1
MARIA LUIZA VELOSO MARIANO
DA CONSTRUÇÃO À DESCONSTRUÇÃO:
A MODELAGEM COMO RECURSO CRIATIVO NO DESIGN DE MODA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
MESTRADO EM DESIGN
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
ORIENTADORA: Profª Dra. Kathia Castilho
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
SÃO PAULO
2011
2
MARIA LUIZA VELOSO MARIANO
DA CONSTRUÇÃO À DESCONSTRUÇÃO:
A MODELAGEM COMO RECURSO CRIATIVO NO DESIGN DE MODA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Design Mestrado da Universidade Anhembi
Morumbi, como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre em Design.
Orientadora: Profª Dra. Kathia Castilho
São Paulo – SP
2011
3
M286d
Mariano, Maria Luiza Veloso.
Da construção à desconstrução: a modelagem como recurso
criativo no design de moda. Maria Luiza Veloso. – 2011
139f. il.; 30 cm.
Orientadora: Kathia Cunha Castilho
Dissertação (Mestrado em Design) – Universidade Anhembi
Morumbi, São Paulo, 2011.
Bibliografia: f.135-139
1. Modelagem. 2. Design de moda 3. Metodologia
4. Processo criativo. I Título.
CDD 741.6
4
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
MARIA LUIZA VELOSO MARIANO
DA CONSTRUÇÃO À DESCONSTRUÇÃO:
A MODELAGEM COMO RECURSO CRIATIVO NO DESIGN DE MODA
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Design – Mestrado,
da Universidade Anhembi Morumbi, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Design. Aprovada pela seguinte
Banca Examinadora:
Profª Dra. Kathia Castilho
Orientadora
Universidade Anhembi Morumbi
Profª Dra. Marizilda Menezes
Avaliadora externa
UNESP - Bauru
Profª Dra. Márcia Merlo
Avaliadora Interna
Universidade Anhembi Morumbi
São Paulo, março/2011
5
À Fernanda Luisa Veloso,
minha irmãzinha (in memoriam).
6
Agradecimentos:
Como acredito que todo bom trabalho só pode ser realizado com o apoio e colaboração
da família, amigos e colegas, aqui estão meus sinceros agradecimentos a:
Nair Luisa Veloso, minha mãe, que me ensinou a magia de transformar tecidos em
roupas e me deu amor e condições materiais para que eu pudesse ser quem eu sou.
Sérgio Mariano Júnior, meu marido e amigo, por ter sido compreensivo e paciente. Você
é o principal responsável por eu ter concluído esse trabalho.
Profª Dra. Kathia Castilho que, sempre muito carinhosa, me orientou com sabedoria e
generosidade.
Prof Dr. Jofre Silva que, no início do mestrado, me incentivou a escrever, quebrando um
bloqueio que quase me fez desistir.
Professoras Doutoras Mônica Moura, Márcia Merlo e Maria Lúcia Bueno pela maneira
generosa com que compartilham o conhecimento conosco.
Antônia Costa, pela paciência e prontidão com que ajuda todos os alunos do mestrado.
Gustavo Reis, Annelise N. da Fonseca, Elá Camarena, Thaiza C. Martins, Thaisa V. Sena,
Marienne Vidutto, Kenny Z. Marques, Cristiano Leão, José Henrique Penna e todos os
colegas com quem compartilhei essa experiência inesquecível.
Karina Emi Sumiya, colega de trabalho que compartilha comigo o mesmo amor pela
modelagem. Sem seu inestimável apoio, eu não teria concluído essa importante etapa
para minha vida acadêmica e pessoal.
Graziella Martins Cavalcanti, pelo entusiasmo com que me ajudou a organizar toda a
parte gráfica e iconográfica da pesquisa.
Raquel Valente, coordenadora da Faculdade Santa Marcelina, que me incentivou a começar
e muito me apoiou com seu conhecimento e compreensão.
Colegas da Faculdade Santa Marcelina, Glória Motta, Vagner Volpi, Mariana Rocha, Marly
Menezes, Yaeko Yamashita, Renata Zaganin, João Braga e Miti Shitara. A contribuição de
vocês foi fundamental para a conclusão deste trabalho.
Léa Pinez de Paulo Villaça, por ser a irmã que Deus me deu em forma de amiga.
Marcos Roberto Píscopo, pelos conselhos e apoio durante a pesquisa.
Ângela Aparecida, por cuidar do meu bem mais precioso durante o tempo em que estive
ausente.
Todos os amigos que, graças a Deus, são muitos e bons. Obrigado por não desistirem da
minha amizade durante a ausência.
7
Escolha um trabalho que você ame
e não terás que trabalhar um único dia em sua vida.
Confúcio
8
Resumo
MARIANO, M.L.V. Da Construção à Desconstrução: a Modelagem como Recurso
Criativo no Design de Moda. 2011. 139f. Trabalho de Conclusão de Mestrado –
Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2011.
O design de moda contemporâneo fundamenta-se numa série de etapas, dentre elas está
a modelagem. Processo que determina a transformação dos materiais planos em formas
tridimensionais adaptáveis ao corpo humano, a modelagem do vestuário está no cerne
do design de moda pela importante contribuição para a configuração de seus produtos,
por determinar a reprodutibilidade do vestuário, mas principalmente por ser uma
ferramenta capaz de potencializar o processo criativo. Portanto, a presente pesquisa
busca investigar a adequação dos tecidos ao corpo humano levando em consideração as
características de ambos, os métodos e técnicas compreendidos pela modelagem para
atingir tal fim, o desenvolvimento tecnológico implícito na história da indumentária e,
por fim, busca exemplificar a teoria com a análise detalhada de peças de estilistas e
designers que fundamentaram suas obras na construção diferenciada do traje. Com isso,
a pesquisa visa contribuir para teorizar uma prática antiga e fundamental para o
desenvolvimento de novas formas vestíveis, mas que na maioria das vezes fica ofuscada
pelo brilho da moda.
Palavras-chave: Modelagem, design de moda, metodologia, processo criativo.
9
Abstract
MARIANO, M.L.V. From Construction to Deconstruction: Patternmaking as a Creative
Resource in Fashion Design. 2011. 139f.
Masters’ Degree Dissertation – Universidade
Anhembi Morumbi, São Paulo, 2011.
The contemporary fashion design is based on a series of steps, among them is the
patternmaking. Process that determines the transformation of flat materials into threedimensional shapes adaptable to the human body, patternmaking is at the heart of
fashion design for the important contribution to the configuration of their products, by
determining the reproducibility of clothing, mainly for being a tool able to enhance the
creative process. Therefore, this research aims to investigate the suitability of the tissues
to the human body taking into account the characteristics of both, the methods and
techniques understood by patternmaking to achieve this end, technological
development implied by the history of costume and finally, seeks to exemplify the theory
with detailed analysis of parts of stylists and designers who based their works on the
distinguished construction of costume. Therefore, the research aims to contribute to
theorize a very old practice, fundamental to the development of new forms wearable,
but that is usually overshadowed by the brilliance of fashion.
Keywords: Patternmaking, fashion design, methodology, creative process.
10
Sumário
LISTA DE FIGURAS
11
INTRODUÇÃO
14
1
FORMA E MATÉRIA
1.1
1.2
2
3
4
A forma “Corpo”
19
21
1.1.1
A anatomia humana
24
1.1.2
A proporção e antropometria
30
1.1.3
O movimento
35
1.1.4
A pele
37
A matéria têxtil
ANÁLISE DA MODELAGEM NA HISTÓRIA DA INDUMENTÁRIA
37
44
2.1
As origens
44
2.2
O papel da modelagem para o desenvolvimento da moda
51
2.3
A industrialização no século XIX
60
2.4
As inovações da alta-costura
62
2.5
O prêt-à-porter
72
A MODELAGEM NO DESIGN DO VESTUÁRIO
75
3.1
Processo, método e técnica?
80
3.2
O desenvolvimento do produto de moda
82
3.3
A modelagem e seus métodos
86
3.3.1
Modelagem bidimensional
86
3.3.2
Modelagem tridimensional
99
3.3.3
A integração dos métodos
105
A MODELAGEM COMO PROCESSO
109
4.1
O fenômeno japonês
111
4.2
A desconstrução de Martin Margiela
115
4.3
A modelagem criativa no design de moda nacional
120
4.3.1
Walter Rodrigues
121
4.3.2
Huis Clos
127
CONSIDERAÇÕES FINAIS
132
REFERÊNCIAS
135
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
139
ANEXOS
140
11
Lista de figuras
Figura 1 -
Espartilho de cetim de seda, 1880
24
Figura 2 -
Crinolina, 1865
23
Figura 3 -
Planos anatômicos do corpo
25
Figura 4 -
Vestido assimétrico - Halston, 1976
27
Figura 5 -
Como surgem as pences
29
Figura 6 -
“Doríforo”, “Apoxiomeno” e “Apolo de Belvedere”
31
Figura 7 -
“Homem Vitruviano” de Leonardo Da Vinci
32
Figura 8 -
Proporções no desenho de moda
34
Figura 9 -
Movimentos do corpo
36
Figura 10 -
Trama (branco) e urdume (azul)
38
Figura 11 -
Padrões de entrecruzamento da trama e do urdume
38
Figura 12 -
Fio reto (no urdume), fio transversal (na trama) e viés
40
Figura 13 -
Construção da malha jersey
40
Figura 14 -
Aviamentos variados
41
Figura 15 -
Vestido de tecido fluido de Madeleine Vionnet
42
Figura 16 -
Vestido de gazar de Cristobal Balenciaga
42
Figura 17 -
Representação de mulheres preparando lã no século VI a.C
45
Figura 18 -
Exemplo da colocação do peplo
46
Figura 19 -
“Deusa” adorada pelos cretenses
47
Figura 20 -
Tipos de túnicas
49
Figura 21 -
Armadura medieval metálica
50
Figura 22 -
Gibão de Charles de Blois e detalhe do abotoamento
53
Figura 23 -
Modelagem do gibão de Charles de Blois
54
Figura 24 -
“Mulher de vestido vermelho”, Moroni, 1560
56
Figura 25 -
“O Alfaiate”, Moroni, 1570
56
Figura 26 -
Estudos de encaixes no Libro de Geometria, Pratica y Traça
57
12
Figura 27 -
Alfaiataria do século XVIII
58
Figura 28 -
Oficina especializada na confecção de espartilhos
59
Figura 29 -
Primeira máquina de costura
61
Figura 30 -
Vestido com recorte “princesa” de Charles Frederick Worth, 1892
65
Figura 31 -
Chanel usa calça e blusa listrada
67
Figura 32 -
Saia, blusa e cardigã de malha
67
Figura 33 -
Vestido baseado em quatro quadrados de musseline de Madeleine Vionnet
68
Figura 34 -
Vestido enviesado e sua respectiva modelagem
69
Figura 35 -
Túnica em gazar
71
Figura 36 -
Casaco de seda fúcsia
71
Figura 37 -
Casaco de uma só costura
71
Figura 38 -
Coleção Inverno 2006/2007 por Nicolas Ghesquière
71
Figura 39 -
Exemplo de encaixe de grade feito no sistema CAD
74
Figura 40 -
Molde com indicações para corte
78
Figura 41 -
Dinâmica do processo, método e técnica
81
Figura 42 -
Traçado de diagrama do corpo
87
Figura 43 -
Exemplo de sistema CAD para modelagem
88
Figura 44 -
Locais para tomada de medidas
90
Figura 45 -
Bases de modelagem ou bloco básico
91
Figura 46 -
Princípio da transferência de pences
92
Figura 47 -
Recortes
93
Figura 48 -
Blusa “cubos” e as etapas de planificaç~o
95
Figura 49 -
Saia godê + cone
96
Figura 50 -
Gradação
97
Figura 51 -
Método de modelagem bidimensional e suas técnicas
98
Figura 52 -
Madeleine Vionnet modelando sobre um manequim de madeira 1932
99
Figura 53 -
Vestido drapeado Vionnet
100
13
Figura 54 -
Marcação das linhas do manequim
102
Figura 55 -
Modelo desenhado diretamente sobre o manequim
103
Figura 56 -
Sistema de modelagem virtual em 3D
104
Figura 57 -
Método da modelagem tridimensional e suas técnicas
104
Figura 58 -
Processo (modelagem) com seus métodos e técnicas integrados entre si
107
Figura 59 -
Rei Kawakubo Outono/Inverno 1983
112
Figura 60 -
Yohji Yamamoto Primavera/Verão 1983
112
Figura 61 -
Casaco Yohji Yamamoto e modelagem
113
Figura 62 -
Coleção prêt-à-porter Verão 2000 de Yohji Yamamoto
114
Figura 63 -
Manequim de prova como referência
117
Figura 64 -
Peças inacabadas Primavera-Verão 2006
118
Figura 65 -
Camisa com as proporções de roupa de boneca
118
Figura 66 -
Suéter de meias militares e como fazê-las
119
Figura 67 -
Casaco jeans da coleção Inverno 2002 e modelagem
124
Figura 68 -
Macacão amarelo da coleção Verão 2004 e modelagem
126
Figura 69 -
Alfaiataria e tecido masculinos trabalhados em moulage
128
Figura 70 -
Laços; decorativos e funcionais
129
Figura 71 -
Macacão de lã xadrez Huis Clos Inverno 2008 e modelagem
130
14
DA CONSTRUÇÃO À DESCONSTRUÇÃO:
A MODELAGEM COMO RECURSO CRIATIVO NO DESIGN DE MODA
Introdução
A história da indumentária comprova que é antiga a prática de moldar
materiais flexíveis ao corpo com a intenção de protegê-lo ou adorná-lo, mesmo que de
maneira rudimentar e intuitiva. As roupas surgem como uma das soluções para adaptar
o ser humano ao meio ambiente e vão se revestindo de significados cada vez mais
complexos, indo muito além da simples finalidade de abrigar ou adornar o corpo.
Atualmente, as roupas encerram significados que permeiam todo o contexto
sociocultural do indivíduo, adequando-o e ao mesmo tempo diferenciando-o dos demais
pela aparência e particularidade formal. Num contexto maior, o vestuário está
profundamente ligado à moda, fenômeno por si muito mais envolvente e que se
confunde com o vestuário, por ser esse seu veículo mais reconhecido.
Do ponto de vista tecnológico, o modo de produzir roupas, tanto em termos
estéticos quanto funcionais, foi se modificando atrelado às inovações dos materiais
têxteis, às descobertas científicas e consequentes invenções de instrumentos e
maquinários específicos para confecção. A modelagem, processo que viabiliza a
transformação dos tecidos, materiais planos em sua essência, em peças do vestuário
adapt|veis {s formas tridimensionais do corpo, est| no cerne deste “fazer” e constitui o
tema da presente pesquisa.
Apesar da indiscutível importância para o design de moda, às vezes a
modelagem do vestuário é vista erroneamente como um fazer experimental, empírico,
artesanal e livre de regras. Confundida com a costura, a modelagem das roupas também
pode induzir à ideia de uma atividade caseira, vinculada às prendas domésticas e
desprovida de desafios intelectuais ou engenhosidade.
15
O processo de elaboração de uma roupa fez parte de muitos lares brasileiros. Nos anos
1970 a máquina de costura era considerada um bem de consumo durável e grande
parte das mulheres costurava para a família, seguindo moldes de revistas
especializadas. Com o crescimento do mercado de vestuário, a indústria não teve
problemas para abastecer-se de mão de obra qualificada para serviços de costura. Já
para modelagem, ainda hoje, quase não há especialistas. Nem mesmo para a
modelagem plana, o que dirá para moulage... (MOL in QUEIROZ e BOTELHO, 2008, p.8)
Em direção diametralmente oposta, na indústria do vestuário a modelagem é
muitas vezes considerada uma etapa puramente técnica, isenta de teor artístico e
desvinculada da criação. Talvez tais constatações surjam da grande quantidade de obras
repletas de receitas de “como fazer” roupas. Esses manuais apresentam fórmulas rígidas
que, na maioria das vezes, engessam uma prática que poderia ser investigada com mais
afinco a fim de estabelecer a modelagem como uma ferramenta criativa.
De fato, a dicotomia entre criação e modelagem na indústria também conduz ao
entendimento de que ambos os setores são estanques. Na maioria das empresas,
observa-se que a modelagem está dissociada da concepção do projeto, acarretando
problemas na execução e comprometendo o resultado final dos produtos em razão de
sua inadequação. O mesmo problema pode ser verificado nos projetos desenvolvidos
por alunos de design de moda. Por falta de metodologia, a modelagem aparenta ser uma
prática complexa, rigorosa e muitas vezes incompreensível. Assim, por haver grande
dificuldade por parte de alunos e designers em apreender a dinâmica da modelagem,
esse conhecimento é isolado do processo criativo, sendo incorporado posteriormente
durante as etapas de execução.
Portanto, o problema que motiva a realização da pesquisa que se segue
formula-se na seguinte questão: De que formas os métodos de modelagem podem
converter-se em recursos criativos capazes de fundamentar o design de moda?
Para responder essa questão, cabe ponderar que a modelagem é um processo
muito mais abrangente do que podem imaginar os consumidores quando adquirem suas
roupas. Quando encarado como um desafio criativo pelo designer, o ofício de modelar é
fascinante e compensador porque articula saberes que extrapolam o domínio técnico de
um traçado ou a escolha adequada de tecidos ou aviamentos; passa pela análise
detalhada das características do corpo do usuário, sua anatomia, necessidade de
conforto, adequação dos tecidos a uma realidade tridimensional por meio de cálculos e
também pela sensibilidade. Esta integração de conhecimentos ressalta o aspecto
interdisciplinar do design no campo da moda.
16
Em termos de adequação, a modelagem permite reproduzir o formato corporal,
tal como uma segunda pele de tecido. Permite também desconstruir essas mesmas
formas anatômicas para, então, reconstruí-las de maneira totalmente diferente e
inusitada; essa é, no entendimento desta pesquisadora, a grande contribuição de seu
objeto de pesquisa e é aí que investiga as possibilidades deste fazer.
Assim, modelar é uma práxis e, como tal, deve vir amparada por uma
fundamentação teórica, a qual ainda está por ser ampliada. Por todas as implicações
projetuais e estéticas, a modelagem do vestuário está intrinsecamente vinculada ao
conceito de design – um design específico onde a interface do objeto com o usuário
ocorre num nível mais íntimo e abrangente que qualquer outro objeto de uso pessoal.
O forte vínculo afetivo que estabelecemos com as roupas afeta até mesmo nossa
percepção de que elas são produtos. De fato, são objetos sui generis que protegem, adornam,
transformam, deformam, aumentam, comprimem, aquecem, contornam, afagam,
comunicam mensagens explícitas e muitas vezes subjetivas – enfim, um número incontável
de funções práticas e estéticas que atribuem significados diversos ao corpo vestido.
Portanto, pensar a práxis da modelagem fundamentada nas teorias do design
investigando a sistematização dos saberes que compõem esse exercício e suas
implicações no design de moda contemporâneo é o objeto de estudo da presente
pesquisa, que busca vislumbrar o papel deste “fazer” que integra conhecimento e
sensibilidade para conceber e configurar produtos do vestuário. Para tanto, partimos
das seguintes hipóteses:

O designer de moda, ao apropriar-se dos recursos de modelagem durante o
processo criativo, agrega valor ao produto, por diferenciá-lo em sua
estrutura e não apenas em sua aparência exterior.

A modelagem não é só uma técnica; quando compreendida em
profundidade, torna-se um método e pode até mesmo conduzir todo o
processo criativo.

A associação dos métodos – a moulage e a modelagem plana – potencializa
as soluções dos problemas de configuração e estabelece um caminho de
mão dupla capaz de favorecer a criação de novos produtos.

O profissional de modelagem pode ser considerado um designer, uma vez
que detecta e soluciona problemas de configuração, bem como elabora as
17
matrizes que possibilitam a padronização e produção do vestuário em
grande escala.
A pesquisa tem como objetivo geral abordar o tema “modelagem” como práxis
embasada em teorias do design e inserida num contexto maior ao qual pertence; a moda.
Assim, partindo de uma visão mais abrangente e menos focada em técnicas
determinadas pelos manuais de corte e costura, a pesquisa visa apontar caminhos para a
concepção de projetos do vestuário, considerando a integração dos métodos de
modelagem bidimensional e tridimensional como uma das estratégias para repensar a
modelagem como ferramenta criativa.
Quanto à metodologia, a pesquisa baseia-se principalmente em referencial
bibliográfico e opta pela abordagem descritiva e qualitativa. Já a parte prática
fundamenta-se no exercício profissional da modelagem por parte desta pesquisadora,
tanto como docente em cursos especializados em construção do vestuário, quanto como
modelista para diversos segmentos de confecção.
A partir deste conhecimento e vivência, pretende-se ilustrar a teoria com
exemplos reais de geração de formas vestíveis, tomando como exemplos a obra de
designers – Charles Frederick Worth, Madeleine Vionnet, Cristobal Balenciaga, Yohji
Yamamoto, Martin Margiela, Walter Rodrigues e Clô Orozco – que fizeram da construção
das roupas a característica predominante de suas produções. Desta forma a pesquisa
estrutura-se da seguinte maneira:
O Capítulo 1 aborda a relação entre forma e matéria e envereda essa discussão
para o vestuário. Sendo o corpo a forma predominante a ser vestida e os tecidos a
principal matéria para revesti-lo, ambos são analisados para elucidar a correlação no
design de moda.
Partindo de uma abordagem histórica, o Capítulo 2 visa pontuar os períodos na
história da indumentária onde a modelagem destaca-se como recurso para solucionar
problemas do vestuário. A análise dos trajes é feita do ponto de vista técnico, sem
aprofundar-se nas questões sociais específicas de cada época, uma vez que o interesse
está em apontar alguns momentos onde se verificam invenções e estruturas relevantes
para o entendimento da construção das roupas.
No Capítulo 3, adensa-se a análise da relação entre modelagem e design de
moda pela definição do conceito geral e dos tipos específicos de modelagem – plana e
tridimensional –, buscando a localização da modelagem dentro do processo de
18
desenvolvimento de produto do vestuário, a avaliação das vantagens e desvantagens de
cada método e a integração das modelagens bidimensional e tridimensional.
A fim de apontar caminhos para pensar a modelagem como parte integrante do
processo criativo, o Capítulo 4 investiga o papel da modelagem nos trabalhos dos
designers contemporâneos Yohji Yamamoto e Martin Margiela, cuja escolha justifica-se
pelas extensas obras, sempre focadas em conhecimentos aprofundados e experiências
inovadoras em termos de modelagem.
Os procedimentos práticos deste estudo serão dedicados à análise de peças
pertencentes a empresas de prêt-à-porter de luxo atuantes no mercado brasileiro, que
também se empenham em personalizar seus produtos pelo uso diferenciado dos
métodos de modelagem; Huis Clos e Walter Rodrigues.
Através desta análise crítica, a modelagem será tratada no âmbito dos métodos
e dos processos, inserida no desenvolvimento de produto e relacionada às outras
variáveis que compõem o design de moda.
19
CAPÍTULO 1 – Forma e matéria
O ato de moldar ou modelar, seja uma peça do vestuário, uma escultura ou
qualquer outro objeto, configura-se como uma das capacidades internalizadas do ser
humano. Desde muito cedo na história da cultura, o desejo, a curiosidade e a aptidão em
transformar o entorno, manipular e dar sentido às diversas matérias-primas ao seu
alcance e elaborar formas capazes de melhorar a qualidade de vida, representar algo ou
mesmo proporcionar fruição estética são potencialidades que nos caracterizam como
espécie humana.
Dorfles (1997, p.97), ao se referir à escultura de totens e outros símbolos
religiosos, descreve a facilidade em identificar no homem certo prazer em dar forma e,
“portanto, vida, ainda que uma vida simbólica e abstrata, a um material, a princípio
amorfo e que se transformou em algo reconhecível e inconfundível.” O autor diz que a
escultura é uma das primeiras formas expressivas, através da qual o homem confere
vida a um “simulacro tangível”.
Foi assim que, antes mesmo da configuração da escrita, os homens do
paleolítico já criavam, além de ferramentas e armas, imagens tridimensionais derivadas
das pinturas rupestres, também sustentando simbologia específica – além da
funcionalidade, essas peças foram eficazes em perpetuar certo entendimento da vida
naqueles primórdios.
Partindo das artes para o design, pode-se afirmar que a definiç~o de “modelar” est|
intimamente ligada à definição de design proposta por Heskett (2006, p.7); “O design [...]
pode definir-se como a capacidade humana para dar forma sem precedentes na natureza ao
nosso redor, para servir às nossas necessidades e dar sentido {s nossas vidas.”
Moldar ou modelar consiste, essencialmente, em confeccionar uma forma. Em
sentido amplo, Wong (2001, p.138) define Forma como “tudo que pode ser visto – tudo
que tenha formato, tamanho, cor, textura, que ocupe espaço, marque posição e indique
direç~o” e a classifica em bidimensional ou tridimensional.
As formas bidimensionais possuem largura e comprimento, e são constituídas
por pontos, linhas e/ou planos sobre uma superfície plana. O mundo bidimensional é
fundamentalmente uma criação humana e distingue-se de nossa experiência cotidiana
por se tratar de uma representação da realidade tridimensional. Atividades como
20
desenho, pintura, impressão, tingimento e escrita são atividades que determinam esse
universo bidimensional criado pela ação do homem com a intenção de reconstruir o
mundo tridimensional. (WONG, 2001, p.237)
Contudo, a realidade das formas tridimensionais é produto da soma da
profundidade à largura e ao comprimento. São formas tangíveis que não só podemos
manusear, mas observar de ângulos e distâncias diferentes. A visão de uma forma
tridimensional a partir de um único ângulo pode ser limitadora, uma vez que, a cada
movimento do objeto, um formato diferente se revela e a relação entre este objeto e o
olhar do observador se modifica, relata Wong (2001, p.238). É assim que o mapa nos
localiza, embora não forneça todos os elementos da vista aérea; o mesmo na relação
entre a planta baixa e a maquete, ou a pintura como representação da realidade e a
própria realidade.
A configuração de um formato, seja ele em duas ou três dimensões, pressupõe o
emprego de determinada matéria. Na antiguidade, Aristóteles já estabeleceu a relação
entre forma e matéria, ao afirmar que “a matéria é aquilo com que se faz algo, a forma é
aquilo que determina a matéria para ser algo, isto é, aquilo pelo qual alguma coisa é o
que é.” (GOMES FILHO, 2000, p.39).
Para Ostrower (1987, p.51), “formar” implica num processo din}mico de
transformação da matéria, onde esta orienta a ação criativa através de suas possibilidades
de ação, e também de suas impossibilidades. Tais limitações, quando reconhecidas como
orientadoras – e não restritivas –, sugerem rumos para realização de um trabalho criativo.
Assim, transformando-se numa nova forma, a matéria não é despojada de seu caráter, e
sim reafirmada em sua essência, apresentando novas configurações plásticas e estéticas.
“Ela se torna matéria configurada, matéria-e-forma, e nessa síntese entre o geral e o único,
é impregnada de significações.”
Cardoso (apud Flusser, 2007, p.12) observa que a produção de qualquer artefato
se d| pela aç~o de dar forma { matéria com determinada intenç~o. “Do ponto de vista
etimológico, portanto, a manufatura corresponde ao sentido estrito do termo in + formação
(literalmente, o processo de dar forma a algo). No sentido amplo, fabricar é informar.”
Flusser (2007, p.23) comenta que a palavra materia é uma tentativa dos
romanos de traduzir para o latim a palavra grega hylé, que originalmente significa
madeira. Todavia, os gregos usavam a palavra hylé, n~o com a acepç~o de “madeira”, de
algo concreto, mas como aquilo que se opõe ao conceito de forma – em grego, morphé.
21
Sendo assim, hylé significa algo amorfo, que pode ser transformado. A relaç~o “matériaforma” seria algo como “conteúdo-recipiente”. A partir de tal constataç~o, Flusser
posiciona o design como um mediador entre matéria e forma;
Se “forma” for entendida como o oposto de “matéria”, ent~o n~o se pode falar de
design “material”; os projetos estariam voltados para informar. E se a forma for o
“como” da matéria e a “matéria” for o “o quê” da forma, ent~o o design é um dos
métodos de dar forma à matéria e de fazê-la aparecer como aparece, e não de
outro modo. O design, como todas as expressões culturais, mostra que a matéria
não aparece (é inaparente) a não ser que seja informada, e assim, uma vez
informada, começa a se manifestar (a tornar-se fenômeno). A matéria no design,
como qualquer outro aspecto cultural, é o modo como as formas aparecem.
(FLUSSER, 2007, p.28)
Considerando que Dorfles, Wong, Ostrower e Flusser são predominantemente
advindos do campo das artes plásticas e da filosofia, pode-se dirimir de suas afirmações que
existe certa concordância entre eles quanto a forma e matéria estarem intrinsecamente
vinculadas, e que a forma atribui significados e vida à matéria. Essas relações permeiam as
artes e o design; sendo assim, tanto o artista como o designer se deparam com as
particularidades da matéria ao criar uma obra – seja ela artística ou funcional.
Essa constatação justifica uma análise mais aprofundada da relação entre forma
e matéria, levando em conta a importância primordial e as especificidades de ambas
para que se compreenda a dinâmica da modelagem do vestuário no design de moda. É
uma observação nesse sentido que o presente trabalho se propõe realizar. Afinal, em
conjunto com outras intervenções (costuras, acabamentos e demais beneficiamentos), a
modelagem proporciona ao designer a capacidade de transformar tecidos e demais
materiais têxteis em formas que comunicarão novos significados na maneira de vestir.
1.1
A forma “Corpo”
Refletindo sobre o conceito geral da forma e da matéria, especificamente para o
campo do design de moda, Souza (1987, pp.33 e 34) assevera a importância destes
elementos para configuração do vestuário, referindo-se ao tecido como a matéria pela
qual se manifesta e se estrutura a forma-roupa, e ao “costureiro” como um artista capaz
de adequá-los um ao outro, visto que, de fato, ele conhece e investiga as possibilidades
da matéria no exercício criativo das formas que vestem o corpo humano. Assim, em
relaç~o ao vestu|rio, a forma deve “respeitar o destino da matéria” e também adaptar-se
ao corpo humano e suas inúmeras particularidades:
22
[...] fechado em seu estúdio, o costureiro, ao criar um modelo, resolve problemas
de equilíbrio de volumes, de linhas, de cores, de ritmos. Como o escultor ou o
pintor ele procura, portanto, uma Forma que é a medida do espaço e que,
segundo Focillon, é o único elemento que devemos considerar na obra de arte.
Harmonizar o drapeado de uma saia com o talhe das mangas, traçando um
"conjunto coerente de formas unidas por uma conveniência recíproca". Respeita
o destino da matéria, a sua "vocação formal", descobrindo aquela perfeita
adequação entre a cor e a consistência do tecido e as linhas gerais do modelo.
Como qualquer artista o criador de modas inscreve-se dentro do mundo das
Formas. E, portanto, dentro da Arte. (SOUZA, 1987, p.34)
Modelar uma peça de roupa é um ato bastante complexo, em seu objetivo de
relacionar dois elementos de naturezas diferentes – a matéria têxtil, de caráter
bidimensional e a forma corporal, tridimensional, móvel e sensível. Nesse entrave, a
modelagem do vestuário surge como o processo capaz de relacionar as duas condições.
Segundo Saltzman (2004, p.10), ainda que todas as áreas do design tomem o
corpo como parâmetro, no caso do vestuário, a estrutura corporal é a própria base para
o objeto/vestuário. A roupa só adquire sua forma definitiva quando vestida, e então
acontece uma relação dialética entre corpo e roupa, que faz com que a condição de
ambos se modifique constantemente; o corpo contextualiza o traje e vice-versa, criandose uma simbiose ou um todo de sentido.
Assim, pode-se inferir que o traje afeta o gestual do usuário, ao restringi-lo ou
expandir suas formas. Caldas (2006, p.80) é enfático ao relatar como a moda é pródiga
em reconstruir um corpo idealizado que, muitas vezes, nada tem a ver com o corpo
natural. Fundamentalmente, esta reconstrução da silhueta ocorre graças a recursos de
constrição ou expansão das formas naturais, respectivamente exemplificados pelo
espartilho1 (fig. 1) e pela crinolina2 (fig. 2).
1
Até o início do século XX as mulheres usavam os espartilhos num esforço para se aproximar de uma
forma
física ideal para época. O espartilho da figura 1 mede 76 cm de busto e 49 cm de cintura.
Disponível em http://kci.or.jp.
2
Tecido originalmente feito de crina, por volta de 1830, usado para confeccionar anáguas que dessem
volume às saias. Por volta de 1850, essas anáguas foram substituídas por armações de barbatanas e
metal; porém, o termo permaneceu ligado à forma expandida.
23
Figura 1: Espartilho de cetim de seda, 1880
Fonte: http://www.kci.or.jp
Figura 2: Crinolina, 1865
Fonte: http://www.kci.or.jp
Em contrapartida, o corpo também se impõe e modifica a estrutura do traje
através de seus contornos e movimentos, forçando a trama do tecido onde suas
protuberâncias necessitam de mais espaço. Um exemplo disso está nas deformações e
esgarçamentos nas áreas dos joelhos e cotovelos em roupas muito usadas, devido ao
intenso movimento dessas articulações.
É importante considerar que o corpo humano é produto, não só de herança
étnica e genética, mas de vivências resultantes de construções culturais, além da
atividade física, dos hábitos alimentares, da vida emocional e de tantas outras
circunstâncias às quais este corpo está sujeito (SALTZMAN, 2004, p.20). Iida (2003,
p.105) embasa tal constatação alegando que esses fatores acarretaram o crescimento da
estrutura física dos indivíduos modernos, principalmente no que diz respeito à
alimentação.
Para Grave (2004, p.12), a modelagem do vestuário deve ser aplicada como
fundamento multidisciplinar { disposiç~o da “m|quina humana”, permitindo que o
vestuário se torne interativo e corresponda às necessidades e singularidades do
indivíduo. Tais aspectos e características serão abordados a seguir, num esforço de
compartilhar uma visão teórica do corpo como um todo.
24
1.1.1 A anatomia humana
Entender o corpo, sua estrutura, divisões e movimentação é fundamental para
compreender como a modelagem atua na transformação dos tecidos em peças
adaptáveis às necessidades de conforto do usuário.
A palavra anatomia vem do grego ana (em partes) e tomeim (cortar) e talvez
seja o aspecto físico mais analisado quando se trata de design do vestuário, porque traz
consigo todos os aspectos relativos à forma corporal. Biologicamente definida como a
morfologia interna ou externa dos seres vivos, em seu sentido figurado, a anatomia é a
compleição ou a aparência externa do corpo humano, sendo este último conceito o mais
apropriado para análise no design do vestuário (GRAVE, 2004, p.16).
Segundo Castilho (2004, p.51), o corpo anatômico nos remete ao corpo
biológico com o qual nascemos e que apresenta variáveis quanto às proporções e
componentes formais, tais como “verticalidade, horizontalidade, espaço que ocupa como
massa pl|stica etc.” A autora assinala também as diferentes características pertinentes
às várias raças, como o aspecto cromático (cor da pele), matérico (tipologia e textura da
pele), topológico (altura, volume e proporção) e eidético (formas do corpo). Cabe, no
entanto retomar a idéia de que o corpo biológico sofre influências socioculturais
respectivas a cada período histórico e, portanto transforma-se num corpo cultural,
portador dos diversos signos de contemporaneidade que dialogam com valores
pertencentes à cultura e à época em questão.
A análise do corpo por partes também é uma prática associada à elaboração das
roupas, tanto no que diz respeito ao desenho de moda quanto à modelagem do
vestuário. Embora as diferentes partes da anatomia possuam particularidades que
demandem recursos de modelagem diferenciados, o corpo deve ser considerado em sua
totalidade para que todas essas partes se integrem em equilíbrio e para que o resultado
final seja harmônico conforme critérios de sua época.
A partir desse pressuposto, a estrutura corporal será analisada considerandose a posição anatômica, que situa o corpo ereto com os pés unidos, os braços ao longo do
corpo e as palmas das mãos voltadas para a frente (GRAVE, 2004, p.36), conforme figura
3. Observa-se que as relações mais habitualmente estabelecidas no projeto do vestuário
coincidem com o sistema de planos que determinam o estudo anatômico:
25

