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DINARA DE ARRUDA OLIVEIRA
DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL À LUZ DO
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UM
ENFOQUE AO ART. 170 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
MARÍLIA
2007
1
DINARA DE ARRUDA OLIVEIRA
DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL À LUZ DO PRINCÍPIO
DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UM ENFOQUE AO ART. 170
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
em Direito da Universidade de Marília, como
exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre
em Direito, sob orientação do Prof. Dr. Ruy de Jesus
Marçal Carneiro.
MARÍLIA
2007
2
Autora: Dinara de Arruda Oliveira
Título: Da ordem econômica constitucional à luz do princípio da dignidade da pessoa
humana: um enfoque ao Art. 170 da Constituição Federal
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de
Marília, área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e
Mudança Social, sob a orientação do Prof. Dr. Ruy de Jesus Marçal Carneiro.
Aprovado pela Banca Examinadora em ____/____/______
_________________________________________
Prof. Dr. Ruy de Jesus Marçal Carneiro
Orientador
__________________________________________
Prof. Dr.Flávio Luis de Oliveira
Membro
__________________________________________
Prof. Dr. Lourival José de Oliveira
Membro
3
Dedico este trabalho aos meus pais, que
sempre me auxiliaram e me incentivaram
a buscar meus sonhos. E, por terem me
propiciado a melhor educação possível.
Ao Marcelo, companheiro que conheci
nesta caminhada e, que foi antes de tudo
um amigo e incentivador; pessoa que me
auxiliou e apoiou nos momentos mais
difíceis da concretização deste trabalho.
Agradeço por seu amor, apoio,
compreensão e paciência, durante todo o
processo.
Às minhas irmãs, Danielli e Denise.
Aos amigos e a todas as pessoas que, de
alguma forma contribuíram para o
sucesso deste trabalho.
4
Agradeço, em primeiro lugar à Deus,
que me deu a vida e me possibilitou
realizar tantas coisas. À Nossa Senhora,
que com seu amor de mãe, me iluminou
nesta caminhada. Aos meus familiares, e
ao Marcelo, pelo apoio incondicional.
Agradeço a todos os professores do
Curso de Mestrado e de forma especial
ao Professor
Ruy de Jesus Marçal Carneiro, meu
orientador, que dedicou seu tempo a me
ensinar e a sanar todas as minhas
dúvidas, sempre com zelo, amizade e
muito carinho.
Agradeço, ainda, a todos os funcionários
da UNIMAR, em especial à Regina,
sempre atenciosa e muito prestativa.
Agradeço a todos os meus amigos que
me incentivaram a realizar este curso,
especialmente às amigas, Dynair e
Daniela, que muito me estimularam.
Agradeço, também, aos colegas e
amigos, conquistados no decorrer do
curso de mestrado, em especial à Ana
Carla (minha eterna companheira de
quarto) e à Thais, pela força nos
momentos finais. E, também, à
Alexandra, Junio e Douglas.
E, à Jucelma e Claudiane, que, ao
cuidarem do escritório, em todas as
minhas ausências, viabilizaram a
realização deste sonho.
5
É necessário que com força, a questão
moral, entendida como efetivo respeito à
dignidade da vida de cada homem e,
portanto, como superioridade deste
valor em relação a qualquer razão
política da organização da vida em
comum, seja resposta ao centro do
debate na doutrina e no Foro, como
única indicação idônea a impedir a
vitória de um direito sem justiça.
(Pietro Perlingieri)
6
DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL À LUZ DO PRINCÍPIO
DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UM ENFOQUE AO ART. 170
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Resumo:
O presente estudo tem como objetivo analisar a ordem econômica constitucional à luz
do princípio da dignidade da pessoa humana, enfatizando, em especial o exame do Art.
170 da Constituição Federal. Dessa forma, o trabalho analisará os princípios que
regem a ordem econômica, previstos no referido artigo, verificando que seus incisos
funcionam como limitadores da própria ordem econômica. O capítulo inicial tratar-se-á
das relações entre Estado e Economia, passando-se por uma visão histórica de ambos os
institutos, até se alcançar o conceito atualmente conhecido. Além disso, discorrer-se-á
acerca da doutrina Liberal e do Estado Democrático de Direito. No capítulo
subseqüente, tratar-se-á da Constituição como sistema, passando-se por uma análise do
conceito de sistema, bem como de suas características. Analisar-se-á, também, os
princípios, distinguindo-os de regra, que fazem parte do gênero norma, passando pelos
princípios constitucionais, bem como pela interpretação. No terceiro capítulo, discorrerse-á sobre a intervenção do Estado na ordem econômica como instrumento para o
respeito à dignidade da pessoa humana, analisando-se todas as Constituições brasileiras,
para se chegar à Constituição de 1988, ponderando-se, ai, sobre o Art. 170, em especial
acerca da dignidade da pessoa humana como fundamento inspirador da ordem
econômica constitucional. No último capítulo tratar-se-á do princípio maior que é o da
dignidade da pessoa humana, que é, na realidade um metaprincípio, concluindo-se que
o princípio da dignidade da pessoa humana funciona, efetivamente, como limitador da
ordem econômica.
.
Palavras-chave: Constituição. Ordem econômica constitucional. Intervenção. Dignidade
da pessoa humana.
7
DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL À LUZ DO PRINCÍPIO
DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UM ENFOQUE AO ART. 170
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Abstract:
It is important to the full democracy in a State that there is an economic organizarion
properly regulated that can be efective to the fundamental garanties of the human being
and this garanties are recognized by the Constitution.
The Constitution of 1988, the Economic Law, in its context gives the north to be
followed about the basic principles of economic law, trying to prime the social and
establish rules and limits to the Economic Order in order to protect the human being and
give it the opportunity of a worthy life, priming the labor, social justice, consumer
protection, enviroment, reduction of region and social differences, limitating the
property rights and asking from it a social function as the article 170 teaches. By the
reading of article 170 of the Federal Constitution it can be verified the human´s being
dignity defense is among the garanties that the Constitution wants to keep and part of
the Economic Order limits, emerging as a principle to be respected by the juridical order
of our contry such as the other principles established there.
Keywords: Constitution. Human being dignity.
8
LISTA DE ABREVIATURAS
CF – Constituição Federal
Art. – Artigo.
Arts. – Artigos.
Inc. – Inciso.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................12
1. RELAÇÃO ENTRE O ESTADO E ECONOMIA.................................................16
1.1 ASPECTOS CONCEITUAIS DO ESTADO...........................................................16
1.1.1 A concepção de Estado antes de 1500..................................................................17
1.1.2 A concepção de Estado pós 1500 e como se é concebido atualmente.................28
1.2 ELEMENTOS DO ESTADO...................................................................................53
1.2.1 Soberania................................................................................................................53
1.2.2 Povo........................................................................................................................56
1.2.3 Território................................................................................................................57
1.3 UM RESGATE NA VISÃO ECONÔMICA DA ANTIGÜIDADE........................57
1.4 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PENSAMENTO ECONÔMICO NA IDADE
MÉDIA E PERÍODO SUBSEQUENTE........................................................................60
1.5
A
DOUTRINA
LIBERAL
E
AS
ESCOLAS
DO
PENSAMENTO
ECONÔMICO.................................................................................................................68
1.6 CARACTERÍSTICAS DO INTERVENCIONISMO SOCIAL DO ESTADO.......70
1.7 A NOÇÃO DE UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO..........................72
2. A CONSTITUIÇÃO COMO SISTEMA.................................................................75
2.1 CONCEITO DE SISTEMA......................................................................................75
2.2 FUNÇÃO................................................................................................................. 79
2.3 CLASSIFICAÇÃO DE SISTEMA...........................................................................80
2.3.1 Sistema Fechado....................................................................................................81
2.3.2 Sistema Aberto.......................................................................................................82
2.4 NORMAS: REGRAS E PRINCÍPIOS......................................................................84
2.4.1 Regras....................................................................................................................87
2.4.2 Princípios...............................................................................................................89
2.4.2.1 Princípios Constitucionais...................................................................................90
2.5 INTERPRETAÇÃO..................................................................................................94
2.6 CONFLITOS ENTRE PRINCÍPIOS?.......................................................................98
2.6.1 Proporcionalidade..................................................................................................99
10
2.6.2 Interpretação conforme a Constituição.................................................................106
2.7 A CONSTITUIÇÃO COMO SISTEMA.................................................................109
2.7.1 A constitucionalização da ordem econômica......................................................112
2.7.2 Uma conceituação de ordem econômica e financeira..........................................116
2.7.3 Modelos econômicos e seus reflexos na ordem econômica e financeira.............118
2.8 MODALIDADES DE CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA......................................119
3. A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA COMO
INSTRUMENTO
PARA
O
RESPEITO
À
DIGNIDADE
DA
PESSOA
HUMANA.....................................................................................................................123
3.1 INTERVENÇÃO ESTATAL NA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA: BREVE
ANÁLISE DAS CONSTITUIÇÕES QUE PRECEDERAM A ATUAL.....................128
3.2 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988..................................................138
3.2.1 Os objetivos e fundamentos formadores da ordem econômica na Constituição da
República de 1988.........................................................................................................144
3.2.2 A intervenção na ordem econômica: análise do art. 170 da Constituição da
República.......................................................................................................................145
3.2.2.1 A dignidade da pessoa humana como fundamento inspirador da ordem
econômica constitucional..............................................................................................145
3.2.2.2 A valorização do trabalho humano...................................................................146
3.2.2.3 A livre iniciativa................................................................................................147
3.2.2.4 A Justiça social................................................................................................ 149
3.2.2.5 A soberania nacional.........................................................................................151
3.2.2.6 A propriedade privada.......................................................................................152
3.2.2.7 A função social da propriedade.........................................................................153
3.2.2.8 A livre concorrência......................................................................................... 155
3.2.2.9 A defesa do consumidor....................................................................................156
3.2.2.10 A defesa do meio ambiente.............................................................................159
3.2.2.11 A redução das desigualdades regionais e sociais.............................................160
3.2.1.12 A busca do pleno emprego..............................................................................161
3.2.2.13 O tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de
pequeno porte...............................................................................................................162
11
4.
O
PRINCÍPIO
DA
DIGNIDADE
DA
PESSOA
HUMANA
COMO
LIMITADOR DA ORDEM ECONÔMICA.............................................................164
4.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA................................................................164
4.1.1 Retrospectiva histórica.........................................................................................165
4.1.2 Conceito................................................................................................................174
4.1.3 Da dignidade da pessoa humana: tratados internacionais....................................180
4.2
DIGNIDADE
DA
PESSOA
HUMANA
COMO
FUNDAMENTO
DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO.......................................................................................................................191
6.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO LIMITADOR DA
ORDEM ECONÔMICA................................................................................................195
CONCLUSÃO..............................................................................................................201
BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................207
12
INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem por objetivo defender o princípio da dignidade da
pessoa humana como um limitador de toda a Ordem Econômica, sendo tal fato
evidenciado em sua validade universal.
Parte-se, para tanto, de uma análise do Estado, verificando-se, inicialmente, a
formação dele próprio, com seu desenvolvimento no decorrer dos tempos. Demonstrase, ainda, que a evolução possibilitou a formação de modelos estatais voltados para o
social; para a garantia dos direitos individuais e coletivos, visando à dignidade de todos
os seres humanos.
Importante ressaltar, desde logo, que foi feito ao presente estudo, um corte
metodológico, para tratar, de forma mais apurada, de um dos princípios da ordem
econômica constitucional, que é o princípio da dignidade da pessoa humana, buscando
retratar alguns aspectos do referido princípio, em especial sua inclusão como
fundamento da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito,
bem como no tocante a sua incorporação como referência dentro da Ordem Econômica
constitucional, servindo, portanto, de parâmetro para a mesma.
A presente temática, Da ordem econômica constitucional à luz do princípio da
dignidade humana:um enfoque ao Art. 170 da Constituição Federal, representa uma
importante linha de pesquisa cuja segmentação repousa nos limites doutrinários
constitucionais, inseridos no ordenamento jurídico brasileiro. Tentar-se-á entender, por
meio do trabalho proposto, se o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser
considerado como um instrumento garantidor da intervenção econômica do Estado,
identificando, para tanto, as características intervencionistas da ordem econômica estatal
no âmbito em que se consideram as características do princípio mencionado. O método
utilizado foi o dedutivo, com utilização de pesquisa bibliográfica.
O móvel do trabalho encontra suas raízes na disciplina jurídica que estabelece a
dignidade da pessoa humana como um dos princípios da ordem econômica do Estado
brasileiro na Constituição da República de 1988, mais precisamente no Art. 170.
13
Além do Art. 170, verificar-se-á que a dignidade da pessoa humana encontra
suporte em todo o Texto constitucional, sendo, inclusive, fundamento da própria
República Federativa do Brasil. Além disso, pode-se considerar o princípio da
dignidade da pessoa humana, como um metaprincípio; estes como modais deônticos,
dentro da Constituição Federal.
Acontece que a temática têm despertado certas indagações, principalmente no
que tange à elucidação dos mecanismos constitucionais que servem para assegurar a
intervenção do Estado na Economia, de forma primordial para garantir a dignidade da
pessoa humana. Nisso observa-se um necessário esclarecimento doutrinário de tais
características.
A par da supramencionada indagação sustenta-se ainda que o Texto
Constitucional esteja municiado de mecanismos geradores de efetividade que permitem
ao ente estatal intervir nas relações econômicas, visando a aplicação dos princípios
formadores da ordem econômica, em especial, do princípio da dignidade da pessoa
humana.
Dessa forma, sustenta-se que a presente linha de pesquisa estabelece uma
incontestável envergadura doutrinária por associar na temática constitucional às raízes
das normas infraconstitucionais, como uma notável previsão legislativa que possibilita
ao Estado brasileiro a prerrogativa de intervir na ordem econômica assegurando a
harmonia nas relações sociais.
Para
responder
às
indagações
formuladas,
o
presente
trabalho
irá,
primeiramente, procurar estabelecer as relações existentes entre o Estado e a Economia,
analisando os aspectos conceituais do Estado; vislumbrando a influência histórica na
construção de seu conceito (desde tempos imemorias, passando-se por sua concepção
antes e pós 1500). Analisa-se, também, os elementos do Estado (soberania, povo e
território), para melhor entendimento da temática proposta.
Faz-se um resgate na visão econômica da Antigüidade, procurando demonstrar
as idéias e perspectivas da época, fazendo-se um apanhado geral, acerca dos sistemas
14
econômicos, situando-os na História. Passa-se, então, à análise do pensamento
econômico da Idade Média, levantando-se as questões religiosas existentes à época, em
face do domínio da Igreja Católica, que impunha seu pensamento em todas as áreas,
inclusive na Economia.
Traçando alguns aspectos da doutrina Liberal, procura-se vislumbrar o princípio
da livre iniciativa, ainda existente no ordenamento jurídico brasileiro, amparado pela
Constituição Federal, o qual é, nos dias atuais, balizado, por outros princípios previstos
na Lei Maior, destacando-se o principal, que é o da dignidade da pessoa humana.
Apresenta, ainda, as características do intervencionismo social, para finalmente chegar a
uma noção do Estado Democrático e Social de Direito.
Como não podia deixar de ser, faz-se uma pequena incursão pela noção de
sistema, apresentando-se uma conceituação, além de delimitar sua função e, ainda,
trazer a classificação em sistema aberto e fechado.
O presente trabalho, também,
detém-se no estudo da interpretação constitucional, analisando o conflito entre
princípios, bem como, a aplicação do princípio da proporcionalidade e a interpretação
conforme a Constituição, encerrando referido tópico, com a verificação da Constituição
como um sistema.
Apresenta-se a constitucionalização da ordem econômica, delimitando suas
espécies, bem como, analisando as modalidades de Constituição econômica, além de
seus elementos formadores.
Para que a hipótese seja comprovada, faz-se uma incursão na intervenção
do Estado na Ordem Econômica, por intermédio de seus aspectos gerais e de um
retrospecto histórico, analisando-se todas as Constituições brasileiras, desde a Carta
Constitucional de 1824 à Carta de 1967, além da Emenda Constitucional nº1/69.
Registre-se, por importante, que a expressão “Carta” aqui retratada é aquele documento
máximo que é imposto a uma sociedade pela vontade de um tirano, imperador, ditador
etc., posto que entre a primeira e a última citadas aparecem as Constituições
verdadeiramente consagradas pela população nacional por meio da eleição dos seus
representantes soberanos, que se reuniam em nome daquela, constituindo as
Assembléias Nacionais Constituintes, como, por exemplo: a de 1891, 1934 e 1946, com
15
exceção, naturalmente, da de 1937, a Carta de Vargas, no âmbito do Estado Novo, por
ele alcunhado.
Além disso, faz-se um estudo da atual Constituição da República Federativa do
Brasil, promulgada em outubro de 1988, analisando-se de maneira mais específica o
Art. 170, que se encontra inserido no Título VII, que traz o norte a ser seguido, em
relação aos princípios básicos do direito econômico. Outrossim, apresenta seus
objetivos, fundamentos e princípios. Verifica-se, ainda, se a dignidade da pessoa
humana é fundamento inspirador da ordem econômica, tornando-se vetor primordial da
mesma, bem como de todo o ordenamento jurídico.
Para que se constate a plenitude da Democracia em um Estado, faz-se necessário
a existência de uma organização econômica, devidamente regulamentada, que possa dar
efetividade às garantias fundamentais do ser humano, garantias estas reconhecidas pela
própria Constituição. Em face disso, o Poder Constituinte de 1988 incorporou a Ordem
Econômica como preceito a ser regido pela Lei Maior, introduzindo-a em capítulo
próprio. E, da mesma forma, incorporou a dignidade da pessoa humana, como elemento
fundante de toda a ordem jurídica nacional.
A dignidade da pessoa humana é retratada de forma a se verificar e efetuar,
inicialmente, um retrospecto histórico, passando pelos tratados internacionais, para que
se delimite seu conceito. Passa-se a averiguar, ainda, a dignidade da pessoa humana
como fundamento da própria República Federativa do Brasil, analisando-se a
Constituição como um todo.
Por fim, investiga-se a principal hipótese levantada, para se analisar, a fundo, se
o princípio da dignidade da pessoa humana realmente funciona como limitador da
Ordem Econômica brasileira.
16
1. RELAÇÕES ENTRE O ESTADO E ECONOMIA
Inicia-se o primeiro capítulo do presente trabalho tratando das relações
existentes entre o Estado e a Economia, para que se dê embasamento teórico ao tema
proposto no trabalho, qual seja, de demonstrar por um enfoque ao Art. 170 da
Constituição Federal que o princípio da dignidade da pessoa humana deve funcionar
como limitador da ordem econômica.
Tal fato torna-se imprescindível em decorrência da necessidade de um aporte
acerca do conceito de Estado, bem como dos sistemas econômicos e a relação existente
entre ambos, para que se verifique se o modelo de Estado existente no Brasil suporta, de
forma satisfatória, a meta de se obter a plenitude da dignidade da pessoa humana. Mas,
para isso, faz-se necessária uma incursão na História da humanidade, até os dias atuais,
em face de que, o momento em que hoje se encontra o Brasil, é resultado de um
construído de conceitos, idéias e valores, trazidos do seio da sociedade e que foram
adquiridos no decorrer de sua história.
1.1 ASPECTOS CONCEITUAIS DO ESTADO
Para que se possa dar a conceituação de Estado, importante se faz que se apresente
a concepção deste antes de 1500 (que marca o fim da Idade Média, também conhecida
com Idade das Trevas), bem como sua concepção após aquele ano, chegando-se,
posteriormente ao seu entendimento atual, já que:
O Estado não existiu eternamente. Houve sociedades que passaram sem ele,
que não tinham a menor idéia do Estado ou de seu poder. Num determinado
estágio de desenvolvimento econômico que estava necessariamente ligado à
divisão da sociedade em classes, o Estado, em virtude dessa divisão, tornouse uma necessidade. 1
1
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado, Trad.: Ciro
Mioranza, São Paulo: Escala, 2006, p.185.
17
Passa-se, portanto à construção histórica, bem como à análise, do conceito de Estado,
apresentando-se alguns filósofos que contribuíram para a formação da concepção que se
conhece hoje. Importante frisar, todavia, que não se pretende trazer, neste trabalho todos os
filósofos conhecidos da humanidade, mas apenas e tão somente ilustrar o caminhar da
História, por intermédio do pensamento de alguns filósofos, até a formação do que se entende,
atualmente, como Estado. Ressalta-se, também, que não se esgotará, neste todas as
informações e características da cada filósofo apresentado, o que resultaria, por si só, em um
novo trabalho, pincelando, somente, alguns pontos importantes para o desenvolvimento deste,
em face do corte metodológico eleito.
Apresentar-se-á, também, o pensamento de juristas, os quais ajudaram a moldar o
conceito de Estado, bem como definiram suas funções e elementos.
1.1.1
A Concepção do Estado antes de 1500
A concepção do Estado antes do término da Idade Média e início do período das
navegações e das grandes conquistas (em especial para Portugal e Espanha), não deve ser
vislumbrada apenas na era cristã, devendo-se, de outra forma, ser analisada em face dos
grandes filósofos e pensadores da Antiguidade, em especial dos pensadores gregos. E, um dos
grandes representantes dessa época é Sócrates (por volta de 470/69-399 a.C.), que já tinha
uma concepção a respeito do Estado. Percebe-se que, na época ora tratada, o conceito de
Estado se confunde, na maioria das vezes, como o de governo e, vice-versa. Aliás, foi a
filosofia grega que trouxe uma teoria racional de Estado, tendo sido os gregos os primeiros
cultivadores desse pensamento. 2
Friedrich Engels, na obra “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”,
remonta a tempos pré-históricos da civilização, para explicar, em primeiro lugar, como se
originou a família e, como dela surgiu o Estado. Passa pelo estado selvagem, pela barbárie e,
posteriormente, pelo início da civilização, para demonstrar o desenvolvimento e
aprimoramento humano, em todos os aspectos, inclusive nas ligações afetivas. Faz um
retrospecto histórico, passando por várias fases da evolução da humanidade, referente ao
2
CASSIRER, Ernst. El mito del Estado. Coleción popular 90, Trad.: Eduardo Nicol, 2. ed., Mexico: Fondo de
Cultura Económica, 1968, p. 64.
18
desenvolvimento e avanço da “família”, até chegar à gens grega e, posteriormente, à gênese
do Estado Ateniense, apontando que:
Nos tempos pré-históricos já os gregos e outros povos de tribos aparentadas,
estavam constituídas em séries orgânicas idênticas à dos índios americanos: gens,
fatria, tribo, confederação de tribos.
[...] Em resumo, a riqueza passou a ser valorizada e respeitada como bem supremo
e as antigas instituições da gens foram pervertidas para justificar a obtenção de
riquezas pelo roubo e pela violência. Só faltava uma coisa: uma instituição que não
só protegesse as novas riquezas individuais contra as tradições comunistas de
constituição gentílica, que não só consagrasse a propriedade privada, antes tão
pouco estimada, e declarasse essa consagração como a finalidade mais elevada da
comunidade humana, mas também imprimisse o selo do reconhecimento da
sociedade às novas formas de aquisição da propriedade, que se desenvolviam umas
sobre as outras e, portanto, a acumulação cada vez mais acelerada das riquezas;
uma instituição que não só perpetuasse a nascente divisão da sociedade em classes,
mas também o direito de a classe possuidora explorar aquela que pouco ou nada
possuía e a dominação da primeira sobre a segunda.
E essa instituição nasceu. Foi inventado o Estado.
Em nenhum lugar melhor que na antiga Atenas, pode-se observar como o Estado se
desenvolveu, pelo menos na primeira fase de sua evolução [...]3 (grifo do autor).
Sócrates, apesar do governo de Atenas ter sido uma das primeiras democracias
conhecidas no mundo, não a reconhecia como a melhor forma de governo, já que entendia que
o Estado estaria melhor se fosse governado apenas por uma pessoa, que deveria ser sábia, já
que este filósofo denominava governante, como “aquele que sabe”. Importante frisar também,
que, para ele, só se poderia dizer o que é lícito, se soubesse o que é justo, já que, como citado
por Platão, na obra “A República”, ele assim se manifesta: “Adiemos então, a discussão a
respeito do que é lícito dizer sobre os homens, até que tenhamos concluído o que é a Justiça,
se é útil a quem a pratica, quer este pareça justo, quer não.” 4
Com relação, ao Estado, faz-se necessária a transcrição de um trecho da Obra “A
República de Platão”, onde Adiamanto, discípulo de Sócrates, em uma discussão com este,
afirma que: Sem nenhuma dúvida, o desprezo das leis insinua-se aí de maneira tão fácil que as
pessoas acabam não se dando conta. Sócrates, em contrapartida, concorda com seu aluno,
tendo, ainda, acrescentado que o desrespeito se dá na forma de jogos, como se tal fato não
ocasionasse nenhum mal. Adiamanto, ato contínuo, concordou com as palavras de seu mestre,
tendo afirmado:
3
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado, Trad.: Ciro Mioranza, São
Paulo: Escala, 2006, p.107/117.
4
SÓCRATES, apud PLATÃO. A República de Platão. Trad.: Ana Paula Pessoa, São Paulo: Sapienza, 2005, p.
97.
19
A princípio, não faz senão introduzir-se pouco a pouco e infiltrar-se suavemente
nos usos e costumes, daí, sai mais forte e passa às relações sociais; em seguida, das
relações sociais marcha sobre as leis e as constituições com muita insolência,
Sócrates, até que finalmente, haja consumado a ruína total dos cidadãos e do
Estado.
[...] Sócrates: Eu não creio que, numa cidade mal ou bem governada, o verdadeiro
legislador devesse se preocupar com este tipo de leis: no primeiro caso, porque são
inúteis e de nenhum efeito; no segundo, porque qualquer pessoa descobrirá uma
parte e a outra derivará das instituições já estabelecidas.
[...] A moderação não atua assim: espalhada no conjunto do Estado, põe em
uníssono da oitava os mais fracos, os mais fortes e os intermédios, sob a relação da
sabedoria, se quiseres, da força, se também quiseres, do número, das riquezas ou de
qualquer outra coisa semelhante.5 (grifo do autor).
Sócrates entendia que existiam tantas formas de governo, quanto havia espécies de
almas, já que, dentre elas, se entre os magistrados há um homem que se sobrepõe aos outros,
esta forma é chamada de Monarquia; e, se de outra forma, a autoridade é compartilhada por
vários homens, chama-se de Aristocracia. Todavia, afirmava este filósofo que havia uma
única espécie de constituição, tendo em vista que quer o mando esteja nas mãos de um só
homem, quer nas de vários, isto não altera, em regra, as leis fundamentais da cidade.
Veja-se, a preocupação de Sócrates e, de seu discípulo com o desprezo das leis, já
naquela época, tendo em vista que a norma, em seu entendimento, se não for obedecida acaba
por causar a ruína dos homens e do próprio Estado. E, que somente com a educação seria
possível a total obediência às leis, tornando-as efetivas.
Ainda, seguindo os ensinamentos de Sócrates, tem-se, acerca da forma de governo,
que:
Reputo, pois, uma tal forma de governo boa e correta, tanto para a cidade como
para o homem, e julgo as outras más e defeituosas, se aquela for correta, quer
objetivem a administração das cidades, quer a organização do caráter no indivíduo.
Estas formas de governo são representativas de quatro modalidades de vícios.
[...] Em minha opinião, aquele que mata alguém acidentalmente comete um crime
menor do que aquele que induz alguém a erro a respeito de belas, boas e justas leis.
Além do mais, é preferível correr esse risco entre inimigos do que entre amigo!6
Sócrates demonstra, na seqüência, a sua inclinação, no sentido de que o governo deve
ficar a cargo daqueles que possuem, não só conhecimento, como também a experiência,
obtida empiricamente, em detrimento daqueles que se limitam apenas à especulação.
5
SÓCRATES, apud PLATÃO. A República de Platão. Trad.: Ana Paula Pessoa, São Paulo: Sapienza, 2005, p.
139.
6
Idem, p. 173.
20
Sócrates entendia que na Democracia, o povo era a classe mais numerosa e a mais
poderosa, quando unida. E, o povo tem o costume de por à sua frente um homem, cujo poder
alimenta e engrandece. Surge, portanto, o tirano, cuja raiz se encontra no protetor, como um
lobo que, na pelo de um cordeiro, simula-se preocupado com os que se encontram a sua volta
e, “[...] nos primeiros dias, sorri e acolhe bem todos os que encontra, declara que não é um
tirano, promete muito em particular e em público, adia dívidas, distribui terras pelo povo e
pelos seus prediletos e finge ser bom e amável para com todos.”
7
Todavia, após se sentir
tranqüilo e confiante, incita a guerra, para que o povo tenha necessidade de um chefe.
Os ensinamentos deixados por Sócrates são inúmeros, todavia não há como, neste
estudo, esgotar referidos ensinamentos, até porque não é este o objeto desta pesquisa.
Dando seqüência, ao estudo do Estado, em face dos pensamentos filosóficos da
História, tem-se o sucessor e, discípulo, de Sócrates, Platão (aproximadamente 428/7-348/7
a.C.), sendo que, como seu grande mestre, também questionava a República e, pregava que o
sábio deveria governar, pois entendia que a Justiça depende do saber. Na sua obra “A
República”, ele expõe suas idéias políticas, bem como as filosóficas, além de outros
conceitos, como Justiça, trazendo a tona os ensinamentos de seu grande mestre, o qual teve
suas obras compiladas pelo próprio Platão.
Platão, assim como seu mestre, pregava a Justiça, entendendo que esta pertencia à
classe dos maiores bens, devendo ser perquiridos não só pelas suas conseqüências, mas, de
forma mais incisiva, por eles mesmos.
Platão iniciou seus estudos da ordem social com uma definição e uma análise do
conceito de justiça. O Estado não tem outro fim, ou um fim mais elevado, do que
ser administrador da justiça. Mas, na linguagem de Platão, o termo justiça não
significa o mesmo que na linguagem comum. Tem um significado muito mais
profundo. [...] É um princípio geral de ordem, regularidade, unidade e legalidade.8
7
SÓCRATES, apud PLATÃO. A República de Platão. Trad.: Ana Paula Pessoa, São Paulo: Sapienza, 2005 , p.
324/327.
8
CASSIRER, Ernst. El mito del Estado. Coleción popular 90, trad.: Eduardo Nicol, 2. ed., Mexico: Fondo de
Cultura Económica, 1968, p. 82. (tradução nossa). Platón inició su estudio del orden social com una definición y
un análisis del concepto de justicia. El estado no tiene otro fin, o un fin más alto, que el de ser administrador de
la justicia. Pero en el lenguaje de Platón ele término justicia no significa lo mismo que en el habra común. Tiene
una significación mucho más profunda y compreensiva. [...] Es un princípio general de orden, regularidad,
unidad y legalidad.
21
Além disso, Platão buscava não um Estado melhor (diferentemente de outros
filósofos), mas sim um Estado ideal, o qual estaria embasado nos princípios de Justiça. Até
porque, para ele, o Estado teria por finalidade a obtenção da justiça. E, Platão não podia
substituir simplesmente um sistema político ou forma de governo por outro novo e melhor.
Necessitava, desse modo, introduzir um novo modelo e um novo postulado ao pensamento
político. Platão entendia, assim, que os governantes deveriam governar de forma a perseguir
a justiça, utilizando-a como mola propulsora para a construção do Estado.
Ernst Cassirer lembra que, Platão, em sua juventude, pretendia fazer parte da estrutura
do Estado ateniense, tendo, todavia, abandonado tal pretensão quando se tornou discípulo de
Sócrates, passando a ser um estudioso voraz da dialética. Mas, foi a própria dialética que o
levou novamente à Política, pois Platão percebeu que o conhecimento que Sócrates exigia não
se podia conseguir enquanto o homem permanecesse cego acerca da questão principal e
enquanto não penetrasse efetivamente no alcance da vida política, pois a alma do indivíduo
está sujeita à natureza social, não tendo como separar uma da outra. Sendo interdependentes,
se a vida pública é corrupta, a vida privada não tem como se desenvolver e nem alcançar seus
fins. Platão, em sua obra “República” inseriu uma descrição dos perigos aos quais se expõe
um indivíduo dentro de um Estado injusto e corrompido. Ainda, Ernst Cassirer, ao pinçar
trechos da “República” traz que:
Sabemos que toda semente ou toda coisa que cresça, seja animal ou planta, quando
não encontra alimento, ou clima, ou terreno apropriados, sofre tanto mais por estas
privações quanto mais vigorosas sejam. O mal é pior inimigo dos bons do que dos
maus. [...] O mesmo ocorre, pois, com essa natureza que temos assinalado ao
filósofo, o qual, quando recebe a educação apropriada, chega necessariamente a
produzir todos os frutos da virtude, porém se, pelo contrário, a planta é semeada e
cresce em terra ruim, então produz, necessariamente, todos os vícios, a menos que
seja salva pela intervenção divina. Esta foi a idéia fundamental que conduziu
Platão, desde seus primeiros estudos da dialética, ao estudo da política. Não
podemos proceder a uma reforma da filosofia sem nos empenharmos em reformar o
Estado. Se desejarmos trocar a vida ética dos homens, este é o único caminho. O
primeiro problema é o mais urgente, que é encontrar a verdadeira ordem política. 9
9
CASSIRER, Ernst. El mito del Estado. Coleción popular 90, trad.: Eduardo Nicol, 2. ed., Mexico: Fondo de
Cultura Económica, 1968, p. 75-76 (tradução nossa). Sabemos que toda simiente o toda cosa que crezça sea
animal o planta, cuando no encuentra alimento, o clima, o terreno apropiados, sufre tanto más por esta
privaciones cuanto más vigorosa sea. El mal es peor enemigo de los buenos que de los no buenos. [...] Lo mismo
ocurre, pues, con esa naturaleza que le hemos asignado al filósofo, el cual, cuando recibe la enseñanza
apropiada, llega necesariamente a producir todos los frutos de virtud, pero si, por el contrario, la planta se
siembra y arraiga y crece en mala tierra, entonces, produce necessariamente todos los vícios, a menos que la
salve la intervención de los dioces. Esta fué la idea fundamental que condujo a Platón, desde sus primeros
estudios de dialéctica, al studio de la política. No podemos proceder a una reforma de la filosofia si no
empezamos reformando el estado... Si deseamos cambiar la vida ética de los hombres, este es el único camino.
El primer problema y el más urgente es encontrar el verdadero orden político.
22
É perceptível que Platão preocupa-se com a necessidade de conjugação da ética com o
próprio Estado, entendendo que tudo passa pelo Estado, sendo que se este contiver vícios vai
viciar todo o resto. Verifica-se, pois, a importância do Estado para a construção de uma
sociedade mais justa e, portanto, com mais dignidade.
Ao concluir o pensamento de Platão, Ernst Cassirer aponta que, para aquele filósofo, a
manutenção do Estado não pode assegurar seu êxito material, nem pode de outra forma,
garantir a sustentação de certas leis, sendo que, ainda, as leis (escritas ou não) precisam estar
arraigadas na mente do povo, para que possam vincular, já que sem esse apoio popular e,
moral, a força do próprio Estado pode ficar em perigo.
Na seqüência, tem-se Aristóteles (aproximadamente 384-322 a.C.), outro grande
filósofo grego, cujos pensamentos sempre estiveram muito voltados para com a Ética, sendo o
autor de “Ética a Nicômaco” (onde trata dos tipos de busca da felicidade pelo homem) e
“Política”, entre outros textos. Para o mesmo, a Ciência Política deveria estar embasada na
prática, devendo esta prática ser realizada com ética, já que, para ele, o homem bom é aquele
que está bem preparado para governar, pois “[...] o bom governante é um homem bom e
sensato, e que aquele que quiser ser um estadista deverá ser um homem sensato.” 10
Dentro da obra “Política”, Aristóteles discorre acerca do que a Ciência Política deveria
estudar, conforme trazido por Mendo Castro Henriques, em introdução e comentário à
referida obra:
I. A ciência política deveria estudar (1) o Estado ideal, (2) aquelas Cidades que
podem ser melhores obtidas sob circunstâncias especiais, e até mesmo (3) aquelas
que são essencialmente ruins. O estadista deve, algumas vezes, ser capaz de tirar o
melhor de uma constituição ruim.11
Veja-se a preocupação, que sempre foi constante, da necessidade de um Estado
voltado para a busca de um ideal, de um Estado voltado para as necessidades da sociedade
que o formam, o que demonstra desde cedo, a preocupação social, na qual se encontra
presente a própria dignidade da pessoa humana, já que impossível conseguir a efetividade do
bem comum sem se preocupar com a dignidade do indivíduo.
10
ARISTÓTES, Política. trad.: Pedro Constantin Toles, São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 118.
HENRIQUES, Mendo Castro. Introdução Aristóteles, in ARISTÓTES, Política. trad.: Pedro Constantin Toles,
São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 41.
11
23
Aristóteles trata de um Estado ideal, no qual “[...] a idéia de um Estado constitucional
implica que seus cidadãos são considerados iguais por natureza. Não obstante é preciso
distinguir os que comandam de seus comandados [...]”
12
E, além disso, para este filósofo, o
melhor regime político seria aquele em que o grupo governante mostrasse a excelência
humana, em especial, as virtudes éticas, tendo em vista que o homem atinge a real felicidade,
por intermédio da virtude, sendo que referidas virtudes só poderão ser realizadas na esfera da
sociedade política. Assim, o Estado deve se preocupar com a virtude e, conseqüentemente,
com a felicidade de cada indivíduo. E, para a felicidade plena, o indivíduo tem que ter
garantida a plenitude de sua dignidade. Lembrando-se que havia à época distinção entre
homem livre e escravo, entre homem e mulher etc., sendo considerados cidadãos apenas uma
pequena parcela da sociedade, portanto, apenas essa pequena parcela possuía direitos e,
podendo, assim, galgar a plenitude de sua dignidade.
O método utilizado por Aristóteles é empírico, baseado, portanto, na experiência. Na
obra “Política”, o que se propõe “[...] é oferecer uma análise descritiva das várias formas de
Constituição. Mas, precisamente porque é um observador empírico, encontra que é impossível
negar a fundamental desigualdade entre os homens.”
13
Para este filósofo, os homens são desiguais, tanto em caráter, quanto em seus dons
naturais, do qual se verifica a necessidade da escravatura, pois segundo Aristóteles, nem todos
os homens de uma sociedade são considerados cidadãos, não fazendo parte, portanto, de
forma efetiva, da sociedade da época, determinando-se a existência, para ele, de escravos
natos, em face de que “[...] um cidadão é definido como aqueles cujos pais são cidadãos;” 14 e
somente os cidadãos poderão ser considerados como iguais. Havendo escravos natos, pode-se
dizer que há muitos homens incapazes de governarem a si mesmos, não podendo, portanto,
serem membros do Estado. Carecem, pois, de direitos e responsabilidades próprias e devem
estar, sempre, ao comando de seus superiores. Para Aristóteles, a abolição da escravatura não
é um ideal político e ético, mas uma mera ilusão, sendo que acreditava que os homens não são
naturalmente iguais, mas que uns nascem para a escravidão e outros para a dominação,
12
ARISTÓTES, Política. trad.: Pedro Constantin Toles, São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 74.
CASSIRER, Ernst. El mito del Estado. Coleción popular 90, trad.: Eduardo Nicol, 2. ed., Mexico: Fondo de
Cultura Económica, 1968, p. 119. (tradução nossa). [...] es ofrecer un análisis descriptivo de la varias formas de
constitución. Pero, precisamene porque es un observador empírico, encuentra que es impossible negar la
fundamental desigualdad entre los hombres.13 (grifo do autor).
14
ARISTÓTES, Política. Trad.: Pedro Constantin Toles, São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 115.
13
24
verificando-se, portanto, a importância de se ter governantes éticos e preocupados com o bem
comum.
Sete séculos mais tarde, Santo Agostinho retoma o pensamento de Platão. A cultura
medieval, todavia, não foi o resultado imediato do pensamento grego. Com o nascimento do
Cristianismo surgiu uma força superior que, a partir de então, absorveu todo o interesse
prático e teórico. O Estado ideal de Platão estaria além do tempo e do espaço; não teria,
assim, um aqui e agora. As idéias do filósofo grego, na doutrina de Santo Agostinho, passam
a ter pensamentos de Deus, sendo que em conformidade com essa transformação, todos os
conceitos da filosofia grega teriam que passar por uma mudança radical. Com essa
metamorfose, nem sequer o Estado ideal, descrito por Platão, seria um porto seguro para
Santo Agostinho, já que o Estado, ainda que perfeito não tem como satisfazer os desejos
humanos, posto que o único repouso verdadeiro, para o ser humano, é o repouso em Deus.
Ainda sobre a Idade Média, pode-se dizer que a República de Platão foi considerada
sempre como uma utopia política, ainda que fosse o modelo clássico de pensamento político,
já que tinha pouco ou nada a ver com a vida política; a vida real. Todavia, averiguando-se a
vida pública e social da Idade Média, essa idéia teria que ser abandonada, tendo em vista que
o pensamento de Platão do Estado legal mostrou-se, nesse período, possuir uma força real e
ativa, a qual influenciou tanto os pensamentos dos homens, como suas ações. A idéia de que o
foco principal do Estado é a Justiça foi incorporada pela teoria política medieval, tendo sido
aceita por todos os pensadores da época, tendo penetrado em todas as formas da civilização da
Idade Média. Platão, tendo sido citado por Santo Agostinho, afirmava que a Justiça é o
fundamento do Direito e da sociedade organizada, sendo que onde não há Justiça não há
comunidade. E, para haver plenitude da Justiça, necessário se faz a promoção do bem estar
social, e, conseqüentemente, garantir-se a dignidade da pessoa humana.
Apesar desse ponto de toque entre a Teoria Medieval e a Clássica, há da mesma
forma, diferenças substanciais, não somente em um viés teórico, mas também, com
conseqüências práticas. Em conformidade com os princípios basilares, o período medieval
não podia conceber uma Justiça abstrata e impessoal, já que na religião monoteísta
(lembrando que a Igreja Católica dominava à época) a lei tem que sempre se referir a uma
fonte pessoal e sem um legislador não pode haver nenhuma lei. E, em face da Justiça não
poder ser considerada algo puramente convencional; acidental, o legislador tinha que estar
25
acima de toda a força humana. A vontade que se manifesta na Justiça é uma vontade sobrehumana. Ora, a idéia de bem de Platão não requeria nenhuma autoridade sobre-humana, pois
para esse filósofo cada idéia existe e subsiste por ela mesma, tendo uma validez objetiva e
subjetiva. Esse princípio, todavia, não podia ser aceito por Santo Agostinho ou pelos dogmas
da época, porque para aplicar as idéias de Platão fazia-se necessário converte-las aos
pensamentos de Deus, redefinindo-as e adequando-as, portanto. Tudo deve submeter-se a um
poder mais alto, sendo que no pensamento cristão só existe a lei divina, devendo as pessoas, a
natureza e todas as leis humanas curvarem-se diante dela. Não podendo ser diferente com o
próprio Estado, que deveria, também, se curvar às leis de Deus. Esse reflexo ocasionou uma
procura, ainda que tímida, pela dignidade da pessoa humana, posto ser o homem, filho de
Deus, criado à semelhança d’Ele, motivo pelo qual, deveria se resguardar a dignidade do
homem.
Santo Agostinho, em uma de suas obras, afirmou que Deus fez o homem senhor dos
animais, mas não senhor de outros homens, não lhe dando poderes sobre as almas humanas.
Assim, pode-se concluir que a autoridade política não pode jamais ser absoluta, estando
sempre subordinada às leis da Justiça. E, essas leis são sempre invioláveis e irrevogáveis, pois
exprimem a vontade do legislador supremo (Deus). No pensamento medieval nem mesmo os
reis estavam isentos de se submeter a essa lei, sendo que o princípio divino dos reis estava
sempre submetido a certas limitações fundamentais.15 E, um dos limites que se destaca é a
própria dignidade da pessoa humana, já que o pensamento da Igreja estava voltado, de alguma
forma, para o ser humano, por este ser filho de Deus, possuindo, portanto, uma parcela do
divino e, o divino deveria sempre prevalecer sobre o mundano; sobre o mundo terreno. Assim,
a Igreja impedia que atrocidades fossem cometidas pelos soberanos contra os homens
comuns, limitando, assim, a própria soberania.
Sete séculos após Santo Agostinho, Gregório VII continuava repetindo a mesma tese.
Salientava que o Estado era obra do diabo, sendo, portanto, pecado. De qualquer forma, até
essa teoria radical deveria fazer algumas concessões ao Estado terreno. Deveria reconhecer
que a ordem política possui, ao menos, um valor condicional (já que exerce, ainda que de
forma limitada, uma função indispensável). É certo que não tem a capacidade de levar até o
15
CASSIRER, Ernst. El mito del Estado. Coleción popular 90, trad.: Eduardo Nicol, 2. ed., Mexico: Fondo de
Cultura Económica, 1968, p. 125.
26
caminho verdadeiro, mas evita que os homens padeçam de algo pior: a anarquia. O problema
do Estado encontra-se arraigado como o pecado original, sendo profundo e incurável, todavia
não é algo absoluto, mas relativo. Ao comparar o Estado com a suprema e absoluta verdade
religiosa, verifica-se que o primeiro está muito abaixo da referida vontade religiosa (que
pretende representar a vontade de Deus), todavia verifica-se a sua necessidade em face dos
homens, os quais se não fosse o Estado estariam no mais completo caos. Em um mundo
corrompido e desorganizado, o Estado terreno é o único modo de se tentar manter o
equilíbrio.
São Tomás de Aquino jamais duvidou dos dogmas e ensinamentos da Igreja Católica,
entretanto encontrou um novo mestre e uma nova autoridade. Para ele, assim como para
Dante, Aristóteles era o mestre do conhecimento. E, São Tomás de Aquino desejava não
somente acreditar, mas, da mesma forma, conhecer. Para ele, não há contradição entre esses
dois desejos, sendo que além de compatíveis, um complementa o outro, já que a razão e a
revelação são duas expressões distintas da mesma verdade, a verdade de Deus, não havendo,
entre elas, desacordo algum. Não cabe confusão alguma entre o reino da natureza e o divino;
tendo cada um seus próprios objetos e direitos. Alberto Magno elaborou sua própria teoria
acerca da natureza, tendo São Tomás de Aquino seguido os mesmos passos, entendendo que
Deus é o criador de todas as coisas, sendo que se deve sempre referir a Ele como causa
primeira e principal. 16
O mundo moral tem o mesmo tipo de estrutura do mundo físico. Deus não só é o
criador do mundo físico, como também é o legislador; a origem da lei moral. Como seguidor
de Aristóteles, São Tomás de Aquino teria que derivar a ordem social de um princípio
empírico e não transcendental, no sentido de ser algo que está além da capacidade humana. O
Estado se origina do instinto social do homem, sendo que o instinto social é o mesmo para os
homens e os animais, todavia, nos homens, adquire uma nova forma, um novo molde, não
sendo somente um produto natural, mas, também, racional, dependendo de uma atividade
livre e consciente. É claro que Deus continua sendo a causa do Estado, mas uma causa um
pouco mais distante. O homem, por intermédio de seu próprio esforço, deve construir uma
ordem de Direito e de Justiça, sendo que sua liberdade é demonstrada nessa organização do
16
CASSIRER, Ernst. El mito del Estado. Coleción popular 90, trad.: Eduardo Nicol, 2. ed., Mexico: Fondo de
Cultura Económica, 1968, p. 133/135.
27
mundo moral e do próprio Estado. São Tomás de Aquino está convencido de que o supremo
bem (tratado pelos gregos) não pode ser alcançado somente pela razão; havendo necessidade
da visão mística de Deus. Porém, é o homem que tem que iniciar a obra e preparar-se para o
evento. O Direito divino não anula o Direito humano, que se origina da razão, mas, ao
contrário, eles acabam se complementando. Assim, o homem não perdeu seu livre arbítrio de
trabalhar e preparar sua própria salvação. Nesta concepção, a vida política do homem cobra
uma nova dignidade. O Estado terreno e o divino não são mais dois pólos opostos, se
relacionam um com outro e se complementam, visando atingir algo essencial para o homem;
sua dignidade.
Não se pode esquecer, com certeza, é da influência romana na construção do Estado,
sendo que se percebe até os dias atuais a herança deixada pelos romanos. Os romanos
conquistaram todo o mundo conhecido à época, tendo, portanto, levado seus pensamentos a
todos os povos. Os romanos influenciaram, e muito, a sociedade, tendo contribuído com a raiz
do Direito moderno, bem como com a noção de Estado, como dito acima, além é, claro, do
alicerce da República e do Senado.
Friedrich Engels, na já citada obra “A origem da família, da propriedade privada e do
Estado”, ao tratar da gens e o Estado em Roma, diz que:
É fato conhecido o de que a gens romana era uma instituição igual à grega. Se a
gens grega era uma forma desenvolvida da unidade social, cuja forma primitiva
pôde ser observada entre os peles-vermelhas americanos, o mesmo pode ser dito, da
gens romana.
[...] Assim, ao povo romano só podia pertencer quem fosse membro de uma gens e,
em decorrência, de uma cúria e de uma tribo.
[...] a população da cidade de Roma e do território romano, ampliado pelas
conquistas, ia crescendo, em parte por causa da imigração, em parte pela integração
de habitantes das regiões submetidas, na maioria, povos latinos. Todos esses novos
súditos do Estado [...] viviam fora das antigas gens, cúrias e tribos e, por
conseguinte, não faziam parte do populus romanus, do povo romano propriamente
dito. [...] Formavam a plebe, excluída de todos os direitos políticos. [...] A nova
constituição atribuída ao rex Sérvio Túlio, é baseada em modelos gregos, sobretudo
em Sólon. Ela criou uma nova Assembléia do povo, na qual eram admitidos ou não,
sem distinção, os indivíduos do populus e da plebe, segundo tivessem ou não
prestado o serviço militar.
[...] Por essa nova assembléia transitaram todos os direitos políticos da assembléia
anterior das cúrias.
[...] Assim foi destruída em Roma, antes da supressão do cargo de rex, a antiga
ordem social fundamentada nos vínculos de sangue. Uma nova organização a
substituiu.
[...] Dentro dessa nova constituição, segue seus passos toda a história da república
romana, com suas lutas entre patrícios e plebeus pelo acesso aos cargos públicos,
pela participação na distribuição das terras do Estado, até a dissolução final da
28
nobreza patrícia na nova classe dos grandes proprietários de dinheiro e de terras.17
(grifo do autor).
