OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE SEGUNDA DIMENSÃO NO ESTADO
CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICO E A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL
FUNDAMENTAL RIGHTS OF SECOND DIMENSION IN STATE
CONSTITUTIONAL DEMOCRACY AND A CONSTITUTIONAL JURISDICTION
Eduardo Alvares de Oliveira1
RESUMO
O presente artigo é fruto de reflexões após pesquisas realizadas no campo dos direitos
fundamentais e jurisdição constitucional. Partindo do pressuposto de que a república
federativa brasileira forma um Estado Constitucional Democrático, em que a Constituição
Federal tem por finalidade, dentre outras, garantir os direitos fundamentais – inclusive os de
segunda dimensão -, concluímos que os direitos sociais são direitos subjetivos, portanto,
exigíveis e com aplicabilidade direta e imediata. No entanto, mesmo diante esta conclusão,
não desprezamos as opiniões daqueles que sustentam a dificuldade de concretização dos
direitos sociais e a existência de restrições fáticas e jurídicas dos direitos fundamentais.
Abordamos, ainda, a existência de uma força normativa da Constituição e o papel da nova
hermenêutica na concretização dos direitos fundamentais, bem como a importância da
jurisdição constitucional diante a omissão legislativa de regulamentar os direitos
fundamentais garantidos pela Constituição Federal, finalizando com a análise de julgados do
Supremo Tribunal Federal.
PALAVRAS-CHAVE: Estado Constitucional Democrático. Direitos fundamentais. Força
normativa da Constituição. Omissão do legislador. Jurisdição Constitucional.
ABSTRACT
This article is the result of reflections after research conducted in the field of fundamental
rights and constitutional jurisdiction. Assuming that the Brazilian federal republic form a
Democratic Constitutional State, in which the Constitution aims, among others, guarantee
fundamental rights - including the second dimension - we conclude that social rights are legal
rights, so and payable direct and immediate applicability. However , despite this conclusion,
not despise the opinions of those who hold the difficulty of realization of social rights and the
existence of factual and legal restrictions of fundamental rights. Furthermore, we address the
normative force of the Constitution and the role of the new hermeneutic in achieving the
fundamental rights as well as the importance of constitutional adjudication before the
legislative failure to regulate the rights guaranteed by the Constitution fundamental rights,
ending with the analysis judged the Supreme Federal court.
KEY-WORDS: Democratic Constitutional State. Fundamental rights. Normative force of the
Constitution. Legislative omission. Constitutional jurisdiction.
1
Juiz de Direito do TJGO; foi Juiz Substituto do TJMG e Advogado; pós-graduado em Ciências Criminais.
Introdução
Quem governa com grandes omissões constitucionais de
natureza material menospreza os direitos fundamentais e
os interpreta a favor dos fortes contra os fracos. Governa,
assim, fora da legítima ordem econômica, social e
cultural e se arreda da tridimensionalidade emancipativa
contida nos direitos fundamentais da segunda, terceira e
quarta gerações (Paulo Bonavides).
Com a promulgação da Constituição de 1988, após a submissão a sucessivos
governos poucos democráticos, a república federativa brasileira consagrou o Estado
Constitucional Democrático, imbuído de um espírito social, base da construção de uma teoria
brasileira dos direitos fundamentais.
No presente ensaio, primeiramente fixamos que os direitos fundamentais de segunda
dimensão - denominados direitos sociais, econômicos e culturais - são direitos subjetivos,
portanto exigíveis do poder público pelos cidadãos, inclusive com aplicabilidade direta e
imediata (art. 5º, § 1º, CF).
No entanto, mesmo reconhecendo essa característica dos direitos fundamentais de
segunda dimensão, não desprezamos a opinião daqueles que defendem a existência de
restrições fáticas e jurídicas dos direitos fundamentais, o que resultaria em dificuldades na
concretização dos direitos sociais.
Adiante, apontamos a existência da figura do Juiz Social, oriundo da superação do
formalismo absoluto e da necessidade de estabelecer novos modelos para acompanhar a
evolução do Estado de Bem-Estar Social.
Com isso, será demonstrada a necessidade de se conferir força normativa à
Constituição, bem como o surgimento de uma nova hermenêutica constitucional, com o fito
de garantir a concretização das normas constitucionais, sobretudo as que garantem direitos
fundamentais aos cidadãos.
Ademais, pontuamos que a jurisdição constitucional amplia-se de maneira
significativa diante das omissões legislativas inconstitucionais impediditas do gozo dos
direitos fundamentais de segunda dimensão, inclusive inovando as técnicas do controle de
inconstitucionalidade a fim de suprir as lacunas legislativas.
Por fim, limitando-se à análise de omissões inconstitucionais veiculadas no bojo de
mandados de injunção impetrados na Corte Suprema, serão realizados estudos analíticos do
mandado de injunção nº 107 - que é o marco inicial do trato da matéria pelo Supremo
Tribunal Federal -, mandado de injunção nº 283 – pedido de indenização prevista na ADCT -,
mandado de injunção 670 – direito de greve dos servidores públicos -, mandado de injunção
721 – aposentadoria especial de servidores públicos –, e mandado de injunção nº 943 – avisoprévio indenizado.
Com essa abordagem, pretendemos mostrar que em um Estado Constitucional
Democrático os direitos sociais não podem ter seu gozo frustrado pela omissão
inconstitucional do legislador, competindo ao Poder Judiciário, sobretudo à jurisdição
constitucional, garantir a força normativa da Constituição concretizando os direitos sociais
pretendidos pelos cidadãos.
1. O Estado Constitucional Democrático e os direitos fundamentais de segunda
dimensão
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 a nação brasileira assentou e
sedimentou a adoção do modelo de um Estado Democrático de Direito2, ou Estado de BemEstar Social, ou Estado Democrático e Social de Direito3, ou ainda, Estado Constitucional
Democrático4, enfim, uma república federativa democrática e comprometida com os Direitos
Sociais (direitos fundamentais de segunda dimensão).
Tanto que a Carta Magna, em capítulo específico - Dos Direitos Sociais -, impõe que
“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição” (artigo 6º da CF). Além disso, a Constituição
destacou título próprio para disciplinar a “Ordem Social” (título VIII), logo após tratar da
ordem econômica (título VII). Ou seja, a Constituinte procurou conciliar a ordem econômica representada pela livre iniciativa do particular -, e a ordem social - fundada na necessidade do
Estado intervir para garantir direitos sociais a todos os cidadãos, consectários da igualdade
material.
O preâmbulo da Constituição de 1988, a despeito de sua ineficácia normativa, deixou
registrado na história do constitucionalismo brasileiro que “Nós, representantes do povo
2
Art. 1º da Constituição Federal.
3
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na
perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p.28.
4
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador: contributo para a
compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra Editora, 1982, p.338.
brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado
Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, [...]”.
Perceba-se que a Constituinte promete que o Estado, que ora se constituía, destinava-se a
assegurar o exercício dos direitos sociais.
