Mestrado em Economia e Administração de Empresas Políticas Económicas Análise do cenário macroeconómico e das opções de política macroeconómica presentes no Orçamento de Estado para 2014 Cláudio Carvalho ‐ n.º mecanográfico 200500442 Pedro Leitão ‐ n.º mecanográfico 200601504 Porto, novembro de 2013 Introdução No âmbito da unidade curricular de Políticas Económicas do Mestrado em Economia e Administração de Empresas da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, é nossa responsabilidade apresentar este trabalho com o intuito de, sumariamente, analisar o cenário macroeconómico e as opções de política delineadas na proposta de Orçamento de Estado para 2014 (POE2014)1. Assim, apresenta‐se neste documento a evolução do cenário macroeconómico dos últimos anos e as perspetivas futuras a dois níveis, internacional e nacional. São estes e outros dados que ilustram o contexto em que se esboça o andamento da economia portuguesa e das finanças públicas no próximo ano. Seguir‐se‐á uma análise crítica à POE2014, nas vertentes associadas às expectativas das finanças públicas e às opções de política orçamental. Finalizamos este trabalho com a apresentação de algumas considerações que não foram tecidas no restante documento. Como pretendemos uma reflexão crítica e o mais completa possível, invocaremos várias fontes e relatórios de entidades com posição pertinente sobre este assunto, numa tentativa de organicamente representar o debate sobre o Orçamento do Estado que atualmente decorre na sociedade portuguesa. Faremos, assim, várias referências aos relatórios da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), do Conselho de Finanças Públicas (CFP), do Conselho Económico e Social (CES), dos relatórios das principais empresas de consultoria (Deloitte, PricewaterhouseCoopers, Ernest & Young) e outros documentos relevantes. Por último, queremos frisar que, não obstante a ótica de análise necessariamente económico‐financeira que consubstanciou o nosso método de trabalho, importa realçar que as matérias aqui expostas não podem ser dissociadas de questões pertencentes a outros domínios do saber como, por exemplo, o direito e a sociologia. O bom e aconselhado governo das finanças públicas requer uma análise sempre atenta e multidisciplinar, sob o risco de reduzir a simplificações artificiais o comportamento dos agentes e da sociedade. Análise do cenário macroeconómico: evolução e perspetivas Enquadramento internacional A POE 2014 faz assentar a sua análise do contexto macroeconómico internacional, substancialmente nas previsões avançadas pelo FMI e pelo BCE2. Estes organismos adiantam‐
nos as seguintes estimativas e previsões. Conta‐se que, até ao final deste ano, o PIB Mundial registe um crescimento médio inferior ao verificado no ano passado: 3,2% contra 2,9% em 2012. Já para 2014 a perspetiva é mais otimista, com 3,6% como valor apontado. O FMI vem agora corrigir as previsões feitas há alguns meses atrás, em virtude da revisão em baixa do crescimento das principais economias emergentes em 2014, em particular os casos da Índia, da Rússia e da China. Contrabalançando esta tendência, é esperada uma recuperação das principais economias avançadas, nomeadamente, os EUA, o Japão e a Europa. Relativamente a esta última zona económica, é de esperar a persistência de um grande diferencial de crescimento no seu seio, com economias relativamente dinâmicas (como as dos países 1
Doravante, para efeitos de facilitação da exposição, designaremos indistintamente a expressão OE2014 quando nos quisermos referir quer ao Orçamento de Estado quer à proposta inicialmente apresentada pelo governo. 2
«Orçamento de Estado para 2014 – Relatório». Ministério das Finanças. Lisboa, Outubro de 2013. p. 1‐
16. 2 bálticos) a contrastar com a morna evolução dos países sujeitos a programas de ajustamento económico. Na Área do Euro (AE), o crescimento da economia deverá registar um valor muito modesto (1%), representando, no entanto uma inversão da tendência da variação negativa do PIB que já se regista, em termos trimestrais, em cadeia, desde o último quartil de 2011. Em 2013, a inflação mundial deve situar‐se nos 1,4%, o mesmo valor registado pelos EUA e ligeiramente inferior ao da AE (1,5%). Em relação às taxas de juro de referência, os principais bancos centrais mantinham‐nas, até ao final de setembro último, em níveis próximos dos 0%. A taxa de refinanciamento do BCE encontra‐se, desde maio último, nos 0,5%. Enquadramento nacional Produto e as suas componentes: A economia portuguesa cresceu a uma média de 1,4%/ano entre 1996 e 2012, e de 0,2%/ano desde o início da década passada, enquanto os países que constituem a AE cresceram a uma média de 1,0%/ano desde a mesma altura. Nos países da atual Europa a 28 (UE28) o ritmo de crescimento foi de 1,3%/ano. Esta discrepância revela enormes fragilidades estruturais, sobretudo se considerarmos a adoção de políticas orçamentais expansionistas em períodos não recessivos ao longo das últimas décadas. Entre 2011 e 2015, as previsões3 (vd. gráfico I nos anexos) apontam para uma contração média do produto de 0,8%/ano em Portugal, contrastando com o crescimento da UE28 e da AE, respetivamente 0,9%/ano e 0,4%/ano. As previsões, constantes da POE20144, apontam para um crescimento do produto interno bruto real de 0,8%, marcando uma alteração relativamente a 2013 (‐1,3%) e expectativas mais positivas em comparação com a Comissão Europeia (CE) (0,6%), o Banco de Portugal (BdP) (0,3%) e, ainda, relativamente ao Documento de Estratégia Orçamental 2013‐20175 (DEO2013‐2017) (0,6%) apresentado em abril passado6. Nas componentes do produto, destacam‐se a contração de ‐2,8% no consumo público e uma inversão do paradigma de contração do consumo privado e do investimento. O consumo privado que se espera que varie negativamente, na ordem dos 2,5%, em 2013, projeta‐se, no entanto, que conheça um tímido crescimento de 0,1%, algo que não acontecia desde 2010 (2,5%). Já o investimento terá, segundo a POE2014, um crescimento de 1,2% — algo que não 3
Série estatística «Produto interno bruto a preços de mercado». Eurostat. Acedida a 7 de novembro de 2013. 4
«Orçamento de Estado para 2014 – Relatório». Ministério das Finanças. Lisboa, Outubro de 2013. p. 17‐18. 5
«Documento de Estratégia Orçamental: 2013‐2017». Ministério das Finanças. Lisboa, Abril de 2013. 6
A OCDE, num breve sumário de previsões divulgado durante o presente mês de Novembro, subscreve o cenário macroeconómico desenhado na POE2014: «as global conditions improve and domestic demand recovers, growth should resume slowly, with marginally positive growth projected for 2014. Following recent positive improvements in the labour market, the unemployment rate is expected to continue a gradual decline throughout the forecasting horizon. As economic slack remains sizeable, inflation is set to remain very low. The current account has moved into surplus, reflecting in part improvements in competitiveness, but also very weak domestic demand». in «Portugal ‐ Economic Disponível on‐line em: forecast summary (November 2013)». OCDE. <http://www.oecd.org/eco/outlook/portugaleconomicforecastsummary.htm>. Consulta realizada em 26.11.2013. 3 ocorria desde 2007 (2,6%) —, em contraste com a contração esperada de ‐8,5% em 20137. Destaque‐se, porém, os alertas do Conselho de Finanças Públicas, que sublinham os riscos: i.