A ruína do Império romano deu-se em 1453, com a queda de Constantinopla, que era o
último baluarte do império. E, “com a queda de Constantinopla, tem fim a Idade Média,
começando o Renascimento, impulsionado com a fuga dos sábios gregos para o Ocidente.” 18
É claro que o conceito de Estado que existe hoje em muito se difere daquele utilizado
anteriormente, mas que serviu como base para a concepção atual, sendo que se deve levar em
conta a evolução da humanidade, em especial no campo organizacional e jurídico, até para
que se possa entender a própria dignidade da pessoa humana, no conceito em que hoje ela se
apresenta, em decorrência de sua evolução na sociedade, resultado do desenvolvimento,
também, do Estado, por ser este formado, dentre outros elementos, da carga valorativa
extraída da sociedade como um todo.
1.1.2
A Concepção do Estado pós 1500 e como é concebido atualmente
Para se falar da concepção de Estado é imperioso, primeiramente, que se tragam as
idéias de grandes estudiosos (ressaltando-se que não se pretende, no presente trabalho, tratar
de todos os pensadores, mas apenas de alguns selecionados para ilustrar a evolução acerca do
conceito e entendimento do termo Estado), sendo que se pode colocar (por ordem cronológica
e não de importância), em primeiro lugar, Nicolau Maquiavel (1469-1527 d.C), filósofo,
escritor e político italiano, o qual, apesar de ter nascido antes de 1500 deve fazer parte desta
era, tendo em vista que suas obras foram escritas quando este se encontrava no exílio, que
aconteceu após 1500, destacando-se entre elas, “O Príncipe”, que revolucionou o conceito de
Política, conhecido até aquele momento, preocupando-se não com o ideal de como se deve
viver e governar (como pensavam os filósofos gregos), mas sim acerca das condições na qual
se vive. Preocupou-se com a criação do melhor regime político possível à época, para que as
condições em que se viviam (real) pudessem se aproximar, ao máximo, das condições em que
se deveria viver (ideal). Mas, a obra que foi um marco divisor nas idéias e pensamentos
17
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado, Trad.: Ciro Mioranza, São
Paulo: Escala, 2006, p.135/139.
18
CRETELLA JÚNIOR, J. Curso de Direito Romano: O Direito Romano e o Direito Civil brasileiro. 13. ed.,
rev. e aum., Rio de Janeiro: Forense, 1991, XVII.
29
acerca do Estado foi realmente “O Príncipe”, sendo que este autor é considerado, por esta
obra, como o precursor do moderno conceito de Estado.
Na edição de “O Príncipe”, traduzida por J. Cretella Júnior e Agnes Cretella, com as
notas de Napoleão Bonaparte, as anotações a respeito da obra trazem que:
O Príncipe, de Nicolau Maquiavel (1469-1527) é, sem a menor sombra de dúvida,
conforme eminente mestre europeu o entendeu, não só a mais famosa obra da
literatura política de todos os tempos, como também a mais discutida [...] Relevante
é a opinião do célebre filósofo e crítico de arte Benedeto Croce, para quem coube a
Maquivel o mérito de haver separado a política da moral, e expor que as exigências
da primeira prescindem de quaisquer considerações éticas. Essa afirmação pode ser
contestada, porque Maquiavel, estudando embora os problemas do Estado sob o
ângulo da dinâmica das forças sociais, e, portanto, de um prisma inteiramente
político, não prescinde das considerações éticas, e, cada vez que aconselha, como
necessária, uma conduta moralmente discutível, ou reprovável, não deixa de
observar que seria melhor assim não agir, mas que é imprescindível para evitar a
ruína do Estado e para que este não venha a ser destruído. Isso não significa,
porém, deixar de lado os problemas éticos, mas, entender que devem ser
enfrentados abertamente, resolvendo-os na base do valor que prevalece no Estado,
o que foi observado também por conceituados pensadores, mas que também não
escapara a outros escritores, que o analisaram com profundidade.19 (grifo do autor).
Nicolau Maquiavel, na supra citada obra, consegue, de forma brilhante, analisar as
espécies de Estado conhecidas à época, tendo mencionado que “todos os Estados, todos os
governos que tiveram e têm poder sobre os homens, são repúblicas ou principados.”20,
verificando os acertos e desacertos dos governantes (príncipes e imperadores). Intencionava
implementar uma nova ordem social, voltada para a liberdade, de forma ampla, possibilitando
aos homens uma melhoria substancial.
Lembra, ainda, Nicolau Maquiavel, que os governantes devem tentar ter o apoio do
povo, posto que imprescindível para um governo bem sucedido.
Deve, portanto, quem se torna príncipe, mediante apoio do povo, mantê-lo amigo, o
que é fácil, porque o povo quer apenas não ser oprimido. Aquele que, entretanto, se
torna príncipe, com apoio dos poderosos, deve procurar, antes de tudo, conquistar o
povo; o que é fácil, quando lhe consegue a proteção. E por que os homens recebem o
bem dos que acreditavam receber o mal, obrigam-se mais com o benfeitor e o povo se
torna rapidamente mais benévolo do que se tivesse sido levado ao principado por
favores dele. E o príncipe pode consegui-lo de vários modos, que variam conforme as
circunstâncias, não se podendo estabelecer regra fixa, que depois se deixará de lado.
19
Cf. Nota in MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 4. ed., rev. da trad.: J. Cretella Jr. e Agnes Cretella, São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 11/14.
20
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 4. ed., rev. da trad.: J. Cretella Jr. e Agnes Cretella, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, p. 19.
30
Concluirei apenas, dizendo que, para o príncipe, necessário é ter o povo sempre
como amigo; de outro modo fracassará na adversidade.
[...] Assim, um príncipe sábio deve pensar no modo pelo qual, sempre, e em todas as
circunstâncias, os cidadãos tenham necessidade do Estado e dele, sendo-lhe, então,
sempre fiéis.21 (grifo nosso).
Defendia, ainda, a política do equilíbrio, e que era necessário, ao príncipe, ter bons
fundamentos, sob pena de se ver arruinado, sendo que os principais fundamentos, de todo
Estado, eram, para ele, a existência de boas leis e bons exércitos. 22
Outro filósofo que se faz necessário tratar, em linha geral, é Grotius (1583-1645), o
qual era seguidor da Teoria do Direito Material, tendo influenciado outros pensadores. Para
ele, a igualdade era algo que decorria do divino e as leis existiam para proteger o Direito
natural. Além disso, nas palavras de Paulo Nalin, “O contratualismo de Grocius seguia a linha
do Direito Público, dedicada à fundação do Estado, mesmo que particularizada em face de
outros contratualistas, por julgá-lo um fato histórico e não uma simples hipótese.”.23
Além disso, Grotius auxiliou na formação de um conceito de sociedade internacional,
sociedade esta voltada para a noção de que os Estados, bem como seus governantes, possuem
leis que se aplicam a eles, sendo que a comunidade internacional deve se manter coerente com
os acordos estabelecidos pelo Direito Internacional, até porque todas as nações estão sujeitas
ao mesmo.
Após Maquiavel e Grotius, o mundo presenciou as idéias de Thomas Hobbes (15881679 d.C.), grande filósofo inglês, que escreveu “Leviatã”, que trata acerca da origem, bem
como do papel do Estado moderno. O Estado foi criado por necessidade, pois, aqui, já não
havia mais o meu e o teu; havia muita luta, porque “o homem é o lobo do homem”. Assim,
havia a necessidade de uma autoridade, superior, que pudesse apontar os limites existentes
entre os direitos individuais, para que pudesse haver a segurança jurídica. E, essa autoridade
superior revelou-se na forma do Estado. Para ele, o soberano deveria ter poderes ilimitados e
os súditos deveriam submeter-se a ele, para que pudesse governar o Estado da melhor maneira
que entendesse.
21
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 4. ed., rev. da trad.: J. Cretella Jr. e Agnes Cretella, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, p. 65/67.
22
Idem, p. 75.
23
NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno, em busca de sua formulação na perspectiva CivilConstitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 106.
31
Thomas Hobbes, na introdução de sua obra, estabelece uma comparação entre o
Leviatã (a República ou o Estado – civitas), com um organismo vivo, todavia, artificial, sendo
produto da engenhosidade humana. Para ele, o pacto social é totalmente necessário, em face
de que o homem é suscetível a fortes sentimentos, como a paixão, o que poderia levá-lo às
guerras e à solidão. Thomas Hobbes acredita ser necessária a concentração do poder político
nas mãos do soberano forte, sendo que este soberano precisa ser detentor de condições
necessárias para que possa entender a natureza humana. Para ele, o Estado concentra e, deve
concentrar todas as forças da sociedade, em virtude de um pacto social de natureza artificial.
Este autor não aceita a soberania popular, a qual, segundo ele, levaria à guerra de todos contra
todos, pregando, de outro modo, o poder político “nas mãos” do monarca, o qual teria poderes
absolutos e poderia garantir o bem comum, que nada mais é (para Thomas Hobbes) do que a
paz entre os indivíduos de uma Nação.
24
O modelo concebido por Thomas Hobbes contrasta
com a moderna noção de Democracia, a qual se encontra fundada na liberdade humana.
Eduardo Appio salienta que:
Muito embora aceite a existência de corpos políticos (criados pelo poder do
soberano com missão de representá-lo nos estritos limites de cartas recebidas do
monarca), considera inconveniente a criação de assembléias que representam a
vontade popular, na medida em que esta poderia colidir com a do monarca, que é
soberana, gerando, assim, a guerra interna.
Propugna, então, que o Estado deva interferir na economia dos particulares,
atendendo a uma finalidade de bem comum [...] 25
Sobre Thomas Hobbes, relevante destacar os pensamentos deste sobre poder e Estado,
em especial apontar que referido filósofo entendia que as leis careceriam de um reforço como
garantia de seu cumprimento em salvaguarda do pacto social, sendo que, portanto, torna-se
imprescindível um governo que fosse seguido e, de certa forma, autorizado, por todos os
componentes do corpo social, sendo que haveria de requerer que esse governo tivesse toda a
força, porque somente seria capaz de corresponder à sua finalidade se exercido
despoticamente.
24
25
APPIO, Eduardo. Teoria Geral do Estado e da Constituição. Curitiba: Juruá, 2005, p. 27-28.
Idem, p. 29.
32
Na visão de Thomas Hobbes, o absolutismo não derivava de um direito divino, mas,
de outro modo, das exigências do próprio pacto social, diferentemente do que afirmavam os
teólogos políticos contemporâneos.
Em 1596 nascia René Descartes, filósofo e matemático francês que, rompeu com o
pensamento da época, com suas idéias, dando-se ênfase à frase, por ele criada: “Penso, logo
existo”, que acabou por desvencilhar o pensamento filosófico da tirania escolástica,
permitindo novos vôos, para além das questões divinas, inaugurando, de forma definitiva, a
filosofia moderna, tudo isso por meio da criação de novos métodos. Desse modo, permitiu
que as idéias acerca do Estado pudessem partir para novos horizontes, para além dos dogmas
da Igreja; dogmas estes fechados, os quais pretendiam manter o Estado sob a égide da Igreja.
John Locke (1632-1704 d.C.) foi contemporâneo de Hobbes, sendo como este filósofo
inglês, além de teórico político. Era a favor do liberalismo político, onde o Estado não
intervém (ou pouco intervém) nas relações da sociedade.
Sobre o filósofo, importante apontar que:
Para ele, o direito de propriedade é a base da liberdade humana "porque todo
homem tem uma propriedade que é sua própria pessoa". O governo existe para
proteger esse direito.
Locke estava interessado nos tópicos tradicionais da filosofia: o Eu, o Mundo, Deus
e as bases do conhecimento. É contemporâneo de Thomas Hobbes, mas, ao
contrário deste, é liberal e tem convicções parlamentaristas. Foi enorme a influência
da obra de Locke. Suas teses estão na base das democracias liberais. No século
XVIII, os iluministas franceses foram buscar em suas obras as principais idéias
responsáveis pela Revolução Francesa. Montesquieu (1689-1775) inspirou-se em
Locke para formular a teoria da separação dos três poderes. A mesma influencia
encontra-se nos pensadores americanos que colaboraram para a declaração da
independência americana em 1776.26 (grifo do autor).
Para John Locke, a origem do Estado estaria na necessidade de se superar o estado de
natureza, ou o estado de guerra, para um estado civil, onde a vítima de uma injustiça pudesse
obter reparação com o auxílio do poder estatal; do próprio Estado. Sua conceituação de
Governo civil provém da idéia que reafirma do direito natural de igualdade entre os homens,
sendo que, portanto, a concepção de poderes absolutos dos monarcas seria infundada. Veja-se,
26
COBRA, Rubem Queiroz. John Locke: Vida, época, filosofia e obras de John Locke. Disponível em:
<http://www.cobra.pages.nom.br/fmp-locke.html>. Acesso em: 08 de janeiro de 2007.
33
aqui, a preocupação com a igualdade entre os homens, princípio que alicerça a própria
dignidade, pois ao se buscar a igualdade, se busca consequentemente, a dignidade.
Além disso:
Cumpre assinalar, dada a importância histórica da concepção, que Locke
emprestava enorme importância ao Poder Legislativo – como também os demais
contratualistas – na medida em que a origem dos governos, segundo o autor, estaria
no consentimento individual que transfere a um poder de governo a prerrogativa de
editar leis, decorrentes da vontade de uma maioria que elege seus representantes. O
Poder Legislativo é, portanto, o principal poder do governo, na medida em que
ninguém que ingressa numa comunidade política pode eximir-se do fiel
cumprimento de suas ordens (ordens da maioria).
[...] Deve-se a Locke, portanto, a origem do governo civil assentada na necessidade
de defesa estatal do direito de propriedade que nenhum governante poderia
suprimir, muito embora a cobrança de impostos para o bem de todos fosse
aceitável. Tem-se, ainda, a “constituição” de um Poder Legislativo supremo, que
não se subordina senão ao ato de sua constituição. E, finalmente, um Poder
Executivo subordinado ao primeiro, mas de cunho permanente e, obviamente,
limitado pela lei (ato do poder supremo).27
Montesquieu foi outro grande pensador, nascido em França (1689-1755 d.C.), tendo
sofrido influência das idéias de John Locke. Escreveu, entre outras obras, “O Espírito das
Leis”, onde discorre acerca das relações entre sociedade, política e religião. Revolucionou o
conceito de Estado ao criar a teoria da tripartição dos poderes, com a intenção de moderar o
poder do Estado, dividindo-o em funções (Judiciário, Executivo e Legislativo), e, ainda,
dando competências a órgãos diferentes do Estado. Na referida obra, o autor analisa as
relações que as leis têm com a natureza e os princípios de cada governo, desenvolvendo as
idéias do constitucionalismo.
Com a idéia dos três poderes, Montesquieu defende que o Executivo deveria ser
exercido por um rei, tendo este direito de veto sobre as decisões do parlamento. O poder
Legislativo, por sua vez, seria convocado pelo Executivo e, deveria ser separado em duas
Casas, onde uma delas deveria representar o povo (sendo, portanto, formado por
representantes deste) e, a outra, constituída por nobres. Cada uma das Casas teria assembléias
separadas, bem como sairiam deliberações de cada uma delas, tendo estas opiniões
independentes e, possivelmente conflitantes. Montesquieu entende que "só o poder freia o
poder", no chamado "Sistema de Freios e Contrapesos" (Checks and balances), daí a real
necessidade de cada poder manter-se autônomo e constituído por pessoas e grupos diferentes.
27
APPIO, Eduardo. Teoria Geral do Estado e da Constituição. Curitiba: Juruá, 2005, p. 40-41.
34
Este filósofo analisou todas as formas de governo, manifestando-se contra a
Monarquia absolutista francesa e, demonstrando seu ideal em uma Monarquia constitucional,
com garantia de liberdade e separação dos poderes.
O princípio da separação de poderes, trazido na obra de Montesquieu, deve ser
entendida não como uma cisão absoluta do poder político, mas, de outro modo, como uma
especificação de funções, até porque não há que se falar na existência de vários poderes, mas,
sim, na existência de apenas um poder, o qual é dividido em funções, para o melhor
funcionamento do próprio Estado. A Constituição brasileira de 1988 adota esta teoria, ao
dispor em seu Art. 2º, que: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, e Executivo e o Judiciário.”
Além disso, para Eduardo Appio, a finalidade de Montesquieu, na obra “Espírito das
Leis” é assinalar os diferentes contorno de governo, encontrando-se aqui o sistema
republicando, o monárquico e o despótico, em conformidade com os princípios adotados, em
especial:
[...] no tocante à forma como são criadas e executadas as leis. Na república, o
espírito das leis do governo estaria vinculado à democracia, já que é fundado na
igualdade. Para Montesquieu, o Estado não poderia sustentar-se na concentração do
poder, mas, na distribuição das funções do Estado em poderes distintos, com a
única finalidade e evitar a tirania e o arbítrio em detrimento do cidadão.
Enquanto Locke (1690) e Hobbes (1588) – cada qual à sua maneira – se preocupam
com a origem do poder do Estado, Montesquieu concentra suas forças em delimitar
de que maneira as forças políticas do Estado serão distribuídas, na estrita
consonância da natureza de suas funções.28
Em seguida, tem-se um dos maiores pensadores da era contemporânea, Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778 d.C.), filósofo suíço, que revolucionou e influenciou o mundo com sua
obra “Contrato Social”, onde defende uma religião natural e ataca de forma veemente a
organização social da época. Rousseau acreditava que o Estado deveria ser uma espécie de
acordo entre os homens, os quais deveriam ceder alguns direitos a fim de que se tornassem
cidadãos, acabando com o Estado déspota, no qual o que importava era a propriedade. Era um
ferrenho lutador contra o racionalismo progressista. Foi também, um dos precursores do
romantismo.
28
APPIO, Eduardo. Teoria Geral do Estado e da Constituição. Curitiba: Juruá, 2005, p. 31-32.
35
Para Paulo Nalin foi tanto com a influência de Thomas Hobbes, quanto de JeanJacques Rousseau que se afirmaram os direitos individuais tanto contra o Estado, como, da
mesma forma, contra todo o sistema de corporação que regulasse a atividade profissional,
tendo afirmado que:
A sociedade tinha de ser constituída por indivíduos por intermédio de um
fundamento voluntário, ou seja, contratual. As idéias de igualdade e liberdade,
enquanto direitos (subjetivos) naturais, ganham peso, uma vez que somente podia
contratar quem a detinha. Podia renunciar a parcela de sua liberdade, para contratar,
formando o Estado ou firmando relação interprivada, só o sujeito que dela dispõe.
A igualdade, suficiente em sua composição meramente formal à modernidade, veio
a ser revista com a Constituição de Weimar que, além de preservar as garantias dos
direitos individuais conquistados pelo liberalismo, tornou exigência a sua aplicação
num contexto social ou funcional – liberta, uguaglianza e diritti social –
propunha.29 (grifo do autor).
Jean-Jacques Rousseau, na sua mais famosa obra “Contrato Social” tratou, dentre
outras coisas, da escravidão, tendo se mostrado radicalmente contra tal fato, tanto da
escravidão individualizada, quanto da escravidão de um povo, salientando que renunciar a
liberdade é uma forma de renunciar à qualidade de homem, renunciando aos direitos da
própria humanidade e os seus deveres; renunciando, assim, por via de conseqüência, a própria
dignidade (o que se entende não poder ser renunciado, por ser a dignidade um direito
intrínseco, natural do ser humano, acarretando, assim, sua indisponibilidade).
Ora, um homem que se torna escravo de outro não se dá, mas se vende, ao menos
para sua subsistência: mas um povo, por que se vende? Longe de um rei fornecer
aos súditos a subsistência, ele tira deles a sua, e segundo Rabelais, um rei não vive
de pouco. Os súditos oferecem, pois, sua pessoa, com a condição de que se lhes
tomem também os bens? Não vejo o que lhes resta para conservar.
[...] Renunciar a liberdade é renunciar à qualidade de homem, aos direitos da
humanidade, até mesmo a seus deveres. Não existe nenhuma compensação para
quem renuncia a tudo. Tal renúncia é incompatível com a natureza do homem e é
eliminar toda moralidade de suas ações, assim como eliminar toda liberdade de sua
vontade.30
Ora, Jean-Jacques Rousseau viveu na época do iluminismo, tendo contribuído para
difundir os ideais da Revolução de 1789, tendo defendido a educação do povo, para que se
pudesse chegar a uma sociedade justa e libertar-se do jugo dos mais fortes. Para isso, os
homens deveriam unir suas forças com a de outros homens, em um conjunto de forças, tendo
29
NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno, em busca de sua formulação na perspectiva CivilConstitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 106.
30
ROUSSEAU, J. J. Do Contrato Social: Princípios do Direito político. Trad.: J. Cretella Jr. e Agnes Cretella,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.25-26.
36
afirmado que em face dos homens não poderem conceber novas forças, mas somente reunir e
direcionar as que já existem, “não possuem outros meios para se conservar senão formar, por
agregação, um conjunto de forças, que possa levar à resistência, empregar um único móvel a
fazê-los agir em conformidade com eles.” 31.
Apontava, ainda, que se faz necessário observar que a deliberação pública, que pode
obrigar todos os súditos em relação ao soberano, por conta de dois diferentes prismas sob os
quais cada qual é encarado (como membro do soberano em relação aos particulares e como
membro do Estado em relação ao soberano), não pode, por outra via, obrigar o soberano em
relação a si mesmo e, conseqüentemente, é contrário à natureza do corpo político que o
soberano se imponha uma lei que não pode infringir. E, continua, afirmando que, não há como
considerar, senão sob um único e mesmo aspecto a questão de um particular que contrata
consigo mesmo, de onde se depreende que não existe e, tampouco pode existir nenhuma
espécie de lei fundamental obrigatória para o corpo do povo, nem mesmo o contrato social (o
que não quer dizer que o referido corpo não possa se comprometer com outrem, como é o
caso do estrangeiro, que é apenas um indivíduo).32 Além disso, na seqüência, Jean-Jacques
Rousseau salienta:
Se o Estado ou a Cidade não é senão uma pessoa moral, cuja vida consiste na união
de seus membros, e se o mais importante de seus cuidados é o da sua própria
conservação, necessita de uma força universal e compulsiva para mover e dispor de
cada parte, de maneira mais conveniente a todos. Assim como a natureza dá a cada
homem um poder absoluto sobre todos os seus membros, o pacto social dá ao corpo
político um poder absoluto sobre todos os seus, e é este o mesmo poder que,
dirigido pela vontade geral, traz, como já disse, o nome de soberania.33
É pelo pacto social, segundo Jean-Jacques Rousseau, que se dá vida ao corpo político
e, por intermédio das leis, que se consegue obter os movimentos e a vontade, sendo que as leis
são gerais (já que para o autor, a lei considera o súdito como corpos e as ações como
abstratas, nunca considerando o homem como indivíduo e, tampouco, uma ação particular).
Dessa maneira, continua afirmando que a lei pode definir que haverá privilégios, todavia, não
poderá conferir, de forma específica a ninguém. A lei pode, ainda, estabelecer um governo
real, bem como, uma sucessão hereditária, contudo, não tem como indicar um rei e, nem, pode
determinar uma família real. Assim, toda função que se relaciona com um objeto individual
31
ROUSSEAU, J. J. Do Contrato Social: Princípios do Direito político. Trad.: J. Cretella Jr. e Agnes Cretella,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.31.
32
Idem, p. 34.
33
Idem, p. 35
37
não pertence ao poder legislativo. Desse modo, perde a importância a questão a respeito de
quem incumbe fazer as leis, em face de que são atos de vontade geral; tampouco se o príncipe
está acima da lei, já que é um membro do Estado; e, ainda, não há porque se indagar se a lei
pode ser injusta, posto que nada é injusto em relação a si mesmo; e, ainda, nem como se é
livre e submetido às leis, desde que as leis não sejam mais do que registros de novas vontades.
Dessa forma, entende ser República todo Estado regido por leis, independente da forma de
administração, já que, assim, somente o interesse público governa; sendo que todo governo
legítimo é republicano.
Outro ponto interessante acerca das idéias de Jean-Jacques Rousseau é quando ele
trata do tema “Da Democracia”, na obra em análise. Ele entende que, se for tomada em sua
conceituação mais rigorosa, pode-se concluir que jamais existiu e jamais existirá uma
democracia verdadeira, posto ser contra a ordem natural que “um grande número governe e
que um número pequeno seja governado.” Não há como se imaginar que o povo possa
permanecer, de forma incessante, reunido para cuidar dos negócios públicos e, percebe-se,
visivelmente, que não há como estabelecer, para tal intento, comunicações, sem alterar a
forma de administração. Além disso, “se houvesse um povo de deuses, ele se governaria
democraticamente. Um governo tão perfeito não convém aos homens.” 34
Eduardo Appio aponta, acerca das idéias e da obra de Jean-Jacques Rousseau,
asseverando, entre outros pontos, que:
Rousseau buscava discutir os diversos sistemas de legislação e de administração,
analisando, inclusive, as diversas formas de exercício do Poder político, como a
democracia, a aristocracia e a monarquia. Resta evidente que dois dos princípios
basilares de sua engenharia política são a busca da igualdade e da liberdade [...]
[...] A importância desta obra resulta em duas conseqüências de capital importância
no desenho do Estado moderno: (a) os direitos e garantias individuais não são bens
livremente distribuídos pelo detentor do poder político, mas sim, direitos
inalienáveis dos quais os cidadãos consentem em ceder pequena parcela com única
forma de garantir a convivência nas sociedades modernas; (b) a ruptura dos
mecanismos de aferição da vontade da Nação, como, por exemplo, a supressão de
eleições, deslegitima o poder instituído na medida em que a vontade particular se
opõe à vontade geral. Donde a importância da recuperação do discurso de Rousseau
sobre as origens da legitimidade e a fragilidade dos governos que rompem este
pacto social usando a coerção e a força.35
34
ROUSSEAU, J. J. Do Contrato Social: Princípios do Direito político. Trad.: J. Cretella Jr. e Agnes Cretella,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.91-92.
35
APPIO, Eduardo. Teoria Geral do Estado e da Constituição. Curitiba: Juruá, 2005, p. 35/37.
38
Para Jean-Jacques Rousseau, portanto, a participação popular, bem como seus
mecanismos, possui fundamental importância para a manutenção do Estado moderno, já que,
os direitos e garantias individuais, como acima apontado, não são bens distribuídos livremente
àqueles que detêm o poder público, mas, de outra forma, são direitos irrenunciáveis e
inalienáveis, os quais os cidadãos concedem, aos seus representantes políticos, uma pequena
parcela, visando garantir a convivência social.
Voltaire, que esteve engajado em grandes causas a favor da tolerância religiosa e a
favor da liberdade de expressão, tornando-o um dos mentores da Revolução Francesa e,
Diderot, outro filósofo francês que era contrário à monarquia absolutista, foram
contemporâneos de Rousseau, mas estes não compartilhavam, de forma direta, das idéias dele.
Sobre Voltaire é importante apontar que este filósofo foi um ferrenho defensor da
liberdade (sendo dever do indivíduo procurar controlar a sua própria vida), pregando a idéia
de um sentimento inato e universal de Justiça. Foi um pregador do liberalismo e contrário ao
despotismo.
Quanto a Diderot, é importante evidenciar que ele também se mostrava contrário ao
regime adotado à época, bem como, entendia que o povo deveria ser libertado das garras da
Igreja Católica, sendo que para ele "O homem só será livre quando o último déspota for
estrangulado com as entranhas do último padre".36
Em 1724 nascia Immanuel Kant (1724-1808 d.C.), grande filósofo alemão com idéias
revolucionárias, tendo defendido a liberdade, sendo que esta deveria ser garantida por uma
Constituição política, não sendo o Estado o promotor das relações contratuais, em face da
prevalência, à época, das relações privadas.
Nesse momento, ganha força a opinião de KANT, que coloca o elemento volitivo
no centro de todas as relações privadas. Não era o Estado o grande fomentador das
relações contratuais, mas o próprio homem, revestido do direito subjetivo absoluto,
pois natural, de liberdade, sempre tendo como pressuposto formar a igualdade de
seus pares. Ao Estado cabia somente a fiscalização dos atos praticados pelos
indivíduos, objetivando preservar tais direitos subjetivos plenos, não cabendo a
intervenção nesta seara individual. O individualismo e o subjetivismo acabam se
arraigando e gerando conquistas individuais, até hoje preservadas, elencadas como
direitos fundamentais da liberdade e igualdade (CR, art. 5º, caput), sem prejuízo de
36
ENCICLOPEDIA VIRTUAL WIKIPÉDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Denis_Diderot>.
Acesso em: 11 de janeiro de 2007.
39
uma atual funcionalização de tais direitos, á luz da repersonalização e da
despatrimonialização do Direito Civil. Para o momento sócio-político vivido não há
como negar que os ideais de um homem livre e igual, frente aos demais, realmente
teve relevância para a construção do atual Estado Democrático de Direito.37
Para Kant, a transição para o Estado civil ocorre do surgimento da necessidade, por
parte dos próprios indivíduos, de adentrarem em um estado civil, em decorrência de que no
chamado estado de natureza não existe, de forma definida, uma segurança de um indivíduo
em relação ao outro, bem como as liberdades desses indivíduos não são definidas, ou sequer
delimitadas. Com o advento do Estado civil, o direito privado, natural, não desaparece,
todavia, de outra forma, muda de figura, já que passa a ter garantias, as quais não seriam
possíveis no estado natural.
Os Estados, na concepção de Kant, vivem em constante estado de guerra, em muito
parecido ao estado de natureza já vivido pelos indivíduos. Segundo Kant, os Estados têm
desse modo, a obrigação de entrar em um estado jurídico, regulado por uma Constituição.
Pela instituição de uma constituição forte, que pudesse regular as relações e os conflitos
internacionais, a humanidade passaria a viver em um mundo cosmopolita de liberdade.
A teoria política de Kant, juntamente com as idéias de outros pensadores liberais, foi
decisiva para a superação da forma de governo absolutista dominante na Europa até o fim do
século XVIII e para a instauração de um novo modelo de Estado, o Estado Constitucional
liberal, no qual se deve de garantir aos indivíduos o exercício tranqüilo das liberdades a eles
conferidas pelo direito natural. Importante lembrar que, para Kant, o direito, na realidade, tem
por finalidade, a promoção do exercício máximo das liberdades individuais, impondo limites
à liberdade de um somente a partir do momento em que esta agrida o exercício da liberdade
de outro, de forma que a todos seja garantido exercer igualmente suas liberdades. O termo
direito é aplicado por Kant com sentido valorativo, tratando-se daquilo que seja justo.
Emmanuel Joseph Sieyès (1748-1836 d.C.), no ano de 1888 escreveu, na França, a
obra: “Qu’est-ce que le Tiers Etat” (“Que é o Terceiro Estado), a qual revolucionou e sacudiu
a sociedade da época. Verifica-se que a obra foi escrita um ano antes da Revolução Francesa,
tendo sido, portanto, importante mola propulsora para a mesma. Este autor estava preocupado
37
NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno, em busca de sua formulação na perspectiva CivilConstitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 106-107.
40
com a participação popular, já que naquele período pré-revolucionário, tinham voz, efetiva,
somente os membros da nobreza e do clero. Emmanuel Joseph Sieyés, apesar de abade,
entendia que os componentes, do chamado Terceiro Estado, também deveriam participar,
ativamente, das decisões do reino, até porque representavam a maioria da população. Ou seja,
Emmanuel Joseph Sieyès pregava a necessidade de mudança no sistema francês, entendendo
que a legitimidade de representação estava com o Terceiro Estado, o qual deveria formar o
Poder constituinte originário.
Rogério Gesta Leal descreve, de forma simples, acerca da teoria do Poder constituinte
de Emmanuel Joseph Sieyès:
[...] a teoria do poder constituinte a partir de Sieyès vai buscar fundamentar a
necessária mudança do modelo político das Monarquias absolutas através de uma
proposta de representação polítca que mantenha intacta a ordem e a estrutura
econômico-social da Nação, e também oportunize o surgimento de uma sociedade
moderna, assegurando o trabalho e a liberdade dos homens na cidade (espaço
criado para a implantação de um poder político dito democrático e público).38
E, quem era (ou o que era) o Terceiro Estado? O Terceiro Estado era constituído pelos
membros da classe trabalhadora, aqui formados pelos homens da cidade, comerciantes
enriquecidos, os fabricantes da indústria incipiente e do campesinato. Os outros dois Estados
eram formados pelos membros da nobreza e do clero. Importante lembrar, como já dito em
outro momento, que o conceito de Estado, nação, povo etc., daquela época, não condiz com os
conceitos atuais, sendo que em alguns casos a conceituação desses institutos até se
confundiam.
No prefácio da tradução, para o português, da obra de Emmanuel Joseph Sieyès, José
Ribas Vieira faz algumas considerações acerca da vida e pensamentos do citado autor, bem
como do momento histórico pelo qual estava passando a França. Salientou, então, que
Emmanuel Joseph Sieyès colocou-se em caminho oposto ao do pensamento de Jean-Jacques
Rousseau, tendo elaborado um processo reflexivo, no campo político, com o significado de
um instrumento de limitação da estrutura representativa. No tocante ao processo
revolucionário vivido pela França, aponta que naquele momento a França encontrava-se em
uma grave crise, tanto no aspecto econômico, quanto social. O monarca, Luís XVI, convocou
38
LEAL, Rogério Gesta. Teoria do Estado: Cidadania e poder político na modernidade. 2. ed., Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2001, p. 159, apud, APPIO, Eduardo. Teoria Geral do Estado e da Constituição.
Curitiba: Juruá, 2005, p. 45.
41
uma reunião com os Estados gerais, visando discutir a reforma tributária. Por conta dos
direitos que eram assegurados, nos Estados Gerais, apenas ao clero e a nobreza, verifica-se o
caráter minoritário que era dado ao Terceiro Estado. Em face disso, o processo revolucionário
se deu, especialmente, em virtude de conflitos entre o Terceiro Estado e as classes
privilegiadas (o clero e a nobreza). E, foi nesse período que a obra de Emmanuel Joseph
Sieyès foi editada (em fevereiro de 1789), trazendo a proposta de igualdade de direitos para o
Terceiro Estado, igualando-o aos Estados privilegiados; clero e nobreza. 39
Após a instalação dos Estados Gerais, o conflito se mostra entre a nobreza e o clero,
no tocante ao Terceiro Estado. Diante disso, em 17 de junho de 1789, os membros do Terceiro
Estado declaram sua legitimidade de instituírem em Assembléia, independente da presença,
ou não, das classes privilegiadas. Neste momento, prevalece, então, a noção trazida dentro da
própria obra, de ilegitimidade de hegemonia das classes dominantes, clero e nobreza, por
representarem apenas uma pequena parcela da população. Diante dessa perspectiva, é
assumido um compromisso pela Assembléia Nacional, o de elaborar uma Constituição para a
França. Ato contínuo, em 4 de agosto de 1789, a Assembléia Geral decreta a igualdade fiscal,
abolindo todos os direitos de tributos feudais, sem exceção. Ainda, seguindo os apontamentos
de José Ribas Vieira, este lembra que é neste exato instante que se consegue compreender a
posição de Emmanuel Joseph Sieyès, já que caracteriza sua visão política modernizadora bem
limitada ao se opor à abolição dos direitos fiscais eclesiásticos. Na seqüência, tem-se outro
importante documento para a Revolução Francesa, em 26 de agosto de 1789, a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão.40
Ainda prefaciando a obra de Emmanuel Joseph Sieyès, José Ribas Vieira esclarece
(acerca das manifestações ora assinaladas), que:
Diante do fato de Luís XVI se recusar a sanção destes decretos, prevalece, mais
uma vez, a tese de Sieyès de que à Nação cabe uma autoridade anterior de
estabelecer uma ordem jurídica. Em conseqüência, tal proposição traduz-se na idéia
de um Poder Constituinte originário por parte da nação. E nós encontraremos esta
concepção revolucionária para a época de forma explícita na obra Qu’est-ce que le
Tiers Etat?
A redação definitiva da carta constitucional da primeira fase revolucionária de 1789
completa-se com a sua promulgação em 3 de setembro de 1791. Nela está contida,
na sua plenitude, a idéia de nação delineada por Sieyès. Ao contrário de Rousseau,
39
VIEIRA, José Ribas. Prefácio, in SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituição Burguesa: Que é o terceiro
Estado ?. Trad.: Norma Azeredo, 1. ed., 2. tir., Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988, p.22/25.
40
Idem, p. 25.
42
com sua proposta democrática mais plena de soberania (soberania popular), na qual
a representação é uti singuli. Sieyès postula um processo representativo restrito.
[...]
Portanto, a noção deste “corpo nacional” substitui com muito mais sabedoria a
concepção de contrato do Século XVII. [...] Abre-se caminho para uma abstração
formal através do conceito de nação na qual todos estariam representados sem
diferenciação de qualquer nível.41 (grifo do autor).
Na introdução da mesma obra, Aurélio Wander Bastos também traz importantes
considerações acerca de Emmanuel Joseph Sieyès, vida e obra. Para Aurélio Wander Bastos,
o livro “O Terceiro Estado” estaria não em momento anterior ou posterior à Revolução. De
outra forma, seria parte da dinâmica da Revolução Francesa, sendo uma tradução bastante
explícita da esperança revolucionária vivida naquela época. A obra de Emmanuel Joseph
Sieyès demonstra a influência de novas teorias econômicas, sendo que visava obter uma nova
teoria sobre a representatividade política. Lembra, na introdução, que na época, tanto o clero
quanto a nobreza não pagavam impostos (de qualquer espécie), o que acaba por deixar os
trabalhadores (que faziam parte do Terceiro Estado) indignados com essa condição. Esta obra
fornece inúmeros elementos diferenciadores acerca do conceito de cidadania política e civil,
tendo Emmanuel Joseph Sieyès dito que, a “cidadania política alcança novos espaços e
significados jurídicos que a cidadania civil, muitas vezes, não alcança e não traduz”. Sendo
que relata que foi o autor quem melhor tomou conhecimento dessa situação, tendo percebido
que não era suficiente à classe trabalhadora (burguesia, que era parte do Terceiro Estado) a
cidadania civil, sendo, todavia, necessário, também, a conquista da cidadania política, que em
momento anterior à Revolução, era privilégio dos outros “Estados” (clero e nobreza). 42
Aurélio Wander Bastos salientou, ainda, que Emmanuel Joseph Sieyès não admitia
que:
Teoricamente, para o autor, o fundamento de legitimidade do poder não é
exclusivamente o domínio econômico da classe laboriosa na sociedade, inclusive
considerando que arca com as responsabilidades essenciais do reino, mas o seu
Direito natural de governar.
[...] a obra deve ser analisada de dois prismas: o que seria a representatividade
política da nação e, em segundo lugar, como que os deputados deveriam se
organizar para promulgar uma Constituição representativa. O pensamento de
Sieyès, visto de hoje, parece acentuadamente conservador, mas, para a época,
41
VIEIRA, José Ribas. Prefácio, in SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituição Burguesa: Que é o terceiro
Estado ?. Trad.: Norma Azeredo, 1. ed., 2. tir., Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988, p. 26-27.
42
BASTOS, Aurélio Wander. Introdução. in SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituição Burguesa: Que é o
terceiro Estado ?. Trad.: Norma Azeredo, 1. ed., 2. tir., Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988, p. 33-41.
43
mesmo na sua proposta de recuperação legitimista do passado, foi significadamente
revolucionário.
[...] Desta forma, o Terceiro Estado, ou os comuns, poderia se tornar Câmara
quantitativamente superior, pois os “deputados do povo” seriam necessariamente
mais numerosos que os representantes do clero e da nobreza.43 (grifo do autor).
Nas palavras do próprio Emmanuel Joseph Sieyès, sua obra tinha por finalidade
responder a três questões relacionadas ao Terceiro Estado e, a partir das respostas
apresentarem a melhor solução para que o Terceiro Estado pudesse atingir o seu devido lugar
dentro do cenário francês:
Le plan de cet ècrit est assez simple. Nous avons trois questions à nous faire:
1º Qu’est-ce que le tiers état? Tout.
2º Qu’a-t-il été jusqu’à présent dans l’ordré politique? Rien.
3º Que demande-t-il? A y devenir quelquer chose.
On verra si les réponses sont justes. Nous examinerons ensuite les moyens que l’on
a essayés, et ceux que l’on doit prendre, afin que le tiers état devienne, en effet,
quelque chose. Ainsi nous dirons:
4º Ce que les ministres on tenté, et ce que les privilégiés euxmêmes proposent en sa
faveur.
5º Ce qu’on aurait dû faire.
6º Enfin, ce qui reste à faire au tiers pour prendre la place Qui lui est due.
[...]
Que faut-il pour qu’une nation subsiste et prospère? Des travaux particuliers et des
fonctions publiques.44 (grifo do autor).
Na tradução da obra para o português, tem-se que:
O plano deste trabalho é muito simples. Devemos responder a três perguntas:
1ª. O que é o Terceiro estado? Tudo
2ª. O que tem sido ele, até agora, na ordem política? – Nada
3ª. O que é que ele pede – Ser alguma coisa.
Vamos ver se as respostas estão certas. Examinares, em seguida, os meios
experimentados e os que deverão ser utilizados a fim de que o Terceiro estado
consiga ser, efetivamente, alguma coisa. Vamos dizer, então::
1º. O que os ministros tentaram e o que os próprios privilegiados propõem a favor
do Terceiro estado.
2º. O que deveria ter sido feito.
3º. O que ainda não foi feito para que o Terceiro estado ocupe o lugar que lhes cabe
politicamente.
[...]
O que é preciso par que uma nação subsista e prospere? Trabalhos particulares e
funções públicas.45 (grifo do autor).
43
BASTOS, Aurélio Wander. Introdução. in SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituição Burguesa: Que é o
terceiro Estado? Trad.: Norma Azeredo, 1. ed., 2. tir., Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988, p. 41/45.
44
SIEYÈS, Emmanuel. Qu’est-ce que le Tiers Etat? Preface de Jean Tulard, nouvelle édition, Paris: Presses
Universitaire de France, 1982, p. 27-28.
45
SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituição Burguesa: Que é o terceiro Estado? Trad.: Norma Azeredo, 1.
ed., 2. tir., Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988, p. 63/65.
44
E, ainda, na mesma obra, Emmanuel Joseph Sieyès, ressalta a importância do povo na
formação do Estado, entendendo que o chamado “Terceiro Estado” tem todos os elementos
necessários à formação de uma nação completa, já que uma nação pode ser entendida como
um corpo de associados que vivem sob uma lei comum e representados pela mesma
legislatura.
46
E, o terceiro Estado podia, portanto, representar, perfeitamente, uma nação em
sua integralidade.
Verifica-se que a finalidade do citado autor consistia em se conceder aos membros do
Terceiro Estado (o povo) a representatividade política, de maneira a lhes possibilitar o livre
acesso a cargos e funções de grande importância para o Estado francês. Para comprovar a real
necessidade dessa mudança, demonstra a falta de representatividade do povo, naquele
momento existente na França, utilizando-se da análise do número de membros do clero e da
nobreza, comparado ao número de membros do Terceiro Estado. Com Sieyès, tem-se
ampliada, em larga escala, a discussão sobre a formação do Poder Legislativo, possibilitando,
assim, a construção dos conceitos de legitimidade e legalidade.47
George W. F. Hegel (1770-1831 d.C.), outro grande filósofo alemão, viveu na mesma
época de Kant, tendo nascido alguns anos mais tarde. Hegel apresenta à dialética, que é o
próprio movimento do conceito, não sendo um método que supõe trazer a exterioridade do
próprio objeto.
Quando trata do Estado de Direito, este autor busca embasamento nas idéias extraídas
da Grécia Antiga, tendo trazido, inclusive, o pensamento dos Estóicos, os quais entendem
que: “O que para o estoicismo era o em si apenas abstração, agora é mundo efetivo. O
estoicismo não é outra coisa que a consciência que leva à sua forma abstrata o princípio do
Estado-de-Direito, a independência carente de espírito.” 48 (grifo do autor).
Na seqüência, tem-se Karl Marx (1818-1883 d.C.), revolucionário alemão e escritor da
famosa obra “O Capital”, tendo escrito, também, conjuntamente com Engles, o “Manifesto
Comunista”, entre outras obras. Este revolucionário entendia que a luta de classes era fruto do
sistema capitalista.
46
SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituição Burguesa: Que é o terceiro Estado? Trad.: Norma Azeredo, 1.
ed., 2. tir., Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988 , p. 68-69.
47
APPIO, Eduardo. Teoria Geral do Estado e da Constituição. Curitiba: Juruá, 2005, p. 43.
48
HEGEL. G. W. F. Fenemologia do espírito. 4. ed., trad.: Paulo Menezes, com a colaboração de José
Nogueira Machado, SJ, Coleção: Pensamento Humano, Parte II, Petrópolis: Vozes, 1999, p. 32.
45
Importante apontar que anteriormente ao período Capitalista, o capital era acumulado
por intermédio do comércio, estendendo-se este comércio não apenas a troca de mercadorias,
mas, também, relacionado a conquistas, pirataria, saque, exploração etc. A partir do século
XVI, com a exploração de ouro e prata na América; início das conquistas, com muitos saques
na Índia; exploração e comercialização de escravos, oriundo principalmente da África, entre
outros fatores, contribuíram para que pudesse acumular capital em volume suficiente e se
desse início a idade da produção capitalista. Leo Huberman traça interessante paralelo acerca
do mencionado período apontando que o comércio era resultado, especialmente, de pirataria,
composta por conquistas, saques e exploração, tendo o capitalismo iniciado sua produção, por
intermédio da conjunção do referido capital. Aponta, ainda que:
Não é sem razão que Marx escreveu: “Se o dinheiro... ‘Vem ao mundo com uma
mancha congênita de sangue numa das faces’, o capital vem pingando da cabeça
aos pés, de todos os poros, sangue e lama.” Comércio - conquista pirataria, saques,
exploração - esse os recursos eficientes. Produziram lucros enormes, somas
fabulosas - um suprimento de capital que aumentava cada vez mais.
[...] Era preciso, porém, algo mais do que o capital acumulado [...] era necessária
também uma oferta de trabalho adequada.
[...] Somente quando os trabalhadores não são donos da terra e das ferramentas somente quando foram separados desses meios de produção - é que procuram
trabalhar para outra pessoa. Não o fazem por gosto, mas porque são obrigados [...]
Destituídos dos meios de produção, não têm escolha. Devem vender a única coisa
que lhes resta - sua capacidade de trabalho, sua força de trabalho.
A história da criação de uma oferta necessária à produção capitalista deve, portanto,
ser a historia de como os trabalhadores privados dos meios de produção.49 (grifo do
autor).
Diante do quadro acima colocado, Karl Marx assim se manifesta:
O processo que abre caminho para o sistema capitalista não pode ser senão o
processo que toma ao trabalhador a posse de seus meios de produção; um processo
que transformará, de um lado, os meios de subsistência e produção no capital, e, de
outro, os produtos imediatos em trabalhadores assalariados... O produtor imediato,
o trabalhador, só podia dispor de sua pessoa depois de libertado do solo e depois
que deixasse de ser escravo ou servo, dependendo de outrem. Para tornar-se um
livre vendedor de sua força de trabalho, que leva sua mercadoria a qualquer lugar
onde encontre mercado, ele precisa livrar-se antes do regime de corporações, de
suas regras para aprendizes e jornaleiros, e de restrições dos regulamentos de
trabalho... Esses novos libertos só se tornaram vendedores do próprio trabalho
quando se viram destituídos de seus meios de produção e de todas as garantias de
vida proporcionadas pela velha organização feudal. E a história disso, de sua
expropriação, é escrita nos anais da humanidade em letras de sangue e fogo.50
49
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Trad.: Waltensir Dutra, 21. ed., rev., Rio de Janeiro:
LTC, 1986, p. 148.
50
MARX, Karl. O Capital. vol. 1, apud, HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Trad.:
Waltensir Dutra, 21. ed., rev., Rio de Janeiro: LTC, 1986, p. 149.
46
Após o período feudal, os camponeses perderam o direito à terra, o que se tornou para
eles um desastre. De forma natural, sentiram-se irritados contra os senhores, que lhes
expulsaram das terras, bem como contra o governo, que nada fazia para mantê-los na terra e,
que, pelo contrário, criava medidas para retirá-los, de forma eficiente, da terra. Sem terra, as
classes mais baixas tinham, que de alguma forma, conseguir seu sustento, sendo que, assim,
passaram a trabalharem para as indústrias como assalariados.
Friedrich Engels (1820-1895 d.C.), também trouxe grande contribuição para a hoje
conhecida conceituação e definição de Estado. Entre outras obras, escreveu como dito alhures
“A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, tendo dito, entre outras coisas,
que os gregos (assim como outros povos), desde tempos imemoriais já viviam em tribos, as
quais eram oriundas das gens (conjunto de famílias que se encontram ligadas e submetidas
politicamente a uma autoridade comum), com regras próprias. Com a evolução natural,
passou-se a considerar a riqueza como bem supremo e as antigas instituições da gens foram
adulteradas para justificar a obtenção de riquezas pelo roubo e pela violência. Nesse momento
histórico, havia necessidade da existência de uma instituição que protegesse as novas
riquezas, a propriedade privada, bem como as novas formas de aquisição dessa propriedade.
E, ainda, fazia necessário o surgimento de uma instituição que não só mantivesse a divisão da
sociedade em classes, mas e, sobretudo, que permitisse que a classe possuidora pudesse
explorar aquela que pouco ou nada possuía e a dominação da primeira sobre a segunda. Dessa
necessidade, surgiu o Estado. Entende ser a democracia a mais completa de todos os modelos
de Estado, tendo apontado que:
A república democrática, a mais elevada de todas as formas de Estado em nossas
modernas condições sociais se torna cada vez mais uma necessidade inevitável e é a
única forma de Estado sob a qual pode ser travada a última e definitiva batalha
entre o proletariado e a burguesia – a república democrática, oficialmente, não
reconhece mais as diferenças de posses.51
Na esteira da História, a Alemanha produz mais um notável filósofo, Friedrich W.
