CAPÍTULO 62 Anestesia e neurologia: Hipotermia: Evidências Científicas Vinícius Pereira de Souza, TSA / SBA* José Roberto de Rezende Costa, TSA / SBA** “A hipotermia possui dois efeitos fisiológicos evidentes: prolongar a vida ou encurtá-la.” Adolph EF. 1956 I - Introdução Os seres humanos são homeotérmicos e tendem a manter a temperatura corporal interna praticamente constante, em torno de 37º Celsius(C). Através de um controle preciso, mantido pelo sistema termorregulador, são permitidas, apenas, pequenas variações de temperatura, em torno de 0,2º a 0,4º C.1 Os limites de temperatura para definição e classificação de hipotermia variam na literatura médica. Considera-se hipotermia a redução da temperatura sanguínea central abaixo 36º C2. A hipotermia pode ser classificada em não-intencional e terapêutica. Hipotermia nãointencional, também chamada de “acidental”, ocorre principalmente em pacientes submetidos a procedimentos anestésico-cirúrgicos ou em vítimas de trauma, dentre outras causas. Ela advém de vários fatores isolados ou associados, como perda excessiva de calor, inibição da termorregulação fisiológica, ou falta de cuidados adequados para sua prevenção. Já a hipotermia terapêutica, também chamada de “provocada”, é instituída, conscientemente, pela equipe médica, com objetivos bem definidos: tratamento de hipertensão intracraniana refratária, proteção neurológica pós-ressuscitação cárdio-pulmonar, durante cirurgias neurológicas ou cardíacas de maior complexidade, bem como em algumas afecções que cursam com elevação descontrolada de temperatura, dentre outras. Com a finalidade terapêutica, a hipotermia é classifi* Intensivista / AMIB Comissão Científica da Sociedade de Anestesiologia de Minas Gerais Diretor Administrativo da Coopanest-MG Anestesiologista do Hospital Mater Dei – BH / MG ** Mestre em Farmacologia, ICB - UFMG Médico Legista, SESP - MG / Especialista pela ABML Conselho Editorial - Revista Mineira de Anestesiologia, SAMG Anestesiologista do Hospital Mater Dei – BH / MG cada em leve (temperatura entre 32º e 34º C), moderada (temperatura entre 28º e 32º C) e profunda (temperatura inferior a 28º C)2. Em ambos os casos, não-intencional e terapêutica, a hipotermia tem efeitos sistêmicos importantes, sejam estes desejados ou adversos. Esta revisão objetiva identificar as evidências da literatura médica para prevenção ou instituição da hipotermia, assim como os seus riscos e benefícios, apontando os métodos mais eficazes de controle em diversos contextos clínicos da prática médica. Medicina Perioperatória II - Breve Histórico Os primeiros registros da utilização terapêutica de hipotermia datam de ancestrais egípcios, gregos e romanos. Hipócrates advogava utilização de bandagens frias para redução de hemorragia. Posteriormente, Baron Larrey, cirurgião francês, durante a campanha de Napoleão na Rússia, relata utilização de gelo para redução de dor, em amputações de membros. Arrhenius descreveu a interferência da temperatura nas reações enzimáticas. No século XX, em 1937, Dr. Temple Fay resfriou uma paciente até 32º C por 24 h, na tentativa de alívio de sintomas de metástase tumoral. Acreditava-se que células cancerosas não se dividiriam em baixas temperaturas. Após 24 h, a paciente foi reaquecida, aparentemente, sem efeitos colaterais. Em seguida, Fay e colaboradores utilizaram hipotermia em 123 pacientes com câncer. Em 1941, Fay e Smith relataram a utilização de hipotermia em pacientes vítimas de traumatismo craniano3. A II Guerra Mundial interrompeu o “Programa de Resfriamento Humano” de Fay; nos campos de concentração nazistas foram cometidas inúmeras atrocidades com a utilização de hipotermia, porém sem qualquer tipo de anestesia. Fay enviou seu equipamento para Claude Beck e Charles Baylei, facilitando o pioneiro trabalho de hipotermia em cirurgia cardíaca4. Bigelow et al, em 1950, introduziram o conceito de proteção neurológica, durante procedimentos de cirurgia cardíaca. A partir de 1959, ampliaram-se as indicações de utilização de hipotermia, particularmente, para pacientes neurológicos. Nos anos seguintes, 1960 a 1996, aumentaram-se o número e a complexidade de procedimentos cirúrgicos realizados, assim como acumularam-se várias evidências de efeitos deletérios da hipotermia. Bons resultados, em trabalhos experimentais, ficaram, muitas vezes, restritos ao ambiente laboratorial, não sendo consistentemente observados e repetidos na clínica diária. A partir de 2001, trabalhos bem conduzidos em pacientes comatosos, pós-ressuscitação cárdio-pulmonar, traumatismo crânio-encefálico, infarto agudo do miocárdio reacenderam interesse pela utilização de hipotermia, com impacto, algumas vezes decisivo na evolução e nos resultados dos pacientes. Concomitantemente, foram questionados antigos paradigmas, como utilização de hipotermia em neurocirurgia. III - Fisiologia da Termorregulação 540 A termorregulação é semelhante a muitos outros sistemas de controle fisiológicos, onde o cérebro trabalha com mecanismos de “feedback” negativos e positivos para minimizar as variações, partindo de valores prefixados ou “normais”. Desde os anos 60 já há relatos de fisiologistas sobre mecanismos termorregulatórios no corpo em resposta a estímulos de tecidos variados e provenientes de receptores difusamente distribuídos: desde porções extra-hipotalâmicas cerebrais, superfície da pele, tecidos abdominais pro- fundos, à medula espinhal5. Deste modo, a termorregulação é baseada em múltiplos sinais, complexos, e de quase todos os tipos de tecidos. Pode-se considerar que o processamento de termorregulação acontece em três fases: aferente, regulação central, e respostas eferentes. Esquematicamente, pode-se resumir conforme diagrama mostrado na Figura I6: Anestesia e neurologia: Hipotermia: Evidências Científicas Figura I - Resposta fisiológica termorregulatória para manutenção de normotermia. Estímulos Aferentes As informações de temperatura são obtidas de células termossensíveis ao longo do corpo. As células sensíveis ao frio são anatomicamente e fisiologicamente distintas daquelas que detectam o calor. Os receptores de frio se despolarizam com as diminuições de temperatura, e, ao contrário, os receptores de calor o fazem quando há aumento de temperatura. Entretanto, os receptores de 541 calor cutâneos raramente se despolarizam em temperaturas de pele normal, e são importantes, provavelmente, somente durante situações de estresse com calor aumentado. Os estímulos do frio viajam principalmente por meio de fibras Aä, e as informações de calor por fibras desmielinizadas C, apesar de outras vias poderem ser utilizadas7. As fibras C também detectam e transmitem a dor, o que explica a dificuldade de distinção entre fortes dores e o calor intenso. A maioria dos estímulos ascendentes atravessa o trato espinotalâmico na porção anterior da medula espinhal, não sendo apenas um trato dessa região o responsável. Medicina Perioperatória Controle central 542 A temperatura é regulada por estruturas centrais (principalmente o hipotálamo), o qual compara estímulos térmicos oriundos de diversas partes, como da superfície da pele, neuro-eixo, e tecidos profundos, promovendo assim uma integração com os limiares de temperatura para cada resposta termorregulatória. Apesar de ser integrado pelo hipotálamo, a maioria das informações térmicas são “pré-processadas” na medula espinhal e em outras partes do sistema nervoso central5. É provável, inclusive, que