Frente e costas (plano frontal);

Inferior e superior (plano transversal);

Esquerda e direita (plano sagital).
Figura 3: Planos anatômicos do corpo
Fonte: Ilustração a partir de http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Coupe_anatomie.jpg
Segundo Castilho (2004, p.64), a relação entre frente e costas se estabelece com
base na divis~o vertical lateral que parte do solo “em direç~o ao meio das pernas e coxas,
tronco, axilas, meio do pescoço, assinalando as orelhas e chegando ao topo da cabeça”.
Anatomicamente, este corte é determinado pelo plano frontal (IIDA, 2003, p.124). Essa
relação estabelece uma assimetria inequívoca e, ao contrário do que se supõe, a massa
posterior prevalece sobre a dianteira em quantidade, densidade e volume (SALTZMAN,
2004, pp.25 e 26). A autora afirma que a parte posterior do corpo é como uma “couraça”
26
formada por uma cadeia muscular complexa, característica remanescente de nosso
estado biológico anterior à posição ereta, enquanto a frente é mais delicada, apesar de
abrigar os órgãos vitais. Embora essa divisão entre frente e costas seja frequente no
design das roupas, é preciso considerar as laterais para que o volume corporal seja
representado em sua totalidade;
O corpo ereto constitui-se tridimensionalmente e pode ser figurado em pelo menos
três modos básicos: de frente, de lado e de costas. (...) é por meio da análise dessas
três possibilidades de visualização do corpo que podem ser traçadas suas linhas
gerais de movimentação, articulação e de constituição plástica – e as relações
provenientes da junção com os trajes. (CASTILHO, 2004, p.61)
Um fato que pode ser observado tanto no âmbito acadêmico quanto no
cotidiano das confecções refere-se à ênfase recorrente na representação da vista frontal
anterior das peças do vestuário, em detrimento da posterior e das laterais. O
desconhecimento das diferentes características na conformação da frente e das costas
leva alguns designers e alunos de moda a crer que ambas podem ser resolvidas
utilizando-se os mesmos recursos de modelagem e, por isso subestimam a
representação das outras vistas. Talvez esse fato esteja relacionado à nossa própria
percepção corporal, já que temos uma clara noção da parte frontal, enquanto o mesmo
não acontece em relação à parte posterior.
A relação superior e inferior efetua-se na horizontalidade estabelecida pelo
plano transversal, e determina a divisão do tronco entre tórax e abdome (GRAVE, 2004,
p.53). Na modelagem, essa divisão fica bem delimitada pela linha da cintura, geralmente
um pouco acima do umbigo. Saltzman (2004, p.27) ressalta que a metade inferior diz
respeito ao equilíbrio e à locomoção, enquanto a superior incumbe-se do intercâmbio
social pela expressão e os gestos.
Para o design de moda, observa-se que essa divisão determina a adequação da
maioria das peças do vestuário quanto à funcionalidade. Na indústria do vestuário usamse as palavras tops e bottoms para denominar respectivamente as peças designadas para
as partes superiores e inferiores (SANCHES, 2008, p.292). Para exemplificar, de modo
geral, saias e calças são projetadas especificamente para a parte inferior e têm a cintura
como principal ponto de apoio. Já as blusas e casacos são feitos para a parte superior e
apóiam-se nos ombros. Vestidos e macacões são exemplos de peças inteiriças que cobrem
o tronco, os membros inferiores e os superiores, caso possuam mangas, e se apóiam
predominantemente nos ombros, embora algumas tenham mais de um ponto de apoio.
27
O plano sagital determina a divisão do corpo em metades direita e esquerda,
também denominadas antímeros, por um eixo vertical que na frente passa pelo umbigo e
entre os olhos e na parte posterior passa ao longo da coluna vertebral (SALTZMAN,
2004, p.27). Considerando-se que os lados são iguais, o ser humano apresenta uma
“simetria bilateral”. Todavia, na realidade o corpo apresenta uma discreta assimetria,
uma vez que um dos lados se desenvolve um pouco mais do que o outro devido à
assimetria funcional determinada pela tendência de sermos destros ou canhotos.
(GRAVE, 2004, p.41)
No que diz respeito ao processo
da modelagem, essa suposta simetria
corporal
apresenta-se
como
uma
vantagem, pois é prática comum na
indústria do vestuário modelar apenas
um dos lados e depois “desdobrar” ou
“rebater” o molde igualmente a fim de
cobrir o outro lado. Modelos assimétricos,
por sua vez, demandam maior tempo de
execução para aplicação de diferentes
soluções, adequadas a cada um dos lados.
Um bom exemplo da diferença de
abordagem nos modelos assimétricos
está em peças com uma única alça, onde
um dos ombros é um ponto de apoio de
um lado e o decote acima do busto serve
de sustento para o outro (fig. 4).
Figura 4: Vestido assimétrico - Halston, 1976
Fonte:http://fashionsmostwanted.blogspot.com/
Crane (2006, p.310) afirma que a simetria é uma das particularidades da
indumentária na cultura ocidental, ligada aos conceitos clássicos de perfeição e
harmonia. No Oriente, pelo contrário, a assimetria é uma opção estética, fato que pode
ser observado no trabalho de alguns estilistas japoneses como, por exemplo, Yohji
Yamamoto e Rei Kawakubo. Pode-se considerar a assimetria no vestuário como um redesign significante da estrutura corpórea, porque rompe com a simetria lateral do corpo
biológico e exercita novas plásticas com experiências diferenciadas.
28
Além das relações estabelecidas pelos planos frontal, transversal e sagital, é
importante analisarmos a divisão entre tronco, membros e cabeça, uma vez que muitos
dos recursos de modelagem buscam solucionar as relações entre esses elementos. No
decorrer da história da indumentária, as descobertas relacionadas às possíveis conexões
entre as partes que revestem o tronco e aquelas que revestem os membros foram
edificantes para a compreensão das questões inerentes à construção das roupas. Estas
soluções possibilitaram a aproximação e o ajustamento das formas vestíveis ao corpo, –
lembrando que, prioritariamente, os trajes da antiguidade eram tecidos drapejados
sobre o corpo –, e a liberdade de movimentos dos membros daí decorrente resultava da
pesquisa de técnicas de modelagem, cada vez mais desenvolvida.
Recursos construtivos, como as cavas, referem-se à ligação entre o tronco e os
membros superiores, enquanto os decotes possibilitam o acesso da roupa pela cabeça e
também se apresentam como soluções que permitem a colocação de outros componentes
do traje, como mangas e golas. O gancho das calças, outro exemplo, resolve a cobertura do
corpo na união da pélvis com as pernas e possibilita o movimento de locomoção.
O tronco abrange o tórax, o abdome e a pélvis (GRAVES, 2004, p.16) e
“apresenta-se como estrutura mais sólida, compacta e concentrada, mostrando-se como
figura predominante e robusta. (...) É a partir dele que se entrelaçam as outras partes do
corpo”, segundo Castilho (2004, p.63). Para a an|lise da modelagem, esta é a parte
corporal de maior relevância, precisamente pela conexão com os membros, pela maior
necessidade de cobertura e também pela descontinuidade de medidas que apresenta,
principalmente no corpo feminino.
Constituída por protuberâncias e reentrâncias, a estrutura do tronco suscita
recursos construtivos denominados pences para que ocorra o ajuste do tecido plano às
diferenças de medidas entre tórax, cintura e quadris. Estes recursos serão analisados
com maior ênfase no decorrer da presente pesquisa pela grande importância para o
design do vestuário, principalmente para modelagem de peças justas. Esses recursos
podem ser observados na figura 5, primeiramente posicionados sobre o corpo e em
forma de modelagem logo abaixo.
29
Figura 5: Como surgem as pences
Fonte: Ilustração a partir de OSÓRIO, 2000, p.46
Verifica-se que os membros são apêndices do corpo dotados de movimento,
graças às articulações, e estão unidos ao tronco em pares simétricos. Os membros
superiores ou torácicos são compostos pelos braços, antebraços e mãos, articulam-se
entre si pelos cotovelos e punhos e ligam-se ao tronco pelo ombro. Os membros
inferiores ou pélvicos são compostos pelas coxas, pernas e pés, articulam-se entre si
pelos joelhos e calcanhares e unem-se ao tronco pelo quadril (GRAVE, 2004, p.16).
Saltzman (2004, p.23) enfatiza ainda que a cabeça representa nosso aspecto
social. “As expressões faciais e a palavra articulada conformam uma das |reas mais
importantes na comunicaç~o e no contato com os outros”. É importante ainda constatar
que a medida da cabeça é o cânone usado como referência para estabelecer a proporção
do corpo humano em diferentes períodos da história da arte, e de grande relevância
para a elaboração da figura no design de moda. (CASTILHO, 2004, p.65)
Se entendermos a aplicação da modelagem de vestuário como fundamento
multidisciplinar adequada às necessidades e singularidades do indivíduo, e o corpo, sua
estrutura, divisões e movimentação como fundamentais para compreender a
30
modelagem na transformação dos tecidos em peças adaptáveis às necessidades de
conforto do usuário e se percebemos as relações nos planos frontal, transversal e sagital,
ainda nos restará apreender a relação dialética entre traje e corpo. É essa a análise feita
nas próximas páginas.
1.1.2 A proporção e antropometria
Ainda na busca do entendimento da relação dialética que existe entre corpo e
roupa, na qual o corpo contextualiza o traje e vice-versa, há que se perceber as
proporções e sua interferência no equilíbrio do todo.
Segundo Dorfles (1992, p.54), a proporção pode ser entendida como o
“equilíbrio entre comparações quantitativas de elementos an|logos em relaç~o
recíproca e é, sem sombra de dúvida, um importante elemento de mediç~o espacial”.
Especificamente no que tange a visualização corporal, a proporção refere-se ao corpo
como um todo por meio de suas partes. A relação das partes em função de sua totalidade
ocorre pela aplicação de uma regra matemática conhecida por cânone de proporção, que
estabelece os critérios para a construção da estrutura corporal através da medida da
altura da cabeça (TETSURO, 2007, p.33). A proporção é um aspecto essencial para a
modelagem, não só por sua função estética, mas fundamentalmente por estabelecer uma
relação entre o corpo do usuário e as partes que compõem a roupa.
Desde a antiguidade, o estabelecimento das regras de proporção esteve
vinculado aos padrões de beleza vigentes em cada período da história e sabe-se que a
mutabilidade do conceito de beleza interferiu na representação do corpo idealizado
através dos tempos. O sistema que toma a cabeça como módulo para a estruturação da
proporção (fig. 6) tem sua origem na Grécia; já no século V a.C., a altura da estátua de
Doríforo esculpida por Policleto media sete cabeças e meia. No século IV a.C., a estátua de
Apoxiomeno esculpida por Lisipo sugeriu um novo conceito de proporção, representado
por oito cabeças, sugerindo uma silhueta mais alongada. Entretanto, o cânone de oito
cabeças e meia advém da estátua de Apolo de Belvedere do escultor grego Leocares
(TETSURO, 2007, p.33). Descoberto durante o Renascimento, esse ícone simbolizou a
perfeição estética para os padrões ocidentais e é empregado até a atualidade.
31
Figura 6: “Doríforo”, “Apoxiomeno” e “Apolo de Belvedere”
Fonte: Ilustração a partir de http://pt.wikipedia.org
Boueri (apud PIRES, 2008, p.348) relata que não se podem abordar dimensões
e proporções do corpo humano sem mencionar a Seção Áurea, postulado criado pelo
matemático Euclides 300 anos a.C. que estabelece a necessidade de três retas para
determinar uma proporção, sendo a terceira a soma das outras duas. No corpo humano,
32
essas relações existem entre a distância do umbigo até a sola do pé, do umbigo até o
topo da cabeça e a altura total.
No século I a.C., o arquiteto e engenheiro romano Marcus Vitrúvio Pollio
estudou as medidas e proporções do corpo humano, ressaltando que os parâmetros para
todas as operações construtivas baseavam-se nos membros, como por exemplo, a
polegada, o palmo e o pé. (BOUERI, apud PIRES, 2008, p.348)
Durante o Renascimento,
houve o resgate das teorias clássicas
e, mais precisamente em 1490,
Leonardo Da Vinci criou a famosa
figura masculina inserida dentro de
um círculo e um quadrado (fig. 7). O
“Homem Vitruviano” baseia-se no
terceiro de uma série de dez livros
intitulados De Architectura, onde
Vitrúvio descrevia as proporções do
corpo humano. Entre as várias
relações estabelecidas nesse estudo,
Figura 7: “Homem Vitruviano” de Leonardo Da Vinci
Fonte: ELAM, 2010, p.14
figuram as seguintes:

A longitude dos braços estendidos de um homem é igual à altura dele;

A distância do topo da cabeça para o fundo do queixo é um oitavo da altura
de um homem.
Todavia, corpos reais possuem diferenciações de padrão referentes à altura e
diâmetro, sem contar a influência imposta pela idade e pelas diferenças significativas de
gênero (GRAVES, 2004, p.34 e IIDA, 2003, p.103). Iida (2003, p.102) apresenta um
estudo desenvolvido por William Sheldon (1940) limitado a uma população de 4.000
estudantes americanos cujo levantamento antropométrico resultou na classificação de
três grandes grupos de tipos físicos – endomorfos, mesomorfos e ectomorfos – cada um
com características distintas, conforme tabela 1, embora a maioria da população não se
enquadre rigorosamente dentro de uma única categoria, transitando entre duas delas
(IIDA, 2003, p.102).
33
Tabela 1: Tipos físicos e suas características
Tipo físico
Características








Formas arredondadas, com depósitos de gorduras;
Formato de “pêra” (estreito em cima, largo embaixo)
Abdome grande e tórax relativamente pequeno
Membros curtos e flácidos;
Ombros e cabeça arredondados;
Ossos pequenos;
Baixa densidade;
Pele macia.
Endomorfo





Formas angulosas;
Musculoso;
Ombros e peito largos e abdome pequeno;
Cabeça cúbica e maciça;
Pouca gordura subcutânea.
Mesomorfo






Corpo e membros longos e finos;
Mínimo de gordura e músculos;
Ombros largos, porém caídos;
Tórax e abdome estreito e fino;
Pescoço fino e comprido;
Rosto magro, queixo recuado e testa alta.
Ectomorfo
Fonte: IIDA, 2003, p.102. Figuras a partir de http://www.nutricampeones.blogspot.com
Grave (2004, pp.35 e 36) apresenta análise semelhante, relacionando a grande
diversidade de corpos humanos a três biótipos:
34

Os longilíneos, indivíduos altos com tórax e membros alongados;

Os brevilíneos, indivíduos com baixa estatura, pescoço curto e membros
curtos em relação ao tórax largo;

Os médios, indivíduos com membros e tórax próximos da harmonia entre
verticalidade e horizontalidade.
Embora a proporção utilizada no desenho de moda (fig. 8) represente um corpo
irreal, a adoção de um parâmetro é útil para que o designer de moda estabeleça relações
entre a localização dos elementos da roupa – bolsos, recortes, comprimentos e outros
acessórios – e o corpo do usuário. Como sugere Castilho (2004, p.142), mais do que o
despretensioso uso de roupas, a moda é uma questão de estrutura e construção de
proporç~o. “Assim, o corpo ser| um contínuo suporte sobre o qual se inserem diferentes
pontos, variações de medidas e proporções ocasionadas particularmente pelo traje”. A
roupa, portanto, desenha novas configurações ao corpo.
Figura 8: Proporções no desenho de moda
Fonte: Ilustração a partir de JONES, 2000, p.85
35
1.1.3 O movimento
Uma das características mais importantes na análise do corpo para o design do
vestuário está relacionada ao movimento. Souza (1987, pp.33 e 34) defende que a moda
se insira no mundo das artes através da forma, mas também a distingue da pintura e da
escultura pela possibilidade do movimento;
[...] Na verdade, é o movimento, a conquista do espaço, que distingue a moda das
outras artes e a torna uma forma estética específica. [...] Arte por excelência de
compromisso, o traje não existe independente do movimento, pois está sujeito ao
gesto, e a cada volta do corpo ou ondular dos membros é a figura total que se
recompõe, afetando novas formas e tentando novos equilíbrios. Enquanto o
quadro só pode ser visto de frente e a estátua nos oferece sempre sua face
parada, a vestimenta vive na plenitude não só do colorido, mas do movimento.
Este acrescenta ao repouso qualquer coisa que nele já estava contido, mas que,
apenas agora, subitamente irrompe. (SOUZA, 1987, p.40)
Castilho (2004, pp.144 e 145) destaca que “existe uma relaç~o entre o movimento
ou a articulação natural do corpo humano, que lhe é inerente e interior, e a possibilidade de
articulaç~o que o traje impõe ao corpo.” Os diferentes movimentos e ritmos do corpo e das
roupas organizam a estética do traje através da distribuição das linhas, das formas, dos
materiais têxteis e das cores sobre o corpo.
Do ponto de vista anatômico, as articulações estão ligadas ao movimento
corporal no que se refere à possibilidade de diferentes ângulos de abertura e, portanto
estabelecem os limites formais no vestuário para que não haja impedimentos quanto ao
desenvolvimento natural do corpo (SALTZMAN, 2004, p.30).
Grave (2004, p.16) relata que os membros superiores e inferiores projetam-se
respectivamente a partir dos ombros e dos quadris. Ao andarmos, ocorre uma
dissociação dos movimentos dos membros superiores e inferiores, cada um girando em
sentidos opostos no plano horizontal, causando uma torção no tronco. Graças aos efeitos
plásticos alcançados pela combinação do corpo em movimento e das propriedades dos
tecidos, o ato de caminhar é bastante explorado pelos designers nos desfiles de moda.
O corpo é dotado de movimentos de flexão, extensão, adução e abdução (fig. 9)
que se desenvolvem através dos planos sagital, coronal e transversal a partir da posição
anatômica. Cada movimento solicita o trabalho de pelo menos dois músculos que se
movimentam de forma contrária, já que quando um se contrai o outro se alonga (IIDA,
2003).
36
Figura 9: Movimentos do corpo
Fonte: Ilustração a partir de http://www.nyu.edu/classes/keefer/pain/pain2.htm
Partindo do pressuposto de que quase todos os produtos são projetados para o
consumo humano, Baxter (2000, p.177) atenta para a importância dos aspectos
ergonômicos, principalmente no que se refere à análise de tarefa, estudo que explora as
interações entre produto e usuário.
A palavra ergonomia é derivada do grego ergon, que significa trabalho e nomos,
que significa regras. No princípio, a ergonomia estudava o homem no seu
ambiente de trabalho, mas agora ela ampliou os objetivos, e estuda as interações
entre as pessoas e os artefatos em geral, e o seu meio-ambiente. A ergonomia usa
os conhecimentos da anatomia, fisiologia e psicologia, aplicando-os ao projeto de
objetos. Para a maior parte dos projetos, é suficiente observar cuidadosamente
como as pessoas realizam as tarefas principais e daí extrair os elementos para o
projeto (BAXTER, 2000, p.178).
Baxter (2000, p.179) pontua ainda que, embora a análise de tarefa seja
relativamente simples de conduzir – apenas solicitando às pessoas que usem os produtos
em várias versões –, é comum que os designers não se dêem a esse trabalho. Pode-se
verificar essa afirmação no design de moda, já que é muito comum encontrar peças do
vestuário que desrespeitam necessidades básicas de conforto e usabilidade: exemplos dos
incômodos a que são submetidos os usuários de algumas marcas estão em blusas e casacos
que impedem os movimentos de extensão e adução dos braços devido à falta de tecido nas
entrecavas3, calças que dificultam a flexão das pernas por serem demasiadamente justas nos
joelhos e costuras internas salientes que deixam marcas na pele.
3
Medidas das larguras das costas e da frente pela altura das axilas entre os dois braços.
37
1.1.4 A pele
A pele é descrita por Saltzman (2004, p.22) como uma “espécie de traje espacial”
que protege nossos corpos das condições atmosféricas e viabiliza o tato, sentido que nos
torna aptos a experimentar a tridimensionalidade do mundo. Socialmente, a pele
determina a singularidade de nossos corpos e exerce impacto determinante para a
construç~o da identidade, visto o termo “sentir-se bem na própria pele”.
Transformado em roupa, o tecido se assemelha a uma “segunda pele” e delineia
a silhueta graças a relações de aproximação e distância, expansão de volumes ou
achatamento das dimensões, segundo Saltzman (2008, p.306). A autora afirma que a
roupa é, em sua essência, um objeto têxtil que se difere de um objeto de uso cotidiano
pela ampla interface com o corpo do usuário.
Para Montemezzo (2003, p.50), o vestuário é um ótimo exemplo de produto de
uso individual, definido por Löbach (2001, p.47) como ”produtos industriais usados
exclusivamente por uma determinada pessoa”, concluindo que quanto mais próxima e
contínua a relação durante o uso, mais intensa será a identificação do usuário com o
produto.
Castilho (2004, p.71) comenta que as roupas exercem uma mediação entre o
público e o privado e que estas orientam as posições individuais e coletivas do indivíduo.
Se, num primeiro momento, a decoração corpórea valia-se dos procedimentos
efetuados diretamente sobre a própria pele, num segundo momento, é o tecido,
como segunda pele, que reveste e recobre a primeira. No entanto, essa pele
caracteriza-se por transformações continuamente definidas pelo ritmo das
mudanças. E é justamente a segunda pele, cuja natureza se mostra
predominantemente têxtil, que, até os nossos dias, permite a oscilação e mutação
da decoração corpórea. (CASTILHO, 2004, p.59)
Caldas (2006, p.81) afirma que “nada est| mais perto do corpo do que a roupa,
nenhum outro material adapta-se t~o bem a ele quanto o tecido”. Sendo a matéria têxtil
tão semelhante à pele em textura e maleabilidade, a comparação entre ambos torna-se
inevitável. Tal constatação conduz a uma análise mais aprofundada dos tecidos.
1.2
A matéria têxtil
Ao se impor e modificar a estrutura do traje por meio de seus contornos e
movimentos, o corpo exige que o tecido tenha tramas maleáveis e elásticas, com
características de textura, peso, caimento e aderência.
38
O tecido é, sem dúvida, a
matéria mais utilizada na realização do
projeto do vestuário. Resultantes do
processo da fiação e da tecedura, os
tecidos
são
formados
pelo
entrelaçamento, em ângulo reto, de dois
conjuntos de fios designados urdume e
trama (fig. 10). O urdume, ou urdidura,
é composto pelos fios posicionados no
sentido
longitudinal
ou
vertical;
paralelos ao comprimento do tecido,
Figura 10: Trama (branco) e urdume (azul)
Fonte: A partir de PEZZOLO, 2007, p.27
esses fios se mantêm fixos e em tensão constante. Já a trama é formada pelos fios que se
entrelaçam ao urdume no sentido transversal ou horizontal em sucessivas passagens de
um lado para o outro, formando a largura do tecido. (CHATAIGNIER, 2006, p.21 e
PEZZOLO, 2007, p.144)
A construção dos tecidos planos depende do padrão de entrecruzamento da
trama e do urdume. Os ligamentos fundamentais são o tafetá, a sarja e o cetim (fig. 11) e,
embora haja uma grande gama de tecidos, a maioria deles é variante destes três tipos.
Figura 11: Padrões de entrecruzamento da trama e do urdume
Fonte: A partir de PEZZOLO, 2007, p.153.
39
Quanto às fibras que compõem os tecidos, classificam-se em naturais, artificiais
e sintéticas. As fibras naturais podem ser de origem animal, vegetal ou mineral,
respectivamente exemplificadas pelos tecidos de lã, algodão e amianto. As fibras
artificiais são geradas a partir de fibras naturais modificadas, a exemplo da viscose. De
outra sorte, as fibras sintéticas derivam do petróleo, como a poliamida, o poliéster e o
poliuretano. (SALTZMAN, 2004, p.37, CHATAIGNIER, 2006, p.29).
Os diversos tipos de tecidos apresentam características inerentes à sua
estrutura e às matérias primas com as quais são produzidos. Estas singularidades devem
ser observadas pelos designers de moda para a devida adequação à construção que se
quer obter;
[...] é fundamental valorizar as qualidades de maleabilidade, ou seja, a aptidão do
material para configurar o volume em torno do corpo, segundo seu peso,
caimento, elasticidade, movimento, aderência e textura, além das qualidades que
concernem à superfície, como a cor, o desenho, a trama, a estruturação, o brilho,
a opacidade ou a transparência, etc. (SALTZMAN, 2004, p.44, tradução nossa)
No que se refere à modelagem, o caimento é uma das peculiaridades dos
tecidos que mais influenciam na elaboração de um traje. Chataignier (2006, p.64)
ressalta que o caimento, como o próprio nome sugere, é a queda proporcionada pelo
grau de flexibilidade, maleabilidade ou consistência do tecido. A presença dessa
qualidade é que faz com que o tecido contorne o corpo com elegância, sobretudo no
sentido vertical. O uso adequado dos sentidos dos fios no corte do tecido é também um
grande diferencial no design do vestuário, como se pode verificar no aspecto prático;
O corte tem mistérios desconhecidos por leigos: trama e urdidura indicam as
posições nas quais os fragmentos do molde devem ser colocados para que o
caimento fique perfeito. Golas pernas, mangas, cós e outros, caso não sejam
cortados devidamente – o modelista assinala com uma seta no molde o sentido
que deve ser colocado, incluindo a posição enviesada – não terão boa queda, ou
seja, ficarão tortos e darão defeito na roupa tanto em partes como no todo.
(CHATAIGNIER, 2006, p.67)
O caimento depende diretamente da maneira como os moldes são cortados no
tecido. Conforme citação acima, os moldes não podem ser posicionados aleatoriamente,
mas devem seguir um critério de alinhamento, ou seja, devem ser colocados “no fio”.
Essa prática consiste em traçar uma linha reta no centro de cada molde que compõe a
modelagem e posicioná-la paralela à ourela4 ou urdume do tecido. Esta reta é
encontrada ainda durante o traçado e se relaciona à verticalidade do corpo, tendo o
plano sagital como principal referência.
4
Borda encorpada ao longo do comprimento ou urdume do tecido e que lhe serve de acabamento.
40
Madeleine Vionnet (in KIRKE, 1998, p.54) afirma que o tecido possui três
direções; o comprimento, a largura e o viés (fig. 12). Entretanto, os fios que compõem o
tecido estão dispostos em apenas duas direções, enquanto o viés é o sentido diagonal,
estabelecido nos espaços entre o entrelaçamento dos fios de trama e urdume. Quando
pendurados pelo viés, os tecidos perdem a sustentação e distorcem pela força da
gravidade, assumindo um efeito de ondulação. É possível obter esse efeito inclinando-se
urdume e trama dos tecidos a exatos 45 graus.
Figura 12: Fio reto (no urdume), fio transversal (na trama) e viés
O corte no viés diferencia-se do corte no fio reto, como é denominado o corte
no comprimento, pelo efeito de fluidez e leveza no caimento de tecidos delicados,
conferindo leve elasticidade, mesmo que eles não possuam essa propriedade.
Diferente dos tecidos planos, as malhas são elásticas na largura e no
comprimento, embora essa característica seja mais evidente na largura. Obtidas por
laçadas
que
formam
carreiras
superpostas (figura 13), as malhas
classificam-se
retilíneas.
em
tubulares
Devido
a
ou
suas
características de maleabilidade e
elasticidade, a malharia exige uma
modelagem
diferenciada
maquinário
próprio
e
para
fechamento e acabamentos, sendo a
máquina de overloque e a galoneira
as mais apropriadas para esse fim.
Figura 13: Construção da malha jersey
Fonte: A partir de JONES, 2005 p.124
41
Jones (2005, p.124) atenta para o fato de que a maioria do maquinário
destinado à confecção de malharia foi desenvolvida a partir da técnica de tricô manual.
“Hoje o maquin|rio moderno pode produzir, em grande velocidade, tecidos e roupas
muito mais complexos do que os que poderiam ser feitos { m~o” (JONES, 2005, p.124)
Entre os tecidos diferenciados, convém citar as rendas, os tecidos não-urdidos5
e as passamanarias6, sendo estas últimas amplamente utilizadas como aviamentos.
Segundo Jones (2005, p.163), “acabamentos como el|sticos, laços e fitas são chamados
“tecidos estreitos”, e podem ter uma finalidade puramente decorativa.”
Aviamentos são todos os materiais utilizados na execução ou conclusão de uma
peça do vestuário, além do tecido (fig. 14). Esses acabamentos e enfeites aplicados nas
roupas podem ser classificados quanto à sua funcionalidade e visibilidade na roupa
(TREPTOW, 2005, p.130);

Componentes ou funcionais: aviamentos utilizados na construção de peças,
sem os quais as mesmas não podem ser confeccionadas. Ex.: Linhas,
entretelas, botões e zíperes.