Em um breve retrospecto das Constituições brasileiras é possível observar que as
promulgadas em 1934 e 1946 já possuíam essa inspiração social, oriundo do
constitucionalismo alemão weimariano, evidente à época, e que a Constituição de 1988 é de
um Estado de Bem-Estar Social5. E, com o esse modelo estatal, superando o ideal liberal - que
presa pelos valores vida, liberdade e propriedade -, o Estado-inimigo cede lugar para o
Estado-segurança, transformando as Constituições em um pacto de garantia social6.
Vislumbramos, ainda, que os direitos sociais elencados na Constituição Federal são
direitos fundamentais, consectário do princípio da igualdade material, constitutivo de direito
subjetivo do indivíduo7, exigível, portanto, do Estado social. Mais uma vez, me valho dos
ensinamentos do mestre Bonavides8,
O Estado social é enfim Estado produtor de igualdade fática. Trata-se de um
conceito que deve iluminar sempre toda a hermenêutica constitucional, em
se tratando de estabelecer equivalência de direito. Obriga o Estado, se for o
caso, a prestações positivas.
Os direitos sociais encontram-se no rol dos denominados direitos fundamentais de
segunda dimensão, que inclui também os direitos culturais e econômicos, portanto, passíveis
de exigibilidade e aplicação imediata e direta, conforme expressa previsão na Constituição
Federal de 1988 “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata” (art. 5º, § 1º) 9, em que pese as dificuldades apontadas por alguns estudiosos sobre
5
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014. Esclarece,
ainda, o renomado autor que “Com efeito, não é possível compreender o constitucionalismo do Estado social
brasileiro contido na Carta de 1988 se fecharmos os olhos à teoria dos direitos sociais fundamentais, ao
princípio da igualdade, aos institutos processuais que garantem aqueles direitos e aquela liberdade e ao papel
que doravante assume na guarda da Constituição o Supremo Tribunal Federal” (p. 382).
6
Ibidem, p.389.
7
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, op. cit., p. 342-343, reconhece o caráter de direito subjetivo dos Direitos
Sociais ao afirmar que: “A democracia, o Estado de Direito e os direitos fundamentais exigem a garantia de um
status activus, de um status positivus e de um status activus processualis e pressupõem que, pelo menos, se
presuma que os interesses dignos de protecção sejam interesses juridicamente protegidos, e que as vantagens
jurídico-objectivamente reconhecidas se considerem, na dúvida, como garantindo um direito subjetivo. [...]. A
exigência da consideração constitucional material dos direitos subjectivos públicos (que aqui se pressupõe)
implica que se dê outro passo na configuração constitucional das relações jurídicas objectivas e subjectivas: a
autonomização das posições jurídicas subjectivas perante o direito legal objectivo”.
8
9
Ibidem, p. 386.
No mesmo sentido é o escólio de Bonavides, op. cit., p. 579: “De tal sorte que os direitos fundamentais da
segunda geração tendem a tornar-se tão justiciáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que já
não poderá ser descumprida ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade de argumentação arrimada no
as limitações fáticas e jurídicas da concretização destes direitos10 e da exclusão dos direitos
sociais de cunho programático dessa aplicabilidade imediata, embora não negue o seu caráter
de direito subjetivo e sua eficácia sobre as normas infraconstitucionais, conquanto a falta de
consenso do alcance desse dispositivo11.
Esses obstáculos fáticos e jurídicos vêm sustentando doutrinadores que negam o
caráter de direito subjetivo dos direitos sociais prestacionais, justamente pela dependência
econômica na concretização desses direitos, invocando conceitos como reserva do possível e
escassez de recursos públicos. No entanto, ainda que no âmbito dos direitos fundamentais de
primeira dimensão o déficit de efetivação seja reduzido, não podemos descurar que mesmo as
liberdades públicas são descumpridas e ignoradas pelo poder público, sem, contudo perderem
o seu caráter de direito fundamental de aplicação imediata.
Ademais, vislumbramos que a invocação destes obstáculos de forma irrestrita,
poderá ensejar o total esvaziamento dos direitos sociais de caráter prestacional, o que, a nosso
ver, não é conveniente e condizente com o estágio evoluído dos direitos sociais no
constitucionalismo brasileiro. Talvez, a solução esteja no estabelecimento de um ponto de
equilíbrio, de forma a oportunizar ao poder público tempo razoável para organizar o
orçamento e a máquina administrativa para a concretização do direito social prestacional,
mas, jamais, esvaziar o seu conteúdo a pretexto de escassez de recursos12.
caráter programático da norma”. Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais - conteúdo essencial,
restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014, p. 205: “[...]: tanto quanto qualquer outro
direito, um direito social também deve ser realizado na maior medida possível, diante das condições fáticas e
jurídicas presentes”. (p. 205). Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria
geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2012, p. 281: “Ponto de partida da nossa análise será, aqui, também a constatação de que mesmo os
direitos fundamentais a prestações são inequivocamente autênticos direitos fundamentais, constituindo
(justamente em razão disto) direito imediatamente aplicável, nos termos do disposto no art. 5º, § 1º, de nossa
Constituição”. Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2012, p. 512-513: “Mesmo os direitos fundamentais sociais mínimos têm, especialmente quando são muitos que
deles necessitam, enormes efeitos financeiros. Mas isso, isoladamente considerado, não justifica uma conclusão
contrária à sua existência. A força do princípio da competência orçamentária do legislador não é ilimitada. Ele
não é um princípio absoluto”.
10
SILVA, Virgílio Afonso da, op. cit., p. 204-205. Cf. SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 54-55.
11
SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 66; p. 299-301.
12
Neste ponto, interessante passagem na obra de ALEXY, Robert, op. cit., p. 51, quando analisa
julgado do TCF alemão, em que aplicou a cláusula da reserva do possível, sem, contudo esvaziar o
direito fundamental a educação: “O tribunal parte de um direito subjetivo prima facie e vinculante, de
todo cidadão que tenha concluído o ensino médio, a ser admitido no curso universitário de sua
escolha. [...]. Fica claro que o direito, enquanto direito prima facie, é um direito vinculante, e não um
simples enunciado programático, quando o tribunal afirma que o direito, ‘em sua validade normativa,
não [pode] depender de um menor ou maior grau de possibilidades de realização’. Mas a natureza do
direito prima facie vinculante implica que a cláusula de restrição desse direito – a ‘reserva do
possível, no sentido daquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade’ – não pode
Bonavides, fazendo referência à Constituição de 1934, assevera que13,
Mas esse Estado, em razão de abalos ideológicos e pressões não menos
graves de interesses contraditórios ou hostis, conducentes a enfraquecer a
eficácia e a juridicidade dos direitos sociais na esfera objetiva das
concretizações, tem permanecido na maior parte de seus postulados
constitucionais uma simples utopia.