um pouco das respostas termorregulatórias possam ser originadas apenas pela medula espinhal. Por exemplo, animais e pacientes com transecção de medula em nível alto podem possuir regulação de temperatura melhor do que poderia se esperar8. O controle de respostas autonômicas é aproximadamente 80% determinado por estímulos térmicos provenientes de estruturas centrais9, 10. Em contraposição, uma grande fração de estímulos determinantes de respostas comportamentais é derivada da superfície de pele. Ambos os limiares de vasoconstrição e de sudorese são 0.3°C a 0.5°C mais alto em mulheres que homens, até mesmo durante a fase folicular do ciclo mensal (primeiros 10 dias). Estas diferenças podem se pronunciar muito mais durante a fase luteínica11, 12. Respostas Eferentes O corpo responde às perturbações térmicas (temperaturas do corpo que difiram dos limiares apropriados) ativando mecanismos efetores, que aumentarão a produção de calor por meios metabólicos ou alterações comportamentais, visando a menor perda de calor para o ambiente. Cada mecanismo efetor termorregulatório tem seu próprio limiar e capacidade de ganho; então, existe uma progressão, em ordem e intensidade, dessas respostas, na proporção das necessidades. Em geral, mecanismos efetores eficientes como vasoconstrição são maximizados, precedendo respostas dispendiosas, como os tremores. Os mecanismos efetores determinam qual a faixa de temperatura ambiente que o corpo tolerará, desde que se mantenha a temperatura central normal. Quando mecanismos específicos efetores são inibidos (por exemplo, tremores prevenidos pela administração de relaxantes musculares), a margem de segurança tolerável é diminuída. Desta forma, a temperatura poderá permanecer normal, a menos que outros mecanismos efetores estejam, também, impedidos de compensar as necessidades impostas. Quantitativamente, as medidas comportamentais (por exemplo, vestimentas apropriadas, mudança de temperatura ambiental ou de ambientes, posicionamentos em oposição à exposição de maiores superfícies da pele, e realização premeditada de movimentos voluntários) são os mais importantes mecanismos efetores. As crianças possuem uma capacidade notável de regulação de suas temperaturas. Em contraste, idade avançada, debilidades, ou medicamentos podem diminuir a eficácia das respostas termorreguladoras, e ainda, acrescentar o risco de hipotermia. Por exemplo, massa Anestesia e neurologia: Hipotermia: Evidências Científicas muscular diminuída, doenças neuro-musculares, e relaxantes musculares, todos inibem o tremor, fatores que acabam por elevar a temperatura mínima ambiente tolerável. A vasoconstrição cutânea é o mecanismo autonômico efetor mais constantemente usado. O calor de origem metabólica é perdido principalmente por irradiação e convecção da superfície cutânea, e a vasoconstrição reduz esta perda. O fluxo de sangue da pele total é dividido em componentes nutricional (principalmente vasos capilares) e termorregulatório (principalmente por “shunts” árterio-venosos)13. Os “shunts” árterio-venosos são anatomicamente e funcionalmente distintos dos vasos capilares fornecedores de sangue para fins nutricionais nas extremidades (deste modo, a vasoconstrição não compromete estas necessidades dos tecidos periféricos). Os “shunts” possuem tipicamente 100 µm de diâmetro, o que significa que podem carrear 10.000 vezes mais sangue, quando comparado com comprimento similar de um vaso capilar, que tem 10 µm em diâmetro. O controle do fluxo de sangue através dos “shunts” árterio-venosos tende a estar ativado ou não. Em outras palavras, as vantagens destas respostas são altas. Terminações simpáticas adrenérgicas medeiam a constrição dos “shunts” termoregulatórios árterio-venosos, de tal sorte que o fluxo é minimamente afetado por catecolaminas circulantes. Aproximadamente 10% do débito cardíaco atravessa os “shunts” árterio-venosos; conseqüentemente, a vasoconstrição desses “shunts” pode significar aumentos da pressão arterial em até aproximadamente 15 mm Hg. A termogênese independente dos tremores aumenta a produção metabólica de calor (medida através do consumo de oxigênio corpóreo) sem trabalho mecânico propriamente, podendo dobrar a produção de calor em crianças; entretanto possuindo um discreto efeito em adultos14, 15. A intensidade da termogênese aumenta em proporção linear em relação à diferença entre temperatura média do corpo e seus próprios limiares de tolerância. O tecido muscular esquelético e a gordura marrom são as fontes importantes de calor, sendo este último mais importante em crianças. A taxa metabólica em ambos os tecidos é controlada principalmente por nor-epinefrina liberada de terminações nervosas adrenérgicas, e é em adição, mediada localmente por substâncias locais (proteínas específicas). O órgão que mais se correlaciona com a produção de calor (metabólico) é o fígado16. Os tremores podem levar a um aumento da produção de calor em 50% a 100% nos adultos. Este aumento é pequeno, em comparação com aquele produzido pelo exercício (que pode elevar a um acréscimo do metabolismo em pelo menos 500%), sendo, então, considerado relativamente ineficaz. Os tremores não ocorrem em crianças recém-nascidas17. A sudorese é mediada por nervos pós-ganglionares colinérgicos, sendo, deste modo um processo ativo que pode ser prevenido por bloqueio direto do nervo, ou, pela administração de atropina. Ela é o único mecanismo pelo qual o corpo pode dissipar calor em um ambiente que promova elevação de temperatura central. Felizmente, o processo é notavelmente efetivo, com 0.58 kcal de calor dissipado por grama de suor evaporado. A vasodilatação ativa é mediada por uma substância ainda não bem definida nas glândulas sudoríparas; e este mediador pode ser uma proteína, pois não é bloqueado por quaisquer drogas habituais. A vasodilatação ativa requer que as glândulas estejam em funcionamento normal, sendo também inibida por bloqueio nervoso. Em situações de “stress” pela exposição ao calor, o fluxo sanguíneo cutâneo pode chegar a 7,5L.min-1, o IV - Repercussões Sistêmicas e Consequências da Hipotermia Em pacientes anestesiados nem sempre se evidenciam, de forma clara, as repercussões da hipotermia sobre o organismo humano, sobretudo na fase inicial de sua instalação. Entretanto, os 543 efeitos da hipotermia sobre o corpo, sem interferências farmacológicas, podem ser resumidos de acordo com a tabela 1. Tabela 1 - Achados clínicos na hipotermia Medicina Perioperatória Leve 32° C a 35° C 544 Fase inicial, excitação, para se combater o frio: Hipertensão Tremor Taquicardia Taquipnéia Vasoconstrição Com o passar do tempo, inicia-se a fadiga: Apatia Ataxia Diurese “fria” Hipovolemia Moderada 28° C a 32° C Profunda < 28º C Arritmias atriais Redução da FC* Nível de consciência Redução da FR** Dilatação pupilar Depressão do reflexo de Deglutição Redução do tremor Hiporreflexia Hipotensão Ondas de Osbourne- ECG Apnéia Coma Redução das atividades do eletroencefalograma Pupilas não reativas Oligúria Edema pulmonar Arritmias ventriculares Assistolia * Freqüência cardíaca ***Freqüência respiratória Sistema Nervoso Central (SNC): Para cada 1°C de diminuição de temperatura, as diminuições de taxa metabólica cerebral são da ordem de 6 a 7%. Como a taxa metabólica é a principal determinante do fluxo sanguíneo cerebral18, ocorre, então, diminuição de volume sanguíneo intracraniano, por causa de uma vasoconstrição cerebral. Pode-se reduzir a pressão