O ASSOCIATIVISMO COMO ESTRATÉGIA DE REPRODUÇÃO DOS
AGRICULTORES FAMILIARES AGROECOLÓGICOS DE
CACOAL - RONDÔNIA
Maria Aparecida dos Santos Tubaldini
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
[email protected]
Juliana Martins Fonseca
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
[email protected]
Lussandra Gianasi
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
[email protected]
Resumo
O presente trabalho possui como foco de estudo uma antiga área de expansão da fronteira
agrícola brasileira e busca realizar uma reflexão acerca do papel das formas associativas em
comunidades rurais de produção agroecológica como uma estratégia de luta pela permanência
na terra e superação das adversidades de reprodução locais. Para tanto, foi realizado um
levantamento bibliográfico dos conceitos pertinentes e o desenvolvimento de entrevistas com
questões semi-estruturadas, por meio de uma metodologia qualitativa, em propriedades
familiares participantes do projeto PAIS. O associativismo contribui para um debate entre as
mais diversas perspectivas e ideias e é fundamentado no diálogo. Na área de estudo ele expressa
uma relação dinâmica e permite que os agricultores melhor organizem suas atividades e o
estreitamento dos laços entre os mesmos.
Palavras-chave: Fronteira agrícola. Associativismo rural. Agroecologia.
Introdução
Os avanços tecnológicos empregadas para redução das restrições ambientais às práticas
agrícolas promovidos pela Revolução Verde resultaram em um artificialismo do
ambiente natural e uma dependência excessiva de insumos externos. Observam-se como
efeitos imediatos desse cenário a perda da emancipação; a degradação dos recursos
naturais; ampliação das desigualdades sociais, econômicas e de poder; a redução da
sociabilidade dentre outros.
Nesse sentido, diversos discursos e práticas socioeconômicas vêm sendo propostas e
implementados como alternativa e nova prática de produção de alimentos. Reivindica-se
o resgate e o respeito à diversidade sociocultural, aos aspectos físicos do espaço e às
diferentes formas de produzir. Busca-se a (re)produção sustentável da sociedade através
de programas alternativos de produção.
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O presente artigoi possui como foco de estudo uma antiga área de expansão da fronteira
agrícola brasileira e busca compreender o papel das formas associativas em
comunidades rurais de produção agroecológica de horticultura para a alimentação básica
localizadas no município de Cacoal – RO, como uma estratégia que os agricultores
familiares utilizam na luta pela permanência no campo e como meio de superação às
adversidades de reprodução.
O município, localizado na região central de Rondônia, na Amazônia Setentrional,
possui em sua paisagem os signos de diversos ciclos econômicos e no momento de
implantação dos Projetos Integrados de Colonização foi adotado um modelo
tecnológico de produção agrícola balizado na Revolução Verde. Logo, está inserido nas
contradições da modernização do campo e torna-se um local fértil para a inserção dos
princípios agroecológicos adotando a nova racionalidade de produção – a agricultura
sustentável.
Nesse cenário de mudanças, os agricultores da região central de Rondônia apresentam
um destaque, porque absorvem novas tecnologias sociais, procedimentos ecológicos e
uma articulação com novos mercados que conduzem a conquista da segurança alimentar
e sobre a terra. A intensidade do associativismo na área decorre de conflitos que se
manifestaram de diferentes formas sobre o território. Destaca-se que as suas formas
associativas possibilitam a inserção em projetos de desenvolvimento rural e
concomitantemente, a troca de informação e estreitamento dos laços entre os moradores,
possibilitando a sua manutenção sobre um território de disputa.
Metodologia
Essa investigação foi efetivada através de uma revisão bibliográfica dos conceitos de
associativismo em Ricciardi e Lemos (2000), Araújo (2005), Costa & Ribeiro (2012) e
da colonização da área foco em Becker (2001, 2006), Oliveira (1986), dentre outros;
adicionada a uma investida de campo onde foram realizadas 31 entrevistas qualitativas e
semi-estruturadas e registros fotográficos nas hortas participantes do projeto.