E, referindo-se à dificuldade de dar concreção aos direitos sociais, Paulo Bonavides,
ainda no século passado previa que14,
Para lograr eficácia da socialidade jurídica ou da estatalidade social e evitar
que o estatuto básico tenha, como nas Constituições anteriores do século
XX, considerável parte do conteúdo de suas regras sobre direitos sociais
convertida em preceitos meramente programáticos, por inaplicabilidade e
decurso de tempo, o constituinte de 1988 instituiu um remédio novo de
processualística constitucional: o mandado de injunção, cujo raio de alcance
e relevância para a realidade jurídica brasileira só a averiguação
jurisprudencial de sua aplicação poderá amanhã determinar.
Insta registrar, ainda, a denominada crise de inconstitucionalidade (terceira crise do
Estado Constitucional) em que há um verdadeiro desequilíbrio entre a Constituição formal e a
possibilidade, ou dificuldade, de concretização dos direitos sociais garantidos. Aduz
Bonavides15 que “se perde por inteiro o senso de proporção entre os fins programáticos, cujo
exagero faz a sua concretização extremamente penosa, se não impossível, e os elementos de
eficácia e juridicidade das regras constitucionais propriamente ditas”.
Com a demonstração de insuficiência do modelo positivista, com o advento do
constitucionalismo contemporâneo e o reconhecimento de direitos fundamentais de segunda
dimensão, iniciou-se o desafio de conferir concretude à isonomia material prometida pelo
Estado Constitucional Democrático. Com isso, há quem sustente o surgimento da figura do
Juiz Social, aquele conhecedor da teoria material da Constituição e da legitimidade dos
direitos sociais, bem como seus postulados de justiça, universalidade, eficácia e aplicabilidade
imediata destes direitos fundamentais16. Por outro lado, há aqueles que entendem que a
concretização dos direitos sociais depende de um diálogo constitucional entre os três poderes,
levar a um esvaziamento do direito”. Cf. voto do Ministro Gilmar Mendes proferido em BRASIL. Supremo
Tribunal Federal. Acórdão na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n. 3682. Relator(a): MENDES,
Gilmar. Publicado no DJ 06/09/2007.
13
BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 377.
14
Ibidem, p. 378.
15
Ibidem, p. 398. Complementa o autor que “A crise de inconstitucionalidade estala igualmente logo que o
constituinte já não sabe discernir entre o que deve ser e o que pode ser, tocante ao estabelecimento na
Sociedade de uma ordem fundamental onde se ajustem os preceitos formais da Constituição ao quadro das
realidades imperativas e circunjacentes, refratárias ao idealismo verbal dos revisores do sistema
constitucional”.
16
BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 618.
de forma que o Poder Judiciário possa aferir a possibilidade da restrição do direito
fundamental de segunda dimensão17.
Ademais, a relação entre direitos fundamentais, Constituição e Estado, consiste na
concepção de que os direitos fundamentais, muito mais que limitação do poder estatal
(representado pelos burgueses liberais), constitui em verdadeiro critério de legitimação do
exercício do poder, na medida em que o poder só existe com o fito de realizar e concretizar os
direitos fundamentais do homem18. Com isso, o exercício do poder governamental somente se
legitima na máxima eficácia dos direitos fundamentais, inclusive os de segunda dimensão,
razão pela qual todo e qualquer poder que se distancia da concretude destes direitos, no
entender dessa corrente, é ilegítimo e contrário à Constituição.
Konrad Hesse, em sua célebre obra “A força normativa da Constituição”, defende
que a Constituição não é mera folha de papel como sustentou Lassalle, mas sim um diploma
jurídico integrante da ciência jurídica no ramo de Direito Constitucional. Ademais, sustenta o
autor que esse ramo do direito integra o rol de ciência normativa, justamente pela natureza
normativista da Carta Magna19.
Para Hesse20,
O Direito Constitucional não estaria a serviço de uma ordem estatal justa,
cumprindo-lhe tão somente a miserável função – indigna de qualquer ciência
– de justificar as relações de poder dominantes. Se a Ciência da Constituição
adota essa tese e passa a admitir a Constituição real como decisiva, tem-se a
sua descaracterização como ciência normativa, operando-se a sua conversão
numa simples ciência do ser. Não haveria mais como diferenciá-la da
Sociologia ou da Ciência Política.
A questão apresentada importa para a caracterização da força normativa da
Constituição, especificamente para concluir se a Constituição jurídica se sobrepõe à realidade
político-social ou Constituição real21.
17
SILVA, Virgílio Afonso da, op. cit., p. 250-251. Sustenta o autor que “Se toda não-realização de direitos que
exigem uma intervenção estatal é uma forma de restrição ao âmbito de proteção desses direitos, a consequência
natural, como ocorre em todos os casos de restrições a direitos fundamentais, é uma exigência de
fundamentação. Restrição fundamentada é restrição possível; restrição não-fundamentada é violação. [...].
Para dar ensejo a alguma intervenção do Judiciário nesse âmbito, não basta que se verifique que uma ação que
poderia eventualmente realizar um direito fundamental não tenha sido realiada – [...]; é necessário, além dessa
verificação, que se analise se há, ou não há, fundamentação jurídico-constitucional para a omissão. Somente
nos casos de omissão infundada é que se poderia imaginar alguma margem de ação para os juízes nesse âmbito”.
18
SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 58-59.
19
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p.
10-11.
20
Ibidem, p. 11.
21
Esse conceito de Constituição real é utilizado por Hesse, op. cit., p. 11.
Neste ponto, Hesse com extrema sabedoria expõe que22:
Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor
tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem
efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta
segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os
questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se
puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se
afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se
presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos
principais responsáveis pela ordem constitucional -, não só a vontade de
poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur
Verfassung)”. (grifo do autor).
Assim, vislumbra-se a necessidade dos agentes públicos garantir a força normativa
da Constituição Federal, impulsionando-a e conduzindo-a a eficácia máxima e concretização
completa, sobretudo dos direitos sociais, conferindo força ativa ao texto constitucional23.
A nova hermenêutica constitucional, que surge com a necessidade de estabelecer
formas especiais de interpretação da Carta Magna, sobretudo dos direitos fundamentais,
introduz uma nova roupagem ao conceito de concretização. Isso porque, o novo
constitucionalismo emprega preceitos normativos amplos, vagos, que exige do intérprete
criatividade para integrar a norma na esfera da eficácia e juridicidade do próprio
ordenamento, sob o risco de torná-la letra morta e fria24. Torna-se imprescindível a
criatividade judicial a fim de alcançar a maior eficácia das normas constitucionais.
Além disso, é preciso incutir em todos os detentores do poder, agentes políticos e na
sociedade em geral a “vontade de Constituição”, a fim de garantir a preservação e o
fortalecimento da força normativa da Lei Fundamental25.
Mauro Cappelletti elege a “revolta contra o formalismo” como causa do fenômeno
moderno do crescimento da criatividade judicial26. Com a transformação do papel do Direito e
22
HESSE, Konrad, op. cit., p. 19.