intracraniana com a hipotermia, além de poder ter ações anti-convulsivantes19. Sistema Cárdio-Vascular. Com a redução da temperatura, pode haver intenso tremor entre 34°C e 36°C. Isto causa aumentos significativos na taxa metabólica; a grande demanda de oxigênio pode elevar a incidência de infarto miocárdico em pacientes com doença isquêmica do coração. Porém, durante a anestesia, o paciente é sedado e/ou paralisado, o que evita o tremor. Com os tremores abolidos, em hipotermia moderada (32–34°C), a freqüência cardíaca decresce e a resistência vascular sistêmica se eleva.3. Em 33°C, o eletrocardiograma pode mostrar um entalhe ao fim do complexo de QRS (a onda de Osbourne). Embora citadas como um risco na hipotermia moderada, as arritmias cardíacas são raramente vistas aos 33°C, até em pacientes com isquemia miocárdica3, 4. Porém, em hipotermia acidental, existe um risco de fibrilação ventricular, se a temperatura central diminuir abaixo de 28°C20. Sistema Respiratório. A hipotermia tem poucas ações diretas no sistema respiratório. Com a queda da taxa metabólica em 25%–30% aos 33°C, o volume é diminuído para se manter o PCO2 em níveis normais. A pneumonia é um risco durante quadros hipotérmicos, porém, isto é relativamente incomum durante anestesias e desde que não se prolongue por mais de 12–24 horas. Anestesia e neurologia: Hipotermia: Evidências Científicas Em uma série de pacientes adultos que foram submetidos à hipotermia mais prolongada (sete dias) como parte do tratamento de trauma craniano, a pneumonia nosocomial foi freqüente (45%), mas não associada a efeitos adversos adicionais21. Por outro lado, a pneumonia pode desencadear choque séptico mais freqüentemente em pacientes pediátricos que são submetidos à hipotermia por períodos prolongados. Sistema Renal, Eletrólitos. Durante hipotermia pode haver diurese, pois há uma reabsorção diminuída de solutos no ramo ascendente da alça de Henle. Além disso, ocorre perda da capacidade de concentração de urina, também chamada de diurese “fria”. A indução de hipotermia eleva o potássio intra-celular, e a administração de potássio adicional para se corrigir hipocalemia durante a hipotermia, pode levar quadros significantes de hipercalemia nas fases de reaquecimento. A hipotermia também diminui concentrações de fosfato. Então, a condição volêmica, a potassemia, e 22 as concentrações de fosfato exigem monitoração e controle cuidadosos durante esses quadros . 23 Equilíbrio Ácido-Básico . O pH da água neutra ([OH- ] = [H+ ]) aumenta 0.017 U para cada 1° C de redução da temperatura; o pH do sangue em um sistema fechado (por exemplo, tubo de ensaio ou artéria) muda semelhantemente. Os animais de sangue frio permitem que o pH varie com a temperatura do corpo como se fosse “in vitro” (isto é, o sangue se torna mais alcalótico com as diminuições de temperatura), enquanto que os homeotérmicos, p.e. ursos, que diminuem a temperatura do corpo durante a hibernação, mantém um pH arterial próximo 7,4. A interpretação do pH arterial em humanos é difícil porque é obscuro qual estratégia é melhor. Para imitar os mecanismos compensatórios usados pelos animais que hibernam, o pH do sangue (que é medido por eletrodos à 37°C) foi tradicionalmente “corrigido” para a temperatura do corpo real do paciente. Sem a correção, a disponibilidade de oxigênio para os tecidos se reduz, porque a afinidade da hemoglobina para oxigênio se eleva em aproximadamente 1,7%/°C. Este efeito é pequeno, se comparado com os 5,7% de aumento de afinidade da oxihemoglobina para cada °C , causado pela hipotermia propriamente. Felizmente, esses aumentos de afinidade são compensados pela redução de 8%/ ° C na taxa metabólica causados pela hipotermia. A hipóxia tecidual é então improvável, com ou sem correção, não tendo sido demonstrada experimentalmente. A solubilidade de gases no sangue se eleva com as diminuições de temperatura. Quando os gases do sangue arterial de pacientes hipotérmicos são corrigidos para aquela dada temperatura, os pacientes parecem apresentar uma alcalose respiratória. A medida dos gases sanguíneos sem correção é conhecida como “estratégia alfa-stat”. A adição de CO2 para normalizar o pH é conhecida como “estratégia pH-stat”. É muito controverso, se a gasometria sanguínea deve ser corrigida para temperatura do corpo durante a hipotermia. Embora haja evidências em favor da “estratégia alfa-stat” para hipotermia durante “bypass” cárdio-pulmonar, outros estudos mostram vantagens experimentais com a outra estratégia em enfermidades neurológicas, bem como em inúmeras outras circunstâncias clínicas . Sistema Gastro-Intestinal: Durante a hipotermia, ocorre diminuição da motilidade gastrointestinal, e isto pode retardar a alimentação23. Há aumentos de concentrações de glicose no sangue, provavelmente devido a diminuição da insulina liberada pelo pâncreas. Administração insulina exógena pode ser requerida. 24 Sistema de Coagulação : Hipotermia prolongada diminui o número e a função de plaquetas, assim como, prolonga os tempos de coagulação; isto poderia contribuir para um aumento no risco de hemorragia, principalmente em traumas. Pode surgir uma tendência fisiológica para aumento na coagulação com a hipotermia, e um tipo de coagulação intra-vascular disseminada (CIVD) vir a ocorrer. A causa pode ser uma elevação de catecolaminas ou esteróides, um estado de hipoperfusão circulatória simplesmente, ou liberação de tromboplastina pelo frio, oriunda de tecidos isquêmicos. Os pacientes hipotérmicos também desenvolvem coagulopatias pela inibição das enzimas da cascata de 545 coagulação(Figura II). Dadas às reações laboratoriais serem realizadas a 37 ° C no laboratório, pode-se ver uma disparidade entre o que ocorre “in vivo”, clinicamente evidente (coagulopatias), e um estranho resultado “normal” de tempo de protrombina ou tempo tromboplastina parcial relatado pelo laboratório. O tratamento efetivo é o reaquecimento, e não, a administração de fatores de coagulação. A leucopenia e a trombocitopenia normalmente se revertem com o reaquecimento. A trombocitopenia induzida pelo frio é bem documentada em hipotermia induzida. O mecanismo pode ser por supressão de medula óssea ou seqüestros diretos, esplênicos e hepáticos. Medicina Perioperatória Figura II - “The Bloody Cold Cycle”: Ciclo vicioso entre hipotermia, coagulopatia e sangramento no peri-operatório. A viscosidade elevada vista na hipotermia pode ser exacerbada em pacientes com crioglobulinemia ou criofibrinogenemia, ambas sendo mais comuns em pacientes de idade avançadas. A fisiopatologia do frio sobre a hemaglutinação resulta de aglutininas específicas do frio, que produzem hemólise ou aglutinação, com trombose subseqüente. Isto pode explicar o aumento de tromboses coronárias e cerebrais no inverno. Sistema Imunológico: A hipotermia possui efeito direto na imunidade celular e humoral, além de efeito indireto na diminuição da oferta de O2 aos tecidos periféricos. Aumenta a incidência de infecção em ferida operatória. A redução de 1,9º C da temperatura triplica a incidência de infecção em ferida operatória em cirurgias de cólon e aumenta em 20% a duração da hospitalização. 