dinamarqueses de
pacientes portadores de CDI. Os autores apontaram o
sexo masculino como fator de risco para choques
apropriados e terapias inapropriadas, porém não
encontraram possíveis explicações para tal característica.
Os fármacos antiarrítmicos alteram os limiares de
cardioversão e desfibrilação, podendo influenciar os
efeitos de choque sobre o miocárdio10. No presente
estudo, 58 (77,33%) pacientes estavam em uso regular de
antiarrítmicos combinados aos betabloqueadores. O
estudo OPTIC11, no qual 412 pacientes com CDI foram
randomizados para terapia com betabloqueador,
amiodarona com betabloqueador ou sotalol isolado,
mostrou que em um ano de seguimento, amiodarona
com betabloqueador foi o regime mais efetivo em reduzir
choques pelo CDI. A incidência de choques foi 38,5% no
grupo betabloqueador, 24,3% no grupo sotalol e 10,3%
no grupo amiodarona com betabloqueador.
A FEVE é importante parâmetro para avaliar a predição
de readmissão hospitalar, assim como a classificação
funcional da New York Heart Association (NYHA). Em
relação a esse parâmetro, 29 (38,67%) pacientes
apresentaram FEVE entre 35-45%, seguidos por
24 (32,0%) com índices <35% e 22 (29,33%) com índice >45%,
números esperados já que a insuficiência cardíaca
descompensada foi a principal causa clínica de
internações, com 32,5% das readmissões clínicas.
Esse fator foi avaliado em estudo7 que acompanhou
133 pacientes portadores de CDI entre 1999 e 2003; os
autores observaram que o número médio de internações
não relacionadas à arritmia foi significativamente mais
elevado em pacientes com FEVE <30% (p=0,019). Os
pacientes em classe funcional III apresentaram maior
frequência de internações por razões cardíacas do que
aqueles em NYHA I ou II (p=0,010 e p=0,038,
respectivamente). Os autores não encontraram correlação
entre o tempo para a primeira hospitalização e idade,
FEVE ou classe funcional NYHA. Apenas FEVE <30%
comportou-se como fator de risco independente de
readmissões não relacionadas à arritmia.
Em estudo10 realizado em 2013, observou-se relação entre
FEVE e risco para terapias empregadas pelo CDI e
mortalidade. Os autores perceberam que pacientes com
FEVE <25% apresentavam riscos aumentados para
terapia inapropriada, além de estar associada à maior
Silva et al.
Perfil dos Pacientes Chagásicos Portadores de CDI
taxa de mortalidade em comparação aos pacientes com
FEVE ≥25% e pacientes ≥65 anos.
No presente estudo, 17% dos pacientes apresentaram um
terceiro eletrodo no ventrículo esquerdo para o
desempenho da função de ressincronização. Isto está em
acordo com dados publicados em grande estudo12 que
discorre sobre a importância da estimulação biventricular
como forma de melhorar a qualidade de vida de pacientes
em classe funcional NYHA III e IV. Os autores ainda
reiteram que dispositivos com estimulação biventricular
podem se tornar a melhor opção para o implante inicial em
pacientes com complexos QRS amplos, ou seja, ≥140 ms.
No presente estudo, as morbidades associadas mais
prevalentes foram: HAS em 22 (29,33%) pacientes; IC em
20 (26,66%), hábitos de tabagismo e/ou etilismo em
21 (28,0%), hipotireoidismo em 9 (12,0%), DPOC em
7 (9,33%), DRC em 7 (9,33%), FA em 8 (10,66%), DM em
6 (8,0%) e doença de Chagas no trato gastrointestinal em
6 (8,0%). Os dados encontrados indicam a associação
entre condições clínicas e mortalidade, uma vez que a IC
e a FA são fatores de risco para readmissões hospitalares
e também para terapias empregadas pelo CDI, tanto
apropriadas como inapropriadas. Alguns autores13
mostraram associação entre aumento da mortalidade
após choques apropriados e condições clínicas: ureia
>25 mg/dL, falta de betabloqueadores, classe funcional
NYHA avançada, presença de FA e DM.