Decorativos: aviamentos utilizados apenas como adorno, sem características
funcionais. Ex.: Rendas, aplicações, franjas e vivos.

Aparentes: aviamentos que são visíveis após a confecção da peça, como
botões, rendas e fitas.

Internos: Ficam no interior da roupa e têm a função de reforçar, sustentar
ou identificar a peça. Exemplos: Etiquetas, cadarços, ombreiras, barbatanas,
entretelas e elásticos internos. São funcionais, em sua maioria.
Figura 14: Aviamentos variados
5
Tecidos formados por fibras agrupadas por umidade e pressão – processo de feltragem – que resultam
numa manta compacta. (TREPTOW, 2005, p. 121)
6 Faixas lineares formadas pelo entrelaçamento de fios, formando cadarços, galões, sianinhas, fitas e
elásticos. (TREPTOW, 2005, p. 121)
42
Na história da moda, destacam-se alguns criadores que souberam identificar e
aplicar com especial sensibilidade todo o potencial dos tecidos na elaboração de seus
trajes. Por exemplo, os estilistas Madeleine Vionnet e Cristóbal Balenciaga foram, cada
um em sua época, grandes conhecedores da matéria têxtil escolhida para a execução de
seus trabalhos. Com habilidade, Vionnet trabalhava tecidos delicados e fluidos como o
cetim e o crepe através da moulage – método de modelagem que será analisado no
capítulo 3 -, e inovou o corte da época utilizando-os no viés (fig. 15). Balenciaga, cuja
formação em alfaiataria permeou toda sua obra, preferia os tecidos encorpados como as
lãs e os sintéticos, que conferiam volume e estrutura ao traje (fig. 16). Ambos souberam
tirar proveito do caimento dos tecidos empregados, fossem estes vaporosos ou
encorpados, pois conheciam suas especificidades e o que cada tipo de tecido poderia
render no processo de construção do traje.
Figura 15: Vestido de tecido fluido de Madeleine Vionnet
Fonte: http://gille-k.blogspot.com/2009/09/puriste-de-lamode.html
Figura 16: Vestido de gazar de
Cristobal Balenciaga
Fonte: JOUVE, 1997, p.47
Retomando as considerações de Ostrower (1987, p.51) acerca da matéria,
verifica-se que a materialidade do tecido determina métodos de manuseio, uma vez que
tanto as qualidades quanto as limitações dos tecidos são condutores significativos no
processo de desenvolvimento criativo do design de moda.
43
Conforme visto neste capítulo, desde o surgimento das sociedades, o ser
humano vem observando a anatomia, seus contornos e movimentos, e tentando
aperfeiçoar suas formas, protegê-la e adorná-la com panos, couros e peles. Aprendeu a
fiar, tecer, cortar e unir peças para esse fim. Aos poucos, foi se tornando necessário
ampliar a produção dessas peças outrora únicas. Com isso, a modelagem assumiu papel
significativo na moda e o segmento acompanhou o processo de industrialização iniciado
na Europa até chegar ao prêt-à-porter. É disso que tratará o próximo capítulo.
44
CAPÍTULO 2 - Análise da modelagem na história da
indumentária
Existe uma concordância entre os pesquisadores que estudam a finalidade das
roupas ao afirmar que a elas servem principalmente a três funções: proteção, pudor e
adorno. Embora a primeira pareça ser primordial pela funcionalidade e a segunda seja
relevante pela tradição bíblica, a maioria dos estudiosos considera que o anseio de
enfeitar-se é o principal motivo para os adornos e, subsequentemente as roupas.
(...) é indubitável que, desde a origem, a roupa deve ter correspondido a outras
funções que não à simples utilidade, particularmente no que se refere a seu papel
mágico: o ser humano primitivo quis, dessa forma, prover-se de atributos que o
revestissem de um poder confiscado de outras criaturas, ou pelo menos que
protegessem seus órgãos genitais e o defendessem contra as influências
maléficas. O vestuário também satisfazia um desejo de representação. Enfeitar-se
com adornos era identificar-se a outra criatura: animal, deus, herói ou homem.
(BOUCHER, 2010, p.13)
J| Castilho (2004, p 81) afirma que “a possibilidade de redesenhar o próprio
corpo, em razão da eterna insatisfação humana com a própria aparência, é um dos
moventes que permitem a transformação do ser humano biológico [...] em ser cultural”.
O sujeito exprime a imagem que cria de si mesmo em codificações que resultam na
“(re)arquitetura anatômica de seu corpo”.
2.1 As origens
É provável que as peles tenham sido o primeiro material utilizado no feitio de
roupas, por estarem disponíveis em quantidade a partir de sua retirada dos animais
caçados para alimentação (TARRANT, 1996, p.3). No entanto, elas enrijeciam quando
secas e a necessidade de torná-las maleáveis e confortáveis conduziu à descoberta do
curtimento7. A invenção da agulha de mão, outro fato de grande relevância, nos mostra
que o ato de costurar é uma prática muito antiga:
Esse processo (o curtimento) permitiu que as peles fossem cortadas e moldadas,
e houve então um dos maiores avanços tecnológicos da história do homem,
comparável em importância à invenção da roda e à descoberta do fogo: a
invenção da agulha de mão. Grandes quantidades dessas agulhas, feitas de
7
Técnica de amaciamento e impermeabilização pelo tratamento com ácido tânico ou tanino extraído da
casca de árvores como o salgueiro e o carvalho, procedimento ainda usado atualmente (LAVER, 2001,
p.10).
45
marfim de mamute, de ossos de rena e de presas de leão marinho foram
encontradas em cavernas paleolíticas. [...] Essa invenção tornou possível costurar
pedaços de pele para amoldá-las ao corpo. (LAVER, 2001, pp.10 e 11).
Talvez tenha sido neste momento que ocorreu a gênese da modelagem das
roupas, ainda que de maneira muito rudimentar. Conforme enunciado acima, “costurar
pedaços de pele para amoldá-los ao corpo”, ou seja, articular partes planas de
determinado material flexível através da costura para adaptá-las à realidade
tridimensional do corpo humano é, em síntese, a definição de modelagem do vestuário
como a conhecemos atualmente.
Boucher (2010, p.24) atenta para o fato de que os despojos animais quase
sempre preservavam sua forma original e que o corte de algumas roupas em tecido da
Idade do Bronze apresentava o formato primitivo das roupas de pele, como se essas lhes
servissem de molde para o talhe no tecido. “Com efeito, os barbantes dos ombros
derivam nitidamente das patas de animais e, tiradas as medidas, a dimensão dessas
roupas corresponde igualmente { das peles.” (BOUCHER, 2010, p.24).
Considerada um marco para a humanidade graças à contribuição para as áreas
artísticas, dos costumes, científicas e tecnológicas (CHATAIGNIER, 2006, p.21), é
possível que a tecelagem tenha surgido no Paleolítico (civilização dos caçadores) em
regiões de clima temperado e derivada de técnicas de cestaria. Os tecidos primitivos
caracterizavam-se por seu tamanho reduzido, portanto não podiam ser cortados. Sendo
assim, as roupas eram conjugadas pela junção de uma série de peças e costuradas com
tendões de animais ou crina de cavalo (BOUCHER, 2010, pp.23 e 24).
Os povos nômades da Era Neolítica produziam lã (fig. 17) a partir da tosquia de
suas ovelhas. Ao se tornarem sedentários, esses homens estabeleceram-se em povoados
onde, além de criar rebanhos, podiam dedicar-se à agricultura, inclusive de fibras como
linho, cânhamo e algodão.
Figura 17: Representação de mulheres preparando lã no século VI a.C.
Fonte: Ilustração a partir de PEZZOLO, 2007, p.261
Submetendo a tecelagem à análise sob o viés da tecnologia, pode-se supor que o
domínio da técnica da tessitura foi o motivo pelo qual, durante a antiguidade,
46
civilizações proeminentes como a egípcia, grega e romana vestiam-se basicamente com
tecidos retangulares enrolados ao corpo, sem cortes ou costuras. Esses primeiros trajes
evidenciavam um sinal de civilização, visto que tecer tecidos amplos o suficiente para
essa finalidade exigia considerável avanço tecnológico (LAVER, 2001 p.12).
Boucher (1987, p.136) afirma haver dois princípios básicos da indumentária
clássica. Primeiro, não havia uma forma propriamente dita para o traje, uma vez que este
consistia numa peça retangular de tecido que poderia variar de tamanho de acordo com o
uso ou a altura do usuário, sem que houvesse diferenciação de gênero. Segundo, o tecido
era sempre drapeado, ou seja, arranjado sobre o corpo em uma profusão de pregas e
dobras de acordo com algumas regras, e nunca modelado ou cortado. Isso revela que não
havia roupas no sentido em que as concebemos hoje, com partes articuladas que remetem
à forma corporal. Até mesmo os arranjos desses tecidos eram tradicionais e imutáveis,
possibilitando o reconhecimento hierárquico de quem o portava.
O peplo é um exemplo de traje feminino drapeado usado na Grécia antiga.
Boucher (2010, p.89) o descreve como uma bata ou um tipo de xale preso por fíbulas 8, a
princípio aberto em um dos lados, predominantemente o esquerdo, e ajustado por um
cinto (fig. 18). Por questões de recato, as gregas passaram a costurar a lateral e assim
surgiu o peplo fechado.
Figura 18: Exemplo da colocação do peplo
Fonte: Ilustração a partir de http://www.mlahanas.de/greeks/Fashion2.htm
8
Broche usado na Antiguidade para prender ou fechar os trajes de homens e mulheres.
47
Não existem referências a alfaiates ou a costureiras na antiguidade; no entanto,
sabe-se da existência dos vestiflex, encarregados de produzir vestes, ou seja, tecidos de
tamanhos diversos. De acordo com Wilson (1985, p.30), os alfaiates foram mencionados
pela primeira vez no período clássico, num edital do imperador romano Diocleciano.
Embora hoje pareça que a grande diferença entre as roupas seja aquela
estipulada pelo gênero, na antiguidade, homens e mulheres vestiam-se basicamente da
mesma maneira, com exceção de poucas civilizações que diferenciavam seus trajes
conforme o gênero do usuário, a exemplo da civilização cretense. Entretanto, para efeito
de análise das formas de vestir, convém considerar que a diferença primordial ocorreu
quando os trajes começaram a ajustar-se ao corpo:
(...) as duas divisões fundamentais do vestuário são o pregueado e o talhado. É
evidente que a necessidade de tirar medidas se impõe para certos pregueados
cosidos, a mesma n~o implica a prévia elaboraç~o de “moldes”. Para certas peças
talhadas, como blusas com mangas e as botas encontram-se por vezes modelos
preparados, como os moldes de casca de bétula dos Siberianos (LEHOIGOURHAN, 1971, p.193).
Examinando
ajuste
e
afastamento
essa
das
relação
roupas,
de
a
civilização de Creta diferenciava-se pela
indumentária ajustada ao corpo, cuja beleza
técnica e senso de geometrismo não
encontram nenhum paralelo no período. Os
fragmentos artísticos deixados pela cultura
cretense – estatuetas (fig. 19), vasos e
pinturas – revelam imagens de mulheres
vestindo saias longas e justas na cintura, em
formato de sino e adornadas por babados; o
torso era coberto por uma espécie de peça
com mangas que deixava os seios à mostra.
Nota-se
também
a
diferenciação
Figura 19: “Deusa” adorada pelos cretenses
Fonte: http://povosdaantiguidade.blogspot.com
da
indumentária para cada sexo. O feitio dessas peças revela conhecimento avançado das
técnicas de confecção de roupas, o que leva a crer que tal atividade era uma arte
desenvolvida entre os cretenses (BOUCHER, 1987, p.78 e KÖHLER, 2005, p.103).
48
A civilização persa, de exímios cavaleiros nômades, contribuiu com uma
inovação de importância capital para a história da indumentária; a invenção das calças
compridas. Denominadas por algumas fontes como anaxyrida, as calças foram
representadas em relevos por volta de 400 a.C., em Persépolis, capital do Império Persa
(BOUCHER, 2010, p.52).
O uso de roupas costuradas tornou-se o emblema dos povos considerados
bárbaros pelas civilizações clássicas. Estes povos migraram do norte e do leste europeu,
regiões onde o frio era intenso, e sua contribuição para o vestuário se evidencia nas
soluções funcionais representadas pelas túnicas costuradas e pelas calças compridas
(BRAGA, 2004, p.31).
Do final da Antiguidade (476 d.C.) até meados da Idade Média, não houve
grandes mudanças nas formas do vestuário em quase toda a Europa, em grande parte
por causa da doutrina cristã. Homens e mulheres vestiam-se de forma similar na
aparência e na modelagem dos trajes, exceto pelo comprimento das túnicas, as quais
podiam ser mais curtas para os homens em caso de guerras, trabalho e lazer. “A
tridimensionalidade não estava na confecção da vestimenta, mas passou a existir à
medida que o tecido que caía em torno de quem o usava foi amarrado, enfaixado, preso
por cintos de diferentes maneiras” (HOLLANDER, 1996, pp.60 e 61).
A princípio, as túnicas possuíam formas retangulares, poucos cortes e
aproveitavam toda a largura do tecido. Aos poucos, os tecidos passaram a ser cortados e
as partes começaram a corresponder a determinadas áreas do corpo ou ser adicionadas
para embelezar o traje. Recortes adaptados à inclinação dos ombros favoreceram o
surgimento das cavas, elemento responsável pelo encaixe das mangas (TARRANT, 1996,
p.31). Alguns modelos de túnicas podem ser observados na figura 20:
a. Dois tecidos costurados, deixando uma abertura para a cabeça e as laterais abertas,
semelhante a um poncho. O urdume posiciona-se verticalmente em relação ao corpo
do usuário e não há costura nos ombros.
b. Dois tecidos unidos pelos ombros com abertura para a cabeça e as laterais abertas. O
urdume posiciona-se horizontalmente.
c. Encontrada na tumba de Kha (circa 1400 a.C.) no Egito, a túnica com costuras
laterais apresenta abertura para os braços e utiliza a largura do tecido.
d. Modelo de túnica egípcia do começo da era cristã tecida inteiramente de punho a
punho, sem recorte para encaixe das mangas.
49
e. Forma antiga de camisa com aberturas laterais e mangas aplicadas. Esse tipo de
modelagem aparece durante todo o período medieval em ilustrações de manuscritos.
f. Com nesgas laterais que atribuem um formato rodado à saia. Este traje baseia-se nos
achados do antigo povo russo Pazyryk.
g. Com nesgas centrais na frente e nas costas que possibilitavam a montaria. Baseada
na túnica de São Luis, relíquia preservada em Notre Dame, em Paris.
h. Túnica com a parte superior razoavelmente justa e triângulos de tecido nas axilas e
nesgas nas laterais e centros da frente e das costas. Baseada na túnica encontrada no
corpo de um homem na Suíça.
i.
Camisa típica masculina do século XVIII, com pequenos triângulos no decote e nas
laterais, e quadrados nas axilas. (TARRANT, 1996, p.31)
Figura 20: Tipos de túnicas
Fonte: Ilustração partir de TARRANT, 1996, p.31
50
Graças às Cruzadas, a introdução de tecidos e ornamentos provenientes da
intensificação do contato com o Oriente rompeu com a uniformidade vigente no período,
enriquecendo as formas simples, uma vez que a diferenciação na aparência se dava pela
escolha de materiais mais refinados pelas classes sociais abastadas como, por exemplo, o
cetim, o veludo e o brocado. (KÖHLER, 2005, p.161, WILSON, 1985, p.32, PEZZOLO, 2007,
p.262). As técnicas de corte das roupas também estavam entre os conhecimentos advindos
do Oriente e influenciaram os modos de vestir das mulheres, que começaram a ajustar os
vestidos na parte superior por meio de abotoamento lateral (LAVER, 2001, p.56).
Não é certo de onde veio o desejo por roupas mais ajustadas, porém o
desenvolvimento das armaduras e a consequente necessidade de roupas de baixo
podem ter sido o que determinou modificações significativas na articulação do traje
masculino. Na Idade Média, mais especificamente no final do século XII, as armaduras de
placas metálicas (fig. 21) substituíram as anteriores, feitas em cota de malha9 que
haviam vestido os soldados por vários séculos.
Figura 21: Armadura medieval metálica
Fonte: http://photosfan.com/armour/
Como as armaduras metálicas eram feitas a partir das medidas de um
guerreiro específico, as roupas de baixo que protegiam o corpo do contato com o metal
também precisavam ser aderentes e acolchoadas (TARRANT, 1994, p.46). Esses trajes
9
Cota de malha: Espécie de tecido confeccionado com elos de metal.
51
eram confeccionados em linho pelos mesmos armeiros que forjavam as armaduras;
portanto, esses artesãos são considerados os primeiros alfaiates da Europa
(HOLLANDER, 1996, p.62).
Segundo Hollander, entretanto, a real inovação refere-se à maneira como a
armadura reconstruía as partes do corpo masculino separadamente e as juntava de uma
nova forma, substituindo a estrutura humana por outra (1996, pp.61 e 62). Então, o
vestuário masculino começou a adquirir novas e interessantes linhas para o torso e
membros em detrimento ao aspecto folgado das túnicas. O traje masculino, de fato,
ajustava-se ao corpo e os conhecimentos de modelagem começaram a se apresentar
como ferramenta capaz de alterar os corpos de maneira criativa, além de proporcionar
funcionalidade ao vestuário.
[...] a engenhosidade dinâmica formal da armadura metálica medieval sugere que
esta era projetada para realçar criativamente a beleza articulada dos corpos
masculinos por inteiro, de modo moderno, com um conjunto de imagens
abstratas de brilho multifacetado e uma aparência sobrenatural de força. Foi um
grande avanço estético assim como prático (HOLLANDER, 1996, PP.61 e 62).
Um aspecto técnico citado por Kirke (1998, p.145) trata da inserção de
triângulos de cota de malha nas axilas para permitir liberdade de movimentos. Essas
formas triangulares, conhecidas por nesgas, foram os primeiros elementos de
tridimensionalidade aplicados também às roupas e que permitiram uma modelagem que
aproximasse ainda mais o tecido do corpo.
2.2 O papel da modelagem para o desenvolvimento da moda
A origem da moda está geralmente associada à emergência do capitalismo
mercantil na Idade Média tardia e é considerada um acontecimento intrinsecamente
ligado ao desenvolvimento do mundo moderno ocidental (SVENDSEN, 2010, p.24).
Segundo Lipovetsky (1989, p.23), “a renovaç~o das formas se torna um valor mundano, a
fantasia exibe seus artifícios e seus exageros na alta sociedade, a inconstância em matéria
de formas e ornamentos j| n~o é exceç~o, mas a regra permanente: a moda nasceu.”
Entretanto, para Svendsen (2010, pp.24 e 25) seria mais correto dizer que a
moda só se tornou realmente uma força no século XVIII, nos primórdios da Revolução
Industrial. Nessa época, a burguesia em ascensão usava as roupas para indicar seu status
social e disputar o poder com a aristocracia feudal.
52
Embora o processo da moda tenha atingido outros setores, certamente é com o
vestuário que mantém um vínculo mais privilegiado (LIPOVETSKY, 1989, p.24). Caldas
(2006, p.52) afirma que a inovação das aparências era fruto da vontade de indivíduos
pertencentes à elite os quais, em negociação direta com costureiras e alfaiates, exerciam
relativa autonomia para alterar detalhes como o comprimento de uma manga ou a
aplicação de uma renda no decote. Entretanto, as formas gerais continuavam as mesmas.
As modificações rápidas dizem respeito, sobretudo aos ornamentos e aos
acessórios, às sutilezas dos enfeites e das amplitudes, enquanto a estrutura do
vestuário e as formas gerais são muito estáveis. A mudança de moda atinge antes
de tudo os elementos mais superficiais, afeta menos frequentemente o corte de
conjunto dos trajes. (LIPOVETSKY, 1989, p.32)
Com o advento da moda, surgiu um tipo de vestuário inédito e claramente
diferenciado para cada sexo, que revolucionou o modo de trajar e estabeleceu os
alicerces para o vestuário moderno. A especialização dos ofícios foi fundamental para o
início da dinâmica da moda.
Ainda na Idade Média, por volta do século XIII, iniciou-se a divisão do trabalho
respaldada pelas corporações de ofícios ou guildas – associações de artesãos de um
mesmo ramo – em detrimento do sistema artesanal existente até então. Entre 1260 e
1270, o Livre dês métiers de Étienne Boileau enumerava profissões dedicadas
especificamente ao vestuário em Paris, com ênfase para os “alfaiates de vestido,
costureiros, sapateiros, forradores, fabricantes de malhas etc.” Apenas os profissionais
do sexo masculino eram habilitados a vestir os dois sexos. Lipovetsky ressalta a
importância dos alfaiates no período:
Atemo-nos aqui ao traje curto masculino que inaugura os começos da moda,
como teria ele podido aparecer sem um corpo de ofícios já altamente
especializado? À diferença do blusão medieval, longo, amplo, que se enfia pela
cabeça, o novo traje masculino é muito estreito na altura da cintura e alteia o
peito – tal transformação no vestuário exigiu um corte de grande precisão, um
trabalho dos alfaiates cada vez mais complicado, uma capacidade de inovação nas
técnicas de confecção (abotoamento, laços...). Ainda que os alfaiates e as
profissões do vestuário não tenham tido nenhum reconhecimento social e
tenham permanecido à sombra de seus clientes prestigiosos, contribuíam de
maneira determinante, por sua habilidade e por suas múltiplas inovações
anônimas, para os movimentos ininterruptos da moda; conseguiram, graças ao
processo da especialização, concretizar o ideal de fineza e de graça das classes
aristocráticas. (LIPOVETSKY, 1989, p.52)
As guildas de alfaiates regulamentavam a profissão, assim como todas as outras
corporações de ofício procedentes da Idade Média e uma das regras do negócio era
manter em segredo as técnicas de corte e costura. Por isso, não há muitos registros dos
moldes ou detalhes de como fazer as costuras, a não ser pelas peças remanescentes. A
53
respeito das praticas antigas, sabe-se que os alfaiates guardavam moldes de peças
básicas do vestuário e as adaptavam para cada cliente. No período medieval, o papel não
era disponível e é possível que os moldes fossem mantidos em tecido. As medidas de
cada cliente eram tiradas e registradas em tiras de pergaminho, já que a fita métrica
ainda não havia sido inventada. Entretanto, o que distinguia um bom alfaiate era a
habilidade de marcar o tecido diretamente sem um molde de papel, usando apenas seu
olhar apurado e sua intuição (TARRANT, 1996, pp.104 e 106).
O traje masculino era composto pelo gibão, espécie de jaqueta curta, fechada
por botões e justa na cintura, e por calções colantes que delineavam os contornos das
pernas; o traje feminino manteve a tradição do vestido longo e farto, porém mais
ajustado e decotado, colocando em evidência o busto, os ombros, o colo e os quadris
(LIPOVETSKY, 1989, pp.30 e 66).
Ao analisar a construção do gibão que pertenceu ao nobre francês Charles de
Blois (1319/1364), um dos poucos trajes remanescentes deste tipo (fig. 22), Tarrant
(1996, p.49) verificou o empenho do alfaiate anônimo em desenvolver técnicas para
obter um bom caimento. Trata-se de uma espécie de jaqueta confeccionada em brocado
de seda, abotoada no centro da frente e nas mangas, extremamente ajustada ao
abdômen, ao quadril e aos braços, e proeminente no tórax.
Figura 22: Gibão de Charles de Blois e detalhe do abotoamento
Fonte: http://www.musee-des-tissus.com/en/02_02_set.html
54
Percebe-se que o pensamento construtivo aplicado nesse artefato é muito
semelhante ao da armadura, principalmente na junção entre as mangas e o corpo da
veste. As cavas profundas permitem que as mangas cubram parte do tórax e das costas.
O efeito de tridimensionalidade necessário para conferir movimento e caimento à peça
foi obtido com a aplicação de uma nesga inserida dentro de um corte da manga,
possibilitando o encaixe desta no corpo da roupa. Há vários recortes desnecessários
para o caimento, usados somente para economia de tecido (fig. 23).
Figura 23: Modelagem do gibão de Charles de Blois
Fonte: Ilustração a partir de TARRANT, 1996, p.50
O abotoamento é uma inovação que permitiu o acesso e o ajuste do traje ao
corpo. Embora botões tenham sido encontrados em sítios arqueológicos pré-históricos,
não há certeza quanto a estes aviamentos terem sido usados para fins funcionais ou
meramente decorativos (TARRANT, 1996, p.20).
Abotoamentos exigem que um lado se sobreponha ao outro para acomodar
botões e caseados, recurso conhecido como “transpasse”. Antigamente, era comum para
ambos os sexos que o lado esquerdo se posicionasse sobre o direito, como são as
camisas e casacos masculinos na atualidade. Talvez a origem esteja no fechamento das
capas com o lado esquerdo sobre o ombro direito, de maneira a permitir o manuseio da
55
espada pelo braço direito. Outra hipótese: em alguns tipos de vestimentas, é possível
formar um blousé10. Este espaço entre a roupa e o corpo era um lugar seguro para
guardar pequenos itens pessoais e até alimentos. É provável que o fato de a maioria das
pessoas serem destras tenha influenciado esse tipo de fechamento, uma vez que ele
possibilita o acesso para o interior do traje. (TARRANT, 1994, pp.22 e 24)
No período Renascentista, o desenvolvimento científico e tecnológico conduziu
à tomada de consciência de que é possível teorizar e decodificar o mundo. A geometria
analítica11 e o sistema de coordenadas12 possibilitaram a invenção de ferramentas e
tecnologias que revolucionaram a construção das roupas, graças à decodificação do
corpo em medidas (SAMPAIO, 2010, p.3). As indústrias têxteis emergiram e o uso de
enchimentos, entretelas, forro e barbatanas favoreceram o desenvolvimento da
modelagem. Uma gama de tecidos de diferentes pesos e graus de flexibilidade afetou a
maneira como as roupas eram estruturadas e apontou para novas possibilidades
(TARRANT, 1996, p.93).
Os grandes avanços nas técnicas de corte começaram por volta de 1550 e
podem ser vistos na arte do período; por exemplo, na obra do pintor italiano Giovanni
Battista Moroni (1525-1578), nos quadros “A mulher de vestido vermelho”, de 1560 (fig.
24) e “O Alfaiate”, de 1570 (fig. 25).
A figura feminina representada no quadro de Moroni vestia o corpete, peça
rígida e alongada, extremamente ajustada ao torso para definir a silhueta. Os seios
ficavam achatados pela compressão porque não existiam recursos capazes de criar
espaço para acomodar o busto. Os decotes eram quadrados, amplos e baixos e o
abotoamento encontrava-se nas costas ou nas laterais. Os corpetes eram usados com
saias amplas em forma de cone e mangas acolchoadas – a figura feminina parecia
triangular. (TARRANT, 1996, p.56)
10
Excesso de tecido acima da cintura quando se ata um cinto ou um cordão.
11
Estudo da geometria através dos princípios da álgebra.
Esquema criado pelo filósofo e matemático René Descartes, em 1637, com o objetivo de localizar pontos
num determinado espaço. É formado por dois eixos perpendiculares - um horizontal denominado
abcissa x e um vertical de nominado ordenada y- que se cruzam na origem das coordenada. Fonte:
http://www.mundoeducacao.com.br/matematica/plano-cartesiano.htm.
12
56
Figura 24: “Mulher de vestido vermelho”,
Moroni, 1560
Fonte: http://www.wga.hu/index1.html
Figura 25: “O Alfaiate”, Moroni, 1570
Fonte: http://www.wga.hu/index1.html
Enquanto as artes representavam as modas em vigência, a invenção da
imprensa, ainda no século XV, estimulou a disseminação do conhecimento. O Libro de
Geometria, Pratica y Traça, editado em 1580 e reeditado em 1589, de autoria do
espanhol Juan de Alcega (fig. 26), é a primeira obra sobre a arte da alfaiataria
(TARRANT, 1996, p.106; SORBER, 2000, p.24). Este primeiro registro destinava-se a
alfaiates experientes e trazia descrições de como posicionar os moldes sobre o tecido de
modo econômico. Não havia qualquer referência a costuras, forros, entretelas ou
estruturação, uma vez que aos alfaiates cabiam as funções que demandavam maior
habilidade – modelar e cortar –, enquanto as costuras e a montagem das peças ficavam
por conta dos costureiros ou costureiras. (TARRANT, 1996, p.106). Esses estudos
assemelham-se muito ao que ainda hoje é feito nas confecções para economizar tecido e
otimizar a produção industrial, prática conhecida como “encaixe”. Todavia, essa técnica
desenvolveu-se a ponto de haver, hoje, programas informatizados específicos para esse
fim.
57
Figura 26: Estudos de encaixes no Libro de Geometria, Pratica y Traça
Fonte: Sorber in Debo, 2003, p.25
Apesar da busca pela parcimônia no uso dos tecidos, as partes eram cortadas
com excessos que compensavam a falta de exatidão do traçado e que só seriam
eliminados quando montadas com alfinetes e provadas nos clientes. Entretanto, essa
experimentação possibilitava aos alfaiates averiguar os lugares onde era necessário
remover ou adicionar pedaços de tecido. Assim, o trabalho cotidiano foi apurando os
métodos de corte. (TARRANT, 1996, p.106).
Fontes (2007) atenta para o fato de que, apesar da simplicidade dos
instrumentos de trabalho – tesouras, réguas, compassos – um alfaiate devia possuir
conhecimentos de geometria, aritmética e das proporções do corpo humano, o que
justifica o longo período de aprendizagem necessário para o exercício da função. O
ambiente de trabalho simples é retratado em algumas iluminuras da época, a exemplo
da gravura (fig. 27) encontrada na Encyclopedia of Trades and Industry de Denis Diderot
(1751-1777) e descrita por Roche (2007, pp.324 e 325) como uma cena típica, que
apresenta “os principais est|gios da manufatura, isto é, medir, cortar, costurar, exibir”:
A oficina do alfaiate é uma sala grande e arejada, com muita luz natural, que entra
por uma janela ampla com vista para rua, e que nos lembra da necessidade de uma
boa iluminação para o trabalho de costura e da importância da acuidade visual e
do tino para as relações sociais; o quadro de empregados é digno do ofício. A visão
que a gravura nos dá dessa sala inclui cinco ou seis artífices, trabalhando de
acordo com os regulamentos, sentados de pernas cruzadas junto a uma bancada e
usando um sobretudo, em quanto outro jornaleiro, debruçado sobre uma mesa,
corta o tecido utilizando um modelo, um aprendiz aquece um ferro ao fogo, e o
mestre alfaiate tira as medidas de um cliente. O alfaiate está bem-vestido, quase
não se distingue do cliente, o que é bom em termos de propaganda para seu ofício.
O artista [...] construiu um cenário enriquecido por uns poucos objetos
cuidadosamente dispostos (tesouras sobre a mesa, retalhos de tecido, trajes ainda
inacabados pendendo da parede) e organizado de acordo com as atividades
características do ofício. (ROCHE, 2007, p.324)
58
Figura 27: Alfaiataria do século XVIII
Fonte: http://picasaweb.google.com/lh/photo/UtotrjByy0Cc7m9C-jlvfw
Durante aproximadamente quatro séculos, os alfaiates do sexo masculino
conceberam as roupas para homens e mulheres. Apesar de se distinguirem em forma e
simbolismo sexual, as roupas eram confeccionadas artesanalmente, com os mesmos
materiais e técnicas para ambos os sexos e igualmente ornamentadas. Armações e
barbatanas de metal, madeira ou ossos de baleia eram encontradas tanto nos gibões
quanto em roupas femininas, para dar-lhes forma e manter golas e mangas firmes e
estruturadas (TARRANT, 1996, p.48).
Durante todo esse tempo, os homens desenharam, tiraram as medidas, cortaram
e ajustaram as roupas de todos, e outros homens as confeccionavam, dando-lhes
estrutura, enchimento, acolchoamento e rigidez para adequá-las à moda para
ambos os sexos. As guildas de alfaiates tinham tanta importância quanto as
outras instituições artesanais e profissionais e, como elas, eram totalmente
masculinas. (HOLLANDER, 1996, p.89)
A hegemonia masculina no ofício da alfaiataria só foi quebrada em 1675,
quando as mulheres conseguiram autorização para executar trajes femininos
(LIPOVETSKY, 1989, p.52). Desde então, com a fundação da guilda das modistas, ocorreu
uma divisão na maneira como eram concebidos e confeccionados os trajes masculinos e
femininos.
A alfaiataria prosseguiu com a tradição artesanal para os trajes masculinos. No
século XIX, seguiu uma tendência de sobriedade e discrição, enaltecendo a construção do
traje e rejeitando os efeitos produzidos pela ornamentação e o uso das cores fortes.
Naquele momento, conhecido como a “grande renúncia”, o homem abdicava dos
59
elementos de ostentação característicos da aristocracia, fato que só ocorreria com o
vestuário feminino um século mais tarde, por volta de 1920. A alfaiataria era comparada
à arquitetura e merecedora do mesmo respeito concedido a todos os empreendimentos
masculinos, fossem eles técnicos ou criativos:
[...] A confecção de roupas para homens era de fato um assunto sério,
envolvendo a calibração e o ajuste de moldes de papel cuidadosamente cortados
e necessários à confecção do traje, e uma habilidade refinada em cortar e
transpô-los para o tecido e na construção dos forros internos que criavam o
caimento da roupa. (HOLLANDER, 1996, pp.91 e 92)
Por outro lado, cabia às mulheres a tarefa de executar a costura fina, os
ornamentos elaborados para o vestuário feminino e também confeccionar camisas,
roupas de baixo e roupas infantis. Apesar de serem reconhecidamente habilidosas nos
serviços manuais, as mulheres não eram consideradas criativas do ponto de vista
tecnológico (HOLLANDER, 1996, pp.88, 89 e 90).
Não obstante tenha ocorrido
diferenciação
das
atividades
entre
alfaiates e costureiras no feitio das
roupas masculinas e femininas, os
espartilhos eram considerados – pela
sua estrutura e rigidez –, “uma divis~o
lógica da arte da alfaiataria masculina,
descendendo da própria alfaiataria
similar
{
dos
armeiros”,
segundo
Hollander (1996, p.90). De fato, esta
peça-chave fundamental na composição
do traje feminino continuou a ser
projetada e confeccionada por alfaiates
(fig. 28). O trabalho das costureiras
consistia então em confeccionar as saias
e as mangas e adicioná-las ao corpete
previamente moldado, bem como criar
os detalhes superficiais ornamentais
que
poderiam
ser
facilmente
desmontados e reutilizados de outras
maneiras. (HOLLANDER, 1996, p.91)
Figura 28: Oficina especializada na
confecção de espartilhos
Fonte: STEELE, 2003, p.17
60
Fontes (2007) ressalta a contribuição do conhecimento adquirido pelos
alfaiates no processo de industrialização das roupas que começou no início do século
XIX. Procurando exatidão nas medidas básicas do corpo humano, os alfaiates lançaram
as bases da antropometria. Deve-se ao célebre alfaiate francês H. Guglielmo Compaign o
estabelecimento das primeiras tabelas de medida e o princípio da gradação – sistema de
ampliação e redução para vários tamanhos. Sua obra “A Arte da Alfaiataria”, de 1830,
revolucionou as técnicas de corte em toda a Europa.
Em parte, a retomada dos valores clássicos foi também responsável pelo
aprimoramento dos trajes masculinos, os quais se caracterizavam pelo tórax e ombro
levemente aumentados com o uso de aviamentos como ombreiras e entretelas
(HOLLANDER, 1996, p.136). O interesse pela proporção clássica induziu à substituição
das fitas individuais de pergaminho pela fita métrica, dividida em centímetros e
patenteada pelo alfaiate Alex Lavigne em 1878 (BERG; ANCELMO, 2009, p.6). Graças a
esta invenção, verificou-se que na maioria das pessoas, algumas medidas se
relacionavam entre si e, portanto, poderiam ser adaptadas a um molde para servir em
tamanhos diferentes. Isto aperfeiçoou as bases para a gradação, sistema utilizado para a
fabricação das roupas prontas que se sofisticou com o passar do tempo e é aplicado
ainda hoje. (TARRANT, 1996, p.137, HOLLANDER, 1996, p.136).
2.3 A industrialização no século XIX
O crescimento dos centros urbanos na Europa e nos Estados Unidos promoveu
uma grande demanda por roupas prontas e, até o fim do século XIX, já era possível
encontrar grandes confeccionistas capazes de produzir peças por preços acessíveis. A
princípio, essa indústria supria a procura por roupas de trabalho para os homens e os
uniformes militares. O desenvolvimento da indústria da confecção fez necessário o
emprego dos moldes para padronizar a produção do vestuário em larga escala. A
gradação para os diferentes tamanhos e tipos físicos propiciou maior eficiência na
produção e economia de material (DEBO, 2000, p.10).
Na Europa, principalmente na França e na Inglaterra, desde 1820 produziam-se
roupas baratas em série, com um grande impulso em 1840, mesmo antes da
mecanização promovida pelas máquinas de costura (FORTY, 2007, p.75, LIPOVETSKY,
1989, p.71). O desenvolvimento técnico alcançado pelos alfaiates foi determinante para
a consolidação da indústria da confecção e para a introdução do vestuário masculino na
61
era da industrialização, muito antes do feminino. Lipovetsky (1989, p.101) afirma que a
confecção feminina permaneceu restrita por motivos técnicos;
[...] as técnicas ainda não permitem uma confecção precisa e ajustada para toda
uma parte do vestuário feminino; os primeiros vestidos feito sob medidas
padronizadas só aparecerão depois de 1870. A confecção realiza sobretudo os
elementos amplos da toalete (lingerie, xales, mantilhas, mantôs e casacos curtos);
no que se refere aos seus vestidos, as mulheres continuaram e continuarão ainda
por muito tempo a dirigir-se às suas costureiras.
As camisas masculinas foram as primeiras peças do vestuário produzidas em
série. Até o século XVIII, as camisas eram feitas a mão nas manufaturas, como indica o
sentido original do termo, uma vez que as máquinas de costura ainda não existiam. No
século XIX essas manufaturas começaram a mecanizar-se, embora conservassem sua
antiga denominação. As camisas simples de trabalho, sem colarinho e confeccionadas
com tecido grosseiro, podiam ser confeccionadas com antecedência nos tamanhos
pequeno e grande, uma vez que n~o precisavam ser “sob medida”. Foi o primeiro passo
para o segmento de confecção que hoje conhecemos por prêt-à-porter. (TOUSSAINTSAMAT, 1990, p.104).
A invenção da máquina de
costura
certamente
alavancou
a
fabricação das roupas prontas. A
primeira máquina de costura (fig. 29)
foi patenteada em 1846 por Elias Howe
nos
Estados
Unidos,
porém
sua
fabricação só começou efetivamente no
início da década de 1850. Os dois
maiores fabricantes, a Wheeler &
Wilson
e
a
Singer
&
Co,
logo
descobriram que era mais interessante
suprir o mercado formado pelas donas
de casa que o industrial. Assim, as
máquinas
de
costura
tornaram-se
também aparelhos domésticos (FORTY,
2007, p.132).
Figura 29: Primeira máquina de costura
Fonte: http://digitalgallery.nypl.org/nypldigital/
dgkeysearchdetail.cfm?trg=1&strucID=
134744&imageID=112333&total=1&e=r
62
Apesar de trabalhar pelo menos dez vezes mais rápido que as costureiras, as
primeiras máquinas de costura não podiam ser usadas em todas as etapas do processo
de confecção industrial, ficando restritas apenas às costuras simples e aplicações de
enfeites. Então, os donos das confecções passaram a explorar os recursos barateados
pelas máquinas em detrimento dos detalhes que exigiam os dispendiosos acabamentos
feitos à mão. Dessa maneira, entre os anos 1860 e 1870, a moda feminina foi
influenciada pelo aumento de adornos, principalmente os babados aplicados aos
vestidos a baixo custo (FORTY, 2007, p.77).
Todavia, antes da introdução das máquinas de costura, já estava instituída a
divisão do trabalho entre cortar e costurar e, até mesmo a costura das diversas partes de
uma roupa eram confeccionadas por artífices diferentes. Nas últimas duas décadas do
século XIX era possível encontrar roupas femininas de boa qualidade em lojas de
departamentos.
É importante ressaltar que, desde suas origens, a indústria da confecção foi
fundamental para a difusão das tendências de moda. Os magazines ou lojas de
departamentos introduziram inovações como o acesso livre e os preços fixados nas
mercadorias, fatores que impulsionaram a democratização da moda (CALDAS, 2006, p.54).
2.4 As inovações da alta-costura
No século XIX, mais especificamente em 1857, o inglês Charles Frederick Worth
assentou os fundamentos do sistema de produção e difusão que determinou os rumos da
moda e prevaleceu durante cerca de um século – a alta-costura.
Até então, as costureiras, profissionais humildes geralmente do sexo feminino,
eram meras executoras que se submetiam às vontades estéticas de sua clientela:
visitavam-nas em suas residências para tirar medidas e confeccionavam as roupas
segundo suas habilidades e conhecimentos técnicos com os tecidos escolhidos em
armarinhos pela cliente. “A originalidade da roupa é antes subordinada { escolha do
tecido do que { forma em si” (GRUMBACH, 2009, p.16). Nem sempre o efeito desta
associaç~o era bem sucedido. ”Falhas grosseiras no gosto visual, resultado de
colaborações ineptas entre uma cliente ansiosa e uma artesã obediente ou sem talento,
podiam algumas vezes conduzir a resultados estranhos e desarmoniosos.” (HOLLANDER,
1996, p.151)
63
Worth instituiu a figura do couturier ou costureiro, artista criador cujo gosto era
soberano ao desejo da cliente. O produto da criação passou a trazer a assinatura do