25 Farmacologia A eficácia da maioria das drogas é dependente de temperatura. Ocorrem aumentos da ligação à proteínas durante a hipotermia, e o metabolismo hepático é diminuído. Às vezes há uma sobredosagem de fármacos para se alcançar uma dada resposta terapêutica, e níveis tóxicos subseqüentemente se desenvolvem com o reaquecimento. Nenhum medicamento deve ser ministrado pelo trato gastrointestinal por sua imobilidade, e nem intramuscular por causa da vasoconstrição. Ocorre aumento da duração da ação de bloqueadores neuro-musculares, aumento da concentração plasmática de propofol e da cardiotoxicidade da bupivacaína. Há redução de 5% na CAM de anestésicos inalatórios para cada oC de redução da temperatura. V - Hipotermia Não-Intencional 546 Durante o procedimento anestésico cirúrgico, além de ocorrerem as alterações induzidas pelos fármacos sobre a fisiologia da termoregulação, a exposição do corpo ao ambiente cirúrgico gera perda de calor para o ambiente por quatro mecanismos: irradiação, condução, evaporação e convecção(Figura III)26. Irradiação: consiste na perda de calor por meio de energia radiante para as paredes e objetos sólidos. Depende da diferença de temperatura absoluta entre duas superfícies, elevada à quarta potência, representando 60% a 70% do total da perda de calor. Condução: depende da diferença de temperatura entre dois objetos em contato e da condutância entre eles. Um exemplo seria a perda de calor para a superfície metálica da mesa de cirurgia. Evaporação: tem como componentes: a evaporação dos líquidos aplicados sobre a pele, a sudorese e as perdas insensíveis de água pelas vias respiratórias, pela ferida operatória e pela pele. Condução e evaporação correspondem a cerca de15% do calor total perdido durante anestesia e cirurgia. Convecção: consiste em perda ou ganho de calor pela passagem fluidos a determinada temperatura, sobre uma superfície com temperatura diferente. Ocorre com maior intensidade quando existe deslocamento de ar em grandes ambientes, e é responsável pelos, aproximadamente, 15% restantes da perda de calor pelo organismo para o exterior. A corrente sanguínea apresenta um componente convectivo e outro condutivo, sendo o primeiro mais importante que o segundo, especialmente quando o paciente permanece nas salas cirúrgicas com baixas temperaturas. Efeitos da Anestesia Geral A sala de cirurgia sempre foi um verdadeiro desafio para o corpo. As salas operatórias deveriam se manter com temperaturas não inferiores a 23º - 24º C27. Como isso nem sempre é fato, no âmbito anestésico-cirúrgico, os pacientes são expostos a um ambiente muito frio com pouca proteção, e mais importante, com respostas termorregulatórias farmacologicamente inibidas. A anestesia geral afeta o equilíbrio do calor por mecanismos múltiplos. A maioria dos anestésicos tem propriedades vasodilatadoras que acabam por transferir o fluxo de calor do centro do corpo para a periferia, e em seguida, a sua dispersão pela pele e arredores28. A anestesia geral também afeta os mecanismos centrais de regulação térmica, por alargar os limites de tolerância da homeostase da temperatura central. Os limiares para vasoconstrição são reajustados para uma temperatura mais baixa que em estado de vigília, e então, as quedas significativas da temperatura central podem acontecer antes que uma resposta termorregulatória efetiva venha ser produzida. Os tremores são ativados em temperaturas muito mais baixas que vasoconstrição e são suprimidos pelos bloqueadores neuro- Anestesia e neurologia: Hipotermia: Evidências Científicas Figura III - Mecanismos de perda de calor no peri-operatório 547 musculares, sendo, portanto, um meio ineficaz nos pacientes anestesiados. Adicionalmente, a termogênese independente dos tremores é suprimida por anestésicos gerais (Figura IV)2. Medicina Perioperatória Figura IV - Inibição termorregulatória, concentração-dependente de anestésicos venosos e inalatórios. Crianças e idosos são os grupos de pacientes que estão em maior risco para hipotermia trans-operatória. De fato, uma relação de superfície corpórea alta torna essas crianças pequenas mais propensas à dispersão do calor, e também, nos idosos anestesiados o limite para vasoconstrição está situado em níveis de temperatura mais baixos que em adultos mais jovens2. Depois da indução de anestesia geral, ocorrem mudanças de temperatura seguindo uma cinética trimodal (Figura V). Estágio de Redistribuição O efeito vasodilatador direto da maioria dos anestésicos leva o calor do centro até a periferia, o que resulta em uma queda da temperatura central de aproximadamente 1,5o C durante a primeira hora depois da indução (30). De maneira interessante, a perda de calor global durante este período relativamente curto é pequena, e então, o aquecimento do paciente depois de indução não controla a queda da temperatura inicial. Do contrário, o aquecimento iniciado antes da indução limita a redistribuição de calor reduzindo o gradiente de temperatura entre os dois compartimentos central e periférico. Esta estratégia é simples, e provavelmente vale muito em pacientes que são mais susceptíveis às complicações da hipotermia intra-operatória. Estágio de Diminuição Linear da Temperatura 548 A temperatura central continua a diminuir linearmente como resultado da perda de calor, 32 refletindo uma diminuição no conteúdo de calor total do corpo . Como resultado da anestesia, nenhuma resposta termorregulatória ao resfriamento pode ser produzida. Nesta fase, o aquecimento pode limitar de modo eficaz a perda térmica, e interromper a queda da temperatura. Figura V - Típico padrão de hipotermia durante anestesia geral. Tempo (horas) Estágio de Estabilização As respostas termorregulatórias são finalmente ativadas quando os limiares hipotérmicos são alcançados. A temperatura central estabiliza num novo patamar, principalmente como resultado da vasoconstrição e da retenção de calor no compartimento central. Porém, a perda térmica continua, a menos que o paciente receba aquecimento31. Efeitos da Anestesia Regional Embora seus efeitos sobre a temperatura do corpo sejam freqüentemente menosprezados, as anestesias no neuro-eixo também prejudicam a regulação térmica e podem causar significante hipotermia. Depois da realização de uma anestesia no neuro-eixo, uma queda inicial da temperatura central é causada pela vasodilatação nas porções inferiores do corpo, além de redistribuição calórica do centro até a periferia , semelhante a aquele efeito observado durante a anestesia geral. Posteriormente, temperatura continua a diminuir linearmente como resultado de perda de calor realçada pela vasodilatação cutânea. Diferentemente da daquilo que acontece durante a anestesia geral, a temperatura central pode não alcançar uma fase de “plateau” durante o bloqueio do neuro-eixo, e ainda, pode continuar a diminuir, a menos que um aquecimento ativo seja iniciado. Isto ocorre porque o bloqueio do neuro-eixo inibe a vasoconstrição e os tremores nas partes mais baixas do corpo32. A falta da percepção térmica das áreas bloqueadas como que anula o hipotálamo, e então, o paciente muitas vezes não sente o frio, não relatando ao anestesiologista. Quando se combinam anestesias geral e peridural, há uma diminuição na vasoconstrição como resultado do bloqueio do neuro-eixo, não havendo, portanto, a fase de estabilização no “plateau”, resultando em temperaturas centrais mais baixas do que só com a anestesia geral. Durante anestesias do neuro-eixo tem-se uma relação inversamente proporcional entre a temperatura central e o nível da anestesia, bem como com a idade dos pacientes. Pacientes de idade avançadas possuem maior risco de hipotermia em anestesia regional como resultado de menores limiares de temperatura para