23
Necessário registrar que HESSE, Konrad, op. cit., p. 24-26, impõe a satisfação de alguns pressupostos para
garantir a eficácia da Constituição.
24
BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 623. Esclarece o autor que “Na Velha Hermenêutica, regida por um
positivismo lógico-formal, há subsunção; em a Nova Hermenêutica, inspirada por uma teoria material de
valores, o que há é concretização; ali, a norma legal, aqui, a norma constitucional; uma interpretada, a outra
concretizada”.
25
26
HESSE, Konrad, op. cit., p. 19.
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1993, p. 33.
Esclarece o autor que “Desnecessário acentuar que todas essas revoltas conduziram à descoberta de que,
efetivamente, o papel do juiz é muito mais difícil e complexo, e de que o juiz, moral e politicamente, é bem mais
responsável por suas decisões do que haviam sugerido as doutrinas tradicionais. Escolha significa
discricionariedade, embora não necessariamente arbitrariedade; significa valoração e ‘balanceamento’;
significa ter presentes os resultados práticos e as implicações morais da própria escolha; significa que devem
ser empregados não apenas os argumentos da lógica abstrata, ou talvez os decorrentes da análise linguística
do Estado moderno, bem como a instituição da Sociedade do Bem-Estar impôs a necessidade
de superação do formalismo judicial.
Com dito linhas alhures, com a demonstração da insuficiência do modelo positivista,
há quem sustente o surgimento da figura do Juiz Social, aquele conhecedor da teoria material
da Constituição e da legitimidade dos direitos sociais, bem como seus postulados de justiça,
universalidade, eficácia e aplicabilidade imediata destes direitos fundamentais27.
No Brasil, especialmente após a promulgação da Constituição de 1988, o Poder
Judiciário deixou de ser visto como um departamento técnico-especializado do Estado para
alçar o lugar, devido, de poder político republicano. Com isso, o Poder Judiciário é
convocado, diuturnamente, para resolver litígios no campo político, econômico, social,
institucional etc, inclusive sobre as omissões legislativas e a carência de regulamentação dos
direitos fundamentais. Não descuramos que a solução dessa complexa gama de litígios exige
do magistrado uma alta dose de criativismo, ainda mais quando se defronta com omissões
legislativas esvaziadoras de direitos fundamentais constitucionalmente garantidos.
Discorrendo sobre essa transformação social, Cappelletti afirma que28,
Constitui um dado da realidade que a legislação social ou de welfare conduz
inevitavelmente o estado a superar os limites das funções tradicionais de
“proteção” e “repressão”. O papel do governo não pode mais se limitar a ser
o de um “gendarme” ou “night watchman”; ao contrário, o estado social – o
“État providence”, como o chamam, expressivamente, os franceses – deve
fazer sua técnica de controle social que os cientistas políticos chamam de
promocional. Tal técnica consiste em prescrever programas de
desenvolvimentos futuros, promovendo-lhes a execução gradual, ao invés de
simplesmente escolher, como é típico da legislação clássica, entre “certo” e
“errado”, ou seja, entre o caso “justo” e o “injusto”, right and wrong. É
mesmo quando a legislação social cria por si mesma direitos subjetivos,
cuida-se mais de direitos sociais do que meramente individuais.
E, diante esse fenômeno moderno e complexo, sustenta Cappelletti que ao Juiz
compete dar sua contribuição na tentativa de tornar efetivos os direitos sociais, concretizando
as “finalidade e princípios”, especialmente “controlando e exigindo o cumprimento do dever
puramente formal, mas também e sobretudo aqueles d história e da economia, da política e da ética, da
sociologia e da psicologia. E assim o juiz não pode mais se ocultar, tão facilmente, detrás da frágil defesa da
concepção do direito como norma preestabelecida, clara e objetiva, na qual pode basear sua decisão de forma
‘neutra’. É envolvida sua responsabilidade pessoal, moral e política, tanto quanto jurídica, sempre que haja no
direito abertura para escolha diversa”.
27
BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 618.
28
CAPPELLETTI, Mauro, op. cit., p. 41.
do estado de intervir ativamente na esfera social, um dever que, por se prescrito
legislativamente, cabe exatamente aos juízes fazer respeitar” 29.
Com a sabedoria que lhe é peculiar, Alexy30 pontua que,
na forma de direitos fundamentais sociais, que, do ponto de vista do direito
constitucional, são tão importantes que a decisão sobre garanti-las ou não
garanti-las não pode ser simplesmente deixada para a maioria parlamentar
simples.
Como acentuado pelo renomado autor31, “[...], um tribunal constitucional não é, de
modo algum, impotente em face de um legislador omisso”, de forma que o Tribunal
Constitucional possui um papel preponderante na concretização dos direitos fundamentais de
segunda dimensão, a ponto de, em última instância haver a “determinação judicial direta
daquilo que é obrigatório em virtude da Constituição” 32.
Por isso que defendemos que a jurisdição constitucional possui papel fundamental na
garantia da eficácia e máxima efetivação das normas constitucionais, sobretudo de direitos
sociais que impõe uma ação estatal (direitos sociais prestacionais), no contexto das omissões
legislativas. Isso porque, a despeito do célebre debate travado entre Hans Kelsen e Carl
Schimitt, aos Tribunais Constitucionais foi deferida a função precípua de guardiã da
Constituição3334.
No Brasil, a Constituição Federal foi expressa em garantir que “Compete ao
Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe [...]” (art.
102). Portanto, entre nós, cabe ao Supremo Tribunal exercer a jurisdição constitucional, a
função de intérprete máximo da Constituição e garante de sua eficácia normativa.
No entanto, essa função constitucional potencializa um desconforto entre os poderes,
criando embaraços na distribuição das funções estatais (Judiciário, Executivo e Legislativo).
Isso porque, como exposto acima, em muitos casos o Poder Judiciário, diante da inércia do
legislador, é provocado para colmatar lacunas normativas que envolvem direitos sociais
prestacionais. O cidadão, em que pese a garantia constitucional do direito, se depara com a
impossibilidade jurídica de gozá-lo, por absoluta ausência de norma infraconstitucional. Nesta
29
CAPPELLETTI, Mauro, op. cit., p. 42.
30
ALEXY, Robert, op. cit., p. 511-512.
31
Ibidem, p. 514.
32
Ibidem, p. 514.
33
KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. 3. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 237-298.
34
SCHIMITT, CARL. O guardião da Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
hipótese, o sujeito detentor do direito subjetivo, socorre-se da prestação jurisdicional para
garantir-lhe o gozo da benesse prometida pelo Constituinte.
É neste momento que o Judiciário encontra dificuldades diversas para concretizar o
direito do autor. Todavia, não pode o julgador se eximir da prestação jurisdicional, ainda mais
quando se discute a exigibilidade dos direitos sociais prestacionais, em que a omissão
legislativa praticamente esvazia o direito subjetivo do jurisdicionado. Acentua-se, portanto, o
desenvolvimento da criatividade judicial, fenômeno que vem sendo amplamente discutido na
doutrina estrangeira e nacional35.