Nietzche (1844-1900 d.C.), sendo que este propôs à humanidade a “genealogia dos valores”,
que pregava o questionamento dos valores morais, já que para este filósofo, os valores morais
se originavam dos mais fracos, de sua reação diante dos poderosos. Na obra “A genealogia da
Moral”, este autor trata de conceitos como o “bom” e o “mau”, fazendo severas críticas
51
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado, Trad.: Ciro Mioranza, São
Paulo: Escala, 2006, p.184.
47
àqueles que governam, àqueles que detêm o poder e o mando do Estado, já que os mesmos
entendiam que somente eles possuíam bondade, somente eles estavam corretos, em
contraposição à “plebe”, tendo destacado que:
[...] Para mim, é evidente em primeiro lugar que essa teoria procura e fixa a origem
de emergência do conceito “bom” num lugar em que não está: o juízo “bom” não
emana daqueles a quem se prodigalizou a “bondade”. Foram os próprios “bons”, os
homens nobres, os poderosos, aqueles que ocupam uma posição de destaque e têm
a alma enlevada que julgaram e fixaram a si e a seu agir como “bom”, ou seja, “de
primeira ordem”, em oposição a tudo o que é baixo, mesquinho, comum e plebeu.
Foi esse pathos da distância que os levou a arrogar-se por primeiros o direito de
criar valores, de forjar nomes de valores: que lhes importava a utilidade!
[...] Fechar momentaneamente portas e janelas da consciência, permanecer
insensível ao barulho e à luta próprios do trabalho de colaboração e de oposição do
mundo subterrâneo de órgãos que se constituem em nossos servidores; um pouco
de silêncio, um pouco de tabula rasa de nossa consciência; e de fato praça limpa
para algo novo, antes de tudo para as funções e os funcionários mais nobres, para o
governo, a previsão, a determinação por antecipação (porque nosso organismo está
estruturado de maneira oligárquica) [...]52 (grifo do autor).
O jurista francês León Duguit (1859-1928 d.C.), entende que Estado designa toda a
sociedade humana, sendo uma autoridade política. Assim:
No seu sentido mais geral, a palavra Estado designa toda a sociedade humana em
que existe diferenciação política, diferenciação entre governantes e governados,
segundo a expressão consagrada, uma autoridade política.
As tribos do centro de África, que obedecem a um chefe, são Estados da mesma
maneira que as grandes sociedades européias que possuem um mecanismo de
governo sábio e complicado. Mas, importa dizer, a seguir, que a palavra Estado se
reserva, de ordinário, para designar as sociedades em que a diferenciação política
atingiu determinado grau.53 (grifo do autor).
Referido autor, em crítica a Hobbes e Rousseau, afirmou ser um círculo vicioso tentar
explicar a sociedade pelo contrato social, já que a idéia de contrato só é possível de existir
quando o homem vive em sociedade, ou seja, o pensamento acerca do contrato social só nasce
dentro daquele que já viveu, ou vive em sociedade. Para ele, o poder político e, o próprio
Estado, é resultado de uma evolução social, sendo que em todos os grupos sociais, que podem
ser qualificados de Estado, desde os mais simples aos mais complexos, um fator determinante
encontra-se sempre presente, indivíduos mais fortes do que os demais, sendo que os primeiros
acabam por impor sua vontade aos últimos.54
52
NITZCHE. Friedrich. A Genealogia da Moral. Trad.: Antonio Carlos Braga, São Paulo: Escala, 2006, p.
25/56.
53
DUGUIT, León. Fundamentos do Direito. Trad.: Eduardo Salgueiro, Florianópolis: Obra Jurídica, 2004,
p.32.
54
Idem, p. 42/47.
48
O jurista italiano Francesco Carnelutti (1879-1965 d.C.), na obra clássica “Como
nasce o Direito”, traz algumas considerações acerca do Estado, as quais entendem que o
Estado e o Direito encontram-se interligados, sendo que:
[...]a sociedade juridicamente ordenada se chama Estado. A idéia do direito e a
idéia do Estado estão, portanto, intimamente relacionados: não há Estado sem
direito e nem direito sem Estado.
[...] O Estado, isto é, a estabilidade da sociedade da sociedade, é um produto, e até
o produto do direito.55 (grifo do autor).
Lembra, ainda, referido autor, dos primórdios da humanidade e da formação do próprio
Estado, que surgiu da família (caracterizando-se em um Estado minúsculo), passando pela
gens romana e pela polis, desenvolvendo-se a partir dessa constituição.
Karl Engisch (1899 d.C.-), estudioso do Direito, trata na obra “Introdução ao
Pensamento Jurídico”, acerca do sentido e estrutura da regra jurídica, interpretação, bem
como de alguns conceitos, apontando que Direito está impregnado de valores e de princípios,
não se esgotando simplesmente na lei. Trata também do Estado, tendo dito que:
Em todo caso, sempre é verdade que a causalidade natural se baseia em leis
naturais, ao passo que a causalidade jurídica se funda em leis humanas, sendo que
estas últimas em certo sentido são produtos duma criação arbitrária. Mas também
com esta consideração não fica o assunto arrumado: “É verdade que os factos
jurídicos não possuem por si mesmo a força criadora de Direito (rechtserzeugende
Kraft), mas a recebem da lei ou do costume: a causalidade jurídica é instituída
pelo....Estado [...].56 (grifo do autor).
Veja-se que Karl Engisch aponta que o Estado é responsável pela instituição da
causalidade jurídica, tendo o poder de determinar as ações a serem realizadas pela população
de uma maneira em geral. É claro que o Estado deve ficar atento para que possa atender de
forma efetiva aos anseios do povo, retirando dele (do povo) seus valores e, os transformando
em normas.
Jurgen Habermas (nascido em 18 de junho de 1929) trouxe importante contribuição
para a construção do conceito de Estado, tento tratado, de forma direta ou indireta, em
diversas obras, estando entre elas “O Discurso filosófico da modernidade”, onde o autor
55
CARNELUTTI, Francesco. Como nasce o Direito. Trad.: Hilomar Martins Oliveira, Belo Horizonte: Líder,
2005, p.53.
56
ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad.: J. Baptista Machado, 9. ed., Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2004, p. 62-63.
49
aponta que o Estado, enquanto democraticamente legitimado, deve embasar-se na soberania
popular, estando a serviço do povo. Além disso, entende que a modernidade está voltada para
a visão sistêmica, tendo afirmado que:
Segundo as idéias normativas da nossa tradição política, o aparelho do Estado
democraticamente legitimado, fundado na soberania popular e não mais na dos
príncipes, deveria ser capaz de realizar a opinião e a vontade do público de
cidadãos. Os próprios cidadãos. Os próprios cidadãos participam da formação
coletiva da consciência, sem poder agir coletivamente. Mas e o Estado, pode? Uma
“ação coletiva” significaria que o Estado traduziria em autodeterminação
organizada da sociedade este conhecimento intersubjetivamente constituído que a
sociedade possui sobre si mesma. Todavia, já devido às razões da teoria dos
sistemas, deve-se duvidar dessa possibilidade. A política tornou-se hoje,
efetivamente, assunto de um sistema parcial, funcionalmente diferenciado; diante
dos sistemas parciais restantes, esse sistema não pode dispor do grau de autonomia
que seria exigível para um controle central, isto é, para uma atuação sobre si mesma
que parta da sociedade enquanto totalidade e retorne a esta.57
Dentre os autores que contribuíram para o conceito moderno e, atual, de Estado,
ressalta-se, também, a lição de Hans Kelsen, que trata do referido instituto em várias de suas
obras, como na Teoria General del Estado, trazendo inúmeros conceitos, entendendo que o
Estado, independentemente da conceituação, estará, sempre ligado ao social, sendo o Estado o
conceito específico, dentro de um conceito genérico, que é a sociedade. O Estado seria,
portanto, o conjunto de todos os fenômenos sociais.
Uma das mais usuais é aquela em virtude da qual designamos como “Estado” o
conjunto de todos os fenômenos sociais, identificando-o com a Sociedade (no
sentido de uma totalidade orgânica e em consciente contraposição a qualquer de
suas manifestações parciais). Uma variedade desta aplicação intensiva do conceito
é o recente intento de identificar o “Estado”, pura e simplesmente, com a história
em repouso, e a história como o Estado que flui (SPENGLER); frase criativa, mas
falta a exatidão científica. 58
Hans Kelsen também trabalha o “Estado” em sua famosa obra: “Teoria Pura do
Direito”, onde destacou, entre outras coisas, que o Estado é uma ordem de coação, sendo que
57
HABERMAS, Jurgen. O Discurso filosófico da modernidade. São Paulo: LAEL, 1990, p.500-501.
KELSEN, Hans. Teoria general del Estado. Traducción directa do alemã por Luis Legaz Lacambra, México:
Editora Nacional, 1959, p. 4. (tradução nossa). Uma de las más corrientes es aquella en virtud de la cual
designamos como “Estado” el conjunto de todos los fenómenos sociales, identificándolo com la Sociedad (en el
sentido de una totalidad orgánica y en consciente contraposición a cualquiera de sus manifestaciones parciales).
Una variedad de esta aplicación intensiva del concepto es el reciente intento de identificar el “Estado” pura y
simplesmente como la historia en reposo, y a la historia como el Estado que fluye (SPENGLER); frase
ingeniosa, pero falta de exacititud científica. En contraposición a estos puntos de vista, hallamos a veces un
concepto de “Estado” que considera a éste como uno de tantos hechos que constituye con los restantes el reino
de lo social, de modo que la Sociedad es el concepto específico. (grifo do autor).
58
50
o “elemento político específico desta organização consiste na coação exercida de indivíduo a
indivíduo e regulada por essa ordem, nos atos de coação que essa ordem estatui.” 59 Além
disso, ressalta que apesar do Estado ser uma ordem jurídica, o contrário não é verdadeiro, já
que para que a ordem jurídica se caracterize como Estado, imprescindível à mesma o caráter
de organização, criando e organizando órgãos, devem funcionar em conformidade com o
princípio da divisão do trabalho para a criação e aplicação das normas que formam referida
ordem.
Para Norberto Bobbio, entender o Estado como sociedade civil ainda é possível,
todavia, referida definição se revela, a cada dia, mais incongruente e desviante. Para ele, é
indiscutível ser Nicolau Maquiavel considerado como o fundador da ciência política moderna,
sendo que por esse motivo, o Estado não pode mais ser confundido como uma forma de
sociedade, até porque, enquanto perdurou a controvérsia entre Estado e Igreja (acerca dos
limites a cada estabelecido) era aceitável que o Estado fosse definido como uma forma de
sociedade. Contudo, com o decorrer dos tempos, alteraram-se as conceituações, como, por
exemplo, quando do surgimento da doutrina natural e, da mesma forma, com o
contratualismo, momento em que o Estado passou a ser visto, especialmente, em seu aspecto
de associação, de forma voluntária, para a defesa de alguns interesses, como a propriedade, a
vida e a liberdade.60
Tércio Sampaio Ferraz Jr. faz uma breve análise do trabalho de Hans Kelsen, tendo
apontado que Direito e Estado se confundem, já que:
Direito é um conjunto de normas, uma ordem coativa. As normas, pela sua
estrutura, estabelecem sanções. Quando uma norma prescreve uma sanção a um
comportamento, este comportamento será considerado um delito. O seu oposto, o
comportamento que evita a sanção, será um dever jurídico. Ora, o Estado, neste
sentido, nada mais é que o conjunto das normas que prescrevem sanções de uma
forma organizada. [...] Sem esta ordem normativa, o Estado deixa de existir
juridicamente falando. Um Estado que é só força, só poder, só violência, ainda que
eficaz, mas cujos comandos não constituem uma ordem, uma relação orgânica de
normas sancionadoras e normas de competência, não pode ser considerado como tal
ângulo da ciência jurídica.61 (grifo do autor).
59
KELSEN, Hans.Teoria pura do Direito. trad.: João Batista Machado, 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006,
p. 316-317.
60
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: Para uma teoria geral da política, Trad.: Marco Aurélio
Nogueira, 12. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005, p.50.
61
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Por que ler Kelsen Hoje, in COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen.
Prólogo de Tércio Sampaio Ferraz Jr., 4. ed., rev. São Paulo: Saraiva, 2001, XIX/XX.
51
Para outros, o Estado é uma realidade cultural, como Miguel Reale, que entende que o
Estado é uma realidade construída de forma natural, em decorrência da própria natureza social
do homem. Todavia, para ele, isso não acarreta na negação de que se deva, da mesma forma,
levar em consideração a contribuição que o homem, de maneira consciente e voluntária, tem
trazido à organização da ordem estatal. Complementa, ponderando que a referida concepção
culturalista do Direito, se dá, em virtude de que não é possível entender o Direito sem associálo a um sistema de valores, já que se estabelecem relações de homem para homem com
exigência bilateral de fazer ou não fazer alguma coisa.62
Pedro Calmon associa a idéia de Estado a uma nação politicamente organizada, sendo
esta independente e soberana:
O Estado é a nação politicamente organizada. E a Nação, a coletividade que, em
determinado território, unificada pela raça e pelo idioma, com os seus velhos
costumes, as suas tradições comuns, o seu govêrno próprio, não se confunde com
os outros grupos humanos. Ao contrário, dêles se distancia pelo vigor ou pela
originariedade, pela fôrça inconsciente ou pela agressiva defesa de sua ‘cultura’...
nacional. Estado é portanto nação emancipada (em relação às demais),
independente ou soberana.63 (grifo do autor).
Lourival Vilanova levanta alguns questionamentos acerca da conceituação do Estado,
sendo que para ele, a noção de Estado é utilizada de forma bastante ampla, não estando
associado apenas a conceitos políticos:
O CONCEITO de Estado é um conceito que se encontra amplamente usado, na
ciência da história, na sociologia, na teoria do direito público, na ciência política, na
filosofia do Estado e na filosofia da cultura. Um termo com usos em tantas
disciplinas, julgar-se-á, deve ter o mesmo conceito. Não obstante, cada disciplina
ora suprime características, ora põe outras em mais evidência, de sorte que o termo
recebe conceptuações que guardam analogia, mas não equivalência. [...]
Julgamos acertado dizer que a conotação do termo Estado sofre três variações, em
concordância com a categoria de conhecimento que se tem em vista. Se o
conhecimento se dirige à origem e à formação do Estado, quer por método
individualizador, quer pela forma generalizadora, teremos respectivamente a
história do Estado e a sociologia do Estado; o conceito de Estado será amplo, no
sentido acima indicado, e meramente descritivo do objeto. O conceito funciona, no
conhecimento histórico e no conhecimento sociológico, como esquema
aproximativo da realidade e como hipótese de trabalho. Para o conhecimento
dogmático, o conceito de Estado é um conceito jurídico, é um conceito limitado à
órbita do direito público. O objeto, correlato desse conceito, defini-se pela sua
específica normatividade, quer dizer, distinta de sua normatividade ética ou
religiosa. Se bem que o conceito dogmático de Estado seja descritivo, todavia,
ressalta no objeto a categoria de dever-ser. Agora, se a classe de conhecimento
62
63
REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. São Paulo: Martins, 1940, p. 8-9.
CALMON, Pedro. Curso de teoria geral do Estado. 5. ed., rev., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1958, p. 16.
52
referente ao Estado é conhecimento filosófico, o conceito de Estado envolve como
constituinte necessária a referência a valor.64
Percebe-se que Lourival Vilanova traz como parte do conceito de Estado, no âmbito
filosófico, uma referência a valor, voltado para a busca do Estado justo, do Estado ideal,
capaz de assegurar que todos possam ter os direitos resguardados. É claro que o Estado ideal
normalmente encontra-se distanciado do Estado real, da própria realidade empírica.
Todos os autores trazidos, neste tópico (tanto os gregos como os que se sucederam),
contribuíram de alguma forma, para a construção do conceito de Estado, ainda que não
tenham diretamente tratado dele.
O melhor conceito de Estado é aquele que não fica adstrito à mera definição do termo
destituindo-o de finalidade, bem como de valoração. Aliás, como já manifestava Platão, para
o qual o Estado tinha por escopo a Justiça.
Importante lembrar que, nos tempos atuais, não há como se admitir que o Estado não
tenha como objetivo primordial o bem comum, como forma de alcançar a própria dignidade
da pessoa humana. Portanto, Estado, é formado pelos seus elementos constitutivos, povo,
território e soberania, visando atingir um bem maior; por intermédio da aplicação e efetivação
da dignidade da pessoa humana, pois a partir do momento que cada indivíduo for detentor de
dignidade, a sociedade, como um todo, verá alcançado o que deve ser a finalidade precípua do
Estado, o bem comum.
Como dito por Kant, tudo deve ter uma finalidade, não devendo, o Estado, se esquivar
de tal obrigação. E, essa finalidade deve ser sempre o ser humano e, nos tempos atuais, em
especial, deve ser a dignidade do ser humano, a bandeira a ser levantada e defendida pelo
Estado. Até porque, a dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado, proibindo-se,
assim, o emprego utilitarista do homem, pois o ser humano não deve ser meio, mas fim.
Estado, de outro modo, como dito por autores acima citados, é uma unidade de poder,
organizada e soberana, constituído dentro de um território, ocupado por um povo. O Estado
64
VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosóficos. Vol. 1, São Paulo: IBET, 2003, p. 114-115.
53
prescreve normas, eivadas de coação, visando à distribuição da Justiça, por intermédio da
consecução da dignidade da pessoa humana.
1.2
ELEMENTOS DO ESTADO
O Estado é constituído, segundo a doutrina clássica, por três elementos, sendo eles:
povo, território e governo soberano (ou soberania). E, para explicar o porquê da existência
desses elementos, Norberto Bobbio apresenta a conceituação de Mortati, na qual se encontra
que o Estado é “um ordenamento jurídico destinado a exercer o poder soberano sobre um
dado território, ao qual estão necessariamente subordinados os sujeitos a ele pertencentes.” 65
De outra forma, ensina Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que, consoante dita a doutrina
tradicional, “[...] o Estado é uma associação humana (povo), radicada em base espacial
(território), que vive sob o comando de uma autoridade (poder) não sujeita a qualquer outra
(soberana).” (grifo do autor). Em resumo, diz que é “[...] o Estado uma ordem jurídica
relativamente centralizada, limitada no seu domínio espacial e temporal de vigência, soberana
e globalmente eficaz.” 66
Importante lembrar a lição de Paulo Bonavides, a qual traz que, após o fim do Império
romano, a Idade medieval (com sua organização feudal), predominantemente cristã, assistiu o
colapso do modelo de governo conhecido pelos antigos e, chamado de Estado. Pelo menos
com relação ao Estado, assim entendido como instituição materialmente reunido de coerção,
pronto a demonstrar a unidade de um sistema com plena normatividade e eficácia absoluta. 67
1.2.1 Soberania
Paulo Bonavides lembra que foi a soberania que inaugurou o Estado moderno, tendo
afirmado ainda que:
65
MORTATI, C. Instituzioni di Diritto pubblico. Cedam, Pádua, 1969, p. 23, apud BOBBIO, Norberto.
Estado, Governo, Sociedade: Para uma teoria geral da política, Trad.: Marco Aurélio Nogueira, 12. ed., Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2005, p. 94.
66
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 29. ed., rev., atual., São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 48.
67
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4. ed., rev., ampl., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 20.
54
Ao termo da Idade Média e começo da primeira revolução iluminista que foi a
Renascença, brilhante precursora da segunda revolução, a revolução da razão,
ocorrida no século XVIII, o Estado Moderno já manifestava traços inconfundíveis
de sua aparição cristalizada naquele conceito sumo e unificador – o de soberania ,
que ainda hoje é o seu traço mais característico, sem embargo das relutâncias
globalizadoras e neoliberais convergentes no sentido de expurgá-los das teorias
contemporâneas do poder.
[...] foi a soberania, por sem dúvida, o grande princípio que inaugurou o Estado
Moderno, impossível de constituir-se se lhe falecesse a sólida doutrina de um poder
inabalável e inexpugnável, teorizado e concretizado na qualidade superlativa de
autoridade central, unitária, monopolizadora de coerção.68
É claro que antes de se constituir uma instituição presente e manifesta, mas
despersonalisada, como o é o Estado, a autoridade se prendia, totalmente, à pessoa do
soberano, do príncipe. Sendo que, não se concebia o príncipe despido, destituído de suas
qualidades de soberano; das prerrogativas absolutas. Esse pensamento de grandeza de
soberania estava a coroar a cabeça do príncipe, sustentando, assim, o Estado Moderno, o qual
era Estado da soberania ou do soberano, para posteriormente, se transformar em Estado da
Nação ou do povo.
Na concepção de Hans Kelsen, a soberania não deve ser entendida como algo
totalmente ilimitado, já que afirma:
A afirmação de que a soberania é uma qualidade essencial do Estado significa que
o Estado é uma autoridade suprema. A ‘autoridade’ costuma ser definida como o
direito ou o poder de emitir comandos obrigatórios. O poder efetivo de forçar os
outros a certa conduta não basta para constituir uma autoridade. O indivíduo que é,
ou que tem, autoridade deve ter recebido o direito de emitir comandos obrigatórios,
de modo que os outros sejam obrigados a obedecer. Tal direito ou poder pode ser
conferido a um indivíduo apenas por uma ordem normativa. Desse modo, a
autoridade, originalmente, é a característica de uma ordem normativa. Apenas uma
ordem normativa pode ser ‘soberana’, ou seja, uma autoridade suprema, o
fundamento último de validade das normas que um indivíduo está autorizado a
emitir como ‘comandos’ e que os outros são obrigados a obedecer.69 (grifo do
autor).
A soberania é um poder que constitui e fundamenta o Estado, sendo uma de suas
características primordiais. Permite que o Estado determine suas competências, de
conformidade com os seus critérios e necessidades.
68
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4. ed., rev., ampl., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 21.
KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad.: Luiz Carlos Borges, 3. ed., São Paulo: Martins
Fontes, 1998, p. 544-545.
69
55
Manoel Gonçalves Ferreira Filho traz uma conceituação bastante simples, mas eficaz
acerca do instituto, entendendo que: “[...] soberania é o caráter supremo de um poder:
supremo, visto que esse poder não admite qualquer outro, nem acima, nem em concorrência
com ele.” 70. (grifo do autor).
A Constituição da República do Brasil, em seu Art. 1º traz a soberania como
fundamento do próprio Estado Democrático de Direito, ao dispor que a República Federativa
brasileira é constituída pela união indissolúvel dos Estados, Distrito Federal e Municípios,
constituindo Estado Democrático de Direito, o qual tem por fundamentos, entre outros, a
soberania (que ocupa o primeiro inciso do mencionado artigo).
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, ao comentarem o referido Art. 1º,
ressaltam que não há limitação a este na ordem interna, sendo, portanto, um poder político
supremo e, também, independente, não sendo, assim, subserviente a ordens de governo
estrangeiro. É claro que não se pode deixar de lado o Direito Internacional, o qual, por meio
de cláusulas de supranacionalidade, permite que os Estados tenham a supremacia mitigada,
relativizada, em detrimento dos Tratados Internacionais dos quais o Estado seja signatário, na
medida em que estes ingressam na ordem interna do país71, como por exemplo, norma de
igual hierarquia à Constituição, como ora acontece no Brasil, com os Tratados Internacionais
de Direitos Humanos, na forma determinada pela Lei Maior, em face da Emenda
Constitucional nº. 45.
Ainda acerca da concepção moderna de soberania, importante transcrever o
pensamento de Rosemiro Pereira Leal, para o qual:
Poder-se-ia acrescentar que a soberania, na acepção moderna, como instituição
condicionante e criadora do ordenamento jurídico dos povos em forma de Estados
auto-determináveis e independentes, equivale a consciência coletiva que, por direito
fundamental, decorre da livre manifestação do povo para modelar o Estado,
segundo princípios imanentes à esssa própria consciência. Esses princípios, além de
terem caráter jurídico, porque são ordenadores do Estado, devem guardar
70
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 29. ed., rev., atual., São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 49.
71
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Constituição Federal comentada e legislação
Constitucional: De acordo com as recentes Emendas Constitucionais. atual. até 10.04.2006, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, p. 1187.
56
identidade com os postulados dos direitos fundamentais como caminhada histórica
inexorável do homem à busca e sua plena libertação.72
Assim, entende-se por soberania a condição de um Estado que não se submete a outro
Poder; exercendo sua autoridade sem quaisquer restrições, lembrando-se a possibilidade de
mitigação dessa soberania, em decorrência de Tratados e Convenções Internacionais.
1.2.2 Povo
Acerca do conceito de povo, Hans Kelsen entende que este “[...] é constituído pela
unidade da ordem jurídica válida para os indivíduos cuja conduta é regulamentada pela ordem
jurídica nacional, ou seja, é a esfera pessoal de validade dessa ordem”.73
Veja-se que o autor entende que o povo constitui uma unidade jurídica, sendo a esfera
de validade, pessoal, do próprio Estado, que é a ordem jurídica nacional. Ao interpretar o
conceito de povo, trazido por Hans Kelsen, Manoel Gonçalves Ferreira Filho depreende que o
povo, que é a coletividade, emana de critérios que são fixados pela ordem jurídica estatal,
sendo, que, portanto, pertence ao povo quem o Direito assim determinar, dando como
exemplo, a dupla nacionalidade, onde o mesmo indivíduo faz parte de mais de um Estado.
Dessa forma, ressalta e aponta que, com Hans Kelsen, se pode e, deve, dizer que a ordem
jurídica estatal é composta por quem o Direito estatal reconhece como integrante do próprio
Estado, mas, referido integrante o é em sua dimensão pessoal. Conclui-se, portanto, que o
“[...] povo é o conjunto de todos aqueles para os quais vigora uma ordem jurídica. Ou seja,
para os quais, especificadamente, existe essa ordem jurídica (já que nenhuma ordem estatal
pode existir para reger, apenas, aqueles que ela considera estrangeiros).” 74 (grifo do autor).
Já, para Pedro Calmon, o conceito de povo está ligado à participação e integração na
sociedade política, tendo em vista que para esse autor, povo é “o conjunto de cidadãos.”
75
Sendo que, quando se menciona revolta do povo, ou opinião do povo, está se referindo
(segundo a opinião do autor) à parte da população integrada na sociedade política, não sendo,
72
LEAL, Rosemiro Pereira. Soberania e mercado mundial: A crise jurídica das economias nacionais. 2. ed.
rev., atual., Rio de Janeiro: De Direito, 1999, p. 39.
73
Kelsen, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad.: Luis Carlos Borges, São Paulo: Martins Fontes,
2000, p. 334.
74
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 29. ed., rev., atual., São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 48.
75
CALMON, Pedro. Curso de teoria geral do Estado. 5. ed., rev., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1958, p. 125.
57
portanto, para ele, todas as pessoas que vivem no mesmo território e sob a mesma ordem
jurídica estatal.
Não se pode confundir povo com nação ou com população, sendo estes dois últimos
institutos diversos do primeiro, já que povo é conjunto de pessoas ligadas ao Estado por um
vínculo jurídico ou político. População, de outra forma, é algo mais amplo, já que está
relacionado a todos aqueles que se encontram dentro de determinado território, neles se
incluindo os estrangeiros e o próprio povo (de determinado país). Já, nação, é o conjunto de
pessoas ligadas por laços culturais, históricos e lingüísticos, não havendo necessidade de
estarem vinculados efetivamente a um Estado (como é o caso da nação palestina)76; ou,
também, pode-se dizer que nação é o território com autonomia política e habitado por um
povo.
1.2.3 Território
Outro elemento constitutivo do Estado, o território, que seria o espaço físico deste,
composto por porções de terra, água e ar (espaço aéreo); é o espaço onde o Estado exerce de
maneira exclusiva e, independente, a sua soberania. Para Pedro Calmon, “O território é a base
física, o âmbito geográfico da Nação, onde ocorre a validade de sua ordem jurídica. É
patrimônio sagrado – inalienável – do povo.” 77
Nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, território “[...] é o domínio espacial
de vigência de uma ordem jurídica estatal. É também por ela definido, tanto no tocante às
terras como às águas, tanto no concernente às profundezas quanto às alturas.” 78
1.3
UM RESGATE NA VISÃO ECONÔMICA DA ANTIGUIDADE
Importante que se faça, neste momento, no presente trabalho, uma viagem retrospectiva,
até os primórdios da humanidade desenvolvida, verificando-se, brevemente, as idéias
econômicas da antiguidade.
76
DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2005, p. 3.
CALMON, Pedro. Curso de teoria geral do Estado. 5. ed., rev., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1958, p. 128.
78
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 29. ed., rev., atual., São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 48.
77
58
Entre os séculos XII ao VIII, antes de Cristo, a economia era apenas doméstica, nas
cidades gregas. Após esse período, a Grécia (mais especificadamente no século V a.C. –
período clássico -, e entre os séculos IV a III a.C. – era helênica), viveu uma fase de
econômica propriamente dita, sendo esta, uma fase econômica de trocas, na qual os
estrangeiros e libertos tiveram papel de suma importância, nessa época em as conquistas
abrem espaço para que a Grécia desenvolva o comércio, por intermédio da abertura para
novos e ricos mercados. E, alguns caracteres da Grécia contribuíam para o desenvolvimento
do comércio e da navegação, como a pobreza e escassez do solo, bem como o número elevado
da população. E, ainda, algumas características geográficas, como o local em que estava
situado o território grego, com um mar repleto de golfos e baías.79
Tudo isso, porém, não fez desenvolver um pensamento econômico de grande escala. E,
tal fato se deu em virtude do predomínio da filosofia, que orienta o pensamento da população,
impedindo o estudo, de forma independente e isenta acerca dos problemas e questionamentos
econômicos, em face das seguintes ideais: pensamento dominante do geral sobre o particular;
igualdade; e, o desprezo pela riqueza.
As idéias acima apontadas se justificam em decorrência da realidade grega, já que o
pensamento que tratava da prevalência do geral sobre o particular se entende pelo fato de que
a Grécia era dividida em cidades (que eram independentes), que viviam em guerra, umas com
as outras. Desse modo, a cidade e, sua proteção, era a principal preocupação e, não o
comércio, tendo em vista que o indivíduo devia se sacrificar em nome do coletivo, em nome
da segurança e prosperidade de todos. Quanto à idéia de igualdade, esta se dava em virtude de
que, em um local onde se verifica a exigüidade dos meios de existência parece improvável
que alguém possa acumular riquezas sem que isto ocorra à custa da perda de outra pessoa. E,
a ética, domina as manifestações teóricas e práticas do espírito grego. Dessa forma, a visão
econômica acaba sendo obscurecida pelos ideais e pensamentos filosóficos da época.
Por fim, pode-se dizer que os pensamentos filosóficos levaram ao desprezo à riqueza,
como bem demonstra Platão, ao afirmar que: “O ouro e a virtude são dois pesos colocados nos
pratos de uma balança, de tal modo que um não pode subir sem que desça o outro.” 80 Sendo
assim, entendia-se que a acumulação de riquezas era contrária a uma vida virtuosa e, o
79
80
HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. 14. ed., 14. tir., 1995, p. 30.
PLATÃO, apud, HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. 14. ed., 14. tir., 1995, p. 32.
59
homem só conseguia obter a felicidade se vivesse de forma a observar a virtude, já que a
primeira reside na segunda. A preocupação primordial do homem não deveria ser a riqueza,
mas sim, a vida da alma. Tudo isso acabava por dificultar a propagação das idéias
econômicas, mas não as impediu de ocorrer.
Outro ponto que merece destaque é a respeito da moeda, que surgiu, na forma cunhada,
na Grécia, por volta de VIII e VII a.C, tendo sido o instrumento necessário à expansão
econômica. É claro que antes desse período havia outras espécies de “moeda”, que serviam
para facilitar o “comércio”, à base de troca de mercadorias, como, por exemplo, o gado.
Paul Hugon lembra que Aristóteles, na obra “Política”, discorre acerca do histórico da
moeda, mostrando, “[...] ter tido a sua invenção por fim obviar as dificuldades da troca direta.
A troca por meio de moeda, operação abstrata, suprime os inconvenientes da permuta ou troca
direta, ato concreto.”
81
Assim, Aristótes estabelece primordial diferença entre as duas
economias sucessivas, sendo a primeira, a cremática natural, que é a economia chamada
doméstica, que entende ser boa e necessária; a segunda, de outra forma, é a cremática não
natural ou economia mercantil, que, de outro modo, é censurável, já que acaba por levar o
indeivíduo a obter da troca um provento, um ganho, o que é totalmente contrário à natureza.82
Diferentemente dos gregos, os romanos tinham o pensamento econômico intimamente
ligado à política e, não à filosofia. Apesar da existência de uma vida econômica, não havia,
em Roma (aqui se tratando da Roma antiga), um pensamento econômico geral e
independente. Em face de se tratar de um grande Império, o qual dominou o mundo conhecido
à época, Roma era um grande mercado, no qual circulavam mercadorias do mundo todo.
Todavia, reinava, em Roma, o espírito da dominação, por terem caráter militar e política, onde
a acumulação de riquezas tinha apenas um propósito, o de fazer novas conquistas, bem como,
assegurar as já realizadas. O Império Romano possuía uma tendência, inicialmente,
intervencionista, que teve seu auge na antiguidade romana, mas que acabou por ocasionar
dificuldades de abastecimento e, posteriormente, individualista, representada pelos
jurisconsultos romanos.
81
82
ARISTÓTELES, apud, HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. 14. ed., 14. tir., 1995, p. 37.
HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. 14. ed., 14. tir., 1995, p. 37.
60
1.4
CONSIDERAÇÕES DO PENSAMENTO ECONÔMICO NA IDADE MÉDIA E
PERÍODO SUBSEQUENTE
Para Paulo Hugon, a Idade Média, do ponto de vista econômico, pode ser dividida em
duas fases primordiais, sendo que o primeiro período se deu entre os séculos V a XI e, o
segundo, do século XI ao XIV. Na primeira fase, tem-se a invasão dos bárbaros, que resultou
no fim da economia antiga e o surgimento e fortalecimento do feudalismo, criando, assim, o
fracionamento político e a fragmentação econômica. Nesse período, a produção é
praticamente toda rural, sendo que as trocas passam a ser insignificantes e rudimentares, não
ultrapassando, em regra, a localidade, que vive às margens do castelo do senhor feudal. A
população passa a se reanimar a partir do século XI, para expandir-se do século XII, em
diante, tendo ressurgido o sistema de trocas.83
É importante lembrar que no sistema feudal detectava-se a existência de três classes,
sendo elas, a dos sacerdotes, dos guerreiros e dos trabalhadores, sendo que esta última
produzia o sustento das duas primeiras. A maioria das terras agrícolas da Europa ocidental e
central estava dividida em áreas conhecidas como feudos, sendo que um feudo consistia
apenas em uma aldeia e as várias centenas de acres de terra arável que a circundavam, e nas
quais o povo da aldeia trabalhava. No período feudal a terra produzia praticamente todas as
mercadorias de que necessitava e, dessa maneira, a terra e, somente e, especialmente, a terra
era a chave da fortuna de um homem. Por isso, a importância exacerbada que tinha a terra
naquele período.
A medida de riqueza era determinada por um único fator, qual seja a quantidade de
terra. Esta era, portanto, disputada de forma contínua, não sendo por isso de surpreender que o
período feudal tivesse sido um período de guerras. Para vencer as guerras era preciso aliciar
tanta gente quanto possível, e a forma de fazê-lo era contratar guerreiros, concedendo-lhes
terra em troca de certos pagamentos e promessa de auxílio, quando necessário. A igreja era,
além de parte, membro desse sistema feudal. A igreja constituía uma organização que se
estendeu por todo o mundo cristão; mais poderosa, maior, mais antiga e duradoura que
qualquer coroa. Tratava-se de uma era religiosa e a Igreja Católica, sem dúvida, tinha um
83
HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. 14. ed., 14. tir., 1995, p. 45.
61
poder e prestígio espiritual tremendos. Além disso, tinha riqueza, no único sentido que
prevalecia na época, ou seja, a igreja foi a maior proprietária de terras no período feudal.
O ideal econômico da Igreja, nesse período medieval, se verifica pelo pensamento de
que a terra é dada aos homens por Deus e que aqueles que não a possuem devem ficar
resignados com tal fato, sendo que, ainda, o objetivo do trabalho não deve ser a acumulação
de riquezas e, a usura deve ser evitada por todos, o que acabou por atravancar o comércio de
uma maneira em geral, por entender a Igreja que o comércio não era menos reprovável que o
dinheiro. A Igreja, nesse mundo rigorosamente hierárquico, possui o primeiro e mais
importante lugar, possuindo ascendência tanto moral quanto econômica (pois, como já dito,
possui mais domínios do que a própria nobreza. Para melhor vislumbrar tais fatos, é
necessário transcrever a lição de Henri Pirenne, na obra “História econômica e social da Idade
Média”:
Seu conceito do mundo adaptou-se admiravelmente às condições econômicas desta
época, em que o único fundamento da ordem social era a terra. A terra foi, com
efeito, dada por Deus aos homens para que pudessem viver neste mundo pensando
na salvação eterna. A finalidade do trabalho não é enriquecer, mas conservar-se na
condição em que cada um nasceu, até que, desta vida mortal, passe à vida eterna. A
renúncia do monge é o ideal a que tôda a sociedade deve aspirar. Procurar riqueza é
cair no pecado da avareza. A pobreza é de origem divina e de ordem providencial.
Compete, porém, aos ricos, aliviá-la por meio da caridade, de que os mosteiros dão
exemplo. O excedente das colheitas deve-se, por conseguinte, armazenar para que
se possa repartir gratuitamente, da mesma maneira como as abadias distribuem, de
graça, os adiantamentos que se lhe pedem, em caso de necessidade.
Proibição da usura. “Mutuum date nihil inde sperantes”. O empréstimo a juros,
ou, para empregar o têrmo técnico com que é designado e que, deste então, teve
significado pejorativo que se conservou até nossos dias, a usura, é uma
abominação. Sempre foi proibida ao clero; a Igreja conseguiu, a partir do século IX,
que se tornasse proibida também aos leigos, e reservou o castigo dêsse delito à
jurisdição de seus tribunais. Além disso, o comércio em geral não era menos
reprovável do que o do dinheiro. É também perigoso para a alma, pois afasta-a de
seus fins últimos.84 (grifo do autor).
Após esse primeiro período feudal, entra em cena o comerciante, trazendo o
investimento da riqueza na Idade Média e o intercâmbio de mercadorias. Importante papel,
para que tal fato ocorresse, tiveram as Cruzadas e o próprio comércio, representado pelos
mercados e feiras.
84
PIRENNE, Henri. História econômica e social da Idade Média. Trad.: Lycurgo Gomes da Motta, 4. ed., São
Paulo: Mestre Jou, 1968, p. 19.
62
Hoje, há inúmeras maneiras de se aplicar o capital, mas logo no início da Idade Média,
isso não era possível, e, tampouco, acessível, aos ricos. Estes possuíam grande fortuna, mas
era um capital estático e não continuamente movimentado como hoje, já não se necessitava
diariamente de dinheiro para adquirir coisas, pois quase nada era comprado. Praticamente
toda alimentação e o vestuário, de que o povo precisava, eram obtidos no feudo. Havia uma
economia de consumo, em que cada aldeia feudal era praticamente auto-suficiente. Sem
dúvida, havia certo intercâmbio de mercadorias, todavia, com o comércio em tão baixo nível
não havia razão para a produção de excedentes em grande escala. Só se fabrica ou cultiva
além da necessidade de consumo quando há uma procura firme. Assim sendo, o comércio nos
mercados semanais nunca foi muito intenso e era sempre local. Outro obstáculo à sua
intensificação era a péssima condição das estradas e com um grande número de salteadores.
Outros obstáculos retardavam a marcha do comércio. O dinheiro era escasso e as moedas
variavam conforme o lugar. Pesos e medidas também eram variáveis de região para região.
Por todos esses motivos, era pequeno o comércio nos mercados feudais locais.
Mas, o comércio cresceu, sendo que esse crescimento acabou por afetar a vida da
Idade Média. O século XI teve como palco o desenvolvimento do comércio; sendo que no
século seguinte, a Europa ocidental transformou-se em virtude desse evento. As Cruzadas
impulsionaram o comércio, já que necessitavam de provisões durante todo o caminho, e os
mercadores os seguiam, visando fornecer-lhes o que era necessário. Além disso, verificou-se
um aumento na população, depois do século X, sendo que os novos habitantes necessitavam,
da mesma forma, de mercadorias. A procura aumentou vertiginosamente, aumentando, com
isso, a necessidade do fornecimento de mercadorias.
No tocante às Cruzadas e seus motivos, tem-se que em primeiro, havia a Igreja, a qual,
sem dúvida, ali estava, por um motivo religioso legítimo, mas, também, no sentido de
reconhecer que se tratava de uma época de luta. Segundo, enquanto a igreja Romana
encontrou nas Cruzadas a oportunidade de estender seu poderio, a Igreja Bizantina via nelas o
meio de restringir o avanço mulçumano ao seu próprio território. Terceiro, havia os nobres e
cavaleiros que desejavam os saques ou estavam endividados, e os filhos mais novos, com
pequena ou nenhuma herança, sendo que, assim, todos julgavam ver nas Cruzadas uma
oportunidade para adquirir terras e fortuna. E, em quarto, havia as cidades de Veneza, Gênova
e Pisa. Veneza foi sempre uma cidade comercial, apresentando uma localização ideal para a
época, pois o bom comércio era o do Oriente, tendo o Mediterrâneo como saída. E, as cidades
63
comerciais italianas encaravam as Cruzadas como uma oportunidade de obter vantagens
comerciais. Assim é que a terceira Cruzada teve por objetivo não a reconquista da Terra
Santa, mas, sim, a aquisição de vantagens comerciais para as cidades italianas. Os cruzados
atravessaram Jerusalém, em demanda das cidades comerciais ao longo da costa.85
A quarta Cruzada começou em 1201. Desta vez, Veneza desempenhou o papel mais
importante e lucrativo. Se os séculos XI e XII presenciaram um renascimento do comércio no
Mediterrâneo, ao sul, viram também o grande despertar das possibilidades comerciais nos
mares do norte. Nessas águas, o comércio não renasceu. Pela primeira vez, na história, tornouse realmente intenso.
Nos séculos XII e XIII, os meios de transporte não estavam tão desenvolvidos. Nem
havia uma procura firme e constante de mercadorias, em todas as regiões, que pudesse
garantir às lojas uma venda diária durante todo o ano. A maioria das cidades, por esse motivo,
não podia ter comércio permanente, sendo que as feiras periódicas na Inglaterra, França,
Bélgica, Alemanha e Itália constituíam um passo em prol do comércio estável e permanente.
Note-se que há diferença entre os mercados locais semanais, os dos primórdios da Idade
Média e, as grandes feiras do século XII ao XV. Os mercados eram pequenos, negociando
com os produtos locais; agrícolas. As feiras, no entanto, eram enormes, negociando
mercadorias por atacado, as quais vinham de todos os pontos do mundo conhecido à época.
Outro ponto a se destacar é o uso do dinheiro, da moeda, que torna o intercâmbio de
mercadorias mais facilitado e, dessa maneira, auxilia o comércio, posto que o incentive. A
intensificação do comércio, em contrapartida, reage na extensão das transações financeiras.
Depois do século XII, a economia, antes de ausência de mercados, se transformou, de forma
radical, para uma economia de muitos mercados; e com o crescimento do comércio, a
economia natural do feudo auto-suficiente do início da Idade Média se transformou em
economia de dinheiro, num mundo de comércio em constante expansão.86
Um dos efeitos que mais se verifica com os fatos acima relatados e, com o
desenvolvimento e aumento do comércio, é o crescimento das cidades. Em decorrência disso,
surgem as corporações, que eram contrárias aos pensamentos feudais. O choque foi inevitável.
85
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Trad.: Waltensir Dutra, 21. ed., rev., Rio de Janeiro:
LTC, 1986, p. 18-19.
86
Idem, p. 24.
64
Com o crescimento da influência dos mercadores estes acabaram por modificar o sistema
feudal, pois o mercado é dinâmico e não podia continuar aceitando as “amarras” impostas
pelos senhores feudais. Além disso:
Nos primórdios do feudalismo, a terra, por si só, constituía a medida da riqueza do
homem. Com a expansão do comércio surgiu um novo tipo de riqueza – a riqueza
em dinheiro. No início da era feudal o dinheiro era inativo, fixo, móvel; agora se
tornara ativo, vivo, fluido. No início da era feudal os sacerdotes e guerreiros,
proprietários de terras situavam-se num dos extremos da escala social, vivendo do
trabalho dos servos, que se encontravam no outro extremo. Agora, um novo grupo
surgia – a classe média, vivendo de uma forma diferente, da compra e da venda. No
período feudal, a posse da terra, a única fonte de riqueza, implicava o poder de
governar para o clero e a nobreza. Agora, a posse do dinheiro, uma nova fonte de
riqueza, trouxera consigo a partilha no governo, para a nascente classe média.87
Outro ponto a destacar sobre este tópico, é que não se podia mais conceber a idéia,
trazida e defendida pela Igreja – como já relatado acima -, de que os juros não deveriam ser
praticados, por ser a usura um pecado, já que o homem deveria se contentar com aquilo que
Deus lhe havia dado na terra. O justo, segundo os preceitos da Igreja, era receber exatamente
aquilo que havia sido emprestado, na mesma medida. Todavia, a própria Igreja não seguia
seus ensinamentos, realizando empréstimos (tomando e concedendo), com cobrança de juros.
Lentamente a Igreja acabou por aceitar, em face da força dos comerciantes da época, e fez
concessões acerca da usura, o que permitiu um avanço ainda maior do comércio. E, dessa
forma, “[..] foi desaparecendo a doutrina da usura da Igreja e ‘a prática comercial diária’
passou a predominar. Crenças, leis, formas de vida em conjunto, relações pessoais – tudo se
modificou quando a sociedade ingressou em nova fase de desenvolvimento.”88 (grifo do
autor).
Ato contínuo modifica-se a situação do camponês, que começa a ser dono de terra.
Uma das modificações mais importantes foi a nova posição do camponês, já que enquanto a
sociedade feudal permaneceu estática, no tocante à relação entre senhor e servo, fixada pela
tradição, foi praticamente impossível ao camponês melhorar sua condição. Contudo, com o
crescimento do comércio, a introdução de uma economia monetária, bem como, com o
crescimento das cidades proporcionaram-lhe formas para, finalmente, romper os laços que
ainda o prendiam.89
87
, HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Trad.: Waltensir Dutra, 21. ed., rev., Rio de Janeiro:
LTC, 1986 p. 33.
88
Idem, p. 38.
89
Idem, p. 39.
65
Além disso, verifica-se aqui, a valorização do indivíduo (de forma incipiente, é
claro), antes relegado a mero fornecedor de força de trabalho, “burro de carga” e, agora, como
um possível consumidor, detentor de riquezas.
A velha organização feudal rompeu-se sob a pressão de forças econômicas que não
podiam ser controladas. Em meados do século XV [...] O trabalhador agrícola
passou a ser algo mais do que um burro de carga. Podia começar a levantar a
cabeça com um ar de dignidade.
[...] O fato de que a terra fosse assim comprada, vendida e trocada livremente,
como qualquer outra mercadoria determinou o fim do antigo mundo feudal. Forças
atuando no sentindo de modificar a situação varriam toda a Europa ocidental,
dando-lhe uma face nova.90
A indústria também se modifica, já que, inicialmente, a produção era feita em casa
mesmo, independentemente da espécie de mercadoria a ser comercializada. A indústria
deixou de ser doméstica, passando à cidade, tornando-se local. Surge o artesanato
profissional, assim como o regime das corporações e, com isso o senhor feudal é substituído
pela burguesia.
Na última metade do século XIV, as corporações começaram a decair. O poder das
cidades livres começou a enfraquecer. E, novamente, passaram a ser controladas de fora,
todavia sob uma nova forma; especialmente por um rei, o qual pretendia unificar num Estado
nacional regiões até então desorganizadas; verdadeiras nações com territórios definidos.
Surge, portanto, o absolutismo.
Em 1453, com a tomada de Constantinopla pelos turcos, finalizou-se o comércio com
o Mediterrâneo oriental. A burguesia européia foi obrigada a encontrar novas rotas comercial
pelo oeste, contribuindo-se, assim, para o progresso das técnicas de navegação, que se
permitiram os grandes descobrimentos. Concomitantemente, houve uma repulsa pela cultura
medieval e a busca de uma nova identidade, o que faz surgir o Renascimento (e, com o
Renascimento, tem-se a volta das idéias Gregas e, portanto, o humanismo).
Com o absolutismo, vem, também, a corrida pela acumulação de riquezas, dentro dos
Estados. E, os reis tentaram, de todas as formas, acumularem ouro e prata e, uma dessas
formas se consolidou nas grandes navegações, já que se tentava localizar metais preciosos em
outros cantos da terra. Ora, nesse período, quando o ouro e prata eram tão necessários à
90
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Trad.: Waltensir Dutra, 21. ed., rev., Rio de Janeiro:
LTC, 1986, p. 47-48.
66
expansão do comércio, essa mesma expansão propiciou a descoberta de grandes jazidas
desses mentais que, por sua vez, levaram a uma expansão ainda maior do comércio. Para o
povo do século XV, Colombo, que não tivera êxito em sua viagem às Índias, representava um
fracasso. Foi somente no século XVI, com o afluxo da prata das minas do México e do Peru
para a Espanha, que se deu a essa descoberta o devido valor. Assim, novos navios foram
“lançados”, em todas as direções. Em 1497, Vasco da Gama, circunavegou o continente
africano, e em 1498 ancorou no porto de Calecute, Índia. Descobrira-se o caminho marítimo
para as Índias. 91 Em 1500, o Brasil é descoberto.
Apesar dos lucros dos mercados, perde os governos e os trabalhadores, gerando
conseqüências na agricultura, o que acaba por elevar o número de miseráveis. Os dados sobre
o número de mendigos nos séculos XVI e XVII são surpreendentes. Um quarto da população,
de Paris, na década de 1630, era constituída de mendigos, e nos distritos rurais seu número era
igualmente grande. Na Inglaterra, as condições não eram melhores. A Holanda estava cheia
delas e na Suíça. Qual a explicação dessa miséria generalizada entre as massas, num período
de grande prosperidade pra uns poucos? A guerra, como sempre, foi uma das causas.92
Com a expansão do mercado, surge o embrião do hoje conhecido sistema capitalista.
Do século XVI ao XVIII, os artesãos independentes da Idade Média tendem a desaparecer, e
em seu lugar surgem os assalariados, que cada vez dependem mais do capitalismo mercadorintermediário-empreendedor.