Os dados de campo permitiram o entendimento de características físicas das
propriedades investigadas associadas à organização e variedade dos cultivos, estrutura,
conservação dos recursos naturais locais e das práticas de manejo do solo e de proteção
contra invasores biológicos. Posteriormente, ocorreu a organização de um banco de
2
dados e geração de tabelas sobre as informações coletadas e a transcrição das falas das
entrevistas para trabalhar a oralidades dos sujeitos pesquisados, como importante
instrumento de entendimento dos objetivos propostos.
A ocupação e contradições do estado de Rondônia
A compreensão do modelo de ocupação do espaço rondoniense está associada a um
resgate histórico das estratégias de ocupação da região amazônica influenciadas pelo
modo de produção vigente em cada período histórico. O estado de Rondônia
permaneceu por longos anos quase inteiramente desabitado, ao contrário de outras áreas
da região norte. Becker (2006) credita três fases de ocupação do território amazônico
que também abarcam as etapas do desenvolvimento regional: i) Formação Territorial
(1616-1930), ii) período de Planejamento Regional (1930-1985) e iii) período da
Incógnita do‘Heartland’(1985-dias atuais).
O período de Formação Territorial é caracterizado como a ocupação do território e
definição dos limites físicos, ou seja, a fronteira amazônica. A coleta e exportação das
drogas do sertão são os principais atrativos e atividades desenvolvidas na região. Entre
os anos de 1930 e 1985, há um acelerado processo de ocupação incentivado pelo
Planejamento Regional proposto pelo aparelho estatal.
A doutrina de Segurança Nacional, introduzida durante o regime militar, incluía a
ocupação da Amazônia através da colonização agrícola (Becker, 2001). A estratégia de
ocupar a Amazônia foi lastreada por uma série de incentivos fiscais à agropecuária,
excetuando a produção do látex e coleta de castanhas pela população tradicional, pois
estas atividades eram consideradas atrasadas e não ocupavam efetivamente o território
(Diegues, 1993).
Os programas estatais “Marcha para o Oeste” em 1938, PIN (Programa de Integração
Nacional em 1970, PND I (Plano Nacional de Desenvolvimento) de 1972/1974 e PND
II entre os anos de 1975 e 1979 são estratégias para a “integrar para não entregar”.
Nessa fase,
[...] tratava-se de tirar proveito econômico da utilização do espaço
brasileiro, associado à disponibilidade de recursos humanos, com a
aplicação de recursos do capital já assegurado às novas regiões.
Proveito para apoiar a manutenção do crescimento acelerado e para a
abertura de novas frentes na conquista de mercados externos.
(Calvente, 1980, p.10).
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O período denominado Incógnita do ‘Heartland’ assinala a perspectiva socioambiental
para a conquista do crescimento endógeno dos habitantes. Os conflitos pela terra, dos
diferentes agentes sociais (indígenas, posseiros, grileiros e imigrantes) e ambientais
forçam a adoção de medidas para solucionar os problemas resultantes e apresentam uma
nova realidade da região amazônica.
A partir dessas considerações sobre a ocupação da região amazônica é possível realizar
uma reconstrução histórica da ocupação do estado de Rondônia. A primeira fase de
povoamento está referenciada ao período de expansão do colonizador português, entre
os séculos XVII e XVIII. Havia uma procura intensa pelo ouro por todo Brasil. Nesse
período, as características naturais que impossibilitavam a mobilidade sobre o espaço
associadas à ausência de um motivador de natureza econômica dificultavam a ocupação
do território rondoniense o que resultava em um vazio demográfico.
A área começa a ser procurada nos fins do século XIX, com o surgimento do ciclo da
borracha. Havia uma demanda mundial do produto o que incentivou a extração de
borracha na Amazônia. Outra justificativa é a seca nordestina que pressiona a migração
dessa população para a região norte. Esse novo motivador econômico favorece a
chegada de um grande contingente de imigrantes interessados na alta lucratividade do
extrativismo da goma elástica. Assim, intensifica-se e expandia-se a colonização
acompanhada de transformações culturais e sociais.