E, para arrematar este tópico e ilustrar a importância da matéria, utilizo-me dos
ensinamentos do Ministro Gilmar Mendes, que afirmou ser36,
salutar o esforço que se vem desenvolvendo, no Brasil, para descobrir o
significado, o conteúdo e a natureza desses institutos [mandado de injunção
e ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão]. Todos os que,
tópica ou sistematicamente, já se depararam com uma ou outra questão
atinente à omissão inconstitucional, há de ter percebido que a problemática é
de transcendental importância não apenas para a realização de diferenciadas
e legítimas pretensões individuais. Ela é fundamental, sobretudo, para a
concretização da Constituição como um todo, isto é, para a realização do
próprio Estado de Direito Democrático, fundado na soberania, na cidadania,
na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho, na iniciativa
privada, e no pluralismo político, tal como estabelecido no art. 1º da Carta
Magna. Assinale-se, outrossim, que o estudo da omissão inconstitucional é
indissociável do estudo sobre a força normativa da Constituição.
É nesse contexto social que posicionamos a destacada importância da jurisdição
constitucional para a concretização dos direitos fundamentais, especialmente os de segunda
dimensão de caráter prestacional.
2. Direitos sociais e a jurisprudência da jurisdição constitucional brasileira.
Neste momento, passamos a analisar alguns julgados do Supremo Tribunal Federal
selecionados especialmente para demonstrar a evolução da jurisprudência da Corte na solução
e integração das omissões legislativas impediditas do gozo dos direitos fundamentais de
segunda dimensão – direitos sociais.
Adiantamos que, neste tópico, nos limitamos à análise de julgados em mandados de
injunção, sem, contudo desprezar a relevância instrumental das ações declaratórias de
inconstitucionalidade por omissão no contexto da ineficácia dos direitos sociais.
35
36
É o denominado ativismo judicial.
Voto do Ministro Gilmar Mendes em BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão na Ação Declaratória de
Inconstitucionalidade n. 3682. Relator(a): MENDES, Gilmar. Publicado no DJ 06/09/2007.
E, para demonstrar a complexidade do tema e inquietude que a matéria causa nos
juízes da Corte Suprema – como também para a doutrina nacional e estrangeira -, cito as
sábias palavras do jurista e Ministro da Suprema Corte Gilmar Mendes37,
É possível que a problemática atinente à inconstitucionalidade por omissão
constitua um dos mais tormentosos e, ao mesmo tempo, um dos mais
fascinantes temas do Direito Constitucional moderno. Ela envolve não só o
problema concernente à concretização da Constituição pelo legislador e
todas as questões atinentes à eficácia das normas constitucionais. Ela desafia
também a argúcia do jurista na solução do problema sob uma perspectiva
estrita do processo constitucional. Quando se pode afirmar a caracterização
de uma lacuna inconstitucional? Quais as possibilidades de colmatação dessa
lacuna? Qual a eficácia do pronunciamento da Corte Constitucional que
afirma a inconstitucionalidade por omissão do legislador? Quais as
consequências jurídicas da sentença que afirma a inconstitucionalidade por
omissão? Essas e outras indagações desafiam a dogmática jurídica aqui e
alhures.
Pois bem, superadas as explicações preliminares, observa-se que o Supremo Tribunal
Federal enfrentou pela primeira vez, em sede de mandado de injunção, as questões suscitadas
pelo controle de constitucionalidade por omissão total no mandado de injunção 107, da
relatoria do Ministro Moreira Alves, no ano de 1.99038.
Tratava-se de mandado de injunção impetrado por militar contra o Presidente da
República para obter a suspensão de seu licenciamento do serviço ativo do exército por contar
mais de 9 (nove) anos de serviço na condição de oficial do exército brasileiro, sob a alegação
de faltar a lei a que alude o art. 42, § 9º da Constituição Federal.
O julgado recebeu a seguinte ementa:
Mandado de injunção. Estabilidade de servidor público militar. Artigo 42,
parágrafo 9º, da Constituição Federal. Falta de legitimação para agir. Esta
Corte, recentemente, ao julgar o mandado de injunção 188, decidiu por
unanimidade que só tem legitimatio ad causam¸em se tratando de mandado
de injunção, quem pertença a categoria a que a Constituição Federal haja
outorgado abstratamente um direito, cujo exercício esteja obstado por
omissão com mora na regulamentação daquele. Em se tratando, como se
trata, de servidores públicos militares, não lhes concedeu a Constituição
Federal direito à estabilidade, cujo exercício dependa de regulamentação
desse direito, mas, ao contrário, determinou que a lei disponha sobre a
estabilidade dos servidores públicos militares, estabelecendo quais os
requisitos que estes devem preencher para que adquiram tal direito.
Precedente do STF: MI 235. Mandado de injunção não conhecido.
37
Voto do Ministro Gilmar Mendes em BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão na Ação Declaratória de
Inconstitucionalidade n. 3682. Relator(a): MENDES, Gilmar. Publicado no DJ 06/09/2007.
38
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 107. Relator: ALVES, Moreira.
Publicado no DJ 02/08/1991.
No julgamento, os Ministros decidiram por denegar o mandado de injunção, fortes
no argumento de que o autor não demonstrou sua legitimidade ativa para pleitear o direito
invocado. No entanto, nos votos dos eminentes Ministros da Corte Constitucional percebe-se
a preocupação em se estabelecer a natureza, a finalidade e as consequências do mandado de
injunção, sobretudo no contexto da eficácia dos direitos fundamentais.
Destaco, para ilustrar a afirmativa, o voto do Ministro Carlos Velloso, que
oportunamente afirmou39,
Sustento a tese no sentido do caráter substancial do mandado de injunção,
pelo que faz o mesmo as vezes da norma infraconstitucional ausente e
integra o direito ineficaz, ineficaz em razão da ausência da norma
regulamentadora, à ordem jurídica. Quer dizer, mediante o mandado de
injunção, o juiz cria, para o caso concreto, a norma viabilizadora do
exercício do direito, ou, como ensina Celso Barbi, adota “uma medida capaz
de proteger o direito reclamado”, solução que se põe de “acordo com a
função tradicional da sentença, que é resolver o caso concreto levado ao
Poder Judiciário, mas limitando a eficácia apenas a esse caso, sem pretender
usurpar funções próprias de outros poderes.” (Conf. Meu artigo “As Novas
Garantias Constitucionais”, RDA, 177/14, 24). Divirjo, portanto, data vênia,
do entendimento segundo o qual com o mandado de injunção obtém-se o
mesmo que se obtém com a ação direta de inconstitucionalidade por
omissão, procedente a ação do mandado de injunção, simplesmente dá-se
ciência ao órgão incumbido de elaborar a norma regulamentadora de que
está ele omisso. Esse entendimento, data vênia, esvazia a nova garantia
constitucional do mandado de injunção, que tem por escopo, segundo está na
Constituição, art. 5º, LXXI, viabilizar o exercício de direito e liberdade
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania. (Grifo do autor).