No presente estudo, a maior parte (60,0%) das internações
foi secundária a complicações clínicas e 40,0% por causas
cirúrgicas. Das causas clínicas destacam-se as internações
relacionadas a causas cardíacas com 88,88%, sendo a IC
a causa predominante (32,5%), seguida da TE (30,0%);
17,5% por choques apropriados; 10,0% por falha do
dispositivo em entregar a terapia e 10,0% secundária a
choques fantasmas. Observa-se semelhança dos dados
encontrados na pesquisa com os resultados publicados
na literatura 7,8 demonstrando que as complicações
cardíacas são a principal causa de internações no paciente
portador de CDI.
Das causas cirúrgicas destacam-se: 57,0% devido a
desgaste da bateria, 10,0% a aumento do limiar de
eletrodo de choque, 7,0% à fratura de eletrodo, 7,0% a
deslocamento dos eletrodos, 7,0% para implante do
terceiro eletrodo em ventrículo esquerdo e 7,0% devido
a aumento da impedância do eletrodo. Ressalta-se ainda
que todos os pacientes com fratura de eletrodo
apresentaram choques inapropriados como manifestação
clínica. Percebe-se que a principal causa de readmissão
cirúrgica foi secundária a desgaste da bateria. Pesquisa8
39
40
Silva et al.
Perfil dos Pacientes Chagásicos Portadores de CDI
também encontrou valores parecidos com 19,0% das
readmissões secundárias a esgotamento da bateria. Cerca
de 60,0% das falhas nos eletrodos epicárdicos é
assintomática e diagnosticada por falha na desfibrilação
após TV espontânea ou induzida, ou a presença de
anormalidades na radiografia mostrando evidências de
fratura de eletrodo12.
Aproximadamente 85,0% dos pacientes aqui estudados
são portadores de CDI com câmara dupla. Estudo
recente10 demonstrou aumento de duas vezes no risco de
choques e terapias inapropriadas associada com CDI de
câmara dupla em comparação com CDI de câmara única.
De forma antagônica, a literatura 9 cita um estudo
multicêntrico que comparou algoritmos de detecção de
câmara simples e de dupla-câmara. Nesse estudo, as TSV
ocorreram frequentemente (34,0% dos pacientes) no
prazo de seis meses após o implante de CDI; nos
dispositivos com discriminadores de câmara única
percebeu-se que 40,0% dos episódios de TSV foram
classificados de forma inadequada. Discriminadores de
dupla-câmara, por outro lado, apresentaram redução
significativa na taxa de detecção inadequada para 31,0%
e reduziu os choques de CDI pela metade.
Outro estudo8 também aponta os sistemas de câmara
dupla como possível forma de diminuir a incidência de
readmissão em pacientes que necessitam de uma
estimulação crônica.
Estudo 14 mostrou durante análise de 148 pacientes
portadores de CDI, através da utilização do modelo de
regressão de Cox multivariada, que o único preditor
independente de choque inapropriado foi história de
fibrilação atrial e os preditores univariados significativos
de mortalidade foram idade ≥70 anos e FEVE <40%. No
entanto, uma pesquisa constatou que além da fibrilação
atrial, a história de tabagismo, a ocorrência de um choque
apropriado e a pressão arterial diastólica elevada no
momento da inscrição (≥80 mmHg) são fatores preditores
de choques inapropriados15.
No presente estudo, 17,5% das internações clínicas
ocorreram após choques apropriados, ou seja, pacientes
cursaram com TV e o CDI empregou a terapia apropriada;
e 10% das internações clínicas foram secundárias a TV
sem choque, ou seja, falha do dispositivo em entregar a
terapia. Semelhante tópico foi levantado em estudo7
realizado em 2006 em que os autores estudaram
133 pacientes portadores de CDI e concluíram que
taquiarritimia ventricular sustentada com terapia
adequada foram responsáveis por 30,0% das reinternações
hospitalares e a falha do CDI em empregar a terapia
Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(1):35-41
Artigo Original
responsável por 2%. Percebe-se, portanto, que os autores
encontraram maior taxa de internações decorrentes de
terapias apropriadas em relação ao presente estudo e os
índices de falha terapêutica foram levemente maiores
neste estudo, representando 5,33% de todas as readmissões.