Entre os séculos, XVII e XVIII, tem-se a fase da política mercantilista. Pretendia-se
transferir para o plano nacional os princípios que havia tornado as cidades ricas e importantes.
Tendo organizado o Estado político, como anteriormente apontado (na forma das monarquias
absolutistas) faltava, agora, organizar o Estado econômico. As teorias expressas e as leis
baixadas foram classificadas pelos historiadores definitivamente como sistema mercantil, não
sendo, todavia, um sistema. O mercantilismo era, na realidade, um número de teorias
econômicas aplicadas pelo Estado em um momento ou outro, num esforço para obter riqueza
e poder. Os estadistas ocupavam-se e, muito, do problema, não porque lhes fosse agradável
91
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Trad.: Waltensir Dutra, 21. ed., rev., Rio de Janeiro:
LTC, 1986, p. 79-80.
92
Idem, p. 88.
67
pensar nele, todavia em face de que seus governos estavam sempre extremamente
interessados na questão, já que sempre se encontravam em situação financeira desfavorável.93
A Espanha foi, no século XVI, talvez o mais rico e poderoso país do mundo. A posse
de ouro e prata, portanto, o total de barras que um país possuísse, era o índice de sua riqueza e
poder. Como os governos acreditavam nessa teoria de que quanto mais ouro e prata houvesse
num país, tanto mais rico este seria; o passo seguinte era óbvio. Criaram-se leis proibindo a
saída dos metais. E, além disso, os países poderiam aumentar sua reserva de ouro com o
comércio exterior, onde a diferença no valor de suas exportações, em relação às importações,
teria de ser paga em metal (acumulando-se assim dentro do país). Necessitava-se, então,
exportar mercadorias de valor e importar apenas o que fosse necessário, recebendo o saldo em
dinheiro. Dessa maneira, estimulou-se a indústria de todas as formas possíveis, em que face
de seus produtos tinham um valor muito maior do que os da agricultura, conseguindo, assim,
mais dinheiro nos mercados estrangeiros. Era o começo da balança de comércio favorável,
além da tentativa de tornar o país auto-suficiente, não dependendo, assim, de outros países.
Mercantilistas foram a favor do desenvolvimento da indústria, tendo asseverado que o
crescimento da indústria representava um grande aumento nas exportações, o que auxiliava
em uma balança comercial favorável, e, além disso, acabava por implementar o emprego.
Em 1776, os norte-americanos fizeram a Declaração da Independência, soltando-se,
portanto do julgo mercantilista da Inglaterra. No mesmo ano, Adam Smith publicou a obra
“Riqueza das nações”, trazendo a crescente revolta contra a política mercantilista. Havia um
clamor pelo comércio livre. Outros autores também participaram desse “levante” contra o
sistema mercantilista, entre eles se destacando Gounay, que estava indignado com a
regulamentação excessiva, presente no referido sistema. Desejava que a França, seu país, se
livrasse da mesma, tendo criado, então, a frase que se tornou o grito de batalha de todos os
que se opunham às restrições de toda sorte: “Laissez-faire!”, ou seja, “Deixem-nos em paz!”.
Os impostos, nessa fase, eram demasiadamente altos, sendo que o chamado Terceiro
Estado, como apontado anteriormente, sustentava os outros dois, o clero e a nobreza. Referida
situação encontrava-se insustentável. O povo, que não possuía nenhum privilégio começou a
93
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Trad.: Waltensir Dutra, 21. ed., rev., Rio de Janeiro:
LTC, 1986, p. 108.
68
se revoltar. A burguesia estava desejosa para que seu poder político se igualasse ao poder
econômico que já possuía. A burguesia, que também fazia parte do Terceiro Estado (já que
não tinha nenhuma espécie de privilégio) juntou-se ao povo, propriamente dito (aqui
entendidos os miseráveis, artesãos e camponeses), para a tomada do poder. A classe
economicamente mais baixa lutou e a burguesia lucrou.
Com a revolução francesa, em 1789, a classe burguesa conseguiu, finalmente, obter o
que pretendia: poder. Como bem salienta Leo Huberman, “O ano de 1789 bem pode ser
considerado como o fim da Idade Média, pois foi nele que a Revolução Francesa deu o golpe
mortal no feudalismo.”
94
Com isso, a burguesia introduziu, definitivamente, o capitalismo,
buscando-se sempre o lucro e, isso foi concebido de forma a permitir o livre comércio, sem a
intervenção do Estado, como acontecia até aquele momento, passa-se, então à fase do
Liberalismo.
1.5
A DOUTRINA LIBERAL E AS ESCOLAS DO PENSAMENTO ECONÔMICO
A Revolução Francesa marca o fim de uma era, sendo que com a referida revolução
surge a necessidade de um novo modelo de Estado, tendo, se aprimorado, então, o modelo
liberal, que vem, justamente, para romper com anterior, que era centralizador, no qual o
Estado era o elemento central (exteriorizada na figura do monarca). Como acima apontado, a
classe burguesa foi a que mais ganhou com a revolução, sendo que, inclusive, pode-se afirmar
que, “o Estado liberal humanizou a idéia estatal, democratizando-a teoricamente, pela
primeira vez, na Idade Moderna, Estado de uma classe – a burguesia [...].” 95
Para Caio Tácito:
Estado liberal nasce sob o signo de liberdade do cidadão. Limitando o poder
absoluto do Estado afirma os direitos individuais e políticos. A ordem econômica se
fundamenta no princípio da liberdade de iniciativa e de comércio, assegurando o
florescimento da burguesia e disseminação do novo regime capitalista. A ação do
94
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Trad.: Waltensir Dutra, 21. ed., rev., Rio de Janeiro:
LTC, 1986, p. 140.
95
BONAVIDES, Paulo. O Estado social e sua evolução rumo à democracia participativa, in MEZZAROBA,
Orides (org.). Humanismo latino e Estado no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2003, p.17-18.
69
Estado visa facilitar e garantir o livre jogo dos negócios, tendo como base jurídica a
autonomia da vontade, em que se apóia a liberdade de contrato e de associação.96
Importante apontar que, no Estado liberal, a economia ficava por conta dos particulares,
já que não havia, nesse momento, a figura do Estado interventor, sendo que, por esse motivo,
permitia que os indivíduos tivessem total liberdade. Até porque, o modelo do liberalismo se
apóia, totalmente, na idéia de liberdade. Sendo que o liberalismo latu sensu “é toda doutrina
ou posição tendente a aumentar o campo de ação da liberdade humana, e diminuir,
consequentemente, o autoritarismo nas diversas maneiras como se apresenta.” 97
Acerca do tema, não é demais ressaltar, nesta oportunidade, que:
A particularidade que assume a teorização liberal, desde Locke (justificando a
apropriação privada e o capitalismo), pelo menos, passando por Adam Smith, é a de
que os interesses privados seriam responsáveis pela satisfação de interesses
coletivos. Aqui se dá a conciliação do bem comum com o benefício individual.
Porém, é importante ressaltar, em nenhum momento o pensamento liberal se
desvia, muito pelo contrário, da tradição de pensar o Estado como legitimado por
buscar o bem comum, no sentido de oportunizar à apropriação privada do Poder
Público. Apenas para o liberalismo, o bem comum passa a ser tendencialmente
alcançado mediante o resguardo máximo da liberdade individual em face do
Estado.98
Já, Miguel Reale, tem entendimento diverso, afirmando, de maneira categórica, que:
“O liberalismo se caracteriza, em tôdas (sic) as suas expressões, pela permanente
desconfiança em face dos governos, e pela confiança otimista que deposita nas virtudes dos
dispositivos legais tendentes a cercear os excessos de autoridade.” 99
O liberalismo pregava a liberdade das pessoas, sem a intervenção estatal, em nenhum
campo, o que também valia para o campo econômico, onde o capitalismo reinava absoluto,
buscando o seu objetivo, lucro, sem a intervenção do Estado. Vigorava a autonomia da
vontade, onde o que se pactuava deveria ser cumprido, independentemente do que ou como
fora pactuado.
Alvacir Alfredo Nicz aponta que o Estado eminentemente liberal, não trazia, em suas
Constituições, referências à ordem econômica, o que, para esse autor, demonstrava o
96
TÁCITO, Caio. Do Estado liberal ao Estado do bem-estar social. Temas de Direito Público, Rio de Janeiro:
Renovar, 1997, 1v., p. 377.
97
RIBEIRO JÚNIOR, João. Pessoa, Estado & Direito. São Paulo: Universidade São Francisco, 1992, p. 97.
98
AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p.42.
99
REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. São Paulo: Martins, 1940, p.25.
70
completo desinteresse do Estado no tocante aos rumos tomados pela economia. Lembra,
ainda, que as Declarações de Direito também não eram diferentes. Assim, a preocupação do
Estado estava cingida à segurança interna e externa, estando, portanto, vinculado a uma
função de manutenção policial em seu âmbito interno, bem como, das forças armadas, no
tocante ao ambiente externo, não se preocupando de forma direta com a Economia. 100
O liberalismo, assim, funcionou como suporte para o capitalismo, permitindo que este
sistema econômico pudesse crescer e se desenvolver sem a interferência estatal a lhe tolher os
movimentos.
O Estado liberal e o Estado socialista, frutos de movimentos que resolveram e
abalaram com armas e sangue os fundamentos da sociedade, buscavam, sem
dúvida, ajustar o corpo social a novas categorias de exercício do poder, concebidas
com o propósito de sustentar, desde as bases, um novo sistema econômico adotado
por meios revolucionários.101
Para Paulo Bonavides, a evolução do próprio Estado Liberal que faz surgir o Estado
Social; avançando para eleger o caminho da Democracia participativa, inserindo na ordem
Constitucional os Direitos alcançados pelo homem, tendo se manifestado de forma expressa
que: “O Estado Liberal não é estático, e evolui; a dinâmica política, sem eliminar-lhe o
substrato da liberdade, mas antes forcejando por ampliá-lo, faz nascer o Estado Social, o qual
introduz nos artigos da Constituição os direitos sociais.” 102
1.6
CARACTERÍSTICAS DO INTERVENCIONISMO SOCIAL DO ESTADO
Após a exacerbada liberdade verificada no Estado liberal, o Estado passou a
desempenhar um papel diferenciado, começando a intervir não só nas relações econômicas,
como nas demais.
100
NICZ, Alvacir Alfredo. A liberdade de iniciativa na Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981,
p. 2.
101
BONAVIDES, Paulo. O Estado social e sua evolução rumo à democracia participativa, in
MEZZAROBA, Orides (org.). Humanismo latino e Estado no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2003,
p. 26.
102
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4. ed., rev., ampl., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 29.
71
Para José Anacleto Abduch Santos, o surgimento do Estado Social traz, consigo seu
caráter primordial, que é o intervencionismo, visando com tal método, promover a própria
sociedade, dando-lhe garantias e serviços:
Surge, portanto, a figura do Estado Social, que tem como fundamento de sua
atuação prover ao conjunto da sociedade os sistemas vitais (serviços públicos
essenciais) e de prestações (emprego, segurança social, saúde, acesso a bens
culturais) que garantem o seu funcionamento, e um nívem mínimo de bem-estar.
[...] a característica fundamental do Estado Social foi o intervencionismo, a
absorção de responsabilidade plena sobre os destinos da sociedade.103
Tem-se que a ideologia do Estado social se distancia, de forma evidente do outro
modelo, do Estado liberal, sem, contudo, decompor as conquistas da liberdade e da igualdade;
de outro modo, apenas funcionalizando-as, visando focar as atenções no ser humano, em face
do que se encontra na Lei Máxima deste país. Tem-se a introdução de uma cláusula geral de
solidariedade social, também presente na Constituição Federal, que tem como propósito
basilar a manutenção dos direitos individuais, visando à Justiça social, conforme define seu
artigo 170, caput.104
Percebe-se que o Estado Social é o que mais se aproximou e, mais se adequou, para
efetivação dos valores abstratos e, universais das Declarações dos Direitos fundamentais,
voltando-se, sempre, para a constitucionalização de referidos Direitos, por serem de extrema
importância para a construção do próprio Estado.
É Estado social onde o Estado avulta menos e a Sociedade mais; onde a liberdade e
a igualdade já não se contradizem com a veemência do passado; onde as diligências
do poder e do cidadão convergem, por inteiro, para transladar, ao campo da
concretização, direitos, princípios e valores que fazem o Homem se acercar da
possibilidade de ser efetivamente livre, igualitário e fraterno. A esse Estado
pertence também a revolução constitucional do segundo Estado de Direito, onde os
direitos fundamentais conservam sempre o seu primado. Sua observância faz a
legitimidade de todo o ordenamento jurídico.105
E é com o Estado Social que se tem a promoção da plena realização dos valores
humanos, colocando-se em destaque como função do Estado, a pacificação social, como meio
efetivo de realização e concretização da Justiça.
103
SANTOS, José Anacleto Abduch. Contratos de concessão de serviços públicos: Equilíbrio econômicofinanceiro. 1. ed., 3. tir., Curitiba: Juruá, 2004, p.36/38.
104
NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva CivilConstitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.41-42.
105
BONAVIDES, Paulo. O Estado social e sua evolução rumo à democracia participativa, in
MEZZAROBA, Orides (org.). Humanismo latino e Estado no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2003,
p.27.
72
Alexandre Santos de Aragão ressalta um ponto muito importante, e, o faz, lembrando
que “a configuração de um Estado como liberal ou social decorre de sua Constituição, dos
princípios e fundamentos por ela adotados e, ainda, das obrigações impostas e prerrogativas
conferidas ao Estado.”
106
E, a Constituição da República brasileira possui normas, valores e
princípios que confirmam tal referência; social.
1.7
A NOÇÃO DE UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
O Estado Democrático de Direito, na sociedade atual, desempenha papel fundamental,
em face de ser um dos principais focos que possibilitam a reprodução construtiva da própria
sociedade, tanto no que se refere à sua complexidade sistêmica quanto no que concerne à sua
heterogeneidade de interesses, valores e discursos. 107
Ora, o Estado Democrático de Direito consiste numa organização política cuja
qualificação de Estado baseia-se em duas idéias que não podem ser separadas, que são a
prévia regulamentação legal e a democracia.
Além disso, é importante frisar que “[..] o princípio democrático impõe a submissão
das funções estatais à vontade democrática livremente manifestada”, já que a democracia
indica a participação efetiva do povo nas decisões políticas; nas decisões estatais, até porque:
“A legitimidade democrática é exigida, agora, para toda a atuação estatal, abrangendo desde a
necessidade de eleição democrática a fiscalização e garantia contra ingerências ilegítimas ou
ilegais dos órgãos representativos do poder.”108
Nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, existem dois valores ditos
fundamentais, os quais são o alicerce da democracia: liberdade e igualdade, sendo que “a
106
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Configuração do Estado social brasileiro na Constituição de 1988:
Reflexos da despublicização da atuação estatal. in FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de; NUZZI NETO,
José (org.). Temas de Direito Constitucional: Estudos em homenagem ao advogado público André Franco
Montoro. São Paulo: ADCOAS, 2000, p. 21.
107
NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: Uma relação difícil – O Estado Democrático de Direito a partir e
além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins Fontes, 2006, XIX.
108
STUMN, Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade no Direito Constitucional brasileiro. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 113.
73
liberdade de cada um e de todos é, assim, inerente à democracia.” 109 Dessa forma, conclui-se
que, para esse autor, são objetivos, primordiais, do Estado Democrático de Direito a garantia
plena da liberdade e igualdade.
Os objetivos fundamentais do Estado Democrático estão definidos pelo princípio
democrático, que é a garantia popular, visando que as políticas públicas e sociais estejam
resguardadas como finalidades do Estado. Referido princípio implica em democracia
participativa, ou seja, oferecer aos cidadãos efetiva possibilidade de participação na vida
política do Estado, permitindo que os mesmos possam fazer parte do processo decisório.
Consoante o pensamento de José Joaquim Gomes Canotilho, o poder político é
constituído, legitimado e controlado pelo povo, que são, da mesma forma, legitimados a
participarem no processo de organização e construção do próprio Estado, bem como do
Governo110. Além disso, o Estado Democrático de Direito não tem como sobreviver, com a
ausência de uma Lei Máxima, uma Constituição, que o garanta; estruture e, que, ainda, possa
regular todas as suas concretizações. Depreende-se, portanto, não ser possível e, nem
palpável, efetivar-se a plenitude do Estado Democrático de Direito divorciada da realização e
efetividade dos princípios constitucionais, não havendo, portanto, democracia sem respeito à
Constituição; sem que se cumpram todos os seus preceitos.
Rizzato Nunes, ao discorrer sobre o referido ponto, assim se posiciona:
[...] Os princípios estruturantes são aqueles que representam o arcabouço político
fundamental constitutivo do Estado e sobre os quais se assenta todo o ordenamento
jurídico.
São, pois, princípios desse tipo o Princípio Democrático e o do Estado de Direito.
Daí, claro, pela junção necessária que se faz, só se pode falar em Estado de Direito
Democrático.
[...]
De qualquer maneira, é de indicar que no Sistema Constitucional Brasileiro é o
princípio estruturante o Estado de Direito Democrático, e entendemos que também
o é da dignidade da pessoa humana, uma vez que nossa ordem democrática
reconhece a dignidade como elemento fundamental legitimador do Sistema Jurídico
Nacional.111 (grifo do autor).
109
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 29.ed., São Paulo: Saraiva, 2002,
p. 99.
110
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 4. ed. Lisboa Portugal: Almedina, s/d.
111
NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 37/40.
74
Verifica-se que o princípio da dignidade da pessoa humana encontra-se, na
Constituição brasileira, como fundamento a legitimar todo o sistema jurídico nacional. Além
disso, logo no primeiro artigo da Lei Máxima deste país, pode-se encontrar o Estado
Democrático de Direito como elemento constitutivo e indispensável, para a formação e
manutenção da própria República.
No Brasil tem-se, portanto, os alicerces de um Estado Democrático de Direito, no qual
o poder emana do povo, sendo por ele exercido, de forma direta ou indireta, por meio dos
representantes eleitos. Além disso, tem-se o caráter social, já que a Constituição, assim como
o Estado brasileiro rege-se por valores e princípios voltados para a dignidade da pessoa
humana e para a manutenção da sociedade como um todo e, também, do indivíduo, de
maneira particular, primando, assim, pela Justiça social.
Importante salientar os ensinamentos de Ruy de Jesus Marçal Carneiro, que, ao
discorrer sobre o Art. 1º lembra da importância da participação social nos eventos que
envolvem o próprio Estado, como apontado acima, já que participa ativamente da construção,
manutenção e organização do Estado, em face de que todo o poder emana do povo, devendo
ser, portanto, para ele direcionado. E, a dignidade da pessoa humana reforça essa idéia, pois
possibilita que o poder seja efetivamente exercido por todos e para todos, como prevê a
Constituição Federal.
Vê-se, neste registro, que tal poder não é um poder qualquer, vazio, anêmico,
somente retórico, mas um poder definitivo, individualizado, singularizado, onde o
próprio substantivo (PODER) sofre uma influência absoluta do artigo definido (O)
que o antecede e o anima, reforçando a tese de que o poder do Estado brasileiro só
tem um titular: O POVO.112 (grifo do autor).
A finalidade do Estado é, portanto, o bem comum, promovendo, para tanto, a
plenitude dos valores esculpidos na Constituição Federal, onde a dignidade da pessoa humana
ocupa lugar de destaque, pois, como salienta Ruy de Jesus Marçal Carneiro, o Estado
brasileiro só tem um titular, que é o povo, devendo, portanto, servi-lo, resguardando todos os
seus direitos. E, ao resguardar a dignidade humana, o Estado brasileiro consegue abrigar todos
os demais direitos individuais, pois sem moradia, alimentação, saúde, segurança etc., não há
como se efetivar a dignidade de cada ser humano.
112
CARNEIRO, Ruy de Jesus Marçal. Cooperação das associações representativas no planejamento
municipal: preceito constitucional vinculante. Tese apresentada no Programa de Doutorado da PUC-SP, 2001, p.
19.
75
2. A CONSTITUIÇÃO COMO SISTEMA
Importante se faz, para o presente estudo, em que se pretende demonstrar que a
dignidade da pessoa humana é um princípio constitucional fundamental - capaz, portanto, de
atingir e limitar a ordem econômica, em face da interpretação sistemática -, entender a
Constituição como um sistema e, para isso, necessário se faz uma compreensão do que seja
sistema, sua finalidade, formas, elementos etc.
2.1 CONCEITO DE SISTEMA
Para apreender, da melhor forma possível, o conceito de sistema deve-se,
primeiramente, antes de adentrar-se no campo jurídico, partir da conceituação trazida por
outras Ciências, como as Ciências Biológicas, por exemplo, onde há uma busca por uma
existência equilibrada. Um exemplo mais palpável do que seria sistema é o corpo humano, o
qual funciona de forma ordenada, com a interdependência de vários órgãos, sendo que a falta
ou falha de qualquer um deles pode ocasionar falha no funcionamento ou, o perecimento do
sistema como um todo. Da mesma forma, têm-se, o sistema solar, que é um conjunto de
corpos celestes, todos convivendo em harmonia, dentro de um único espaço.
Nada determina que tenhamos que entrar nos sistemas tradicionalmente tratados
pela física. Podemos muito bem buscar princípios aplicáveis a sistemas em geral,
sem importar que sejam de natureza física, biológica ou sociológica. Sem
estabelecermos isso e definirmos bem o sistema, observa-se que existem modelos,
princípios e leis que aplicam a sistemas generalizados, sem importar com seu
gênero particular, elementos e força participantes. 113
Assim, as outras Ciências possibilitarão a melhor compreensão do sistema jurídico,
dando contornos já conhecidos, visando impedir entendimentos errôneos do mesmo; como o
pensamento matemático de organização, conjunto e totalidade, por exemplo, os quais levam à
percepção de um sistema, bem como de seu próprio funcionamento.
113
BERTALANFFY. Ludwing von. Teoría general de los sistemas: Fundamentos, dessarolo, aplicaciones.
trad. Juan Almela, México: Fondo de Cultura Económica, s.d., p. 33. (tradução nossa). Nada prescribe que
tengamos que desembocar en los sistemas tradicionalmente tratados por la fisica. Podemos muy bien buscar
principios aplicables a sistemas en general, sin importar que sean de naturaleza fisica, biológica o sociológica. Si
planteamos esto y definimos bien el sistema, hallaremos que existem modelos, principios y leys que se aplican a
sistemas generalizados, sin importar su particular género, elementos y ‘fuerza’ participantes. (grifo do autor).
76
Assim, pode-se dizer que a idéia de sistema está intimamente ligada a unidade e
ordenação, já que para que haja um sistema (em qualquer Ciência), necessário se faz que haja
uma similitude entre os componentes do próprio sistema, como é o caso dado acima do corpo
humano, onde vários órgãos funcionam de forma equilibrada, todos voltados a um único fim,
o de fazer o corpo funcionar de forma harmônica, sendo necessário para tal finalidade que os
órgãos trabalhem conjuntamente.
A definição trazida pelo Dicionário Caldas Aulete, aponta que sistema é o:
1.
Conjunto de elementos interdependentes que funciona com uma estrutura
organizada: sistema eleitoral/viário. 2. Forma de governo, de organização social
(sistema político). 3. Fig. Pop. Conjunto de práticas com certa unidade; MÉTODO:
sistema de trabalho. 4. Teoria que busca organizar dados e conhecimento num
todo: sistema evolutivo de Darwin. 5. Conjunto natural constituído de partes e
elementos interdependentes: sistema solar/ montanhoso. 6. Anat. Conjunto de
órgãos que funcionam com um propósito comum (sistema digestório). 7. Qualquer
forma específica de classificação ou esquematização (sistema métrico). 8. Aparelho
de certa complexidade: sistema de som. 9. Inf. Conjunto formado pelo computador,
periféricos e programas projetados para funcionar juntos.114 (grifo do autor).
De outra forma, é correto dizer que sistema é um conjunto composto por elementos
que funcionam de maneira ordenada, com um objetivo comum que os une; ou, ainda, a união
de elementos conexos entre si, com uma finalidade comum, funcionando em uma estrutura
organizada.
Como dito alhures, duas características são marcantes na definição de sistema, que
são: a ordenação e a unidade, que, para Claus-Wilhelm Canaris, no que tange ao primeiro (a
ordenação), tem-se a pretensão de com ela demonstrar um estado de coisas intrínseco
racionalmente apreensível, ou seja, fundado na realidade. Já, referente à unidade, pode
averiguar-se que esse fator modifica o que resulta já da ordenação, por não permitir uma
“dispersão numa multitude de singularidades”
115
(no sentido de que valores que analisados
isoladamente tem um significado diferente, mas quando reunidos, muda-se o panorama, sendo
que, dessa forma, a ordenação seria responsável pela junção de particularidades – por vezes
aparentemente desconexas – em algo unificado).
114
GEIGER, Paulo (editor responsável). Minidicionário contemporâneo da língua portuguesa Caldas
Aulete. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004, p. 735.
115
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito.
Introdução e trad. de A. Menezes Cordeiro, 2. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s.d., p. 12-13.
77
Luiz Alberto Warat apresenta uma definição bastante clara acerca do instituto em
estudo, entendendo que um sistema é formado por vários elementos, ou várias partes,
atrelados por um escopo comum:
[...] sistema aparece como o objeto formado de porções que se vinculam debaixo de
um princípio unitário ou como a composição de partes orientadas por um vetor
comum. Onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados
perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental de sistema. 116
Partindo-se para o conceito de sistema jurídico, após o entendimento do sistema de
maneira em geral, deve-se levar em consideração, primeiramente, o conceito trazido por Hans
Kelsen, para o qual o direito é entendido como uma ordem normativa; como um sistema de
normas que regulariam a conduta dos homens. E, nesse sentido, portanto, ordem, deve ser
percebida como um sistema de normas constituídas pelo mesmo fundamento de validade, o
que acarretaria, portanto, sua unidade.
117
Assim, mister considerar como elemento
imprescindível do sistema, a unidade, que torna possível a ligação entre os elementos
componentes de um dado sistema, estabelecendo-se uma conexão entre os mesmos.
Importante, também, ressaltar a concepção de Norberto Bobbio, o qual entende que
sistema é um conjunto de entes que possuem uma ordem, sendo que, ainda, aponta três
significados de sistema jurídico: o primeiro estaria mais próximo do significado de sistema
dedutivo, no sentido de que é considerado sistema quando todas as normas jurídicas, daquele
ordenamento, derivam-se de alguns princípios gerais – os princípios gerais do Direito; quanto
ao segundo significado é encontrado na Ciência do Direito moderno, o qual nasceu da
pandectista alemã, vindo de Savigny – “Sistema do Direito romano atual”, sendo que muitos
juristas entendem que tal passagem ocorreu quando da mudança da Jurisprudência exegética
para a Jurisprudência sistemática, sendo que a expressão Jurisprudência sistemática refere-se
ao campo das ciências empíricas e naturais. O procedimento desta forma de sistema é a
classificação e não a dedução; e, finalmente, no tocante ao terceiro e último (que, para
Norberto Bobbio é o mais interessante), tem-se que o sentido de sistema está interligado ao
pensamento de que um ordenamento jurídico constitui um sistema, em face de que não podem
coexistir nele normas incompatíveis, tem-se, neste, a idéia de sistema equivalendo-se à
116
WARAT, Luiz Alberto. O Direito e sua Linguagem. p. 65, apud, CARVALHO, Paulo de Barros. Direito
Tributário: Fundamentos Jurídicos da incidência. 2. ed., rev., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 39.
117
KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. trad. João Batista Machado, 7. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2006, p. 33.
78
validade do princípio que exclui a incompatibilidade das normas, não admitindo tal fato.
Assim (neste último significado apresentado), pode-se mencionar que nem todas as normas
que forem produzidas pelas fontes autorizadas considerar-se-iam validadas, no entanto, sendo
somente aquelas compatíveis com as outras.118
Sob outro enfoque, Paulo de Barros Carvalho, entende que sistema jurídico seria uma
expressão ambígua (a qual pode levar à falácia do equívoco, dependendo do contexto), já que
serviria tanto para designar o domínio da Ciência do Direito quanto para o direito positivo,
instalando-se certa instabilidade semântica, o que, para esse autor, prejudicaria a fluência da
comunicação, de tal forma que, “mesmo incorrendo o erro lógico mencionado, a compreensão
do texto ficará comprometida, perdendo seu rigor.”.119
Mais adiante, Claus-Wilhelm Canaris assevera que o sistema jurídico tem como
objetivo a tentativa de se obter a Justiça, destacando, ainda que a idéia de sistema jurídico
justifica-se justamente a partir desse valor, bem como na sua efetivação, que, para referido
autor, é um dos mais elevados valores do Direito. Além disso:
[...] que outro valor supremo, a segurança jurídica aponta na mesma direcção.
Também ela pressiona, em todas as suas manifestações – seja como
determinabilidade e previsibilidade do Direito, como estabilidade e continuidade da
legislação e da jurisprudência ou simplesmente como praticabilidade da aplicação do
Direito – para a formação de um sistema, pois todos esses postulados podem ser
muito melhor prosseguidos através de um Direito adequadamente ordenado,
dominado por poucos e alcançáveis princípios, portanto um Direito ordenado em
sistema, do que por uma multiplicidade inabarcável de normas singulares
desconexas e em demasiado fácil contradição uma com as outras. Assim, o
pensamento sistemático radia, de facto, imediatamente, na idéia de Direito (como o
conjunto dos valores jurídicos mais elevados).120 (grifo do autor).
118
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. trad.: Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, 10
ed., Brasília: Universidade de Brasília, 1999 (reimpressão: 2006), p. 71/81.
119
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: Fundamentos Jurídicos da incidência. 2. ed., rev., São
Paulo: Saraiva, 1999, p. 39.
120
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito.
Introdução e trad. de A. Menezes Cordeiro, 2. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 22-23.
79
2.2 FUNÇÃO
Quando se fala em função do sistema é importante tratar, antes de qualquer coisa, das
metas da teoria geral dos sistemas. E, Ludwing Von Bertalanffy aponta de forma primorosa as
metas principais, sendo elas:
Há uma tendência geral à integração geral nas várias ciências, naturais e sociais.
Referida integração parece girar em torno de uma teoria geral dos sistemas.
Mencionada teoria poderia ser um importante recurso para se buscar uma teoria
exata, nos campos não físicos da ciência. Ao elaborar princípios unificadores que
correm verticalmente pelo universo das ciências, esta teoria nos leva à meta da
unidade da ciência. Isto pode conduzir a uma integração, que faz muita falta na
instrução científica. 121
E, dessa forma, por ser o sistema um nexo, com fins de ser uma reunião de coisas, ou
ainda, um conjunto de elementos, nas palavras de Maria Helena Diniz, percebe-se que o
sistema não é uma realidade nem uma coisa objetiva, sendo, na visão da referida autora, o
aparelho teórico pelo qual se pode observar a própria realidade, e, portanto, que se pode. 122
Pela leitura dos autores supra mencionados, é possível concluir que sistema tem,
portanto, a função de ordenar elementos, reunindo-os de forma organizada, visando sempre
um fim comum. E, esse objetivo a ser buscado é aquele referido por Claus-Wilhelm Canaris,
o qual entende que o papel do conceito de sistema é “o de traduzir e realizar a adequação
valorativa e a unidade interior da ordem jurídica.”
123
Sendo que, dessa forma, assume
relevante papel, já que o sistema tem, nas palavras desse autor, a função de concretizar os
valores tidos como importantes. Dessa forma, sistema teria como função primordial a
efetivação dos valores escolhidos e determinados por dado sociedade ou por dada ordem
jurídica.
121
BERTALANFFY. Ludwing von. Teoría general de los sistemas: Fundamentos, dessarolo, aplicaciones.
trad. Juan Almela, México: Fondo de Cultura Económica, s.d., p. 38. (tradução nossa). (1) Hay una tendencia
general hacia la integración en las varias ciencias, naturales y sociales.(2) Tal integración parece girar en torno a
una teoria general de los sistemas.(3) Tal teoria pudiera ser un recurso importante para buscar una teoria exacta
en los campos no fisicos de la ciencia.(4) Al elaborar principios unificadores que corren ‘verticalmente’ por el
universo de las ciencias, esta teoria nos cerca a la meta de la unidad de la ciencia.(5) Esto puede conducir a una
integración, que hace mucha falta, en la instrucción científica. (grifo do autor).
122
DINIZ, Maria Helena. As lacunas no Direito. 7. ed., adaptada ao novo Código Civil (Lei 10.406, de 101.2002), São Paulo: Saraiva, 2002, p. 25
123
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito.
Introdução e trad. de A. Menezes Cordeiro, 2. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 23.
80
2.3 CLASSIFICAÇÃO DE SISTEMA
Há várias possibilidades de se classificar um sistema. Hans Kelsen apresenta uma
delas, utilizando-se o critério da natureza do fundamento de validade. Para referido autor,
pode-se conceber dois tipos diferentes de sistema de normas, sendo eles: 1) estático e 2)
dinâmico; sendo que o sistema estático seria aquele sistema de normas no qual tanto o
conteúdo quanto o fundamento de validade são percebidos e extraídos de uma norma
pressuposta, que é a norma fundamental. O dinâmico, de outra maneira, caracteriza-se pelo
fato da norma fundamental pressuposta ter por conteúdo a instituição de um fato produtor de
normas; a atribuição de poder a uma autoridade legisladora, pressupondo-se que se faz
necessária a existência de uma regra que determine como devam ser criadas as normas gerais
e individuais do ordenamento, o qual se encontra fundado sobre esta norma fundamental.
Significa dizer que a norma fundamental irá, na realidade, delegar poderes a uma autoridade
legisladora, a qual terá como papel a fixação de uma regra que servirá para a criação das
demais normas do sistema.124
Ao tratar da análise de sistema feita por Hans Kelsen, Norberto Bobbio também utiliza
o mesmo critério de classificação, entendendo que sistema estático é “aquele no qual as
normas estão relacionadas umas às outras como as proposições de um sistema dedutivo”, e,
isto se daria, exatamente pelo fato de que se “derivam uma das outras partindo de uma ou
mais normas originárias de caráter geral, que têm a mesma função dos postulados ou axiomas
num sistema científico”. E, já o sistema dinâmico, é aquele “no qual as normas que o compõe
derivam uma das outras através de sucessivas delegações de poder, isto é, não através do
conteúdo, mas através da autoridade que as colocou.” Dessa forma, uma autoridade inferior
irá derivar de uma autoridade superior, até se chegar à autoridade suprema, a qual não terá
nenhuma outra acima de si.125
Para, Paulo de Barros Carvalho, a classificação que melhor tem conquistado prestígio
seria aquela que classifica sistema em 1) reais e 2) proposicionais. O primeiro, também
124
KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. trad. João Batista Machado, 7. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2006, p. 219.
125
BOBBIO, Norberto.Teoria do ordenamento jurídico. trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, 10 ed.,
Brasília: Universidade de Brasília, 1999 (reimpressão: 2006), p. 72.
81
chamado de empírico, é composto por objetos do mundo físico e social. Já, os segundos, são
formados por proposições, pressupondo, assim, linguagem. 126
Outro critério será o utilizado no presente estudo, o qual classifica o sistema em
fechado e aberto. Ludwing von Bertanffy é um dos que utiliza, em sua obra, referido critério,
utilizando-o como forma de ilustração da teoria geral dos sistemas.
2.3.1 Sistema fechado
No sistema fechado não existe uma interação com o meio, bastando ele em si mesmo.
Neste sistema há uma inalterabilidade de seus elementos, sendo que não se permite a troca
entre o exterior e o interior.
Ludwing von Bertanffy, ao tratar acerca do tema, assim se manifesta:
Particularmente, o segundo princípio afirma que, em um sistema fechado, certa
magnitude, a entropia, deve aumentar até o máximo, e o processo acabará por deterse um estado de equilíbrio. Pode formular-se o segundo princípio de diferentes
modos, segundo uma das causas da entropia é medida de probabilidade, e assim um
sistema fechado tendo ao estado de destruição mais provável. 127
A idéia do sistema fechado é verificado com seu método lógico-dedutivo, ou jusnaturalista, sendo limitado nele mesmo, sem que outras experiências possam renovar suas
bases.128 No sistema fechado não há uma troca entre o sistema e o meio em que ele se
encontra, no seio da sociedade, o que acaba por levá-lo à sua própria destruição.
Mas, o modelo fechado de sistema não é o ideal, já que o sistema jurídico não pode e,
nem deve ser colocado fora do contexto de valores materiais e históricos, sendo que de nada
126
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: Fundamentos Jurídicos da incidência. 2. ed., rev., São
Paulo: Saraiva, 1999, p. 41.
127
BERTALANFFY. Ludwing von. Teoría general de los sistemas: Fundamentos, dessarolo, aplicaciones.
trad. Juan Almela, México: Fondo de Cultura Económica, s.d., p. 39. (tradução nossa). En particular, el segundo
principio afirma que, en un sistema cerrado, cierta magnitud, la entropia, debe aumentar hasta el máximo, y el
proceso acabará por deternerse en un estado de equilibrio. Puede formularse el segundo principio de difrentes
modos, según uno de los cuases la entropia es medida de probabilidad, y así uns sistema cerrado tiende al estado
de distribución más probable.
128
NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva CivilConstitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p. 57.
82
servem as construções abstratas do pensamente, meramente. Além disso, uma proposta
sistemática de cunho fechado em seus próprios enunciados já demonstrou que é imprópria
para a resolução dos casos práticos,
129
já que deixa de observar o que está ocorrendo ao seu
redor, evitando, portanto, o crescimento e desenvolvimento do próprio sistema.
2.3.2 Sistema aberto
O sistema aberto, diferentemente do sistema fechado, é aquele que pode trocar energia
e massa com o exterior, ou seja, este tipo de sistema está em constante interação com o
exterior, permitindo a entrada de elementos de fora, não se bastando, portanto, em si mesmo.
Verifica-se nesta espécie, que há sempre uma renovação do sistema, já que há uma
permanente entrada e saída (o que permite uma efetiva reciprocidade entre o sistema jurídico
e a sociedade).
Sendo aberto, é permitido ao sistema que busque elementos na sociedade, com o fito
de manter-se sempre atualizado, já que em sendo aberto há uma troca entre o ordenamento
jurídico e a sociedade, visando à renovação e atualização do sistema, para melhor oxigenação
e manutenção do próprio sistema.
Contudo, encontramos sistemas que, por sua natureza e definição não são sistemas
fechados. Todo organismo vivo é, antes de qualquer coisa, um sistema aberto.
Mantém-se em contínua incorporação e eliminação de matéria, constituindo e
demolindo componentes, sem alcançar, enquanto durar a vida, um estado de
equilíbrio químico e termodinâmico, senão mantendo-se em estado chamado
uniforme (steady) que difere daquele. Tal é a essência mesma desse fenômeno
fundamental da vida chamado metabolismo, os processos químicos dentro das
células vivas. 130
Na visão de Paulo Nalin, importante demonstrar que nos dias atuais não há lugar para
um sistema fechado, sendo que há uma mudança de paradigma, passando de um sistema
anteriormente fechado, para um aberto.
129
NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva CivilConstitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p. 59.
130
BERTALANFFY. Ludwing von. Teoría general de los sistemas: Fundamentos, dessarolo, aplicaciones.
trad. Juan Almela, México: Fondo de Cultura Económica, s.d., p. 39. (tradução nossa). Sin embargo,
encontramos sistemas que, por su misma naturaleza y definición, no son sistemas cerrados. Todo organismo
vivente es ante todo un sistema abierto. Se mantiene en continua incorporación y eliminación de materia,
constituyendo y demoliendo componentes, sin alcançar, mientras la vida dure, un estado de equilibrio químico y
termodinámico, sino manteniéndose en un estado llamado uniforme (steady) que difiere de aquél. Tal es la
esencia misma de ese fenómeno fundamental de la vida llamado metabolismo, los procesos químicos dentro de
las células vivas. (grifo do autor).
83
No sistema teleológico, adversamente ao lógico-axiomático (fechado = não
funcionalizado), há o reconhecimento de sua imperfeição, pois uma vez formada sua
unidade interna por meio de princípios gerais, podem estes se mostrar contraditórios,
o que seria inadmissível entre os axiomas.
A leitura atual do sistema jurídico não poderia ser outra que não sob uma
perspectiva aberta, sem rigor absoluto, logo, relativa. O próprio homem, atualmente,
se mostra fragmentado (relativo) em seus vários “eus”, desconexo entre o seu pensar
e o seu sentir, prova maior da superação do absoluto (fechado).131 (grifo do autor).
Outro ponto merecedor de destaque é quanto à interpretação sistemática do Direito,
em face da Constituição. Ressalta-se que é por intermédio da referida interpretação que se faz
a construção do sistema jurídico, porquanto aberto e passível de influências jurídicas e
metajurídicas (como a sociedade), terminando por levar o intérprete à conclusão de
incompletude do ordenamento jurídico, em contrapartida ao pensamento, levantado por Hans
Kelsen, do dogma da completude, já que com o modelo aberto verifica-se a falácia da
completude, em face de que o sistema jurídico está (e deve estar) sempre em construção,
sempre sendo influenciado pelo meio (de forma mais específica, pela sociedade).
Pode-se concluir, portanto, que o sistema aberto é o melhor modelo para o sistema
jurídico, já que nessa espécie pode sempre ocorrer a interação com o ambiente, alimentandose dos elementos encontrados no mesmo. Um sistema jurídico que não se alimenta acaba
perecendo, pois necessita buscar cognição; conhecimento ao seu redor, para estar
constantemente atualizado e capacitado para reger as relações sociais. Dessa maneira, há uma
conexão entre este sistema e a sociedade, de forma que o primeiro receba os recursos da
última (ou seja, seus valores, anseios, desejos, preocupações etc.) e, com o que foi trazido,
constrói regras balizadas naqueles subsídios e os devolve à sociedade, a qual irá responder de
forma positiva ou negativa, com um “feed back”, retornando-se para o sistema, constituindo,
assim, um círculo permanente de atualização e manutenção do mesmo.
Assim, o sistema, enquanto aberto, não se esgota em si mesmo, ou ainda, nos seus
elementos componentes, mas, de outra forma, como dito por Paulo Nalin:
[...] na força jurisprudencial, depreendendo-se dele, sobretudo, uma finalidade
evidenciada pela funcionalização dos institutos jurídicos. Ora, no sistema fechado
mostra-se desnecessária qualquer aplicação funcional dos institutos jurídicos
componentes, pois ele não se encontra comprometido com valores tais como a idéia
de Direito e a justiça social, mas sim com o simples funcionamento do próprio
131
NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva CivilConstitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.55-56.
84
sistema. [...] A dinamicidade do movimento social implica a dos seus próprios
valores, pois que a sociedade exige do sistema jurídico uma plasticidade a qual, no
mínimo, deve se adaptar aos ventos da sua dinâmica. 132
Além disso, para Claus Wilhelm Canaris:
A abertura como incompletude do conhecimento científico acresce assim a abertura
como modificabilidade da própria ordem jurídica. Ambas as formas de abertura são
essencialmente próprias do sistema jurídico e nada seria mais errado do que utilizar
a abertura do sistema como objecção contra o significado da formação do sistema na
Ciência do Direito ou, até, caracterizar um sistema aberto como uma contradição em
si. A abertura do sistema científico resulta, aliás, dos condicionamentos básicos do
trabalho científico que sempre e apenas pode produzir projectos provisórios,
enquanto, no âmbito questionado, ainda for possível um progresso, e, portanto, o
trabalho científico fizer sentido; o sistema jurídico partilha, aliás, esta abertura com
os sistemas de todas as outras disciplinas. 133
Como acima apontado por Paulo Nalin, a própria sociedade exige que o sistema seja
aberto, porquanto que referido modelo permite a dinamicidade do sistema e sua efetiva
integração com a sociedade, em face de que se encontra comprometido com os valores e com
a própria justiça social, a qual para ser concretizada deve primar, em especial, pelo princípio
da Dignidade da Pessoa Humana, em face da eleição deste valor pela Constituição Federal de
1988.
2.4 NORMAS: REGRAS E PRINCÍPIOS
Para que se faça um estudo detalhado acerca do objeto deste trabalho, imperioso tratar
da conceituação de princípio constitucional, o que leva forçosamente à necessidade de
estudar, ainda que de forma breve, as normas jurídicas. Isso se justifica pelo fato de que as
normas jurídicas podem conter uma regra ou um princípio.
As normas jurídicas são: “[...] no seu conteúdo essencial, imperativos, ela não deixará
de fazer surgir, no espírito daqueles que conhecem o mundo conceitual da filosofia Kantiana,
132
NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva CivilConstitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p. 67.
133
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito.
Introdução e trad. de A. Menezes Cordeiro, 2. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 109-110.
85
a seguinte pergunta: são estes imperativos categóricos ou hipotéticos?”
134
Karl Engish
salienta que, em outro momento, já havia se manifestado, dizendo que as regras ou
preposições são regras hipotéticas de dever-ser. Mas, importante, primeiramente, entender o
que são imperativos categóricos e o que são imperativos hipotéticos. Estes últimos são meros
conselhos, sendo, ainda, aqueles que trazem a necessidade prática de uma possível conduta
como forma para se obter algo que se pretenda. Já, os imperativos categóricos são os que
apresentam uma conduta como objetivamente necessária para um determinado fim; não
sendo, portanto, meio. Normas, desse modo, são imperativos categóricos.
Para Norberto Bobbio, o Direito não é uma norma somente, mas um conjunto delas,
devidamente ordenadas, sendo que, portanto, uma norma jurídica nunca se encontra sozinha,
mas, de outra forma, sempre conectada a outras normas, com as quais se irá formar um
sistema normativo.135
Antes de qualquer coisa, a norma jurídica é uma regra de conduta social, tendo como
objetivo o de regular a atividade dos homens em sociedade.136 A norma jurídica, portanto, tem
como finalidade primordial, regular o comportamento do ser humano em suas relações
sociais.
Na obra “Teoria Pura do Direito”, Hans Kelsen apresenta, entre outras ponderações,
algumas considerações acerca da norma, tendo se posicionado no sentido de que:
A norma funciona como esquema de interpretação. Por outras palavras; o juízo em
que se enuncia que um ato de conduta humana constitui um ato jurídico (ou
antijurídico) é o resultado de uma interpretação específica, a saber, de uma
interpretação normativa.
[...]
O Direito [..] é uma ordem normativa da conduta humana. Com o termo ‘norma’ se
quer significar que algo deve ser ou acontecer, especialmente que um homem se
deve conduzir de determinada maneira.137 (grifo do autor).
134
ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad.: J. Baptista Machado, 9. ed., Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2004, p. 48.
135
BOBBIO, Norberto.Teoria do ordenamento jurídico. trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, 10 ed.,
Brasília: Universidade de Brasília, 1999 (reimpressão: 2006), p. 21.
136
MONTOURO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 20. ed., ref. com a colaboração de Luiz
Antonio Nunes, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 306.
137
KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. trad.: João Batista Machado, 7. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2006, p. 4-5.
86
Maria Helena Diniz, ao tratar do conceito de norma jurídica, como problema de
essência, inicia seus estudos trazendo os ensinamentos de Von Ihering, analisando-os e
reinterpretando-os, tendo se pronunciado sobre os mesmos, da seguinte forma:
Assim, segundo o que obervou Ihering, a norma jurídica é o instrumento elaborado
pelos homens para lograr aquele fim consistente em que se produza a conduta
desejada, é, portanto, um meio especial adotado pelos indivíduos em sociedade para
assegurar a realização dos fins cujo logro consideram necessário para sua vida. [...]
A norma jurídica vive, necessariamente, como já dissemos, vinculada a uma
determinada realidade social. A norma jurídica é a ‘coluna vertebral’ do corpo
social.138 (grifo do autor).
Como “coluna vertebral” do corpo social, a norma jurídica transforma-se, pois, no
esteio da própria sociedade, já que se encontra atrelada à própria realidade social,
estabelecendo, portanto, regras e princípios para o seu bom desenvolvimento e, ainda, visando
a mantença das relações sociais, em conformidade com os próprios valores daquela dada
sociedade.
Entende, ainda, referida autora, que a norma jurídica é um objeto cultural e, portanto
deve ser sempre a expressão de um valor. É de suma relevância destacar referido
ensinamento, que traduz como o sentido da norma jurídica a extensão de um valor. Veja-se
que o Estado, impõe a norma, visando regular as condutas sociais, com fins de realizar a
justiça plena e efetiva na sociedade.
Na obra, “A finalidade no Direito”, Von Ihering traz relevante contribuição para a
conceituação de norma jurídica, tendo ali se manifestado, da seguinte forma:
A definição usual de direito reza: direito é o conjunto de normas coativas válidas
num Estado, e essa definição a meu ver atingiu perfeitamente o essencial. Os dois
fatores que ela inclui são o da norma e o da realização por meio de coação... O
conteúdo da norma é um pensamento, uma proposição (proposição jurídica), mas
uma proposição de natureza prática, isto é, uma orientação para a ação humana; a
norma é, portanto, uma regra conforme a qual nos devemos guiar.139
Tércio Sampaio Ferraz Júnior lembra que a norma é proposição, a qual determina
como deve ser o comportamento, sendo, portanto, uma proposição do dever-ser. Citando Hans
138
DINIZ, Maria Helena.Conceito de norma jurídica como problema de essência. 1. ed., 3. tir., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1985, p. 24-25.
139
IHERING, Von. A finalidade do Direito. 1916, p. 256, apud FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Introdução ao
estudo do Direito: Técnica, decisão, dominação. 4. ed., rev., ampl., São Paulo: Atlas, 2003, p. 99.
87
Kelsen, afirma que a norma pode até ser entendida como o resultado de uma vontade, mas,
todavia, sua existência não depende dela. Entretanto, aponta que os juristas também concebem
a norma como prescrições, ou seja, como ato de vontade, sendo esta vontade impositiva, a
qual estabelece disciplina para a conduta, abstração feita de qualquer resistência. Também a
norma entendida como prescrição se exprime pelo dever-ser.140
A exigência da natureza humana, de viver em sociedade, de forma harmoniosa, é que
fundamenta a própria norma jurídica. Assim, são as normas necessárias para a efetiva garantia
da paz social (que é o objetivo almejado pelo Estado). Tem-se, também, como necessário e
primordial, apontar que as normas embasam-se, da mesma forma, na necessidade de
organização da sociedade, até porque não há sociedade despida de normas jurídicas, que têm
por objeto central uma ação humana, obrigando-a, permitindo-a ou proibindo-a, assim.