costureiro numa etiqueta e este profissional adquire status de artista moderno. “N~o é
mais apenas a riqueza do material que constitui o luxo, mas a aura do nome e renome das
grandes casas, o prestígio da grife, a magia da marca.” (LIPOVETSKY E ROUX, 2005, p.43).
Com a alta-costura, a moda organizou-se como a conhecemos hoje, pelo menos
em suas linhas gerais: “renovaç~o sazonal, apresentaç~o de coleções por manequins
vivos e, sobretudo uma nova vocação, acompanhada de um novo status social do
costureiro.” (LIPOVETSKY, 1989, p.79). É o início da imposiç~o da din}mica cíclica de
obsolescência aos produtos de moda.
Graças à experiência em lojas de armarinhos em Londres, Worth adquiriu
valiosos conhecimentos sobre tecidos. Em Paris, empregou-se na conceituada loja
Gagelin, inicialmente vendendo tecidos e, posteriormente, xales e mantos. Ali, teve
acesso ao que havia de mais avançado em termos de vestuário feminino.
Percebendo que as vendas dessas peças dependiam da maneira como eram
demonstradas pelas jovens atendentes, Worth criou vestidos simples, porém muito bem
modelados, desenvolvidos graças à observação das técnicas de alfaiataria inglesa, em
detrimento dos vestidos espalhafatosos da época. Uma vez elaborados os moldes sob
medida, era possível cortar e costurar quantos vestidos fossem necessários. Worth
inaugurou um departamento de costura para criação de vestidos de verão e, com essa
estratégia, vendia também os tecidos e aviamentos fornecidos pela loja. Em 1858,
fundou seu próprio ateliê (DE MARLY, 1990, p.24).
Em verdade, Worth empregou o esquema de comercialização praticado nas
alfaiatarias masculinas desde que, em 1791, o Antigo Regime havia permitido aos
alfaiates e costureiras a estocagem e venda de tecidos, e a fabricação antecipada de
trajes, fato que era proibido até então (LIPOVETSKY, 1989, p.101). Os alfaiates
produziam o traje a partir de formas pré-estabelecidas e empregavam os materiais
disponíveis em seus estabelecimentos. Uma vez tomadas as medidas e escolhido o
modelo, todas as operações técnicas que se seguiam para a realização do traje eram um
mistério para o cliente. (HOLLANDER, 1996, p.150)
“Worth, um inglês com a tradiç~o da alfaiataria p|tria atr|s de si, tirou disto a
idéia simples de inventar uma linha de produtos possíveis para clientes em
potencial relacionados com os tecidos e ornamentos disponíveis em sua loja. E,
desta maneira, ele tornou-se o primeiro “estilista” verdadeiro, aquele que cria um
grupo de composições já acabadas inteiramente da sua imaginação, que abrange
64
todos os aspectos da sua aparência, exatamente como aquelas de um artista. A
cliente precisa apenas escolher qual das visões ela deseja tornar-se.”
(HOLLANDER, 1996, p.150)
Tecnicamente, é importante salientar que a grande mudança trazida pela altacostura ocorreu primordialmente na modelagem das roupas. Antes, a linha geral do
vestuário era mais ou menos estável e apenas algumas partes do traje sofriam alterações
de corte. A maior parte das modificações acontecia na exterioridade do traje, com a
aplicação de detalhes e adornos, como passamanarias, fitas e plumas, entre outros
aviamentos e acessórios.
É esse dispositivo que vai ser brutalmente modificado pela Alta-Costura, a partir
do momento em que a vocação suprema do modelista reside na criação
incessante de protótipos originais. O que passou ao primeiro plano foi a linha do
vestuário, a ideia original, não mais apenas no nível dos adornos e acessórios,
mas no nível do próprio ‘molde’. Chanel poder| dizer mais tarde: “Façam
primeiro o vestido, n~o façam primeiro o acessório”. (LIPOVETSKY, 1989, p.80)
De Marly (1990, p.26) ressalta a obsessão de Worth pelo caimento exato. Ele foi
o primeiro a entender a estreita relação entre o tecido e o design das roupas e começou a
alinhar os moldes que compõem a roupa com o urdume do tecido, visto que o sentido
como o tecido era cortado comprometia o resultado final. Desde então, essa prática
conhecida como “colocar o molde no fio”, tornou-se um dos fundamentos da modelagem.
O corte e o acabamento inigualáveis em qualidade determinaram a denominação de
“alta-costura” atribuída pela Sra. Moulton, uma de suas clientes americanas, em 1863
(SHAEFFER, 1993, p.17).
Nenhum outro termo poderia expressar sua determinação em aprimorar os
métodos de modelagem. Como admirador da alfaiataria, ele indignava-se com a
abordagem descuidada e pouco criativa das costureiras, arraigadas a rígidas tradições.
Não importava o que os costureiros fizessem, certamente existiam novos caminhos para
obter velhos resultados simplificando o processo e desenvolvendo novos estilos de
roupas ao mudar a técnica. “Ele era como um engenheiro ou um arquiteto para quem a
solidez da construção era de fundamental importância. Nenhuma quantidade de
decoração poderia fazer uma casa ou um vestido certo se as fundações estivessem
erradas.” (DE MARLY, 1990, p.26)
Entre as várias invenções para o vestu|rio da época est| o “recorte” ou “linha
princesa” (fig. 30). A partir de experimentos para descer a costura da linha da cintura
para um pouco acima da linha dos quadris, Worth conseguiu eliminar a costura
horizontal que unia corpete e saia, graças a recortes verticais descendo do busto até os
65
quadris. Esta simples, porém hábil descoberta tornou-se modelo de construção do
vestuário a partir de 1875 e é um tipo de corte empregado até os dias atuais. (DE
MARLY, 1990, pp.85 e 144)
Figura 30: Vestido com recorte “princesa” de Charles Frederick Worth, 1892.
Fonte: http://www.kci.or.jp/archives/digital_archives/photos/100_xl_AC09206.jpg
É interessante observar que, apesar do caráter aparentemente artesanal e
exclusivo atribuído à alta-costura, Worth soube tirar proveito de técnicas industriais
típicas da produção em massa para atender a imensa demanda. Além do auxílio das
máquinas de costura, uma série de modelagens padronizadas com partes modulares e
intercambiáveis possibilitava o desenvolvimento de uma quantidade considerável de
modelos diferente (SHAEFFER, 1993, p.17). Assim, era possível que um vestido fosse
composto, por exemplo, por um corpo padronizado do tipo A, com mangas do molde B e
saia do molde C. Então, as partes poderiam ser unidas na máquina de costura que fazia
as costuras longas e aplicava os enfeites, enquanto os acabamentos e os bordados eram
feitos à mão. (DE MARLY, 1990, p.102).
Sendo assim, a alta-costura instituiu a série limitada pouco antes de se
difundirem as novas técnicas de fabricação industrial, as quais permitiram produzir em
66
quantidade as mercadorias padronizadas, por volta de 1880. (LIPOVETSKY E ROUX,
2004, p.44)
Com a alta-costura, iniciava-se a comercialização de moldes de papel e telas13
de modelos, para que confeccionistas estrangeiros pudessem reproduzi-los em série em
seus países. Esta estratégia comercial inovadora tornou-se prática comum entre outros
ateliês, principalmente por volta de 1929, quando a crise financeira nos Estados Unidos
tornou proibitiva a aquisição de roupas importadas por causa das altas tarifas
aduaneiras, e persistiu até 1960, representando cerca de 20% do montante de negócios
da alta-costura. (DE MARLY, 1990, p.103 e LIPOVETSKY E ROUX, 2004, p.44).
A alta-costura se desenvolveu respaldada pelo luxo e pela experimentação e
promoveu o surgimento de novas formas e estilos que eram rapidamente copiados ao
redor do mundo. No entanto, cabe ressaltar que alguns dos maiores costureiroscriadores foram aqueles que adquiriram conhecimentos técnicos sobre a construção das
roupas e sabiam manipular os tecidos com confiança, a exemplo de seu próprio
fundador, Charles Frederick Worth.
Em vista do vestuário em voga no final do século XIX e início do XX, a
praticidade dos trajes propostos por Gabrielle Chanel (1883-1971) revolucionou a
maneira como as mulheres viriam a se relacionar com suas roupas. Apesar da
simplicidade na modelagem de seus trajes, ela foi visionária ao projetar seu próprio
estilo de vida em suas roupas, sendo considerada uma estilista no sentido moderno do
termo.
Chanel se apropriou dos detalhes presentes na alfaiataria masculina e nos
uniformes dos trabalhadores com o objetivo de simplificar e refinar as roupas femininas.
Entre suas mais famosas criações estão peças advindas do universo masculino: o
cardigã, a calça, o blazer com botões dourados e a blusa listrada de malha (fig. 31 e 32).
O vestido tubo de crepe de chine preto – funcional e democrático – foi considerado o
“Ford da Moda” (CONTI apud PIRES, 2008, p.226) em alusão ao veículo americano,
igualmente preto e popular.
13
Adaptação de um croqui ou desenho técnico de uma roupa em tecido de algodão branco para sua forma
tridimensional (GRUMBACH, 2009, p.104).
67
Figura 31: Chanel usa calça e blusa listrada
Fonte: BAUDOT, 2002, p.75
Figura 32: Saia, blusa e cardigã de malha
Fonte: BAUDOT, 2002, p.76
Porém, o maior diferencial no que concerne a modelagem diz respeito à preocupação
com fatores ergonômicos, como conforto e mobilidade não só nas formas como no
emprego dos têxteis:
Chanel recusa-se a fazer bolsos nos quais não se possam introduzir as mãos,
botões puramente decorativos e sem verdadeiras casas. Ela cuida para que suas
saias permitam grandes passadas e que as cavas e as costas das roupas sejam
suficientemente largas para facilitar os movimentos. Escolheu o jérsei e o crepe
por sua maleabilidade (LIPOVETSKY E ROUX, 2004, p.158)
Além do domínio da moulage, método que consiste em moldar o tecido
diretamente sobre um manequim, Madeleine Vionnet (1876-1975) inovou ao construir
vestidos inteiros no viés, técnica de corte que até então só havia sido usada em golas e
pequenas partes do traje. Graças à escolha de tecidos de pouco peso – musselines, sedas,
crepes –, Vionnet alcançou um visual de leveza e fluidez em oposição à silhueta rígida e
estruturada usada até o início do século XX.
Suas criações são consideradas inovadoras não só na construção como também
no conceito, baseado no Purismo14. O interesse pela geometria permitiu que Madeleine
Vionnet desenvolvesse cortes refinados a partir de formas básicas, como quadrados e
14
Movimento artístico dos anos 1920 que buscava inspiração nas formas geométricas.
68
triângulos. Um exemplo dessa influência sobre a obra de Vionnet pode ser conferido no
seu vestido de 1920, construído a partir de quatro quadrados de musseline (fig. 33).
Figura 33: Vestido baseado em quatro quadrados de musseline de Madeleine Vionnet
Fonte: Ilustração a partir de http://www.lesartsdecoratifs.fr/ e
http://dept.kent.edu/museum/exhibit/spirals/vionnet.htm
69
Um exemplo da aplicação do corte enviesado na obra da estilista pode ser
observado no vestido de raiom15 preto e com faixas de crepe vermelho (fig. 34). Todas as
partes são cortadas no viés. A longa faixa costurada ao decote da frente passa para as
costas pelos ombros e volta para frente por baixo dos braços. Depois de cruzar a frente e
as costas, a faixa é finalmente amarrada na frente.
Figura 34: Vestido enviesado e sua respectiva modelagem
Fonte: Ilustração a partir de http://www.kci.or.jp/archives/digital_archives/detail_150_e.html e
http://dept.kent.edu/museum/exhibit/spirals/vionnet.htm
15
Espécie de seda sintética feita de celulose que possui bom caimento.
70
Vionnet estudou, como um médico, o corpo feminino, de forma a conservar a
beleza que lhe é própria. Tal como um cirurgião, começou a colocar costuras
hábeis, para que o vestido seguisse a silhueta do corpo. Foi um pensamento
revolucionário, já que, até então, era ao contrário: o corpo tinha que se ajustar à
moda do momento. Para atingir o seu objetivo, Madeleine trabalhou como um
escultor, modelando os seus desenhos numa boneca de madeira, em vez de o
desenhar (SEELING, 2000, p.71).
O espanhol radicado em Paris, Cristóbal Balenciaga (1895 – 1972), foi um dos
principais criadores de moda no período pós-guerra. Seu envolvimento pessoal em cada
um dos aspectos relativos ao design de seus trajes – desenho, escolha dos tecidos e
aviamentos, modelagem, costura – resultou no desenvolvimento gradual de técnicas
tradicionais para inovações baseadas num corte inteligente, com o mínimo de costuras e
pences. Talvez por causa de sua formação em alfaiataria, Balenciaga demonstrava clara
preferência por tecidos encorpados como a lã, o tweed, o tafetá e o gazar.
Abolindo todo tipo de artifício, ele envereda nos anos 1950 para uma geometria
rigorosa, uma arquitetura constituída de volumes abstratos, à qual acede através
de um jogo sutil de eliminações. [...] Balenciaga aprecia os tecidos com um
profissionalismo igual ao dos próprios fabricantes, e gosta de seu peso, sua
textura, sua rigidez, qualidades das quais se utiliza, indo direto ao essencial, tal
como o escultor talhando o mármore (GRUMBACH, 2009, p.119)
Admirador de Chanel e Vionnet, Balenciaga acreditava que as roupas deviam se
confortáveis e práticas, principalmente para o uso diário. Deste modo, suas roupas
possuíam folgas para movimento e espaço suficiente para respiração; os espartilhos
ficavam reservados apenas para alguns vestidos de noite. As formas simples, baseadas
em círculos, semicírculos e túnicas (fig. 35) são remanescentes dos trajes eclesiásticos,
provável influência do aprendizado na Espanha, onde a Igreja Católica exercia forte
domínio. As mangas com comprimento três quartos e sete oitavos foram soluções
funcionais que permitiam os movimentos dos braços e não ficavam sujas nos punhos. O
casaco da figura 36 demonstra claramente os aspectos específicos dos projetos de
Balenciaga, baseados o menor número possível de cortes, como resultado de estudo
diligente alcançado uma silhueta escultural que é independente das linhas do corpo.
Em 2006, o acervo técnico de Cristobal Balenciaga foi revisitado por seu
sucessor, o designer Nicolas Ghesquière, que adotou peças ícones como referência para
criar a coleção Outono/Inverno. A homenagem aos trinta anos de trabalho do estilista
espanhol, no entanto, não se trata de uma cópia literal: os modelos tiveram suas
silhuetas modificadas, mas o estilo foi preservado (fig. 37 e 38).
71
Figura 35: Túnica em gazar
Fonte:http://www.colettepatterns.com/blog/fa
shion-history/cristobal-balenciaga-the-purist
Figura 37: Casaco de uma só costura
Fonte: http://www.modalogia.com
Figura 36: Casaco de seda fúcsia
Fonte:http://www.kci.or.jp/archives/digital_archi
ves/detail_166_e.html
Figura 38: Coleção Inverno 2006/2007 por Nicolas
Ghesquière
Fonte: http://connect.in.comcristobal-balenciagaphotos538534-8667557.html
72
Durante aproximadamente um século, a alta-costura reinou absoluta como um guia
de novas tendências, resultado da experimentação e pesquisa de novas formas e
materiais, tendo os estilistas como agentes atuantes. A influência da alta-costura sobre a
moda predominou até meados da década de 1960, quando uma silhueta mais solta e
casual, inspirada no movimento hippie e combinada aos desenvolvimentos tecnológicos
dos tecidos e da confecção do vestuário, possibilitaram a cópia dos modelos vendidos
em várias faixas de preços, como veremos a seguir.
2.5 O prêt-à-porter
Até o final da Segunda Guerra Mundial, o mercado de roupas estava dividido em
duas categorias diametralmente opostas em suas propostas: de um lado, a moda
refinada e exclusiva da alta-costura e, de outro, a produção massificada de roupas de
baixa qualidade e sem apelo estético feitas por confecções.
Porém, em 1949, o sistema “pret-à-porter” surgiu para integrar a indústria da
confecç~o { moda. A express~o francesa “pret-à-porter” introduzida por J. C. Weill
significa “pronto para usar”, é a traduç~o literal da fórmula americana “ready to wear”.
Lipovetsky relata que, diferente da confecção tradicional, o sistema pret-à-porter
consistia em produzir industrialmente roupas inspiradas nas últimas tendências da
moda, porém a preços acessíveis. “Enquanto a roupa de confecção apresentava muitas
vezes um corte defeituoso, uma falta de acabamento, de qualidade e de fantasia, o prêt-àporter quer fundir a indústria e a moda, quer colocar a novidade, o estilo, a estética na
rua.” (LIPOVETSKY, 2008, pp.109 e 110)
Este sistema revolucionou a maneira como as roupas eram concebidas e
fabricadas e derrubou a hegemonia da alta-costura. Nessa nova realidade, o
aperfeiçoamento da modelagem contribuiu para a reprodutibilidade e a adequação dos
modelos às diversas numerações dos consumidores/usuários. O cuidado com os moldes
tornou-se imprescindível, uma vez que essas matrizes eram responsáveis pela
padronização de toda a produção, como ainda é nos dias atuais.
A modernização real da moda dependeu de uma elevação do status do vestuário
confeccionado por máquinas e produzido em série, que acompanha a elevação do
status estético de todo o design industrial. [...] O tamanho padrão graduado
finalmente estendeu-se as meias e sutiãs, saias e blusas, luvas e sapatos. A beleza
destas coisas está na sua grande capacidade de ser identicamente multiplicadas,
na sua perfeição cortada e costurada a máquina, infalível e maravilhosa. Nos dias
73
de hoje, os jeans oferecem o melhor exemplo de deliciosa aparência
industrializada. (HOLLANDER, 1996, p.180)
Calanca (2008, p.206) atenta para o fato de que, com o prêt-à-porter, o
significado da palavra estilista se modificou, uma vez que, nos projetos industriais, esse
profissional era quem agia somente sobre a exterioridade dos objetos sem modificar sua
função. Entretanto, ele adquiriu um novo status ao atuar na indústria da moda. Aos
poucos, os industriais europeus começaram a tomar consciência da importância de se
associar a estilistas para produzir um vestuário capaz de agregar moda e estética, como
os americanos já faziam (LIPOVETSKY, 1989, p.110).
O casual wear, estilo criado na Califórnia, aliava estética e conforto em modelos
simples que, coordenados entre si, possibilitavam diversas combinações, de acordo com
Vincent-Ricard (1989, p.23).
Essa indústria (...) torna operacionais as séries em grande escala, de cunho estético
adaptado, um fato que a Europa desconhece. Todas as operações são racionalizadas:
os pedaços do quebra-cabeça, divididos em grandes peças, são cortados
industrialmente – cada peça de roupa é montada em cadeia -; fazem-se todas as
combinações possíveis de cores e desenhos, chegando a uma grande diversidade a
partir de formas básicas. Por fim, racionalizam-se tamanhos, para que se adaptem a
quase todos os tipos de corpo, com base em medidas perfeitamente codificadas de
busto/cintura/quadris. (VINCENT-RICARD, 1989, p.23)
Embora a alta-costura francesa tenha reagido após a Segunda Guerra, o eixo de
poder havia sido alterado e os Estados Unidos passaram a deter a tradição em roupas
esportivas e uma sólida indústria de prêt-à-porter. Os varejistas americanos
desempenharam um papel particularmente importante no desenvolvimento da
indústria da moda. Desde o princípio, eram eles que traziam ideias de Paris a cada
temporada de desfiles e as adaptavam para a fabricação de seus produtos vendidos em
massa. Hoje em dia, ainda são as grandes cadeias e lojas de departamentos que
compõem a espinha dorsal do modelo americano (SAVIOLO e TESTA, pp.78 e 79).
Graças à gestão aplicada aos negócios da moda, os americanos ficaram em
condições de ensinar aos seus fornecedores europeus a lidar com itens como a produção
e distribuição em larga escala. Embora haja uma grande variedade de modelos e
diferentes níveis de qualidade, a quase totalidade do mercado mundial do vestuário é
dominada pelo sistema prêt-à-porter.
74
Atualmente,
a indústria
de
confecção está
equipada
com sistemas
computadorizados capazes de modelar, graduar tamanhos e fazer encaixes de grade 16
(fig. 39), entre outras funções. Graças à técnica denominada enfesto, que consiste em
sobrepor várias camadas de tecido a partir de cálculos de consumo, é possível cortar
grandes quantidades de uma só vez com precisão, rapidez e economia de material.
Figura 39: Exemplo de encaixe de grade feito no sistema CAD
Fonte: A partir do Sistema Audaces Encaixe
Em todo o desenvolvimento do vestuário, desde a pré-história, com suas
funções essenciais de proteção e adorno, passando pelo sistema artesanal e em série, até
o contemporâneo prêt-à-porter, a modelagem vem assumindo posição de importância
estética e funcional. O próximo capítulo apresenta a modelagem como um processo
composto por métodos e técnicas.
16
Definição dos tamanhos e suas respectivas quantidades para corte de um determinado modelo.
75
Capítulo 3 - A modelagem no design do vestuário
“Quando as pessoas vestem roupas, n~o têm noç~o do que se passou antes que
fossem roupas. Elas não têm a experiência dos intrincados estágios iniciais da
construção, da escolha do tecido e do desenho e arranjo das peças do molde, da
sensação de cortar o tecido, do encaixe dos componentes abstratos e da
construç~o da roupa final.”
Charlie Watkins, modelista de Hussein Chalayan in JONES, 2005, p.153
Para compreender a relevância da modelagem no design do vestuário é
importante inicialmente procurar definir o design. Segundo Cardoso (2004, p.14), a
palavra da língua inglesa design tem sua origem no latim designare e abarca tanto o
conceito abstrato de plano, desígnio, intenção, quanto o aspecto concreto de
configuraç~o, arranjo, estrutura. “O design opera a junção desses dois níveis, atribuindo
forma material a conceitos intelectuais. Trata-se, portanto de uma atividade que gera
projetos, no sentido de planos, esboços ou modelos” (CARDOSO, 2004, p.14).
Ao contrário de outras atividades projetuais, como a engenharia e a
arquitetura, o design destina-se ao projeto de artefatos móveis que serão submetidos à
produção em série por meios mecânicos. Historicamente, a separação entre projetar e
fabricar estabelece um marco determinante para caracterizar o design, adverso do fazer
artesanal ou artístico, em que o mesmo indivíduo é responsável pela concepção e
execução de um artefato (CARDOSO, 2004, pp.14 e 15).
Coelho (2008, p.188) define design como uma práxis fundamentada em teorias
com a finalidade de dar forma a artefatos a partir de um projeto elaborado para um
objetivo específico. Abrange um campo extenso de atividades cujas especializações
podem ser de caráter técnico, científico, criativo e artístico e que desempenham as
tarefas de organização, classificação, planejamento, concepção, configuração de sistemas
de informação, objetos bidimensionais e tridimensionais (volumétricos) destinados à
produção industrial.
Essas atividades levam em consideração no desenvolvimento projetual não
apenas a produtividade do processo de fabricação, mas também questões de uso,
função (objetiva e subjetiva), produção, mercado, utilidade, qualidade formal e
estética (fruição do uso), buscando equacionar, sistema e simultaneamente,
fatores sociais, culturais e antropológicos, ecológicos, ergonômicos. O processo
de configuração, portanto, leva em conta fatores estéticos e extra-estéticos no
estabelecimento de parâmetros – critérios pelos quais ele será considerado
adequado, ou não, para uma finalidade específica de trabalho –, sem perder de
vista a relação com o ser humano, no aspecto de uso ou percepção, buscando
atender necessidades e contribuir para o bem-estar e conforto individual e/ou
coletivo. (COELHO, 2008, p.188)
76
Adensando esta reflexão de Cardoso e Coelho, Forty (2007, p.43) afirma que o
design surgiu na indústria no século XVIII a partir do momento que um único artífice
deixava de ser responsável por todos os estágios da produção. O surgimento do designer
especialista pode ser observado com clareza na fábrica de cerâmica inglesa de Josiah
Wedwood, onde projetar e executar eram tarefas distintas e valorizava-se a primeira em
detrimento da segunda;
O trabalho de projetar, ou modelar, como era conhecido nas cerâmicas, tornou-se
um estágio distinto e separado na produção de artigos de barro, embora fosse
provavelmente feito por um artesão ou pelo mestre oleiro que trabalhava na
mesma fábrica. Na década de 1750, a modelagem não somente foi reconhecida
como atividade separada, como também havia indivíduos descritos como
modeladores cuja única tarefa era fazer protótipos para servir de base aos outros
artífices. (FORTY, 2007, p.50)
Embora o exemplo mencione um segmento industrial externo à análise deste
texto, é apropriado verificar que a importância dos modeladores é similar tanto na
indústria de cerâmica quanto na confecção de vestuário e que a proeminência desse
profissional representa um marco também para o surgimento do design. Tal
especialização possibilitou a padronização dos objetos industrializados, uma vez que a
exatidão nas instruções dos modeladores reduzia a liberdade dos demais artífices
envolvidos nas outras etapas de fabricação, reduzindo a possibilidade de eles alterarem
a forma dos produtos (FORTY, 2007, p.51) – isso se verifica em qualquer setor
industrial, sobretudo na indústria de confecção.
Na indústria do vestuário, a divisão do trabalho com um especialista em cada
estágio da manufatura ocorre conforme relata Kirke (1998, p.27). O modelista
determina as formas dos moldes; o graduador ou ampliador faz a escala de um tamanho
para outros; o riscador decide como arranjar os moldes sobre o tecido de maneira
econômica e eficaz; o cortador corta o tecido; o operador de máquina costura as partes;
o acabador ou arrematador costura a mão o que não pode ser feito a máquina e o
passador prepara a roupa para a entrega. Os ajustes no consumidor final são feitos por
uma costureira ou alfaiate e, por fim o traje está pronto para ser usado.
No caso específico do vestuário, os modelistas são os responsáveis por pensar,
planejar e executar a construç~o das roupas. Treptow (2003, p.154) argumenta que “a
modelagem está para o design de moda, assim como a engenharia está para a
arquitetura” e Osório (2007, p.32) refere-se ao modelista como “engenheiro de moldes”.
Tais definições comparam a função do modelista à do engenheiro e enfatizam a
77
importância deste profissional para a concretização do projeto do vestuário. Cabe,
porém prospectar o status do profissional de modelagem contemporâneo, muitas vezes
relegado à função de executor quando, de fato, é responsável pela solução de problemas
complexos de configuração e adequação, corrigindo falhas projetuais presentes nas
fichas técnicas elaboradas pelos designers de moda.
Conceituada como a etapa do desenvolvimento do vestuário que se ocupa da
interpretação do desenho técnico e a configuração das formas das roupas, a elaboração
de moldes está no cerne da questão formal e, portanto, representa um dos aspectos da
confecção do vestuário que mais se aproximam do conceito de design pelo estreito
vínculo com o processo de concepção e construção das roupas. A modelagem é a ponte
entre o projeto e sua materialização, bem como um dos processos responsáveis pela
padronização do produto dentro do sistema industrial de fabricação do vestuário.
Segundo Saltzman (2004, p.85), o design de moda abrange uma série de etapas
de caráter construtivo, como traduzir o desenho para um plano, riscá-lo no tecido, cortálo e costurar as partes para que o volume se configure. “A modelagem é um processo de
abstração que implica traduzir as formas do corpo aos termos de uma superfície têxtil.
Esta instância requer colocar em relação um esquema tridimensional, como o corpo,
com um bidimensional, como o tecido”.
Do ponto de vista técnico, Debo (2000, p.9) concorda com Saltzman ao afirmar
que os moldes são a transição bidimensional da forma tridimensional do corpo para uma
peça de roupa finalizada. Moldes são, portanto, os planos que compõem uma modelagem
que, quando cortados no tecido e articulados entre si pela costura compõem a forma
total da roupa. “Cada molde carrega em si o traje em potencial e, consequentemente, o
corpo em potencial.” (DEBO, 2000, p.9)
Ao contrário dos moldes usados nas fábricas de cerâmica, cuja forma côncava é
o negativo da forma tridimensional final do objeto com todas as suas características, os
moldes para o vestuário não são uma representação fiel do corpo do usuário. Suas
partes separadas podem parecer estranhas e amorfas quando comparadas às formas do
corpo com as quais se relacionam. Esses moldes podem inclusive ser característicos do
próprio projeto, construindo sobre o corpo formas diferenciadas cujo objetivo não seria
só o de revesti-lo, mas também o de redesenhá-lo com formas diferenciadas.
Ainda segundo Debo (2000, p.9), os moldes possuem um código abstrato, uma
linguagem projetual própria, acessível apenas para iniciados. Essa afirmação observa-se
78
na prática, onde um molde só pode ser assim designado a partir do momento em que,
além da transcrição da forma de determinada parte do corpo para o papel, esse adquire
informações necessárias para seu correto posicionamento sobre o tecido e instruções de
montagem. Dados como sentido do fio, piques nas bordas para orientação de montagem,
margens de costura17, indicação da quantidade a ser cortada no tecido, denominação das
partes e do tamanho da roupa, furos internos para posicionamento de detalhes
estabelecem essa linguagem técnica e são fundamentais para o uso correto dos moldes
(fig. 40).
Margem de costura
dede costura
Fim da pence
dede costura
Piques
Pence
dede
costura
Sentido do fio
Informações
sobre o molde
Figura 40: Molde com indicações para corte
Fonte: Ilustração a partir de http://showstudio.com/projects/ddl_margiela/download.html
Kirke (1998, pp.26 e 27) classifica quatro aspectos relativos à construção do
vestuário; corte, alargamento, caimento e ornamentação. Essas especificidades servem
de parâmetro para compreendermos a relação dos moldes bidimensionais com o corpo.
Pode-se entender o corte como sendo a maneira como cada parte do molde se relaciona
com uma área particular do corpo de forma harmônica e confortável. Também é
17
Quantidade extra de tecido necessária para que duas ou mais partes sejam unidas pela costura.
79
sinônimo de talhe ou feitio, e está relacionada à usabilidade ou à adequação do tecido ao
corpo do usuário.
Algumas partes do corpo movem-se mais que outras e isso exige uma adição de
tecido que possibilite conforto nos movimentos, conforme análise no capítulo 1. Esse
acréscimo de tecido em pontos cruciais é conhecido como alargamento. O alargamento
pode ser maior ou menor, de acordo com a silhueta que se quer alcançar. Quanto mais
justa for a roupa, menor ou quase inexistente será o alargamento. Quanto mais largo o
traje, além de sua característica funcional, o alargamento torna-se a própria razão de ser
do modelo.
No vestuário, as partes soltas que pendem de um determinado ponto de apoio
estão naturalmente sujeitas à força da gravidade. Essa relação entre o tecido e a
gravidade é denominada caimento, como já visto na análise de tecidos. Kirke (1998,
p.27) afirma que, se um traje “cai” mal, isso significa que falta alinhamento com as linhas
gravitacionais horizontais e verticais da terra. Se esse alinhamento estiver correto, o
traje parece estar em equilíbrio com a natureza e com o corpo, condição associada à
beleza e base da estética.
Exclusivamente relacionada à estética, a ornamentação agrega beleza e
distinção ao vestuário através da decoração. Esta pode ser adicionada ao tecido por
meio de bordados e aplicações, ou alcançada pelo acréscimo do volume de algumas
partes do traje além da necessidade de adequação ou alargamento.
Kirke (1998, p.27) enumera estes elementos constituintes do traje para
concluir que o verdadeiro designer de moda é aquele capaz de integrar cada um desses
aspectos em prol da elaboração bem-sucedida de sua ideia original, relacionando-os ao
corpo do usuário e ao tecido escolhido.
Entretanto, além das considerações de Kirke, executar uma modelagem requer
raciocínio lógico e capacidade para articular múltiplos saberes como cálculo, geometria,
anatomia, antropometria, ergonomia, noções de volume, espaço, escala, proporção,
conhecimento de diferentes tipos de tecidos, técnicas de costura, aparato tecnológico
disponível para o projeto e produção das roupas, entre outros. Tal constatação
corrobora as considerações de Cardoso e Coelho sobre a função do design de unir dois
aspectos distintos; forma material e conceitos intelectuais.
80
3.1 Processo, método e técnica?
Quando nos referirmos à modelagem, é comum usarmos os termos “técnica”,
“método” ou “processo”, mas muitas vezes o fazemos sem um embasamento teórico que
nos auxilie a perceber a diferenciaç~o dos “fazeres” inseridos no significado destas
palavras. Portanto, para compreender a definição de modelagem, convém analisarmos
esses conceitos à luz das teorias do design.
A noção de processo está diretamente ligada à ação e ao desenvolvimento e, por
conseguinte o termo pressupõe movimento, caminho, percurso. “O processo seria a
grande matriz de todo o modus faciendi, e, assim representaria ações em movimento,
difíceis de ser percebidas” (COELHO, 2008, p.265). Método e técnica – outras duas
definições frequentemente vinculadas à modelagem – estão relacionadas ao
desenvolvimento de cada etapa do processo, como veremos a seguir.
O substantivo método vem do latim methodus, que se originou da locução grega
meta (meta) + hodos (caminho). Assim sendo, método seria o caminho para se atingir
determinado objetivo. Quando nos referimos ao termo como um adjetivo, ou seja, um
trabalho com “método”, pressupomos organização do trabalho, constituída por
princípios de ordenaç~o das etapas necess|rias para que ele se concretize. “De fato,
nesse particular, a palavra denota racionalidade e lógica no processo de realização,
qualidades essas associadas à própria noção de cientificidade”. Assim, o método pode
ser entendido tanto como normas de organização e controle pelos quais se desdobra o
processo, quanto um lado inovador e criativo implícito no desenvolvimento desse
processo. Entretanto, o método não é necessariamente conhecido a priori. (COELHO,
2008, pp.252 e 265)
A técnica, por sua vez, constitui uma estratégia metodológica já consolidada, é a
parte concreta do método, cujos procedimentos preestabelecidos conduzem a
resultados conhecidos e esperados. “Quanto {s técnicas, seriam as receitas já
experimentadas e realizadas inúmeras vezes com sucesso.” (COELHO, 2008, p.265) Em
suma, a dinâmica entre processo, método e técnica pode ser assim entendida:
O processo define-se como a base estrutural dos métodos desenvolvidos em
determinado projeto. Representa a organização lógica do sistema. Já o método
adapta-se a cada projeto e se desenvolve pela criatividade. Representa o saber
adquirido na prática da pesquisa. É um conhecimento do modus faciendi
transmitido sob a forma de técnicas. O método é a idéia mais abstrata do conceito
de técnica. O método situa-se entre o processo e a técnica em termos de
abrangência e especificidade. (...) O método, finalmente, é compreendido dentro
de um processo e se expressa através da técnica (COELHO,1999, p.43).
81
Processo
Métodos
Técnicas
Figura 41: Dinâmica do processo, método e técnica
Partindo destas definições, presume-se que a modelagem, se entendida apenas
como técnica - designação a que é frequentemente relacionada - perde o sentido amplo e
dinâmico que apresenta quando analisada pelos conceitos de processo e método.
Inserida num contexto ainda maior que envolve todo o desenvolvimento do produto de
moda, como veremos a seguir, acreditamos que a modelagem pode ser considerada um
processo, constituído por métodos e técnicas, e que sua prática atua não só na execução
como também na concepção do projeto do vestuário. E se a referência para criação
estiver nos aspectos ligados à construção das roupas, podemos considerar que a
modelagem torna-se o processo de desenvolvimento do produto em si.
Entretanto, convém considerar que o conhecimento e o domínio dos métodos
de modelagem e suas respectivas técnicas, embora fundamentais, não são por si só
suficientes para desenvolver formas vestíveis. É preciso ampliar o repertório através da
experiência, da experimentação e da percepção. Segundo Heskett (2005, p.71), o
conhecimento t|cito ou implícito é fonte de grande potencialidade e “parte do
conhecimento de design tem esse car|ter” intuitivo, porém alerta que “a capacidade de
projetar n~o deva se limitar a essa dimens~o”.
Assim, a modelagem apreendida como processo reveste-se de um novo status;
torna-se um agente organizador dos recursos técnicos e criativos capazes de conduzir a
criação do vestuário para um patamar superior, onde a inovação ocorre no nível da
82
construção e organização das formas, e não só nos elementos superficiais de
ornamentação.
Ao abordar os aspectos vinculados à criatividade, Salles (2009, p.105) trata os
recursos criativos como mediadores entre forma e conteúdo. Se considerarmos a
modelagem como um destes recursos, podemos verificar que tal afirmação procede
também para os projetos do vestuário.
Ao falar dos recursos criativos, estamos na intimidade da concretude dessa
relação entre forma e conteúdo, na medida em que são esses recursos que
atam um ao outro, com as características do modo de ação de cada artista.
Esses procedimentos estão sendo vistos, portanto, como elementos
mediadores da relação forma e conteúdo. Há uma ligação entre a escolha
desses recursos, a matéria selecionada e, naturalmente, a tendência do
processo. (SALLES,1998, p.105)
3.2 O desenvolvimento do produto de moda
De acordo com as proposições de Coelho (2008) analisadas acima, pode-se
concluir que o desenvolvimento do produto de moda ocorre através de um processo
pelo qual uma idéia se converte em algo concreto, neste caso, o produto de moda.
De modo geral, Kotler (apud RECH, 2002, p.37) define produto como algo que
possa ser oferecido ao mercado para aquisição, uso ou consumo e que satisfaça um
desejo ou uma necessidade. Especificamente, Rech (2002, p.37) conceitua o produto de
moda como qualquer elemento ou serviço capaz de agregar criação, qualidade,
vestibilidade, aparência e preço de acordo com a demanda do segmento de mercado a
que se destina. Embora haja uma grande variedade de produtos ditos de moda, –
acessórios, cosméticos e serviços – o vestuário é, sem dúvida, o principal elemento desse
universo. Para Caldas (1999), estes produtos representam importantes oportunidades
de negócios e têm sido abordados de forma cada vez mais profissional, haja vista o papel
das escolas superiores de moda para formação dos novos designers.
Conforme estipulado desde a criação da alta-costura, o produto de moda é
parte de uma coleção resultante de um processo que se renova sazonalmente. Segundo
Fiorini (in PIRES, 2009, p.108), o conceito de coleção no campo da moda pode ser
entendido como um sistema particular, que apresenta princípios de complementaridade
entre os diversos produtos que o compõem. “Entre as peças de uma série, instauram-se
relações que se multiplicam por toda a coleç~o” (FIORINI in PIRES, 2009, p.109).
Embora a renovação das propostas ocorra a cada seis meses, essa dinâmica inicia-se
83
muito antes, com a pesquisa de novas matérias-primas e fabricação dos fios. Rech (2002,
p.69) pontua que, em comparação com demais produtos, os de moda são os que mais
demoram a chegar ao consumidor, em decorrência da complexidade e fragmentação da
cadeia têxtil. Tal afirmação encontra embasamento em Vincent-Ricard (1989, p.32):
Na verdade, o processo têxtil fragmenta-se de maneira muito complexa –
partindo da fibra [...] até chegar à roupa pronta – e precisa passar, no tocante ao
material, pelas fases de fiação, tecelagem, beneficiamento e estamparia; e, no
tocante a modelos, passa pelas fases de corte, montagem e acabamento. Tudo isso
requer pesquisa estética, elaboração prática, controle de qualidade a cada etapa,
sempre dentro de prazos determinados. A roupa, enquanto produto, é o único
objeto de consumo que leva dois anos para ficar pronto, começando como fibra
têxtil e finalmente chegando à loja onde é vendida; mas renova-se a cada seis
meses, com uma regularidade de metrônomo.
Tabela 2: Cronograma e metodologia da criação industrial
Item
Antecedência
Cores
Dois anos
Tecidos
Um ano e meio
Formas
Um ano
Ações
Adoção de determinado número de cores;
Combinação de cores entre si;
Criação de harmonias entre cores quentes e frias;
Opção em abdicar de cores clássicas.
Delimitação de cores, harmonias e grafismos;
Definição de temas promocionais.
Definição do plano da coleção; posição de mercado,
preço, cronograma e definição de estilo;
 Pesquisa de formas para uma linha geral;
 Materiais adaptados para criação de silhuetas;
 Equilíbrio de proporções e detalhes.