No início do século XX ocorreram novos impulsos a colonização devido à criação do
estado do Acre, a construção da ferrovia Madeira-Mamoré e a ligação telegráfica
instituída por Rondon. Essas intervenções realizadas sobre o espaço permitiram que
fossem abertas as portas a frente de expansão para a região amazônica. Ressalta-se que
esta população estava preferencialmente localizada próxima aos cursos d’água e depois
ao longo da ferrovia e linha telegráfica.
As atividades econômicas restringiam-se a produção extrativista, principalmente da
borracha e castanha-do-pará; a agricultura era de subsistência e a pecuária apresentavase pouco desenvolvida. Segundo Monte-Mor (1980), a região Norte que em 1872
apresentava uma população de 332.847 habitantes, elevou sua população para 695.112
habitantes em 1900 e atingiu 1.439.052 em 1920. A necessidade de braços na atividade
extrativista do látex, na construção da ferrovia e da linha atraiu uma expressiva
população para a região.
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A desvalorização da borracha no mercado, a partir da década de 1920, promoveu uma
apatia econômica o que consequentemente incitou a busca por uma atividade
alternativa. A atividade mineral nos anos 50 surge como subsídio ao desenvolvimento
das populações desse espaço e marcam a terceira fase de colonização de Rondônia.
A terceira fase, determinada pela extração de minério de cassiterita, determinou, então,
novos rumos e tendências no desenvolvimento socioeconômico, exigindo para isto a
implementação de uma infra-estrutura que viabilizasse a produção, exportação e
comercialização deste minério (Valverde, 1979). Surgem assim, tentativas de implantar
estradas que ligassem as áreas produtivas aos parques industriais do eixo São PauloRio-Minas Gerais. A construção de rodovias coincidiu com os projetos de integração da
Amazônia e o êxodo rural dos trabalhadores das lavouras que passavam pelo processo
de mecanização do sudeste.
As transformações econômicas e sociais que ocorriam no restante do país em 1960
condicionaram a forma de organização e ocupação do espaço rondoniense. Há a
implantação de diversos tipos de redes de integração espacial: rodoviária, urbana,
telecomunicações, hidroelétrica e a instalação de sedes estatais e instituições privadas.
Na região amazônica, como um todo, a prioridade é a construção da rodovia BelémBrasília e da Transamazônica.
Em Rondônia, inicia-se a quarta fase a rodovia Cuiabá-Porto Velho (BR-364) que é
considerada um novo elemento dinamizador e reestruturador do espaço, pois determina
novas atividades produtivas e intensifica as relações econômicas com as regiões centrosul e sudeste. A inauguração desta rodovia aliada à necessidade de alocação de
produtores excluídos no Sul e ao relativo insucesso da estratégia Transamazônica,
direcionou, definitivamente, as forças do Estado para a colonização agrícola de
Rondônia (Souza & Pessôa, 2007).
A criação do estado de Rondônia resultou em um arranjo territorial brasileiro, essencial
à garantia de equilíbrio social do país. Observa-se, desse modo, que esse espaço é um
receptáculo das populações que vivenciavam crises e conflitos nas demais regiões
brasileiras, conflitos esses localizados especialmente nas áreas incorporadas e
pressionadas pelas relações de mercado. Muitos dos migrantes entrevistados relataram
as dificuldades existentes na sua reprodução nos seus estados de origem e suas
expectativas sobre as terras nessa área de fronteira. No trecho abaixo, um agricultor
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revela as dificuldades vivenciadas em um momento anterior a migração para a área de
fronteira e suas expectativas para a área.
