DIREITOS DA PERSONALIDADE E O RESPEITO À
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Fábio Vieira Figueiredo
O efetivo reconhecimento dos direitos de personalidade sofreu sérios entraves técnicojurídicos, vez que são direitos em que há confusão entre objeto e sujeito.
Após a Segunda Guerra Mundial, diante das agressões causadas pelos governos totalitários à
dignidade humana, tomou-se consciência da importância dos direitos da personalidade para
o mundo jurídico, resguardando-os na Assembléia Geral da ONU de 1948, na Convenção
Européia de 1950 e no Pacto Internacional das Nações Unidas (Diniz, Maria Helena. Curso...,
vol I, p. 118). Foi, portanto, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos que, de fato,
os direitos da personalidade tiveram destaque (LOTUFO. Código civil comentado, p. 48).
Com a aceleração do desenvolvimento tecnológico – pós-guerra – ou seja, com a tensão
causada pelo desenvolvimento, o homem passa a reivindicar um espaço seu, ou melhor, um
direito que contemple a especificidade de sua personalidade. Isso não ocorre com uma
retomada de concepção individualista ou liberal, mas com a exaltação de uma visão
personalista e ética de formação e desenvolvimento do ordenamento jurídico (CAPELO DE
SOUSA. O direito geral de personalidade).
Os direitos da personalidade tutelam a integridade do ser humano. Há, para análise da
proteção da personalidade uma tripartição da personalidade nas respectivas: a) integridade
física, compreendendo: vida, alimentos, próprio corpo (vivo ou morto), corpo alheio e partes
separadas do corpo; b) integridade intelectual, compreendendo: liberdade de pensamento,
autoria científica, literária e artística e, por fim; c)integridade moral, compreendendo: honra,
segredo profissional, segredo doméstico, direito de autor, identidade familiar, pessoal e
social.
Contudo, este rol de direitos de personalidade é unicamente exemplificativo. Quando o
tema é a personalidade humana, em nosso sentir, não cabe falar de taxatividade ou
esgotamento de direitos. Não podemos limitar os direitos de personalidade, posto que são o
mínimo para que se tenha a existência digna de um ser humano.
Leciona NELSON ROSENVALD que em apressada análise, poderia o intérprete acreditar que o
legislador constituinte abraçou a teoria pluralista dos direitos da personalidade com explícita
limitação de proteção apenas àqueles valores consagrados como direitos fundamentais.
Nenhuma previsão normativa, porém, adquire pretensão exaustiva nessa seara. As
exigências do ser humano não serão condicionadas a tipos rígidos, pois elas assumem
dignidade superior (ROSENVALD. Dignidade humana e boa-fé no código civil).
A satisfação de tais reivindicações, portanto, não vêm, a nosso ver, pelo aumento do número
dos direitos especiais da personalidade, mas pela consagração de um direito geral de
personalidade. O que se propugna, portanto, é uma cláusula geral de proteção ao ser
humano, ou seja, aos seus direitos mais essenciais. O direito geral de personalidade, sob tal
perspectiva, pode ser utilizado para a criação desta cláusula geral de tutela da pessoa,
servindo de instrumento adequado para a efetivação do princípio da dignidade humana
(GARCIA. O direito geral de personalidade no sistema jurídico brasileiro).
Assim, o direito geral de personalidade encontra, no direito brasileiro, reconhecimento, não
só no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF), mas com muito vigor,
ainda, no art. 12 do CC que traça uma tutela geral aos direitos de personalidade. Isto porque
a aferição objetiva da tutela geral do art. 12 do CC depende da inserção e conjunção de
outros dispositivos de lei (tais como: o solidarismo constitucional do art. 3º, I da CF), que
resultarão na subsunção do fato concreto em dispositivo de efetiva proteção da
personalidade do indivíduo.
Tal direito geral de personalidade, assim, é consectário lógico e inabalável do direito
humano a existência digna. Parece-nos que a proteção da dignidade humana por uma
cláusula geral de direitos da personalidade acomoda de maneira mais confortável a
finalidade de proteção extrapatrimonial do homem, da sua dignidade.
Consideram-se, como da personalidade, os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada
em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico
exatamente para a defesa de valores inatos do homem.
Há uma série aberta de relações e os direitos da personalidade não podem ser vistos como
taxativos, mas sim de maneira aberta. Além disso, o ser humano tem valor unitário e a cisão
feita para o estudo, para fins didáticos da matéria, não prejudica esta unicidade.
(PERLINGIERI. La personalità umana nell’ordinamento giuridico).
A aferição dos direitos de personalidade e das medidas para sua tutela, portanto, deve ser
feita em cada relação jurídica. Os direitos da personalidade não podem, de maneira alguma,
constituir um rol taxativo, pois são direitos que o homem possui, apenas pela sua condição
humana.
O ponto de convergência que motiva a presente digressão pode, agora, ser delimitado de
maneira um pouco mais confortável.
Ora, avulta, à evidência, que os direitos da personalidade possuem uma intrínseca ligação
com o princípio da dignidade da pessoa humana. É de se notar que, em verdade, a temática
da dignidade da pessoa humana, donde são extraídos, em observação legal, os direitos de
personalidade, possui estreita e profícua ligação com os direitos humanos e com o Estado
Democrático.
O valor da pessoa humana é traduzido juridicamente pelo princípio constitucional
fundamental da dignidade da pessoa humana, assegurando o mínimo respeito ao ser
humano dotado de igual dignidade, sendo esse, como já denotado, inclusive, um princípio
explícito dentro de nosso ordenamento.
O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, positivado, funciona como
cláusula aberta e respalda, desta feita, o surgimento de novos direitos não expressos na
Constituição de 1988, como por exemplo: os direitos humanos, constitucionalizados por via
da dignidade da pessoa humana.
Os direitos humanos devem ser considerados como a concretização histórica do princípio da
dignidade da pessoa humana, que como dito, encontra-se positivado, hoje, na Constituição
Federal.
O elo entre o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, os direitos humanos e
os direitos de personalidade é um vínculo inquebrantável.
Por tal motivo, inclusive, mesmo havendo dissonância doutrinária, alguns doutrinadores
denotam que os direitos humanos e os direitos de personalidade são os mesmos. Os direitos
da personalidade são essenciais à pessoa humana para que se possa estabelecer o
tratamento justo e igualitário entre as pessoas. Referidos direitos tutelam a integridade e a
dignidade da pessoa humana, desse modo, compreendem a essencialidade do ser,
conformando uma noção de mínimo existencial.
Em resumo, pelo valor maior que representam, ou seja: a dignidade da pessoa humana,
temos, por inexorável, o elo entre os direitos humanos e os direitos da personalidade.
Fábio Vieira Figueiredo. Advogado, consultor e parecerista. Sócio Fundador de Cometti, Figueiredo e Santiago – Advogados associados.
Doutorando e Mestre em Direito Civil comparado pela PUCSP. Pós - graduado em direito Empresarial e Contratual. Professor concursado
da Universidade Municipal de São Caetano do Sul - USCS, da Universidade São Judas Tadeu - USJT e da Faculdade Professor Damásio de
Jesus - FDDJ. Professor dos cursos preparatórios para concursos do complexo Educacional Damásio de Jesus. Autor e coordenador de
diversas obras jurídicas.
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Fábio Vieira Figueiredo