Fonte: Vincent-Ricard (1989, pp.38 e 39)
Conforme o cronograma de Vincente-Ricard, pode-se perceber que a
modelagem se insere no desenvolvimento das formas, o qual se inicia com um ano de
antecedência nos itens relacionados à pesquisa de formas, à adaptação dos materiais à
criação e ao equilíbrio das proporções e detalhes. Entretanto, observa-se, tanto no
âmbito acadêmico como no profissional, que a pesquisa de formas, na maioria das vezes
refere-se ao desenvolvimento de silhuetas bidimensionais, sem que haja sequer estudos
tridimensionais para conduzir tal pesquisa. Outro item que pode se mostrar
contraditório é a adaptação dos materiais às silhuetas, e não o contrário. Conforme
afirma Ostrower (1987, p.51), a materialidade conduz aos resultados com suas
possibilidades e também com suas limitações. Forçar a natureza de alguns tecidos para
aproximá-los de uma silhueta pode ser desastroso, principalmente quando se trata de
produtos que serão reproduzidos em grande escala, considerando-se os processos de
84
sua produção e as condições de uso. Por fim, o equilíbrio das proporções e detalhes é de
responsabilidade de um trabalho em conjunto envolvendo o estilista e o modelista, que
estabelecem aspectos como comprimento, alargamento, posicionamento de detalhes
como bolsos, golas, abotoamentos, punhos, acabamentos, entre muitos outros.
Rech (2002, pp.69 e 70) disserta sobre a importância do projeto e da adoção de
uma metodologia específica para o desenvolvimento de produtos de moda. Analisando
os processos de desenvolvimento de produtos de Baxter (2000), Slack (1997), Kotler
(1999) e da metodologia projetual de Munari (1982), a autora propõe cinco fases para o
desenvolvimento de produto expostas na tabela 3, a seguir:
Tabela 3: Desenvolvimento de produto de moda por Rech
Fases
Geração do
conceito
Triagem
Projeto preliminar
Avaliação e
melhoramento
Prototipagem e
projeto final
Ações
Análise de coleções anteriores;
Estabelecimento da direção mercadológica da nova coleção;
Avaliação da dimensão da coleção.
Análise de elaboração e adequação;
Definição dos temas de moda.
Esboço dos modelos (croquis ou moulages)
Escolha de cores, tecidos, formas, aviamentos, componentes,
acessórios e etiquetas.
 Desenvolvimento do desenho técnico, da modelagem e da ficha
técnica.







 Desenvolvimento e aprovação da peça-piloto;
 Desenvolvimento de embalagens e materiais para divulgação.
Fonte: Rech (2002, pp.69 e 70)
Conforme análise de Rech, a modelagem aparece explicitamente no projeto
preliminar para estudo das formas, representada pela moulage, o que certamente
favorece o entendimento tridimensional dos modelos por parte dos demais
participantes da equipe de trabalho, porque elucida a resolução do produto por todos os
ângulos, além de fornecer informações valiosas quanto à adequação dos tecidos às
propostas e à aplicação das proporções e detalhes.
Na etapa de avaliação e melhoramento, a modelagem surge vinculada ao
desenvolvimento do desenho técnico e da ficha técnica, embora na maioria das
empresas o correto seja ter a ficha técnica com todas as especificações de formas,
matérias, medidas, aviamentos e detalhes para que o modelista possa guiar-se por ela.
Por fim, a prototipagem é a etapa que segue a modelagem e, no caso do vestuário, seu
produto denomina-se peça-piloto. A peça-piloto definitiva é aquela que representa o
85
produto tal como ele deve ser quando produzido em larga escala; esta peça, juntamente
com a ficha técnica e com a modelagem serão os orientadores para toda a produção.
Montemezzo (2003) aborda a questão da metodologia projetual voltada para
moda com maior ênfase, ao analisar as etapas projetuais do design de Lobäch (2001),
Baxter (1998) e a inserç~o do fator “criatividade” entre as etapas do projeto por Gomes
(2001). Propõe uma alternativa condizente com a realidade encontrada, não só nas
empresas de moda, como também no ensino superior de Design de Moda. A tabela 4
sintetiza o resultado desse estudo detalhado e nos auxilia a contextualizar o papel da
modelagem no desenvolvimento do produto de moda/vestuário.
Tabela 4: Desenvolvimento de produto de moda
Etapas
Planejamento
Especificação
do projeto
Delimitação
conceitual
Geração de
alternativas
Avaliação e
elaboração
Realização
Ações



























Percepção do mercado e descoberta de oportunidades;
Análises, expectativas e histórico comercial da empresa;
Ideia para produtos/Identificação do problema de design;
Definição de estratégias de marketing, desenvolvimento, produção,
distribuição e vendas;
Definição do cronograma.
Análise e definição do problema de design (diretrizes);
Síntese do universo do consumidor (físico e psicológico);
Pesquisa de conteúdo de moda (tendências);
Delimitação do projeto (objetivos)
Geração de conceitos e definição do Conceito Gerador;
Definição de princípios funcionais e de estilo.
Geração de alternativas de solução do problema; esboços/desenhos,
estudos de modelos;
Definições de configuração, materiais e tecnologias.
Seleção das melhores alternativas;
Detalhamento de configuração (desenho técnico);
Desenvolvimento de ficha técnica, modelagem e protótipo;
Testes ergonômicos e de usabilidade;
Correções/adequações
Avaliações técnicas e comerciais apuradas;
Correções/adequações;
Graduação da modelagem;
Confecção de ficha técnica definitiva e peça-piloto (aprovação técnica
e comercial dos produtos);
Aquisição de matéria prima e aviamentos;
Orientação dos setores de produção e vendas;
Definição de embalagens e material de divulgação
Produção
Lançamento dos produtos
Fonte: Montemezzo (2003, p.62)
86
A proposição de Montemezzo especifica cada uma das etapas com maior
detalhamento e permite correlacionar a modelagem desde o planejamento, na definição
de estratégias de desenvolvimento do produto.
3.3 A modelagem e seus métodos
Considerando a análise sobre processo, método e técnica, pode-se discorrer
sobre as diferentes formas de modelagem como métodos capazes de atuar como
recursos criativos inseridos no processo de desenvolvimento de uma coleção. Os
métodos de modelagem do vestuário amplamente conhecidos pelo mercado e que nos
interessam abordar aqui são; a modelagem bidimensional, também denominada
modelagem plana ou geométrica e a modelagem tridimensional – moulage, em francês
ou draping, em inglês. Estes são os métodos mais utilizados por profissionais do
vestuário e ensinados nas escolas de moda, ainda que cada um traga consigo um
raciocínio e técnicas próprias que serão analisadas a seguir em suas especificidades.
3.3.1 Modelagem bidimensional
A modelagem bidimensional, plana ou geométrica é assim denominada por usar os
princípios da geometria e fundamentar-se em cálculos matemáticos. Os modelos são
traçados a partir de uma tabela composta por medições detalhadas dos contornos,
comprimentos e larguras do corpo, onde as respectivas medidas serão devidamente
representadas por linhas horizontais e verticais e correlacionadas entre si para aproximarse de uma reprodução fidedigna da anatomia. O traçado inicial, denominado diagrama (fig.
42), pode ser feito manualmente sobre papel com auxílio de material apropriado; lapiseiras,
réguas quadriculadas, réguas curvas para quadris e cavas, esquadros, fita métrica, carbono
para costura, alicates para piques, entre outros instrumentos.
Atualmente, o mercado de softwares dispõe de sistemas CAD18 equipados com
ferramentas gráficas adequadas à elaboração de moldes digitais que capacitam o
operador/modelista a desenvolver traçados complexos com agilidade e precisão, além
de possibilitar a criação de modelos adaptados de arquivos preexistentes (fig.43).
18
Sigla em inglês que corresponde a Computer Aided Design (desenho com apoio de computador).
87
Figura 42: Traçado de diagrama do corpo
Os moldes desenvolvidos em sistema CAD podem interagir diretamente com a
tecnologia CAM – Computer Aided Manufacturing ou manufatura assistida por
computador -, cujos sistemas de automação utilizam computadores e equipamentos de
controle numérico para os processos de produção (SILVEIRA, 2006, p.3). No entanto,
convém ressaltar que, apesar do sistema CAD para modelagem ser um recurso
importante, ele não capacita por si só o profissional de modelagem a desenvolver um
traçado. As ferramentas oferecidas pelos sistemas CAD apenas potencializam a aplicação
do conhecimento do método de modelagem plana e suas técnicas desenvolvidos
previamente.
88
Figura 43: Exemplo de sistema CAD para modelagem
Fonte: A partir do Sistema Audaces
Independente da opção pela execução manual ou digital, a elaboração de uma
roupa por meio da modelagem plana exige uma análise minuciosa da anatomia do
usuário, seja este o consumidor final de um traje sob medida ou o modelo de prova que
representa o perfil físico dos consumidores de uma empresa. A elaboração de uma
tabela de medida é o primeiro passo e consiste na coleta de medidas de determinadas
partes do corpo com o auxílio de uma fita métrica.
Metodologicamente, a tomada de medidas (fig. 44) para construção de um
traçado funciona como reconhecimento e delimitação de um problema de projeto; é uma
coleta de dados que, quando articulados por cálculos conduzem ao formato corporal.
Fischer (2010, pp.18 e 19) enumera os pontos mais importantes para a execução desse
procedimento. De posse desses dados, inicia-se o traçado do diagrama.
89
Tabela 5: Posicionamento das medidas
Posição
Medida
1 Circunferência do pescoço