desencadeamento de tremores . A identificação de pacientes de risco é muito importante para se tomarem medidas profiláticas, ou mesmo, ações corretivas contra a perda de calor. Como resultado deste potencial Anestesia e neurologia: Hipotermia: Evidências Científicas Temperatura Central (oC) 549 para perda de temperatura significativo, a temperatura deve ser monitorada durante a maioria das anestesias do neuro-eixo33. Porém, a maioria dos anestesiologistas não faz essas medidas durante a anestesia regional . Medicina Perioperatória VI - Dispositivos para Prevenção / Indução de Hipotermia 550 Aproximadamente 90% da perda de calor do organismo, durante o ato cirúrgico, ocorre pela superfície da pele, através de irradiação e convecção, associada à evaporação no sítio cirúrgico. Para que seja efetivo, qualquer dispositivo, que previna ou trate a hipotermia, deverá reduzir a perda de calor do organismo. O caminho inicial para se reduzir a perda de calor pela superfície corpórea está no aumento da temperatura ambiente. Seu aumento, para níveis acima de 23º C reduziria, significativamente, a incidência de hipotermia, tanto em jovens quanto em idosos. Entretanto, temperaturas maiores que 22º C podem ser consideradas desconfortáveis por muitas equipes cirúrgicas, prejudicando a performance e reduzindo atenção de profissionais neste ambiente2. Consequentemente, torna-se mandatório o foco em métodos e dispositivos que reduzam perda de calor cutânea do organismo. Os dispositivos, atualmente disponíveis, são divididos em passivos – reduzem a perda cutânea de calor; ou ativos – trocam, ativamente, calor com o organismo, podendo resfriá-lo ou aquecê-lo, de acordo com a indicação34. Estes últimos podem atuar por meio convectivo (insufladores de ar) ou condutivo (colchão térmico, dispositivos intra-vasculares, soluções aquecidas ou frias), sendo mais eficazes para controle da temperatura e manutenção da normotermia que os dispositivos passivos. Isolantes térmicos como cobertores, mantas e algodões ortopédicos são disponíveis em praticamente todo o centro cirúrgico. Uma camada simples destes dispositivos pode reduzir a perda de calor em até 30%(35). Não existem evidências, clinicamente significativas, de diferenças entre os diversos tipos de isolantes, sendo que a aplicação de inúmeras camadas não leva a ganho adicional. São eficazes para prevenção da perda de calor em áreas que não podem ser ativamente aquecidas36. Colchões térmicos com água circulante, colocados embaixo do paciente, são quase sempre ineficazes. Não mantém normotermia, em virtude da pequena perda de calor pelo dorso37. Além disso, a combinação de perda de calor com redução da perfusão local aumenta a chance de necrose e queimaduras, podendo ocorrer com temperaturas inferiores a 40º C. São mais eficazes quando colocados sobre o paciente, eliminando praticamente a perda de calor. Dispositivos peri-operatórios insufladores de ar aquecido eliminam a perda metabólica de calor , assim como transferem calor para a superfície da pele. Mantém a normotermia em cirurgias prolongadas, sendo superiores aos dispositivos com água circulante38. Cobertores com resistências elétricas são tão efetivos quanto os dispositivos que insuflam ar; entretanto, são associados com queimaduras graves, não sendo aprovados pelo “FDA” (Food and Drug Administration)2. Em situações clínicas específicas, entretanto, como no transplante hepático e cirurgia cardíaca sem CEC, politraumatizado e grandes cirurgias abdominais em posição de litotripsia, os dispositivos que insuflam ar são insuficientes; sendo necessária utilização de métodos que permitam transferência de calor eficaz com pequenas áreas de contato com o paciente. Assim, novas tecnologias foram descritas e utilizadas; como o sistema de vestimentas com água circulante, cuja temperatura é controlada. Estes dispositivos transferem grande quantidade de calor ao organismo, através de contato por meio de um sistema adesivo ou através de materiais que facilitam a condução. São VII - Hipotermia Terapêutica Evidências Científicas Experimentais Trabalhos experimentais, “in vivo” e ” in vitro”, mostram que o primeiro nível de ação da hipotermia é metabólico. A diminuição da temperatura cerebral ou corporal em 1º C promove queda do metabolismo cerebral em torno de 6 a 7 % , até 28º C. A hipotermia leva a redução do consumo energético neuronal. Há uma redução no consumo energético para o desempenho de atividades eletrofisiológicas , condução de estímulos nervosos, assim como uma redução do consumo relacionado ao metabolismo basal do neurônio (aquele associado à manutenção da integridade celular). Os anestésicos venosos e inalatórios não apresentam este último efeito39. A redução global do metabolismo reduziria o risco de isquemia cerebral, quando este tecido fosse exposto a insultos isquêmicos, de maneira global (parada cárdio-circulatória) ou na isquemia focal (clampe em artéria cerebral para colocação de clipes em aneurismas). Os neurônios que mais se beneficiam desta prática são aqueles situados em áreas de penumbra, onde a lesão neuronal é, ainda, reversível40. A redução do metabolismo cerebral com a hipotermia, resulta em redução do fluxo sanguíneo cerebral, em virtude do acoplamento metabólico, promovendo grande redução de volume do compartimento intravascular cerebral, com diminuição da pressão intra-craniana (PIC). Este consiste no segundo efeito mais importante da hipotermia.. Hipóxia e isquemia cerebral podem ocorrer secundárias a estados de choque, estenose ou oclusão vascular, vasoespasmo, neurotrauma e parada cardíaca. A lesão hipóxica/isquêmica pode levar à morte celular neuronal através de dois mecanismos principais. O primeiro deles é a morte neuronal por excitoxicidade: a isquemia neuronal provoca depleção energética de ATP, despolarização neuronal com influxo de cálcio e sódio. Neuromediadores excitatórios, como glutamato e aspartato, são liberados, assim como radicais livre de oxigênio, dentre outros. O glutamato se liga a receptores específicos pós-sinápticos promovendo acúmulo de cálcio intracelular, além de ativação de enzimas como proteases, lípases e endonucleases, responsáveis pela morte celular. Este mecanismo leva morte celular imediata, ocorrendo, principalmente, em questão de minutos após a injúria; podendo ocorrer até 14 dias após o insulto. Posteriormente, horas, dias ou até semanas após o evento isquêmico/hipóxico, a morte celular pode ocorrer por apoptose. A apoptose é também chamada de morte celular tardia ou Anestesia e neurologia: Hipotermia: Evidências Científicas colocados em volta do tronco e das extremidades do paciente e têm a vantagem da flexibilidade em múltiplos posicionamentos, independente do segmento utilizado2. Outro dispositivo combina uma matriz hidrofílica flexível de gel com sistema de água circulante, promovendo um ininterrupto contato com a pele. Permite reaquecimento de 0,3º C por hora , comparado a 0,14º C por hora de sistemas insufladores de ar. Outro método que vem ganhando importância, ao longo do tempo, consiste de dispositivos internos de aquecimento e resfriamento. Trata-se de cateter de troca de calor, posicionado na veia cava inferior, habiltualmente via veia femoral, com controle de temperatura. Podem transferir ou retirar cerca de 400 – 700W, sendo muito eficientes. Promovem aumento de temperatura mais rapidamente que métodos de superfície. Em casos de vasoconstrição intensa , aquece cerca de 2º C / hora. Utilizado para indução de hipotermia, diminui temperatura corporal de 4º a 6º C por hora2. 