O começo da história, que é... quando a gente tava no Espírito Santo, a
gente era diarista, a gente trabalhava na diária pros’outro. Saímo de lá
e fomos pro Paraná pra melhorar de situação. Chegamos lá e caímo na
diária de novo. Viu que não tava dando, fui pra capital de São Paulo e
trabalhei dois anos, cobrano, e também não deu pra mim também,
falei, aqui não é o meu lugar. Me falaram que Rondônia tinha como
conseguir terra e era paixão da gente conseguir uma terra pra gente
trabalhar. Se a gente trabalhasse pros’otro... enquanto a gente trabalha
pra gente, a gente melhorava. Então foi assim que nós fizemo. Aqui
era mato puro. Viemo pra cá, entremo, com a mala nas costas. (José ii,
Agricultor familiar).
A forma de ocupação do espaço rondoniense por diversos migrantes constrói um
complexo de interesses materiais e de sustento elaborados por distintas mentalidades e
representações culturais. Durante o trabalho de campo foi observada a diversidade na
questão da origem dos entrevistados, conforme demonstrado na figura 01. Observa-se
que a maioria dos entrevistados, cerca de 77%, possuem como local de origem o
Espírito Santo, seguido pelos estados do Paraná, Minas Gerais e Mato Grosso
respectivamente. A heterogeneidade a que a fronteira se encontra submetida gera um
processo de transição e permanente tensão entre os diversos grupos sociais envolvidos.
FIGURA 01: Local de origem dos entrevistados.
Destaca-se o papel do INCRA no processo de ordenamento da estrutura fundiária do
estado e, consequentemente na organização do território. Como uma alternativa para
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absorver esse excedente populacional oriundo da mecanização do campo, das
intempéries climáticas ocorridas no sul do Brasil, da seca no Nordeste, da perda de
extensas áreas de lavouras para pragas, e a “incapacidade” da cidade em absorver e
atender a demanda dos novos cidadãos urbanos prestou como solução a fronteira
agrícola amazônica, conforme é destacado por Souza; Pessôa (2007).
O então Território Federal de Rondônia constituiu-se, a partir de 1970,
em um verdadeiro laboratório dos projetos militares para a Amazônia.
Entre 1970 e 1978 foram instalados sete projetos dirigidos de
colonização em Rondônia, com o assentamento de 23.210 famílias de
colonos. Juntamente com as famílias instaladas nos projetos do Estado
Militar, veio para o estado um imenso fluxo migratório espontâneo
(Souza; Pessôa, 2007, p.5).
Na área de fronteira estes conflitos sociais variados, foram amenizados com a criação do
novo estado e a distribuição de terras, divididas em linhas e glebas, pelo Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e também pela ampliação de
gêneros agrícolas básicos para abastecimento da população que crescia no sudeste –
arroz e feijão.
As comunidades indígenas, os caboclos, os migrantes nordestinos, os migrantes sulistas,
quilombolas, extrativistas, ribeirinhos e interioranos enfim, as populações que foram
desterritorializadas e ali reterritorializadas possuem formas peculiares de perceber e de
se relacionarem com a natureza. Em uma das entrevistas, um agricultor relata a sua
chegada e ocupação efetiva da área que ainda preservava muitas características naturais.
Aí todo mundo já chegava e metia a moto-serra, o machado, né, e
descia a mata no chão. E aí dirrubava, né. E aí depois, quando o
INCRA começou a colonizar, era a mesma coisa. Quando você
ganhasse o lote e não dirrubasse, tinha que dirrubar em pouco tempo,
senão você acabaria passando pra outra pessoa. Então a orientação do
INCRA era você derrubar a mata, né. Quando eu cheguei eu derrubei
tudo, né. Eu também não tinha essa mentalidade naquela época, eu
sabia da organização, mas saber da importância da floresta... (João iii,
Agricultor familiar).