Ao redor da base do pescoço.
2 Comprimento do ombro

3 Circunferência acima do busto

4 Circunferência do busto

5 Circunferência abaixo do busto

Inicia no pescoço e termina no osso do ombro
(acrômio).
Ao redor do corpo, abaixo do braço, mas acima
do busto, em linha horizontal.
Ao redor do ponto do busto, em linha
horizontal.
Circunferência torácica, em linha horizontal.
6 Circunferência da cintura

7 Circunferência da cintura baixa

8 Circunferência do quadril

9 Comprimento da manga

Ao redor da parte mais estreita da cintura, em
linha horizontal.
Ao redor do abdômen, em média 8 a 10 cm
abaixo da cintura natural, em linha horizontal.
Ao redor da parte mais ampla do quadril, em
linha horizontal.
Do final do ombro, passando pelo cotovelo, até
o punho, com o braço levemente curvado.
Do ponto de cruzamento entre o ombro e
pescoço, passando pelo mamilo, até a linha
natural da cintura.
Da nuca até a linha natural da cintura.
10 Comprimento da frente

11 Comprimento das costas

12 Cintura até quadril

13 Cintura até joelho

14 Lateral da perna

15 Entrepernas

Distância entre a linha natural da cintura até a
parte mais ampla do quadril.
Distância entre a linha natural da cintura e o
joelho.
Distância da linha natural da cintura até o chão
ou o tornozelo.
Distância do gancho até o tornozelo.
16 Bíceps