de reversibilidade das medidas de consolidação orçamental; ii.
de difícil avaliação do impacto efetivo das políticas contracionistas no consumo privado; iii.
de o Ministério das Finanças não ter fundamentado cabalmente a previsão de crescimento do investimento, sendo que, como pode ler‐se no relatório desta entidade, a POE2014 «não inclui qualquer ponto específico sobre a evolução do Investimento ou dos seus determinantes, embora se trate duma variável chave para a sustentabilidade do crescimento potencial da economia e um motor da sua transformação estrutural»8. Conforme já foi apresentado (vd. nota 4), esta estimativa poderá não se verificar e comprometer as metas traçadas para o próximo ano. Na própria POE2014, os riscos de desvio em relação às previsões apontadas são igualmente enumerados e repartem‐se por três tipos 1) a intensificação da crise da dívida soberana e a deterioração da confiança dos agentes, favorecendo a continuação da contração da procura interna; 2) a fragilidade do sistema bancário europeu, ainda sujeita a medidas de recapitalização e de testes de solidez; 3) no mercado interno, como repercussão da situação anterior, o escasso financiamento disponível aos agentes pode minar as perspetivas de investimento9. Curiosamente, o investimento, uma das componentes do PIB que é desde logo apontada pelo Governo como particularmente sensível e propensa a variações adversas da conjuntura, surge na POE2014 com previsões que várias entidades consideram otimistas e infundadas. Taxa de desemprego: Quanto à taxa de desemprego, a previsão é de que ocorra um ligeiro aumento, de 17,4%, respeitante a 2013, para 17,7% em 2014. Contudo, estes valores são mais otimistas face a abril, quando se apontava para uma taxa de desemprego de 18,5%10. Concomitantemente, a verificar‐se, tal representará a manutenção da desaceleração da tendência de aumento do desemprego (i.e. aumentos contínuos verificados na taxa de desemprego nos últimos anos: +3,0 p.p. 2011‐2012, +1,7 p.p. em 2012‐2013 e +0,3 p.p. em 2013‐2014). Ainda assim, tal facto não deve deixar de ser enquadrado com a evidência de que estes «níveis historicamente elevados do desemprego (...) continuarão a pressionar as contas 7 Esta estimativa é seriamente questionada nos relatórios da UTAO, do CFP e do CES. Este último fundamenta as suas reversas tendo em conta que «o OE 2014 não cria condições propícias ao aumento do investimento que permitam tal evolução, e atendendo às dificuldades de acesso ao financiamento que deverão continuar a persistir, em especial pelas PME, cujo peso no total da concessão de crédito tem vindo a diminuir desde o início da crise. Para além disso, esta previsão está envolvida em grande incerteza devido à continuação da política condutora à contração da procura interna» (e ao abrandamento do crescimento da procura externa, acrescentamos). «Parecer sobre a Proposta do Orçamento do Estado para 2014». Conselho Económico e Social. Lisboa, 4 de novembro de 2013. p. 20. 8
«Análise da Proposta de Orçamento do Estado – relatório do CFP». Conselho das Finanças Públicas. Lisboa, Novembro de 2013. p. 28. 9
«Orçamento de Estado para 2014 – Relatório». Ministério das Finanças. Lisboa, Outubro de 2013. p. 20‐21. 10
«Documento de Estratégia Orçamental: 2013‐2017». Ministério das Finanças. Lisboa, Abril de 2013. p. 6. 4 das administrações públicas» como regista o CFP11 e, simultaneamente, poderão agravar substancialmente as condições de vida e as desigualdades sociais, assim como criar um nível de desemprego estrutural com diretas consequências para a competitividade nacional. Importa, igualmente, acompanhar a evolução da população ativa e inativa. A variação entre 2012 e 2013 reforça essa preocupação, visto que o país tem mais 30 mil pessoas inativas e menos de 135 mil pessoas ativas (‐0,8 p.p. entre 2012 e 2013)12. A população total ter‐se‐á reduzido em 105 mil, pelo que importa acompanhar os fluxos migratórios e perceber, sobretudo, se são os recursos mais qualificados que estão a emigrar, resultando numa perda acrescida de capital humano e de recursos públicos investidos, nomeadamente em educação. Preços: Ao longo de 2013, a variação dos preços, medida pelo Índice de Preços no Consumidor em termos homólogos, deverá registar‐se nos 0,6%, um valor bem abaixo daquele fixado pelos tratados europeus como missão de política monetária na AE (implementada através do seu braço oficial, o BCE) de 2%. A economia portuguesa esteve mais perto da deflação este ano do que propriamente sujeita a tensões inflacionistas, evoluindo os preços a um ritmo inferior ao registado na AE (1,2%), 0,8 p.p. acima da média europeia13. Em termos setoriais, a categoria de produtos que mais viu os seus preços aumentar foi o setor alimentar (2,5%), em contraponto com o setor de bens energéticos, que reduziu os seus preços em 1,3%. Competitividade e produtividade: Portugal tem vindo a perder posição quanto à competitividade global relativamente aos demais países, como demonstram os sucessivos relatórios do Fórum Económico Mundial’14: em 2006‐2007, Portugal assumia o 43º lugar em 122 países; em 2007‐2008, ocupava o 40º em 131 países; em 2008‐2009 e em 2009‐2010, ocupava o 43º posto; em 2010‐2011, o 46º em 139 países; em 2011‐2012, o 45º; 2012‐2013, 49º em 144 países; e, agora, em 2013‐2014, ocupa o 51º em 148 países. O desenvolvimento do mercado financeiro, o ambiente macroeconómico, a eficiência do mercado laboral e a inovação são os fatores menos cotados do nosso país (vd. gráfico II nos anexos). Registou‐se, no entanto, uma evolução positiva da taxa