2.4.1 Regras:
Para dar início ao estudo das regras, importante apresentar o pensamento de Norberto
Bobbio, o qual entende que “as regras jurídicas constituem sempre uma totalidade.”141 A regra
será sempre um critério, o qual irá exprimir a ordem jurídica, não podendo, todavia, ser
considerada como uma. Regras jurídicas são, assim, um comando, um imperativo, sendo que
isso significa que as regras jurídicas exteriorizam a vontade da comunidade jurídica, do
Estado ou do próprio legislador (que representa o povo).
Na visão de Karl Engisch “a regra jurídica consta de hipótese legal e conseqüência
jurídica”, sendo regras de dever-ser, afirmando um dever-ser condicionado à uma hipótese
legal. Além disso, assevera que os reais portadores do significado da ordem jurídica são as
proibições e prescrições; ou seja, os comandos, os quais são dirigidos aos destinatários do
Direito. Assim, afirma que “toda regra jurídica perfeita (completa) contém uma prescrição
(um comando); muitas, porém, a mais disso, e mesmo em primeira linha, contém uma
concessão.” 142
140
FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: Técnica, decisão, dominação. 4. ed., rev.,
ampl., São Paulo: Atlas, 2003, p. 100-101.
141
BOBBIO, Norberto.Teoria do ordenamento jurídico. trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, 10 ed.,
Brasília: Universidade de Brasília, 1999 (reimpressão: 2006), p. 19.
142
ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad.: J. Baptista Machado, 9. ed., Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2004, p. 42.
88
Importante, também, ressaltar os três modais deônticos, que são permissão, proibição e
prescrição, já que para Robert Alexy, o ponto culminante para distinção entre regras e
princípios:
É que estes são mandados de otimização, isto é, são normas que ordenam algo que
deve ser realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e
reais existentes. Que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida
devida de seu cumprimento depende não somente das possibilidades reais mas
também das jurídicas.143
Já, as regras são normas que somente podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é
válida, então, há de fazer-se exatamente o que ela exige, nem mais, nem menos. Elas contêm,
pois, determinações, no âmbito do fática e juridicamente possível.
Para Herbert Hart, “a afirmação de que alguém tem ou está sujeito a uma obrigação
traz na verdade implícita a existência de uma regra.”, sendo que, portanto, constitui-se, pois,
em um padrão de comportamento. Além disso, na busca sobre a natureza do Direito, há certas
questões principais recorrentes: uma delas refere-se a que o sistema jurídico consiste pelo
menos em geral em regras. Ele mesmo constrói um modelo complexo, o Direito como a união
entre regras primárias e regras secundárias, que é, assim, "a chave para a ciência do
direito.”144
Reformulando o conceito de obrigação, ele remete-o necessariamente a uma regra. Em
vez de se falar nela como predição ou cálculo de probabilidades, de reação ao desvio, deve-se
dizer que a atitude de uma pessoa enquadra-se em tal regra.
Regra que, enquanto padrão de comportamento, "um guia de conduta da vida social"
não é uma idéia simples. Há consequentemente, necessidade de assinalar os tipos
diferenciados, distinguindo-se as regras primárias e as regras secundárias. Aquelas
determinam que as pessoas façam ou se abstenham de fazer certas ações; estas asseguram às
pessoas a possibilidade de criar, extinguir, modificar, julgar as regras primárias. Ou seja,
"As regras do primeiro tipo impõem deveres, as regras do segundo tipo atribuem poderes,
público ou privado.” 145
143
ALEXY, Roberty. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales, 1998, p. 88.
144
HART, Herbert L.A . O conceito de Direito. Lisboa: Calouste Gulbelkian, 1986, p. 106.
145
Idem, p. 108.
89
2.4.2 Princípios:
Acerca dos princípios, é imperioso trazer novamente à baila o conceito de Roberty
Alexy, no qual: “os princípios são mandados de otimização, pois ordenam algo que seja
realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais.”
146
Portanto,
dentro de um sistema jurídico, os princípios são os que nortearão o sistema como um todo,
sendo, assim, elementos fundantes de toda a ordem jurídica.
Paulo de Barros Carvalho, em artigo publicado na Revista de Direito Tributário,
levanta alguns pontos bastante interessantes, tendo apresentado que a palavra princípio
significa, assim:
É uma palavra que freqüenta com intensidade o discurso filosófico, expressando o
‘início’, o ‘ponto de origem’, o ‘ponto de partida’, a ‘hipótese-limite’ escolhida
como proposta de trabalho. Exprime também as formas de síntese com que se
movimentam as meditações ‘filosóficas’ (‘ser’, ‘dever-ser’, ‘vir-a-ser’ e ‘não-ser’).
[...] Cada ‘princípio’, seja ele um simples termo ou um enunciado mais complexo, é
sempre passível de expressão em forma proposicional, descritiva ou prescritiva.
Agora, o símbolo lingüístico que mais se aproxima desse vocábulo nas ordens das
significações, é a ‘lei’.
[...] Em termos de direito positivo, princípios são normas jurídicas portadoras de
intensa carga axiológica, de tal forma que a compreensão de outras unidades do
sistema fica na dependência da boa aplicação daqueles vetores.147 (grifo do autor)
Pode-se dizer, portanto, que os princípios trazem, consigo, uma carga valorativa muito
grande, sendo assim, passam a ocupar o papel de vetor dentro do sistema jurídico, posto que
expressam a vontade da sociedade, impressa, pelo legislador, na Constituição Federal. São
pilares do próprio Estado e, como alicerces, são de extrema necessidade, não havendo como
deixar de tê-los, conseqüentemente, não há como não permitir sua efetiva aplicação.
Paulo Bonavides, em sua obra Curso de Direito Constitucional traz interessante
conceito acerca de princípio, extraído de Luís Diez Picazo, para o qual a idéia de princípio
derivaria da linguagem geométrica, “onde designa as verdades primeiras”, sendo que
146
ALEXY, Roberty. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales, 1998, p. 99.
147
CARVALHO, Paulo de Barros. Sobre os princípios constitucionais tributários. Revista de Direito
Tributário, São Paulo, ano 15, n. 55, janeiro-março de 1991, p. 143/154.
90
exatamente por isso são princípios, já que “estão ao princípio”, sendo, dessa forma, “as
premissas de todo um sistema que se desenvolve more geometrico.”148 (grifo do autor).
Depreende-se que a idéia de princípio está intimamente ligada àquilo que vem em
primeiro lugar; o que é causa primeira de algo, sendo, portanto, considerado, neste caso, como
fator determinante, sendo que os princípios são proposições que ocupam uma categoria no
sistema jurídico, sendo alicerce desse mesmo sistema, já que orientam (enquanto as regras
preceituam; determinam comportamentos). Os princípios são vetores; axiomas, estando
sempre presentes no sistema.
Acerca do instituto, Crisafuli assim se expressa:
Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como
determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem,
desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais
particulares (menos gerais), das que determinam, e portanto resumem,
potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao
contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém.149
Percebe-se, assim, a importância do princípio e a sua força vinculante, sendo que esta
independe de positivação, não importando se a mesma se apresenta em forma de preceito ou
por mera abstração.150 Ainda que não positivado, o princípio mantém a sua força vinculativa,
direcionando-se o ordenamento jurídico como um todo, o qual deverá seguir os preceitos por
ele instituídos, até porque os princípios possuem uma carga axiológica muito grande.
2.4.2.1 Princípios Constitucionais:
Os princípios são categorias universais, sendo que, quando incorporados a um sistema
constitucional, acabam por refletir a própria estrutura ideológica daquele dado Estado, e,
como conseqüência, refletem os valores da própria sociedade, em face de que ao estabelecer
148
PICAZO, Luís Diez. Los principios generales del Derecho en el pensamiento de F. de Castro. in Anuario
de Derecho Civil, t. XXXVI, fasc. 3º, outubro-dezembro/ 83, p. 1267-1268, apud BONAVIDES, Paulo. Curso
de Direito constitucional. 6. ed., rev., atual., ampl., São Paulo: Malheiros, p. 229.
149
CRISAFULI. La Constituzione e le sue disposizione di principio. Milão, 1952, p. 15, apud BONAVIDES,
Paulo. Curso de Direito constitucional. 6. ed., rev., atual., ampl., São Paulo: Malheiros, p. 230.
150
NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva CivilConstitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.96.
91
princípios dentro da Lei Maior, o poder constituinte, legisla de forma a representar o povo,
espelhando-se em seus anseios e expectativas, mostrando, assim, os valores e princípios
arraigados dentro daquele povo.
Isto em justifica em face dos princípios serem normas que:
[...] exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as
possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem
algo em termos de ‘tudo ou nada’; impõe a optimização de um direito ou de um bem
jurídico, tendo em conta a ‘reserva do possível’, fáctica ou jurídica.151 (grifo do
autor).
Rizzato Nunes traça algumas considerações acerca do conceito de princípio, tendo se
embasado em Geraldo Ataliba e Canotilho:
[...] princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do
sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e
obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos).
Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios,
as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não
podem ser contrariados: têm que ser prestigiados até as últimas conseqüências.
[...] A doutrina constitucional contemporânea reconhece a importância dos
princípios constitucionais, apontando, inclusive, suas especiais e distintas funções.
[...] De qualquer maneira, é de indicar que no Sistema Constitucional Brasileiro é o
princípio estruturante o Estado de Direito Democrático, e entendemos que também
o é da dignidade da pessoa humana, uma vez que nossa ordem democrática
reconhece a dignidade como elemento fundamental legitimador do Sistema Jurídico
Nacional. 152 (grifo do autor).
São os princípios linhas mestras, sendo, portanto, normas hierarquicamente
superiores dentro do sistema jurídico, impondo-se, assim, de forma absoluta. Os princípios
são categorias universais, sendo que, quando incorporados a um sistema constitucional,
acabam por refletir a própria estrutura ideológica daquele dado Estado, e, como conseqüência,
refletem os valores da própria sociedade, em face de que ao estabelecer princípios dentro da
Lei Maior, o poder constituinte, legisla de forma a representar o povo, espelhando-se em seus
anseios e expectativas, mostrando, assim, os valores e princípios arraigados dentro daquele
povo.
151
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992, p.56.
NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 38.
152
92
Os princípios constitucionais são, assim, a essência do próprio Estado, sendo que,
como dito por Ruy Samuel Espíndola, a interpretação deve sempre:
[...] partir de um ponto de vista positivo-normativo, do texto da Constituição, para
chegar aos princípios constitucionais, tanto os expressos como os implicitamente
considerados. E a atitude metódica a ser levada em conta, deve ter como limite as
disposições do texto constitucional; deve levar em conta possíveis extrações dos
enunciados dos textos. E, para isso, é claro, deve servir-se o intérprete de uma
metódica constitucionalmente adequada [...].153 (grifo do autor).
Depreende-se, que o intérprete só poderá considerar como princípio constitucional,
aqueles que decorrem da leitura do próprio Texto Constitucional, não podendo, portanto levar
em conta, pelo menos para a garantia do “status” constitucional, aqueles princípios extraídos
do sistema jurídico, como um todo. Desse modo, princípios constitucionais devem estar
previstos na Lei Máxima, de forma implícita ou explícita.
Acerca do tema, Canotilho assim se manifesta:
Mas o que deve entender-se por princípios consignados na Constituição? Apenas os
princípios constitucionais escritos ou também os princípios constitucionais não
escritos? A resposta mais aceitável, dentro da perspectiva principialista [..], é a de
que a consideração de princípios constitucionais não escritos como elementos
integrantes do bloco da constitucionalidade só merece aplauso relativamente a
princípios reconduzíveis a uma densificação ou revelação específica de princípios
constitucionais positivamente plasmados. (grifo do autor).154
Princípios constitucionais são, portanto, aqueles que estiverem previsto no Texto
Constitucional, de forma explícita ou implícita, de modo a demonstrar os valores impressos
na Lei Máxima, os quais exprimem a carga axiológica do próprio Estado, da qual faz parte a
sociedade como um todo.
Corroborando com este entendimento, Paulo Nalin assevera que nem todos os
princípios encontram-se descritos de forma expressa no sistema jurídico, todavia, não devem
ser desconsiderados por esse motivo, até porque, segundo referido autor, ainda que implícitos,
os princípios possuem força normativa, e, com maior intensidade os princípios
constitucionais:
153
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: Elementos teóricos para uma
formulação dogmática constitucionalmente adequada. 2. ed., rev. atual., ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002, p. 199-200.
154
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992, p. 980-981.
93
Só pequena parte dos princípios jurídicos encontram estabilidade normativa, o que
não implica um juízo de menos valia ante sua função aglutinadora das normas
positivadas, mesmo porque a transformação de um princípio em norma (regra) não
retira dele (princípio) todo o seu valor e sua potencialidade. [...] O indispensável é
reconhecer força normativa no princípio, revestida de sanção, inclusive. 155
Dentro da idéia de princípio constitucional, é relevante considerar a questão dos
chamados metaprincípos ou sobreprincípios, que são aqueles princípios que se sobrepõem, em
regra, aos demais princípios, por diversos motivos. Nesse campo, encontra-se o princípio da
dignidade da pessoa humana, o qual é um princípio fundamental, sendo, portanto, necessário
e, indispensável para a manutenção da vida em sociedade.
Paulo de Barros Carvalho, em artigo publicado na Revista de Direiro Tributário, tece
algumas considerações acerca do que ele intitula de sobreprincípios – “princípios que operam
para a realização de outros ‘princípios’ superiores na escala hierárquica”, apontando os que
estariam, para ele, nessa categoria, como os princípios da segurança jurídica, da justiça e o da
certeza jurídica.
Há ‘princípios’ e ‘sobreprincípios’, isto é, normas jurídicas que portam valores
importantes e outras que aparecem pela conjunção das primeiras. Vejamos como
exemplo: a segurança jurídica não consta de regra explícita de qualquer
ordenamento. Realiza-se, no entanto, pela atuação de outros ‘princípios’, tais como
o da legalidade, o da irretroatividade, o da igualdade, o da universalidade de
jurisdição etc. Na sua implicitude, é um autêntico ‘sobreprincípio’, produto da
presença simultânea dos cânones que o realizam. [...] Diga-se o mesmo da justiça.
Agora, há um princípio que sempre estará presente, ali onde houver direito. Trata-se
do princípio da certeza jurídica. [...] Torna-se evidente que a certeza jurídica é
também um sobreprincípio, mas dotado de aspectos lógicos peculiares que lhe
atribuam preeminência sintática com relação a todos os demais.156 (grifo do autor).
Willis Santiago Guerra Filho aponta, ainda o princípio da proporcionalidade como
‘princípio dos princípios’, ou seja, aquele princípio que orienta o Direito. Rizzato Nunes
afirma que, também, reconhece no citado princípio, esse potencial, preferindo, todavia,
reconhecê-lo, bem como, tratá-lo, como derivado do princípio da dignidade da pessoa
humana, sendo este sim o princípio que estaria acima dos demais, surgindo como o verdadeiro
sobreprincípio.157 Perceba-se que, apesar da divergência de idéias acerca do tratamento
155
NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva CivilConstitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.96-97.
156
CARVALHO, Paulo de Barros. Sobre os princípios constitucionais tributários. Revista de Direito
Tributário, São Paulo, ano 15, n. 55, janeiro-março de 1991, p. 150.
157
NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 42.
94
favorecido a este ou aquele princípio, os dois autores citados, atestam e, reconhecem, dentro
do ordenamento jurídico brasileiro, a existência de metaprincípios, os quais teriam o condão
de orientar o próprio sistema, atuando como balizadores em caso de ocorrência de conflitos,
em especial, de conflito entre princípios.
Apesar do profundo respeito ao entendimento de Paulo de Barros Carvalho e Willis
Santiago Guerra Filho sobre quais seriam os sobreprincípios, entende-se, todavia, que a
melhor doutrina é a do Rizzato Nunes, posto que no sistema jurídico brasileiro o princípio da
dignidade da pessoa humana deve ser considerado como o efetivo metaprincípio, como aquele
que deve ser o vetor de toda a sistemática jurídica, servindo de base para a interpretação e
aplicação dos demais princípios.
Assim, deve-se considerar o princípio da dignidade da pessoa humana como o norte a
ser seguido pelo intérprete no momento da aplicação da norma ao caso concreto, para que se
perfaça, concretamente, a vontade da sociedade, gravada no Texto Constitucional.
2.5 INTERPRETAÇÃO
Desde a Grécia antiga os intérpretes exercem papel fundamental para a efetividade dos
valores trazidos pelo Direito, conforme se verifica das lições deixadas por Sócrates, para o
qual, o bom e verdadeiro juiz seria aquele capaz de, conhecendo a injustiça, saber que esta
não deve ser aplicada, em face do mal que constitui, chegando, assim, à possibilidade de
cumprir com a norma Constitucional, que determina que a construção de uma sociedade mais
justa e solidária.
Paulo Nalin ressalta, também, a importância do julgador, entendendo que este exerce
função constitucional, a qual objetiva, em especial, dignificar o homem e eliminar as
desigualdades sociais e econômicas. 158
158
NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva CivilConstitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.85.
95
Peter Haberle aponta que a interpretação constitucional deve ser feita de forma aberta,
integrando-se os valores da própria sociedade, não devendo se limitar a ser realizada por uns
poucos, que podem não expressar a vontade e leitura dos demais:
Interpretação constitucional tem sido, até agora, conscientemente, coisa de uma
sociedade fechada. Dela tomam parte apenas os intérpretes jurídicos ‘vinculados às
corporações’ (zunftmassige Interpreten) e aqueles participantes formais do processo
constitucinal. A interpretação constitucional é, em realidade, mais um elemento da
sociedade aberta. Todas as potências públicas, participantes materiais do processo
social, estão nela envolvidas, sendo ela, a um só tempo, elemento resultante da
sociedade aberta e um elemento formador ou constituinte dessa sociedade (...weil
Verfassungsinterpretation diese offene Gesellschaft immer von neuem nitckonstituirt
und von ihr konstituirt wird). Os critérios de interpretação constitucional hão de ser
tanto mais abertos quanto mais pluralista for a sociedade. 159 (grifo do autor).
Os princípios auxiliam na interpretação,
sendo elementos de construção,
transformação e mutabilidade do Direito, em face de terem esse caráter mutável, já que se
encontram diretamente ligados aos anseios sociais, bem como, exprimem, como
anteriormente dito, os valores de cada sociedade, em dado momento histórico.
Para a efetiva aplicação do Direito, necessário se faz que o indivíduo (o sujeito de
direito) compreenda efetivamente o real significado da norma. E, a hermenêutica possui esse
relevante papel, qual seja o de entender, por intermédio da interpretação, o direito, para que se
dê maior efetividade ao mesmo.
Tércio Sampaio Ferraz Júnior apresenta os métodos e tipos dogmáticos de
interpretação, apontando, inicialmente os métodos hermenêuticos (interpretação gramatical,
lógica e sistemática; interpretação histórica, sociológica e evolutiva; interpretação teleológica
e axiológica), para depois trazer os tipos de interpretação (interpretação especificadora;
integração restritiva; interpretação extensiva).
A interpretação gramatical é realizada verificando-se a conexão de uma expressão,
com as outras, dentro de um mesmo contexto, já que “a ordem das palavras e o modo como
elas estão conectadas são importantes para obter-se o correto significado da norma.”
159
160
HABERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição –
contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Trad.: Gilmar Ferreira Mendes,
Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1997, p. 13.
160
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: Técnica, decisão, dominação. 4. ed., rev.,
ampl., São Paulo: Atlas, 2003, p. 287.
96
Todavia, deve-se lembrar que a letra da norma é somente o ponto inicial da tarefa
interpretativa.
Na interpretação lógica, também se tem um instrumento técnico (como na gramatical),
a ser utilizado quando ocorrerem inconsistências nas normas, sendo que: “parte-se do
pressuposto de que a conexão de uma expressão normativa com as demais do contexto é
importante para a obtenção do significado correto.”
161
Além disso, como bem expressa
Tércio Sampaio Ferraz Júnior:
As regras da interpretação lógica, recomendações para criar as condições de
decibilidade, são assim fórmulas quase-lógicas como ‘o legislador nunca é
redundante’, ‘se duas expressões estão usadas em sentido diversos, é porque uma
deve disciplinar a generalidade, outra abre uma exceção’, ou ‘deve-se ater aos
diferentes contextos em que a expressão ocorre e classificá-los conforme a sua
especificidade’ etc. Se tentássemos um quadro esquemático, poderíamos dizer que
as incompatibilidades lógicas são evitadas conforme três procedimentos retóricos: a
atitude formal, a atitude prática e a atitude diplomática. (grifo do autor). 162
Já, na interpretação sistemática se verifica o texto como um todo, analisando-se as
questões referentes à compatibilidade um todo estrutural, em fase da necessidade de que se
mantenha a unidade no sistema jurídico. Portanto, verifica-se, a relação da norma dentro do
sistema como um todo e não de forma isolada, analisando se a mesma é compatível com o
sistema jurídico vigente. Tércio Sampaio Ferraz Júnior lembra, também, que nesse modelo,
deve-se levar em conta a hierarquia das normas, sendo que além da interpretação da própria
norma em estudo, deve-se verificar se está esta harmonizada com todo o sistema e se com ele
é compatível, sendo imprescindível verificar se é possível sua existência; se a norma foi
elaborada observando-se os preceitos da Lei Máxima, a Constituição Federal. Tal fato se dá,
pois: “Correspondentemente à organização hierárquica das fontes, emergem recomendações
sobre a subordinação e a conexão das normas do ordenamento num todo que culmina (e
principia) pela primeira norma-origem do sistema, a Constituição.”163
A interpretação histórica levará em consideração o momento histórico em que a norma
ingressou no sistema jurídico, sendo que é recomendável que o intérprete, para o
levantamento das condições históricas, utilize do recurso dos precedentes normativos, ou seja,
161
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: Técnica, decisão, dominação. 4. ed., rev.,
ampl., São Paulo: Atlas, 2003, p. 287.
162
Idem, p. 288.
163
Idem, ibidem.
97
de normas que vigoraram no passado e que antecederam, portanto, a nova norma, para, de
forma comparativa, compreender as razões condicionantes de sua gênese. E, para o
levantamento das condições atuais, é importante averiguar as funções do comportamento, bem
como, das instituições sociais, de forma a analisar o contexto em que ocorrem.
Na interpretação teleológica, deverá ser verificada a finalidade da norma; a qual fim se
destina, levando-se em consideração à própria sociedade, destinatária da norma. Como bem
lembra Tércio Sampaio Ferraz Júnior, a Lei de Introdução ao Código Civil, no Art. 5º, traz
uma exigência teleológica, ao dispor: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a
que ela se dirige e às exigências do bem comum.” 164 Sendo que, as expressões “fins sociais”
e “bem comum” devem ser recebidas e, portanto, entendidas, como sínteses éticas do
comportamento social do indivíduo, ou seja, a finalidade da norma, em face da convivência
do homem em sociedade, procurando trazer, à esse homem, a justiça e a paz social.
A interpretação axiológica, por seu turno, vai tratar do valor dado à norma, ou seja,
não destoa da interpretação teleológica, pelo contrário, a complementa, já que também irá
procurar, na norma, a sua finalidade e associá-la aos objetivos do próprio homem, para que os
valores buscados na sociedade e refletidos na norma possam ser efetivamente, aplicados.
Tércio Sampaio Ferraz Júnior apresenta, ainda, tipos de interpretação, sendo eles a
especificadora, a restritiva e a extensiva.
A interpretação especificadora irá partir do pressuposto de que o significado da norma
está contido na letra de seu respectivo enunciado. Aqui, a hermenêutica se vê diante de um
princípio, o da economia de pensamento. Postula dessa forma, que “para elucidar o conteúdo
da norma não é necessário sempre ir até o fim de suas possibilidades significativas, mas até o
ponto em que os problemas pareçam razoavelmente decidíveis.” 165
Na interpretação restritiva, ocorre a interpretação de forma a limitar o significado da
norma, ainda que haja amplitude em sua interpretação literal. Normalmente, o intérprete
utiliza de considerações teleológicas e axiológicas para fundamentar o raciocínio. Já, a
164
BRASIL, Lei de Introdução ao Código Civil, Art. 5º.
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: Técnica, decisão, dominação. 4. ed., rev.,
ampl., São Paulo: Atlas, 2003, p. 295.
165
98
extensiva amplia o sentido da própria norma, ultrapassando-se, portanto, o que está contido no
texto da mesma.
2.6 CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS?
Uma questão deve ser levantada, dentro do estudo dos princípios constitucionais, que é
a hipótese ou não de haver a ocorrência de conflito entre princípios. Lembrando, como dito
previamente, as normas podem ser encontradas na forma de regras e princípios. E, dessa
forma, havendo conflito entre regras, devem-se utilizar os critérios apontados por Norberto
Bobbio (como se verifica no item subseqüente), ocorrendo, normalmente, a aplicação de uma
regra em detrimento de outra. Mas, e quando houver conflito entre princípios? Um
questionamento precede à esse, qual seja, é possível conflito entre princípios?
Ruy Samuel Espíndola lembra que havendo conflito entre regras tem-se a antinomia
jurídica própria, mas, a colisão entre princípios resulta na antinomia jurídica imprópria No
primeiro caso, exclui-se a regra conflitante (utilizando-se os critérios de hierarquia;
especialidade; e, cronológico, dependendo do caso). Na segunda hipótese, não há exclusão,
dentro da ordem jurídica, de uma das normas conflitantes. Sendo que:
Há incompatibilidade, porém não exclusão. Nesses casos, segundo Dworkin, o
aplicador do Direito opta por um dos princípios, sem que o outro seja rechaçado do
sistema, ou deixe de ser aplicado a outros casos que comportem sua aceitação. Ou
seja, afastado um princípio colidente, diante de certa hipótese, não significa que, em
outras situações, não venha o afastado a ser aproximado e aplicado em outros
casos.166 (grifo do autor).
Não havendo, portanto, a possibilidade de se excluir um princípio do sistema jurídico,
não há o que se falar em efetiva ocorrência de conflito entre princípios, havendo, de outra
forma, uma mera incompatibilidade entre eles no momento da aplicação no caso concreto,
sendo que, o intérprete, dessa forma, fará uma ponderação sobre qual princípio deve ser
aplicado naquele momento no dado caso concreto.
166
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: Elementos teóricos para uma
formulação dogmática constitucionalmente adequada. 2. ed., rev. atual., ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002, p. 74.
99
Para que se faça essa ponderação, bem como averiguação de qual princípio deve ser
utilizado para aquela hipótese concreta que se apresenta, o intérprete tem, como ferramenta, o
princípio da proporcionalidade.
2.6.1 Proporcionalidade
A interpretação das normas jurídicas deve obedecer a certo critério, devidamente
estabelecido no ordenamento jurídico brasileiro. Ressalta-se que o intérprete deve buscar a
conciliação do sistema, utilizando-se, para tanto, das ferramentas que lhe são colocadas à
disposição: a hierarquia, a ordem cronológica ou temporal, a especialização e a ponderação de
valores, ferramentas estas que são utilizadas seguindo-se a idéia do razoável.167
Para Norberto Bobbio, devido à tendência de cada ordenamento jurídico se constituir
em um sistema, a presença de antinomias (que é o conflito de normas) em sentido próprio é
um defeito que o intérprete tende a eliminar. Assim, um questionamento deve ser feito, posto
que há duas (ou mais normas conflitantes). Qual das duas normas deve ser eliminada?
Norberto Bobbio apresenta, então, os critérios para a solução da antinomia existente:
As regras fundamentais para a solução de antinomias são três:
a)
o critério cronológico;
b)
o critério hierárquico;
c)
o critério da especialidade.
O critério cronológico, chamado também de lex posterior, é aquele com base no
qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a norma posterior: lex posterior
derogat priori.
[...]
O critério hierárquico, chamado também de lex superior, é aquele pelo qual, entre
duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior: lex superior
derrogat inferiori.
[..]
O terceiro critério, dito justamente de lex specialis, é aquele pelo qual, de duas
normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional), prevalece a
segunda: lex specialis derogat generali.168 (grifo do autor).
Depreende-se, então que a interpretação das normas constitucionais deve ser feita de
forma sistemática, levando-se em conta todo o sistema normativo, compreendendo-se o
ordenamento jurídico, para se aplicar de forma mais acertada a norma geral abstrata, ao caso
167
O Princípio da proporcionalidade aplicado às resoluções dos conflitos com a administração pública.
Disponível em: <http://www.stj.gov.br/Discursos>. Acesso em: 02 de maio de 2005.
168
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, 10 ed.,
Brasília: Universidade de Brasília, 1999 (reimpressão: 2006), p. 92/96.
100
concreto, tornando-a norma concreta individual. É claro que não se pode esquecer-se das
outras formas de interpretação que poderão e, deverão ser utilizadas na aplicação da norma
constitucional ao caso concreto, como, por exemplo, a interpretação embasada nos valores
constitucionais, os quais são trazidos do seio da própria sociedade.
Tem-se, como base, para a interpretação, a própria Constituição, em face de sua
supremacia, observando-a para a aplicação da norma, em cada caso concreto. Ocorre, todavia,
que em determinados casos, há colisão entre normas constitucionais, surgindo, então, a
necessidade de operacionalizar este problema, ou seja, se a Constituição é suprema, qual
dentre suas normas deve ser aplicada? Pois, se fosse conflito entre norma infraconstitucional e
a própria Constituição, esta última é que deve, sempre, prevalecer. Willis Santiago Guerra
Filho tenta responder a esta questão, afirmando que:
Para resolver o grande dilema que vai então afligir os que operam com o Direito no
âmbito do Estado Democrático contemporâneo, representado pela atualidade de
conflitos entre princípios constitucionais, aos quais se deve igual obediência, por
ser a mesma a posição que ocupam na hierarquia normativa, é que se preconiza o
recurso a um ´princípio dos princípios´, o princípio da proporcionalidade, que
determina a busca de uma ´solução de compromisso´, na qual se respeita mais, em
determinada situação, um dos princípios em conflito, procurando desrespeitar o
mínimo ao(s) outro(s), e jamais lhe(s) faltando minimamente com o respeito, isto é,
ferindo-lhe seu ´núcleo essencial´, onde se encontra entronizado o valor da
dignidade humana. Esse princípio, embora não esteja explicitado de forma
individualizada em nosso ordenamento jurídico, é uma exigência inafastável da
própria fórmula política adotada por nosso constituinte, a do ´Estado Democrático
de Direito´, pois sem a sua utilização não se concebe como bem realizar o
mandamento básico dessa fórmula, de respeito simultâneo dos interesses
individuais, coletivos e públicos.169
Verifica-se que o autor acima coloca o princípio da dignidade da pessoa humana como
valor a ser utilizado como elemento fundamental para a resolução da colisão entre princípios.
Assim, surge a figura do princípio da proporcionalidade, que vai servir como
parâmetro ao intérprete, quando houver “colisão” entre princípios constitucionais, como
garantidor dos direitos, assegurados pela Constituição Federal.
169
GUERRA FILHO, Willis Santiago. O princípio da proporcionalidade em Direito constitucional e em
Direito
privado
no
Brasil.
Disponível
em:
<http://www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/documentos/texto347.htm>. Acesso em: 02 de maio de 2005.
101
É importante trazer, neste momento, um conceito do princípio, ora em análise, sendo
que o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, dessa forma, é o princípio
constitucional segundo o qual, sempre que houver poderes que colidam com direitos ou
interesses legalmente protegidos dos particulares, a Administração Pública deve atuar
segundo o princípio da justa medida, quer dizer, adotando, dentre as medidas necessárias para
atingir os fins legais, aquelas que implicam o sacrifício mínimo dos direitos dos cidadãos. As
decisões da administração que afetam direitos e interesses dos cidadãos, só podem ir até onde
sejam imprescindíveis para assegurar o interesse público, não devendo utilizar-se de medidas
mais gravosas quando outras, que o sejam menos prejudiciais, forem suficientes para atingir
os fins da lei.
Em outras palavras, pode-se dizer que o princípio da proporcionalidade ou da
razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão
informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a Justiça.170
O referido princípio surgiu entre os séculos XII e XVII, quando do surgimento das
teorias jusnaturalistas, na Inglaterra, ditando que o Estado soberano deveria respeitar os
direitos do homem, direitos estes relativos à sua própria natureza e, portanto, anteriores ao
surgimento do próprio Estado. E é durante a passagem do Estado absolutista, época em que o
governante tem poderes ilimitados, para o Estado de Direito, que pela primeira vez empregase o princípio da proporcionalidade, com o objetivo de limitar o poder de atuação do Monarca
em face de seus súditos. Os Estados Unidos da América do Norte também tiveram a
preocupação de observar este princípio, utilizando como parâmetro a noção do
comportamento razoável segundo as circunstâncias, para a elaboração de suas decisões.171 No
campo constitucional, todavia, deve sua introdução, às revoluções burguesas do século XVIII,
em especial à concepção de inatingibilidade do homem e na necessidade incondicionada de
respeito à sua dignidade. Em 1791, a França previu, expressamente, em sua Constituição, o
princípio da legalidade, o qual foi instrumentalizado de forma a delinear, ainda que
implicitamente, o princípio da proporcionalidade.
170
PUHL, Adilson Josemar. Princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade: como instrumento
assegurador dos Direitos e garantias fundamentais e conflito de valores no caso concreto. São Paulo: Pillares,
2005, p. 62
171
GUERRA FILHO, Willis Santiago. O princípio da proporcionalidade em Direito constitucional e em
Direito
privado
no
Brasil.
Disponível
em:
<http://www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/documentos/texto347.htm>. Acesso em: 02 de maio de 2005.
102
Mas, coube ao Estado Alemão, a formulação atual do princípio da proporcionalidade,
em especial, no que diz respeito aos direitos fundamentais, sendo que a promulgação da Lei
Fundamental de Bonn representa, dessa forma, um marco inicial do princípio da
proporcionalidade em âmbito constitucional, ao colocar o respeito aos direitos fundamentais
como núcleo central e primordial de toda a ordem jurídica.172
A Constituição da República Federativa do Brasil, apesar de não prever, de forma
expressa, o cabimento do princípio da proporcionalidade, estabelece sua utilização de forma
implícita, determinando que utilize seus conceitos, quando da ocorrência de conflitos entre
normas constitucionais, servindo este de instrumento para o controle de constitucionalidade.
Gisele Santos Fernandes Góes, na obra “Princípio da proporcionalidade no processo
civil” apresenta algumas teorias acerca da constitucionalidade do princípio ora em estudo,
destacando sua presença, ainda que implícita, na Constituição Federal.
O primeiro
fundamento utiliza o preceito contido no Art. 5º, § 2º, da Constituição, tendo em Paulo
Bonavides e Eros Roberto Grau (que justifica a utilização do princípio, em face de se tratar de
uma garantia dos cidadãos, para que possam se proteger dos excessos praticados pelo Poder
Público), como defensores de tal corrente. Referidos autores entendem que o princípio da
proporcionalidade flui do espírito da norma contido no mencionado artigo, qual disciplina e
apresenta um rol, meramente exemplificativo e, portanto, não exaustivo, de direitos e
garantias fundamentais do Art. 5º, sendo que, dessa forma, os direitos não se exaurem apenas
no mencionado artigo, observando o princípio da proporcionalidade em inúmeros dispositivos
constitucionais, tais como:
1º) art. 5º: inciso V – o direito de resposta é assegurado de modo proporcional ao
agravo; inciso X - inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas;
inciso XXV – possibilidade de utilização da propriedade particular, em caso de iminente
perigo público; 2º) art. 7º: inciso IV – salário mínimo; inciso V – piso salarial proporcional à
extensão e à complexidade do trabalho; inciso XXI – aviso prévio proporcional;173
172
SOUZA, Carlos Afonso Pereira de; SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. O princípio da razoabilidade e o
princípio da proporcionalidade: uma abordagem Constitucional.
Disponível em: <http://www.pucrio.br/sobrepuc/depto/direito/pet_jur/cafpatrz.html>. Acesso em: 02 de maio de 2005.
173
GOÉS, Gisele Santos Fernandes. Princípio da proporcionalidade no processo civil: O poder de criatividade
do juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 73.
103
Outra corrente encontra balizamento no Art. 5º, LIV, da Constituição Federal, ou seja,
no devido processo legal. Dentre os autores que seguem esta corrente estão Gilmar Ferreira
Mendes e Raquel Denise Stumm. Esta última afirma que:
A fundamentação do princípio da proporcionalidade, no nosso sistema, é realizada
pelo princípio constitucional expresso do devido processo legal. Importa aqui a sua
ênfase substantiva, em que há a preocupação com a igual proteção dos direitos do
homem e os interesses da comunidade quando confrontados. O núcleo essencial dos
direitos fundamentais deve sempre ser resguardado de arbitrariedades, ou de
excessos cometidos contra eles. Nesse sentido, tem o princípio da proporcionalidade
um papel importantíssimo para a racionalidade do Estado de Direito: a garantia do
núcleo essencial dos direitos fundamentais.174
Já, Gilmar Ferreira Mendes, ao analisar uma decisão do Supremo Tribunal Federal,
entende que:
Essa decisão consolida o desenvolvimento do princípio da proporcionalidade ou da
razoabilidade como postulado constitucional autônomo que tem a sua sedes
materiae na disposição constitucional que disciplina o devido processo legal (art. 5º,
LIV). Por outro lado, afirma-se de maneira inequívoca a possibilidade de se declarar
a inconstitucionalidade da lei em caso de sua dispensabilidade (inexigibilidade),
inadequação (falta de utilidade para o fim perseguido) ou de ausência de
razoabilidade em sentido estrito (desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus
imposto ao atingido).175 (grifo do autor).
Posicionamento diverso vai manifestar que o princípio da proporcionalidade encontra
seu caráter constitucional fundado no Estado de Direito. Nessa corrente encontram-se Konrad
Hesse e Nelson Nery Junior, entre outros. Há, ainda, os que trazem uma fundamentação
pluralista, como é o caso de Celso Antônio Bandeira de Mello, que apresenta três disposições
legais e constitucionais, para defender seu pensamento, e, comprovar o respaldo encontrado
relacionado ao princípio da proporcionalidade. São, portanto: o Art. 5º, II, que traz o princípio
da legalidade; o relativo às disposições gerais da Administração pública – Art. 37; além do
Art. 84, IV, que disciplina a atribuição do Presidente da República de sancionar, promulgar e
fazer publicar as leis.
Assim, quando, o Poder Judiciário, no julgamento de um caso concreto, se deparar com
um conflito de princípios constitucionais, deve buscar, para solução desta antinomia jurídica,
174
STUMN, Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade no Direito constitucional brasileiro. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 173..
175
MENDES, Gilmar Ferreira. Moreira Alves e o controle de constitucionalidade no Brasil. São Paulo:
Saraiva, 2004, p. 94
104
a razoabilidade e, o princípio da proporcionalidade, o qual utiliza a valoração, para a
aplicabilidade da norma, ponderando acerca de qual norma deve ser aplicada naquele
momento. Tem-se, portanto, que a Constituição Federal possui, em seu corpo, valores ditos
mais importantes que outros, no sentido de que uns devem prevalecer sobre os demais,
quando houver conflito entre eles. É o caso do próprio princípio da dignidade da pessoa
humana, que é um vetor da Constituição da República, devendo, portanto, estar acima de
outros princípios constitucionais, os quais acabam por derivar da dignidade.
Como dito anteriormente, a Constituição tem valores denominados fundamentais para a
manutenção do Estado Democrático de Direito, os quais em uma possível confrontação, no
momento da aplicação da norma. É o caso dos valores previstos no primeiro artigo da Lei
Máxima brasileira, que traz, em seu bojo, os fundamentos do Estado Democrático de Direito,
onde se verifica a dignidade da pessoa humana inserida como tal, ao dispor:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.176
Raquel Denize Stumn, ao tratar sobre o tema o elucida, ao afirmar que:
Os direitos prima facie devem sofrer uma adequação às necessidades de cada caso,
dependendo a sua aplicação definitiva da ponderação e da concordância prática que
atenda determinadas circunstâncias concretas. [...]
A ponderação dos resultados é um método de desenvolvimento do Direito, sendo
que a elaboração do princípio da proporcionalidade surge justamente da
racionalização de soluções concretas para o conflito de direitos e bens, como se
evidencia na prática jurisprudencial.177 (grifo do autor).
Paulo Nalin ao tratar acerca da “Razoabilidade, exigências sócio-econômicas e
proporcionalidade na aplicação da lei”, entende que a primeira seria um juízo de valor,
colocado à disposição do intérprete, na aplicação do princípio da igualdade. E, a
proporcionalidade (em sentido estrito) como um princípio da justa medida, no qual os meios e
176
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
STUMN, Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade no Direito constitucional brasileiro. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 77-78.
177
105
os fins são contrapostos, visando verificar se os meios de intervenção são proporcionais aos
resultados propostos.178
O juiz, ao fazer a aplicação da norma deve se valer, então, do princípio da
proporcionalidade, que trata de um sistema valorativo, para garantia do direito constitucional,
que nas palavras de Carlos Afonso Pereira de Souza e Patrícia Regina Pinheiro Sampaio:
[...] diz respeito a um sistema de valoração, na medida em que ao se garantir um
direito muitas vezes é preciso restringir outro, situação juridicamente aceitável
somente após estudo teleológico, no qual se conclua que o direito juridicamente
protegido por determinada norma apresenta conteúdo valorativamente superior ao
restringido. O juízo de proporcionalidade permite um perfeito equilíbrio entre o fim
almejado e o meio empregado, ou seja, o resultado obtido com a intervenção na
esfera de direitos do particular deve ser proporcional à carga coativa da mesma.179
Além disso, o princípio da proporcionalidade tem como função primária a preservação
e manutenção dos direitos fundamentais, elevando-os em detrimento de outras normas.
Poderá, todavia, ocorrer um choque, um “conflito”, entre direitos fundamentais, sendo que,
neste particular, deverá ser dada maior efetividade àquele cabível, adequado, ao caso concreto
(onde se verifica, com certeza, a aplicação, ou não, de determinada norma, àquele caso
concreto), devendo-se tomar os devidos cuidados para não prejudicar os direitos
fundamentais, garantidos pela Constituição.
[...] na colisão de direitos fundamentais, o legislador poderá, desde que o faça com
base no princípio da proporcionalidade, limitar o raio de abrangência de um direito
fundamental, visando dar maior efetividade a outro direito fundamental. [...]
É preciso ter cuidado, porém, para não fazer com que a relatividade dos direitos
fundamentais (e dos princípios constitucionais, portanto) esvazie o seu conteúdo,
ou seja, atinja seu núcleo essencial. O direito fundamental, dentro do seu limite
essencial de atuação, é inalterável e, por isso mesmo, seu núcleo é inatingível. Daí a
necessidade de colocar, reflexivamente, a proporcionalidade como uma limitação à
limitação dos direitos fundamentais.180
Verifica-se, pois, que o princípio da proporcionalidade serve como medida a sopesar
os interesses e valores envolvidos, dando ênfase ao espírito da norma constitucional,
178
NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva CivilConstitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.50.
179
SOUZA, Carlos Afonso Pereira de.; SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. O princípio da razoabilidade e o
princípio da proporcionalidade: uma abordagem Constitucional.
Disponível em: <http://www.pucrio.br/sobrepuc/depto/direito/pet_jur/cafpatrz.html>. Acesso: em 02 de maio de 2005.
180
LIMA, George Marmelstein. O princípio da proporcionalidade e o Direito fundamental à ação.
Disponível em: <http://www.ambito-juridico. com.br/aj/dpc0054..htm>. Acesso em: 02 de maio de 2005.
106
auxiliando na aplicação dos princípios e regras do ordenamento jurídico brasileiro, face à
supremacia da Constituição, a qual deve ser respeitada e preservada.
Conclui-se, portanto, que havendo colisão entre princípios a solução não há de ser
encontrada com a deliberação imediata da prevalência de um princípio sobre o outro, mas, de
outro lado, é acurado em decorrência da ponderação entre princípios colidentes, de modo que
cada um deles em dados momentos terá a prevalência. Dessa forma, determinar-se-á, no
momento da aplicação, qual princípio deve ser utilizado naquele caso concreto, sem, todavia,
eliminar o que não foi empregado do sistema jurídico (como pode ocorrer com as regras).
2.6.2 Interpretação conforme a Constituição
A interpretação conforme a Constituição é um princípio que se deriva diretamente da
natureza da Constituição como norma que confere unidade ao ordenamento jurídico,
demonstrando, assim, sua supremacia. Dessa forma, o magistrado, ao aplicar a norma, ao caso
concreto, deve fazê-lo levando em conta o que preceitua a Constituição Federal, interpretando
as normas infraconstitucionais em conformidade com a Constituição, em face de sua
supremacia normativa.
O princípio da interpretação conforme a Constituição estabelece que, quando houver a
possibilidade de mais de uma interpretação em uma norma, deve-se interpretá-la, dando
prioridade à interpretação que possua um sentido em conformidade com a Constituição, pois
quando há a possibilidade de se realizar duas ou mais interpretações, deve-se escolher a que
for mais compatível com a Constituição Federal.
Assim, pode-se concluir que a interpretação conforme a Constituição serve como uma
espécie de controle de constitucionalidade, na medida em que busca na norma a interpretação
constitucional e não o caso contrário (a não ser na impossibilidade plena de incompatibilidade
com a Constituição). E, no Estado Brasileiro, o órgão competente para resguardar o
cumprimento pleno e efetivo da Constituição é o Supremo Tribunal Federal, pelo menos na
forma concentrada, até porque para que haja a garantia de que nenhum ato jurídico persista no
ordenamento jurídico brasileiro quando for contrário à Constituição, há a previsão legal da
existência de um mecanismo, que é o controle de constitucionalidade, que tem por objetivo
manter a supremacia da Constituição Federal, no sentido em que impede que normas e ações
107
que ferem a Constituição Federal subsistam no mundo jurídico, servindo como instrumento de
afirmação da superioridade Constitucional.
Segundo Teori Albino Zavascki “a força normativa da Constituição a todos vincula e a
todos submete”, em referência à Supremacia da Constituição Federal, asseverando, ainda, que
“qualquer que seja o modo como se apresenta o fenômeno da inconstitucionalidade ou o seu
agente causador, ele está sujeito a controle pelo Poder Judiciário” 181.
No Brasil, existem duas espécies de controle de constitucionalidade, o controle
concentrado e o controle difuso. O controle incidental difuso possibilita aos litigantes, pessoas
comuns, que obtenham o controle constitucional em seus casos concretos, permitindo que
todos os magistrados, independentemente do grau de jurisdição, façam esse controle.
O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, tem competência para
realizar o Controle Concentrado de Constitucionalidade, por intermédio das Ações que
possibilitam a Declaração de Constitucionalidade, ou Inconstitucionalidade de uma norma
(como exemplo, tem-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade) e o controle difuso via
Recurso Extraordinário.
Verifica-se a existência, portanto, de dois sistemas de controle de constitucionalidade,
quais sejam, o sistema difuso e, o sistema concentrado.
O sistema difuso, também conhecido por sistema americano, reconhece a
competência de qualquer juiz para fiscalizar a constitucionalidade das leis quando
da sua aplicação a um caso concreto. Com esse sistema afirma-se a supremacia da
Constituição perante a lei. A existência desse sistema foi uma das grandes
contribuições do constitucionalismo americano, por meio da judicial review 182.
(grifo do autor).
O sistema concentrado, criado no direito austríaco, reserva a atribuição para julgar a
constitucionalidade das leis a um determinado órgão competente, podendo ser um tribunal do
Poder Judiciário ou não, criado especificadamente para o exercício dessa função. Nesse caso
há uma tendência de o órgão se caracterizar por uma função legislativa negativa.
181
ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001, p. 13-14.
182
MANDELLI JUNIOR, Roberto Mendes. Argüição de descumprimento de preceito constitucional:
Instrumento de proteção dos direitos fundamentais e da constituição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.
39.
108
No Brasil, durante toda a sua história, foram realizadas algumas mudanças no tocante ao
controle de constitucionalidade. Iniciou apenas com o controle difuso, por via incidental
(sistema americano) e, posteriormente, ocorreu a introdução do Controle por via principal,
concentrado (sistema europeu), tendo sido este implantado pela Emenda Constitucional nº
16/65. E, a Constituição Federal de 1988 manteve ambos os sistemas, sendo que, portanto,
figura hoje, no Brasil, o sistema híbrido ou misto.
Verifica-se, dessa forma, que o controle de constitucionalidade tem a função de
impedir que normas inconstitucionais, ou seja, normas que ferem frontalmente a Constituição
permaneçam no ordenamento jurídico, impedindo, assim, a vigência das mesmas. E, o papel
de defensor da mantença da constitucionalidade é o Poder Judiciário, que nas palavras de
Lenio Luiz Streck, “aparece como salvaguarda para eventuais rupturas”
183
, rupturas estas
ocorridas dentro do ordenamento jurídico em decorrência de afronta à Constituição.
Importante transcrever a lição de Paulo Lobo, o qual vê na interpretação conforme a
Constituição um grande avanço para o controle de constitucionalidade brasileiro:
O princípio da interpretação conforme a Constituição é uma das mais importantes
contribuições dos constitucionalistas nas últimas décadas. Consiste, basicamente,
em explorar ao máximo a compatibilidade com a Constituição das normas
infraconstitucionais a ela anteriores ou supervenientes, e a partir dela. Apenas para
ser declarada a inconstitucionalidade de uma norma quando a incompatibilidade
dela com a Constituição for insuperável. Essa diretriz hermenêutica harmoniza-se
com os princípios da presunção de constitucionalidade das normas
infraconstitucionais e da força normativa da própria Constituição. Mais importante
é a função que desempenha na interpretação do conteúdo das leis, que há de ser
conformado, delimitado e densificado pelos princípios e normas constitucionais. 184
O princípio ora analisado se deriva da rigidez da própria Constituição e, via de
conseqüência, de sua supremacia em relação às demais normas, chamadas de
infraconstitucionais. Desse modo, a interpretação conforme a Constituição, mantém a
superioridade desta dentro do sistema jurídico. Assim, deve-se analisar as normas
infraconstitucionais sempre tendo como parâmetro a Constituição Federal. Acerca do tema,
Paulo Bonavides assim se manifesta:
183
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: Uma nova crítica do direito. 2. ed. rev. e
ampl., Rio de Janeiro:Forense, 2004, p. 96.