O estado, a partir do exposto, foi (re)construído principalmente por correntes
migratórias a partir da década de 1970. Em vista disso, contêm atualmente múltiplas
culturas, resignificadas nas imagens coletivas reconstruídas no decorrer da história por
colonos, soldados da borracha, pequenos agricultores, seringueiros, garimpeiros,
seringalistas, agropecuaristas, extrativistas, comerciantes, sem-terra, aventureiros e
trabalhadores, com pensamentos, concepções e significações diferenciados da floresta
7
amazônica e do espaço geográfico. Todavia, para a sua permanência no território elas se
unem para atingir objetivos em comum e aumentar suas potencialidades, assim, os
múltiplos sujeitos superam as suas diferenças e atritos através das formas associativas.
O conceito de associativismo nas comunidades rurais
A vida associativa está presente em diversas áreas de atividades humanas sendo
caracterizada por Frantz (2002) como um fenômeno detectado no trabalho, na família,
na escola dentre outros segmentos sociais. Todavia, é comum e predominante o conceito
de associativismo como a cooperação na perspectiva econômica que abarca a produção
e a distribuição dos bens necessários à vida. Nesse trabalho, a dimensão do
associativismo terá como foco as comunidades rurais.
Ricciardi e Lemos (2000) concebem o associativismo rural como instrumento de luta
dos pequenos produtores que promove a permanência na terra, elevação do nível de
renda e de participação como cidadãos. Em vista disso, o associativismo possui um
caráter social e é balizado em princípios de confiança e a participação dos seus
membros, sendo assim, a adesão é livre e as metas envolvem a aglutinação de pessoas
que detenham objetivos comuns e/ ou coletivos.
Segundo Trindade (1986) a gênese das associações é motivada pela falta de resposta, de
empenhamento ou de capacidade de intervenção das instituições formais do poder local,
criando, assim, grupos de pressão ou até de intervenção complementares e/ou
alternativos para a satisfação de anseios carentes de resposta adequada. Logo, detém
uma grande capacidade de captar demandas sociais de diferentes segmentos e nos mais
diferentes contextos.
No meio rural, elas apresentam-se como uma possibilidade de representação dos
interesses da comunidade e de participação e envolvimento dos membros da mesma nos
processos internos e externos. Segundo Costa & Ribeiro,
As associações de pequenos produtores e trabalhadores rurais, assim
como os conselhos municipais de desenvolvimento rural mostram-se
como novas formas de agregação social que coexistem com outras
categorias, como os grupos de interesse e os sindicatos, com uma
função de socialização e se constituem, hoje, como novos canais de
participação e de representação. Prevalece o entendimento de que se
trata de organizações voluntárias, embora induzidas pelo Estado,
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surgindo, portanto, da vontade e da decisão de um grupo ou de um
segmento de classe, com objetivos pré-definidos e relacionados às
necessidades sociais numa dada realidade (Costa & Ribeiro, 2012, p.
5).
O MAPA (2012) - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - caracteriza o
associativismo rural como uma alternativa necessária para viabilização das atividades
econômicas, possibilitando aos trabalhadores e pequenos proprietários um caminho
efetivo para participação no mercado em melhores condições de concorrência. Todavia,
esse conceito é alvo de discussão, pois se aproxima mais da idéia de cooperativismo.
Torna-se necessário estabelecer diferenças entre associativismo e cooperativismo.
Segundo o MAPA (2012) a diferença entre os dois reside no número mínimo para
constituição; e a comercialização, critérios que abrem margens a interpretações e
equívocos.
Nesse trabalho, se parte do pressuposto que a cooperativa é constituída a partir de uma
perspectiva de mercado, ou seja, possui como meta principal a geração de renda,
enquanto as associações são uma agregação social. Araújo (2005) considera que as
associações são a forma mais simples e informal de organização coletiva, sendo
consideradas por muitos autores como um degrau intermediário das cooperativas. Por
sua vez, Ricciardi e Lemos (2000), trabalham com a idéia de que
A cooperativa é considerada uma sociedade ou empresa constituída
por membros de um determinado grupo econômico ou social, que
conjugando esforços e recursos, visa promover a elevação dos padrões
de qualidade de vida dos que se associam sob suas regras, prestando
efetivo serviço às suas comunidades e a própria sociedade (Ricciardi;
Lemos, 2000, p. 60).