de câmbio efetiva real no segundo trimestre de 2013 (0,3%, em termos homólogos), indicador da ligeira melhoria da competitividade da economia portuguesa15. O relatório do CFP destaca também esta preocupação, vincando a correção dos desequilíbrios macroeconómicos estruturais e o fomento da competitividade como objetivos dos Orçamentos do Estado e reformas estruturais promovidas pelo Governo no período de vigência daquele programa. Os membros do Conselho veem um sinal positivo na melhoria das expectativas e níveis de confiança quer dos agentes nacionais quer estrangeiros, que, dizem, «constituem um importante capital de suporte à sustentação da trajetória de crescimento que a POE/2014 prevê ir ter início e do qual uma manifestação relevante será a recuperação do investimento produtivo privado»16. Ainda neste âmbito, o Conselho Europeu tem vindo a recomendar a Portugal a prossecução de medidas estruturais que, em paralelo, promovam a competitividade da economia portuguesa e a sustentabilidade das finanças 11
Op. cit. Conselho das Finanças Públicas, p.26. 12
«Árvore do Emprego – Estatísticas do Emprego – 3º Trimestre de 2013». Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia e do Emprego. 2013. 13
«Orçamento de Estado para 2014 – Relatório». Ministério das Finanças. Lisboa, Outubro de 2013. p. 8‐
9. 14
«The Global Competitiveness Index 2013–2014». FEM ‐ Fórum Económico Mundial. 2013. 15
«Orçamento de Estado para 2014 – Relatório». Ministério das Finanças. Lisboa, Outubro de 2013. p. 9. 16
Op. cit. Conselho das Finanças Públicas, p. 1‐2, 10‐11. 5 públicas. Com vista ao cumprimento das metas de 5,5% do défice em 2013 e de 4% em 2014, em junho deste ano aquele órgão recomendara ao governo português a racionalização e modernização da administração pública, a eliminação da duplicação de funções e de organismos no setor público, o aumento da sustentabilidade do sistema de pensões e prossecução de economias financeiras específicas em diferentes ministérios setoriais17. Saldo orçamental e dívida pública: Depois de, em 2012, Portugal ter registado o terceiro maior défice orçamental da União Europeia (ex aequo com o Chipre), isto é 6,4% do PIB, o Governo espera que este ano o défice se situe em 5,9% do PIB, e em 4,0% em 2014, de acordo com a POE201418. Naquele ano, Portugal era, ainda, o terceiro país da União Europeia com maior valor de dívida pública relativamente ao PIB, só sendo superado pela Grécia e pela Itália. No cenário base esboçado na POE2014, o Ministério das Finanças prevê que a dívida pública inverta a sua tendência constantemente crescente e, no próximo ano, inicie uma engrenagem que leve a uma amortização gradual mas contínua do seu peso na economia portuguesa. A POE2014 aponta para um valor de 126,7% do PIB, o que representa um diferencial de +3,0 p.p. face ao DEO2013‐2017 e uma melhoria face ao valor esperado para o final de 2013 (127,8% do PIB) 19. Esta melhoria reflete a possibilidade de se alcançar um saldo primário positivo (0,3% do PIB) mas este objetivo de redução residual da dívida pública relativa pode ser ameaçado em virtude de um mau desempenho económico e, por conseguinte, da capacidade de pagamento da dívida ou, por exemplo, por mais reclassificações de empresas públicas, como alerta o CFP20. O mesmo raciocínio é aplicado ao saldo orçamental e ao saldo orçamental para efeito da avaliação do PAEF. Ao nível destes riscos, importa salientar os levantados pelo relatório do CFP (2013): (i) o risco de reversibilidade das medidas de consolidação orçamental ausente de um «programa estruturado e consensualizado de consolidação e gestão orçamental»; (ii) a hipotética sobrestimação do consumo privado e do investimento (o CFP chega mesmo a afirmar que «a fundamentação apresentada é insuficiente para suportar a previsão de crescimento da FBCF»); e, ainda, o risco de sustentabilidade do contributo da procura externa para o crescimento21. O CES apresenta‐se mais cético em relação ao aliviamento do peso da dívida no PIB por esta via, vincando ser este fator o principal travão da recuperação económica do país e, por sua vez, a consolidação das finanças públicas: «o CES regista que os juros e encargos com a dívida pública continuam a ser os principais impulsionadores do aumento da dívida pública, em torno dos 4,4 p.p.. Esta situação fundamenta em parte as recomendações do CES em pareceres anteriores no sentido da renegociação do PAEF, sobretudo em matéria de juros e de maturidades». De todos os relatórios estudados, este é aquele que de forma mais audível defende a posição de renegociação de Portugal com os seus credores, de forma a libertar os agentes produtivos do peso asfixiante do serviço da dívida e permitir que se retome a trajetória de crescimento, a única capaz de fazer Portugal honrar os seus compromissos com o exterior22. 17
Op. cit. Unidade Técnica de Apoio Orçamental, p. 21. 18
«Orçamento de Estado para 2014 – Relatório». Ministério das Finanças. Lisboa, Outubro de 2013. p. 89‐93. 19
Idem, p. 40. 20
Op. cit. Conselho das Finanças Públicas, p. 12. 21
Idem, p. 27. 22