184
LOBO, Paulo Luiz Netto. Direito de família e o novo código civil. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p.
153.
109
Decorre em primeiro lugar da natureza rígida das Constituições, da hierarquia das
normas constitucionais – de onde proclama o reconhecimento da superioridade da
norma constitucional – e enfim do caráter de unidade que a ordem jurídica
necessariamente ostenta.
Em rigor não se trata de um princípio de interpretação da Constituição, mas de um
princípio de interpretação da lei ordinária de acordo com a Constituição.185
Pode-se concluir, dessa forma, que quando da interpretação de uma norma, deve-se
servir, dentre as inúmeras formas de interpretação disponíveis, daquela que torna a própria
norma compatível com a Constituição (não devendo empregar a interpretação que leva à
inconstitucionalidade da norma), utilizando, dessa feita, do princípio da interpretação em
conformidade com a Constituição.
Todavia, não se deve, pelo princípio da conservação das normas, reformar a norma
que se está apreciando, mas somente interpretá-la, até porque o Poder Judiciário não pode, em
regra, cumprir o papel do Poder Legislativo (face à tripartição das funções, estabelecida pela
própria
Constituição).
Dessa
maneira,
não
se
pode
interpretar,
na
busca
da
constitucionalidade, de forma a atingir, maculando, o próprio espírito da norma, infringindo a
concepção do legislador, alterando-se o texto da lei. Deve-se tentar, ao máximo, a obtenção de
uma interpretação de forma a coincidir com os ditames constitucionais, que é o que prega o
princípio da interpretação conforme a Constituição, entretanto, não sendo possível, não há
permissão de modificação de texto de uma norma, pelo Poder Judiciário, aqui representado
pelo Supremo Tribunal Federal, que é o guardião da Constituição Federal, sendo assim, esta
norma será, portanto, inconstitucional.
2.7 A CONSTITUIÇÃO COMO SISTEMA
A Constituição, base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito deve sempre
prevalecer sobre as normas inferiores (também chamadas de infraconstitucionais), devendo
estas se compatibilizar com a Constituição Federal. Dessa forma, as normas incompatíveis
com a Constituição de um país não podem ter vigência naquele sistema jurídico, já que uma
norma só é válida, se tiver buscado seu fundamento de validade em uma norma superior, e
nada no ordenamento jurídico é maior do que a Constituição, a qual ocupa o ápice da
185
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 474.
110
pirâmide imaginada por Hans Kelsen, em que uma norma para ser válida é necessário que se
encontre o fundamento de validade em uma norma superior, e assim em diante, de maneira de
que todas as normas cuja validade possa ser levada a uma mesma norma fundamental
compõem um sistema de normas, uma ordem normativa.186
Assim, para esse autor, a ordem jurídica é um sistema de normas, dentro do qual a
Constituição Federal é a lei maior, que deve ser respeitada e obedecida pelas demais leis que
compõe o sistema, já que há uma gradação, uma hierarquia entre as normas, devendo-se
verificar, primeiramente, a lei maior, que é a Constituição Federal, para posteriormente, diante
da mesma, verificar a validade das demais normas, encontradas sempre subjacentes à
Constituição Federal. E, dessa forma, deve ser feita a aplicação da norma, no caso concreto.
Ao tentar explicar o conceito de Hans Kelsen, impresso na Teoria Pura do Direito,
José Afonso da Silva traz importante esclarecimento acerca do tema, ao afirmar que:
Trata-se da teoria gradualista da ordem jurídica, que se compõe de normas
escalonadas hierarquicamente: uma norma individualizada vale porque foi criada de
conformidade com uma lei; esta lei deriva sua validade da constituição, enquanto
tenha sido estabelecida por um órgão competente e na forma prescrita pela própria
constituição. [...].
Segundo essa teoria, a ordem jurídica constituiu uma unidade na pluralidade,
unidade que se exprime na circunstância de poder ser descrita em proposições
jurídicas que não se contradizem.187
Assim, o ordenamento jurídico tem como sua bússola a Constituição Federal, tendo
sempre que caminhar de conformidade com a estrada indicada pelo instrumento utilizado para
encontrar o norte, o destino final, sob pena de, não seguindo de acordo com a bússola (a
Constituição Federal), se perder no meio do caminho, de modo a deixar de ter validade no
sistema jurídico a que pertence.
A Constituição Federal é lei suprema, que paira acima de todo ordenamento jurídico,
determinando que todas as situações havidas no mundo jurídico se baseiem nos fundamentos
e preceitos trazidos por ela.
186
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. apud FERREIRA, Olavo Alves. Controle de constitucionalidade
e seus efeitos. São Paulo: Método, 2003, p. 21.
187
SILVA. José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed., 3. tir. , São Paulo: Malheiros,
2004, p. 210.
111
Depreende-se, dessa forma, que as normas que não se encontram enquadradas no que
determina a Constituição brasileira, pois são normas inválidas, não podendo ter vigência no
ordenamento jurídico pátrio, pois todas as normas devem se adequar aos parâmetros
estabelecidos pela Constituição Federal.
Assim, quando houver conflito entre uma norma inferior e a Constituição Federal, a
norma inferior será considerada inconstitucional e, via de conseqüência, abolida do sistema
jurídico. Nesse sentido, entende-se que não pode ter vigência a norma que contraria
frontalmente a Constituição.
Conclui-se, pois, que todas as normas infraconstitucionais devem se submeter às
regras estabelecidas na Constituição Federal, sob pena de deixar de pertencer ao ordenamento
jurídico, já que a Constituição, além de ditar normas, estabelece limites à criação de novas
normas que lhe sejam desfavoráveis. Para Maria Helena Diniz, “a supremacia da Constituição
se justificaria para manter a estabilidade social, bem como a imutabilidade relativa de seus
preceitos.” 188
Além disso, a manutenção da própria unidade e, organização do sistema jurídico se dá
com a hierarquia da Constituição, como é lembrado por Paulo Nalin:
O princípio da hierarquia constitucional mantém a unidade do sistema jurídico, em
seus mais diversos (micro) ordenamentos, servindo a Constituição e leis
constitucionais (v.g. disposições transitórias, emendas etc.) de fonte ordenadora e
reguladora de inúmeras normas infraconstitucionais, mantendo, em torno de si, a
unidade do sistema como um todo.189 (grifo do autor).
Maria Garcia, na obra “Desobediência civil” aponta que a Constituição deve pertencer
a um sistema aberto, onde se permite a ligação entre a sociedade, havendo-se, portanto, uma
troca de fluidos, o que possibilita uma constante e, sadia, alteração e modificação, para
adequação com a sociedade e com o momento histórico vivido pela mesma.
A idéia da Constituição como um sistema interno, ou seja, como uma conexão de
princípios imanentes (expressos ou implícitos, revelados ou não em normas
constitucionais), constitutivos de uma certa ordem e unidade – a ordem
188
DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 5. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p.15.
NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva CivilConstitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.42.
189
112
constitucional surge em Canotilho como uma ‘ordem aberta às alterações e
mudanças temporalmente adequadas’.190 (grifo do autor).
Na seqüência, referida autora, citando José Afonso da Silva, afirma, categoricamente,
que: “Conjunto ou organização dos elementos essenciais do Estado, a Constituição é vista por
José Afonso da Silva como um sistema de normas jurídicas, a lei fundamental do Estado.”191
(grifo do autor).
Portanto, a Constituição faz parte de um sistema, figurando no ápice do mesmo, já que
todas as demais normas devem respeitar a Constituição, para que possam continuar a
pertencer ao sistema jurídico. O modelo ideal de sistema é o aberto, em face de permitir a
interação entre a ordem jurídica e a sociedade que irá receber as normas do sistema,
propiciando a troca de energias e a renovação constante do sistema.
2.7.1 A Constitucionalização da ordem econômica
Interessante que se faça um retrospecto histórico do tema, já que o constitucionalismo,
“como movimento que pretende assegurar determinada organização do Estado”
192
tem suas
raízes no período da antiguidade clássica, sendo que, portanto, não é correto afirmar que o
surgimento do constitucionalismo se deu somente com as revoluções da Idade Moderna (em
especial com a Revolução Francesa).
André Ramos Tavares aponta que foi karl Loewenstein quem primeiro identificou a
gênese do movimento constitucionalista, a qual ocorreu entre os hebreus, que designaram
limitações ao poder político, no Estado teocrático, em face da lei do Senhor, ou da lei de
Deus.193 Cabe aqui ressaltar que, apesar de ter sido o berço do constitucionalismo, referido
movimento ainda era bastante tímido, mas foi lá que ele nasceu, vindo a sofrer mutações,
desde a sua concepção.
190
GARCIA, Maria. Desobediência civil: Direito fundamental. 2. ed., rev., atual., ampl., São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 109.
191
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,
p.37-38, apud GARCIA, Maria. Desobediência civil: Direito fundamental. 2. ed., rev., atual., ampl., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004, p. 109.
192
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito constitucional. 2. ed., rev., ampl., São Paulo: Saraiva, 2003,
p.3.
193
Idem, p. 3.
113
Posteriormente, por volta do século V da era cristã, têm-se os gregos, com suas
Cidades-Estado, configurando o primeiro exemplo de democracia constitucional, concebendo
o início de uma racionalização do poder.
Na Idade Média, o regime dominante era o absolutista, sendo que, portanto, os
indivíduos não tinham como participar do poder (de forma direta ou mesmo indireta), não
havendo, da mesma forma, qualquer espécie de balizamento aos governantes, já que estes
gozavam de “imunidade”, no sentido de que seus atos estavam sempre acima da lei. Ainda
assim, o constitucionalismo, ressurge com a bandeira das conquistas de liberdades
individuais, como se verifica pelo surgimento da Magna Carta. A Magna Carta, todavia, “não
se limitou a impor balizas para a atuação soberana, mas também representou o resgate de
certos valores, como garantir direitos individuais em contraposição à opressão estatal.” 194
E é no período medieval, portanto, que tem início o desenho de uma lei fundamental,
sendo que, primeiramente, denotou a “consagração de um conjunto de princípios, normas e
práticas adotadas nas relações religiosas e comunitárias, especialmente entre as classes sociais
e o soberano.” 195
Canotilho entende que:
A idéia da lei fundamental como lei suprema limitativa dos poderes soberanos virá a
ser particularmente salientada pelos monarcas franceses e reconduzida à velha
distinção do século VI entre ‘lois de royaume’ e ‘lois du roi’. Estas últimas eram
feitas pelo rei e, por conseguinte, a ele competia modificá-las ou revogá-las; as
primeiras eram leis fundamentais da sociedade, uma espécie de lex terrae e de
direito natural que o rei devia respeitar.196 (grifo do autor).
Na Era Medieval, foi na Inglaterra, que o constitucionalismo ressurgiu, impulsionado
pelo nascimento de vários diplomas constitucionais. Referida fase é conhecida como período
pré-constitucionalista. O primeiro diploma foi a Magna Carta, concedido pelo soberano, em
1.215. Posteriormente, tem-se, pela luta entre o rei e o parlamento o Petition of Right, de
1.628 (que foi o documento voltado para as liberdades públicas) e as revoluções de 1648 e
1688, e o Bill of Rigths de 1689.
194
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito constitucional. 2. ed., rev., ampl., São Paulo: Saraiva, 2003,
p.4.
195
Idem, ibidem.
196
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. p. 61/62 apud TAVARES, André Ramos.
Curso de Direito constitucional. 2. ed., rev., ampl., São Paulo: Saraiva, 2003, p.4.
114
Sobre o tema, Erivaldo Moreira Barbosa, assim se manifesta:
O Constitucionalismo de inspiração iluminista/liberal já despontara de forma
germinativa na Idade Média, quando no século XIII, em 1215, o rei inglês conhecido
pela alcunha de João-Sem-Terra viu-se forçado a pactuar com parcela de súditos
(oligárquicos rurais ingleses), iniciando, assim, um processo em escala ascendente
de fragmentação do sistema vigente e construção de novas formas estatais de atuar.
A monarquia inglesa, a partir desse lapso temporal, vê-se forçada a reconhecer
direitos individuais de grupos sociais. Frisa-se, porém, que o reconhecimento desses
direitos não era estendido para toda população inglesa, restringindo-se unicamente
aos abastados economicamente, embora exclusos dos direitos humanos e
políticos.197
Apesar de tudo isso, a Inglaterra passa por um longo, lento e progressivo processo de
construção das instituições constitucionais. Tal fato pode ser facilmente interpretado como o
ressurgimento do constitucionalismo, carregando consigo a mudança da fonte do poder do
Estado, transmutando das mãos do soberano, para o Texto Constitucional.
O direito constitucional inglês constituiu um modelo político-jurídico único em sua
época, que contemplava o Poder Real, a aristocracia e os comuns. Formou-se, então, um
sistema de governo misto, que não se identificava nem com as monarquias absolutas, nem
com as repúblicas aristocráticas, nem com os regimes puramente democráticos, já
experimentados à época. Santi Romano lembra que “se pode dizer que o direito constitucional
dos Estados Modernos resulta do direito constitucional inglês e das demais ordenações, dele
mais ou menos derivadas diretamente.” 198
Importante ressaltar que, apesar do pioneirismo inglês, não há, até hoje, uma
Constituição escrita, naquele país, estando o mesmo assentado nos costumes e tradições.
A Inglaterra, [...] nunca teve uma constituição escrita, salvo alguns textos
fragmentários nos quais estão consagrados seus princípios basilares; entretanto,
quando a ordenação inglesa foi transplantada para outros lugares, no sentido e nos
limites que serão mencionados, prevaleceu, por exemplo, na América do Norte e na
França, o sistema de redigir o direito constitucional, resumindo-o em cartas ou
estatutos fundamentais.199
197
BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras,
2003, p. 22.
198
ROMANO, Santi. Princípios de Direito constitucional geral. Trad.: Maria Helena Diniz, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1977, p. 42-43.
199
Idem, p. 44.
115
Como já dito, no capítulo anterior, no século XVII, a palavra Estado aparece na sua
acepção moderna, na obra de Nicolau Maquiavel, “O Príncipe”, tendo-se, dessa forma, o
constitucionalismo moderno.
Mas, é no século XVIII que o movimento do constitucionalismo moderno teve
eclosão, com a Revolução Francesa; já que se pode considerar o movimento do
constitucionalismo como um movimento de caráter ideológico e político contra o absolutismo
monárquico, com o objetivo de implantar normas jurídicas racionais e obrigatórias, tanto para
os governados, como para os governantes. Canotilho aponta que:
O constitucionalismo exprime também uma ideologia: ‘o liberalismo é
constitucionalismo; é governo das leis e não dos homens’ (Mac Ilwain). A idéia
constitucional deixa de ser apenas a limitação do poder e a garantia de direitos
individuais para se converter numa ideologia, abarcando os vários domínios da vida
política, econômica e social (ideologia liberal ou burguesa).200 (grifo do autor).
Consolidando-se e, estruturando-se, o movimento constitucionalista, no século
seguinte, com a Revolução Industrial e, com o surgimento das Constituições escritas, em face
da massificação das relações sociais, já que havia necessidade do surgimento de um modelo
de Constituição forte (diferentemente do que foi o modelo liberal e, individualista), para
regular e interferir (diretamente), nas relações, passa o Estado, a adotar uma postura
intervencionista.
Paulo Nalin na obra escrita anteriormente ao advento do novo Código Civil (de 2002),
mas após a Constituição de 1988, trata exatamente do tema da constitucionalização,
discorrendo que o Código Civil não pode mais ser visto com uma legislação que esteja acima
da Constituição (aliás, nada pode ser vislumbrado dessa forma), devendo ser considerada (a
Lei Maior) como o ápice do ordenamento jurídico:
[...] contendo a Carta (sic) uma verdadeira “força geradora” do Direito Privado,
destinada tanto ao legislador como ao juiz e para os demais órgãos do Estado. O
Código Civil não pode ser mais ser visto como uma categoria superior da “Carta”
Constitucional, como normalmente acontecia nos diplomas oitocentistas, sempre
fundados sobre o instituto da propriedade e dos bens pertencentes aos particulares.
Atualmente, aquele antigo desenho não mais prevalece, perante uma Constituição
normativa que põe, no centro de seu ordenamento, a pessoa humana, consagrando a
ela um valor preeminente. É com base nesta relocação das figuras legais que se
200
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed., ampl. Coimbra: Almedina, 1992, p. 66.
116
busca reconstruir a idéia do contrato, sempre centrada na figura da pessoa humana
(sujeito contratante) e na sua proteção constitucional.201 (grifo do autor).
Assim, o constitucionalismo do futuro tem que estar fundado em valores como a
solidariedade, a verdade, a participação, a integração, a universalização, entre outros;
voltando-se para o ser humano e para a garantia de sua dignidade, estando, portanto, a
dignidade da pessoa humana, como vetor da própria Constituição Federal.
2.7.2 Uma conceituação de ordem econômica
Antes de se adentrar à conceituação, propriamente dita, faz-se necessário, relembrar o
significado de ordem. Como explanado anteriormente, sistema está intimamente ligado à idéia
de conjunto; de unidade, sendo que, portanto, pode-se dizer que ordem relaciona-se com
organização; um conjunto organizado, visando atingir uma meta comum. Ordem, pois, é uma
“seleção direcionada dos elementos que integram um conjunto. Essa seleção se faz [...] com
um objetivo, com uma finalidade. Toda organização tem um direcionamento para uma meta,
um encaminhamento de elementos para um futuro.” 202
E, não é diferente com a ordem econômica, a qual visa regular todo o complexo de
normas jurídicas que regulam, direta ou indiretamente, a Economia. Importante dizer que o
Direito Econômico é disperso na Constituição Federal, justamente porque não se pode falar
que apenas as regras indicadas no Título VII, tenham conteúdo econômico.
A explicação que Vital Moreira traçou para o que seja ordem econômica
consubstancia o acima apontado:
-
-
201
em um primeiro sentido, ‘ordem econômica’ é o modo de ser empírico de uma
determinada economia concreta; a expressão, aqui, é termo de um conceito de
fato e não de um conceito normativo ou de valor (é conceito do mundo do ser,
portanto) [...];
em um segundo sentido, ‘ordem econômica’ é a expressão que designa um
conjunto de regras de todas as normas (ou regras de conduta), qualquer que seja
a sua natureza (jurídica, religiosa, moral etc), que respeitam à regulação do
comportamento dos sujeitos econômicos; é o sistema normativo (no sentido
sociológico) da ação econômica;
NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva CivilConstitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.46-47.
202
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 5. ed., rev., atual., Rio de Janeiro: Forense, 2004,
p. 83.
117
-
em um terceiro sentido, ‘ordem econômica’ significa ordem jurídica da
economia.203 (grifo do autor).
Ato contínuo, importante destacar que têm conteúdo econômico (ou seja, fazem parte
do Direito Econômico) as regras que guardam consonância ao ciclo econômico, formado por
quatro eventos: produção, circulação, repartição e consumo. Eros Roberto Grau entende que
ordem econômica é a reunião de normas que define, de maneira institucional, um dado modo
de produção econômica. Dessa forma, ordem econômica seria uma parcela da própria ordem
jurídica (encontrado no mundo do dever-ser); um conjunto de normas, portanto, que
institucionaliza uma determinada ordem econômica (no mundo do ser).204
Para Jorge Alex Athias, a ordem econômica deve ser entendida como um dado da
própria realidade, sendo este um dado empírico, portanto, vislumbra a possibilidade de que a
mesma possa ser entendida sob três diferentes perspectivas; como conceito de fato,
sociológico e de direito:
[...] ordem, nesse sentido, é um conceito de facto e não um conceito normativo ou de
valor, e exprime a realidade de uma inerente articulação do econômico como facto.
O Econômico não se apresenta nesse conceito, como um modelo caótico; é já, por si,
uma ordem (natural, automática, impessoal), é típico da teoria liberal.
O segundo conceito teria conteúdo nitidamente sociológico ao significar o conjunto
de regramentos, de qualquer natureza (morais, éticos, religiosos e mesmo jurídicos),
que pretendem ordenar a atividade econômica [...]
O terceiro sentido [...] é o sentido jurídico, entendendo-se a ordem econômica como
a ordem jurídica da economia, sendo constituída pelo conjunto de regras jurídicas
que regulam a vida econômica [...].205
Américo Luís Martins da Silva aponta que, no Brasil, somente na Constituição de
1934 foi implantado o constitucionalismo econômico, apesar de já constar nas Constituições
anteriores algumas questões econômicas, ainda que de forma isolada, não estando, todavia,
explicitada de forma consolidada.
Nunca é demais lembrar que a ordem econômica, apesar de estar inserida na
Constituição Federal, não reina na mesma de forma absoluta, já que deve obedecer aos demais
203
MOREIRA, VITAL. A ordem jurídica do capitalismo. Coimbra: Centelha, 1973, p. 67, apud, GRAU, Eros
Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: Interpretação e Crítica. 9 ed., rev., atual., São Paulo:
Editora Malheiros, 2002, p. 57-58.
204
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: Interpretação e Crítica. 9 ed., rev.,
atual., São Paulo: Editora Malheiros, 2002, p. 63.
205
ATHIAS, Jorge Alex. A ordem econômica e a Constituição de 1988. apud BARBOSA, Erivaldo Moreira.
Direito constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras, 2003, p. 202.
118
preceitos ali esculpidos, como bem retrata o próprio Art. 170 da Lei Máxima, que resguarda a
ordem constitucional (assegurando, inclusive, a livre iniciativa), mas prevê que este deve
respeitar os preceitos ali retratados, em especial, o princípio da dignidade da pessoa humana,
fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro.
2.7.3 Modelos econômicos e seus reflexos na ordem econômica
O modelo econômico adotado em cada Estado influencia, de forma direta, a ordem
econômica e financeira, em face de que dependendo do sistema implantado a ordem
econômico/financeira se moldará e manifestará de uma ou outra maneira.
Eros Roberto Grau aponta a existência de uma ordem econômica liberal e, uma ordem
econômica intervencionista, na qual será relevante o modelo econômico representado na Lei
Máxima do país (se liberal ou social).
As Constituições liberais não apresentam, de forma explícita, normas que compõem
uma ordem econômica constitucional (uma ordem econômica propriamente dita), já que,
nesse modelo, o Estado não deve intervir na Economia, havendo a ocorrência de um Estado
mínimo. É satisfatório, estar retratado, na Constituição, a garantia da propriedade privada e a
liberdade contratual (livre iniciativa) de forma ampla e irrestrita, sendo que, portanto, a ordem
econômica existente no mundo do ser não precisa ser modificada ou, até mesmo reparada,
pelo mundo do dever-ser.
As transformações ocorrem no momento em que as precedentes ordens econômicas –
encontradas no mundo do dever-ser – passam a instrumentalizar a efetivação de políticas
públicas. Ou seja, no exato momento em que a ordem econômica, devidamente elevada a
nível constitucional, “passa a predicar o aprimoramento da ordem econômica (mundo do ser),
visando à sua preservação. O direito é afetado, então, por uma transformação, justamente em
razão de instrumentar transformação da ordem econômica (mundo do ser).”206
Com a leitura do Art. 170 da atual Constituição Federal consegue-se perceber que
referida transformação é buscada, isto porque “a ordem econômica (mundo do ser) deverá
206
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: Interpretação e Crítica. 9 ed., rev.,
atual., São Paulo: Editora Malheiros, 2002, p. 65.
119
estar fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa... A ordem econômica
liberal é substituída pela ordem econômica intervencionista.”207 (grifo do autor), que se
preocupa, notadamente, com a dignidade da pessoa humana.
E, na ordem econômica intervencionista, o Estado deixa de ser mínimo (não
interventor), passando a se transmudar em um Estado que intervêm nas relações econômicas,
visando atender ao bem comum; à justiça social; ao primado do trabalho e, especialmente, e,
fundamentalmente, à dignidade da pessoa humana. Dessa mudança do Estado liberal, para o
social (portanto, intervencionista), bem como, da conseqüente modificação da ordem
econômica liberal, para intervencionista, trata Eros Roberto Grau, da seguinte maneira:
A introdução, no nível constitucional, de disposições específicas, atinentes à
conformação da ordem econômica (mundo do ser), não consubstancia, em rigor,
uma ruptura dela. Antes, pelo contrário, expressa [...] o desígnio de se aprimorar,
tendo-se em vista a sua defesa. A ordem econômica (mundo do dever ser)
capitalista, ainda que se qualifique como intervencionista, está comprometida com a
finalidade de preservação do capitalismo. Daí a feição social, que lhe é atribuída, a
qual, longe de desnudar-se como mera concessão a um modismo, assume,
nitidamente, conteúdo ideológico.208 (grifo do autor).
E, portanto, o modelo econômico utilizado pelo Estado Democrático e Social de
Direito, abraçado pelo Estado interventor encontra-se preocupado com a manutenção do
social; do bem-estar social e, isso só é possível de se realizar, de forma plena, se houver o
acolhimento do princípio da dignidade da pessoa humana, que guarda, em seu seio, todos os
demais princípios que dela decorrem, propiciando, assim, a efetiva justiça social.
2.8 MODALIDADES DE CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA
Inicialmente, é imprescindível trazer à baila, lição de Ivo Dantas, para o qual, a
Constituição econômica não existe desprendida da Constituição jurídica do Estado, muito
pelo contrário, já que nesta “poderá, ou não, existir, sem que sua inexistência comprometa
207
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: Interpretação e Crítica. 9 ed., rev.,
atual., São Paulo: Editora Malheiros, 2002, p. 65.
208
Idem, p. 66-67.
120
(salvo sob os ângulos sociológico e ideológico) a caracterização daquela.”209 Assim, a
Constituição econômica tem que ser vista como um apêndice, como um subsistema da
Constituição total de um Estado, o qual é o verdadeiro sistema.
Outro ponto que merece destaque é o levantado por Celso Ribeiro Bastos, que, na obra
“Curso de Direito Econômico”, questiona: “Existe efetivamente uma Constituição
econômica?” Entende que, no decorrer da História as Constituições passaram a invadir outras
áreas, o que ocorreu, em especial, no século XX, sendo que, dessa forma, passaram a vigorar
dentro do Texto Constitucional, os princípios gerais e regras fundamentais relacionados ao
social e ao econômico. Surge, dessa maneira, a Constituição econômica, que para este, nada
mais é do que “uma especial focalização da matéria relativa a Economia dentro da
Constituição. Aquela sempre existiu mesmo em se tratando das Constituições liberais, sendo
que nelas as diretrizes econômicas eram extraídas da posição tomada pela Lei Maior sobre
outras questões.”210 Assim, conclui-se:
Em outras palavras, Constituição Econômica existe sim, mas como um sistema ou
conjunto de normas jurídicas, tendo como critério unificador o dado econômico ou a
regulação da economia. Ela não é, todavia, autônoma. Pelo contrário, só ganha
sentido se embutida dentro da Constituição em sentido amplo, em função da qual se
torna inelegível e compreensível.211
Para João Bosco Leopoldino da Fonseca, outra questão que se levanta é se no período
anterior a 1934 haveria existido uma Constituição econômica, já que a partir dessa Lei Maior
que houve a previsão expressa de uma ordem econômica (apesar de constarem, nas
Constituições que a precederam, dispositivos que tratavam, de alguma forma, das questões
econômicas). Para este autor, o sistema econômico deve ser entendido como conjunto de
estruturas econômicas, institucionais, jurídicas, sociais e mentais, todas elas organizadas,
visando garantir a efetiva realização de um número de metas econômicas, tais como,
equilíbrio, crescimento etc. Com isso, aponto que somente a partir da Primeira Grande
Guerra, que a conceituação de Constituição econômica toma impulso, impulso este que será
ainda maior a partir da crise do Capitalismo (1929) e, ainda mais, após a Segunda Grande
Guerra. Aponta, ainda, a Constituição econômica tem por fim delimitar os princípios e regras,
209
DANTAS, Ivo. Direito constitucional econômico: globalização e constitucionalismo. 1. ed., 5. tir., Curitiba:
Juruá, 2004, p. 55.
210
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 70.
211
Idem, p. 75.
121
informadores da ordem econômica, operando, portanto, a conversão do regime econômico em
ordem jurídico-econômica.212
Já, André Ramos Tavares, embasado em Vital Moreira, afirma que, apesar de no
Brasil, a expressão Constituição econômica ter surgido somente após o fim de Primeira
Guerra Mundial, como dito acima, já em 1771, nos estudos de Baudeau, se verifica o uso da
expressão, sendo que, na “literatura econômica que o termo em primeiro lugar obteve curso,
mas com sentido diverso: significando o mesmo que estrutura econômica ou sistema
econômico [...]” 213 (grifo do autor).
Gilberto Bercovici salienta que:
O Estado Social de Direito é, deste modo, a ordem soberana da economia,
pretendendo subordinar a economia capitalista de mercado a um conjunto jurídicopolítico nacional [...] As esferas da vida social devem ser planejadas pela vontade
política do povo soberano. Desta forma, no Estado Social de Direito, o direito
econômico deve eliminar a anarquia econômica, concretizando a soberania estatal
sobre a economia, não uma economia de Estado ou a dissolução do Estado na
economia.214
Antes de adentrar-se nas modalidades de Constituição econômica, importante que se
conceitue tal instituto, que, nas palavras de Américo Luís Martins da Silva, significa, “uma
parte da constituição política e o seu objeto não se confunde com a ordenação total, global e
acabada da sociedade” 215. Na visão de Vital Moreira, Constituição econômica seria:
[...] o conjunto de preceitos e instituições jurídicas que, garantindo os elementos
definidores de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada
forma de organização e funcionamento da economia e constituem, por isso mesmo,
uma determinada ordem econômica; ou, de outro modo, aquelas normas ou
instituições públicas que, dentro de um determinado sistema e forma econômicos,
que garantem e/ou instauram, realizam uma determinada ordem econômica
concreta.216
212
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 5. ed., rev., atual., Rio de Janeiro: Forense, 2004,
p. 90/93.
213
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p.73.
214
BERCOVICI, Gilberto. Entre o Estado total e o Estado social: Atualidade do debate sobre Direito, Estado e
economia na república de Weimar. São Paulo: Dedalus, 2003, p. 111-112.
215
SILVA, Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.
45.
216
MOREIRA, Vital. Economia e Constituição. Coimbra: Faculdade de Direito, 1979, p. 35, apud, SILVA,
Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 45.
122
Quanto à classificação, pode-se dizer que há duas modalidades de Constituição
econômica, sendo elas: Constituição formal e Constituição material. Américo Luís Martins
da Silva apresenta que:
Portanto, a constituição econômica assim entendida como o conjunto dos princípios
fundamentais informadores da atividade e da organização econômica, é, na opinião
de LUIS S. CABRAL DE MONCADA, constituída simultaneamente de normas
formalmente constitucionais (normas inscritas no texto constitucional) e por normas
apenas materialmente constitucionais (normas pilares da organização básica da
ordem econômica, sem assento no texto constitucional).217 (grifo do autor).
Para André Ramos Tavares e, Manoel Gonçalves Filho, quando um conjunto de
normas que tratam acerca do econômico está presente na Lei Máxima, tem-se a Constituição
econômica formal. Todavia, André Ramos Tavares, lembra que referido conceito pode
apresentar o inconveniente de “elevarem à categoria de Constituição econômica todas as
normas de cunho econômico, ainda que as mais comezinhas e inexpressivas (justamente por
terem sido incorporadas na Constituição).” 218
217
SILVA, Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.
45.
218
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p.80-81.
123
3.
A
INTERVENÇÃO
DO
ESTADO
NA
ORDEM
ECONÔMICA
COMO
INSTRUMENTO PARA O RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
No primeiro capítulo do presente trabalho foi feito um breve estudo acerca da
evolução do Estado, passando por alguns modelos estatais, para chegar ao Estado
Democrático Social de Direito (modelo que o Brasil, apesar de adotar, ainda não o utiliza de
forma plena). Percebe-se que o tipo de modelo estatal caracteriza-se, principalmente, pela
intensidade com que o Estado atua no campo econômico, pois no modelo liberal, por
exemplo, o Estado pouco, ou nada, intervém na Economia; diferentemente do Estado Social,
que muito intervém na Economia. E, é por intermédio da intervenção que se verifica de que
forma o Estado atua na seara econômica, demonstrando, portanto, a imprescindibilidade da
análise do referido instituto.
É sempre importante traçar elementos históricos dos institutos jurídicos e, não poderia
ser diferente com a intervenção estatal. Desde tempos imemoriais, o Estado (ainda que não da
forma conhecida atualmente) já intervinha de alguma forma, na Economia. E, foi assim, no
Egito – onde tanto a produção agrícola como a industrial – se mantinham sob o controle
estatal; na Grécia antiga e em Roma, que, com seu caráter militar e, portanto, conquistador
intervinha, principalmente, nos Estados dominados, visando à obtenção de riqueza, para o
patrocínio de novas expedições militares.
O modelo de Estado que surgiu com a Revolução Francesa e, que perdurou e
preponderou por todo o século XIX, foi o Estado liberal, o qual operava de maneira
dissociada entre a Economia e a Política, impondo, assim, o afastamento do Estado do
domínio econômico, deixando este praticamente livre para agir da forma que melhor lhe
conviesse, até porque o Estado era apenas uma “mão invisível” atuando sobre o econômico.
Com a evolução do Estado liberal, para o Estado do bem-estar-social (também
chamado de welfare state), como assentado em capítulo anterior, tem-se a necessidade de uma
intervenção do Estado na ordem econômica, já que a Economia deixa de ser livre (com
mínima interferência estatal), para ser regulada pelo Estado, a fim de que as relações sociais
124
possam se tornar mais equilibradas e, até mesmo, igualitárias, garantindo-se, assim, a
plenitude do social.
A Igreja Católica teve grande influência na modificação do modelo estatal, ao trazer
noções de justiça social e bem comum, entre outras, noções estas que pretendia que fossem
aplicadas nos Estados, de forma plena. A Encíclica Papal Rerum Novarum (Papa Leão XIII,
em 1891) é um exemplo disso, já que conclama, aos governantes, que protejam a sociedade e,
para tanto, necessário se faz que exista um concurso de ordem geral, consistindo em regulação
das leis, instituições e da própria Economia, estabelecendo não ser justo que o indivíduo, ou a
até mesmo a família, sejam absorvidos pelo Estado, mas é justo, pelo contrário, que ambos
tenham faculdade de proceder com liberdade, desde que não atentem contra o bem geral e não
prejudiquem ninguém. Propõe uma nova reconstrução econômico-social, voltada para a
justiça.
O Papa Pio XI, na Encíclica Quadragesimo Anno (1931), da mesma forma, condena o
vício do Liberalismo, em face de que tal modelo levou à deformação do próprio Estado. Mais
uma vez se verifica a afirmação de necessidade de implementação do intervencionismo
estatal, para que o equilíbrio e a justiça possam prevalecer, em face do capitalismo demasiado,
que acarreta, somente, injustiças e desigualdades sociais, que resultam em uma indignidade
humana, a qual não pode ser permitida.
O Papa João XXIII, na Encíclica Mater et Magistra (1961), também prega a
necessidade de interferência do Estado nas relações sociais e econômicas, para a garantia do
bem comum, tendo asseverado que o Estado não pode manter-se afastado do mundo
econômico, já que a razão de ser deste é a realização do bem comum. Deve, portanto:
[...] intervir com o fim de promover a produção duma abundância suficiente de
bens materiais, cujo uso é necessário para o exercício da virtude, e também para
proteger os direitos de todos os cidadãos, sobretudo dos mais fracos, como são os
operários, as mulheres e as crianças. [...] Mas é preciso insistir sempre no princípio
de que a presença do Estado no campo econômico, por mais ampla e penetrante que
seja, não pode ter como meta reduzir cada vez mais a esfera da liberdade na
iniciativa pessoal dos cidadãos; mas deve, pelo contrário, garantir a essa esfera a
maior amplidão possível, protegendo, efetivamente, em favor de todos e cada um,
os direitos essenciais da pessoa humana.219
219
PAPA João XXIII. Rerum Novarum, apud VENANCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no
domínio econômico: O Direito público econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1968, p.
18.
125
Na mesma esteira, André Ramos Tavares lembra que as Constituições ditas sociais
trazem a necessidade de um modelo estatal intervencionista, em oposição ao modelo liberal,
em que o Estado pouco ou nada fazia, com relação à interferência nas relações privadas e, na
própria ordem econômica:
As constituições sociais correspondem a um momento posterior na evolução do
constitucionalismo. Passa-se a consagrar a necessidade de que o Estado atue positivamente,
corrigindo as desigualdades sociais e proporcionando, assim, efetivamente, a igualdade de
todos. É o chamado Estado do Bem Comum. Parte-se do pressuposto de que a liberdade só
pode florescer com o vigor sublimado quando se dê igualdade real (e não apenas formal) entre
os cidadãos. É bastante comum, nesse tipo de Constituição, traçar expressamente os grandes
objetivos que hão de nortear a atuação governamental, impondo-os (ao menos a longo prazo).
Não por outro motivo tais Constituições são denominadas, com CANOTILHO,
‘dirigentes’.220 (grifo do autor).
Veja-se que o intervencionismo é implantado, de forma efetiva, no Estado do bemestar-social, com as Constituições Sociais, com maior determinação após o advento do
movimento constitucionalista, quando já se encontrava consolidada a idéia de Estado de
Direito, estando o Poder Público limitado por uma ordem jurídica e, pronto para estabelecer
limites à atividade privada.
O intervencionismo, modernamente conhecido, tem como marco zero, a legislação
americana (antitruste, de 1890). Todavia, o divisor de águas ocorreu em outro momento. Após
a Revolução de 1917, na Rússia (com o levante do proletariado, que não suportou o
Liberalismo exacerbado que provocava uma disparidade excessiva entre as classes detentoras
de riqueza e os que pouco ou nada detinham) e, posteriormente com a crise econômica dos
anos 20 e 30, que culminou com o “crack” da Bolsa de Nova York, ocasionando a quebra de
milhares de bancos, o que resultou em uma elevação, inimaginável (para a época) no número
de desempregados, além da desvalorização da moeda norte americana, o modelo econômico
liberal, da forma que estava posto, não tinha mais como se sustentar.
220
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito constitucional. 2. ed., rev., ampl., São Paulo: Saraiva, 2003, p.
71.
126
Para tentar restabelecer o mercado, bem como, para dar dignidade à população de seu
País (já que em face do ocorrido, muitos ficaram sem a mínima condição de sobrevivência e,
portanto de dignidade), o Presidente dos Estados Unidos da América do Norte, Franklin
Delano Roosevelt, adotou inúmeras medidas intervencionistas, visando a recuperação
econômica e, conseqüentemente, objetivando o restabelecimento das condições dignas dos
indivíduos norte-americanos. Referidas medidas, intervencionistas, foram necessárias, em
face de que havia a necessidade de se impor, de alguma forma, contrariamente ao
Liberalismo. E, o intervencionismo tem esse caráter, posto que ao traçar limites, estabelecer
regras dentro do sistema econômico, se posiciona de maneira adversa àquela doutrina.
O intervencionismo moderno teve seu termo, portanto, com fins de assegurar à todos a
existência digna, já que o mercado livre não estava garantindo a dignidade da pessoa humana,
devendo, dessa forma, sofrer limites estatais, para a total garantia da própria pessoa humana.
Assim, o intervencionismo surge para regular a economia, visando à coibição de abusos por
parte do mercado, para que sejam garantidas as condições de sobrevivência de toda a
população.
A intervenção é, portanto, o modo pelo qual o Estado,
[...] toma a si o encargo de atividades econômicas, passando a exercer, além das
funções de manutenção da ordem jurídica, da soberania e segurança nacionais,
outras que visem ao bem-estar social e ao desenvolvimento econômico. O
intervencionismo visto sob o prisma do Direito Econômico, varia de intensidade,
que pode ir da ação supletiva (intervenção branda) ao monopólio estatal (intervenção
total). Segundo os doutrinadores, no chamado neo-capitalismo, essa intervenção se
faz sentir pela legislação que protege a sociedade dos abusos do poder econômico,
através do que denominam Direito Regulamentar Econômico (espécie do Direito
Econômico) comparecendo o Estado na atividade econômica para assumir as
atividades demasiadamente onerosas ou desinteressantes para a iniciativa privada.221
(grifo do autor).
A intervenção é, na realidade, a possibilidade do Estado intervir na atividade
econômica, para garantir o cumprimento e, assim, a efetividade, das normas constitucionais,
para que o mercado possa crescer, nos limites estabelecidos por lei. O Estado pode intervir na
Economia tanto como agente normativo, ou seja, impondo regras de conduta à vida
econômica e, também, como parte do processo econômico. Assim, tem-se o Estado como
221
PEREIRA, AFFONSO INSUELA. O Direito econômico na ordem jurídica. São Paulo: José Bushatsky,
1974, p. 249.
127
norma (Direito Regulamentar Econômico) e o Estado como agente (Direito Institucional
Econômico).
E, o intervencionismo se justifica em face de que o direito à livre iniciativa apesar de
assegurado pelo ordenamento jurídico vigente, inclusive pela própria Constituição Federal,
não é mais ilimitado, recebendo, pois um condicionamento, em decorrência da própria
condição em que vive a sociedade atualmente, visando, sobretudo, a promoção da pessoa
humana e, conseqüentemente, de sua dignidade.
Têm-se, adotando a classificação de alguns autores (como Celso Ribeiro Bastos, João
Bosco Leopoldino da Fonseca, Paulo Roberto Lyrio Pimenta, Américo Luís Martins da Silva,
entre outros), duas modalidades de intervenção na atividade econômica; a direta e a indireta.
A primeira encontra-se prevista no Art. 173 da Constituição, onde prevê que o Estado agirá de
forma direta, dentro do campo econômico, por intermédio de empresa pública, sociedade de
economia mista ou subsidiária. Nesta hipótese, o ente Público pratica operações mercantis,
passando, desse modo “[...] a atuar como empresário, comprometendo-se com a atividade
produtiva, quer sob a forma de empresa pública quer sob a de sociedade de economia
mista.”222 (grifo do autor). Além disso, esta intervenção pode ocorrer, ainda, quando o Estado
assume a gestão da empresa privada, passando a dirigi-la, desde que interesses sociais exijam
referida espécie de intervenção. Paulo Roberto Lyrio Pimenta entende que na modalidade de
intervenção direta:
[...] o Estado, na qualidade de agente econômico da atividade produtiva não está
submetido ao regime jurídico de direito público, por ser este incompatível com os
fins e meios da ordem econômica. Assim, o Estado não goza de superioridade em
suas relações com os particulares. Aqui, o ente estatal comercializa, importa,
produz, enfim, pratica atos típicos de direito privado.223
Na segunda forma de intervenção, o Estado irá atuar como agente normativo e
regulador da atividade econômica, como se verifica do disposto no Art. 174 da Constituição.
Aqui, o Estado atua de forma a exigir que o mercado cumpra com o que está disposto nas
normas constitucionais e infraconstitucionais, acerca da matéria. Nesta hipótese, o Estado não
222
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 5.ed., rev., atual., Rio de Janeiro: Forense, 2004,
p.281.
223
PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Contribuições de intervenção no domínio econômico. São Paulo:
Dialética, 2002, p. 39.
128
visa lucro, mas, sim, o efetivo cumprimento das normas, objetivando o bem comum; a justiça
social e a dignidade da pessoa humana, de forma primordial. Nesta modalidade, o Estado, pode
exercer a função de fiscalizador, agente regulador e, também, fomentador, ao constituir políticas
econômicas, visando o combate ao abuso praticado pelo mercado econômico, que atinge
frontalmente a dignidade da pessoa humana. Um exemplo de intervenção indireta ocorre quando o
Estado atua por intermédio das Agências reguladoras, que visam a proteção dos princípios
trazidos pela Constituição Federal, oportunizando-lhes a concretização efetiva.
Sobre o tema, Américo Luís Martins da Silva, afirma que:
[...] o Estado pode atuar direta ou indiretamente no domínio econômico. A atuação
direta assume a forma de empresas públicas (empresas públicas propriamente ditas e
sociedades de economia mista). Na atuação indireta, o Estado o faz através de
normas, que têm como finalidade fiscalizar, incentivar ou planejar. Em outras
palavras, o Estado atua diretamente, através de entes da administração
descentralizada ou surge como agente do processo econômico, sendo que em certas
oportunidades, por via indireta, usa seu poder normativo, disciplinando e
controlando os agentes econômicos.224
Ressalta-se que, as limitações da intervenção do Estado, no campo econômico,
deverão observar os princípios dispostos no Art. 170 da Constituição da República, que tem o
princípio da dignidade da pessoa humana como vetor da ordem econômica e fundamento do
próprio Estado Democrático de Direito, já que o Estado intervirá somente quando necessário,
em decorrência de imperativos da segurança nacional, de relevante interesse coletivo e,
quando houver definição legal. Portanto, a intervenção do Estado na ordem econômica prima
pela manutenção da dignidade humana, servindo de instrumento para a sua concretização.
3.1 INTERVENÇÃO ESTATAL NA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA: BREVE
ANÁLISE DAS CONSTITUIÇÕES QUE PRECEDEREM A ATUAL
A intervenção do Estado na ordem econômica não é privilégio da Constituição ora
vigente, tendo aparecido, ainda que de forma tímida, em outros diplomas constitucionais
brasileiros.
224
SILVA, Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996, p.
120.
129
Passa-se, desse modo, a analisar os aspectos da ordem econômica, existentes em todos
os Textos Constitucionais deste País, desde a Carta Imperial, de 1824 até a atual Constituição
da República Federativa do Brasil, de 1988. Todavia, cabe ressaltar que, neste tópico se
limitará à verificação dos Textos anteriores ao de 1988, se voltando até a Carta Constitucional
de 1967, com a Emenda Constitucional nº 1/69.
O primeiro Estatuto Constitucional brasileiro foi outorgado no período Imperial, sendo
que referida Carta política instituía um novo poder, o Poder Moderador. Esse poder
moderador era conhecido como a chave da organização política do País, já que permitia o
regular funcionamento da Carta Imperial. Além disso, o Poder Moderador representava,
também, papel relevante do ponto de vista econômico, já que possibilitava, em decorrência da
estabilidade que propiciou ao regime, o desenvolvimento adequado da vida econômica
durante o século XIX.
No tocante à Carta Imperial de 1824, Erivaldo Moreira Barbosa traça, inicialmente,
algumas considerações acerca do momento histórico que a antecederam, para, posteriormente,
destacar o caráter liberal da referida Carta Magna:
[...] em 1823, com a universalização das idéias liberais, surgem no País movimentos
em prol da Constituição escrita. Assentava-se, assim, a primeira Assembléia
Constituinte, com o fito de produzir um Texto Mater genuinamente brasileiro.
Este movimento teve duração efêmera, haja vista o Imperador ter dissolvido a
Assembléia por não concordar com seus requisitos formais e materiais. [...]
Observemos que, tanto o Projeto Constitucional, como a Carta Imperial, dão mais
ênfase ao Direito de Propriedade de forma absoluta: usar, gozar e dispor do bem
jurídico ao seu livre-arbítrio, sem nenhuma restrição por parte do Estado. Ora, essa é
a tônica do liberalismo econômico, isto é, o Estado não deve imiscuir-se em
atividades econômicas.225
A Carta de 1824 previa o direito de propriedade em toda sua plenitude, não se
preocupando em regrar as demais instituições econômicas, a exemplo de outras Constituições
daquele século. Veja-se que a ênfase, aqui, é a garantia da propriedade plena (resguardandose a liberdade sem limites), e não a regulação da Economia, em face do caráter liberal,
impregnado no referido Texto Constitucional, que refletia o modelo econômico vivido à
época.
225
BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras,
2003, p. 70/72.
130
Apesar de liberal, a Carta Imperial já aportava dispositivos intervencionistas, como
bem destaca Alberto Venancio Filho:
Do ponto de vista da intervenção do Estado no domínio econômico, o panorama do
Império revela sempre a ênfase nos problemas das tarifas alfandegárias, que eram, na verdade,
os que tinham influência no incipiente sistema econômico da época, e os quais, em tôdas (sic)
as situações históricas, têm sempre a primazia como primeira atividade onde o Estado
intervém no domínio econômico.226
Ou seja, não obstante seu aspecto visivelmente liberal, a Carta Política de 1824 não
deixa de se preocupar, ainda que de forma acanhada, com a intervenção na Economia, com
fins de resguardar, naquele momento, o problema das tarifas alfandegárias.
Em seguida, com a primeira Constituição da República brasileira, de 1891, o Estado
brasileiro ainda não se liberta de sua vocação liberal, mesmo porque não haveria como fazêlo, já que o modelo econômico vigente, à época, era o liberal. Aqui também a propriedade
individual é vista como um princípio absoluto, o qual não deve sofrer limitações por parte do
Estado.
Mais uma vez encontram-se no Texto Constitucional as diretrizes liberais,
verificando-se, portanto, aqui, a figura de um Estado mínimo, que não intervinha nas relações
sociais, permitindo que o mercado se auto regulasse.
Já preliminarmente percebe-se a ideologia liberal do nosso Texto Maior, enquanto se
reporta a um regime livre. O significado dessa liberdade nada mais é do que não se
permitir a intervenção do Estado nas atividades econômicas. Lembre-se, pois, que a
tônica liberal que perpassou toda a Carta Master anterior também traça as diretrizes
da Constituição em tela.227
O Texto Constitucional, de 1891, garantia, da mesma forma que a Carta de 1824, a
plenitude do direito de propriedade, demonstrando sua bandeira liberal, como se verifica pelo
226
VENANCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico: O Direito público
econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1968, p. 25.
227
BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras,
2003, p. 74-75.
131
teor do Art. 72, § 17: “O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a
desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia.” 228
O regime político, traçado na Constituição, mantém a posição do Estado como ente
ausente das atividades econômicas. No início da República, o café mantinha-se como a grande
âncora da economia nacional e, por isso, para propiciar a sua defesa, deixa o Estado de ser
totalmente ausente da Economia, aparecendo as medidas intervencionistas, visando manter o
café em posição de evidência no cenário e nos mercados internacionais.