A importância da programação moderna e individualizada
do dispositivo já foi anunciada por diversos estudos. Ao
se utilizarem várias terapias de ATP antes da aplicação
do choque tem-se redução na incidência de choque e
mortalidade ao se comparar com a programação
convencional com utilização de “choque-only”, observações
confirmadas pelo estudo MADIT-RIT (Multicenter
Automatic Defibrillator Implantation Trial Reduce
Inappropriate Therapy) que observou redução de choques
inapropriados (80,0%) e mortalidade (55,0%) com a
mudança da programação10. Os autores10 discorrem sobre
a facilidade de acesso ao implante do CDI para prevenção
primária de morte súbita na Dinamarca e, desde janeiro
de 2007, o uso do CDI para prevenção primária é
oferecido a todos os pacientes com disfunção ventricular
esquerda e doença cardíaca isquêmica. Em contrapartida,
no Brasil, os implantes de CDI para prevenção primária
ainda não são autorizados e fornecidos pelo Ministério
da Saúde/SUS; somente em grandes hospitais particulares
tal procedimento é realizado. O grande desafio, no Brasil
e em todo o mundo, é encontrar métodos mais precisos
de estratificação, associados a CDI mais baratos e de
durabilidade cada vez maior, para aumentar o número
de beneficiados com um bom custo-efetividade16.
A TE esteve presente em 30,0% das internações clínicas
e em 16,0% de todas as internações; essa síndrome
aumenta em mais de cinco vezes o risco de morte nos
três meses subsequentes13. Em pacientes em que o
controle farmacológico não é alcançado ou que
permanecem em TV incessante, a ablação por cateter se
torna uma medida terapêutica e eficaz como demonstrado
em estudo11 que avaliou pacientes com apenas uma
morfologia de TV registrada e hemodinamicamente
estáveis; a taxa de sucesso agudo após a ablação foi 74,0%
e, no seguimento médio de dois anos, 80,0% dos pacientes
estavam clinicamente livres de recorrência da TV. Em
um ano de seguimento, a frequência de choques por mês,
após ablação com sucesso, reduziu-se de 60 para 0,1 por
mês. Nos casos de falha terapêutica após uso de
medicamentos antiarrítmicos e ablação por cateter, os
pacientes podem se beneficiar da terapia de
ressincronização com o dispositivo de assistência
ventricular esquerda ou transplante cardíaco.
Quanto ao desfecho, observa-se que 66 (88,0%) pacientes
receberam alta melhorada e 9 (12,0%) pacientes faleceram.
Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(1):35-41
Artigo Original
Pacientes em que a IC é a principal causa clínica de
readmissões hospitalares, associados ao desenvolvimento
de choques, o acompanhamento em longo prazo deverá
envolver uma estreita vigilância durante todo o ano
seguinte para os sinais e sintomas de início eminente de
IC descompensada. Durante esse tempo, um
acompanhamento atento por FA recorrente (especialmente
em pacientes que receberam choques inapropriados) e
titulação dos antiarrítmicos e betabloqueadores a
dosagem ideal deve ser realizada. O mau prognóstico
após choques justifica vigilância agressiva desses
pacientes, incluindo uma combinação de encontros
clínicos mais frequentes, ajustes do tratamento da IC,
além das revisões periódicas do dispositivo.
Como limitações do estudo, o método descritivo utilizado
não permitiu construir conclusões específicas devido à
impossibilidade de elaborar hipóteses. Novos trabalhos
mais amplos, e que envolvam outros hospitais referência
em implante de CDI são necessários, principalmente
devido à alta prevalência de doença de Chagas no CentroOeste e a predominância de manifestações cardíacas da
doença na população goiana.
Silva et al.
Perfil dos Pacientes Chagásicos Portadores de CDI
Conclusão
O perfil clínico encontrado em pacientes portadores de
cardiopatia chagásica crônica com CDI apresenta as
seguintes características: sexo masculino, faixa etária
entre 51-60 anos, presença de dispositivos de duplacâmara, uso adequado de antiarrítmico e betabloqueador,
presença de hipertensão arterial sistêmica (HAS), fração
de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) entre 35-45%,
internações clínicas por causas cardíacas (em especial IC
e TE), e número de internações pós-implante entre zero
e três.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica
Este artigo representa o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)
em Medicina de Valéria Vieira da Silva pela Pontifícia
Universidade Católica de Goiás.
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