Op. cit. Conselho Económico e Social. Lisboa, 4 de novembro de 2013. p. 13‐15. 6 Perspetivas quanto às finanças públicas para 2014 Numa perspetiva de análise das finanças públicas em ótica da contabilidade nacional, espera‐se, de acordo com a POE2014, uma diminuição da receita de 43,2% do PIB (2013) para 42,8% (2014) e uma diminuição da despesa de 49,1% para 46,8%, alcançando‐se um saldo orçamental de ‐4,0% do PIB23, como mencionado anteriormente24. Em 2013 a despesa corrente primária será de 40,4%, a despesa primária 42,5%, o saldo orçamental corrente primário de 1,3% e o saldo orçamental primário deverá situar‐se nos 0,3% do PIB. O CFP faz um ajuste de valores que reflete «a classificação de medidas temporais e não recorrentes», cifrando‐se o saldo orçamental em ‐0,3 p.p. (i.e. ‐4,3% do PIB) e o saldo orçamental primário em ‐0,2 p.p. (i.e. 0,1% do PIB)25. Considerando as medidas de consolidação orçamental propostas, nomeadamente o quadro disposto na página 47 da POE2014, tivemos necessidade de verificar as operações aritméticas e efetuar algumas correções26. Concomitantemente, tivemos que realizar um ajuste para assegurar a inclusão, que não estava contemplada, do pagamento das compensações ao abrigo da execução de programas de rescisões por mútuo acordo. Tal necessidade de ajuste foi, também, identificada pelos técnicos da Unidade Técnica de Apoio Orçamental da (UTAO) no parecer técnico preliminar27. Assim, sob a perspetiva governamental, mas tendo em conta as devidas atualizações e ajustes, as medidas de consolidação orçamental terão um impacto de 3675 milhões de euros, ou seja de 2,2% do PIB. Este valor inclui o efeito das medidas pontuais na ordem dos 183 milhões de euros (0,1% do PIB). Como podemos ver pela tabela 1, a consolidação do lado da despesa será de 76,2% (3184 milhões de euros em 4178 milhões referentes às medidas consideradas como permanentes pelo executivo governamental e excetuando‐se a totalidade de ajustes) e do lado da receita de 23,8% (994 milhões de euros em 4178 milhões). Tabela 1: Medidas de consolidação orçamental [A] [B] [C] [D] [E]=[C]+[D] [F] Total de medidas do lado da despesa Total de medidas do lado da receita Ajuste: Perda de receita fiscal com medidas em despesas com pessoal e prestações sociais Ajuste: Perda de receita contributiva do empregado das medidas em despesas com pessoal Ajuste: Perdas de receita fiscal e contributiva causadas pelos efeitos da consolidação orçamental Ajuste: Compensações no âmbito do programa de rescisão por mútuo acordo Valor (milhões de euros) 3184 994 % do PIB 1,9 0,5 ‐314 ‐0,2 ‐145 ‐0,1 ‐459 ‐0,3 ‐227 ‐0,1 [G]=[E]+[F] Total de ajustes ‐686 ‐0,4 [H]=[A]+[B]+[G] Total de medidas permanentes 3492 2,2 [I] Total de medidas pontuais 183 0,1 [J]=[H]+[I] Total 3675 2,1 Fonte: «Orçamento do Estado para 2014 – Relatório», Ministério das Finanças, 2013. Os ajustes são da nossa responsabilidade. 23
Ou próximo deste valor, considerando os ajustes referenciados mais adiante neste documento. 24
«Orçamento de Estado para 2014 – Relatório». Ministério das Finanças. Lisboa, Outubro de 2013. p. 90. 25
Op. cit. Conselho das Finanças Públicas. p. 14‐15. 26
Tais diferenças entre valores, poderão, eventualmente, dever‐se a questões associadas a arredondamentos e/ou formatação de texto ou outras que não conseguimos decifrar. 27
Op. cit. Unidade Técnica de Apoio Orçamental. p. 24, 29. 7 Também a UTAO faz menção a diversos aspetos identificados pelo Ministério das Finanças que fogem ao controlo do Governo e que, num cenário económico mais desfavorável, poderão comprometer as metas traçadas para 2014, levando ao acréscimo da despesa no valor de 1,0 p.p. do PIB. São eles: «o acréscimo dos encargos com as parcerias público‐privadas face a 2013, o aumento do número de pensionistas e reformados, em termos líquidos, e a necessidade de constituir uma dotação provisional como definido na lei de enquadramento orçamental»28. Por conseguinte, tal gera preocupações quanto à fiabilidade das expectativas e à capacidade de cumprir os compromissos internacionais ao abrigo do PAEF. A diferenciação das opções de política orçamental tem especial importância no atual contexto económico‐financeiro nacional, nomeadamente se tivermos em consideração a questão associada ao impacto dos multiplicadores orçamentais no curto prazo. Não obstante a discussão, sobretudo académica e científica, em torno do funcionamento dos multiplicadores orçamentais não ser propriamente nova, a questão ganhou relevo mediático a nível nacional com a publicação do World Economic Outlook do Fundo Monetário Internacional (FMI) em outubro de 2012 em que é referido que os «os resultados sugerem que os atuais multiplicadores orçamentais [usados para previsões de cenários macroeconómicos pelo FMI] são maiores do que o assumido pelos analistas», que o efeito negativo acentua‐se em períodos recessivos e que os multiplicadores deverão rondar 0,9 e 1,7 e não 0,529. Posteriormente outros estudos30 vieram reforçar a discussão em torno desta temática e tendo sido assumida que ocorreu uma subestimação por parte de técnicos ou analistas e autoridades e, também, a UTAO destaca esta matéria. Esta unidade técnica da Assembleia da República releva o impacto médio de diversas medidas de consolidação orçamental no PIB, isto é, o impacto no PIB de alterações na ordem de 1% do PIB de cada uma das tipologias de medidas consideradas31. Assim, é tido que as medidas induzidas nas remunerações do setor público afetam mais o PIB e as medidas que induzidas no consumo de bens e serviços afetam menos. Ora, como se verá no capítulo «principais medidas de política orçamental» deste documento, o governo optou, em grande parte, por medidas vocacionadas para a redução da despesa com pessoal. Assim, ainda que não haja plena concordância científica quanto a esta matéria32 e ainda que outras opções alternativas, provavelmente, não se afigurassem como positivas para 28
«Análise à Proposta de Orçamento do Estado para 2014 – Parecer Técnico nº 6/2013 [versão preliminar]». Unidade Técnica de Apoio Orçamental. Lisboa, 22 de Outubro de 2013. p. 24. 29