A Constituição de 1934 é um marco no tocante à ordem econômica, em face de ser a
primeira Constituição brasileira a tratar, de forma explícita dela e, também social, já que trata,
em seu Capítulo IV, “Da Ordem Econômica e Social”. Já, no preâmbulo, esta Constituição se
diferencia do Texto anterior, já que introduziu a expressão ‘bem-estar-social e econômico’,
como uma das primordiais diretrizes que deveriam ser respeitadas.
No Brasil, o constitucionalismo econômico foi implantado, de forma efetiva, a partir
de 1934, apesar das Constituições anteriores à de 1934 (como anteriormente explanado),
tratarem de algumas questões econômicas ou, ainda, relacionadas à intervenção do Estado no
domínio econômico.
Esta Constituição foi a primeira a consagrar princípios e normas sobre a ordem
econômica, tendo criado um título específico, “Da Ordem Econômica e Social”.
O preâmbulo, da Lei Maior de 1934, estabelecia que:
Nós, os Representantes do Povo Brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus,
reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime
democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar
social e econômico, decretamos e promulgamos a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL.229
Com esta Constituição inaugura-se, no Brasil, o Estado do bem-estar-social, voltado
para o bem estar do indivíduo, pregando a justiça social. Infelizmente, esta Constituição teve
228
229
BRASIL, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1891.
BRASIL, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1934.
132
curta duração, em decorrência do golpe sofrido, no País, que resultou, posteriormente, na
Carta de 1937.
Erivaldo Moreira Barbosa apresenta elementos que influenciaram esta Lei Máxima,
sendo estes tanto elementos internos (como a polarização em disputa por parte da oligarquia
rural e a burguesia industrial, ainda embrionária influenciaram a ideologia retratada na
Constituição); quanto os externos (como é o caso, por exemplo, da crítica socialista aos
Textos Constitucionais abstratos, da crítica da Igreja Católica à não-respeitabilidade aos
direitos sociais e, ainda, a primeira grande guerra).
Importante, ainda, destacar outros aspectos históricos que antecederam a promulgação
da Constituição de 1934, trazendo-se, especialmente, as Constituições que influenciaram, não
só a Constituição brasileira, da época, como as Constituições de outros países, de uma forma
em geral. Tratam-se das Constituições, Mexicana, de 1917 e, Alemã (Constituição de
Weimar), de 1919, que primeiramente previram de forma expressa, a intervenção do Estado
no domínio econômico.
A respeito da Constituição do México, de 1917, pode-se dizer que “a ordem
econômica adquiriu dimensão jurídica a partir do momento em que as constituições passaram
a discipliná-las sistematicamente, o que teve início com a Constituição mexicana de 1917”230,
Constituição esta que seguiu as diretrizes trazidas pela Revolução Mexicana. A referida
Constituição trazia uma intervenção estatal bastante ampla; impondo à propriedade privada
modalidades que são trazidos pelo interesse público. Foi abolido, aqui, o caráter absoluto da
propriedade privada, ligando-se o seu uso ao interesse coletivo.
Após a primeira grande guerra, a Alemanha se encontrava em situação de miséria,
levando-se à necessidade de se considerar o regramento econômico como norma de ordem
Constitucional. O Estado alemão passou a ter um papel mais visível dentro do cenário social,
ocupando-se, portanto, da justiça voltada para o social. Foi nesse momento que eclodiu a
Constituição de 1919, a qual, posteriormente, serviu de modelo a várias Constituições ao
redor do mundo, inclusive a brasileira, de 1934.
230
SILVA, Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996, p. 6.
133
Importante destacar que:
A República de Weimar inaugurou uma fase inédita de estruturação constitucional
do Estado alemão, com papel mais ativo no desenvolvimento social, na construção
de uma sociedade com justiça social pela efetivação dos Direitos Sociais
formalizados na Constituição de Weimar, de 11 de agosto de 1919 – o Sozialstaat ou
Estado Social de Direito. A ordem econômica e social criada pela nascente
República alemã serviu de modelo para alguns Estados no período imediatamente
posterior à Primeira Guerra Mundial. No Brasil, por exemplo, intenso foi o debate
sobre as conquistas sociais e constitucionais de Weimar, tendo a Carta Magna de
1934 sofrido forte influência do recém-criado modelo social alemão [...] Esta
Constituição brasileira praticamente assimilou os idealizados avanços da nova
ordem social alemã, mas apenas em seu aspecto jurídico-formal. Padeceu, contudo,
por não contextualizar muitos dos seus ideais à realidade material brasileira.231 (grifo
do autor).
Além disso, a crise da bolsa de Nova York, ocorrida em 1929 (que acarretou o
desmoronamento do setor cafeeiro e, conseqüentemente, dos mecanismos de sua defesa), que
resultou na agonia do sistema político da República Velha, a expressão no Brasil, crescendo,
portanto, o anseio por novos métodos de organização política e social.
A Constituição de 1934 trata da justiça social e da necessidade de se possibilitar, a
todos, uma existência digna, sendo que a ordem econômica deve seguir essas determinações.
Percebe-se que o Liberalismo acaba por perder sua força, em face, primordialmente, da
intervenção do Estado na ordem econômica. Como exemplo, pode-se citar os Arts. 115 e 121,
da referida Constituição Federal, os quais dispõem:
Art. 115. A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da
justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos
existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica.
Parágrafo único. Os poderes públicos verificarão, periodicamente, o padrão de vida
nas várias regiões do país.
[...]
Art. 121. A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições de
trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do
trabalhador e os interesses econômicos do país. 232 (grifo nosso).
Ainda é mantido o caráter liberal, como se verifica pela análise da referida
Constituição, já que continua preservando o direito à propriedade, todavia, com limitações
impostas, voltadas para o social. A Lei Máxima de 1934 já estabelecia a dignidade da pessoa
humana como finalidade a ser alcançada, já que, consoante estabelecido nos artigos acima
231
GUEDES, Marco Aurelio. Estado e ordem econômica e social: A experiência constitucional da República
de Weimar e a Constituição brasileira de 1934, Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 2.
232
BRASIL, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1934.
134
transcritos, determina que a ordem econômica deve ser ordenada segundo os princípios da
justiça e em conformidade com as necessidades nacionais, de forma a permitir a todos uma
existência digna, em toda sua plenitude, promovendo para tanto, entre outras coisas, melhores
condições de trabalho, visando a proteção social do trabalho e os interesses econômicos
brasileiros.
A Constituição de 1934 teve uma vigência muito curta, em face do golpe de governo,
sofrido pelo País, golpe este que teve a frente Getúlio Vargas. A Carta Constitucional de 1937
era centralizadora, sendo que o Poder Executivo reunia não apenas as suas funções usuais,
como, também, a maioria das funções desempenhadas por outros órgãos.
A Carta de 1937 guardava apenas o aspecto de um Estado Democrático de Direito,
mas, a realidade era totalmente diferente, já que na mesma não foram agasalhados, por
exemplo, os princípios da legalidade, da irretroatividade da lei, entre outros. De outro modo,
tem-se o surgimento de outros preceitos (os quais não encontravam guarida na CF de 1934),
como a pena de morte para os crimes políticos e para os homicídios cometidos por motivo
fútil e com extremos de perversidade. O direito de manifestação de pensamento foi limitado
pela censura prévia da imprensa, teatro, cinema e radiodifusão, tendo a autoridade competente
a possibilidade de proibir a circulação, a difusão ou a representação.
Esta Carta foi chamada de “Constituição polaca”, em virtude de ter sido inúmeras
vezes comparada com a Constituição polonesa de 1935. Foi repudiada por todos os segmentos
políticos, que a consideravam fascista. Era exageradamente nacionalista, tendo ampliado o
leque de possibilidades de intervenção do Estado na Economia. Aliás, pela primeira vez a
expressão “intervenção do Estado no domínio econômico” aparece em uma Lei Magna, como
se verifica pelo Art. 135, o qual dispunha:
Art. 135 – Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de
invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a
prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se
legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores de
produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das
competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo
Estado.
A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a
forma de controle, do estímulo ou da gestão direta.233 (grifo nosso).
233
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1937.
135
Além disso, cabe aqui mencionar que a Carta de 1937, no campo econômico, foi
elaborada com base na busca de um Estado que pudesse suprir a atividade privada, visando
sustentar o próprio sistema econômico que se verifica incipiente, já que as indústrias
brasileiras da época não possuíam capitais e técnicas suficientes para solucionar as questões
econômicas encontradas naquele período.
Em 1º de fevereiro de 1946 foi inaugurada uma nova Assembléia Constituinte,
para elaboração de uma nova Lei Máxima, em face de que a era Getúlio Vargas havia se
encerrado, com a deposição do mesmo, por intermédio de um golpe militar, que o retirou do
poder, sendo substituído pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal. Na data de 19 de
setembro de 1946 foi promulgada a Constituição, a qual trazia um texto muito menos
repressor que o anterior.
Acerca do momento histórico em que se encontra o Brasil e, o mundo, bem como da
evolução política e econômica, Washington Peluso Albino de Souza assim se manifesta:
Após a experiência das duas Grandes Guerras, conclui-se que a política econômica
exigiu do estado a participação em um novo tipo de relação jurídica, diferente daquela que se
caracterizava nos demais ramos do Direito. De simples mantenedor da ordem e da justiça,
ocupado em administrar-se, exercia funções diretas na vida econômica nacional. E, se a
história oferecia o exemplo do Mercantilismo, entre outros, que lhe dava as bases desta nova
situação, as conquistas tecnológicas atuais, somadas ao crescimento do poderio econômico
privado, configuravam um quadro bastante diverso daquele. 234
A Constituição de 1946 contemplava a ordem econômica e social, no Título V,
pautando referida ordem, nos ditames da justiça social, ou seja, verifica-se a ocorrência
embrionária da tentativa de conciliação entre a livre iniciativa, com os valores sociais, como a
valorização do trabalho humana, a própria justiça social e a dignidade da pessoa humana.
Além disso, a Constituição de 1946 optou por manter os preceitos contidos na
Constituição de 1934, no tocante aos valores sociais trazidos da Constituição alemã de 1919, a
Constituição de Weimar, sendo que, todavia, o fez de forma a adaptar os preceitos
234
SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito econômico. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 282.
136
“importados” da Constituição alemã, para a realidade nacional, ajustando-os de forma a
melhor desempenhar seu papel no cenário brasileiro.
O Art. 145 do Texto Constitucional de 1946 estabelecia que:
A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social,
conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.
Parágrafo único. A todos é assegurado trabalho que possibilite existência digna. O
trabalho é obrigação social.235
Verifica-se que o citado artigo demonstra que, já no Texto Constitucional de 1946
havia a preocupação com a dignidade da pessoa humana (como também se constata na CF de
1934), vislumbrando-se tal fato na obrigatoriedade de que a ordem econômica deveria ser
organizada, em conformidade com os preceitos da justiça social, compatibilizando a liberdade
(livre iniciativa, portanto), com a valorização do trabalho humano, o qual estaria regulado em
virtude de propiciar uma existência digna, pautada na própria dignidade da pessoa humana.
Os anos 60 marcaram de forma profunda o cenário político nacional, portanto, faz-se
necessário, trazer à baila, um retrospecto histórico, do momento da imposição da Carta de
1967, bem como do que a antecedeu.
Ainda estava em vigor a Carta Mater de 1946, quando, em 2.9.1961, a Emenda
Constitucional nº 4 instituiu o sistema de governo parlamentar, com o propósito de
restringir os poderes do Presidente da República. Entretanto, esta mudança não foi
bem acolhida pela população, sendo posteriormente revogada em 23.1.1963, por
meio da Emenda Constitucional nº 6, retornando a tradicional forma de governo
presidencialista.
Os militares, já ansiosos para deflagrar o golpe de Estado, aproveitaram-se dos
acontecimentos políticos que vinham acontecendo no país e forjaram uma
instabilidade política, com o intuito de tomarem o poder via força bruta. Assim
procedendo, em 31 de março de 1964 as Forças Armadas destituíram João Goulart
da Presidência da República e iniciaram uma vertiginosa escalada ditatorial.
As forças armadas passaram a editar uma série de Atos Institucionais – todos
inconstitucionais – restringindo os direitos políticos e aumentando formas de
repressão. Os Atos Institucionais, muitos deste dos próprios punhos dos generais,
eram implementados sem obedecer aos mínimos princípios constitucionais e
jurídicos. 236
A Carta de 1967 foi outorgada sob a égide do governo militar, sendo que, portanto, se
verifica uma forte carga de intervenção estatal, com fins de se manter o mercado sob o jugo
235
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1946.
BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito Constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras,
2003, p. 91.
236
137
do próprio Estado. Apesar disso, é possível extrair, daquele Texto, a finalidade (ainda que
meramente formal) da ordem econômica, em realizar a justiça social.
Para Américo Luís Martins da Silva, o Texto de 1967, prevê a intervenção do Estado
no domínio econômico, de modo a se opor à iniciativa privada, o que, pode significar um
retrocesso, nos termos da nova configuração da Democracia, em especial com o parâmetro
deixado pela Constituição anterior, de 1946. 237
Já, a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, apesar de considerada
como uma nova Carta manteve a idéia de unidade, apesar das modificações na forma de
governo e de Estado, pelos quais estava passando o país.
Tal como vinha ocorrendo desde 1934, o legislador da Emenda Constitucional nº 1, de
17.10.1969, fez inserir em seu texto um título sob a denominação “Da ordem econômica e
social, relativo ao modo pelo qual o Estado deveria intervir na economia e à posição do
indivíduo em diversas dimensões sociais de relevo, inclusive no que diz respeito às relações
entre o capital e o trabalho. [...] dá real importância a livre empresa e a limitada intervenção
do Estado na economia privada, bem como declara que a ordem econômica deve ter por
finalidade fundamental a realização do desenvolvimento nacional e a justiça social,
observando-se os seguintes princípios constitucionais: liberdade de iniciativa, valorização do
trabalho como condição da dignidade humana, função social da propriedade, harmonia e
solidariedade entre as categorias sociais de produção, repressão ao abuso do poder
econômico, expansão das oportunidades de emprego produtivo.238
Assim, percebe-se que os traços da ordem econômica e financeira retratados na
Constituição da República de 1988 já apareciam na Emenda Constitucional nº 1, de 1969,
dando-se prevalência, ali também, pelo menos formalmente, ao princípio da dignidade da
pessoa humana.
É claro que, em face da ditadura militar, que vinha ocorrendo nesse período, os
princípios esculpidos naquela Carta Magna não foram efetivamente aplicados, mas, naquele
237
SILVA, Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.
40.
238
Idem, p. 41.
138
momento os princípios, tanto do desenvolvimento nacional, quanto da justiça social deixaram
de ser meramente informadores, para ser finalidade precípua da própria ordem econômica e
social. Além disso, “a Emenda Constitucional nº 1, de 17.10.1969, adotou o princípio da
subsidiariedade em relação a autorização da intervenção estatal na economia, ou seja, admitiu
ela que a intervenção estatal deveria ser efetuado de modo subsidiário.”239 (grifo do autor).
As Constituições aqui retratadas demonstram a evolução da ordem econômica no
Brasil, sendo que todas elas contribuíram para a promulgação da Constituição de 1988, já que
auxiliaram na construção da atual ordem econômica, nos moldes hoje retratados.
3.2 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em outubro de 1988,
trouxe, em seu Título VII, “Da Ordem Econômica e Financeira”, estabelecendo o norte a ser
seguido, em relação aos princípios básicos do direito econômico, pois como bem elucida o
doutrinador Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “a democracia não pode desenvolver-se a
menos que a organização econômica lhe seja propícia” 240 e, a Democracia, encontra-se como
valor absoluto dentro da referida Constituição, valor este que tem que ser observado de forma
plena por todos, Estado e indivíduos.
É importante, para que ocorra a plenitude da Democracia em um Estado, que haja uma
organização econômica, devidamente regulamentada, que possa dar efetividade às garantias
fundamentais do ser humano, garantias estas reconhecidas pela própria Constituição. E, com
tal visão, o Poder Constituinte de 1988, mais uma vez, incorporou a ordem econômica como
preceito a ser regido pela Lei Maior, introduzindo-a em capítulo próprio.
239
SILVA, Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003,
p.42.
240
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 29. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 339.
139
O pensamento de Champaud, citado por João Bosco Leopoldino da Fonseca expressa
a importância do Direito econômico, corroborando assim com o merecido destaque dado pela
Constituição.
Se o Estado desempenha um papel primordial na constituição e na vida das grandes
unidades de produção e distribuição de massa, o Direito Econômico é
essencialmente composto de regras que regem as relações do Estado e de suas
unidades. Ele aparece então como um Direito Público. Se sua criação e sua
animação é, no essencial, deixada à iniciativa privada, o Direito Econômico é quase
exclusivamente formado de regras que regem relações entre particulares.
Apresenta-se então com um Direito Privado.
[...]
Na realidade, mais que uma disciplina, o Direito Econômico é uma ordem jurídica
decorrente das normas e das necessidades de uma civilização ainda em via de
formação.241 (grifo do autor).
Todavia, a presença do Direito econômico em uma Constituição brasileira não é
privilégio da Constituição de 1988, já que desde a Constituição da República de 1934, como
retratado anteriormente, o mesmo se faz presente, de forma constitucionalizada, sendo que “o
que se extrai da leitura despida de senso crítico, dos textos constitucionais, é a indicação de
que o capitalismo se transforma na medida em que assume novo caráter, social.”242 (grifo do
autor). Além disso, desde a época do Brasil-Colônia já existia a preocupação de se tratar de
algumas questões econômicas, ou até mesmo de alguma espécie (ainda que de forma tímida)
de intervenção estatal, na área econômica, dentro da Lei Maior, como se verifica no item
anterior.
Mas, foi a partir do término da 1ª Grande Guerra, num fenômeno mundial, que o
constitucionalismo assumiu uma feição diferenciada, perdendo a vinculação com o
liberalismo. As Constituições passaram, então, a marcar o advento do constitucionalismo
social, não focalizando apenas o indivíduo em abstrato, mas também, como parte integrante
da sociedade. Houve a consagração dos direitos sociais, via declarações expressas, nos Textos
Constitucionais, tendo o constitucionalismo se enquadrado em novos moldes, dos quais não
mais se dissociou.243
241
CHAMPAUD, Claude. Contribuition à la définition du Droit économique: II Diritto dell´economia –
rivista di doutrina e di giurisprudenza, Milano, vol. 13, nº 2, 1967, p. 141/154, apud, FONSECA, João Bosco da.
Direito econômico. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 13-14.
242
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 9. ed., rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 56-57.
243
SILVA, Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.
6.
140
A Constituição da República de 1988, seguindo a tendência do mundo, hoje
globalizado, trouxe o Direito econômico, em seu bojo, procurando primar pelo social,
estabelecendo regras e limites à ordem econômica, com fins de resguardar o ser humano,
dando-lhe oportunidade de uma vida digna, primando pelo trabalho, justiça social, defesa do
consumidor, do meio ambiente (protegendo as gerações presentes e futuras), redução das
desigualdades regionais e sociais e, limitando o direito à propriedade, exigindo que a mesma
cumpra sua função social, como preceitua o Art. 170:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I- soberania nacional;
II- propriedade privada;
III- função social da propriedade;
IV- livre concorrência;
V- defesa do consumidor;
VI- defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme
o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e
prestação;
VII- redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII- busca do pleno emprego;
IX- tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as
leis brasileiras e que tenham sede e administração no País;
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade
econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos em lei.244
Comentando o supra transcrito Art. 170, o doutrinador André Ramos Tavares, assim
se posiciona:
Além daqueles princípios fundamentais – livre iniciativa e valor social da iniciativa
humana – enumerados em seu caput, o art. 170 das Constituição relaciona em seus
nove incisos os princípios constitucionais da ordem econômica, afirmando que esta
tem por fim assegurar a existência digna, conforme os ditames da justiça social,
respeitados os seguintes princípios: soberania nacional, propriedade privada, função
social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio
ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego e
tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sua sede e administração no país. Estes princípios
perfazem um conjunto cogente de comandos normativos, devendo ser respeitados e
observados por todos os “Poderes”, sob pena de inconstitucionalidade do ato
praticado ao arrepio de qualquer deles. Portanto, serão inadmissíveis (inválidas)
perante a ordem constitucional as decisões do Poder Judiciário que afrontarem estes
princípios, assim como as leis e qualquer outro ato estatal que estabelecer metas e
comandos normativos que, de qualquer maneira, oponham-se ou violem tais
princípios. (grifo do autor).245
244
245
BRASIL. Constituição da república federativa do Brasil, 1988.
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 134.
141
Em outra oportunidade, o mesmo autor trata das finalidades da ordem econômica,
tendo constatado que a existência digna e a justiça social são os objetivos primordiais dessa
ordem, a serem atingidos por intermédio da implementação dos ditames constitucionais,
justificando, assim, a intervenção do Estado no domínio econômico.
Esta intervenção na Economia, para garantia do social, é reflexo do aprimoramento do
Estado que, de Liberal (com pouca ou nenhuma intervenção na Economia) evoluiu,
transformando-se em Estado do bem-estar-social (intervindo na Economia para a garantia de
manutenção dos direitos trazidos pela Constituição). E, esse Estado garante a livre iniciativa e
a livre concorrência (permitindo o desenvolvimento e enriquecimento do setor privado e,
fortalecimento do Capitalismo), mas o faz desde que a iniciativa privada siga os princípios
determinados pela Constituição Federal (o Estado intervindo, portanto, no privado, para
garantia da coletividade, do social). Princípios estes estabelecidos no corpo da Constituição da
República de 1988, merecendo destaque os outrora citados e encontrados no Art. 170, com o
objetivo de que o indivíduo possa ter garantida a observância dos direitos que lhe foram
concedidos pela própria Constituição.
Interessante lição acerca do tema traz Américo Luiz Martins da Silva ao expor que:
Vale lembrar que os Estados sócios-liberais, como o nosso, conquanto reconheçam
e assegurem a propriedade privada e a livre empresa, condicionam o uso dessa
mesma propriedade e o exercício das atividades econômicas voltadas ao bem-estar
social. Portanto, há limites para uso e gozo dos bens e riquezas particulares e,
quando o interesse público o exige, intervém na propriedade privada e na ordem
econômica, através de atos de império tendentes a satisfazer as exigências coletivas
e a reprimir a conduta anti-social da iniciativa particular.
Como vimos, modernamente, o ‘Estado de Direito’ aprimorou-se no ‘Estado do
Bem-Estar’, em busca de melhoria das condições sociais da comunidade. Não é o
‘Estado Liberal’, que se omite ante a conduta individual, nem o ‘Estado Socialista’,
que suprime a iniciativa particular. É o Estado orientador e planejador da conduta
individual no sentido do bem-estar social. (grifo do autor).246
O reflexo desse Estado, que deixa de ser mínimo (que pouco, ou nada, intervém na
Economia) e passa a ser regulador (intervindo quando necessário), resulta em uma
Constituição que permite a obtenção de lucro (modelo de uma sociedade capitalista), desde
que não haja violação dos princípios garantidos pela referida Lei Maior, já que o Estado
246
SILVA, Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.
55.
142
intervêm, somente quando for necessário, no sentido de que permite a livre concorrência e a
livre iniciativa, desde que não infrinja os preceitos regidos pela Constituição.
Para que se verifique a ocorrência deste fenômeno, a norma constitucional deve ser
interpretada de forma sistemática (como exposto anteriormente), ou seja, deve-se verificar
todo o texto normativo da Constituição, para aplicação efetiva da norma, sob pena de se
cometer abusos contra a Constituição Federal, motivo pelo qual não se pode afirmar que a
garantia da livre iniciativa é plena, posto que a mesma deve obedecer todos os preceitos
determinados pela Lei Maior, no sentido de que há sim garantia da ordem econômica; há sim,
garantia da livre iniciativa, desde de que estas não interfiram nas demais garantias expressas,
desde que não infrinjam a dignidade da pessoa humana e tudo aquilo que dela decorre, como
o direito à vida, o primado do trabalho, o ambiente, o direito do consumidor etc.
Contribuição importante traz Eros Roberto Grau ao afirmar que:
Em síntese: a interpretação do direito tem caráter constitutivo – não pois
meramente declaratório – e consiste na produção, pelo intérprete, a partir de textos
normativos e dos fatos atinentes a um determinado caso, de normas jurídicas a
serem ponderadas para a solução desse caso, mediante a definição de uma norma de
decisão. Interpretar/aplicar é dar concreção [= concretizar] ao direito. Neste sentido,
a interpretação/aplicação opera a inserção do direito na realidade; opera a mediação
entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular; em outros
termos, ainda: opera a sua inserção na vida.247
Diante disso, tem-se que, apesar da ordem econômica ter sido privilegiada dentro da
Constituição da República, não significa que a mesma reina absoluta, já que a interpretação e
aplicação efetiva da norma, emanada do ordenamento jurídico brasileiro, dentro da realidade,
devem obedecer a certos requisitos, como outrora mencionado.
O Art. 170 da Constituição da República ainda estabelece os princípios gerais da
ordem econômica, trazendo garantias para a mesma, como a liberdade de iniciativa do setor
privado, mas disciplinando, também, limites a serem seguidos, tendo em vista alguns valores,
tidos como absolutos, na própria Constituição, como o é a dignidade da pessoa humana. Deve,
também, a ordem econômica se balizar por outros princípios constitucionais, como, o primado
247
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 9. ed., rev. e atual., São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 147.
143
do trabalho, na garantia de uma subsistência do cidadão (garantindo-lhe emprego), de forma
digna (garantia de um mínimo para a sua sobrevivência digna – como se encontra em vários
artigos da Constituição Federal – como a garantia de saúde, habitação, lazer, educação etc.).
Rizzato Nunes, em sua obra “Curso de direito do consumidor”, bem esclarece estas
limitações, ao escrever que:
Ora, a Constituição Federal garante a livre iniciativa? Sim. Estabelece garantia à
propriedade privada? Sim. Significa isso que, sendo proprietário, qualquer um pode
ir ao mercado de consumo praticar a ‘iniciativa privada’ sem nenhuma preocupação
de ordem ética no sentido de responsabilidade social? Pode qualquer um dispor de
seus bens de forma destrutiva para si e para os demais partícipes do mercado? A
resposta a essas duas questões é não.
Os demais princípios e normas colocam limites – aliás, bastante claros – à
exploração do mercado. 248
Desta maneira, percebe-se que a Constituição limita, objetivando o bem comum, a
iniciativa privada, restringindo dessa forma o próprio regime capitalista, na tentativa de dar
melhores condições de vida a todos os indivíduos, garantindo-lhes uma existência digna.
O interesse coletivo, pelos valores constitucionais, está acima do interesse privado,
passando a prevalecer (quando há conflito entre as normas), como disciplinado pela
Constituição da República de 1988, os princípios que norteiam a pessoa humana (e sua
dignidade), sendo estes, o primado do trabalho, na dignidade, a preservação e conservação do
ambiente, o direito do consumidor, dentre outros. Assim, a Constituição, apesar de resguardar,
também os interesses privados, como, por exemplo, o interesse das empresas de iniciativa
privada, não permite que estes prejudiquem os demais princípios constitucionais, servindo os
mesmos de barreira aos primeiros, na medida em que a iniciativa privada tem o direito à livre
iniciativa e à livre concorrência, não podendo, todavia, colidir, por exemplo, e, especialmente,
com a dignidade da pessoa humana e, da mesma forma, não podendo infringir o direito
ambiental, direito do consumidor etc., devendo, ainda, utilizar a propriedade privada de forma
a cumprir o seu papel social.
A Constituição da República, apesar de resguardar a livre iniciativa, portanto
(assegurando, assim, a manutenção do Capitalismo, no sentido que permite que as empresas
possam obter lucro em seus negócios), impõe limites, estes trazidos na própria Constituição,
248
NUNES, Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 55.
144
os quais asseguram que a empresa pode trabalhar livremente, desde que não prejudique a
dignidade da pessoa humana, o primado do trabalho, o ambiente, o direito do consumidor,
entre outros. Portanto, tais limitações funcionam como parâmetros à livre iniciativa, não
permitindo que esta prejudique princípios e valores estabelecidos na ordem jurídica brasileira,
em especial, na Constituição da República de 1988.
3.2.1 Os objetivos e fundamentos formadores da ordem econômica na Constituição da
República de 1988
A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece, nos Arts. 3º e 4º os
objetivos fundamentais da ordem constitucional, sendo eles:
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I- construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 4º. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política,
social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma
comunidade latino-americana de nações. 249
Veja-se que a República brasileira objetiva a construção de uma sociedade livre, justa,
solidária e igualitária, pois com a igualdade conseguirá obter a erradicação da pobreza e a
redução das desigualdades sociais, além de conseguir a promoção do bem para todos. E, ao
alcançar esses pontos conseguirá obter uma dignidade plena para todos os indivíduos.
Pela leitura do Art. 170, verifica-se, também, como fundamento e objetivo da
República, a própria ordem econômica, em especial, os princípios limitadores da ordem
econômica, dispostos no referido artigo.
Para Celso Ribeiro Bastos:
Uma observação genérica sobre a disciplinação jurídica da ordem econômica no
Texto Constitucional aponta para os seguintes fatos. Em primeiro lugar, há uma
definição muito clara dos princípios fundamentais que a regem, quais sejam
liberdade de iniciativa, propriedade privada, regime de mercado etc. Existe,
portanto, uma intenção bastante nítida, de limitar a presença econômica do Estado.
249
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
145
Há uma clara definição pelo sistema capitalista, do ponto de vista principiológico.
[...] Afigura-se, portanto, alentador o quadro oferecido pela Constituição de 1988,
no que diz respeito aos princípios adotados na seara econômica.250
Destarte, imperativo analisar o Art. 170 da Constituição Federal de 1988, que traz, no
seu interior, os objetivos e fundamentos formadores da ordem econômica.
3.2.2 A intervenção na ordem econômica: análise do Art. 170 da Constituição da República
A Constituição brasileira, em seu Art. 170, estabelece os fundamentos da ordem
econômica, assim como os princípios gerais da atividade econômica, princípios estes que
servem de limites fixados, pelo legislador constitucional à livre iniciativa e, portanto, ao
próprio mercado, com fins de que o mercado se desenvolva, levando em conta os ditames
estabelecidos pela Lei Máxima, em especial, os da dignidade da pessoa humana e da justiça
social.
Passa-se a analisar todo o Art. 170 da Constituição, verificando-se os fundamentos e
princípios que norteiam referido artigo, servindo de parâmetro limitador para toda a ordem
econômica e financeira.
3.2.2.1 A dignidade da pessoa humana como fundamento inspirador da ordem econômica
constitucional
A Constituição da República do Brasil trouxe, como valor fundante, o princípio da
dignidade da pessoa humana, sendo, portanto, princípio regulador da própria ordem
econômica (aliás, de toda a ordem jurídica). Assim, a ordem econômica apresenta-se como
livre – em decorrência da livre iniciativa, assegurada, também, pelo Art. 170 -, devendo,
todavia, ter como paradigma, como norte a ser seguido, a dignidade da pessoa humana, o que
levará à obediência e, portanto, à observância, dos demais princípios ali estabelecidos.
João Bosco Leopoldino da Fonseca enfoca a norma jurídico-econômica e o princípio
da dignidade da pessoa humana, apontando que a direção dada por uma política econômica
não deve perder o foco de que o Direito é uma criação do homem, não sendo, todavia, uma
250
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 112-113.
146
criação livre, arbitrária; havendo, sempre (ou devendo existir) a necessidade de uma mútua
influência entre o dado econômico e o ideal vislumbrado pelo Direito. Além disso, o Texto
Constitucional, ao colocar a dignidade da pessoa humana como fundamento, consoante consta
no Art. 1º, III, da Constituição, não significa que fez constar algo eminentemente abstrato,
mas, sim, a algo concreto, até porque, “não existe política econômica alheia às exigências de
respeito e de concretização da dignidade humana. Os direitos sociais devem figurar de forma
primacial neste quadro de exigências.” 251
Além disso, “o fim último da atividade econômica é a satisfação das necessidades da
coletividade” 252 e, ao elevar a dignidade da pessoa humana à título de fundamento do próprio
Estado Democrático de Direito, a Constituição a está colocando como uma das mais
importantes (se não a mais) necessidades a serem supridas, não só pela ordem econômica,
mas por todo o sistema jurídico brasileiro.
A finalidade precípua da ordem econômica constitucional é assegurar à todos uma
existência digna e, para isso, necessário se faz que a vida econômica seja organizada em
consonância com os princípios da justiça. Portanto, a dignidade da pessoa humana pode e,
deve, ser considerada como fundamento inspirador de toda a ordem econômica.
A dignidade da pessoa humana será analisada, de forma mais detida, no capítulo
subseqüente.
3.2.2.2 A valorização do trabalho humano
Erivaldo Moreira Barbosa aponta que o trabalho na Antigüidade não era considerado
digno, sendo desempenhado pelos menos favorecidos, já que os nobres não deveriam se
envolver em atividades consideradas tão baixas. Somente no período Medieval esse conceito
sofreu modificações, em face do Cristianismo, passando a ser vislumbrado como “um vetor
contributivo da dignidade.” 253
251
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 5. ed., rev., atual., Rio de Janeiro: Forense, 2004,
p. 69.
252
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 127.
253
BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras,
2003, p. 205.
147
Desde a Constituição de 1934 se verifica, de forma mais efetiva, o interesse pelo
social, trazendo referida Constituição, princípios fundamentais relativos ao Direito do
trabalho.
A Carta Constitucional de 1967, alterada pela Emenda nº 1, de 1969, em seu Art. 160,
II, já previa a valorização do trabalho humano como condição da dignidade humana, já
incorporando, neste momento, um valor social ao trabalho humano.
Celso Ribeiro Bastos entende que “o Texto Constitucional refere-se à valorização do
trabalho humano no sentido também material que a expressão possui. É dizer, o trabalho deve
fazer jus a uma contrapartida monetária que o torne materialmente digno.”
254
Além disso,
referido autor aponta que o trabalho deve receber a dignificação da sociedade, por servir de
instrumento de concretização da própria dignidade, pois não há como obter dignidade plena se
não há condições mínimas de subsistência. E, a valorização do trabalho passa justamente por
isso, pois ao dar melhores condições e oportunidades de trabalho ao indivíduo, fornece
subsídios para que o mesmo atinja a dignidade, que lhe é assegurada, em toda a sua plenitude,
pela Constituição Federal.
3.2.2.3 A livre iniciativa
A livre iniciativa, símbolo máximo do liberalismo (liberdade acima de tudo) deixa de
ser ampla e irrestrita, como outrora, para ser elemento balizado por outros princípios
constitucionais, já que é permitida a livre iniciativa, desde que observados os demais
fundamentos e princípios dispostos na Constituição Federal, em especial, os do Art. 170 da
Lei Máxima.
Desde a Carta Imperial de 1824, que o constitucionalismo brasileiro adota o princípio
da livre iniciativa, o fazendo, é claro, de forma diferenciada em cada um dos Textos, até
porque houve uma mudança, no decorrer da História, do modelo econômico, refletindo-se,
assim, no próprio modelo estatal.
A liberdade de iniciativa, na concepção liberal:
254
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 113.
148
[...] é uma expressão ou manifestação no campo econômico da doutrina favorável à
liberdade. O liberalismo vem a ser um conjunto de ideais, ou concepções, com uma
visão mais ampla, abrangendo o homem e os fundamentos da sociedade, tendo por
objetivo o pleno desfrute da igualdade e das liberdades individuais frente ao Estado.
A liberdade de iniciativa consagra-se tão-somente a liberdade de lançar-se à
atividade econômica sem encontrar peias ou restrições do Estado, que, por sua vez,
constitui uma das expressões fundamentais da liberdade humana.255
No modelo estatal dos dias de hoje não se admite a liberdade de iniciativa de forma
plena, em face dos preceitos constitucionais. Até mesmo o Direito contratual, exemplo maior
da liberdade de iniciativa (refletida na liberdade de contratar), sofre alterações, para se ajustar
ao momento atual, onde a liberdade de iniciativa só pode persistir se estiver delimitada pelos
demais preceitos constitucionais.
O contrato, sob aquele enfoque, âmbito maior do ranço clássico do patrimonialismo,
e seu princípio nuclear (liberdade contratual) não saem ilesos, pois o princípio da
liberdade e da livre iniciativa jamais podem ser colocados à margem da dignidade da
pessoa humana e da solidariedade social, visto que a liberdade é encarada enquanto
princípio fundamental da ordem econômica, perseguidora do desenvolvimento da
personalidade humana.256
A Constituição de 1988 só possibilita a livre iniciativa enquanto funcionalizada pela
justiça social e, também, e especialmente, pela dignidade da pessoa humana, sendo que,
portanto, a livre iniciativa somente será permitida se observados os limites impostos pelo
Texto Constitucional.
A realidade atual não mais se coaduna com a possibilidade de existência de uma livre
iniciativa sem freios, sem limites que a segurem. Assim, a regra é que está assegurada a livre
iniciativa, mas desde que esta não infrinja os limites estabelecidos pela Constituição Federal,
neste caso, os princípios ali assegurados.
Celso Ribeiro Bastos lembra que “A nossa Constituição trata da livre iniciativa logo
no seu art. 1º., inc. IV [...]. Ela é, portanto, um dos fins da nossa estrutura política, em outra
palavras, um dos fundamentos do próprio Estado Democrático de Direito.”257, mas, nem por
isso deixa de estar vinculada à obediência aos demais preceitos constitucionais (em especial,
255
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 115.
NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva CivilConstitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.87.
257
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 121.
256
149
ao princípio da dignidade da pessoa humana, do qual termina por decorrer os demais
princípios).
Os contornos impostos à livre iniciativa se justificam em face da necessidade
imperiosa de se garantir a realização da justiça social e do bem-estar coletivo, visando atingir
a plenitude da dignidade da pessoa humana.
3.2.2.4 A Justiça social
De grande importância o tema da justiça social, todavia, não é algo novo, já que,
conforme demonstra a História, essa preocupação sempre foi uma constante, como bem
salienta Erivaldo Moreira Barbosa:
A justiça social também vem nesse direcionamento secular, tendo em vista que, na
Idade Média, já começara sua germinação. Entretanto, a justiça social só veio a ser
veículo de crítica quando apontou a exploração sofrida pelo trabalhador, por meio
do capitalismo liberal. Neste caminhar, as críticas pronunciadas pelo socialismo e
pela Igreja Católica começaram a ganhar força no cenário internacional.258
A justiça social acaba por reforçar a idéia da própria dignidade da pessoa humana, já
que se obterá a plenitude da dignidade, quando houver a efetividade da justiça social, já que
esta consiste “na possibilidade de todos contarem com o mínimo para satisfazerem às suas
necessidades fundamentais, tanto físicas quanto espirituais, morais e artísticas.”259
João Bospo Leopodino da Fonseca, na obra “Direito econômico” traz o pensamento do
Papa Leão XIII, na Encíclica Rerum Novarum acerca da justiça social e da própria Economia:
O Papa Leão XXIII publicou sua famosa Encíclica Rerum Novarum sobre a ‘questão
operária’ e sobre a ‘economia social’. Leão XXIII situa a solução dos graves
problemas sociais dentro dos parâmetros de uma justiça social. Lembra que o Estado
pode melhorar a sorte das classes operárias, removendo a tempo as causas de que se
prevê que hão de nascer os conflitos, editando leis sobre a jornada de trabalho, sobre
a salubridade, sobre salário justo.260 (grifo do autor).
258
BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras,
2003, p. 205.
259
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 128-129.
260
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 5. ed., rev., atual., Rio de Janeiro: Forense, 2004,
p. 68.
150
Como exposto alhures, a Igreja teve grande influência na constitucionalização da
justiça social, já que desde a Idade Média tem como discurso, a necessidade de diminuição
das desigualdades sociais, para que se obtenha uma melhoria nas condições de trabalho,
levando-se à justiça social, para que se possa garantir que o indivíduo usufrua, plenamente, de
sua dignidade. É claro que os termos utilizados pela Igreja foram se modificando no decorrer
dos séculos, mas, a essência sempre foi a mesma, como se verifica desde a Encíclica Rerum
Novarum (que discute a questão operária e a Economia social, apontando para a necessidade
de um melhor controle do Estado na regulação da Economia, para que se obtenha uma
condição mais digna para os trabalhadores), até os dias atuais
Paulo Nalin, ao tratar do Contrato no Projeto do Código Civil, quando ainda da
vigência do Código de 1916, aponta para a observância da justiça social, inclusive nas
relações interprivadas, já que: “[...] desde a Carta (sic) de 1988, há o imperativo conformante
da livre iniciativa, a qual de melhor forma não se revela, a não ser pela figura do contrato
interprivado, podendo ser empregada nos ditames da justiça social.”261
Erivaldo Moreira Barbosa aponta que o caput do Art. 170 se vislumbra que a ordem
econômica constitucional, “traz como pilar de sustentação o trabalho e a livre iniciativa;
contudo, para que todos convivam com dignidade, necessitam imprescindivelmente de justiça
social.” Assevera, ainda, que apesar de aparentemente inconciliável a livre iniciativa com os
ditames da justiça social, demonstra-se totalmente possível a harmonização entre os institutos,
desde que a Constituição seja respeitada em sua integralidade, especialmente na observância
de seus princípios. 262
A justiça social deve ser buscada pelo Estado, para que se garanta a concretização de
todos os valores resguardados pela Lei Máxima, posto que a justiça não é apenas uma
imposição ética, mas uma comprometimento estatal, por representar uma de suas finalidades
básicas. E, o Estado tem obrigação de cumprir e exigir o cumprimento, para que se possa
concretizar referido princípio, o que levará, portanto, ao alcance da dignidade da pessoa
humana, de forma cabal, já que a justiça social reforça a idéia da dignidade.
261
NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – em busca de sua formulação na perspectiva civilconstitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p. 80.
262
BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito constitucional: Uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras,
2003, p. 204-205.
151
3.2.2.5 A soberania nacional
A soberania nacional, como dito anteriormente, é um dos elementos do Estado e, a
Constituição Federal, já, em seu Art. 1º traz a soberania, não só como elemento, mas, como
fundamento do próprio Estado Democrático de Direito, ao estabelecer que:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
I – a soberania;263
Denota-se relevante asseverar que a soberania tratada no Art. 170 é uma
complementação do Art. 1º, já que necessário se faz complementar a soberania política
(estabelecida no Art. 1º) com a soberania econômica. A soberania econômica do Estado
significa que o mesmo deve ser independente perante os demais Estados. Além disso, é
importante observar que, na realidade, “a soberania nacional, aqui focalizada, decorre da
autonomia conseguida pelas pessoas que integram a nação. Não se pode falar de soberania da
nação se os indivíduos que a compõem são incapazes de reger-se por um padrão de vida digno
de uma pessoa humana.” 264
Portanto, a soberania econômica deve ser almejada, visando-se a concretização e
concessão de um “padrão de vida digno” a todos. Tal fato se dá em virtude de que a
soberania, neste particular, aspira ao desenvolvimento econômico e social, como forma de
propiciar um avanço na qualidade de vida dos indivíduos, valorizando-se, via de
conseqüência, o trabalho humano, resultando-se, portanto, na obtenção da dignidade. Esse
resultado é possível, em face de que ao se oportunizar a todos um trabalho condigno, tem-se a
garantia de satisfação de todas as necessidades do indivíduo e de sua família, convergindo na
efetividade do preceito constitucional da dignidade da pessoa humana.
Nas palavras de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, a soberania:
É o poder político supremo (não há limitação a ele na ordem interna) e independente
(não obedece a ordens de governo ou organismo estrangeiro) do Estado. Por meio de
263
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 5. ed., rev., atual., Rio de Janeiro: Forense,
2004, p. 127.
264
152
cláusula de supranacionalidade, os Estados podem ter sua soberania mitigada, na
medida em que tratados internacionais dos quais o Estado seja signatário ingressa na
ordem interna do País como norma superior à Constituição (e.g. CF 5º. § 4º.:
submissão do Brasil às decisões do Tribunal Penal Internacional) ou de igual
hierarquia (e.g. CF 5º. § 3º.: tratado internacional sobre direitos humanos como
norma constitucional).265 (grifo do autor).
Assim, a soberania é um atributo do próprio Estado, sendo que, todavia, este atributo
não é mais absoluto, em face das relações globalizadas vividas pelo mundo atual. Em maior
ou menor grau, o Estado sofre influências internacionais, em decorrência de tratados
assinados, que garantem a convivência entre os Estados, convivência esta inclusive e,
principalmente, no âmbito econômico, que é regulado pelas relações dos mercados
internacionais.
A afirmação do Texto Constitucional, da soberania nacional como princípio
informativo da ordem econômica, não pode significar a procura de um nacionalismo
xenófobo ou mesmo de qualquer sorte de autarquia econômica. O que o Texto
Constitucional procura pôr em destaque é que a colaboração internacional, com as
concessões que ela implica, e que não pode chegar ao ponto de subtrair ao País as
possibilidades de sua autodeterminação. Ademais, seria uma incongruência
interpretar-se o princípio da soberania nacional na ordem econômica de forma
absoluta, uma vez que o mundo todo passa por um processo de globalização.
Processo este que se dá, sobretudo, no campo da economia, através da formação de
blocos econômicos.266
Verifica-se, portanto, que, atualmente, não há mais, na prática, uma soberania estatal
absoluta, por força da globalização das relações entre os Estados. Contudo, essa globalização
não pode ultrapassar a autodeterminação do Estado brasileiro, devendo referido Estado dar
preferência por um desenvolvimento nacional, voltado para a concretização da dignidade da
pessoa humana, o que, aliás, se coaduna com os demais incisos do Art. 170.
3.2.2.6 A propriedade privada
A propriedade privada encontra-se constitucionalizada desde a Carta de 1824,
mantendo-se no Texto Constitucional até hoje. É claro que há diferenças consideráveis entre a
Carta Imperial e a Constituição atual, no tocante ao instituto em questão, em decorrência do
acentuado caráter liberal daquele primeiro Texto, como se verifica também na Constituição de
1891. Nos primeiros Textos, portanto, a propriedade privada era garantida de forma absoluta,
265
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Constituição Federal comentada e legislação
Constitucional: De acordo com as recentes Emendas Constitucionais. atual. até 10.04.2006, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, p. 117.
266
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 133.
153
sendo que foi perdendo esse caráter incondicional com a evolução, restando, com a
Constituição Federal de 1988 limitada pelos princípios ali estabelecidos.
Referido instituto está assegurado no Art. 5º da Constituição Federal (além de ter sido
disciplinada em vários outros artigos dentro do Texto Constitucional), no capítulo dos
direitos individuais. Encontrando, também, previsão no rol dos princípios da atividade
econômica; no Art. 170.
Nas palavras de Celso Ribeiro Bastos:
O atual Texto Constitucional em seu art. 5º, inc. XVII, que dispõe sobre o rol dos
direitos e garantias fundamentais, observa como princípio a garantia do direito de
propriedade. Portanto, a propriedade privada é um direito fundamental.
[...]
A propriedade tornou-se, portanto, o anteparo constitucional entre o domínio
privado e o público. Neste ponto reside a essência da proteção constitucional: é
impedir que o Estado, por medida genérica ou abstrata, evite a apropriação particular
dos bens econômicos ou, já tendo esta ocorrido, venha a sacrificá-la mediante um
processo de confisco.267
Apesar de sua previsão constitucional a propriedade privada não deve mais ser
considerada um valor absoluto, posto que subordinado a outros valores, como a necessidade
de cumprimento de sua função social, para que se cumpra a finalidade de assegurar a todos
existência digna, em conformidade com os ditames da justiça social. Como bem acentua
André Ramos Tavares, é imprescindível que haja um ajuste entre os preceitos constitucionais,
sendo que, portanto, a propriedade privada não pode mais ser ponderada em seu caráter
puramente individualista (como era no modelo liberal), já que a propriedade está inserida na
ordem econômica que tem como fim primordial garantir a todos uma vida digna.
268
3.2.2.7 A função social da propriedade
Apesar do direito de propriedade estar assegurado pela Constituição Federal de 1988,
o mesmo não é mais absoluto, tendo em vista que deve cumprir sua função social, sob pena de
desapropriação. Como dito anteriormente, a propriedade privada se encontra limitada pelos
princípios que regem a ordem econômica, em especial pelos princípios da função e da justiça
267
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 134/136.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2. ed., rev., ampl., São Paulo: Saraiva, 2003, p.
476.
268
154
social, objetivando-se alcançar, com isso, uma vida digna para todos os indivíduos. A
Constituição garante a propriedade, contudo a erige nos moldes da função social.
O Texto Constitucional estabelece nos artigos 182, § 2º e 186 os requisitos a serem
preenchidos para que se atinja a finalidade da função social, porque não é tarefa fácil definir
quando se tem o cumprimento da função social, pela propriedade. Assim, a propriedade
urbana cumpre sua função social quando atende às exigências do Plano Diretor, que tem por
meta garantir o bem-estar de seus habitantes.
Já a propriedade rural possui uma gama muito maior de elementos a serem
observados, ressaltando-se que os requisitos devem ser cumpridos de forma simultânea. São,
portanto, requisitos para o cumprimento da função social: a) faz um aproveitamento racional e
adequado da propriedade; b) assegura a preservação do meio ambiente, utilizando-se
coerentemente os recursos naturais disponíveis; c) observa as disposições que regulam as
relações de trabalho; d) favorece o bem-estar dos proprietários e de seus trabalhadores (cujo
resultado é uma vida digna para todos). Ou seja, quando se observa todo o ordenamento
jurídico brasileiro, em especial, os ditames previstos na Constituição Federal, tendo como
balizador os princípios que regem todo o Texto Constitucional.
Para José Afonso da Silva, a Constituição está adotando um princípio de
transformação da própria propriedade, condicionando e limitando a mesma de forma integral,
pois:
[...] a Constituição não estava simplesmente preordenando fundamentos às
limitações, obrigações e ônus relativamente à propriedade privada, mas adotando
um princípio de transformação da propriedade capitalista, sem socializá-la, um
princípio que condiciona a propriedade como um todo, não apenas seu exercício,
possibilitando ao legislador entender com os modos de aquisição em geral ou com
certos tipos de propriedade, com seu uso, gozo e disposição.269
Então, apesar do Direito à propriedade estar assegurado na Constituição Federal de
1988, em seu Art. 5º, XXII, este não é absoluto, pois deve seguir outros princípios dentro da
própria Constituição, devendo, ainda, exercer sua função social. Como dito anteriormente,
quando há conflito entre dispositivos constitucionais, deve-se, utilizando o princípio da
proporcionalidade, buscar o princípio maior dentro da Constituição da República, o qual
269
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição, São Paulo: Malheiros, 2005, p. 738.