O associativismo contribui para um debate formado por diversas perspectivas e ideias
sendo, assim, fundamentado no diálogo. As associações que se organizam e garantem
um processo participativo, tendo como principal objetivo o permanente interesse do
grupo, objetivando prosperar. Ao atingirem suas metas, novos horizontes se
estabelecem, impulsionando suas atividades (MAPA, 2012). Por sua vez Arruda,
argumenta que
[...] a diversidade do conjunto de talentos, capacidades, competências
que constituem a singularidade e a criatividade de cada um. O método
é colocá-las em comum, buscando construir laços solidários de
colaboração no interior da comunidade, de modo a desenvolver quanto
possível os talentos, capacidades e competências coletivas [...]. Tratase, como no caso de cada pessoa, de desenvolver a comunidade no
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sentido de tornar-se sujeito consciente e ativo do seu próprio
desenvolvimento (Arruda apud Frantz, 2002, p. 29).
O associativismo dos moradores do território central de Rondônia é caracterizado pelo
espírito de solidariedade social e ajuda mútua em trabalhos agrícolas, atividades sociais
e atividades religiosas por pessoas de diferentes estados do Brasil. O processo de
organização coletiva é uma importante estratégia de reprodução social, bem como
instrumento propulsor de desenvolvimento territorial rural. Os produtores familiares,
diante dos limites de sua produção e produtividade e das pressões exercidas pelos
grandes proprietários, podem encontrar na organização coletiva, condições mais
favoráveis de vida.
Associativismo: fortalecedor das relações e subsídio à manutenção do território
O município de Cacoal, foco do estudo, teve sua ocupação iniciada com a construção da
linha telegráfica na região em 1909. Contudo, somente na década de 70 com a chegada
de vários imigrantes da região sul e sudeste do país houve uma ocupação mais efetiva
ao longo da BR 364. Nesse mesmo período, ocorreram a implementação dos Projetos
Integrados de Colonização (PINs) do INCRA que promoveram a orientação da
ocupação através da organização e distribuição de lotes e assentamentos.
Esse processo guarda em si uma contradição, pois se por um lado esse espaço com
abertura da fronteira agrícola é considerado como expansão do capitalismo através das
grandes políticas de ocupação da Amazônia, de outro, a forma de ocupação através dos
programas do INCRA por assentamento caracteriza-se como um tipo de Reforma
Agrária, porque se comporta como uma política que visa assegurar a propriedade de
base familiar.
Atualmente o município é movido pelas grandes indústrias do setor madeireiro,
agropecuário e comércio, contudo a produção familiar constitui-se em importante
contraponto ao indiscriminado avanço da pecuária de corte. Ao contrário da proposta
empresarial, buscando melhorias na produção familiar, foi desenvolvido o projeto de
Produção Agroecológica Integrada e Sustentável de Rondônia (PAIS) pelo governo do
estado.
10
O projeto iniciou-se em julho de 2008 e é executado pelas prefeituras municipais e
apoiados pela EMATER/RO, Embrapa, Organizações Não Governamentais e as
Associações formadas nas diferentes linhas onde residem os moradores. O sistema
PAIS preza pelo aumento a produtividade de alimentos, o trabalho e a renda no campo
através de práticas sustentáveis de manejo, participação efetiva dos agentes envolvidos e
uso de tecnologia social na busca pelo desenvolvimento local.
Altieri (2004) discorre sobre os principais objetivos de programas e políticas que
possuem o paradigma agroecológico como base e meta. Segundo o autor, eles
vislumbram: i) melhorar a produção de alimentos básicos ao nível das unidades
produtivas, fortalecendo e enriquecendo a dieta alimentar das famílias; ii) resgatar e
reavaliar o conhecimento e as tecnologias camponesas; iii) promover o uso eficiente dos
recursos locais (isto é, terra, mão-de-obra, subprodutos agrícolas, etc.); iv) aumentar a
diversidade vegetal e animal de modo a diminuir os riscos; v) melhorar a base de
recursos naturais através da conservação e regeneração da água e do solo, enfatizando o
controle da erosão, a captação de água, o reflorestamento, etc.; vi) reduzir o uso de
insumos externos, diminuindo a dependência e sustentando, ao mesmo tempo, os níveis
de produtividade, através de tecnologias apropriadas, da experimentação e
implementação da agricultura orgânica e outras técnicas de baixo uso de insumos; vii)
garantir que os sistemas alternativos resultem em um fortalecimento não só das famílias,
mas de toda a comunidade.