Portanto, em que pese os Ministros terem decidido por não conhecer do mandado de
injunção, percebe-se a inquietação dos Ministros e o surgimento de uma corrente no âmbito
da Corte Constitucional que visava garantir ao cidadão o direito reclamado, em detrimento do
entendimento de que competiria ao Poder Judiciário, tão somente, declarar a mora e
comunicar ao legislador sobre a gravidade de sua inércia – sedimentada naquela oportunidade.
No entanto, como antecipado, apesar de iniciado o debate, prevaleceu no Supremo e
assim firmou-se sua jurisprudência, no sentido de que em mandado de injunção a Corte
deveria limitar-se a constatar a inconstitucionalidade da omissão e determinar que o legislador
empreendesse as providências pertinentes40.
39
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 107. Relator: ALVES, Moreira.
Publicado no DJ 02/08/1991.
40
MENDES, Gilmar F.; BRANCO, Paulo G. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013,
p. 1183.
Em seguida, ainda no ano de 1991, a Suprema Corte brasileira, voltou a enfrentar o
tema em outro mandado de injunção41, em que o impetrante pretendia obter norma
individualizada que substituísse, enquanto permanecesse em mora o Poder Legislativo, a lei
destinada a disciplinar a “reparação de natureza econômica”, a que fazia alusão o § 3º do art.
8º da ADCT, que mandava conceder aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida
civil, atividade profissional específica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério
da Aeronáutica n. S-50-GM5 de 19 de junho de 1964, e n. S-285-GMS reparação de natureza
econômica, “na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em
vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição” (art. 8º, § 3º da
ADCT), desta vez sob a relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence,
Neste precedente, a Corte Constitucional, sopesou que a persistência da omissão
legislativa poderia acarretar frustração irreparável à expectativa de gozo pelo impetrante da
prestação reparatória devida pela União, cabendo acautelá-lo dos riscos da demora, na medida
do possível42.
E, traçando um breve paralelo, porém estabelecendo as devidas distinções, entre
mandado de injunção e ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão, o Ministro
Carlos Velloso, com sapiência peculiar, verberou que43,
No mandado de injunção, reconhecendo o juiz ou tribunal que o direito
inviável, em razão da ausência de norma infraconstitucional, fará ele, juiz ou
tribunal, por força do próprio mandado de injunção a integração do direito
à ordem jurídica, assim tornando-a eficaz e exercitável (C.F., art. 5º, LXXI).
(grifo do autor).
E, avançando na formação da jurisprudência afinada com o novo Estado – de BemEstar Social - e do constitucionalismo contemporâneo – garante dos direitos e liberdades
fundamentais -, a Corte Constitucional além de reconhecer a mora do legislador
infraconstitucional, fixou o prazo de 60 (sessenta) dias para a supressão da lacuna e, caso não
suprida, garantiu ao impetrante o seu direito à indenização pelas vias ordinárias, a ser fixada
diante o caso concreto. Enfim, a Corte Suprema avançou para permitir a concretização do
direito constitucionalmente previsto, mesmo sem a lei regulamentadora.
Vejamos a ementa44:
41
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 283. Relator: PERTENCE,
Sepúlveda. Publicado no DJ 14/11/1991.
42
Ibidem.
43
Voto do Ministro Carlos Velloso em Ibidem.
44
Ibidem.
Mandado de injunção: mora legislativa na edição da lei necessária ao gozo
do direito a reparação econômica contra a União, outorgado pelo art. 8º, § 3º,
ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação
da mora e, caso subsista a lacuna, facultado o titular do direito obstado a
obter, em juízo, contra a União, sentença líquida de indenização por perdas e
danos. [...]. 2. A norma constitucional invocada [...] – vencido o prazo nela
previsto, legitima o beneficiário da reparação mandada conceder a impetrar
mandado de injunção, dada a existência, no caso, de um direito subjetivo
constitucional de exercício obstado pela omissão legislativa denunciada. 3.
Se o sujeito passivo do direito constitucional obstado é a entidade estatal à
qual igualmente se deva imputar a mora legislativa que obsta ao seu
exercício, é dado ao Judiciário, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos
mandamentais típicos, o provimento necessário a acautelar o interessado
contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo
razoável que fixar, de modo a facultar-lhe, quanto possível, a satisfação
provisória do seu direito. 4. Premissas, de que resultam, na espécie, o
deferimento do mandado de injunção para: a) declarar em mora o legislador
com relação à ordem de legislar contida no art. 8º, § 3º, ADCT,
comunicando-o ao Congresso Nacional e à Presidência da República; b)
assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim de
que se ultime o processo legislativo da lei reclamada; c) se ultrapassado o
prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconhecer ao impetrante a
faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença
líquida de condenação à reparação constitucional devida, pelas perdas e
danos que se arbitrem; d) declarar que, prolatada a condenação, a
superveniência de lei não prejudicará a coisa julgada, que, entretanto, não
impedirá o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em
que lhe for mais favorável.
Em outro episódio, de grande valor para a concretização dos direitos fundamentais de
segunda dimensão, o Supremo Tribunal Federal enfrentou, mais uma vez, o tema com
sublime sabedoria em mandado de injunção em que o Sindicato dos Servidores Policiais Civis
do Espírito Santo – SINDIPOL objetivava o reconhecimento do direito de greve da categoria,
com base na Lei federal 7.783/89, dada a falta de norma regulamentadora da disposição
contida no inciso VII do art. 37 da Constituição de 1.98845.
Tratava-se de típica omissão legislativa referente a direito social garantido pelo
Constituinte que estatuiu “o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos
em lei específica” (art. 37, VII).
A inspiradora ementa do julgado irradia sabedoria ao afirmar que46,
Apesar dos avanços proporcionados por essa construção jurisprudencial
inicial, o STF flexibilizou a interpretação constitucional primeiramente
fixada para conferir uma compreensão mais abrangente à garantia
fundamental do mandado de injunção. A partir de uma série de precedentes,
o Tribunal passou a admitir soluções ‘normativas’ para a decisão judicial
45
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 670. Relator(a) para acórdão:
MENDES, Gilmar. Publicado no DJe 31/10/2008.
46
Ibidem.
como alternativa legítima de tornar a proteção judicial efetiva (CF, art. 5º,
XXXV).
Assumindo uma postura ativa na solução da omissão legislativa - esvaziadora do
direito fundamental de segunda dimensão -, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a
permanência da situação de ausência de regulamentação do direito de greve poderia ensejar
grave risco de consolidação de uma típica “omissão judicial” 47.
A Corte Suprema destacou a gravidade da omissão deliberada do legislador que
decorrido quase 19 (dezenove) anos da promulgação da Constituição sem a devida
concretização, pelo Congresso Nacional, do direito esculpido no art. 37, VII, da Carta Magna
e as reiteradas declarações de mora legislativa pelo Supremo48, poderia, inclusive consolidar
uma, inadmissível, omissão judicial na concretização dos direitos fundamentais.
