JORNAL DA
associação
médica
Dezembro 2007/Janeiro2008 • Página 11
ECIAL
A medicina depois de Cristo
São Lucas é famoso como patrono dos médicos, mas Hipócrates é considerado o pai da medicina e a evolução de seus estudos é que mostram como a medicina evoluiu depois de Cristo (d.C).
A partir da observação clínica de
Hipócrates e da necessidade de
prescrição de tratamentos para as
doenças, a medicina foi ganhando
um caráter mais científico. Séculos
após Cristo, muitos médicos continuaram a trabalhar baseados nas
obras de Hipócrates.
Segundo o médico mineiro e
historiador Valênio Perez França,
o médico grego Cláudio Galeno
foi quem perpetuou e aperfeiçoou
os estudos hipocráticos. “Galeno
viveu entre os anos 129 e 201 depois de Jesus Cristo. Neste período, escreveu cerca de 400 livros
sobre medicina e seus conhecimentos foram amplamente difundidos até o século XVII”, conta.
Galeno, como consta em “O
Romance da Medicina”, de Logan
Clendening, ficou conhecido por
realizar várias descobertas, baseado em experimentos com macacos, já que na época não era permitido estudar anatomia através
do corpo humano. O médico grego distinguiu, no sistema nervoso
cerebral, os nervos sensoriais dos
Tela de 1882 (detalhe), do pintor Robert Hinckley, retrata a primeira
demonstração pública bem sucedida de um procedimento cirúrgico com
anestesia, realizada 36 anos antes, no Hospital Geral de Massachusetts (EUA)
nervos motores; descreveu o coração e o funcionamento da pequena circulação; demonstrou que
os rins processam a urina e mostrou que as artérias contêm sangue e não água, como acredita-
magia e do curandeirismo
então, o ensino da arte médica era
informal e se fazia de mestre a aluno através das gerações, como
consta do juramento de Hipócrates:
(...) estimar, tanto quanto a meus
pais, aquele que me ensinou esta
arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus
bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte,
se eles tiverem necessidade de
aprendê-la, sem remuneração e
nem compromisso escrito (...).
Hipócrates fundou o método
“cabeceira-de-cama” que, para ele,
era a observação clínica. De acordo com o livro “O Homem e a
Medicina”, no método hipocrático cada paciente passou a constituir um novo volume original a ser
estudado. Em todos os casos de
doentes, ele observava os sintomas e a natureza do mal como se
fossem fatos novos. Havia a intervenção da experiência, mas esta
ocorria apenas depois que todos
os fatos haviam sido notados. Só
a partir daí, indicava tratamento,
mas sem deixar de observar a evolução da doença e do doente.
Embora Hipócrates tenha estudado o uso de muitas drogas,
era moderado em suas prescrições: seus tratamentos se restringiam ao ar fresco, à boa dieta, a
purgativos suaves, à sangria moderna, a mingaus e sopas de aveia,
a uma mistura de mel com água,
a outra mistura de mel com vinagre, a massagens e banhos.
Depois de Hipócrates, vieram
outros estudiosos e praticantes da
medicina científica. Estes atravessaram a era hipocrática e passaram
pelos tempos de Jesus Cristo praticando os mesmos ensinamentos.
vam, até então, os pesquisadores.
Desenvolveu ainda a teoria de que
as doenças do corpo humano
ocorrem quando há um desequilíbrio entre quatro de seus componentes: sangue, bílis, pituíta (muco) e atrabílis (bílis negra).
Valênio explica que após
Galeno, mais precisamente do século XVIII até os dias atuais, outros
nomes foram se destacando na
medicina mundial. Entre eles:
Miguel Servet, William Harvey,
Alexander Fleming, John Collins,
Peter Medawar e muitos outros.
Dentre as descobertas importantes da medicina contemporânea,
o historiador cita os antibióticos,
as vacinas, a anestesia, o raio X, o
DNA, o colesterol e o domínio sobre a imunologia.
Em meados do século XVII,
William Harvey foi o médico britânico que pela primeira vez descreveu corretamente os detalhes do sistema circulatório do sangue ao ser
bombeado por todo o corpo pelo
coração. No ano de 1928, o médico e bacteriologista escocês
Alexander Fleming descobriu a penicilina, base dos antibióticos que revolucionou a medicina no século XX.
Em 16 de outubro de 1846, foi
feita a primeira demonstração pública bem sucedida de uma intervenção cirúrgica sob anestesia.
Naquele dia, o cirurgião John
Collins Warren extirpou um tumor
do pescoço de um jovem de 17
anos. O paciente foi anestesiado
com éter pelo dentista William
Thomas Green Morton, que utilizou um aparelho inalador por ele
idealizado. A cena deixou de ser
fotografada porque o fotógrafo
sentiu-se mal ao presenciar o ato
cirúrgico, porém, foi imortalizada
pelo pintor Robert Hinckley, em
1882 (veja acima).
São Lucas, o patrono
Cerca de três séculos após
Hipócrates, e um século após Jesus
Cristo, viveu Lucas, um dos quatro
evangelistas do Novo Testamento.
Segundo a tradição, São Lucas era
médico, pintor, músico e historiador, e teria estudado medicina em
Antioquia, na Síria. Ele não conviveu com Jesus e, por isso, sua narrativa é baseada em testemunhos
sobre a vida e a morte de Cristo.
Não há provas documentais,
porém, há provas indiretas de sua
condição de médico. A principal
delas foi escrita por São Paulo, na
epístola aos colossenses, quando
se refere a “Lucas, o amado médico”. Outra prova indireta consiste
na terminologia empregada por
Lucas em seus escritos, que indicam sua familiaridade com a linguagem médica de seu tempo.
A escolha de São Lucas como
patrono dos médicos e do dia 18
de outubro como “Dia dos
Médicos” é comum a muitos países, dentre os quais Brasil, Argentina, Bélgica, Canadá, Espanha,
Estados Unidos, França, Inglaterra,
Itália, Polônia e Portugal.
Colaborou com a matéria o vice-presidente do Instituto Mineiro de História da Medicina e coordenador do curso de História de Medicina
da Faculdade de Medicina da UFMG, o oftalmologista Valênio Perez França. Referências bibliográficas utilizadas nesta reportagem:
- O ROMANCE DA MEDICINA, Logan Clendening (José Olympio Editora);
- O HOMEM E A MEDICINA – MIL ANOS DE TREVAS, Ritchie Calder (Hemus);
- MEDICINE – AN ILLUSTRATED HISTORY, Albert S. Lyons e R. Joseph Petrucelli (Abradale Press);
- Revista Brasileira de Anestesiologia, da Sociedade Brasileira de Anestesiologia.
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