Evidencia-se, nessa lógica de produção, a necessidade de alteração dos modos de
produção da cultura e de reprodução das relações e das famílias sobre o espaço. A
transição na região Central de Rondônia do modelo tradicional da revolução verde para
uma agricultura sustentável foi acompanha do apoio de Organizações não
Governamentais -ONG’s- e de instituições públicas, como a EMATER-RO, adicionado,
do apoio das associações locais.
Lacki (1997) apud Araújo (2005) propõe um conjunto de elementos fundamentais para
a garantia da sustentabilidade aos sistemas de organização: i) tecnologia adequada e
apropriada aos pequenos produtores, ii) capacitação permanente e iii) a organização
contínua para a atuação de forma coletiva. A agricultura sustentável praticada pelos
agricultores de Cacoal envolve os princípios e os requisitos de gerenciamento, uso e
conservação dos recursos produtivos; desenvolvimento e difusão de tecnologias sociais;
11
uma organização social que preza pelo desenvolvimento dos recursos humanos e de
uma pesquisa e prática participativa. Logo, o projeto é promotor de uma prática
sustentável.
O associativismo na região central de Rondônia se caracteriza pela organização dos
pequenos produtores rurais e demonstra formas de agregação social com uma função de
socialização. No local de estudo, elas surgiram a partir da mobilização e decisão dos
moradores, em suas respectivas linhas, em busca de discutir e solucionar as
necessidades dos sujeitos rurais.
A figura abaixo apresenta a participação dos membros em atividades coletivas e
associativas a partir dos dados oriundos das entrevistas em campo. Ressalta-se que
quase 95% dos moradores participam de associações rurais e 70% de sindicatos. Os
moradores relatam plena atividade, ou seja, participam efetivamente das reuniões e
eventos. A participação em associações e diversos eventos fortalece e estreita a ligação
e os laços entre os mesmos, segundo os entrevistados. Os eventos são caracterizados
como a ocasião para o entretenimento e os mutirões, definidos como momentos de
apoio aos vizinhos, ou seja, de solidariedade.
FIGURA 02: Participação da comunidade em associações e atividades coletivas.
As principais associações envolvidas no projeto e de apoio aos agricultores familiares
são apresentadas no gráfico abaixo, com os seus respectivos membros. Os elevados
números de participantes, como por exemplo a ASPRULIN que possui atualmente 102
membros, corrobora para a discussão, pois indica o forte envolvimento dos moradores
12
com as associações existentes em suas comunidades. Adicionalmente, temos outras
importantes associações: ARLE, ASPROPAC, OURO VERDE, BEIJA-FLOR, BOM
PASTOR e ROJANA.
FIGURA 03: Participação em associações rurais.
A associação é um espaço de diálogo para os seus membros e representa a possibilidade
para a exposição e discussão dos problemas vivenciados pela comunidade. Destaca-se o
seu papel reflexão e orientação acerca dos diferentes de usos e apropriação dos
elementos naturais, e concomitantemente, o trabalho que é realizado para a
conscientização das práticas dos agricultores, a fim de se evite a degradação da floresta.
Essa função é revelada por um agricultor em uma das entrevistas.
Fernando iv: A associação ela é boa, né, pra você trabalhar, mas
quando você vai pro mercado, é um pouco mais compricado.
Entrevistador: É complicado?
Fernando: É... muito compricado. E aí a gente... a verdade é assim,
nós temos muitos ganhos: primeiro no campo da questão da
consciência, né.