«World Economic Outlook, October 2012». FMI ‐ Fundo Monetário Internacional, 2012. p. 41‐43. 30
Destacam‐se os seguintes estudos: (i) BAUM, A.; POPLAWSKI‐RIBEIRO, M.; WEBER, A. (dezembro de 2012): «Fiscal Multipliers and the State of the Economy». FMI ‐ Fundo Monetário Internacional. (ii) BLANCHARD, O.; LEIGH, D. (janeiro de 2013): «Growth Forecast Errors and Fiscal Multipliers». FMI ‐ Fundo Monetário Internacional. (iii) CASTRO, G., FÉLIX, R. M.; MARIA, J.R. (julho de 2013). «Fiscal multipliers in a small euro area economy: How big can they get in the crisis times?». Banco de Portugal. 31
O gráfico 5 «impacto médio no PIB de diversas medidas de consolidação orçamental» que consta do parecer técnico da UTAO apresenta as seguintes tipologias: consumo de bens e serviços, transferências sociais, impostos diretos, impostos indiretos, consumo público, impostos diretos, impostos (modelo narrativo) e remunerações no setor público. Op. cit. Unidade Técnica de Apoio Orçamental. p. 12‐15. 32
«European Economic Forecast, Autumn 2012». DGECFIN ‐ Direção‐Geral dos Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão Europeia, 2012. p. 41‐44. 8 os agentes económicos (por exemplo, eventuais aumentos de impostos), deve ver‐se com cautela os efeitos desta proposta de consolidação tendo em conta os impactos em outras variáveis macroeconómicas, como o consumo e, por conseguinte, sobre a procura interna e o PIB. Adicionalmente, deverá atender‐se ao facto de «consolidações orçamentais baseadas na despesa tenderem a piorar significativamente a desigualdade, relativamente às consolidações baseadas em impostos», tal como consolidações de grande envergadura, i.e. «aquelas superiores a 1,5% do PIB», que é precisamente o caso nacional para 201433. O mesmo estudo de Woo, J., Kinda, T. et al. (2013) infere que consolidações na ordem de 1% do PIB tendem a aumentar o coeficiente de Gini (após transferências sociais) em 0,4 a 0,7% durante os primeiros dois anos34. Tal toma particular relevo, se atendermos que Portugal é um dos três países com maior desigualdade social (medida pelo coeficiente de Gini) da União Europeia35, sendo só ultrapassado pela Espanha e Letónia. Importa, ainda, fazer referência à evolução da despesa por classificação orgânica e funcional e, ainda, referenciar a despesa por programas da administração central (Estado e serviços e fundos autónomos), em ótica de contabilidade pública. Pereira, P. T. (2012a) refere que a classificação orgânica da despesa pública efetua uma discriminação desta por departamentos da administração pública, habitualmente os ministérios do governo. O mesmo autor refere que a classificação funcional é aquela que discrimina a despesa por funções e subfunções, vigorando, desde 1995, o esquema de classificação proposto pelo FMI. O Ministério das Finanças prevê que a maior diminuição da despesa se dê na designação orgânica das finanças, no valor de 13129 milhões de euros, do qual 6774 milhões dizem respeito a despesas excecionais e 6277 milhões a gestão da dívida e tesouraria pública36. Quanto à classificação funcional, prevê‐se uma variação de ‐2174 milhões de euros nas funções gerais de soberania, ‐1016 milhões nas funções sociais do Estado, dos quais ‐467 milhões são respeitantes à educação, ‐271 milhões à saúde e ‐234 mil milhões de euros à segurança e ação sociais, ‐4965 milhões de euros nas funções económicas37. «Em termos não consolidados, a previsão para 2014 tem subjacente uma redução da despesa total dos programas que ascende a 22045 milhões de euros»38, dos quais 11022 milhões são do programa respeitante às finanças e administração pública, 8220 milhões do programa de gestão da dívida pública, 2464 milhões à economia, 1541 milhões ao ambiente, ordenamento de território e energia e 1500 milhões à agricultura e mar. Por outro lado, quanto ao programa relativo à solidariedade, emprego e segurança social, prevê‐se uma variação de +1094 milhões de euros. Considerando as alterações ocorridas na classificação dos programas, a comparabilidade não pode ser efetuada de forma imediata e, portanto, de forma insensata como alerta a UTAO.39 33
WOO, J.; BOVA, E.; KINDA, T.; e ZHANG, Y. S.: «Distributional Consequences of Fiscal Consolidation and the Role of Fiscal Policy: What Do the Data Say?». FMI ‐ Fundo Monetário Internacional, 2013. 34 Idem. 35 Série estatística «Coeficiente de Gini do rendimento disponível igualizado». Eurostat/SILC. Acedida a 30 de novembro de 2013. 36
Op. cit. Unidade Técnica de Apoio Orçamental, p. 38. 37
Idem, p. 40. 38
Ibidem, p.42. 39
Ibidem, p. 41. 9 Principais medidas de política orçamental Medidas por via da despesa Considerando a proporção entre a consolidação por setores e a consolidação global pelo lado da despesa, verifica‐se que 41,5% da consolidação se faz através da redução das despesas com pessoal e 28,0% por medidas ao nível das prestações sociais, seguindo‐se os consumos intermédios com 14,4% (vd. gráfico III nos anexos). De todas as medidas a convergência da fórmula de cálculo das pensões da caixa geral de aposentações (CGA) com as da segurança social (SS) é a que o Governo prevê que tenha maiores efeitos na consolidação orçamental, com um impacto de 728 milhões de euros ou 0,4% do PIB (vd. tabela I nos anexos), seguindo‐se a alteração da política de rendimentos da administração pública (AP) e do setor empresarial do Estado (SEE). A lógica de redimensionamento da administração pública em termos de despesas com pessoal resulta de uma clara intenção de aproximar esta realidade à do setor