551 programada. Trata-se de um processo ativo de morte celular sem formação de edema. A liberação de glutamato e cálcio promove liberação de citocromo c pela mitocôndria e produção de enzimas regulatórias, caspases, resultando em danos estruturais nas membranas biológicas e no nucleossoma do DNA (fragmentação do DNA, condensação da cromatina e produção de pequenas partículas de “debris” celulares – corpos apoptóticos). Ocorre, mais uma vez, principalmente em neurônios situados em regiões de penumbra, ou seja, em áreas adjacentes à lesão inicial, passíveis de reversão do processo. Estudos experimentais em roedores evidenciam que, a hipotermia atenua consideravelmente fenômenos de morte celular por apoptose. A liberação de radicais livres durante a reperfusão também é reduzida, além de citocinas pró-inflamatórias e interleucina-641. Evidências Científicas Clínicas Medicina Perioperatória Pós-Parada Cardíaca 552 A parada cárdio-respiratória (PCR) e a ressuscitação cárdio-pulmonar (RCP) constituem as melhores evidências até o momento para utilização de hipotermia terapêutica. A PCR envolve processos de isquemia cerebral global e reperfusão. Os pacientes que apresentam melhor prognóstico neurológico, após restauração de circulação espontânea, são aqueles que recuperam a consciência logo após as manobras de ressuscitação. Entretanto, não existem sinais clínicos evidentes para diferenciação dos pacientes que acordarão, daqueles que permanecerão em coma. Uma meta-análise , com 11 estudos envolvendo quase 2000 pacientes, mostra que os sinais clínicos preditivos de prognóstico são: ausência de reflexo corneano após 24 h; ausência de reação de pupila após 24 h; e ausência de resposta motora após 24 e 72 h. A estimativa de resultado neurológico ruim, em pacientes comatosos, após PCR foi de 77%, aumentando para 97% com indicadores clínicos negativos em 24-72 h42. Em 2002 dois estudos prospectivos, randomizados, multicêntricos evidenciaram melhora dos resultados neurológicos em pacientes vítimas de PCR, por fibrilação ventricular, submetidos à hipotermia. O primeiro trabalho (43) dividiu pacientes, vítimas de PCR por FV, em grupos submetidos à hipotermia leve ou normotermia, após o retorno de circulação espontânea. Presumia-se que a PCR era de etilogia cardíaca; o tempo para início das manobras de ressuscitação era inferior a 15 minutos e o tempo de retorno à circulação espontânea era inferior a 60 minutos. Pacientes foram esfriados com dispositivos externos, com “end-point” da temperatura entre 32º C e 34º C . A temperatura foi medida através de cateter vesical, sendo mantida por 24 h, seguida de reaquecimento passivo em 8 horas. Foram estudados 275 pacientes; 6 meses após PCR 55% (75/136) dos pacientes do grupo de hipotermia apresentavam resultados neurológicos favoráveis, comparados com 39% no grupo normotérmico (p=0,009). A mortalidade após este período foi significativamente menor no grupo da hipotermia, comparados aos normotérmicos (41% versus 55%, p= 0,02). Embora a sepse tenha sido mais freqüente no grupo de hipotermia, não houve diferença em relação ao total de complicações entre ambos os grupos. O segundo estudo foi realizado por Bernard et al44, também em 2001; pacientes adultos vítimas de parada cardíaca fora do ambiente hospitalar, em fibrilação ventricular, foram, também, randomizados em grupos de normo e hipotermia (33º C). Esta temperatura foi mantida por 12 h; Anestesia e neurologia: Hipotermia: Evidências Científicas após este período os pacientes foram ativamente reaquecidos por 8 h. No grupo em que foi realizada hipotermia, 49% (21 de 43 pacientes) apresentaram bons resultados neurológicos à alta hospitalar, comparados com 26% do grupo normotérmico ( p=0,046) .A mortalidade foi de 51% para o grupo de hipotermia e 68% para o grupo de normotermia (p = 0,145). O tempo médio para indução de hipotermia nos dois estudos citados foi de 8 horas, sendo que as manobras utilizadas para sua indução já se iniciaram dentro da primeira hora de parada cardíaca. Dados experimentais, em ratos, revelam efeito neuroprotetor da hipotermia, quando aplicada em até 60 minutos após PCR. Assim, serviços pré-hospitalares deveriam iniciar instituição de hipotermia já no local de atendimento; através da infusão de solução cristalóide gelada. Em 2001, Hachimi-Idrissi et al45 estudaram os efeitos da hipotermia em pacientes inconscientes pós-PCR. Porém, desta vez, a PCR foi por assistolia e atividade elétrica sem pulso-AESP ), comparando-se com grupo de normotermia. No grupo hipotérmico 3 dos 16 pacientes receberam alta hospitalar vivos, comparados com apenas 1 de 14 pacientes do grupo normotérmico. Já em 2005, Holzer et al46 publicaram uma meta-análise sobre utilização de hipotermia leve em pacientes comatosos vítimas de parada cardíaca, estudando-se os dados publicados até então. Os pacientes em que a hipotermia foi utilizada apresentaram resultado neurológico favorável, melhores que grupos em que a normotermia foi mantida, com razão de risco de 1,68 (96% IC 1,29 – 2,07). O número de pacientes necessários para tratamento, a fim de que um paciente se beneficie com resultado neurológico favorável foi de 6 pacientes. Deste modo, baseados nos dados apresentados, em 2005, a hipotermia foi incluída em “Guideline Internacional de Emergência em Cuidados Cardíacos”47: Pacientes adultos inconscientes, vítimas de PCR, fora do ambiente hospitalar devem ser colocados em hipotermia (32º a 34º C), por 12 a 24 h (classe IIa de evidência). Terapia similar pode ser benéfica em pacientes com rítmo inicial que não seja FV, com PCR dentro ou fora do ambiente hospitalar (classe IIb de evidência). Deve-se notar, entretanto, que as causas de PCR em ambiente hospitalar podem ser diferentes daquelas ocorridas fora do mesmo. Entretanto, se o paciente permanece comatoso após isquemia global, a hipotermia poderá ser benéfica. Por fim, trabalhos utlizando hipotermia moderada não apresentaram maiores benefícios que a utilização de hipotermia leve; tendo sido evidenciada maior incidência de complicações com a utilização de temperaturas mais baixas. Encefalopatia Hipóxica / Isquêmica em Neonatos A lesão cerebral hipóxica-isquêmica perinatal é um evento que ocorre em, aproximadamente 0,5 a 1 / 1000 nascimentos por ano, nos Estados Unidos. Embora esta incidência seja baixa, suas repercussões médicas, sociais e financeiras são significativas. Em 2005 foram publicados dois estudos comparando resultados da utilização de hipotermia em recém-nascidos, até a 6ª hora de vida, com quadro de encefalopatia hipóxica / isquêmica. Os resultados apresentados são favoráveis à sua utilização, em relação à mortalidade e presença de sequelas neurológicas. O primeiro trabalho(48), estudou 235 pacientes com quadro de encefalopatia neonatal moderada a grave, com eletroencefalograma alterado (EEGa), randomizando-os para tratamento com hipotermia (n=116) e normotermia (n=118). A encefalopatia grave foi definida como índices de 553 Medicina Perioperatória 554 Apgar inferiores a 5, 10 minutos após o nascimento; necessidade de ressuscitação incluindo ventilação sob máscara e intubação traqueal após 10 minutos de nascimento; presença de acidose grave, definida como pH < 7,00 ou excesso de base < 16 mmol/L em amostra de cordão umbilical ou sanguínea, 1 hora após o nascimento. A mortalidade foi de 55% no