Entrevistador: Sim...
Fernando: Ganhamos algumas coisas em visão de conhecimento, tanto
na questão da... temos muitas dificuldades? Temos ainda, porque tem
muitas pessoas que não conseguiram entender que fazem parte do
grupo né. Trabalha muito ainda a questão da pecuária. Porque a
pecuária desorganizada, porque a gente não é contra a forma de
trabalhar com gado, né, mas a gente tem uma visão que, da maneira
que nós tamo, se não tomar medida, a pequena propriedade pode ir à
falência, né. Ela pode morrer. Por várias razões, né. Porque não é
viável, não é um sistema sustentável, né. Aí, a gente foi aprendendo
algumas coisas. (Fernando, Agricultor familiar).
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O ambiente solidário permeia os encontros e reuniões, através da circulação das
informações e experiências acerca dos cultivos e manejos com os animais e das
atividades coletivas de mutirão, a fim de que as adversidades sejam superadas. Segundo
Costa & Ribeiro (2012) a associação traz embutida na sua prática a idéia de
representação de interesses sócioeconômicos dos pequenos produtores e isso ainda é
uma situação inédita no meio rural, ainda marcada pelas relações clientelistas.
Os conflitos pelo uso do território resultam em uma luta constante para permanência e
reprodução dos membros da comunidade em suas terras. Logo as formas associativas
possibilitam uma resistência às pressões externas e concomitantemente, a reprodução e
atendimento das necessidades básicas. Representam espaços de discussão dos interesses
e exigências ao nível das relações cotidianas sendo, portanto, porta-vozes dos
agricultores.
Considerações finais
As associações rurais nesse artigo são uma estratégia dos agricultores para superar as
barreiras para a sua manutenção e reprodução sobre o território, pois através delas seus
membros aumentam e estreitam os contatos, realizam alianças e se expressam os
conflitos e os problemas da comunidade. Logo, a associação expressa uma relação
dinâmica, uma relação em movimento, em busca de uma direção a um lugar melhor
através da cooperação e se torna um instrumento para o alcance de objetivos mútuos,
contribuindo significativamente para o desenvolvimento dos seus moradores.
A troca de experiências possibilita aos agricultores a exploração de seus potenciais,
porque há um aproveitamento das capacidades, habilidades e competências dos
membros da comunidade e divulgação de uma cultura solidária que objetiva a melhoria
de vida dos participantes.
O conceito de desenvolvimento é controverso, contudo, a partir da perspectiva
agroecológica, ele deve desligar-se dos fins econômicos. Considera-se que ele é
efetivado através da passagem a um estado de dificuldade e insegurança para um
cenário favorável a reprodução dos agricultores.
14
Notas
i
Esse trabalho é produto de uma bolsa de iniciação científica intitulada Agricultura Agroecológica
como Estratégia para Manutenção de Agricultores Familiares no Território Central de Rondônia
finalizada no ano de 2012, inserido no âmbito do projeto maior de pesquisa PROCAD-CAPES:
Agricultura familiar, sustentabilidade ambiental e territorialidades na Amazônia desenvolvido no
Laboratório de Geografia Agrária, Agricultura Familiar, Campesinato e Cultura- IGC/ UFMG, do Grupo
de Pesquisa/ CNPq “Terra & Sociedade” e patrocinado pela FAPEMIG.
ii
Nome fictício.
iii
Nome fictício.
iv
Nome fictício
Referências
ALTIERI, M. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. 3.ed. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2004.
ARAÚJO, C. A. M. e. Caracterização da associação dos pequenos agricultores no contexto
do projeto cinturão verde de Ilha Solteira-SP. 2005. 237 f . Dissertação (Mestrado em
Geografia). UNESP/FCT, Presidente Prudente.
BECKER, B. K. Amazônia. São Paulo: Editora Ática, 2001.
________, B. K. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. 2. ed. Rio de Janeiro:
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o associativismo como estratégia de reprodução dos agricultores