Ao redor da parte mais ampla do braço
17 Cotovelo

Ao redor da largura do cotovelo
18 Circunferência do punho

Ao redor da largura do punho
Fonte: FISCHER, 2010, pp.18 e 19
90
Figura 44: Locais para tomada de medidas
Fonte: Ilustração a partir de FISCHER, 2010, pp.18 e 19
Em relação à localização das medidas adotadas para esta metodologia, cabe
citar o estudo de Osório (2010, p.9) que enumerou o resultado de extensa pesquisa
bibliográfica composta por obras dedicadas à modelagem plana. Tal pesquisa propôs a
análise de tabelas de medidas antropométricas adotadas por diversos autores nacionais
e estrangeiros para a construção do traçado. A autora, após análise, concluiu que
existem medidas essenciais, provenientes dos contornos externos do corpo e que
compõem a base da tabela de medidas, entre elas as medições de busto e cintura. Não
menos importantes, as medidas auxiliares proporcionam precisão no posicionamento
dos elementos internos do molde. Finalmente, as medidas complementares ou
decorrentes surgem da aplicação de conceitos matemáticos sobre medidas essenciais.
Uma prática muito comum na indústria do vestuário é o desenvolvimento de
moldes que traduzem a forma básica do corpo, como uma segunda pele, sem nenhuma
interferência de elementos estilísticos. Também denominados bases de modelagem
91
(DINIS; VASCONCELOS in SABRÁ, 2009, p.78) ou blocos básicos (OSÓRIO, 2007, p.17) são
geralmente elaborados para construção em tecido plano e dividem-se em peças para
cada parte do corpo. No caso do vestuário feminino, o conjunto de moldes é formado
pelas bases para o tronco, calça e saia, cada uma delas dividida em partes dianteiras e
traseiras, e pela base de manga numa peça única (fig. 45). Estas partes articuláveis entre
si são o ponto de partida para a elaboração de modelagens complexas (DINIS e
VASCONCELOS in SABRÁ, 2009, pp.78 e 79). Após a montagem em tecido para
verificação da vestibilidade, execução de ajustes e aprovação, sugere-se que estes
moldes sejam passados a limpo num papel mais rígido ou salvos no sistema CAD.
Figura 45: Conjunto de bases de modelagem ou bloco básico
As bases de modelagem apresentam os principais recursos construtivos; as
pences fundamentais19 e as principais linhas de referência para tomada de medidas.
Essas linhas referenciais, assim como os contornos dos moldes, são essenciais para
interpretação das proporções dos novos modelos.
19
Pences localizadas na cintura e no ombro, ambas partindo do busto.
92
O bloco básico é definido como a primeira etapa da construção geométrica da
forma do corpo. É a configuração de uma parte do corpo na sua estrutura
anatômica com pences básicas localizadas no ombro e na cintura, a abertura ou
profundidade das pences sem fechamento na linha externa e sem margem de
costura. Nos blocos básicos, estão incluídas somente as linhas de contorno
externo da forma do corpo, piques de balanço e folga de conforto ou movimento.
(OSÓRIO, 2007, p.18)
Partindo do bloco básico, o modelista desenvolve os modelos projetados pelo
designer e modifica a estrutura anatômica com recursos específicos para cada efeito que
queira produzir. Todos os detalhes de construção, proporção, acabamentos e
aviamentos devem ser considerados. As relações de aproximação e afastamento entre
tecido e corpo são solucionadas pelo acréscimo de volumes além do alargamento
necessário para proporcionar conforto e movimento.
Se, por outro lado, não se intenciona modificar a forma básica, mas apenas
reposicionar a localização das pences, opta-se por sua transferência ou transposição (fig.
46). Esta é uma das técnicas que compõem a modelagem plana, e possibilita inúmeras
opções de modelos. Esses elementos construtivos convergem em direção ao busto e,
portanto, podem ser deslocadas para qualquer lugar do contorno da base, desde que
continuem apontando para o ápice do busto. As pences de busto e cintura podem ser
combinadas numa só ou se transformarem em volumes, franzidos ou pregas sem alterar
a adequação do molde ao formato do corpo.
Figura 46: Princípio da transferência de pences
93
As
bases
de
modelagem também podem ser
fragmentadas em mais partes
criando
recortes
funcionais,
suprimindo as pences. Nesse
caso, o excesso de tecido que
forma a pence é eliminado,
porém seu formato anatômico
não se altera (fig. 47). Como já
citado no capítulo anterior, a
criação da linha princesa por
Worth no final do século XIX
partiu
justamente
pressuposto.
desse
Figura 47: Recortes
Além das mudanças estruturais, é possível aplicar detalhes como golas, bolsos,
punhos, entre outros elementos de estilo, além de demarcar decotes e cavas, determinar
comprimentos e solucionar problemas relacionados à funcionalidade como o acesso e
fechamento das roupas por meio de zíperes ou abotoamentos.
Determinados modelos demandam elementos internos como entretelas e
forros, portanto o modelista deve estar ciente dos acabamentos, aviamentos e tipos de
costura. O conhecimento do maquinário que executará a montagem e o acabamento da
peça também é fundamental para o sucesso de uma modelagem. Diferentes máquinas de
costura possuem características específicas para segmentos do vestuário como
jeanswear, moda praia, malharia, alfaiataria, entre outros.
Após a definição de todos os itens que constituem o modelo, as margens de
costura são acrescidas aos moldes para possibilitar a junção das partes. Esses moldes
finalizados, com todas as indicações para o posicionamento e corte no tecido são
denominados “moldes para corte” ou “moldes interpretados” (DINIS e VASCONCELOS in
SABRÁ, 2009, p.79).
As bases de modelagem garantem fidelidade à tabela de medidas adotada pela
empresa, coerência com os tamanhos das peças nos diversos modelos da coleção,
redução de erros no desenvolvimento de outras propostas formais, além da agilidade
94
proporcionada pela eliminação da necessidade de se traçar um diagrama todas as vezes
que um novo modelo for realizado.
Todavia, Satzman (2004, p.85) alerta que o emprego destes moldes standards
pode empobrecer o potencial criativo do design de moda. A autora ressalta que o projeto
da vestimenta pode ficar simplificado pela oposição determinante entre os planos
frontais e dorsais, separados por concisos cortes laterais, como se frente e costas fossem
dois aspectos corporais alheios. De fato, esses recortes podem ser observados na
maioria das roupas industrializadas e até mesmo o ensino da modelagem plana enfatiza
a prática de segmentar o corpo em partes para otimizar o processo.
Por outro lado, apesar de ser um método racional, a modelagem plana, quando
bem desenvolvida e apreendida através do conhecimento técnico e da experiência
prática, transforma-se numa grande aliada para o projeto e realização do vestuário.
A viabilidade de construção de roupas complexas utilizando bases de
modelagem pode ser conferida nas obras “Pattern Magic” e “Pattern Magic vol. 2” de
Nakamichi Tomoko publicadas pelo Bunka Fashion College, importante escola de design
de moda do Japão. Apesar de editados no idioma japonês, os diagramas e as fotos das
sequências operacionais traduzem claramente os procedimentos realizados para
alcançar os resultados apresentados.
A despeito do esquema “passo a passo” apresentado pelas obras, a concepç~o
de modelos por modelagem bidimensional conduz o leitor a refletir sobre infinitas
possibilidades oferecidas por essa metodologia que se fundamenta na desconstrução da
forma anatômica do corpo para reconstrução de novos modelos acrescidos de novos
volumes.
Este procedimento não seria nenhuma novidade, visto que esta prática é
amplamente aplicada nos setores de modelagem de muitas empresas. Entretanto, o
diferencial do trabalho de Nakamichi Tomoko é a maneira como a autora relaciona
formas geométricas às anatômicas representadas pelos moldes básicos. Os novos
volumes se fundem aos contornos do corpo e recriam uma nova silhueta numa espécie
de simbiose.
Para criar volumes que ora saltam das roupas, ora causam a sensação de
profundidade, adicionam-se elementos tridimensionais às formas básicas. Para ilustrar o
primeiro exemplo, a blusa que apresenta três cubos acima do busto (fig. 48) é construída
a partir da aplicação das formas cúbicas sobre a base de tronco. Recortes estratégicos
95
inserem os elementos em relevo na estrutura da roupa. Porém, quando planificados, os
moldes perdem totalmente a ligação com a figura da qual partiram.
Figura 48: Blusa “cubos” e as etapas de planificação
Fonte: Ilustração a partir de TOMOKO, 2005, pp.46/47
O segundo exemplo trata de uma saia godê em cujo molde base foi aberto um
buraco e aplicado um cone. A nova composição foi redesenhada para que elemento de
profundidade representado pelo cone fosse perfeitamente integrado à estrutura da saia
criando uma sensação de continuidade entre as duas formas. O procedimento para unir
os dois elementos pode ser observado na figura 49.
96
1
2
3
4
5
6
Figura 49: Saia godê + cone
Fonte: Ilustração a partir de TOMOKO, 2005, pp.38 e 39
O que poderia ser apenas mais um método de modelagem plana como tantos
outros se revela um grande aliado para refletir sobre a importância da inserção da
modelagem ainda nos estágios de concepção do projeto. Para que isso seja possível,
97
estas obras apontam para a possibilidade de se explorar o método da modelagem plana
para incrementar o repertório na criação dos produtos de moda.
A gradação – ampliação e redução dos moldes para os demais tamanhos da
tabela de medida – é o estágio posterior à aprovação do modelo. As técnicas de gradação
foram se aprimorando desde a organização das confecções, em decorrência da
padronização dos tamanhos e dos procedimentos de classificação e etiquetagem (JONES,
2005, p.140). Nesta etapa, as diferenças de medidas entre os vários tamanhos são
distribuídas entre os moldes que formam a roupa, seguindo critérios para que não haja
distorções nos tamanhos maiores ou problemas de proporção (fig. 50).
Figura 50: Gradação
Fonte: Própria a partir do Sistema Audaces Moldes
Mesmo que o desenvolvimento da primeira peça seja elaborado através do
método da moulage, como veremos a seguir, a gradação ocorre por técnicas relacionadas
à modelagem plana. As diferenças de medidas de um tamanho para outro são divididas e
dispostas sobre as linhas referenciais para tomada de medidas como, por exemplo,
cintura, busto e quadril. Para a gradação de extremidades que envolvem
simultaneamente medidas de largura e comprimento, utiliza-se o sistema de
98
coordenadas cartesianas. Todo o processo de produção do vestuário começa a partir
desta etapa.
A modelagem plana está relacionada à acuidade e precisão, porém alguns
aspectos alheios à racionalidade devem ser previstos no decorrer do traçado. A falta de
contato com a matéria talvez seja o ponto fraco deste método. Embora os moldes sejam
elaborados justamente para aproximar a natureza têxtil dos contornos corporais, uma
vez cortados, os tecidos comportam-se de maneira peculiar. Dependendo do
posicionamento dos moldes sobre o tecido, algumas medidas se modificam de acordo
com o sentido do fio.
Verifica-se o comportamento de certos tecidos quando se modela, por exemplo,
uma peça com decote V; a inclinação da linha do decote coincide com o sentido
enviesado do tecido, provocando um estiramento nesta determinada região. Tal reação
suscita a eliminação da sobra ocasionada pelo viés ou o auxílio de um acabamento que
controle a distensão do tecido. Por isso, é imprescindível a prova final em modelo vivo
para detectar e eliminar possíveis defeitos.
O modelista deve desenvolver a capacidade de prever possíveis oscilações e
compensar, ainda no traçado, problemas ocasionados pela reação dos tecidos. Para isso,
o conhecimento dos diversos tipos de tecidos é indispensável para a boa formação do
profissional de modelagem, assim como dos designers de moda.
Em suma, o método de modelagem plana e suas respectivas técnicas podem ser
sintetizados pelo seguinte esquema (fig. 51):
Traçado de diagrama
Desenvolvimento de
bases
Modelagem
Bidimensional
Transferência de
pences
Recortes
Sistema CAD
Gradação
Figura 51: Método de modelagem bidimensional e suas técnicas
99
3.3.2 Modelagem tridimensional
Conforme
análise
histórica
empreendida no Capítulo 2, ainda que de
modo experimental e rudimentar, moldar os
tecidos diretamente sobre o corpo do usuário
foi uma prática ancestral verificada desde a
tentativa do homem pré-histórico em adaptar
as peles às formas físicas e, posteriormente
observada nas vestes drapeadas dos gregos e
romanos na antiguidade clássica. Todavia, foi
somente no início do século XX que a estilista
francesa Madeleine Vionnet passou a utilizar
a modelagem tridimensional de maneira
sistemática, desenvolvendo uma metodologia
própria, onde os modelos eram criados sobre
Figura 52: Madeleine Vionnet modelando
sobre um manequim de madeira. 1932
Fonte: DEBO, 2000, p.40
um manequim de madeira de tamanho reduzido e depois ampliado para o tamanho
natural.
A modelagem tridimensional, também denominada moulage ou draping,
método vinculado exclusivamente à alta-costura há até pouco tempo, atualmente
encontra espaço na indústria do vestuário por sua incontestável contribuição estética.
Em francês, a palavra moulage significa “moldagem” e sua pr|tica consiste em trabalhar
o tecido diretamente sobre um manequim cujo tamanho e configuração sejam
condizentes com a anatomia humana. Este contato possibilita controlar as relações de
ajuste e afastamento do tecido com base no formato corporal, bem como uma
visualização imediata do caimento do tecido.
A construção em três dimensões remete à modelagem tridimensional, [...]
promove o contato entre o corpo suporte, representado pelo manequim, e a tela,
tecido utilizado para modelar, lidando com medidas de comprimento, largura e
profundidade. Essa aproximação favorece a experimentação das possibilidades
construtivas, permitindo buscar novas soluções facilitadas pela apreensão da
realidade. (SOUZA in PIRES, 2008, p.341)
Com um raciocínio lógico diametralmente oposto ao da modelagem plana, a
moulage possibilita uma relação direta do material com a volumetria do corpo,
permitindo o contato indireto com as medidas que esse corpo apresenta. Enquanto na
100
modelagem plana decodificam-se as medidas para determinar os volumes, na moulage
são os volumes que conduzem às medidas.
Wong (2001, p.239), referindo-se às diferenças entre o desenho bidimensional
e tridimensional, afirma que algumas pessoas são predispostas a pensar de maneira
escultórica enquanto outras o fazem pictoricamente. As últimas frequentemente
valorizam a vista frontal de um desenho em detrimento de outras vistas e acreditam
“que as estruturas internas das formas tridimensionais est~o além de sua compreensão
ou (são) atraídas com facilidade pela cor e pela textura das superfícies quando o volume
e o espaço s~o mais importantes.”
Entre o pensamento bidimensional e tridimensional há uma diferença de atitude.
Para fazer representações tridimensionais, um desenhista deve ser capaz de
visualizar mentalmente a forma toda e girá-la mentalmente em todas as direções,
como se a tivesse em suas mãos. Não deve confinar sua imagem a uma ou duas
vistas, mas explorar completamente o jogo de profundidades e o fluxo do espaço,
o impacto da massa e a natureza dos diferentes materiais. (WONG, 2001, p.239)
O conteúdo da citação acima se adapta perfeitamente aos problemas vinculados
à compreensão da modelagem. Neste caso, a moulage proporciona visualização total e
permite conceber o vestuário como um todo de forma tangível. Portanto, trata-se de
uma prática escultórica, pois possibilita experimentar volumes, deixar-se guiar pelas
formas que eventualmente os tecidos
sugerem e assim criar direto sobre o
manequim. Os profissionais adeptos do
método acreditam que algumas formas
só podem ser obtidas por meio do
contato direto entre o material têxtil e o
suporte proporcionado pela moulage.
Ao considerar esse
experimental
e
a
aspecto
possibilidade
da
inovação formal, a moulage aproxima-se
dos processos artísticos. A abordagem do
corpo como um todo pode ser examinada
no vestido de Madeleine Vionnet (fig. 53)
com forte referência à indumentária
greco-romana. Os volumes e torções do
tecido adaptados à anatomia do corpo
Figura 53: Vestido drapeado Vionnet
Fonte: http://elogedelart.canalblog.com/archives/
2009/07/10/index.html.
101
feminino demonstram o cuidado com a construção formal e estética do traje. Percebe-se
também que o vestido envolve o corpo sem recortes óbvios que demarquem frente e
costas. Além disso, este é um dos exemplos que confirmam a importância da
experimentação e pesquisa no trabalho de Vionnet.
Na construção de uma roupa pela moulage, as características físicas de peso e
espessura dos tecidos adquirem volumes e caimentos diferenciados quando sobrepostos
ao corpo. Os tecidos comportam-se de maneiras diferentes de acordo com a tensão e
inclinação com que são manipulados, produzindo efeitos muitas vezes inesperados.
Surgem assim formas e contornos que não seriam possíveis de se atingir caso não
houvesse esse contato direto e experimental entre o material e o corpo, muitas vezes
representado por um manequim. Assim, o projeto da roupa pode surgir dessa
experimentação e o acaso pode sugerir soluções para a construção da roupa.
Ainda que a modelagem tridimensional admita certa liberdade de criação, é
imprescindível observar que não se trata de um método despojado de regras. O sucesso
de uma moulage está sujeito à exatidão das medidas e configuração do suporte. O custo
de aquisição de bons manequins técnicos é alto e algumas de suas medidas podem não
ser condizentes com as do usuário. Nestes casos, Brandão (1981, p.25) propõe a técnica
que os franceses chamam de bourrage e que consiste em adaptar as formas de
manequim, de preferência um pouco menor, com auxílio de enchimentos nos pontos que
exigem mais volume até atingir a forma desejada. Recobrir o manequim remodelado
com tecido consolida a bourrage definitiva. Essa prática é comum na alta-costura, “em
que cada cliente tem um manequim com suas próprias medidas para provas”
(LIPOVETSKY E ROUX, 2005, p.147).
A delimitação do manequim em partes semelhantes aos planos anatômicos é
fundamental para preparação do suporte. Da mesma forma que, na modelagem plana, as
principais medidas utilizadas no traçado são transpostas por meio de linhas no papel ou
tela do computador, na moulage delimitam-se as linhas básicas de construção sobre o
manequim técnico com o auxílio de fitas de cetim ou soutache20 em cor contrastante.
Estas linhas são alfinetadas sobre o manequim respeitando posições definidas para
compreensão de proporção e caimento, conforme figura 54. Posteriormente, as fitas
devem ser alinhavadas para que não se soltem com o uso.
20
Passamanaria estreita, com aproximadamente 3 mm, composta pelo entrelaçamento de dois cordões
finos resultando numa pequena canaleta entre eles.
102
Figura 54: Marcação das linhas do manequim
Este procedimento denominado “fitilhamento” é uma tarefa minuciosa que
requer paciência e precisão, uma vez que estas marcações são os alicerces para execução
da moulage e são fundamentais na etapa de planificação21. Embora trabalhoso, o
fitilhamento ajuda a apurar o olhar para os contornos do corpo, fato determinante para a
execução de uma modelagem bem sucedida. É possível afirmar que a análise anatômica
realizada no capítulo 1 é claramente identificável nas técnicas ligadas à modelagem
quando se divide o corpo em partes através de marcações para aproximar sua natureza
volumétrica de formas planas articuláveis capazes de recobri-lo.
Convém ressaltar que uma técnica muito utilizada quando se quer modelar
roupas ajustadas diretamente no manequim consiste em desenhar os contornos e
recortes do modelo com fita em cor igualmente contrastante, porém diferente da cor das
linhas de marcação (fig. 55). Essa prática permite visualizar a proporção do desenho
antes mesmo de posicionar o tecido sobre o busto técnico. Segundo Tim Williams (in
FISCHER, 2010, p.127), “o princípio é simples: você marca no busto os locais em que as
costuras irão gerar a silhueta. Como um desenho, esse processo simples depende da
habilidade de saber posicionar as linhas, tanto estética quanto tecnicamente”.
Etapa em que o tecido moldado sobre o busto-manequim é transposto para o papel com todas as suas
indicações de montagem e feitas as correções necessárias para a produção em série.
21
103
Figura 55: Modelo desenhado diretamente sobre o manequim
Fonte: Ilustração a partir de FISCHER, 2010, p.126
Nas últimas décadas, os fabricantes de sistemas CAD vêm desenvolvendo
softwares voltados para o desenvolvimento de produtos para o vestuário. Conforme
análise anterior, os sistemas em duas dimensões otimizam o trabalho de traçar, graduar
e encaixar, e ainda integram-se ao sistema CAM, responsáveis pelo enfesto e corte
computadorizados. Atualmente, esses sistemas se sofisticaram graças à tecnologia 3D,
possibilitando ao designer criar um corpo virtual com medidas pré-determinadas e,
sobre ele desenhar o modelo desejado – como se faz com a fita sobre o manequim no
método da moulage -, desenvolver a modelagem, planificá-la e vesti-la digitalmente,
ajustando-a como se fosse num modelo de prova, conforme figura 56. A partir disso, é
feita a gradação - P-M-G, por exemplo -, e cria-se o encaixe para o corte da produção, sem
que haja a necessidade de cortar um molde de papel ou uma peça piloto para aprovação
em manequim vivo durante o processo de desenvolvimento.
104
Figura 56: Sistema de modelagem virtual em 3D
Fonte: http://fashiontech.wordpress.com/category/optitex/
Observa-se que, apesar de tratar de uma metodologia aplicada por meio de
tecnologia digital, este sistema de modelagem virtual em três dimensões assemelha-se à
moulage, pois o modelo é desenhado e modelado diretamente sobre o corpo do
manequim digital, permitindo a criação de peças ajustadas.
Considerando algumas das técnicas aplicadas à modelagem tridimensional,
esquematiza-se essa metodologia conforme figura 57:
Preparação do
manequim
Marcação do modelo
Modelagem
Tridimensional
sobre o manequim
Planificação
Modelagem digital 3D
Figura 57: Método de modelagem tridimensional e suas técnicas
105
3.3.3 A integração dos métodos
Retomando as considerações de Salles (2009, p.107) de que os recursos
criativos são mediadores entre a forma e o conteúdo, a autora afirma que esses
procedimentos estão intimamente ligados à práxis do artista. A opção por um ou outro
procedimento técnico relaciona-se à necessidade do artista numa obra específica ou à
sua preferência pessoal por determinado método.
Esses procedimentos estão, diretamente, relacionados aos princípios gerais que
regem o fazer daquele artista. Estamos, portanto, no ambiente propício para as
singularidades aflorarem. É por meio dos recursos criativos que o projeto se
concretiza e se manifesta. Quando defino recurso, estou enfatizando como aquele
artista específico faz a concretização de sua ação manipuladora da matéria
chegar o mais perto possível de seu projeto poético. (SALLES, 2009, p.107)
Convém ponderar, ainda, que os recursos criativos aqui compreendidos pelos
métodos de modelagem do vestuário e suas respectivas técnicas vinculam-se à natureza
da matéria em uso. Assim como Ostrower afirma que cada matéria carrega em si
possibilidades e limitações, Salles (2009, p.107) concorda que ela apresenta suas
próprias leis. Portanto, “a seleç~o de um procedimento para manipular determinada
matéria implica conhecimento dessas leis. Diferentes matérias geram busca por novos
recursos, como há também a procura por novos modos de ação ao lidar com a mesma
matéria.”
Entretanto, o emprego de um ou outro tipo de modelagem é uma questão de
escolha; os objetivos que se quer atingir ou o domínio que o designer ou o modelista tem
sobre os métodos e as técnicas são os critérios que determinam essa opção. Além disso,
convém considerar que a associação de ambos os métodos é eficaz para a resolução dos
problemas de configuração. A complementaridade dos métodos constitui um caminho
de mão dupla capaz de estimular a criação de novos produtos. Nada impede, por
exemplo, que determinado aspecto do projeto seja resolvido por uma técnica diferente
da aplicada no restante do trabalho;
Acompanhando processos criativos, percebe-se que as opções pelos recursos
criativos podem ser alvo de modificações ao longo do percurso. Desse modo, fica
claro que esses procedimentos não são, necessariamente, pré-selecionados e
determinados pelo artista, mas são, na maioria dos casos, encontrados durante o
percurso. (SALLES, 2009, p.109)
Profissionais que utilizam ambos os métodos aprimoram a habilidade de
refinar o traço e de organizar um trabalho experimental: a moulage confere leveza às
linhas duras e angulares predominantes no traçado típico da modelagem plana. Já o
106
método bidimensional ajuda a conferir medidas e ordenar uma moulage de caráter
experimental para que ela se torne viável para produção industrial.
Em geral, a associação da modelagem plana com a moulage permite que um
método retifique e confirme o outro, adequando a forma bidimensional dos moldes à
realidade tridimensional do corpo. A experiência desta pesquisadora como docente no
ensino de modelagem em cursos superiores de moda exemplifica e ratifica a afirmação
de que os métodos se complementam até mesmo como estratégia didática.
Observa-se em sala de aula, que os alunos têm grande dificuldade em
compreender como os tecidos adquirem as formas corporais através do ensino da
modelagem plana. As fórmulas preestabelecidas pelos traçados não explicam, por si só,
como se obtém determinada medida ou angulação. No início do processo do traçado de
uma base de corpo, por exemplo, o aluno não consegue entender o que significa
determinada linha ou curva. Essa visualização acaba ocorrendo mais próximo do fim do
traçado e, mesmo assim, ainda pairam dúvidas a respeito de alguns elementos,
principalmente relacionados à tridimensionalidade da roupa, como as cavas e as pences.
Esse fato, no entanto, não desmerece o resultado final; quando prontas e transportadas
para o tecido, as bases se aproximam da realidade tridimensional do corpo e o
entendimento por parte do aluno se consolida. Porém, esse é um processo longo que
gera desânimo em muitos deles.
Por isto, verifica-se a validade de começar o ensino de modelagem plana com o
auxílio da moulage. Essa abordagem começa com a preparação do manequim, conforme
descrito anteriormente, e a moldagem de uma peça básica, com todos os elementos de
ajuste que a compõem.
Durante este contato, é possível chamar a atenç~o do aluno para o “di|logo” que
ocorre entre o tecido e o suporte; o busto projeta-se à frente, provocando sobras de
tecido que se transformam em pences, o pescoço e as cavas determinam contornos para
passagem da cabeça e dos membros respectivamente, e o tecido tende a esticar mais nos
lugares onde é cortado enviesado. Esta experimentação propiciada pela moulage
prepara o aluno para compreender a dinâmica da modelagem plana.
Além da experiência pedagógica, cabe citar outros exemplos onde uma
metodologia ratifica e complementa a outra; bases desenvolvidas na modelagem plana e
posteriormente provadas no manequim para possíveis correções, planificação e
107
gradação de peças desenvolvidas na moulage, desenvolvimento da estrutura da roupa
em modelagem plana e o de outros elementos na moulage ou vice-versa.
Ostrower alerta que a especialização exacerbada em uma determinada
metodologia limita o potencial criativo, e o mesmo aplica-se à modelagem como um
todo. Profissionais que se dedicam a apenas um dos métodos podem ter, não apenas seu
potencial criativo, mas também o repertório técnico, cerceados pela “super
especializaç~o”:
Como experiência de vida e de trabalho, os processos de identificação com uma
matéria, os processos de aprofundamento e de pesquisa que envolvem uma
espécie de empatia com a essência de um fenômeno e os quais se baseiam na
imaginação e no pensamento criativo não podem ser confundidos com a
mentalidade mecânica e unilateral da superespecialização. Ainda que esta seja
impingida pelo meio social em termos de necessidade profissional, não
precisamos vê-la como virtude, como algum ideal aspirável em termos de
realização humana. Do modo como está sendo colocada e com a falta de abertura,
não passa de um reducionismo que exclui do viver toda experiência valorativa.
Excluir do viver o vivenciar. Já por essa indiferença pelo real da vida, a atitude
básica da superespecialização carece de qualificações criativas. (OSTROWER,
1987, pp.38 e 39)
Assim, esquematiza-se a seguir a modelagem como processo, composta pelos
métodos bidimensional e tridimensional e a integração entre as diversas técnicas que
compõe cada método (fig. 58).
Traçado de diagrama
Desenvolvimento de
bases
Transferência de pences
Bidimensional
Recortes
Sistema CAD
Modelagem
Gradação
Preparação do manequim
Tridimensional
Marcação do modelo
sobre o manequim
Planificação
Modelagem digital 3D
Figura 58: A modelagem com seus métodos e técnicas integrados entre si
108
Partindo das considerações de Coelho e Ostrower, e pressupondo-se que a
modelagem é um processo abrangente, composto por métodos e técnicas, conclui-se que
quando estes aspectos são combinados entre si, potencializam a realização do projeto do
vestuário e alargam a visão do designer para diversas possibilidades formais. Nesse caso,
as técnicas da modelagem plana podem complementar o método da tridimensional e
vice-versa, proporcionando maior versatilidade ao design de moda, e as tecnologias
digitais otimizam este processo.
109
Capítulo 4 – A modelagem como processo
Construção ou desconstrução?
Feio ou bonito?
Qual o oposto de direito –
Avesso ou errado?
(Fashion Passion, 2003, p. s/n)
A modelagem, de acordo com análise anterior, pode ser compreendida como o
processo que permite correlacionar a natureza bidimensional dos tecidos à
tridimensionalidade do corpo, seja respeitando seu formato anatômico ou remodelandoo, criando novas configurações, e proporções para a aparência masculina e feminina.
Durante toda a história da moda, a modelagem foi um dos alicerces tecnológicos
responsáveis pela grande diversidade de estilos e formas. Por muito tempo, seu
conhecimento esteve restrito aos alfaiates, profissionais humildes e anônimos que
estruturavam roupas as quais, após serem modeladas, cortadas e costuradas, eram
recobertas por ornamentos de superfície com efeito estético.
Atualmente, a modelagem é uma práxis interdisciplinar, composta por métodos
e técnicas, e embasada em conhecimentos das mais diversas áreas do conhecimento, tal
como também se define o próprio design. Poderíamos considerar que se trata de uma
habilidade, de um fazer que diferencia as ocupações e saberes pertinentes a um estilista
e um designer de moda, uma vez que este último ocupa-se em configurar artefatos –
tridimensionais no caso específico do vestuário – a partir de um projeto elaborado para
tal fim, segundo definição de Coelho (2008).
Levando-se em conta que o campo da moda abrange múltiplas atividades de
caráter técnico/científico, criativo e artístico, o designer de moda é aquele que planeja e
coordena todos os aspectos relativos ao projeto, criação, desenvolvimento e produção
além do lançamento e acompanhamento do produto no mercado, buscando atender
necessidades de uso e contribuir para o bem-estar do usuário, além de estar atento às
questões estilísticas, conceituais e comerciais que permeiam as coleções.
Se os antigos criadores de moda impunham determinadas regras, quando nos
aproximamos do mundo contemporâneo, encontramos uma abertura ao novo e
ao diferenciado cada vez mais acentuada e com ritmo cada vez mais frenético. O
objetivo do designer de moda é ainda o de recriar, mediante aspectos formais, nas
roupas, as qualidades picturais, o conjunto de traços que caracterizam como um
objeto estético que possua a capacidade de atrair a atenção receptiva do outro
sujeito para seu aspecto formal, para a materialidade que o constitui e o
presentifica. Além disso, ele deve refletir sobre as questões que se determinam na
110
problemática do uso, na adequação ao corpo (ergonomia), nas situações dadas
pela contemporaneidade, além das questões relativas ao custo, ao conforto e ao
bem-estar. (CASTILHO; MARTINS, 2005, pp.34 e 35).
A aplicação da modelagem como recurso criativo fica evidente, em maior ou
menor grau, no trabalho de alguns couturiers22 da alta-costura e designers do prêt-àporter contemporâneo. Como pudemos constatar no capítulo 2, Worth, Chanel, Vionnet e
Balenciaga foram alguns desses nomes – cada um em sua época e com estilos únicos –
citados pela contribuição para a moda como um todo, mas principalmente por
implementar novas concepções para a construção do vestuário.
Partindo da fundamentação teórica analisada e verificada a construção das
roupas da alta costura, estudando seus métodos e técnicas, interessa-nos também
discorrer sobre o trabalho de designers contemporâneos os quais, assim como seus
antecessores, incorporam os recursos de modelagem como uma etapa necessária para a
configuração do vestuário, e também como uma referência criativa e fundamental para
criação de suas coleções. Assim, a modelagem torna-se ferramenta criativa, associada ao
processo de concepção e configuração do vestuário, e tal procedimento manifesta-se
positivamente no produto final.
Dentro do universo da moda composto por múltiplos estilos, delimitaremos
nossa pesquisa à obra dos designers contemporâneos internacionais Yohji Yamamoto e
Martin Margiela, e dos brasileiros Walter Rodrigues e Clô Orozco. Apesar da aparente
diversidade entre os pesquisados, as escolhas justificam-se pela reverência com que
esses designers se dedicam ao estudo das formas e à pesquisa de novos materiais. Suas
habilidades fundamentam-se em conhecimentos de modelagem adquiridos pelo estudo
de diferentes métodos, experiência prática e interesse pelo trabalho dos antigos mestres
do corte. O fio condutor que perpassa toda a presente pesquisa e une esses últimos
designers aos citados em capítulos anteriores é o profundo desejo de reinventar a forma
pelo domínio da construção das roupas, fato que os conduz a empregar os
conhecimentos de modelagem como uma metodologia. Pode-se afirmar, pela análise e
estudo das questões formais de suas criações que esses designers, antes mesmo de se
interessarem pela moda, têm profundo apreço pela estrutura das roupas.
22 Assim eram chamados os criadores da alta-costura desde os primórdios desse sistema. Tal
denominação eleva o status do costureiro ao de artista, pois ele deixa de ser um simples executor e passa
a criar os modelos, considerados obras de arte.
111
A fim de investigar como os processos criativos desses designers se
desenvolvem, tomaremos como exemplo as imagens de algumas de suas coleções e
peças mais relevantes. Embora, em alguns casos, a análise das metodologias aplicadas à
realização dessas peças possa limitar-se a hipóteses, em razão da falta física do objeto, o
conjunto da obra desses designers é importante para compreender o impacto da
modelagem no design de moda contemporâneo, tanto no âmbito internacional como
nacional.
Os procedimentos práticos de nosso estudo serão dedicados à análise de peças
selecionadas dos designers Walter Rodrigues e Clô Orozco, buscando exemplificar a
importância da modelagem em seu processo criativo, além de ter o cuidado de escolher
peças de cujo processo de modelagem ou execução esta pesquisadora participou ou
acompanhou pessoalmente. Tal fato, neste caso, garante melhor conhecimento do
processo e da finalização do produto, o que, em última instância, possibilita investigar
com maior afinco o processo de configuração de um traje no contexto de uma coleção.
4.1
O fenômeno japonês
No início dos anos 1980, os estilistas japoneses causaram espanto e
perplexidade no mundo da moda, ao romper totalmente com a estética em vigor que se
resumia ao visual da “mulher fatal”: corte justo e decotado, cores fortes, saltos altos e
maquiagem carregada. Em contraponto, estes designers sugeriam uma silhueta afastada
do corpo, encobrindo-o em vez de colocá-lo em evidência, com desconstrução nas
formas e acabamentos, roupas assimétricas e invariavelmente nas cores preta e branca
(BAUDOT, 2002, p.313 e SEELING, 1999, p.495).
A simulação de pobreza nas criações ilustrava a antítese dos valores de
perfeição artesanal criados na tradição da alta-costura. Crane narra que “Kawakubo
criou suéteres cheios de furos e vestidos com barras inacabadas e irregulares. As
máquinas para confeccionar suas roupas eram propositadamente manipuladas para
produzir peças com defeitos.” (CRANE, 2006, p.310). Apesar do aparente desleixo com
que essas peças eram produzidas, seu feitio desafiava a compreensão dos estilistas
ocidentais pela complexa arquitetura (fig. 59 e 60).
112
Figura 59: Rei Kawakubo Outono/Inverno 1983
Fonte:http://www.kci.or.jp/archives/digital_archi
ves/detail_205_e.html
Figura 60: Yohji Yamamoto Primavera/Verão 1983
Fonte:http://www.kci.or.jp/archives/digital_archi
ves/detail_203_e.html
Dentre estes designers, cabe destacar a importante obra de Yohji Yamamoto.
Filho de costureira, Yamamoto estudou numa das mais importantes instituições do
gênero – a escola de moda Bunka, em Tóquio. Dois anos depois de formado, viajou a
Paris a fim de observar estilos vindos das ruas e aprender sobre a moda ocidental. De
volta ao Japão, passou a buscar novos caminhos para a moda (BAUDOT, 2000, pp.10 e
11). Talvez tenha sido esta atenta observação que lhe permitiu elaborar trajes que
harmonizam influências ocidentais e orientais.
Com elegância e firmeza, Yamamoto conseguiu conciliar proposições
vanguardistas ao estilo da alta-costura parisiense, além de aproximar grandes opostos –
fantasia e funç~o, erotismo e pudor. “Mestre japonês da arte de cortar e grande arquiteto
do vestu|rio, cada uma de suas coleções põe em quest~o a estrutura e a postura do traje”
(BAUDOT, 2002, p.322).
Por vezes, suas roupas apresentam silhuetas esculturais; em outras, são soltas e
desestruturadas. O elemento essencial é a qualidade do material; tecidos encorpados
113
inspiram modelos angulares enquanto tecidos fluidos conduzem a formas arredondadas
e leves. Ao contrário da roupa ocidental que pretende ser uma nova pele para o corpo,
Yohji busca dar-lhe espaço para se mover. (SEELING, 1999, p.511). É o próprio designer
que explica a relação entre forma e matéria;
“Começo pelo tecido, pelo material, por toc|-lo. Depois, passo à forma. Para mim,
é o toque que conta primeiro. Em seguida, quando começo a trabalhar o material,
eu me transporto em pensamento para a forma que ele deve assumir”. Qualquer
roupa de Yohji Yamamoto parte, em sua construção, de dois pontos situados
sobre as clavículas. “É daí que o tecido cai melhor. Permitindo que a matéria
permaneça viva.” (YOHJI YAMAMOTO in BAUDOT, 2000, p.13)
Portanto, a razão que nos leva a analisar sua obra reside no domínio dos
métodos da modelagem e técnicas da costura para compor seu repertório de referências.
Debo (p.13) relata que muitos dos moldes criados pelos designers japoneses
contemporâneos revelam traços marcantes da tecelagem e confecção oriental, muito
distintas da abordagem ocidental. O quimono, traje tradicional japonês, é feito de certa
quantidade de retângulos compridos, moldadas por pregas que não correspondem às
formas anatômicas do corpo. Pode-se observar essa influência no casaco formado por
apenas duas partes, conforme figura 61 e modelagem correspondente.
Figura 61: Casaco Yohji Yamamoto + modelagem
Fonte: Ilustração a partir de http://showstudio.com/projects/ddl_yamamoto/download.html
114
No entanto, Yamamoto também é um atento observador dos métodos de
produção da alta-costura e seu referencial histórico, dos quais se apropria mesclando
elementos de sua cultura. Esta abordagem é nítida na coleção prêt-à-porter verão de
2000, quando Yamamoto elegeu a “tela” como tema, considerando que ela é uma vers~o
temporária e inacabada de um traje, e seu feitio é prática recorrente na alta-costura.
Partindo de um simples vestido de algodão branco com alinhavos horizontais em
linha vermelha indicando a localização de busto, cintura e quadris, e costuras verticais
em preto indicando de pences e costuras, Yamamoto desenvolveu toda a coleção
adicionando detalhes do vestuário como um voile preto no decote, uma manga ou um
recorte lateral até culminar num vestido de noiva “inacabado” (fig. 62). Por outro lado, a
construção da veste sobreposta num dos vestidos é feita de quatro retângulos que
remetem aos quimonos e, embora pareça complexa, é surpreendentemente simples.
Figura 62: Coleção prêt-à-porter Verão 2000 de Yohji Yamamoto
Fonte: http://www.style.com
115
4.2
A desconstrução de Martin Margiela
As mudanças ocorridas nas décadas de 1980 ficaram conhecidas como “o
fenômeno japonês” e causaram grande impacto na produç~o de jovens designers de
diversas nacionalidades. Um grupo de estilistas belgas, “o grupo dos seis”, seguiu os
passos dos estilistas japoneses, criando uma imagem de moda conceitual e vanguardista
(GRUMBACH, 2009, pp.360 e 361). A admiração pela construção do vestuário
perpetrada pelos japoneses era tal que esse grupo desmanchava suas peças para
entender como eram feitas.
Deste grupo, surge um dos grandes expoentes da moda contemporânea mundial
– o estilista belga Martin Margiela. Formado pela Academia de Belas Artes de Anvers,
como seus colegas, trabalhou durante três anos com Jean Paul Gautier, estabeleceu a
Maison Martin Margiela em 1988 e, entre 1997 e 2003, exerceu concomitantemente a
função de diretor artístico23 para o segmento feminino na tradicional Hermès – uma das
mais renomadas e luxuosas casas da alta-costura francesa, reconhecida pela qualidade
superior no corte e acabamento. (DEBO in MOMU, 2008, p.7)
Famoso por não se deixar fotografar ou dar entrevistas, Margiela é contrário à
imagem de celebridade atribuída aos criadores de moda da alta-costura, para que apenas
o produto resulte na identidade da marca. Sua decisão de manter-se anônimo é traduzida
nas etiquetas afixadas em suas criações; um retângulo de tecido de algodão branco
costurado à mão nos quatro ângulos, sem nenhuma escrita. (DEBO in MOMU, 2008, p.11)
Influenciado pelo mesmo conceito que os estilistas japoneses, Margiela
logo foi considerado “desconstrutivista” por causa da aparência inacabada de suas peças
de roupa, que deixavam expostos forros, ombreiras e costuras, além de terem elementos
básicos de composição das roupas como mangas, cintura e ombros fora do lugar
(SEELING, 1999, p.512). Segundo Braga (2004, p.102) “foi uma desconstruç~o para um
novo construir; um tipo de paradoxo que acabou se firmando na moda. [...] Do ponto de
vista comercial e popular, esse conceito se transformou em bainha desfiada e overlock
aparente”. Esta abordagem vanguardista é assim definida por Crane:
No contexto do vestu|rio, o termo “vanguarda” comumente implica modificar os
significados usuais atribuídos a itens específicos do vestuário (como o uso de um
tipo de traje associado a uma determinada atividade com propósitos muito
23 “Na França, denomina-se diretor artístico o estilista à frente da criação de uma grande marca, como
Karl Lagerfeld para Chanel, John Galliano para Christian Dior e Nicolas Ghesquière para Balenciaga, entre
outros” (GARCIA in QUEIROZ, BOTELHO, 2007, p. 34).
116
diferentes), ou mudar os significados associados a outros tipos de objetos para
redefini-los como adequados na forma de vestimenta (CRANE, 2006, p.308).
Margiela se permite questionar radicalmente os parâmetros estipulados por
cerca de cem anos de alta-costura sem, no entanto, ameaçar a posição central que ocupa
no campo da moda contemporânea. Apesar de suas roupas serem erroneamente julgadas
como anti-moda, Debo (in MOMU, 2008, p.3) afirma que não é intenção de Margiela fazer
tabula rasa à história da moda; a filosofia da Maison fundamenta-se justamente na recusa
em aceitar que a moda deve se reinventar inteiramente a cada estação.
Assim, ideias de coleções anteriores, bem como elementos captados da
memória coletiva da moda são continuamente inseridos nas novas coleções, prova do
respeito e paixão pela iconografia do vestuário. Traços do processo de produção são
literalmente virados pelo avesso, ou seja, as técnicas tradicionais de construção,
modelagem e acabamentos internos – costuras, pences, ombreiras, forros, moldes de
papel – usadas durante séculos pelos alfaiates e cuidadosamente escondidas pela altacostura são desvendadas, revelando os segredos de confecção que Margiela conhece em
profundidade. Na Hermès, ele desenvolveu sua característica investigação em alfaiataria,
embora dentro dos parâmetros de tradição da alta-costura.
Ao longo das últimas duas décadas, a Maison Martin Margiela introduziu
inúmeras variações em peças do vestuário que constituem o cânone da moda
ocidental. Exemplos óbvios incluem o trench coat, o smoking, a camisa branca e
calça jeans. Além de ser celebrações da memória coletiva da moda moderna, esses