Portanto, verificava-se, na espécie, uma inércia deliberada do Congresso Nacional,
que insistia em não regulamentar o direito fundamental, mesmo após, aproximados 13 (treze)
anos do reconhecimento da omissão do legislador.
Salientou-se a Suprema Corte a possibilidade de adoção de medidas normativas
“como alternativa legítima de superação de omissões inconstitucionais, sem que a proteção
judicial efetiva a direitos fundamentais se configure como ofensa ao modelo de separação de
poderes (CF, art. 2º)” 49.
O Ministro Gilmar Mendes foi categórico ao afirmar que “não estou a defender aqui
a assunção do papel do legislador positivo pelo Supremo Tribunal Federal”. E, ressaltando a
importância do debate e referindo-se às omissões legislativas parciais e às sentenças aditivas
do direito italiano, afirmou que “denota-se que se está no caso do direito de greve dos
servidores, diante de hipótese em que a omissão constitucional reclama uma solução
diferenciada”. E concluiu que “O que se propõe, portanto, é uma mudança de perspectiva
quanto às possibilidade jurisdicionais de controle de constitucionalidade das omissões
legislativas” 50.
Por oportuno, constata-se que a inércia estatal em adimplir as imposições
constitucionais traduziu em um inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição,
47
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 670. Relator(a) para acórdão:
MENDES, Gilmar. Publicado no DJe 31/10/2008.
48
O Supremo Tribunal Federal já havia declarado a mora legislativa do Congresso Nacional no ano de 1994, ao
julgar o MI 20/DF.
49
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 670. Relator(a) para acórdão:
MENDES, Gilmar. Publicado no DJe 31/10/2008.
50
Voto do Ministro Gilmar Mendes em Ibidem.
configurando comportamento inadequado do legislador que deve ser combatido pelos demais
poderes que formam a república federativa do Brasil.
Fortes nesses argumentos, a Corte Suprema arrematou o julgado nos seguintes
termos51,
Em razão da evolução jurisprudencial sobre o tema da interpretação da
omissão legislativa do direito de greve dos servidores públicos civis e em
respeito aos ditames de segurança jurídica, fixa-se o prazo de 60 (sessenta)
dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. 6.7. Mandado de
injunção conhecido e, no mérito, deferido para, nos termos acima
especificados, determinar a aplicação das Leis nº 7.701/1988 e 7.783/1989
aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de
greve dos servidores públicos civis.
Com isso, observa-se que o Supremo Tribunal Federal colmatou a lacuna existente
para garantir aos servidores públicos o direito fundamental de segunda dimensão a praticarem
o movimento grevista, aplicando as Leis 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às ações
judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis.
Não poderíamos deixar de apontar também, ante a sua significativa relevância, o
julgamento do mandado de injunção nº 72152.
Na espécie, trata-se de mandado de injunção impetrado por servidora do Ministério
da Saúde, ocupante da função de auxiliar de enfermagem desde outubro de 1986, trabalhando
em condições insalubres há mais de 25 anos, em contato direto com agentes nocivos à saúde,
como portadores de moléstias infectocontagiosas, material e objetos contaminados,
sustentando que a ausência de lei complementar a que se refere o art. 40, § 4º da Constituição
Federal, tornava inviável o exercício do seu direito à aposentadoria especial.
Neste julgado, a Corte Suprema, perfilhando posicionamento que consagrou a
evolução da jurisprudência do Supremo, colmatou a lacuna e aplicou analogicamente o
disposto do art. 57, § 1º, da Lei 8.213/91 para garantir à servidora pública o direito a
aposentadoria especial, constitucionalmente previsto (art. 40, § 4º).
O Ministro Marco Aurélio, ao proferir seu voto registrou que “Cabe ao Supremo,
porque autorizado pela Carta da República a fazê-lo, estabelecer para o caso concreto e de
forma temporária, até a vinda da lei complementar prevista, as balizas do exercício do direito
assegurado constitucionalmente” 53.
51
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 670. Relator(a) para acórdão:
MENDES, Gilmar. Publicado no DJe 31/10/2008.
52
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 721. Relator: AURÉLIO, Marco.
Publicado no DJ 30/11/2007.
53
Voto do Ministro Marco Aurélio em Ibidem.
Esclareceu o culto jurista que não havia que se confundir a atuação do Supremo com
a atividade do legislativo, obtemperando que “O pronunciamento judicial faz lei entre as
partes, como qualquer pronunciamento em processo subjetivo, ficando, até mesmo, sujeito a
uma condição resolutiva, ou seja, ao suprimento da lacuna regulamentadora por quem de
direito, Poder Legislativo” 54.
Pertinentes também foram as observações pontuadas pelo Ministro Eros Grau,
afirmando que “Importa verificarmos é se o Supremo Tribunal Federal emite decisões
ineficazes; decisões que se bastam em solicitar ao Poder Legislativo que cumpra o seu dever,
inutilmente” 55.
Com isso, o Supremo Tribunal Federal reafirma seu posicionamento para integrar o
direito e suprir a lacuna existente no sistema normativo de direitos e garantias fundamentais
ante a omissão deliberada do legislador infraconstitucional, prejudicial ao gozo do direito
fundamental por parte do cidadão, determinando a aplicação do art. 57, § 1º, da Lei 8.213/91,
até que sobrevenha normatização específica.
O julgado recebeu a seguinte ementa:
MANDADO DE INJUNÇÃO – NATUREZA. Conforme disposto no inciso
LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de
injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de
omissão. A carga de declaração não é objeto de impetração, mas premissa da
ordem a ser formalizada. MADADO DE INJUNÇÃO – DECISÃO –
BALIZAS. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia
considerada a relação jurídica nele revelada. APOSENTADORIA –
TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS – PREJUÍZO Á SAÚDE DO
SERVIDOR – INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR – ARTIGO
40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina
específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via
pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral – artigo
57, § 1º, da Lei 8.213/91.
Por fim, representativo do maior grau de evolução da jurisprudência da Corte
Suprema brasileira, temos o julgamento do mandado de injunção nº 94356, da relatoria do
Ministro Gilmar Mendes.
In casu, tratava-se de mandado de injunção impetrado contra suposta omissão na
edição da lei prevista no artigo 7º, XXI, da Constituição da República, que garantia ao
54
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 721. Relator: AURÉLIO, Marco.
Publicado no DJ 30/11/2007.
55
56
Ibidem.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 943. Relator(a) para acórdão:
MENDES, Gilmar. Publicado no DJe 20/06/2014.
trabalhador o direito ao aviso prévio proporcional, nos seguintes termos: “aviso-prévio
proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei”.
