Dizem que conselho se fosse bom se vendia, mas ao longo da vida vamos
juntando bagagens que queremos compartilhar. Em função de muito que se
tem falado sobre a Copa do Mundo e sobre turistas resolvi dar minha opinião.
De quem morou em Manaus por 11 anos. Logo, se eu puder lhe dar um
conselho, diria: não vá ao Amazonas. Não conheça Manaus. Tem muita coisa
errada lá.
A começar pelo povo. São pessoas que foram (e são) hostilizadas, sofreram
preconceitos por terem nascido naquela região e ainda nos tratam bem.
Estranhamente, o amazonense lhe faz sentir em casa. E olha que a casa deles
é quente, mas o povo consegue ser mais caloroso. Amazonense é acolhedor
sim. Não importa se acabaram de se conhecer, são tão esquisitos que não
demora muito a oferecerem um churrasco (de peixe) com cerveja a você. E
quando você sai da casa deles fica com a impressão de os conhecer há muito
tempo.
Por falar em comida, não coma nada em Manaus. Principalmente se for peixe.
Corra de pirarucu, fuja de tambaqui, vire o rosto para matrinxã, não prove
jaraqui ou bodó. Você poderá estar fadado a nunca mais comer peixes da
mesma forma. Um tambaqui assado simples já é um manjar à parte, quando
misturado com as iguarias da terra, derrubam o mais forte caboclo imagine com
os imigrantes de estômago estragado.
As frutas também são atrações especiais. Se você brincava de atirar mamona
nos outros quando criança, ficará surpreso em conhecer o rambutã, uma
espécie de mamona vermelha que tem um gosto único. E sim, chocolate
melhora a vida de todos, e um creme de cupuaçu pode melhorar um chocolate.
Poderia falar por páginas aqui da gastronomia e dos temperos, mas ainda há
mais coisas para se precaver.
Por prevenção, se você mora numa outra capital, cuidado com Manaus. Ela
costuma não ser violenta. Sim, é possível sair à noite e voltar para casa sem
ser assaltado e o pior, sem necessitar ser neurótico. Há violência é lógico, mas
localizada e pontual, com um pouco de atenção você também pode passar 11
anos ou bem mais incólume. E olha que saí muitas vezes à noite.
No quesito noite, Manaus é realmente uma terra de muitas tribos. Lá você
encontrará rock (do leve ao death metal), blues, jazz, samba de raiz, música
clássica, forró, brega, sertanejo universitário. A diversidade é tanta que é
possível sair todos os dias da semana. Todos. E pensar que onde eu morava
no sul poucas vezes vi concertos quiçá óperas. Em Manaus, ficava muito
aborrecido quando perdia um festival amazonas de ópera. Aliás, festival
cultural não falta, porque além das músicas há festivais de dança e de teatro. E
mesmo não sendo tão valorizadas, como em tantos outros cantos deste país,
as trupes fazem muitas apresentações. Foi no meio da selva que minha vida
cultural deu uma guinada.
Sobre selva, fica a dica para os forasteiros: Manaus tem quase dois milhões de
habitantes. A cidade é imensa. Não se veem muitos animais na rua, além dos
que são vistos em outras cidades. Próximo a algumas zonas de proteção ou
parques sim, mas nada muito além de uma preguiça ou pássaros (quem estuda
na Federal do Amazonas costuma se deparar com preguiças atravessando a
rua, isso porque a UFAM fica numa das maiores áreas de floresta preservada
dentro de uma cidade). Para ver floresta e vida nativa é necessário sair um
pouco da cidade e aí eu lhe digo: vale cada centavo. As cidades e passeios
próximos são fora do comum. Começa pela beleza das paisagens e
suntuosidade dos rios. Cachoeiras fantásticas, como na cidade de Presidente
Figueiredo, e animais lindos, como os botos de Novo Airão. Há muita beleza
natural nessas terras.
Já as coisas do homem da terra não merecem muita atenção. A cultura rica em
lendas e mitos, rica não meu amigo MUITO rica, carrega um pouco do universo
indígena com pitadas dos imigrantes. Para tudo há uma explicação mítica. E se
só a beleza das histórias já encantam, quando o caboclo pega a musicar elas,
transforma em toadas que merecem o respeito de serem ouvidas de olhos
fechados. Como diria um amigo meu citando uma música de boi bumbá, há
muito mais no “verde que desbota na distância que existe entre a mata e o
homem” que imaginamos.
Por falar em Bumbás, há vida além de Garantido e Caprichoso. Os bois de rua
de Manaus são muito populares na cidade, além de outras danças típicas como
as cirandas da cidade vizinha Manacapuru. Mas a movimentação dada pelos
bois de Parintins transcende o gostar de folclore e se rivaliza dos
enfrentamentos não só nas arenas até nas rodas de bares e encontros amigos,
onde conversas acaloradas sempre recordam momentos e festivais. Se quiser
ofender um grupo de amazonenses, coloque toadas de um só boi. Sempre há
um contrário para todos os contrários.
Como disse antes, não vá a Manaus. A cidade carece de infraestrutura, tem
problemas na política e educação, como toda cidade brasileira hoje apresenta.
Mas foi lá que encontrei Amazonas e bravos que me doaram, sem orgulho e
sem falsa nobreza, lendas para sonhar, vida e riqueza nas lutas que travei. Não
é apenas um hino, mas a imagem sincera de um povo que não tem pudores
em ceder um pouco de si. Se contrariar meu conselho e for conferir de perto,
insisto para que não vá com a cabeça aberta. Cerque-se de preconceitos e
comparações com outros lugares em tudo o que vir e sentir lá, porque do
contrário, com coração aberto amigo eu lhe garanto: você poderá se apaixonar
assim como eu me apaixonei.
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Dizem que conselho se fosse bom se vendia, mas ao longo da vida