grupo de hipotermia e 66% no grupo normotérmico, estatisticamente significativo após ajustes com EEG (p =0,05). Análise de subgrupos revela maiores benefícios em pacientes com alterações menos intensas ao EEG. No segundo trabalho, Shankaraman et al49 estudaram 208 recém-nascidos com encefalopatia moderada a grave. Os critérios de inclusão dos pacientes foram: idade gestacional maior que 36 semanas; pH cordão umbilical ou sanguíneo (1ª hora) menor que 7,00; presença de evento perinatal adverso (descolamento de placenta, prolapso de cordão, freqüência cardíaca fetal com desacelerações tardias ou variáveis); necessidade de ressuscitação e diagnóstico de encefalopatia. Os pacientes foram randomizados para tratamento com hipotermia leve e normotermia. A presença de seqüelas neurológicas moderadas a graves foi de 44% no grupo de hipotermia e 62% no grupo controle (p=0,01) enquanto a mortalidade foi de 24% no grupo de hipotermia, contra 36% no grupo controle. Os autores concluem que a hipotermia reduziu a mortalidade e a incidência de seqüelas neurológicas moderadas a grave em pacientes com encefalopatia hipóxica/ isquêmica. Outros três estudos estão em condução no momento. Seus resultados ajudarão a clarear o papel da utilização de hipotermia em casos de encefalopatia neonatal; seus resultados parecem promissores! Neurocirurgias - Abordagem de Aneurismas Cerebrais A utilização de hipotermia em neurocirurgia é uma prática tentadora, defendida com grande entusiasmo por muitos, ao longo do tempo. O possível efeito de neuroproteção, exercido pela redução pela temperatura, protegeria o cérebro contra episódios de isquemia focal, quando da instalação de clampes em artérias cerebrais. Tal prática, entretanto, estava embasada, principalmente, em estudos experimentais, sendo que a literatura não balisava seu emprego na prática clínica. Em 2005, Tood et al publicaram estudo multicêntrico, controlado, denominado “IHAST – Intraoperative Hypothermia for Aneurysm Surgery Trial”50 estudando os possíveis efeitos da hipotermia no per-operatório de cirurgias para colocação de clipes em aneurismas cerebrais. Participaram do estudo 1001 pacientes, em bom estado neurológico, que haviam sofrido hemorragia subaracnóidea espontânea; foram submetidos a cirurgia antes do 14º dia pós-hemorragia. Os pacientes foram randomizados em 2 grupos: no primeiro, a cirurgia foi realizada com o paciente em hipotermia (temperatura de 33º C, utilizando técnicas de resfriamento de superfície); no segundo grupo , os pacientes foram mantidos normotérmicos (temperatura de 36,5º C). A temperatura era medida através de termômetro esofágico retro-cardíaco e, após instalação de clipes no último aneurisma, os pacientes foram, então, reaquecidos. Análise estatística não evidenciou diferença em relação ao tempo de internação em unidade de terapia intensiva, tempo de internação hospitalar e mortalidade dos pacientes (6% em ambos os grupos). Também, não existiu diferença com relação ao resultado neurológico, medido após 90 dias de cirurgia. A incidência de bom resultado neurológico foi de 66% e 63% nos grupos hipotérmicos e normotérmicos, respectivamente. Traumatismo Crânio-Encefálico ( TCE ) Em 2001 foi publicado estudo multicêntrico , randomizado denominado de “NABISH – National Acute Brain Injury Study: Hypothermia”51. Foram estudados 392 pacientes, com idade entre 16 e 65 anos, em coma após traumatismo craniano fechado, sem trauma múltiplo associado. Participaram deste estudo sete instituições americanas. Os pacientes foram randomizados em dois grupos: no grupo controle seria mantido em normotermia de 37º C; já o segundo grupo , foi submetido a hipotermia, com temperatura corporal de 33º C. A hipotermia foi iniciada em até 6 horas após o trauma e seria mantida por 48 h, através de técnicas de esfriamento de superfície. O reaquecimento passivo posterior seria realizado nas próximas 18 horas. O tempo médio para alcançar a temperatura definida foi de 8,4 h ± 3 horas. O resultado após 6 meses, definido como presença de seqüelas neurológicas importantes, estado vegetativo e morte, foi ruim em 57 % dos pacientes de ambos os grupos; a mortalidade foi de 28% no grupo hipotérmico e 27% no grupo normotérmico. O grupo de hipotermia apresentou maior incidência de hipotensão arterial e menor incidência de hipertensão intra-craniana grave. As análises de subgrupos de pacientes sugerem provável efeito benéfico da hipotermia naqueles pacientes que já se apresentavam hipotérmicos (< 35º C) à admisssão, na sala de emergência. Para esta observação falta significância estatística, em virtude do pequeno tamanho da amostra. Baseados neste dado, foi iniciado em 2002, o estudo NABISH-II, com a participação de 10 centros americanos, a fim de estudar aplicação da técnica de hipotermia neste grupo de pacientes. Os resultados deste estudo ainda não foram publicados. Muitas críticas são realizadas ao estudo “NABISH”, descrito. Dificuldades técnicas no cumprimento do protocolo, em algumas instituições, e a presença de resultados, aparentemente, favoráveis à hipotermia em grandes centros, com maior experiência no emprego da técnica reduziriam a credibilidade deste estudo. Os resultados da literatura, a partir de então, são conflitantes. Foram publicadas metanálises com resultados favoráveis à utilização de hipotermia no TCE grave e, a seguir, outras duas metanálises não evidenciaram benefícios em sua utilização; os trabalhos analisados por estas metanálises são, praticamente, os mesmos. Os resultados conflitantes da literatura podem ser explicados pelo longo período de tempo gasto para a indução de hipotermia, nos pacientes com TCE(52). No estudo“NABISH” este tempo foi de mais de 8 h. Estudos pré-clínicos sugerem efeito neuroprotetor da hipotermia, quando utilizada em até 2 h pós-trauma. Anestesia e neurologia: Hipotermia: Evidências Científicas Em relação aos efeitos adversos, também não existiu diferença entre os grupos citados; entretanto, os pacientes submetidos à hipotermia apresentaram maior incidência de bacteremia perioperatória (5% versus 3%, respectivamente, p = 0,05). A análise de dados secundários deste estudo, sugere pequeno efeito benéfico da hipotermia em 2 subgrupos de pacientes: aqueles operados entre o 8º e 14º dia pós- hemorragia subaracnóidea e nos pacientes do sexo masculino. Entretanto, tais dados devem ser analizados criticamente, em virtude de os grupos não terem sido randomizados para cirurgias precoces ou tardias, e quanto ao sexo. Este estudo veio modificar a visão da utilização de hipotermia em neurociurgia, mais especificamente, em craniotomias para colocação de clipes em aneurismas cerebrais, não mostrando benefícios em sua utilização. 