privado, promovendo «a recomposição funcional dos trabalhadores face às exigências de um serviço público mais moderno e de qualidade»40. A POE2014 prevê, assim, um conjunto de propostas legislativas que terão como objetivo reforçar a eficiência da gestão de efetivos na função pública, através, entre outras medidas, da afetação de trabalhadores a setores/estruturas mais carentes e através também da aplicação de boas práticas de gestão em uso no setor privado. As reduções no investimento público (290 milhões de euros) e as reformas estruturantes no sistema educativo (215 milhões de euros), também, terão um efeito significativo no processo de consolidação das finanças públicas durante 2014, segundo o governo. Destaque particular para a redução com maior impacto na redução dos consumos intermédios: a reforma hospital e a otimização de custos na área da saúde é expectável que tenha um impacto de redução nas contas públicas na ordem dos 207 milhões de euros. Medidas por via da receita Do lado da receita, destaca‐se o setor "outras receitas" das demais, com 41,9%. Este valor aparece destacado pelo enviesamento causado pela agregação da medida de otimização do uso de fundos europeus no emprego e na segurança social (vd. gráfico IV nos anexos). Numa análise mais individualizada das medidas (vd. tabela II nos anexos), o destaque vai para os impostos sobre o rendimento e património, com uma consolidação de cerca de 240 milhões de euros. Ainda assim, com um efeito de apenas 0,1% do PIB. A otimização do uso de fundos nos setores do emprego e da SS promoverá um aumento da receita na ordem dos 199 milhões de euros e a consolidação através de impostos sobre a produção e a importação terá um impacto de 170 milhões de euros. Por via das contribuições sociais, por sua vez, a consolidação será de 168 milhões de euros e a contribuição extraordinária sobre o fator energético, excluída do valor destinado à redução da dívida tarifária do setor elétrico e a medidas de eficiência energética, tem um impacto previsto para as finanças públicas de 100 milhões de euros. Quanto à receita fiscal, o IVA e o IRS continuam a ser os impostos que mais contribuem para o “bolo fiscal” do Estado, cada um representando cerca de um terço do seu montante 40
«Orçamento de Estado para 2014 – Relatório». Ministério das Finanças. Lisboa, Outubro de 2013. p. 48. 10 total previsto para 2014 (35.650,7 milhões de euros). Segue‐se o IRC e outros impostos que incidem sobre produtos e setores particulares (sendo o mais relevante dos quais o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos, que representa 5% da receita fiscal total). Ao nível dos impostos diretos, prevê‐se em 2014 um acréscimo da receita de 2,8% nesta rubrica em relação a 2013, sobretudo motivado pela variação prevista de 3,5% do IRS. Esta previsão tem por base a esperada evolução favorável da procura interna, como consta dos pressupostos macroeconómicos que servem de cenário base à POE2014. Esta assunção serve ainda de base à variação ligeiramente positiva esperada no IRC, não obstante a diminuição anunciada de 2 p.p. na taxa daquele imposto em vigor já no próximo ano41. Relativamente aos impostos indiretos, projeta‐se uma ligeira queda na receita do IVA em relação ao ano corrente (‐0,2%), mas uma forte variação positiva em todas as outras rubricas tributárias. Destas, destaca‐se o Imposto Único de Circulação (23,2%), o Imposto do Consumo de Tabaco (9,5%) e o Imposto sobre o Álcool e Bebidas Alcoólicas (7%). Os dois últimos casos são justificados no POE2014 por se esperar um aumento do consumo dos produtos sobre os quais aqueles impostos incidem, enquanto o primeiro se entende pelo aumento da tributação se incide sobre a frota automóvel das empresas42. Refira‐se ainda a manutenção do apertado controlo quanto à despesa fiscal, seguindo a política de limite dos benefícios e deduções na base tributável do IRS e a reestruturação do regime de taxas do IVA – ambas implementadas em 2012 e desde então asseguradas – entre outras medidas43. No que toca a receitas não fiscais, excluindo variações de âmbito puramente contabilístico, destaque‐se a diminuição de várias fontes de receita, entre as quais: as rubricas “rendimentos de propriedade”; as transferências comunitárias e a limitação de novas candidaturas a projetos com este tipo de financiamento; e da diminuição das contribuições para a Caixa Geral de Aposentações e da ADSE. Pela positiva, refira‐se o aumento nas rubricas “venda de bens de investimento” («justificado com o aumento de receita nos Serviços Integrados [do Estado] e com a alienação de bens afetos ao Ministério da Defesa Nacional») e na rubrica “Taxas, multas e outras penalidades”44. Para além destes ajustes fiscais, estão ainda previstos outros de grande particularidade e detalhe técnico, e que se revelam novas fontes de encargos para as empresas45. É 41
«Orçamento de Estado para 2014 – Relatório». Ministério das Finanças. Lisboa, Outubro de 2013. p. 96. 42
Idem, p. 97‐98. 43
Idem, p. 100‐101. 44
Idem, p. 103. 45
