Rio de Janeiro
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Qualidade não é brinquedo
O que podemos aprender com o recall de mais de 20 milhões de brinquedos da Matell.
Barbie e seus companheiros estão passando por maus momentos. Devido ao uso de tinta
contendo chumbo, substância que pode causar danos à saúde das crianças, e de pequenas peças
magnetizadas que podem se soltar, ser engolidas e causar perfurações no intestino, a Matell já fez
o recall de mais de 20 milhões de brinquedos em todo o mundo.
O recall abrange 63 diferentes brinquedos produzidos na China, onde a Matell fabrica mais de 65%
de sua linha de produtos. O recall se iniciou após o relato de mortes e ferimentos causados por
peças magnetizadas soltas.
A Matell tem um faturamento anual de US$ 6,5 bilhões e, até então, era tida como um dos mais
conscientes fabricantes de brinquedos. Agora tem de enfrentar sérios danos a sua reputação, a
queda nas receitas, os elevados custos da devolução de milhões de brinquedos defeituosos e as
pesadas indenizações preiteadas pelas famílias das crianças mortas ou feridas.
Como uma empresa tão bem sucedida como a Matell se viu mergulhada numa crise destas
proporções? Quais foram seus erros e o que podemos aprender com eles? Com base nas notícias
veiculadas na mídia, podemo deduzir que esta crise resulta da combinação de dois graves erros.
Onde a Matell pode ter errado
O primeiro grande erro está na fase de projeto, especialmente dos brinquedos com as pequenas
partes coladas. Partes que se soltam e podem ser engolidas constituem um risco que é
sobejamente conhecido pela indústria de brinquedos e similares. Nenhum projeto de brinquedo
pode negligenciar este risco e todo projetista deve realizar uma profunda análise de riscos e de
modos de falhas antes de liberar seu projeto para a linha de produção. A atitude dominante nesta
etapa deve ser a prudência: Se puder dar errado, dará. Se puder se soltar, se soltará. Contudo, o
que prevalece hoje é a pressa, ser o primeiro a lançar novos produtos, aproveitar a nova onda e
sair na frente dos concorrentes. Não há tempo para aperfeiçoar o projeto e minimizar os riscos de
falhas potenciais.
O segundo grande erro está no gerenciamento da cadeia de suprimentos. O enfoque que
predomina no relacionamento com os fornecedores tem sido a redução de custos levada ao
extremo, sem a devida consideração com a qualidade e a segurança dos consumidores. Tudo é
sacrificado no altar do balancete trimestral e da satisfação dos investidores no curto prazo. A
execução do contrato corre solta, pois não há margem para os custos com inspeções e auditorias,
e se fecha os olhos para os arranjos com subfornecedores. No caso da pintura com alto teor de
chumbo, a Matell contratou a Early Light Industrial Co, que subcontratou a Hong Li Da para fazer
a pintura que, por sua vez, subcontratou um fornecedor não autorizado. Dá para imaginar qual
tenha sido a tônica das três sucessivas negociações. Alguém imagina que tenha sido qualidade e
segurança? Ou terá sido redução de custos?
Adicionalmente, a Matell não poderia ter ignorado os recentes problemas com fabricantes chineses
de uma vasta gama de produtos como pneus, pastas de dentes e alimentos para cães, que
revelam sérias deficiências com relação aos requisitos de qualidade e segurança.
Elaborado por Jairo Siqueira
Blog: http://criatividadeaplicada.com
Email: [email protected]
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Em tal situação, o bom senso e as boas práticas de gestão recomendam um esquema robusto
para avaliação de fornecedores e subfornecedores e de monitoramento da qualidade. Numa cadeia
destas, que tem numa ponta uma multinacional que fatura bilhões e na outra ponta pequena
empresas locais que faturam alguns milhares de dólares anualmente, deve-se considerar a
existência de enormes diferenças quanto à filosofia empresarial, valores e prioridades. Enquanto a
multinacional tem muito a perder com os danos à saúde de seus clientes, as outras empresas não
passam de organizações distantes, sem nome e sem face.
O que podemos aprender com as agruras da Matell?
A Matell tem a reputação de ter um dos mais sofisticados sistemas de gestão. Sistemas de gestão,
como ISO 9001 e semelhantes, bem como sofisticados treinamentos em ferramentas da qualidade
e pomposas declarações de políticas, não são uma garantia de excelência. Ao final, o que sempre
prevalece e determina a qualidade são os reais valores empresariais que orientam as decisões dos
executivos. Qualidade é, acima de tudo, uma questão de valores e atitudes.
Como reza um ditado americano: Não há almoço grátis. Mais cedo ou mais tarde a conta nos é
apresentada. Quanto mais tarde, mais salgada.
Elaborado por Jairo Siqueira
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