itens também demonstram que Margiela é um especialista em alfaiataria. Embora
a Maison seja conhecida principalmente por seu conceptualismo e sua
reinterpretação radical da moda, é o seu conhecimento íntimo da história que
dota suas coleções de um caráter vanguardista. O mundo da moda é tão disposto
a esquecer, que a verdadeira inovação só é possível quando fundamentada num
domínio total do ofício e num rigoroso conhecimento histórico. (DEBO in MOMU,
2008, pp.11 e 12, tradução nossa)
As coleções de Primavera-Verão de 1997 e de Outono-Inverno de 1997-1998
são exemplos contundentes dessa perspectiva desconstrutivista. Aqui, a forma de um
busto-manequim com suas marcações são o ponto de partida para o desenvolvimento de
toda a coleção, como uma crítica à tentativa de remodelar o corpo para padronizá-lo tal
qual o tamanho-padrão de um manequim de alfaiate. Pelo contrário, o tamanho-padrão
do busto-manequim é colocado sobre o corpo como uma armadura, na qual os
elementos adicionais são fixados, ilustrando as várias fases do processo de construção
da roupa (fig. 63). “Assim, a roupa deixa de ser um mediador entre o corpo e um boneco
inanimado.” (DEBO in MOMU, 2008, p.12, tradução nossa)
117
Figura 63: Manequim de prova como referência
Fonte: http://www.maisommartinmargiela.com
O tema central da coleção Primavera-Verão de 2006 também faz referência ao
processo de produç~o, porém culmina numa “obra inacabada”. Peças ícones do vestu|rio
como trench coats, blazers, calças e vestidos foram finalizadas apenas num dos lados,
sendo que o outro permanece incompleto (fig. 64). “É como se a roupa tivesse sido
apagada num dos lados. Em alguns casos, o material ainda está ligado ao rolo de tecido, o
qual é carregado pelas modelos”, relata Debo (in MOMU, 2008, p.12, traduç~o nossa).
118
Figura 64: Peças inacabadas Primavera-Verão 2006
Fonte: http://www.style.com
A crítica à padronização, sempre com a intenção de desviar dos padrões de
corpo impostos pela moda, aparece também na coleção Outono-Inverno de 1994-1995,
num interessante exercício de proporção; diversas peças são reproduções fieis de
roupas de boneca. Neste caso, o conceito de padronização parte do princípio de que
bonecas como Barbie e Ken são versões miniaturizadas de um corpo adulto idealizado.
Entretanto, é impossível diminuir aviamentos
como zíperes e botões para a produção de suas
roupas.
Também
acabamentos,
justamente
como
as
ocorrem
fiapos
falhas
de
desproporções
linhas.
e
nos
São
descuidos
presentes nas roupas portadas por esses bonecos
que caracterizam o design da coleção; ao serem
ampliadas para o tamanho de um adulto, estas
imperfeições saltam aos olhos (fig. 65). “Apesar
de tudo, o visual provocado pelo aumento é tão
inquietante quanto cômico”. (DEBO in MOMU,
2008, p.14, tradução nossa).
Para efeito de nossa análise, cabe
Figura 65: Camisa com as proporções de
roupa de boneca
Fonte: DEBO; VERHELST, 2008, p.91
ressaltar também sua abordagem quanto ao
conceito de luxo. A “Coleç~o Artesanal” – criações únicas desenvolvida paralelamente à
coleção principal – é uma resposta ao sistema tradicional de produção da alta-costura. A
119
maison se apropria do intenso trabalho feito à mão, marca intrínseca da alta-costura,
porém abdica dos tecidos e materiais valiosos em prol de materiais recicláveis e não
necessariamente pertencentes ao universo da moda. O luxo, neste caso, consiste no
tempo de trabalho dedicado à produção de cada peça. (DEBO in MOMU, 2008, p.73). Um
suéter feito de meias militares (fig. 66) ou um vestido de noiva produzido a partir de
outras roupas, porém meticulosamente bem acabado, são exemplos de como Margiela
desenvolve esse conceito.
Figura 66: Suéter de meias militares e como fazê-las
Fonte: http://www.resurrectionvintage.com/blog/?p=3689 e
http://www.amagazinecuratedby.com/maisonmartinmargiela/
120
Conclui-se, portanto, que a modelagem é um componente primordial na obra de
Martin Margiela, uma vez que seu uso permeia todas as suas coleções, não apenas como
técnica necessária à execução da coleção, mas como metodologia intrínseca ao processo
de criação; com isso, a subversão em sua aplicação tradicional torna-se o conceito da
roupa.
4.3
A modelagem criativa no design de moda nacional
Nas últimas décadas, a moda brasileira está em evidente ascensão. A indústria
do vestuário ocupa um espaço considerável na economia nacional; incentiva a criação de
empresas, gera empregos diretos e indiretos, aquece as exportações e estimula a
abertura de escolas formadoras de novos talentos. Mais especificamente na última
década, designers brasileiros tiveram seus trabalhos reconhecidos internacionalmente, o
que certamente voltou os olhos do mundo para o que é produzido por aqui.
O mercado de prêt-à-porter de luxo nacional desenvolveu-se e atingiu um
patamar
de
profissionalismo
e
qualidade
equiparável
às
melhores
marcas
internacionais. Atualmente, marcas que estão no mercado há muitos anos têm suas
trajetórias sedimentadas em criatividade e inovação. À frente destas empresas, os
designers escolhidos para a análise incorporam a modelagem ao desenvolvimento de
produto como um diferencial que garante os altos padrões de qualidade.
Para levar adiante nossa investigação, elegemos algumas peças de dois
designers brasileiros: Walter Rodrigues e Clô Orozco (Huis Clos), para “desconstruí-las”
num exercício de engenharia reversa24. O critério de escolha destas roupas baseia-se na
complexidade estrutural já que representam um desafio intelectual tanto para o estilista
como para o modelista.
Convém, no entanto, esclarecer que a produção dos estilistas citados é enorme,
não se restringindo apenas a algumas peças ou coleções isoladas. São peças escolhidas
pela possibilidade de exemplificar o uso da modelagem como parte determinante no
processo criativo e consequente execução projetual, graças à documentação disponível
para acompanhamento desse processo.
24 Processo de análise que consiste em desmontar um produto já acabado e examinar suas partes, a fim
de identificar como foi construído.
121
Na moda, a cada estação, os temas se renovam; as coleções buscam referências
em culturas e épocas distantes, interpretadas pela perspectiva única de cada designer e
compostas de dezenas de itens, entre roupas e acessórios. No entanto, as peças
selecionadas destes universos férteis nos dão uma pequena amostra do modus faciendi
de cada designer e de suas respectivas equipes em relação à modelagem, ou seja, como
ela se desenvolve e se estrutura.
4.3.1 Walter Rodrigues
A produção do estilista Walter Rodrigues provém de um repertório eclético de
referências artísticas, histórias, étnicas, cosmopolitas e, principalmente de conhecimentos
consistentes em modelagem e tecidos preciosos. Seu interesse pelas artes e por diversas
manifestações culturais permeia todo o trabalho e representa um manancial de onde
extrai formas diferenciadas e surpreendentes, texturas e cartelas de cores.
A marca Walter Rodrigues surgiu em 1992, mas sua passagem anterior por
grandes empresas foi determinante para compreender a dinâmica do prêt-à-porter
brasileiro, conforme depoimento:
[...] a Cori me chamou para fazer parte da equipe de estilo. [...] Era uma fábrica de
2000 empregados! Isso aconteceu em abril de 1984 e eu fui aprendendo todo o
esquema de como era desenhar, passar pela modelagem até a peça ser aprovada e
entrar na coleção seguindo para o mostruário, para depois passar para a sala de
vendas e, finalmente, para a linha de produção (RODRIGUES in BUONO E
YAMASHITA, 2008, pp.2 e 3).
Apesar da experiência na indústria do vestuário, Rodrigues é um autodidata
que pesquisa incessantemente o trabalho dos criadores de moda que admira. Entre eles,
figuram a francesa Madeleine Vionnet e o espanhol Cristobal Balenciaga, cuja relevância
para o entendimento da modelagem no processo de criação foi analisada nos capítulos
anteriores. Essa investigação o levou a correlacionar o trabalho de ambos e a considerar
o impacto que o material escolhido tem sobre as formas:
Quando comecei a estudar os volumes de Madeleine Vionnet, descobri a sua
fluidez e a sua leveza; o crepe georgette foi sempre fascinante para mim, e de
1998 a 1999 todo mundo estava usando o crepe georgette. Nesse período, era
fácil de encontrar o tecido, era uma febre. Assim, quis trabalhar com o oposto,
com tecidos mais estruturados, isso fez sentido, porque na época estava
estudando os volumes de Cristobal Balenciaga. [...] Descobrindo mais o
Balenciaga, fui entendendo o grande luxo que é o trabalho desse gênio. Ele foi um
estudioso do trabalho de Vionnet, ele se interessou por sua técnica de trabalhar a
geometria, e utilizou isso em suas criações. Porque, se você abrir o molde do
Balenciaga e o da Vionnet, vai perceber que o princípio é o mesmo, mas a
genialidade está na mudança do tecido, ele substitui os tecidos fluidos por tecidos
122
estruturados, e com a mudança da matéria o desenho reage de uma forma
completamente diferente, com volumes muito poderosos. (RODRIGUES in BUONO
e YAMASHITA, 2008, pp.13 e 14)
A influência dos estilistas japoneses contemporâneos também é considerável,
com ênfase na obra de Yohji Yamamoto, reconhecido pelo conceito de desconstrução e
reconfiguração. Isso nos leva a constatar que Rodrigues também busca conhecimento
nas metodologias e técnicas desenvolvidas pelos mestres do corte para compor seu
arcabouço de referências.
Rodrigues utiliza a moulage na criação de suas peças desde 1996. Na época, sua
marca era patrocinada por malharias ligadas à Rhodia25 que lhe enviavam quantidades
significativas de tecidos variados, os quais eram colocados sobre o manequim e modelados
instintivamente. Depois de alfinetados, alinhavados e costurados, estes experimentos
transformavam-se em vestido únicos. “Isso foi se transformando em um h|bito e descobri
que tinha mais facilidade para explicar minhas idéias à equipe através do pano e da
moulage. Fui procurar fazer um curso [...] e, ao mesmo tempo, fomos descobrindo a
planificação da moulage”. (RODRIGUES in BUONO e YAMASHITA, 2008, p.16)
Entretanto, Rodrigues admite que nem tudo precisa ser feito em moulage. Ao
observar mulheres vestidas com roupas soltas de malha flexível, provavelmente adquiridas
em grandes lojas de varejo, percebe que o princípio da moulage está ali, embora a produção
de tais peças só seja possível em larga escala quando existe um molde plano que possibilite
o corte do enfesto por máquina de corte. (RODRIGUES in BUONO e YAMASHITA, 2008,
p.16). A planificação e gradação desses modelos, mesmo quando elaborados pela
modelagem tridimensional, ocorrem por técnicas ligadas à modelagem plana que traduzem
e racionalizam as formas, tornando-as inteligíveis para o processo industrial. Existe aí uma
integração entre ambos os métodos de modelagem, que ratifica a análise do capítulo
anterior.
Há um terceiro momento em que a Moulage é conjugada à modelagem plana – ao
visualizar o projeto, é possível traçar uma linha de pensamento para alcançar o
resultado. As partes visuais já resolvidas no desenho são executadas na
modelagem plana e aquelas que demandam ainda uma investigação são
rapidamente resolvidas na Moulage. Em geral, peças resolvidas na Moulage
podem demorar ou não a serem concluídas, porém é uma escolha do profissional,
e por vezes revela-se mais eficaz ou de melhor resolução para um determinado
projeto. As duas técnicas são utilizadas em conjunto para facilitar ou adiantar o
processo que aqui denominamos “Moulage experimental”, que se insere na
contemporaneidade de diversas marcas. (YAMASHITA, 2009, p.68)
25 Importante indústria de fios sintéticos e grande patrocinadora da moda no Brasil.
123
Para compreender seu pensamento construtivo, foram escolhidas duas peças
executadas com materiais e métodos diferentes, cada qual pertencente a coleções distintas e
modeladas por esta pesquisadora sob orientação do designer. Além de orientar os detalhes
específicos para cada colaborador, é interessante observar que Rodrigues sempre procurou
explicar cada coleção como um todo, apresentando as referências de sua pesquisa para
melhor compreensão por parte de toda a equipe envolvida no processo.
A primeira peça pertence à coleção de inverno de 2002, inspirada na cavalaria
medieval representada nos quadros do pintor flamengo Antoon Van Dyck (1599 –
1641), conforme figura 67, e também nos antigos samurais japoneses (QUEIROZ e
BOTELHO, 2007, p.85). É um casaco (fig. 67) com basque26 e mangas longas, usado sobre
saia com um leve baloné27. Confeccionado em denim28 e adornado nas costuras por
vivos29 de couro, o fechamento da peça ocorre pelo zíper frontal.
Rodrigues apresentou a ideia para a equipe de modelagem numa moulage
experimental para que fosse retrabalhada conforme os parâmetros industriais e nas
medidas da modelo que a usaria no desfile. Para configurar a peça, esta pesquisadora
optou por desenvolver uma base nas medidas da modelo, montá-la no morim30, vesti-la
no manequim técnico e, sobre ela, riscar os recortes de acordo com a ideia original do
estilista. A tela marcada foi então recortada e planificada no papel, onde recebeu as
margens de costura e todas as indicações necessárias para corte no tecido definitivo. As
mangas foram desenvolvidas diretamente na modelagem plana. Essa estratégia de
integração de métodos possibilitou visualizar o modelo por todos os ângulos e otimizar
o trabalho. O molde finalizado apresenta várias partes que compõem os forros e os
recortes, nos quais se inserem os vivos de couro que evidenciam as costuras.
26 Continuação da parte superior do vestuário, logo abaixo da cintura, em forma de aba levemente
projetada.
27 Volume que se obtém franzindo a barra e prendendo-a a um forro mais curto e justo.
28 Tecido de algodão resistente em que se misturam fios azuis na trama e brancos na urdidura, ou viceversa.
29 Tira roliça de cor contrastante que se insere numa costura de fechamento e ressalta o recorte.
30 Tecido de algodão rústico, geralmente branco ou cru, de preço baixo e muito utilizado na confecção de
moulages provisórias e telas.
124
Figura 67: Casaco jeans da coleção Inverno 2002 e modelagem
Fonte: Ilustração a partir de QUEIROZ e BOTELHO, 2007, p.97 e
http://www.wga.hu (quadro de Van Dyck)
125
A segunda peça escolhida faz parte da coleção de verão 2004 e é mais um
exemplo de como os métodos de modelagem aliados podem conduzir a resultados
satisfatórios. Nesta coleção, os desfiles aconteceram em agosto de 2003 em Medelín, na
Colômbia, e em outubro em Paris, durante a semana de moda (QUEIROZ e BOTELHO,
2007, p.153). Na época, Rodrigues defendia um estilo sensual, porém elegante, e a
modelagem foi um dos itens que o ajudaram a compor as formas com que propõe
valorizar o corpo feminino sem vulgarizá-lo. Os demais modelos da referida coleção
partem de exercícios feitos com tecidos inteiros, que contornam o corpo ajustando-se
em alguns pontos e mantendo-se fluidos em outros.
O macacão amarelo luminoso (fig. 68) foi apresentado a essa pesquisadora por
meio de uma ficha técnica. Através da observação do desenho, foi possível transportar
para o manequim as proporções e os volumes desejados pelo designer. A peça foi
confeccionada em malha com lycra, de acabamento fosco, desenvolvida especialmente
pela malharia Marles para que o resultado chegasse próximo ao toque, caimento e
gramatura de um crepe georgette, porém com mais elasticidade para promover a
aderência desejada (YAMASHITA, 2009, p.106).
Construído primordialmente por moulage, mas planificada para posterior
gradação, o modelo é composto por quatro partes, sem contar as alças, sendo que as
duas principais são simétricas e determinam o modelo, enquanto as outras servem de
suporte para sustentação e acabamento. Os segmentos que envolvem frente e costas têm
a forma de uma espiral ou jabot, como também é conhecido o efeito ondulado produzido
por esse tipo de corte. O traje configura-se conforme análise semiótica empreendida por
Yamashita;
O tecido parte de uma altura logo abaixo do ombro e desce em diagonal passando
pela cintura, contornando o quadril e envolvendo a metade da região posterior.
Sequencialmente, delineia-se o gancho traseiro passando o tecido para a parte
frontal e envolvendo a parte entrepernas para subir até a altura da cintura e,
então unir a parte postero-lateral. A junção dos dois tecidos se estabelece pelo
gancho da calça (YAMASHITA, 2009, p.105).
Observa-se pelo desenho técnico que o modelo não suscita recursos de como
zíperes ou abotoamentos, uma vez que pode ser vestido por baixo com acesso pelo
decote, graças à elasticidade da malha. Para evitar a transparência, aspecto que poderia
eventualmente tornar a peça vulgar, as partes internas foram cortadas duplicadas. Para
acabamento das bordas optou-se pela bainha “lenço”, costura extremamente delicada,
geralmente empregada em tecidos planos, mas que foi adaptada para malha, neste caso.
126
As alças que sustentam a parte superior do traje são feitas de rolotê 31 da própria malha
que constitui o modelo.
Figura 68: Macacão amarelo da coleção Verão 2004 e modelagem
Fonte: Ilustração a partir de acervo Walter Rodrigues (ficha técnica, foto do catálogo e modelagem)
31 Cordão fino, muito utilizado em alças, feito com o próprio tecido da peça cortado em tira e no viés.
127
Partindo da análise das peças escolhidas e com base no convívio com o designer,
observa-se a ênfase da modelagem, principalmente da moulage, no processo criativo de
Walter Rodrigues é determinante para o sucesso do resultado final.
4.3.2 Huis Clos
“Huis Clos”, uma express~o francesa que significa “quest~o encerrada”, foi o
nome escolhido por Clô Orozco em 1978 para representar uma das mais conceituadas
marcas de prêt-à-porter de luxo brasileira. Garcia (2008, p.21) relata que a escolha
justificava-se porque “rimava com seu apelido, o que dava uma graça, era francês, o que
dava um charme e tinha um quê intelectual, apropriado à socióloga recém-formada que
optara pelo mundo da moda” (GARCIA in QUEIROZ e BOTELHO, 2008, p.21). A autora
narra ainda que Orozco aprendeu com sua tia as coisas do métier como alinhavar,
modelar pela moulage, tirar defeitos provando a roupa várias vezes até deixá-la perfeita,
como faziam os mestres da alta-costura a quem aprecia;
À maneira de mademoiselle Chanel, em seu ateliê, de tailler (Chanel, claro), bijoux,
chapéu palheta, cigarro no canto da boca, alfinetando uma cava, que ela ensinava ser
fundamental para a queda da roupa. Como o austero Cristobal Balenciaga de guardapó alvo, impecável, analisando, como hábil cirurgião, a costura das costas do tailleur
no corpo da manequim de prova (GARCIA in QUEIROZ; BOTELHO, 2008, p.25)
Além do hábito de interagir no processo de construção da roupa, Orozco
assemelha-se a Chanel em outro aspecto; o gosto pelo vestuário masculino reformulado
nas roupas femininas. Elementos da indumentária masculina como a alfaiataria, tecidos,
texturas, proporções, calça com pregas afunilada na barra são transportadas para o
universo feminino num exercício da sensualidade sutil que caracteriza seu estilo.
(GARCIA in QUEIROZ; BOTELHO, 2008, p.40) “Para modernizar o traje masculino, Clô
trabalha com moulage e acrescenta volume ao que seria um simples paletó [...]. A
moulage renova e a alfaiataria garante a estrutura. O corte é impec|vel.” A citação de
Garcia (in QUEIROZ e BOTELHO, 2008, p.40) comprova como a interconexão dos
gêneros realiza-se também através da integração dos métodos de modelagem, como se a
moulage representasse o feminino e a alfaiataria, o masculino (fig. 69).
A marca Huis Clos começou a despontar no cenário nacional do prêt-à-porter no
início dos anos 1980 justamente quando os designers japoneses causavam a revolução
estética na moda européia que viria atingir todo o mundo. “A arte, o conceito, a moulage,
128
principalmente, no caso do Yohji Yamamoto, era art-wear, uma roupa para colocar no
manequim e observá-la como exercício de estilo” (OROZCO in GARCIA in QUEIROZ e
BOTELHO, 2008, p.28). Clô Orozco deixou-se influenciar pelas experiências dos
designers japoneses e, junto com sua própria bagagem, interpretou-as para a realidade
brasileira.
Figura 69: Alfaiataria e tecido masculinos trabalhados em moulage
Fonte: QUEIROZ; BOTELHO, 2008, pp.49 e 57
Em termos de qualidade, Orozco admite perseguir os conceitos da Hermès,
marca francesa de luxo que simboliza elegância e discrição, e admira particularmente o
período em que o belga Martin Margiela era seu diretor artístico. “O produto de
qualidade não deixa margem para erro, dúvida ou engano. É o resultado de muito
trabalho, pesquisa, inovação, risco, mistura de passado e futuro, renovação, novas idéias
e, finalmente, de produtos e de serviço” (GARCIA in QUEIROZ e BOTELHO, 2008, p.34).
Minimalista, Clô Orozco gosta de fazer uma moda funcional e repudia os
enfeites gratuitos. Peças consideradas esportivas como parcas e macacões estão sempre
presentes a cada estação, porém são confeccionadas com tecidos e acabamentos nobres.
Os laços, que à primeira vista podem parecer apenas decorativos, surgem como soluções
aliadas à moulage e sempre de forma funcional (fig. 70).
129
Figura 70: Laços; decorativos e funcionais
Fonte: QUEIROZ; BOTELHO, 2008, pp.126 e127
Considerando estas características atribuídas à grife Huis Clos, a peça escolhida
para análise de construção é um macacão xadrez da coleção de Inverno 2008, a primeira
assinada pela designer Sara Kawasaki, que já trabalhava com Orozco e assumiu a criação
a partir desta estação. A coleção, inspirada no trabalho da fotógrafa Sarah Moon32, trazia
peças volumosas e afastadas do corpo, com cinturas altas e em diversas padronagens.
A peça analisada é amplo, com gancho33 baixo, laço no decote e bolsos laterais
embutidos. O grande diferencial está nas mangas formadas por uma única faixa que se
inicia numa das cavas contornando-a, insere-se no recorte raglan34, contorna o decote
pela nuca e percorre o mesmo caminho pelo lado oposto do traje. A parte frontal da
calça também é formada por uma única parte e possui uma espécie de nesga,
denominada “taco”, na costura do entrepernas35. Esse recurso proporciona
tridimensionalidade em peças que não possuem os recortes que formam o gancho da
calça. As duas partes que compõem as costas transportam-se para frente e, unem-se ao
recorte da cava raglan. O decote frontal, próximo ao pescoço, possui abotoamento
arrematado por um laço.
Segundo relato de Joseane Honorato36, modelista da empresa desde 2005 e
responsável pela modelagem das peças mais elaboradas, o macacão se originou de um
32 Fotógrafa francesa que garantiu seu nome na história da moda graças a campanhas para grifes famosas
como a Cacharel.
33 Recorte da calça que une as duas pernas.
34 Espécie de cava cujo recorte parte da axila em direção ao decote.
35 Costura de fechamento na parte interna das calças.
36 Em entrevista concedida à pesquisadora em 17/02/2011.
130
vestido desenvolvido em moulage pela designer Sara Kawasaki. A partir dos estudos de
formas, a designer projetou o macacão e o encaminhou por meio de ficha técnica para
que Honorato o desenvolvesse em modelagem plana. Os detalhes das mangas e do
decote sofreram algumas modificações e está presente em outras peças confeccionadas
em tecidos e padronagens diferentes, fato que garante a unidade da coleção.
Figura 71: Macacão de lã xadrez e modelagem
Fonte: Ilustração a partir de http://www.oglobo.globo.com e Catálogo Huis Clos Inverno 2008
131
É interessante observar que, as modelagens planificadas pouco lembram os trajes
que constituem, talvez pela complexidade de sua construção ou quantidade de partes; cada
molde relaciona-se com uma região do corpo e traz informações que possibilitam o correto
posicionamento para corte no tecido e a conexão com as demais partes pela costura,
resultando na forma final do traje. Tais informações contidas nos moldes só podem ser
compreendidas por iniciados nos fundamentos da modelagem e representam um sistema,
um projeto, uma matriz que permite a reprodução ilimitada do modelo.
Assim como os moldes de cerâmica determinam a forma do material, o mesmo
ocorre com a modelagem do vestuário, porém por outros meios; a forma vai se
configurando em cada união das partes, seguindo uma sequência operacional específica
para cada peça. Esse processo pode ser observado nas modelagens e nas suas
respectivas instruções em anexo.
Apesar das especificidades, esses moldes nos dão uma pista de como se
desenvolve o raciocínio do designer e seus modelistas. O emprego da moulage como
ferramenta criativa e meio de comunicação do designer com sua equipe, e a integração de
métodos de modelagem plana e tridimensional para a resolução dos problemas de
configuração validam a hipótese de que o design de moda beneficia-se dessa metodologia.
O estudo desses processos comprova a participação efetiva da modelagem
como metodologia no percurso criativo e elucida a importante participação do modelista
no desenvolvimento de produto. O conjunto de moldes que compõe cada um dos
modelos analisados, muito além de formas articuláveis, nos leva a refletir sobre a
modelagem na condição de um projeto à parte, ou um projeto dentro do projeto de
moda. Nesse sentido, ela poderia ser conceituada como o aspecto técnico/científico que
torna real toda a fantasia sugerida pela moda.
O exercício de desconstruir um artefato para compreendê-lo estabelece um
diálogo entre o observador e o designer. Ao dissecar um traje e verificar sua estrutura,
podemos compreender o raciocínio do designer, seu modus facendi. É como se ele nos
relatasse uma história interessante e repleta de segredos, numa linguagem muito
específica escrita nas entrelinhas dos tecidos, costuras, cortes, aviamentos e adornos.
132
Considerações finais
Ao finalizar uma pesquisa em que o objeto está tão próximo do pesquisador a
ponto de, a princípio, ter convicção de certo domínio do assunto, nos damos conta de
que o campo é extenso e ainda há muito por desvendar. Por um lado, confirma-se o que
se sabia, sistematizam-se as ideias ou retificam-se velhas crenças. Por outro, surge a
inquietação de mergulhar em temas que se ampliam e apontam possibilidades
interessantes, novos desdobramentos e, que certamente poderão ser investigadas mais
adiante.
A presente pesquisa sobre a modelagem conduziu esta pesquisadora a caminhos
surpreendentes, embora esse tema lhe seja familiar desde a infância; o amor pelas
roupas surgiu ao observar a mãe traçando, cortando e costurando tecidos que se
transformavam em vestidos iguais aos das revistas de moda. Aquilo parecia mágica aos
olhos da criança que tentava entender como os pedaços de tecido se juntavam e criavam
vida quando vestidos pelas clientes.
A opção pela profissão nasceu desse contato e, ao contrário de uma obrigação
imposta pelo vínculo familiar, foi acolhida como herança, um patrimônio de
conhecimento que se ampliou com o estudo dos métodos e suas técnicas, além de um
ofício, um fazer, que traz muita satisfação para quem o executa com entusiasmo.
Portanto, a análise dos tópicos que sustentam essa prática trouxe também a
oportunidade de revisitar as próprias origens, organizar a experiência de muitos anos e
vislumbrar um futuro promissor para a modelagem como recurso técnico e criativo.
A análise dos aspectos que compõem a pesquisa amplia a visão para diversos
universos, ao mesmo tempo em que nos traz de volta para o objeto com informações que
proporcionam entendimento ao tema. Assim, pode-se dizer que a abordagem do
Capítulo 1, que relaciona a forma e a matéria no design do vestuário, muito além de
elucidar as questões relacionadas à adequação das roupas ao corpo, trouxe a
oportunidade de verificar que a ciência da anatomia divide a forma corporal de maneira
muito semelhante à metodologia utilizada na modelagem plana, onde as medidas são
transpostas para um meio plano conforme cálculos, assim como na moulage quando se
secciona o manequim técnico para delimitar a área a ser trabalhada.
A análise dos aspectos ergonômicos alerta para o fato de que o corpo não pode
ser visto como uma forma inerte e insensível, qual manequim inanimado. Dentre outros
133
elementos, as articulações, os músculos e a pele conformam o corpo humano,
conferindo-lhe movimento e sensibilidade. O vestuário, assim como uma segunda pele,
deve corresponder às necessidades desse corpo e a ele se integrar.
Os tecidos são aqui considerados os materiais mais relevantes para a
configuração do vestuário, embora a história traga muitos exemplos de aplicação de
materiais inusitados às roupas. Eles se assemelham à pele humana e têm sofrido grandes
modificações graças às descobertas científicas e tecnológicas. Nas últimas décadas,
novas fibras e tratamentos favoreceram o desenvolvimento de uma gama de tecidos que
não só influenciaram a moda como aumentaram o conforto e a praticidade das roupas.
No Capítulo 2, foi possível investigar o percurso da modelagem implícito na
história da indumentária. Como qualquer outro objeto, as roupas são produto de um
“fazer” ou de uma “práxis” que foi se consolidando no decorrer dos tempos. Novas
tecnologias e materiais impulsionaram o aperfeiçoamento das técnicas de feitio das
roupas, e esse fato foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento da moda como a
conhecemos hoje; um fenômeno de renovação sazonal que afeta todos os objetos, mas
principalmente o vestuário. Desde a pré-história até o prêt-à-porter, esse “fazer” se
traduz em peças remanescentes de outras gerações que revelam muito do pensamento
construtivo de épocas distantes. Os modos de produção atuais são produto dessa longa
jornada, enfatizando a época em que o feitio das roupas era restrito a artífices
associados às guildas de alfaiates, passando pela mecanização, até o uso extensivo da
informática e outras tecnologias para confecção do vestuário.
A alta-costura também é abordada com o intuito de avaliar a relevância desse
sistema para a convenção dos fundamentos do design moderno na moda. Apesar do
caráter artesanal e individualizado pertinente à alta-costura, a introdução da figura do
couturier ou criador de moda – precursor dos atuais designers de moda –, a definição dos
parâmetros de qualidade e a criação de coleções divididas sazonalmente foram alguns
dos acontecimentos que organizaram as mudanças eventuais e aleatórias que
determinavam a moda do final da Idade Média até meados do século XIX, e lançaram as
bases para aperfeiçoar uma indústria da confecção que se mostrava uma das mais
proeminentes desde o advento da Revolução Industrial. A união do refinamento estético
da alta-costura com a produção em massa da confecção deu origem, no final da década
de 1940, ao sistema de produção e comercialização que predomina até os dias atuais; o
prêt-à-porter. O aperfeiçoamento dos métodos de modelagem foi fundamental para que
134
o prêt-à-porter cumprisse a função correlata ao design de produzir grandes quantidades
de roupas prontas para o uso, com qualidade, estilo e preços acessíveis.
No Capítulo 3, a relação entre a modelagem e o design é levada a cabo partindo da
análise de seu desempenho no desenvolvimento de produtos de moda e também no
âmbito das técnicas, métodos e processos. Ao verificar que a modelagem pode ser dividida
em dois grandes métodos, e que cada um deles é composto por diversas técnicas, pode-se
concluir que a modelagem é o processo que possibilita a transformação dos tecidos –
bidimensionais em sua natureza – em peças tridimensionais que se correlacionam com o
corpo e movimentação de seus usuários.
Mediante a grande quantidade de formas que compõem a moda, a modelagem
pode ser vista por várias perspectivas, sempre levando em consideração o objetivo
formal que se quer atingir, os recursos materiais de que se dispõe e a habilidade de
quem a executa. Tanto o designer de moda como o modelista devem conhecer os
meandros da modelagem para, através deles, resolver os problemas de configuração e
ampliar o repertório de referências técnicas. É aí que a integração dos métodos se
mostra útil, não só na execução do projeto do vestuário, mas principalmente como
ferramenta criativa, uma vez que se podem combinar as técnicas de modelagem plana e
tridimensional para potencializar o processo criativo.
Por fim, o último capítulo busca exemplificar a teoria abordada nos capítulos
anteriores com a análise de modelos criados por designers contemporâneos,
internacionais e nacionais, cuja produção é pautada pela busca de formas diferenciadas,
associadas a materiais inovadores e às vezes inusitados, cujo conceito de construção
aproxima-se de uma arquitetura “vestivel”. Partindo de um exercício de “desconstruç~o”
dos modelos escolhidos foi possível verificar que a modelagem – abordada como
processo – pode conferir versatilidade ao design de moda; o pleno exercício da
modelagem nos permite reproduzir as formas do corpo tal como ele é – construção das
bases –, desconstruir o formato anatômico e reconstruí-lo de novas maneiras,
perpetrando o re-design do corpo através dos trajes.
Em suma, a presente pesquisa ratifica a modelagem como elemento fundamental
para o exercício do design de moda, não só ao garantir a configuração e reprodutibilidade
das roupas, mas principalmente por apontar caminhos que engendram o processo criativo
e culminam em produtos funcionais e esteticamente inovadores.
135
Referências
ARAÚJO, Mário de. Tecnologia do vestuário. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.
BAXTER, Mike. Projeto de produto: guia prático para o design de novos produtos. 2. ed. rev. São
Paulo: Blucher, 2000.
BAUDOT, François. Yohji Yamamoto. São Paulo: Cosac & Naif, 2000.
______. A moda do século. São Paulo: Cosac & Naif, 2002.
BERG, Ana Laura M.; ANCELMO, Ozenir. Método Senac de modelagem plana industrial feminina.
In: COLOQUIO DE MODA, 5., 2009, Recife. Anais do 5º Colóquio de Moda. Recife: Faculdade Boa
Viagem, 2009.
BOUERI, José Jorge. Sob medida: antropometria, projeto e modelagem. In: PIRES, Dorotéia Baduy
(Org.); et al. Design de moda: olhares diversos. Barueri, SP: Estação das Letras e Cores, 2008. p.
347-369.
BRAGA, João. História da moda: uma narrativa. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2004.
BRANDÃO, Gil. Aprenda a costurar. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1981.
BUORO, Anamélia Bueno; YAMASHITA, Yaeko. Entrevista com Walter Rodrigues. IARA – Revista
de Moda, Cultura e Arte, São Paulo, v. 1, n. 1, abr./ago. 2008. Disponível em:
<http://www.iararevista.sp.senac.br/arquivos/noticias/arquivos/9/anexos/IARA_entrevista_w
alter_rodrigues_versao_final.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2010.
CALANCA, Daniela. História social da moda. São Paulo: Senac SP, 2008.
CALDAS, Dario. Observatório de sinais: teoria e prática de pesquisa de tendências. Rio de
Janeiro: Senac RJ, 2004.
CARDOSO, Rafael. Uma introdução à história do design. São Paulo: Edgard Blücher, 2004.
CASTILHO, Kathia. Moda e linguagem. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2004.
CASTILHO, Kathia; MARTINS, Marcelo M. Discursos da moda, semiótica, design e corpo. São
Paulo: Anhembi Morumbi, 2005.
CHATAIGNIER, Gilda. Fio a fio: tecidos, moda e linguagem. São Paulo: Estação das Letras e Cores,
2006.
COELHO, Luiz Antonio L. Percebendo o método. In: COUTO, Rita Maria S.; OLIVEIRA, Alfredo
Jefferson de (Orgs.); et al. Formas do design: por uma metodologia interdisciplinar. Rio de
Janeiro: 2AB, 1999.
COELHO, Luiz Antonio L. (Org.); et al. Design método. Rio de Janeiro: PUC-RJ; Novas Idéias,
2006.
______. (Org.); el al. Conceitos-chave em design. Rio de Janeiro: PUC-RJ; Novas Idéias, 2008.
CONTI, Giovanni Maria. Moda e cultura de projeto industrial: hibridação entre saberes
complexos. In: PIRES, Dorotéia Baduy (Org.); et al. Design de moda: olhares diversos. Barueri,
SP: Estação das Letras e Cores, 2008. p. 219-230.
136
CRANE, Diana. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. São Paulo:
Senac SP, 2006.
DE MARLY, Diana. Worth: father of haute couture. New York: Holmes & Meier, 1990.
DEBO, Kaat; VERHELST, Bob. Maison Martin Margiela: '20' the exhibition. Antuérpia: Mode
Museum, 2008.
DEBO, Kaat; VERHELST, Bob. Patronen = Patterns. Amsterdam: Ludion, 2003.
DINIS, Patrícia Martins; VASCONCELOS, Amanda Fernandes Cardoso. In: SABRA, Flávio (Org.); et
al. Modelagem: tecnologia em produção de vestuário. São Paulo: Estação das Letras e Cores,
2009. p. 56-125.
DORFLES, Gillo. O devir das artes. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
ELAM, Kimberly. Geometria do design: estudos sobre proporção e composição. São Paulo: Cosac
Naify, 2010.
ESCOLA SENAI “ENGº. ADRIANO JOSÉ MARCHINI” – Centro Nacional de Tecnologia em
Vestuário. Terminologia do vestuário: português; espanhol-português; inglês- português;
francês- português. São Paulo, Senai Eng. Adriano José Marchini, 1996.
FIORINI, Verónica. Design de moda: abordagens conceituais e metodológicas. In: PIRES, Dorotéia
Baduy (Org.); et al. Design de moda: olhares diversos. Barueri, SP: Estação das Letras e Cores,
2008. p. 95-114.
FISCHER, Anette. Construção do vestuário. Porto Alegre: Bookman, 2010.
FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo:
Cosac Naify, 2007.
FONTES, Carlos. Alfaiataria em Portugal. Disponível em: <http://blog-dosalfaiates.blogspot.com/2007/09/alfaiataria-em-portugal.html>. Acesso em: 14, jul, 2009
FORTY, Adrian. Objetos de desejo: design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac Naify,
2007.
GARCIA, Cynthia. Paralelos. In: QUEIROZ, João Rodolfo; BOTELHO, Reinaldo. (Org.); et al. Clô
Orozco. São Paulo: Cosac Naify, 2008. (Coleção Moda Brasileira II).
GOMES FILHO, João. Gestalt do objeto: sistema de leitura visual da forma. São Paulo: Escritura,
2000.
GRAVE, Maria de Fátima. A modelagem sob a ótica da ergonomia. São Paulo: Zennex, 2004.
GRUMBACH, Didier. Histórias da moda. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
HESKETT, John. El diseño en la vida cotidiana. Barcelona: Gustavo Gili, 2005.
HOLLANDER, Anne. O sexo e as roupas: a evolução do traje moderno. Rio de Janeiro: Rocco,
2003.
IIDA, Itiro. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: Edgard Blucher, 2003.
JONES, Sue Jenkyn. Fashion design: manual do estilista. São Paulo: Cosac Naif, 2005.
JOUVE, Marie-Andrée. Cristobal Balenciaga. Paris: Editions Du Regard, 1988.
JOUVE, Marie-Andrée. Balenciaga. Paris: Thames and Hudson, 1997.
137
KIRKE, Betty; MIYAKE, Issey. Madeleine Vionnet. San Francisco: Chronicle Books, 1998.
KÖHLER, Carl. História do vestuário. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
LEROY-GOURHAN, André. O homem e a matéria. In: ______. Evolução e técnicas. Lisboa: Edições
70, 1984. vol. 1.
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas.
São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
LIPOVETSKY, Gilles; ROUX, Elyette. O luxo eterno: da idade do sagrado ao tempo das marcas.
São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
MENDES, Mario. Altas costuras. In: QUEIROZ, João Rodolfo; BOTELHO, Reinaldo. (Org.); et al.
Walter Rodrigues. São Paulo: Cosac Naify, 2007. (Coleção Moda Brasileira).
MOL, Thais. Elegância à porter. In: QUEIROZ, João Rodolfo; BOTELHO, Reinaldo. (Org.); et al. Clô
Orozco. São Paulo: Cosac Naify, 2008. (Coleção Moda Brasileira)
MONTEMEZZO, Maria Celeste F. S. Diretrizes metodológicas para o projeto de produto de
moda no âmbito acadêmico. 2003. 97 f. Dissertação (Mestrado em Desenho Industrial) –
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Universidade Estadual Paulista. Bauru, 2003.
NAKAMICHI, Tomoko. Pattern magic. Tóquio: Bunka Fashion College, 2005.
_______. Pattern magic vol. 2. Tóquio: Bunka Fashion College, 2007.
OSÓRIO, Ligia. Modelagem: organização e técnicas de interpretação. Caxias do Sul: Educs, 2007.
OSTROWER, Faiga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 1987.
PEZZOLO, Dinah Bueno. Tecidos: história, tramas, tipos e usos. São Paulo: Senac SP, 2007.
RECH, Sandra Regina. Moda: por um fio de qualidade. Florianópolis: Udesc, 2002.
ROCHE, Daniel. A cultura das aparências: Uma história da indumentária (séculos XVII-XVIII).
São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007.
ROSA, Stefania. Alfaiataria: modelagem plana masculina. Brasília: Senac DF, 2008.
SALLES, Cecília de Almeida. Gesto inacabado. São Paulo: FAPESP; Annablume, 2009.
SALTZMAN, Andréa. El cuerpo diseñado: sobre la forma em el proyeto de la vestimenta. Buenos
Aires: Paidós. 2004.
______. O design vivo. In: PIRES, Dorotéia Baduy (Org.); et al. Design de moda: olhares diversos.
Barueri, SP: Estação das Letras e Cores, 2008. p. 305-318.
SAMPAIO, Adriana Leite. Uma reflexão sobre o material didático para o ensino de técnicas de
modelagem. In: COLOQUIO DE MODA, 6., 2010, São Paulo. Anais do 6º Colóquio de Moda. São
Paulo: Universidade Anhembi Morumbi, 2010.
SANCHES, Maria Celeste de Fátima. Projetando a moda: diretrizes para a concepção de produtos.
PIRES, Dorotéia Baduy (Org.); et al. Design de moda: olhares diversos. Barueri, SP: Estação das
Letras e Cores, 2008. p. 289-301.
SAVIOLO, Stefania; TESTA, Saviolo. Strategic management in the fashion companies. Milão:
Etas, 2002.
138
SHAEFFER, Claire B. Couture sewing techniques. Newtown: The Taunton Press, 1997.
SEELING, Charlotte. Moda: o século dos estilistas, 1900-1999. Koln: Konemann, 2000.
SILVEIRA, Icléia. Sistema CAD na indústria do vestuário. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM DESIGN, 7., 2006, Curitiba. Anais do 7º Congresso
Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. Curitiba: UTFPR, UFPR, UNICENP, UTP
e PUC-PR, 2006.
SORBER, Frieda. The pattern: an overview. In: DEBO, Kaat; VERHELST, Bob. Patronen =
Patterns. Amsterdam: Ludion, 2003.
SOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas: a moda no século dezenove. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
SOUZA, Patrícia de Mello. A modelagem tridimensional como implemento do processo de
desenvolvimento do produto de moda. 2006. 113 f. Dissertação (Mestrado em Desenho
Industrial) – Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Universidade Estadual Paulista.
Bauru, 2006.
STEELE, Valerie. The Corset: a cultural history. Londres: Yale University Press, 2003.
SUONO, Celso Tetsuro. O desenho técnico do vestuário sob a ótica do profissional da área
de modelagem. 2007. 135 f. Dissertação (Mestrado em Desenho Industrial) – Faculdade de
Arquitetura, Artes e Comunicação, Universidade Estadual Paulista. Bauru, 2007.
SVENDSEN, Lars. Moda: uma filosofia. São Paulo: Zahar, 2010.
TARRANT, Naomi E. A. The development of costume. Londres: Routledge, 1994.
TOUSSAINT-SAMAT, Maguelonne. Historia técnica y moral del vestido 3: complementos y
estratégias. Madrid: Alianza Editorial, 1994.
TREPTOW, Doris. Inventando moda: planejamento de coleção. Brusque: Doris Treptow. 2003.
WILSON, Elizabeth. Enfeitada de sonhos: moda e modernidade. Lisboa: Edições 70, 1985.
WONG, Wucius. Princípios de forma e desenho. São Paulo: Martins fontes, 2001.
YAMASHITA, Yaeko. Um olhar sobre a moulage: o processo criativo do estilista
contemporâneo. 2009. 124 f. Dissertação (Mestrado em Moda, Cultura e Arte) – Centro
Universitário SENAC. São Paulo, 2009.
139
Bibliografia consultada
ABREU, Hilda Quialheiro. Do traçado ao molde: evolução e representação gráfica da
modelagem do vestuário. 1995. Dissertação (Mestrado em Desenho Inustrial) – Faculdade de
Arquitetura, Artes e Comunicação. UNESP, Bauru, 1995.
ALDRICH, Winifred. Metric pattern cutting. Oxford, UK: Blackwell, 1997.
AMADEN-CRAWFORD, Connie. The art of fashion draping, 2 ed. New York: Fairchield, 1998.
BARTHES, Roland. Sistema da moda. São Paulo: Ed. Nacional, 1979.
CATELLANI, Regina Maria. Moda ilustrada de A a Z. São Paulo: Manole, 2003.
DERYCKE, Luc; VEIRE, Sandra Vande. Belgian Fashion Design. Amsterdan: Ludion, 1999.
DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
DUARTE, Sonia; SAGGESE, Sylvia. Modelagem industrial brasileira. Rio de Janeiro: Letras
Expressões Brasileiras, 1998.
GRAVE, Maria de Fátima. Modelagem tridimensional ergonômica. São Paulo: Escrituras
Editora, 2010.
JAFFE, Hilde; RELIS, Nurie. Draping for fashion design. New Jersey: Prentice Hall, 2004.
JOSEPH-ARMSTRONG, Helen, Patternmaking for fashion Design. New Jersey: Prentice-Hall,
2000.
KONTIC, Branislav. Inovação e redes sociais: A indústria da moda em São Paulo. Tese de
Doutorado em Sociologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2007.
MESQUITA, Cristiane. Moda contemporânea: quatro ou cinco conexões possíveis. São Paulo:
Anhembi Morumbi, 2004.
MUNARI, Bruno. Design e Comunicação Visual. São Paulo: Martins Fontes. 2006.
PALOMINO, Erika. A moda. São Paulo: Publifolha, 2002.
RADICETTI, Elaine. Medidas antropométricas padronizadas para a indústria do vestuário.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.
SALLES, Cecília de Almeida. Redes de criação: a construção da obra de arte. São Paulo:
Horizonte, 2007.
SIMONE, Andréa V. C. La Language musical dans le patrons de Madeleine Vionnet.
Dissertação Mestrado. Université Lumière Lyon 2, Université de la mode. Lyon, 2006.
Download

Da construção à desconstrução - Mestrado e Doutorado em Design