Paulo Mendonça, Tax Partner da Ernest & Young, enumera‐as sucintamente: «aumentada dramaticamente a tributação autónoma incidente sobre as viaturas, as empresas vão ter que rever os seus planos de renovação de frotas. O limite máximo de incidência contributiva de 12 vezes do valor do IAS dos membros dos órgãos estatutários deixa de existir, materializando‐se num custo adicional para as empresas. Passa a prever‐se a aplicação da taxa de 1% de Imposto do Selo a terrenos para construção cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros, o que obriga a considerar, no mínimo, um custo adicional para os proprietários respetivos que não beneficiem de alguma isenção, de 10 mil euros por ano. A imposição de uma nova taxa para o setor energético de 0,85% ou 0,425% incidente sobre o ativo fixo tangível e intangível afeto a determinadas atividades, poderá ter um custo de dezenas de milhões de euros. Este custo será necessariamente deduzido ao plano de investimentos para os próximos anos, já que não é passível de repercussão nas tarifas 11 precisamente esta a principal crítica que as empresas de consultoria e auditoria financeira fazem ao orçamento. Apesar de unânimes no louvor que dirigido à reforma do IRC (a principal medida fiscal analisada), denunciam o impacto que a volatilidade e arbitrariedade das inúmeras alterações no domínio da fiscalidade – avaliadas como “más práticas” fiscais – poderão ter no crescimento estrutural da economia. Os agentes criam fracas expectativas em relação ao futuro, que emergem do grande grau de incerteza e insegurança quanto à estabilidade da política fiscal46. Paulo Mendonça, da empresa de consultoria Ernest and Young, relaciona claramente os dois domínios, incerteza fiscal e atrofiamento do dinamismo empresarial: «a capacidade de adaptação das empresas a tantas alterações em tão pouco tempo é um verdadeiro testemunho de paciência dos contribuintes portugueses. O problema é que as energias despendidas por uma estrutura empresarial a responder a todas estas alterações são desviadas do seu propósito essencial que é o de criar riqueza através dos negócios»47. A reforma do IRC: Uma medida a que se tem dado particular destaque prende‐se com a reforma do IRC. Quer positiva quer negativamente, a reformulação deste imposto tem sido longamente explorada por vários agentes: Governo, analistas, empresários e vozes críticas a este Orçamento. Na proposta apresentada, diz‐se a reforma do IRC ser uma medida fundamental para a promoção do crescimento sustentado e da competitividade da economia portuguesa, quer pelo incentivo ao investimento privado doméstico, quer através da atração de IDE, quer ainda pela ajuda à internacionalização de empresas48. Da atual taxa genérica de 25% passar‐se‐á gradualmente, a par e passo, para uma taxa que, em 2016, se deverá situar entre 17% e 19%. Decide‐se, ainda, pela abolição da Derrama Municipal e Derrama Estadual, que incidem sobre o lucro tributável das empresas com mais avultados resultados com taxas suplementares que vão dos 1,5% aos 5%. Será ainda criado um regime simplificado para as pequenas e médias empresas, entre outras medidas de ajustamento da legislação ao mundo empresarial. Como notou o professor Álvaro Almeida (FEP) ao Diário Económico, as PME portuguesas não serão particularmente beneficiadas com esta medida, já que não costumam declarar grandes resultados líquidos. O impacto sobre as decisões de investimento, defende, será «insignificante». Por outro lado, para contrabalançar esta quebra na receita, o Governo terá que tributar outra classe de agentes. É isto que o professor Álvaro Almeida denuncia ser «na prática, uma transferência de quase 300 milhões de euros dos pensionistas e servidores do Estado para os acionistas das grandes empresas, em especial as que beneficiam de mercados domésticos pouco concorrenciais»49. A este respeito, importa relembrar Saldanha Sanches, J. L. (2010a): «a distribuição da carga fiscal é um jogo de soma zero, isto é, um jogo praticadas por estes operadores.» «Cinco visões sobre o OE/2014», Diário Económico, 17 de Outubro de 2013. 46
O CFP chega a afirmar que sem a «criação de um quadro fiscal estável e simples, num contexto orçamental previsível» o choque fiscal previsto com a reforma do IRC pode não ter qualquer impacto sobre o investimento nacional ou direto estrangeiro. Op. cit. Conselho das Finanças Públicas, p.31. 47
Cinco visões sobre o OE/2014», Diário Económico, 17 de Outubro de 2013. 48
«Orçamento de Estado para 2014 – Relatório». Ministério das Finanças. Lisboa, Outubro de 2013. p. 65‐66. 49
«Cinco visões sobre o OE/2014», Diário Económico, 17 de Outubro de 2013. 12 em que aquilo que um jogador recebe é diretamente proporcional aos que os demais perdem. A menor tributação de alguns contribuintes (...) conduz sempre a uma tributação adicional de outros». Também o CFP considera que o impacto desta reforma não será «determinante», pelo menos a curto prazo. Por seu lado, o CES defende um choque fiscal mais ambicioso, que potencie a redinamização do consumo e do investimento, estendendo o aliviamento na tributação ao IRS e ao IVA, «alavancando», assim, os efeitos da reforma do IRC50. Considerações finais Se considerarmos as três funções do setor público afetação, distribuição e estabilização, por Pereira, P. T. (2012b), constatamos que a preocupação plasmada na POE2014 está assente sobretudo na função estabilização, nomeadamente no equilíbrio das contas públicas e externas, descaracterizando‐se um pouco a função distribuição, como é paradigmático pelo que referimos anteriormente quanto à reforma do IRC. Importa, ainda, referir que excetuando esta reforma fiscal do IRC, serão poucos os exemplos das reformas estruturais previstas, o que é preocupante se tivermos em conta uma análise de longo prazo. Assim, sob uma análise normativa, consideramos que poderia ser útil atentar‐se com maior preocupação a reformas supply‐side, nomeadamente em setores como a educação, ciência e tecnologia, independentemente de se compreender a preocupação particular com o curto‐