No entanto, o caso concreto contava com uma característica singular, qual seja a
ausência total de parâmetro normativo para colmatação da lacuna legislativa. Isso porque, ao
contrário dos precedentes do direito de greve57 e da aposentadoria especial58, o aviso prévio
proporcional não possuía qualquer parâmetro normativo infraconstitucional pré-estabelecido
ou qualquer outro critério razoável para utilização provisória na integração do vácuo
normativo.
No transcorrer do julgamento, os Ministros, fixados que seria concedida a ordem e da
necessidade de concretização do direito constitucional subjetivo, levantaram várias propostas
criando critérios proporcionais e razoáveis para garantir o direito do impetrado. No entanto,
por prudência e com a finalidade de consolidar as diversas propostas para alcançarem uma
solução conciliatória das várias vertentes apontadas, a Corte decidiu suspender o julgamento.
Enfim, o Supremo estava decidido a concretizar o direito do impetrante, mesmo sem
parâmetro normativo pré-existente. Ocorre que, antes da reinclusão do julgamento em pauta, o
Congresso Nacional aprovou e o Executivo promulgou a Lei 12.506/11, regulamentado o
instituto do aviso-prévio (art. 7º, XXI, da CF).
Verificou-se que a suspensão da sessão de julgamento impulsionou o Congresso
Nacional a regulamentar o direito ao aviso-prévio proporcional dos trabalhadores brasileiros,
preenchendo um vácuo legislativo de mais de 20 (vinte) anos.
Por fim, percebe-se, também, da análise do julgado, que a Corte Suprema perfilhou
do seu novo entendimento para aplicar a técnica de sentença aditiva, utilizada no direito
italiano, indicando que nos julgamentos dos mandados de injunção irá garantir a máxima
efetividade dos diretos e garantias constitucionais, imprimindo força normativa à Constituição
Federal.
Conferimos a ementa:
Mandado de injunção. 2. Aviso prévio proporcional ao tempo de serviço.
Art. 7º, XXI, da Constituição Federal. 3. Ausência de regulamentação. 4.
Ação julgada procedente. 5. Indicação de adiamento com vistas a consolidar
proposta conciliatória de concretização do direito ao aviso prévio
proporcional. 6. Retomado o julgamento. 7. Advento da Lei 11.506/2011,
que regulamentou o direito ao aviso prévio proporcional. 8. Aplicação
judicial de parâmetros idênticos aos da referida legislação. 9. Autorização
57
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 670. Relator(a) para acórdão:
MENDES, Gilmar. Publicado no DJe 31/10/2008.
58
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 721. Relator: AURÉLIO, Marco.
Publicado no DJ 30/11/2007.
para que os ministros apliquem monocraticamente esse entendimento aos
mandados de injunção pendentes de julgamento, desde que impetrados antes
do advento da lei regulamentadora. 10. Mandado de injunção julgado
procedente.
Pois bem! É certo que, após o julgamento do Mandado de Injunção nº 107, da
relatoria do Ministro Moreira Alves, DJ 21.9.1990, leading case na matéria relativa à
omissão, a Corte passou a proporcionar profundas alterações no instituto do mandado de
injunção, conferindo-lhe conformação mais ampla e eficaz, afinando-se com o
posicionamento da moderna doutrina de direitos fundamentais, especialmente no ponto
relacionado aos direitos sociais prestacionais.
Podemos perceber que a Corte Suprema brasileira, sem imiscuir na função legislativa
(expressamente lembrado pelo Ministro Gilmar Mendes), reconhece a insuficiência da
orientação inicialmente perfilhada e avança para garantir eficácia aos direitos fundamentais
garantidos aos cidadãos.
As decisões proferidas nos Mandados de Injunção nº 283, 670, 721 e 943, sinalizam
inequivocamente para uma nova compreensão do instituto e a admissão de uma solução
normativa para a decisão judicial, com o fito de afastar a famigerada omissão do Poder
Legislativo em seu dever de regulamentar e garantir total eficácia aos direitos fundamentais.
As decisões analisadas neste trabalho sugere que o Supremo Tribunal Federal aceitou
a possibilidade de regular provisoriamente as omissões legislativas que frustram o gozo de
direitos e liberdade constitucionais pelo Poder Judiciário, invocando a técnica da sentença
aditiva utilizada pela doutrina italiana59.
Conclusão
Com a consolidação do Estado de Bem-Estar Social através do Estado Constitucional
Democrático, e com a elevação dos direitos fundamentais como direitos subjetivos exigíveis
do poder público, com aplicabilidade imediata e direta, sem descurar das opiniões que
defendem a necessidade de respeitar as restrições fáticas e jurídicas dos direitos fundamentais,
percebemos a importância de se garantir a eficácia máxima das normas constitucionais,
sobretudo das alusivas a direitos fundamentais de segunda dimensão.
59
Voto do Ministro Gilmar Mendes em BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção
n. 943. Relator(a) para acórdão: MENDES, Gilmar. Publicado no DJe 20/06/2014.
Não desprezamos as dificuldades em concretizar os direitos sociais, tanto que o
legislador infraconstitucional, em diversos casos, preferiu não regulamentar o direito
constitucional, criando um vácuo legislativo impedidito do gozo do direito fundamental.
No entanto, no constitucionalismo contemporâneo vislumbra-se a origem do Juiz
Social, que superando as dificuldades fáticas e jurídicas, imbui-se na sublime função de
concretizar a Constituição Federal em sua totalidade, dando-lhe espírito, corpo e vida. E esse
fenômeno
vem
acompanhado
da
nova
hermenêutica
constitucional,
instrumento
imprescindível para a sobrevivência da Constituição.
Ademais, debitamos singular relevância na jurisdição constitucional, que no Direito
brasileiro é conferida ao Supremo Tribunal Federal, vez que a ela é dada a tormentosa tarefa
de garantir a máxima eficácia e efetividade da Constituição, sobretudo diante a inércia de um
dos poderes em regulamentar os direitos fundamentais conferidos pela Constituição Federal
de 1988.
Enfim, a omissão inconstitucional do legislador ordinário no tocante a concretização
dos direitos fundamentais é um fenômeno que precisa ser combatido pelos demais poderes da
república que, dentro dos parâmetros da divisão dos poderes, devem buscar soluções eficazes
e criativas para colmatar as lacunas legislativas que frustram os direitos dos cidadãos
brasileiros.
REFERÊNCIAS
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2012.
APOSTOLOVA, Bistra Stefanova. Perfil e habilidades do jurista: razão e sensibilidade.
Notícia do Direito Brasileiro. Brasília: UNB, Faculdade de Direito, n. 5 (jan./jun, de 1998),
p.117-131, 1999.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 29. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2014.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado, 1988.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade
n. 3682. Relator(a): MENDES, Gilmar. Publicado no DJ 06/09/2007.
_____. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 107. Relator:
ALVES, Moreira. Publicado no DJ 02/08/1991.
_____. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 283. Relator:
PERTENCE, Sepúlveda. Publicado no DJ 14/11/1991.
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OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE SEGUNDA