555 Deste modo, o estudo “NABISH” não pode ser considerado evidência definitiva sobre o tema; os dados da literatura indicam, por enquanto, falta de benefício na utilização de hipotermia em pacientes com TCE grave53. Medicina Perioperatória Hipertensão Intra-Craniana 556 Hipotermia reduz a pressão intra-craniana (PIC) em pacientes com TCE grave, em estudos laboratoriais e clínicos. Um pequeno estudo randomizado, com 33 pacientes, com hipertensão intra-craniana refratária ao tratamento , inclusive com barbitúricos, mostrou que os pacientes tratados com hipotermia (34º C) apresentaram melhor controle da pressão intra-craniana e maior sobrevida em curto prazo54. Subsequentemente, foi realizado estudo randomizado com 91 pacientes submetidos a hipotermia (34º C), em pacientes com PIC inferior a 25 mmHg55. Não foram evidenciadas vantagens com a utilização da técnica, com aumento da incidência de complicações sistêmicas. Assim, recomenda-se que a hipotermia seja utilizada em casos de hipertensão intra-craniana refratária ao tratamento convencional ; não sendo indicada em pacientes com PIC inferior a 25 mmHg. Entretanto, dados do estudo “NABISH”, mostram que, apesar dos efeitos de redução da pressão intra-craniana em pacientes submetidos a hipotermia, os resultados e a evolução não foram alterados51. Cirurgia Cardíaca – Circulação Extra-Corpórea Estudos sobre a utilização de hipotermia em cirurgia cardíaca, não evidenciaram redução da incidência de distúrbios neuro-cognitivos, comparados com pacientes mantidos em normotermia. Recente metanálise não evidenciou efeito neurológico protetor com a utilização de hipotermia56. Uma prática comum em cirurgia cardíaca é o reaquecimento de pacientes hipotérmicos em circulação extra-corpórea (CEC), antes da saída de CEC, com objetivo de prevenir complicações da hipotermia, particularmente o sangramento. O reaquecimento pode ser muito perigoso, em virtude de hipertermia não reconhecida, resultado da proximidade da cânula aórtica com o cérebro. Recomenda-se um gradiente entre cânula aórtica e temperatura nasofaríngea menor ou igual a 2º C; e nunca um sangue em cânula arterial superior a 38º C. Nathan et al57 estudaram, recentemente, pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio, com circulação extra-corpórea. Os pacientes foram divididos em dois grupos: o primeiro (73 pacientes) foi mantido com temperatura de 34º C, durante o per-operatório, sendo reaquecidos para saída de CEC. Já o segundo grupo, 71 pacientes foram mantidos, também, com temperatura de 34º C, sendo que os pacientes não foram reaquecidos desde a saída de CEC até o momento da chegada ao CTI. Não existiu diferença entre os grupos em relação à transfusão , uso de inotrópicos, tempos de intubação, tempo de hospitalização, infarto do miocárdio e mortalidade. O tempo de internação em CTI foi 8,4 h menor nos pacientes hipotérmicos, assim como a incidência de distúrbios cognitivos em uma semana e 3 meses de pós-operatório . Com base nos resultado apresentados a utilização de hipotermia em cirurgia cardíaca é categorizada em classe indeterminada, ou seja, a hipotermia pode ainda ser utilizada; entretanto,as evidências da literatura são insuficientes para sugerir eficácia. Deve-se salientar que o reaquecimento, provocando hipertermia no momento da saída de CEC, é extremamente deletério , podendo comprometer resultado neurológico do pacientes. Proteção de Medula Espinhal e Cirurgia Vascular Hipotermia Profunda e Cirurgia Cérebro-Vascular Complexa A redução da temperatura corporal é acompanhada de redução no consumo metabólico de oxigênio cerebral. Em situações de hipotermia profunda, temperaturas de 25º C, reduzem o consumo de oxigênio para 25%, e com temperatura de 20º C, o consumo é reduzido para 15% do nível de condições normotérmicas. Teoricamente, a tolerância à isquemia poderia ser prolongada por 50 a 60 minutos com temperatura cerebral entre 18º e 20º C. Entretanto, a atividade fisiológica cardíaca seria impossível, sendo por este motivo, a hipotermia profunda, utilizada concomitantemente, com circulação extra-corpórea , parada cárdio-circulatória total e anti-coagulação plena do paciente. A hipotermia profunda pode ser indicada: para tratamento de lesões vasculares complexas, aneurismas cerebrais gigantes, fusiformes, sem colo definido; tais casos devem ser, cuidadosamente, selecionados, para sua abordagem. Uma excelente revisão, recentemente publicada, por Rohoeri et al 59 evidencia grande heterogeneidade e variabilidade dos resultados da literatura: a mortalidade dos diversos trabalhos oscilou entre 0% e 50%; morbidade chegou a 23%. A duração da parada circulatória total: na maioria dos trabalhos foi em torno de 20 minutos; chegando, porém , a 60 minutos, em outros. VIII - Sítios para Aferição da Temperatura Aproximadamente 40% dos pacientes recebem alta da sala de recuperação pós-anestésica com temperatura inferior a 36º C. O padrão ouro para medida da temperatura é via temperatura de cateter de artéria pulmonar. Entretanto, trata-se de método invasivo, não sendo comumente usado somente para esta finalidade. Nasofaringe, esôfago distal, membrana timpânica, reto e bexiga podem ser utilizados, assim como a superfície da pele. Durante o ato anestésico a mensuração da temperatura da pele se limita ao registro das fases de redistribuição da temperatura. É importante saber as limitações de cada sítio de aferição, assim como a sua correlação com a temperatura central. Uma análise específica destes dados foge aos objetivos desta revisão. Anestesia e neurologia: Hipotermia: Evidências Científicas A incidência de paraplegia em cirurgias vasculares varia de 5% a 40%. Embora estudos experimentais demonstrem que, a utilização de hipotermia leve, pode aumentar o tempo de pinçamento de aorta em até 2 a 3 vezes, os estudos clínicos ainda são limitados. Estudos clínicos são controversos sobre a eficácia da utilização de hipotermia profunda, em virtude da alta incidência de coagulopatia complicações pulmonares. Indica-se uso de hipotermia moderada. Um estudo com 70 pacientes submetidos à hipotermia em cirurgias de aorta, comparado com controles históricos, evidenciou redução no déficit neurológico (2,9% versus 23% no grupo controle)58. Em cirurgias de grandes vasos (pinçamento de aorta abdominal) contra-indica-se o aquecimento da porção inferior do corpo durante a fase de interrupção do fluxo sanguíneo. IX - Conclusões A hipotermia é frequentemente encontrada na prática clínica do Anestesiologista, apresentando efeitos sistêmicos, muitas vezes deletérios para pacientes de risco. A hipotermia não-intencional, 557 não identificada ou até mesmo negligenciada, aumenta, na maioria das vezes, a morbidade dos procedimentos; os tremores e a sensação de frio intensas são queixas freqüentes dos pacientes sendo relatados, muitas vezes, como a pior parte do período de internação; gera grande insatisfação dos pacientes/clientes, e queda de indicadores de qualidade da prestação de serviços médicos. A hipotermia não-intencional deve ser combatida agressivamente e precocemente, sendo que a sua prevenção ainda é a maneira mais rápida, barata e eficaz para a sua abordagem. A utilização terapêutica da hipotermia, principalmente em cirurgias neurológicas e cardíacas complexas têm indicações extremamente restritas. O uso rotineiro não evidenciou benefícios. As principais evidências da literatura apontam para pacientes vítimas de PCR, por FV, atendidos fora do ambiente hospitalar. Estes dados poderão ser extrapolados para os casos de PCR atendidos dentro do ambiente hospitalar? Muitas questões serão respondidas...! Novos dispositivos para prevenção e indução de hipotermia, de maneira rápida e precisa, vêm sendo descritos e podem vir a mostrar resultados surpreendentes em futuro próximo. Deve-se acompanhar a evolução da literatura médica, baseando-se a prática clínica em evidências científicas! Medicina Perioperatória Referências Bibliográficas 558 1 . Sessler DI. Mild perioperative hypothermia. N Eng J Med. 1997;336:1730-1737. 2 . Taguchi A, Kurz A. Thermal management of the patient: where does the patient loose and/or gain temperature? 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