prazo, particularmente ao nível das condições de financiamento das administrações públicas e da economia em geral. É importante voltar a incidir sobre as questões fiscais para duas últimas notas, que julgamos pertinentes. A primeira nota já foi de certa forma implicitamente referida e é respeitante à crescente perceção pública quanto à (pretensa?) falta de justiça ou de distribuição equitativa dos sacrifícios, o que pode ser acentuado pela reforma do IRC. Ora, «o sacrifício sentido por cada um dos contribuintes deverá ser tendencialmente o mesmo» (Saldanha Sanches, J. L. 2010b). Quanto à segunda nota, não se pode deixar de atender ao facto que o aumento da carga fiscal dos últimos anos tem vindo a ser acompanhado por uma diminuição da provisão de serviços públicos e que continuará em finais de 2013 e em 2014 (e.g. privatização dos CTT ‐ Correios de Portugal, S. A., aprovada pelo Decreto‐Lei n.º 129/2013, de 6 de setembro) e, também, pelo aumento dos custos para os beneficiários diretos de alguns serviços públicos (e.g. custos de tarifas de transportes públicos). Assim, deve atender‐se à legitimidade para a manutenção de impostos ou de cortes de rendimentos (mais ou menos pontuais) sem benefícios correspondentes. Finalizando como abrimos este trabalho, ressalvaremos a importância que tem um estudo bem fundamentado e transdisciplinar, assim como a persistência de um rumo claro e estável na política orçamental, para um saudável e sustentado equilíbrio nas finanças públicas que promova o crescimento e a competitividade da economia. 50
Op. cit. Conselho Económico e Social, p. 21. 13 Referências bibliográficas 
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10,0
5,0
0,0
‐5,0
‐10,0
‐15,0
PIBpm
C
G
I
Ex
Im
Fonte: «Produto interno bruto a preços de mercado». Eurostat. 2013. Gráfico II: Pontuação portuguesa por setores no "The Global Competitiveness Index 2013–2014" do Fórum Económico Mundial Gráfico II: Pontuação portuguesa por setores no "The Global Competitiveness Index 2013–2014" do Fórum Económico Mundial
Instituições
7
Inovação
6
5 4,3
3,9
4
Sofisticação dos negócios
3
4,2
2
1
Tamanho do mercado
4,3
0
Prontidão tecnológica 5,2
Desenvolvimento do
mercado financeiro
Infraestruturas
5,5
Ambiente
macroeconómico
3,8
6,3
Saúde e educação
primária
5,1 Ensino superior e
formação
3,5
4,3
3,8
Eficiência do mercado de
bens
Eficiência do mercado
15 Gráfico III: Proporção da consolidação por setores no total de medidas do lado da despesa Gráfico III: Proporção da consolidação por setores no total de medidas do lado da despesa
Investimento
9,1%
Outra despesa corrente
1,5%
Subsídios
4,8%
Despesas com o pessoal
41,5%
Consumo Intermédio
14,4%
Prestações sociais em espécie
0,7%
Prestações sociais
28,0%
Gráfico IV: Proporção da consolidação por setores no total de medidas do lado da receita Gráfico IV: Proporção da consolidação por setores no total de medidas do lado da receita
Impostos sobre a produção e a importação
17,1%
Outras receitas
41,9%
Impostos sobre o rendimento e o património
24,1%
Contribuições sociais
16,9%
16 Tabela I: Agregado de medidas (do lado da despesa) Tab. I: Medida / Agregado de medidas (do lado da despesa) Alteração da política de rendimentos da AP e do SEE Redução de efetivos por aposentação, aplicação do horário semanal de trabalho de 40h e redução do trabalho suplementar Execução de Programas de Rescisões por Mútuo Acordo Utilização do Sistema de Requalificação de trabalhadores Reformas estruturantes no sistema educativo Outras medidas setoriais Despesas com o pessoal Convergência da fórmula de cálculo das pensões da CGA com as da SS Não‐acumulação dos efeitos da convergência das pensões da CGA com a CES Ajuste da idade de acesso à pensão de velhice com base no fator de sustentabilidade Introdução de condição de recursos nas pensões de sobrevivência Outras medidas setoriais Prestações sociais Prestações sociais em espécie Reforma Hospitalar e otimização de custos na área da Saúde Racionalização de custos e redefinição de processos nas áreas da Segurança e Defesa Outras medidas setoriais Consumo Intermédio Redução das indemnizações compensatórias para o Setor Empresarial do Estado Outras medidas setoriais Subsídios Investimento Outra despesa corrente Total de medidas do lado da despesa Tabela II: Agregado de medidas (do lado da receita) 17 Valor da medida (milhões de euros) % do PIB 643 0,4 153 0,1 4,8% 102 59 215 148 1320 0,1 0,0 0,1 0,1 0,8 3,2% 1,9% 6,8% 4,6% 41,5% 728 0,4 22,9% ‐340 ‐0,2 ‐10,7% 205 0,1 6,4% 100 198 891 21 207 0,1 0,1 0,5 0,0 0,1 3,1% 6,2% 28,0% 0,7% 6,5% 124 0,1 3,9% 129 460 0,1 0,3 4,1% 14,4% 90 0,1 2,8% 64 154 290 48 0,0 0,1 0,2 0,0 2,0% 4,8% 9,1% 1,5% 3184 1,9 Peso 2
0,2% Tab. II: Medida / Agregado de medidas (do lado da receita) Impostos sobre a produção e a importação Impostos sobre o rendimento e o património Alteração nas contribuições para ADSE, SAD e ADM Ações de fiscalização e cobrança coerciva da SS Outras medidas com efeito em contribuições sociais Contribuições sociais Otimização do uso de fundos europeus no Emprego e SS Contribuição extraordinária sobre o fator energético (excluída do valor destinado à redução da dívida tarifária do setor elétrico e a medidas de eficiência energética) Aumento da contribuição para o setor bancário Outras medidas Outras receitas Total de medidas do lado da receita 18 Valor da medida (milhões de euros) % do PIB Peso 170 240 132 31 5 168 199 0,1 0,1 0,1 0,0 0,0 0,1 0,1 7,1% 4,1% 3,3% ,1% ,5% 6,9% 0,0% 100 0,1 0,1% 50 67 416 0,0 0,0 0,2 ,0% ,7% 1,9% 994 0,5 
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Análise do cenário macroeconómico e das opções de política