155
neste caso é aquele que representa o interesse coletivo, já que apesar do modelo brasileiro
estar filiado ao primado da propriedade, sua aplicação necessita ser ajustado com fins sociais
mais amplos. E, tanto o Art. 5, XXIII, quanto o próprio Art. 170, III (que trata da ordem
econômica), apontam que a propriedade privada deve, obrigatoriamente, atender seus fins
sociais.
3.2.2.8 A livre concorrência
A Constituição Federal resguarda a livre concorrência, que é, primeiramente, um
preceito; um fundamento do Liberalismo, em face da liberdade do próprio mercado, que pode
em tese, concorrer livremente, utilizando-se de recursos para a obtenção de maiores resultados
econômicos. É claro que a livre concorrência deve estar alicerçada nos preceitos trazidos pelo
Texto Constitucional.
Sobre a livre concorrência, André Ramos Tavares assim se posiciona:
[...] a livre concorrência é considerada como a ‘existência de diversos produtores ou
prestadores de serviço’. A livre concorrência, portanto, ‘consiste na situação em
que se encontram os diversos agentes produtores de estarem dispostos à
concorrência de seus rivais.’
Livre concorrência é a abertura jurídica concedida aos particulares para competirem
entre si, em segmento lícito, objetivando o êxito econômico pelas leis de
mercado.270 (grifo do autor).
Portanto, é obrigação constitucional que as empresas zelem pela livre concorrência,
para que não haja formação de cartéis, por exemplo, visando lesar o consumidor (outro
princípio resguardado pelo Art. 170), que acaba por não ter opções e se vê obrigado a
consumir determinado bem ou serviço de determinada empresa, que acaba, ou figurando
sozinho no mercado, ou o dominando. Isso resulta em uma condição indigna, pois não
permite ao indivíduo obter total acesso a todos os bens de consumo (por força de elevados
preços praticados ou, ainda, em face da má qualidade dos produtos).
Para Sérgio Varella Bruna, livre iniciativa e livre concorrência são dois princípios
indissociáveis, já que:
270
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico, São Paulo: Método, 2003, p. 254.
156
[...] são, pois, princípios intimamente ligados. Ambos representam liberdades, não
de caráter absoluto, mas liberdades regradas, condicionadas, entre outros, pelos
imperativos de justiça social, de existência digna e de valorização do trabalho
humano. Assim, o que a Constituição privilegia é o valor social da livre iniciativa,
ou seja, o quanto ela pode expressar de socialmente valioso. Da mesma forma, a
livre concorrência é erigida à condição de princípio da ordem econômica não como
uma liberdade anárquica, mas sim em razão de seu valor social. A extensão de tais
liberdades dependerá de sua análise conjugada com os demais objetivos e princípios,
não só da ordem econômica mas da Constituição como um todo.
Desta forma, a consagração da livre iniciativa e da livre concorrência não exclui a
atuação do Estado no domínio econômico, seja exercendo sua função de agente
normativo e regulador da atividade econômica (CF, art. 174), seja atuando com
vistas à preservação da própria livre concorrência, como agente repressor dos abusos
do poder econômico.271
A Constituição Federal prevê punições àqueles que violarem os preceitos contidos no
Art. 170, em especial, para o inciso, ora em estudo, aqueles que macularem os princípios da
livre iniciativa e da livre concorrência, sendo que a lei irá reprimir toda e qualquer espécie de
abuso ao poder econômico, como, por exemplo, aquele que pretender dominar o mercado,
eliminando a livre concorrência e, assim, se portando de forma contrária aos ditames
estabelecidos no decorrer de todo o Texto Constitucional. O Art. 173, da Lei Máxima,
estabelece, de forma contundente que a lei reprimirá todo e qualquer abuso do poder
econômico que pretenda a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o
aumento arbitrário dos lucros.
3.2.2.9 A defesa do consumidor
Com o advento da Constituição de 1988 a defesa do consumidor passou a merecer
papel de destaque, dando início a uma mudança paradigmática, dentro do cenário nacional,
inclusive tocante aos contratos, sendo que Paulo Nalin, em obra anterior ao Código Civil de
2002, chega a afirmar que o então projeto do novo Código Civil teve seu brilho apagado, em
face do Código de Defesa do Consumidor (de 1990), o qual, seguindo os ditames
constitucionais, trouxe a proteção ao contratante hipossuficiente, entre outros valores,
buscando-se o equilíbrio contratual. Para referido autor, o Código de Defesa do Consumidor
foi inovador “[...] ao relançar não só a boa-fé, mas ainda os princípios da confiança,
transparência e, especialmente, da equidade.” 272
271
BRUNA, Sérgio Varella. O poder econômico e a conceituação do abuso em seu exercício. 1. ed., 2. tir.,
São Paulo: Revista do Tribunais, 2001, p. 136.
272
NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva CivilConstitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.81.
157
Além do Art. 170, a Constituição disciplina em outros artigos a proteção do
consumidor, destacando-se os artigos 5º, XXXII; 24, VIII; 150, § 5º e Art. 48 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, demonstrando a preocupação da Constituição
Federal com a defesa do consumidor.
Os princípios constitucionais de proteção e defesa dos consumidores impedem, por
parte do Estado e das pessoas jurídicas de direito privado, a execução de atos que
não garantam os interesses daqueles (função negativa). Assim sendo, a legislação
infraconstitucional deve guardar plena harmonia com os princípios
supramencionados, valendo-se o Estado dos meios de que dispõe para buscar a sua
realização (função positiva).273
O Art. 5º, XXXII, da Constituição Federal, inserido no Capítulo dos direitos e
garantias individuais e coletivas, preceitua que: “O Estado promoverá, na forma da lei, a
defesa do consumidor”274. A Constituição de 1988 trouxe muitas mudanças neste sentido,
privilegiando a garantia de defesa do consumidor, abrindo espaço para o surgimento da Lei n.
8.078, de 11 de setembro de 1990, Código de Defesa do Consumidor.
O direito do consumidor, como o direito econômico, possui raiz no direito
constitucional, posto que presentes na Lei Maior, a qual dá certo destaque a estes ramos do
direito. Todavia, o direito do consumidor serve, também, como freio ao direito econômico, na
medida em que reprime certos atos do direito econômico se estes estiverem prejudicando o
consumidor, amparado pela Constituição e pelo Código de Defesa do Consumidor. Rizzato
Nunes assim destaca:
Ao estipular como princípios a livre concorrência e a defesa do consumidor, o
legislador constituinte está dizendo que nenhuma exploração poderá atingir os
consumidores nos direitos a eles outorgados (que estão regrados na Constituição e
também nas normas infraconstitucionais). Está também designando que o
empreendedor tem para oferecer o melhor de sua exploração, independentemente
de atingir ou não os direitos do consumidor. Ou, em outras palavras, mesmo
respeitando os direitos do consumidor, o explorador tem de oferecer mais. A
garantia dos direitos do consumidor é o mínimo. A regra constitucional exige mais.
Essa ilação decorre do sentido da livre concorrência. 275
No mesmo sentido, André Ramos Tavares, esclarece que:
273
RÊGO, Franco Pereira; RÊGO, Oswaldo Luiz Franco. O código de defesa do consumidor e o direito
econômico. Disponível em <http.www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2801>. Acesso em: 26 de abril de
2005.
274
BRASIL. Constituição da República federativa do Brasil. Brasília,DF: Senado Federal, 1988.
275
NUNES, Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 56.
158
Torna-se nítido, pois, que o denominado princípio da liberdade congrega, nas
relações de consumo, duas forças que atuam em sentido opostos. Para um lado, atua
a força empresarial, calcada em respectiva liberdade de iniciativa, produção e
concorrência. Para outro lado, contudo, atua a liberdade do consumidor, em
informar-se, realizar opções e, eventualmente, adquirir ou não certos produtos e
novidades colocados no mercado de consumo e ´impostos´ pela comunicação em
massa. [...] ambas devendo conviver harmonicamente, sem que uma possa
sobrepor-se à outra. [...] Numa primeira concepção, a livre concorrência tem como
centro de suas atenções o consumidor, considerado como parte vulnerável da
relação de consumo a merecer a proteção jurídica, promovida, em parte, pela tutela
da livre concorrência.276
A necessidade de regulamentação das relações, de consumo, decorre do
desenvolvimento da própria sociedade, já que após a revolução industrial, o mercado
consumidor passou, a cada vez mais, exigir do fornecedor, de bens e consumos, mais e
melhor, movimentando, assim, a atividade empresarial, que necessita do consumidor para
vender o que produz, obtendo êxito em sua meta principal, que é conseguir lucro. Esse
consumidor, agindo com total liberdade, como lhe permite o ordenamento jurídico, adquire o
produto que lhe é oferecido, pagando o preço devido (na geração do lucro), mas exigindo as
vantagens que lhe são ofertadas e, que devem ser cumpridas, de forma integral pelo
fornecedor, podendo valer-se do Poder Judiciário, quando tais obrigações deixarem de ser
cumpridas, como dispõe o Código de Defesa do Consumidor, em especial em seu Art. 6º.
O Estado, não pode permitir, em face dos inúmeros princípios tratados em sua Lei
Máxima, que a iniciativa privada, na sua ânsia de obter lucros, os obtenha de forma
desenfreada, prejudicando sobremaneira os indivíduos, por isso intervêm, para coibir abusos,
pois a Constituição se preocupa em tutelar os direitos dos indivíduos, dentre os quais estão os
consumidores.
A Constituição da República, apesar de resguardar a livre iniciativa (assegurando,
assim, a manutenção do Capitalismo, no sentido que permite que as empresas possam obter
lucro em seus negócios), impõe limites, estes trazidos na própria Constituição, os quais
asseguram que a empresa pode trabalhar livremente, desde que não prejudique a dignidade da
pessoa humana e, via de conseqüência, não atinja, frontalmente, o primado do trabalho, o
meio ambiente, o direito do consumidor, entre outros. Portanto, tais limitações funcionam
como parâmetros à livre iniciativa, não permitindo que esta prejudique princípios e valores
estabelecidos na ordem jurídica brasileira, em especial, na Constituição da República de 1988.
276
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico, São Paulo: Método, 2003, p. 255.
159
Como observado, a proteção ao consumidor (assim como outros institutos) opera,
como “freio” à livre iniciativa, impedindo que esta cometa abusos no seu objetivo
primordial de obtenção de lucro. Dessa forma, o Direito Econômico se relaciona e,
muito com o Direito do Consumidor, no sentido em que ambos atuam com relações
de consumo, o primeiro dependendo do segundo para obtenção de lucro (o
fornecedor de serviços e produtos, por exemplo, necessita do consumidor para
adquirir os produtos por ele colocados no mercado) e, em segundo lugar o Direito
do Consumidor, por autorização da Constituição de 1988, acaba servindo de
limitação à ordem econômica, visando a coibição de possíveis abusos.
3.2.2.10 A defesa do meio ambiente
Outro princípio resguardado pela Constituição de 1988 é a defesa do meio ambiente,
posto ser uma preocupação constante no referido Texto Maior, como se depreende da leitura
do mesmo. A Constituição visa a proteção do meio ambiente, para que se resguarde, em
última análise a própria dignidade da pessoa humana, pois propicia melhores condições de
vida a todos os seres humanos.
Celso Ribeiro Bastos lembra que foi a partir da Constituição de 1988 que o meio
ambiente passou a ser tratado como um princípio constitucional, o que para ele pode ser
explicado em face de uma maior conscientização da humanidade para os problemas gerados
pelo descaso com o meio ambiente, sendo imperativo a utilização de forma racional do
mesmo, já que a humanidade necessita de um ambiente equilibrado e saudável para sua
própria sobrevivência. Assim:
A defesa do meio ambiente, é sem dúvida, um dos problemas mais cruciais da
época moderna. Os níveis de desenvolvimento econômico, acompanhados da
adoção de práticas que desprezam a preservação do meio ambiente, têm levado a
uma gradativa deteriorização deste, a ponto de colocar em perigo a própria
sobrevivência do homem.277
Além do estabelecido no Art. 170, a Constituição Federal resguarda o meio ambiente
em outros dispositivos, como é o caso do Art. 186, que trata dos requisitos que devem ser
cumpridos para que se considere que a propriedade conseguiu atingir sua função social.
Assim, a função social da propriedade rural é cumprida quando se utiliza de forma adequada
dos recursos naturais disponíveis, preservando-se o meio ambiente.
277
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 156/159.
160
Como dito anteriormente, a própria ordem econômica é limitada por alguns princípios,
dentre eles a defesa do meio ambiente. Assim, a própria Constituição Federal limitou a
atividade econômica, quando se tratar da defesa do meio ambiente, entre outros casos. E, a
proteção ao meio ambiente é tão importante que chega até a ultrapassar o direito adquirido e a
coisa julgada, como bem aponta Hugo Nigro Mazzilli:
Em matéria ambiental, a consciência jurídica indica a inexistência de direito
adquirido de degradar a natureza. [...] Afinal, não se pode formar direito adquirido
de poluir, já que é o meio ambiente patrimônio não só das gerações atuais como
futuras.
[...] Ora, não se pode admitir, verdadeiramente, a formação de coisa julgada ou
direito adquirido contra direitos fundamentais da humanidade; não existe o suposto
direito de violar o meio ambiente e destruir as condições do próprio habitat do ser
humano. Como admitir a formação de direitos adquiridos e coisa julgada em grave
detrimento até mesmo de gerações que ainda nem nasceram?! .[...] Não se invocará
direito adquirido para se escusar de obrigações impostas por normas de ordem
pública com o escopo de proteger o meio ambiente”. 278
Além disso, o Art. 225 da Constituição Federal trata da responsabilidade do Poder
Público (em qualquer instância), no tocante às práticas ambientais ilícitas e danosas, já que
incumbe ao Poder Público assegurar que todos tenham a possibilidade de usufruir de um
ambiente ecologicamente equilibrado, em face de ser de uso comum do povo, além de
essencial à sadia qualidade de vida e, portanto, imprescindível para a efetividade da dignidade
da pessoa humana.
O art. 225 da Constituição Federal trouxe a responsabilidade direta do Poder
Público – federal, estadual e municipal – em relação às práticas ambientais ilícitas e
danosas, com evidente reforço legislativo à normas de natureza infraconstitucional.
A responsabilidade civil constitucional de natureza objetiva permite que qualquer
pessoa física, jurídica ou mesmo sem personalidade jurídica, tais como o espólio e a
massa falida etc., seja acionada civilmente para responder pelas ilicitudes e danos
ambientais.
[...] A legitimidade passiva no processo coletivo ambiental é aberta, ou seja,
pertence a todos aqueles que contribuíram ativa e passivamente para a pratica do
dano ou ilícito ambiental, conforme o mandamento do art. 225 da Constituição
Federal.279
3.2.2.11 A redução das desigualdades regionais e sociais
Também se constitui como um dos objetivos fundamentais, eleito pela República
Democrática do Brasil e, exteriorizado na Constituição Federal, a redução das desigualdades
regionais e sociais.
278
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo, 15ª ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 2002, p.
433-434.
279
SOUZA, Jadir Cirqueira de. Ação civil pública ambiental, São Paulo: Pillares, 2005, p. 190/192.
161
Este princípio reside na idéia de que o país como um todo, deve suportar as diferenças
existentes entre os Estados Federados, já que os Estados do Norte e Nordeste em muito se
diferem – especialmente economicamente – dos Estados do Sul e Sudeste, tudo isso em face
da forma com que a colonização foi feita neste País e, que deixou de herança marcas culturais
e sociais diversas, por todo o Território Nacional.
A inserção deste princípio, no Texto Constitucional, no título destinado à ordem
econômica e financeira, deve ser visto como algo natural, já que a redução das desigualdades
sociais e regionais constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil,
consoante previsto no Art. 3º, inciso III
Manoel Gonçalves Ferreira Filho lembra, todavia, que se deve sopesar a utilização do
referido princípio, para que não haja distorções, sendo que:
É preciso sublinhar, porém, que o desenvolvimento não é um fim em si mas
um simples meio para o bem-estar geral. Dessa forma, tem ele de ser
razoavelmente dosado para que não sejam impostos a alguns, ou mesmo a
toda uma geração, sacrifícios sobre-humanos, cujo resultado somente
beneficiará as gerações futuras, ou que só servirão para a ostentação de
potência do Estado.280
Para, Erivaldo Moreira Barbosa, este princípio diz respeito, também, ainda que de
forma implícita, ao princípio do desenvolvimento econômico281, que deve ser atingido, para
que se consiga concretizar a dignidade da pessoa humana para todos os indivíduos, em cada
canto deste imenso País.
3.2.2.12 A busca do pleno emprego
Outro princípio abarcado pela ordem econômica é o da busca pelo pleno emprego.
Todavia, a efetividade do inciso VIII, do Art. 170 da Constituição Federal, é bastante
preocupante, já que o desemprego é um dos grandes males que assola um país continental,
como é o Brasil:
280
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito constitucional. 29. ed., rev., atual., São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 352.
281
BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras,
2003, p. 206-207.
162
O inciso VIII refere-se ao ‘pleno emprego’, que fora insculpido no art. 170, mas, na
concretude dos acontecimentos, vem sendo considerado quase como uma utopia.
Afirmamos isto por causa da crescente onda de desemprego que vem assolando
nosso País, em parte por questões relacionadas à automação capitalista via robótica e
informatização; em parte, por fatores impostos pela nova ordem mundial e, em
grande parte, por medidas internas de uma política econômica inconsistente, que, ao
invés de priorizar as reais necessidades da sociedade, beneficia exclusivamente o
grande capital privatista.282 (grifo do autor).
Da mesma forma, Celso Ribeiro Bastos, aponta que a redação atual do Texto
Constitucional é deveras utópica e, praticamente inatingível, diferentemente da Constituição
anterior, que tratava do princípio da expansão das oportunidades de emprego produtivo. Além
disso, trata-se de política de médio a longo prazo e, não efetivamente, para ser realizada a
curto prazo.283
É claro que é importante lembrar, como o faz Lafayete Josué Petter, que existe, no
Texto Constitucional, a previsão de um direito ao desenvolvimento, sendo a pessoa humana o
sujeito central desse direito, sendo, que, por esse motivo, não se poderá tomá-la como simples
fator de produção. Pelo contrário, haverá a necessidade de se propiciar que o ser humano
possa aferir frutos que possibilitem sua existência digna, que é a finalidade da própria ordem
econômica e financeira, sendo responsabilidade do Estado a efetiva concretização do
desenvolvimento.284
3.2.2.13 O tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno
porte
O Art. 170 dispõe que haverá tratamento favorecido para as empresas de pequeno
porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País,
visando, portanto, a igualdade estabelecida na própria Constituição (é claro que uma
igualdade efetiva – material, portanto -, e não apenas uma igualdade formal), tratando de
forma igualitária os iguais e diferentemente os desiguais, na medida de suas diferenças,
visando, ao final, atingir a igualdade plena.
282
BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras,
2003, p. 206.
283
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 162.
284
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art.
170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 256-257.
163
Para Lafayete Josué Petter, referido princípio se justifica, em decorrência da leitura de
todo o Texto Constitucional, bem como dos valores e preceitos ali insculpidos, trazidos do
seio da própria sociedade, bem como do ideal de igualdade e justiça.
A economia (sic) deixada a agir tão-somente segundo as livres forças do mercado,
tende a situações monopolísticas e oligopolísticas: empresas de grande vulto
controlam parcela significativa do mercado, impondo aos concorrentes a dura
realidade através do poder econômico que representam. São naturais, então, as
dificuldades de criação e desenvolvimento a que pequenas e micro ficam expostas.
Neste sentido, a adoção de um tratamento favorecido pode fomentar a sobrevivência
dos pequenos, provocando maior presença de agentes econômicos na economia, o
que invariavelmente se traduz em benefícios a consumidores e ao próprio mercado
em face do estímulo da concorrência.285
É claro que esse tratamento favorecido não deve ir além do necessário, para que não
haja uma desvirtuação do pretendido, acabando por desigualar, sobrepondo as empresas de
pequeno porte às demais empresas.
Em outras palavras, o favorecimento que a Constituição autoriza não pode ir além do
equilíbrio determinado pelo princípio da igualdade, o que significa dizer que deverá ser
respeitada a justa medida, indo tão-somente ao ponto necessário para compensar as fraquezas
e as inferioridades que as microempresas e as médio porte possam apresentar.286
Veja-se que a Constituição Federal mais uma vez pretende obter a igualdade material,
não se contentando com a formal, exigindo, para tanto, a observância efetiva de seus
princípios e fundamentos.
Atingindo a dignidade da pessoa humana, poder-se-á conseguir a efetividade dos
demais princípios e valores constitucionais, em face de ser um meta-princípio; o ápice; o vetor
constitucional, fazendo com que todos os demais princípios decorram do mesmo.
285
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do Art.
170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 266.
286
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 166.
164
4. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO LIMITADOR DA
ORDEM ECONÔMICA
A Economia é a mola que faz avançar todo o mecanismo social, sendo, portanto,
regulada pelo Direito e, por ele balizada. Como externado anteriormente, as normas são
preceitos; regras de conduta social, sendo estabelecidas com o propósito de conduzir e regular
a própria pessoa humana, em suas incontáveis relações.
E, o ser humano, em suas diversas facetas se relaciona de várias formas, em face de
sua natureza eminentemente social, a qual está habituada a viver em sociedade e com ela
interagir. Assim, o homem, enquanto gênero liga-se com o mercado econômico de inúmeras
maneiras, como consumidor; fornecedor; trabalhador etc. É imperioso, por conseguinte, a
proteção do ser humano e de sua dignidade na seara econômica, como também o é, também,
nos demais campos sociais.
4.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O princípio da dignidade da pessoa humana encontra-se assentado em vários artigos,
no decorrer de todo Texto Constitucional, demonstrando que o Poder Constituinte, voltado
para os valores trazidos do seio da sociedade, já que afinal, o legislador representa o povo, por
meio do sufrágio universal, interagindo com essa sociedade, contribui para a constante
manutenção do sistema jurídico, aberto e sempre pronto para receber os valores sociais,
transformando-os em regras e princípios.
A dignidade da pessoa humana é verificada, primordialmente, a partir de uma
necessidade extremada de vislumbrar-se garantida a estabilidade social e a confiabilidade,
portanto, nas instituições públicas. Revela-se, dessa forma, como um segmento que orienta na
interpretação e efetiva aplicação dos demais direitos e garantias fundamentais.
165
O tratamento digno do ser humano deixa de ser mero dogma, para tornar-se uma
imperiosa regra de observação prática, exigindo-se que o Estado adapte seu aparato à
prestação jurisdicional adequada e satisfatória.
4.1.1 Retrospectiva histórica
A Bíblia, no livro de Gênesis, inicia o seu relato evidenciando, na criação do mundo, o
surgimento do homem, criado por Deus à sua imagem e semelhança, constituindo, portanto, o
apogeu de toda a criação. Verifica-se a importância histórica do ser humano, em face de que
naquele momento já se mostra superior às demais criaturas, possuindo, portanto, um valor
supremo e único. A Bíblia é um livro Sagrado seguido e, respeitado, por bilhões de pessoas ao
redor do mundo, sendo, ainda, um paradigma utilizado pelas maiores religiões, o que
demonstra que o homem, por possuir um pouco de Divino, tem sua dignidade assentada desde
a sua criação, por sua estreita ligação com o Criador, com o qual firmou uma aliança.
André Ramos Tavares aponta que é no período axial (compreendido entre os séculos
VII e II a.C.) que alguns dos maiores pensadores desenvolveram suas idéias; seus
pensamentos, destacando-se entre eles: Zaratustra, na Pérsia, Buda, na Índia, Confúcio, na
China, Pitágoras, na Grécia e Déutero-Isaías, em Israel. Como embasamento dessa afirmação,
transcreve Fábio Konder Comparato, que afirma ser justamente nesse período que o ser
humano passa a ser considerado, pela primeira vez, em toda a História, como ser dotado de
liberdade e razão, ressaltando-se a igualdade entre os homens. São lançados, nesse momento,
os fundamentos para a apreensão da pessoa humana, bem como para a afirmação da existência
de direitos ditos universais, em face de serem a ela inerentes.
166
Pedro Calmon também faz um retrospecto histórico, lembrando que os
atenienses (na época da Grécia antiga – de Platão), apesar de ignorarem o indivíduo,
dando total poder à Assembléia do Povo; reservavam certa distinção para os
experientes, anciãos dignos e respeitados. Não foi diferente em Roma, onde, apesar de
ainda não perfilhar a humanidade, reconhecia a “romanidade”, que seria uma espécie de
situação de privilégio (onde havia uma separação entre os indivíduos do clã – o
indivíduo superior); que não deixava de ser uma forma de humanização.
O Cristianismo, por seu turno, substitui o termo romanidade pelo conceito de
humanidade, sendo que, contudo, desprezou a liberdade individual em si - em
decorrência de seu pouco valor -, em face da alma, esta sim que é de Deus. O
Cristianismo aperfeiçoou teologicamente o “sentido humanista da convivência na
sociedade em que a hierarquia e a virtude se ajustavam para organizar o Estado.”287
Até porque, Jesus Cristo pregava, entre os seus ensinamentos, que os homens
deveriam seguir, em especial, dois mandamentos, “Amar a Deus sobre todas as coisas”
e “Amar ao próximo como a ti mesmo”, ou seja, coloca, primeiramente, Deus acima de
todas as coisas, devendo, sempre, prevalecer a lei divina e, em seguida, coloca o
indivíduo em uma categoria acima do próprio Estado, já que o indivíduo foi criado à
imagem e semelhança de Deus, merecendo, portanto, atenção especial.
Assim, o
indivíduo deve ser respeitado e valorizado, em face de sua ligação com o divino.
Verifica-se aqui, claramente, a valorização do homem, enquanto ser detentor de direitos;
detentor de dignidade.
É somente com o Cristianismo, portanto, que o conceito de pessoa, enquanto
categoria espiritual, ou seja, que possui valor em si mesma, como ser de fins absolutos
e, conseqüentemente, possuidor de direitos subjetivos ou fundamentais, possuindo,
assim, dignidade, é ressaltado, como primórdio do que hoje se conhece; já que os povos
antigos não possuíam o conceito de pessoa, como é concebido atualmente.288
287
CALMON, Pedro. Curso de teoria geral do Estado. 5. ed., rev., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1958,
p. 257-258.
288
SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São
Paulo: Celso Bastos, 1999, p. 19.
167
Fernando Ferreira dos Santos destaca que com a proclamação do conceito de
pessoa e do valor desta, pelo Cristianismo, acarretou-se a afirmação dos direitos
específicos de cada homem, dissociando a figura do homem do próprio Estado:
A proclamação do valor distinto da pessoa humana terá como conseqüência
lógica a afirmação de direitos específicos de cada homem, o reconhecimento
de que, na vida social, ele, homem, não se confunde com a vida do Estado,
além de provocar um ‘deslocamento do Direito do plano do Estado para o
plano do indivíduo, em busca do necessário equilíbrio entre a liberdade e a
autoridade. ’289 (grifo do autor).
Assim, tem-se que inicialmente a idéia do indivíduo como valor teve origem no
pensamento clássico e na própria ideologia cristã, o que foi sustentado durante toda a
Idade Média. É claro que o conceito de dignidade e o próprio conceito de ser humano
foi se alterando no decorrer dos séculos, até se obter a concepção atual.
Sobre o tema, Vicente Greco Filho discorre acerca das escolas cristãs, do
período medieval, que contribuíram para a construção e divulgação da dignidade
humana, citando, inicialmente, a Patrística, como a primeira grande escola, que teve, na
pessoa de Santo Agostinho, o seu maior expoente e, que concebia o Estado terreno
como forma profundamente imperfeito, podendo ser consagrado, unicamente, por ser a
passagem para o Estado divino, a Civitas Dei. O direito natural era de outra forma, a
“manifestação pura da vontade de Deus à qual os direitos terrenos deveriam submeterse.” Já, a segunda escola, foi a Escolástica, que, com São Tomás de Aquino, afasta a
visão pessimista da realidade humana, buscando, no indivíduo, “a natureza associativa e
a potencialidade da constituição de um Estado justo e aceitável.”
290
Para São Tomás de Aquino, a dignidade humana guarda enorme relação com sua
concepção de pessoa, sendo que esta nada mais é do que uma qualidade inerente a todo
e qualquer ser humano e o elemento que difere o ser humano das demais criaturas é a
racionalidade, já que pela racionalidade o ser humano é livre e responsável pelos seus
atos291, podendo, portanto, fazer suas escolhas. É claro que nesta fase, o homem era
289
SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São
Paulo: Celso Bastos, 1999, p. 20.
290
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 17. ed., atual., São Paulo: Saraiva,
2003, p.19-20.
291
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: Princípio constitucional
fundamental, 1. ed., 4. tir., Curitiba: Juruá, 2006, p. 24.
168
visto tão somente em função do divino; de Deus, por ter sido, como dito outrora, criado
à Sua imagem e semelhança.
Concomitantemente à doutrina cristã, outros movimentos auxiliaram na
construção e desenvolvimento dos direitos individuais (processo esse que foi lento e
árduo), decorrendo em um processo evolutivo da própria dignidade da pessoa humana.
Destaca-se a Magna Carta e as Constituições de Frederico II de Svevia. Importante,
todavia, ressaltar que à época da assinatura da Magna Carta, em 1215, por João Sem
Terra, a idéia de liberdade era muito diferente da que é concebida atualmente, já que
liberdade então era sinônimo de privilégios. Os barões buscavam privilégios, quando
obrigaram o rei a assinar a Magna Carta e não a igualdade entre todos os seres, o que
resultaria na dignidade plena de todos. O rei, em face de inúmeras derrotas militares
encontrava-se enfraquecido, levando-o a necessidade de apoio de seus súditos, apoio
este traduzido, principalmente, em favores pecuniários e militares, sendo que, portanto,
houve uma comercialização, já que o soberano concedeu direitos em troca de reforço no
poder real.
É claro que, “a idéia de direitos individuais, portanto, ainda não se formara no
sentido que se tem hoje, de direito iguais para todos e que contra todos podem ser
contrapostos, por via de um poder estatal autônomo, o Judiciário.”
292
Destaca-se,
entretanto, que a Magna Carta é de grande relevância histórica, já que fixa, pela
primeira fez princípios mais gerais, como legalidade, além de outros direitos, os quais
deveriam ser respeitados pelo soberano, limitando, portanto o poder deste.
Também, na Europa, por volta do século XIII, a maior influência foi da
percepção de Estado e organização jurídica de Frederico II da Svevia. Referido
soberano, partiu da Sicília, tendo se projetado para a Itália, impondo, leis que deveriam
ser respeitadas por todos, independentemente da classe social a que pertenciam, ou seja,
se possuíam privilégios ou não. Tudo isso foi imposto por intermédio das chamadas
Constituições de Melfi, as quais consagravam, entre outros, princípios que demonstram
a tentativa de se alcançar a igualdade entre os membros das mais diversas classes
sociais, já que independente de ser nobre ou plebeu, as regras eram as mesmas.
292
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 17. ed., atual., São Paulo: Saraiva,
2003, p. 21.
169
1)a justiça só poderia ser administrada por tribunais constituídos por
magistrados escolhidos pelo rei, não se admitindo tribunais especiais para
nobreza e outros para cidadãos comuns; 2) a cidade não poderia eleger
magistrados que não tinham sido aceitos pelo soberano, e os crimes,
especialmente os de sangue, deveriam ser punidos com a morte, fosse
culpado nobre ou plebeu. 293
No período renascentista, por volta de 1486, Pico della Mirandola, em obra
revolucionária, intitulada, “Discurso sobre a dignidade do homem”, discorre acerca da
dignidade, tendo como pressuposto sua indispensável e, fundamental, possibilidade de
escolha. Aqui, o homem é tido como centro do universo (dotado de liberdade), sendo
necessário, por conseguinte, ter sua dignidade reconhecida. Consoante o pensamento
deste autor, “a temática da dignidade envolve três níveis de inteligibilidade: a razão, a
liberdade humana e o ser.”294 (grifo do autor).
Em momento posterior, já na fase do jusnaturalismo, dos séculos XVII e XVIII,
procurou-se determinar o conceito de dignidade da pessoa humana, tendo como ponto
de partida a visão liberal do Estado (calcado em uma liberdade plena), tendo o ser
humano como um fim em si mesmo, logo, como ponto de partida e de chegada,
demonstrando uma visão individualista, tese esta que tem Immanuel Kant como um dos
maiores expoentes.
Fernando Ferreira Santos apresenta o pensamento do referido filósofo,
apontando que:
Situar o conceito de Kant dentro de sua filosofia liberal importa em ressaltar
os seus limites, na sua defesa do individualismo, que, antinomicamente, há de
prevalecer em relação à sociedade, em caso de conflito. Além, é claro, de
uma compreensão assaz acanhada das funções do Estado. Individualismo que
irá marcar, sobremaneira, a definição dos direitos fundamentais, que serão
sobretudo os direitos da liberdade, direitos inatos de cada pessoa e, por isso,
de resistência ou de oposição frente ao Estado295.
Para os filósofos jusnaturalistas, todos os homens têm direitos inatos,
sendo estes direitos imprescritíveis, irrenunciáveis e, o exercício desses direitos só
293
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 17. ed., atual., São Paulo: Saraiva,
2003, p. 23.
294
ZISMAN, Célia Rosenthal. O princípio da dignidade da pessoa humana: estudos de Direito
Constitucional. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 52.
295
SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São
Paulo: Celso Bastos, 1999, p.28.
170
encontra barreira naquilo que assegura os direitos dos demais indivíduos da sociedade;
o direito do indivíduo termina onde começa o direito do outro.
Na obra de Kant se vislumbra a dignidade como valor intrínseco do ser humano,
sendo que cada um deve respeitar a si e ao outro como fim e não como meio, já que o
homem, por ser racional, é capaz de ser responsável por seus atos, devendo ser
responsável pelos mesmos. A dignidade é, assim, um valor interno absoluto.
Além da Magna Carta, acima apontada, outros instrumentos demonstraram-se de
grande valia para a construção das Constituições modernas, por terem contribuído, de
forma contundente, para a evolução e aprimoramento das liberdades públicas, como a
Peticion of Rights (1628), o Habeas Corpus Act (1679) e o Bill of Rights (1689), já que
a primeira, a Magna Carta, inaugurou a proteção da liberdade pessoal e a segurança da
pessoa e de seus bens (assegurando o direito de propriedade), sendo o devido processo
legal a garantia de tais direitos fundamentais. Já com o due process of law, houve o
estabelecimento de regras disciplinadoras para a privação da liberdade e da própria
propriedade.296 É claro que os Estatutos apontados não são, apesar da grande
contribuição, declarações de direito no sentido moderno, conceitos estes que só irão
surgir com a Revolução Francesa e a Americana, ambas ocorridas no século XVIII.
É claro que o processo de aquisição de direitos individuais não foi tarefa fácil,
pelo contrário, foi lento e doloroso, já que por muito tempo o Estado, principalmente na
figura do soberano, possuía poderes ilimitados, não tendo interesse em dividir esse
poder com seus súditos. Isso se confirma pelo fato de que o surgimento desses direitos
se deu somente quando os reis da Idade Medieval começaram a firmar pactos (a
exemplo da Magna Carta, já mencionada), com o intuito de fortalecimento do próprio
poder real.
Pelo acima exposto, verifica-se que a origem do conceito de pessoa como sujeito
com valor em si mesmo, logo, dotado de dignidade, passou por três concepções, a saber:
o individualismo, o transpersonalismo e o personalismo.
296
ZISMAN, Célia Rosenthal. O princípio da dignidade da pessoa humana: estudos de Direito
Constitucional. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p.57.
171
Caracteriza-se o individualismo por ter como cerne da questão o próprio
indivíduo, que pensando em si mesmo e cuidando de seus interesses, como
conseqüência, protege e realiza indiretamente os interesses de toda a coletividade.
Em seguida, a fase do transpersonalismo caracterizou-se pelo inverso, haja vista
que nela se instituiu a necessidade da realização do bem coletivo, para que estejam
seguros os interesses individuais, logo, a dignidade da pessoa humana se verifica no
coletivo, não mais tendo o indivíduo como cerne do referido princípio. Como exemplo,
tem-se as concepções socialistas ou coletivistas, principalmente a realizada por Marx.297
E, finalmente, a terceira corrente (a qual permeia o Texto Constitucional
brasileiro), denomina-se personalismo, a qual defende a existência da harmonia
espontânea entre indivíduo e sociedade, tendo como finalidade a compatibilização dos
interesses individuais e coletivos, para que não haja predomínio de nenhum dos
interesses, mas o equilíbrio entre os mesmos.
Também é importante ressaltar as dimensões dos Direitos Humanos, os quais
retratam a evolução e consagração dos referidos direitos, no decorrer da História. Como
bem lembra Norberto Bobbio, os direitos do homem, do ponto de vista teórico, são
direitos históricos, ou, de outra forma, nascidos em certas circunstâncias, marcados por
lutas, contra poderes dominantes, em prol das liberdades, obtidos gradualmente.
Surgindo, esses direitos da necessidade da própria sociedade, no decorrer da História, já
que o aumento de poder do homem sobre o homem acaba por criar ameaças à liberdade
do indivíduo, sendo que referidas ameaças são enfrentadas com demandas de limitações
de poder, exigindo-se que o Poder intervenha de modo protetor. 298
Os primeiros direitos a surgir, sendo, portanto, os da primeira dimensão, foram
os direitos individuais e políticos, surgidos conjuntamente com o Estado liberal, o qual,
com a Revolução Francesa, pretendiam, em oposição à monarquia absolutista, a
manutenção de um Estado mínimo, que não interviesse nas relações sociais (em total
oposição ao modelo estatal anterior).
297
SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São
Paulo: Celso Bastos, 1999, p.30.
298
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad.: Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus,
1992, p. 5.
172
André Ramos Tavares aponta que nessa primeira relação de direitos, encontrase, entre outros, a proteção contra a privação arbitrária da liberdade, a inviolabilidade do
domicílio, a liberdade e o segredo de correspondência. Além, é claro, das liberdades da
ordem econômica (como, por exemplo, a liberdade de iniciativa; a liberdade de
atividade econômica; a liberdade de eleição da profissão; a livre disposição sobre a
propriedade, entre outras). Quanto às liberdades políticas, tem-se aquelas relacionadas à
participação do indivíduo no processo político (como a liberdade de associação; de
reunião; de formação de partidos; direito ao voto; direito de controlar os atos estatais
etc.).299
Já, os direitos de segunda dimensão, são os direitos sociais, os quais objetivam
conceder meios para a efetivação dos direitos individuais. Tem-se, neste momento,
portanto, o Estado, não mais liberal, mas social (intervindo nas relações sociais, para
garantir a concretização dos direitos para todos os indivíduos). Nesta dimensão
encontram-se, também, os direitos econômicos, voltados, da mesma forma, para a
garantia de efetivação dos direitos sociais. Tem-se, por exemplo, o direito ao trabalho, o
direito ao salário mínimo, direito ao repouso semanal remunerado, acesso ao ensino etc.
O Estado passa do isolamento e não-intervenção a uma situação
diametralmente oposta. O que essa categoria de novos direitos tem em mira
é, analisando-se mais detidamente, a realização do próprio princípio da
igualdade. De nada vale assegurarem-se as clássicas liberdades se o
indivíduo não dispõe das condições materiais necessárias a seu
aproveitamento. Nesse sentido, e só nesse sentido, é que se afirma que tal
categoria de direitos se presta como meio para propiciar o desfrute e o
exercício pleno de todos os direitos e liberdades. Respeitados os direitos
sociais, a democracia acaba fixando os mais sólidos pilares.300
A terceira dimensão, por sua vez, são os direitos coletivos ou difusos,
encontrando-se nessa categoria, os direitos do consumidor e ambiental. André Ramos
Tavares, faz menção, ainda, à quarta dimensão de direitos, na qual estariam os direitos
das minorias, cuja proteção acabaria por se tornar como um termômetro, do nível
democrático de um país.
299
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2. ed., rev., ampl., São Paulo: Saraiva,
2003, p. 370/371.
300
Idem, p. 370-371.
173
Norberto Bobbio, na obra “A era dos direitos”, fazendo um retrospecto de todas
as dimensões de direito, até chegar à atual, aponta que, à primeira dimensão
corresponde os direitos de liberdade (ou não-agir do Estado); já, na segunda, têm-se os
direitos sociais (ou ação positiva do Estado); os de terceira dimensão que são, para o
autor, uma categoria ainda “excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de
compreender do que efetivamente se trata.” Dentre os direitos de terceira dimensão, os
mais importantes são aqueles que tratam do direito de viver num ambiente
ecologicamente equilibrado. Atualmente, se apresentam novas exigências, as quais não
se enquadram nas anteriores, havendo a necessidade, portanto, de uma quarta dimensão
de direitos, relacionados “aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica,
que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo.”301
Importante lembrar, mais uma vez, a Encíclica Papal Rerum Novarum, onde se
prega a necessidade de interferência do Estado nas relações sociais e econômicas, para a
garantia do bem comum, além dos direitos essenciais à pessoa humana, em face de que
o Estado não pode manter-se ausente do mundo econômico, devendo intervir quando
necessário, para que se possa resguardar o direito de todos; os direitos essenciais da
pessoa humana.
A dignidade se transforma em bandeira trabalhista em meados do século XIX,
quando, com a Revolução Industrial, o mercado oprime cada vez mais o trabalhador (a
classe operária), em face da necessidade preemente de uma produção acelerada, que
possa satisfazer a obtenção cada vez mais desenfreada de lucro. Ferdinand Lassalle
impõe a necessidade de uma melhoria nas condições de trabalho dos operários, para que
se possa atribuir-lhe uma vida digna.
Autores como Proudhon e John Rawls, entendem que a idéia de dignidade
humana está intimamente ligada à concepção de justiça, entendendo que são conceitos
que se fundem e se complementam. Habermas acrescenta à justiça, a necessidade
imperiosa da ética, para que se obtenha a dignidade, encontrando-se esta vinculada a
uma acepção rigorosamente moral e jurídica.
301
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad.: Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus,
1992, p.6.
174
Outro ponto a se destacar, dentro desta acepção histórica do instituto em análise,
é a Constituição de Weimar, de 1919, que traz, em seu Texto, o reconhecimento da
necessidade de se ordenar o mundo econômico, para que se possa efetivar a garantia de
existência digna a todos os homens. Em seu Art. 151, disciplina a matéria, dispondo
que: “A vida econômica deve ser organizada em conformidade com os princípios da
justiça e com vista a garantir a todos uma existência digna do homem. Nestes limites, a
liberdade econômica do indivíduo deve ser respeitada.”
Após as Grandes Guerras, em especial a 2ª Guerra Mundial, houve um
rompimento com os Direitos Humanos, em face das barbáries cometidas nas guerras,
com o extermínio de milhões, de forma desumana e indigna. O pós-guerra veio para
retomar com esses direitos, tendo como exemplo mais marcante a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, que já no Art. 1º proclama: “todos os homens nascem livres e
iguais em dignidade e direito. São dotados de razão e consciência e devem agir em
relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”302 (grifo nosso). Veja-se que a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, desde 1948 já proclama que todos os
homens nascem livres (vedada, portanto, a escravização), atém de iguais, tanto em
dignidade quanto em Direito. Ora, a qualidade de igualdade entre os homens deve ser
verificada com relação à dignidade e aos direitos, já que as pessoas são diferentes
(diferença de cor, credo, sexo, religião etc.), mas devem ser iguais em dignidade e em
Direito. Assim, desde 1948 já existe legislação internacional resguardando, e
ressaltando, a dignidade da pessoa humana.
No Brasil, como dito no Capítulo que a este antecedeu a dignidade da pessoa
humana somente ganhou “status” constitucional com o Texto de 1988, apesar de já se
encontrar implícita em Constituições anteriores, como é o caso da Constituição de 1934,
que se espelhou nas Constituições mexicana, de 1917 e, alemã, de 1919.
4.1.2 Conceito
Depara-se com uma grande dificuldade, no momento da conceituação do
instituto em estudo, em face do mesmo pertencer a uma categoria axiológica aberta,
302
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
175
podendo se ajustar em cada momento histórico, por estar em constante ação de
construção e desenvolvimento. Como auxílio na elaboração do que ora se propõe que é
apresentar um conceito de dignidade da pessoa humana, traz-se à colação o
entendimento de renomados autores.
Immanuel Kant entende ser a dignidade da pessoa humana um categórico
assumindo valor não-relativo na cultura dos povos. Para Kant, a humanidade deve ser
vista como um fim e nunca como um meio, ressaltando assim o princípio da dignidade
da pessoa humana, por ser o homem a medida de todas as coisas. Da mesma forma,
Dworkin, embasado nas lições de Kant, ressalta que o ser humano não poderá, em
hipótese alguma, ser concebido como mero instrumento para a concretização de fins
outros, não podendo, assim, ser considerado como objeto; não devendo ser tratado de
maneira indigna.
A dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca e inerente do ser
humano, sendo, portanto, irrenunciável e inalienável, na medida em que constitui
elemento que qualifica a própria pessoa humana. Sendo assim, não há como a pessoa se
desfazer dessa qualidade, em face de ser a mesma a ela intrínseca.
Mas, o que vem a ser dignidade?
No Dicionário Caldas Aulet, o verbete
dignidade vem com o seguinte significado: “1. Qualidade de digno. 2. Amor-próprio,
respeito a si mesmo, honradez pessoal, altivez. 3. Função ou cargo honroso; honraria;
dignidade de reitor. 4. Decência, honestidade.”303 (grifo do autor). Veja-se, portanto,
que dignidade é algo inerente à própria pessoa; qualidade do ser humano, ligado, de
forma intrínseca à honestidade, honra e ética.
Frei Bento Domingues aponta, todavia, que ao se saber ser a dignidade é uma
característica do ser humano, precisa-se saber o que se pode considerar como pessoa.
Assim, para tanto, utiliza as palavras de Orlando Carvalho, que definiu pessoa humana
como sendo:
O ser vivo, que pela sua estrutura física ou psíquica e pela sua capacidade de
conhecimento e de amor é o único verdadeiro centro de decisão e de
303
GEIGER, Paulo (editor responsável). Minidicionário contemporâneo da língua portuguesa Caldas
Aulete. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004, p. 275.
176
imputação, de liberdade e de responsabilidade, na natureza e na história,
assumindo-se como projeto autônomo e transformante de si mesmo e do
mundo. 304
Depreende-se, assim, que a dignidade faz supor uma antropologia, a qual faz do
homem um ser “dotado de razão, de vontade livre, de comunicação pela linguagem,
enraizada em desejos e paixões da natureza, mas capaz de se distanciar deles e até de se
impor aos seus impulsos.”305
Chega-se, portanto, ao conceito de dignidade da pessoa humana, mediante uma
passagem histórica pelo tema, até obter que a dignidade pode ser compreendida,
também, como o respeito que é devido e, que, portanto, deve ser dispensado, a uma
pessoa; um comportamento que denote respeito e consideração, tendo em vista que a
dignidade não é apenas um dado, mas um ideal, que não deve ficar preso às
diferenciações existentes na sociedade. São Tomás de Aquino lembra que a afinidade
entre pessoa e dignidade já é notada há muito tempo, já que: “Vem, pelo menos, do
teatro grego. Como nas comédias e tragédias eram representados homens famosos, o
nome pessoa, da personagem teatral passou a significar aqueles que tinham uma
dignidade.” 306
Ingo Wolfgang Sarlet também se filia ao entendimento que a dignidade seja
inerente ao ser humano, dissociado, portanto, das ocorrências externas.
Além disso, como já visto, não se deve olvidar que a dignidade independe
das circunstâncias concretas, sendo algo inerente a toda e qualquer pessoa
humana, de sorte que todos – mesmo o maior dos criminosos são iguais em
dignidade. Aliás, não é outro o entendimento que subjaz ao art.1º da
Declaração Universal da ONU (1948), segundo o qual ‘todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos’. Dotados de
razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e
fraternidade307. (grifo do autor).
304
CARVALHO, Orlando. apud, DOMINGUES, Frei Bento. Dignidade humana, in GOMES, Jorge F.
S., et. al. (Org.). Comportamento organizacional e gestão: 21 temas e debates para o século XXI.
Lisboa: RH Ltda., 2006, p. 342.
305
DOMINGUES, Frei Bento. Dignidade humana, in GOMES, Jorge F. S., et. al. (Org.).
Comportamento organizacional e gestão: 21 temas e debates para o século XXI. Lisboa: RH Ltda.,
2006, p. 342.
306
Idem, p. 343-344.
307
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Advogado, 1998,
p.104.
177
Há, ainda, o entendimento de que a dignidade da pessoa humana não seja
considerada somente como algo inerente à ela, em face da existência de um sentido
cultural, por ser decorrência do trabalho de diversas gerações, sendo assim, pertencente
à humanidade como um todo. Em face desse entendimento, a dignidade da pessoa
humana passa a ser simultaneamente o limite e a obrigação dos Estados.
Em relação à dignidade, pode-se afirmar que é algo que pertence a cada um, não
podendo, portanto ser transferido, ser doado etc., pois se assim o fosse deixaria de
existir, não havendo, desse modo, qualquer limite a ser respeitado. Além disso, como
obrigação tem-se que ao Estado somente é permitido seguir, desde que não desrespeite o
princípio da dignidade da pessoa humana.
Outro ponto de destaque, é que a dignidade da pessoa humana, deve ser
averiguada, de forma concreta, dentro do contexto social em que o indivíduo está
inserido, posto que este não vive isolado, como traz Rizzato Nunes:
[...] acontece que nenhum indivíduo é isolado. Ele nasce, cresce e vive no
meio social. E aí, nesse contexto, sua dignidade ganha – ou como veremos,
tem o direito de ganhar – um acréscimo de dignidade. Ele nasce com
integridade física e psíquica, mas chega um momento de seu
desenvolvimento que seu pensamento tem de ser respeitado, suas ações e seu
comportamento – isto é, sua liberdade -, sua imagem, sua intimidade, sua
consciência – religiosa, científica, espiritual – etc., tudo compõe sua
dignidade308.
John Rawls estabelece um contraponto em torno do termo dignidade da pessoa
humana, entendendo que o mais importante é estruturar a sociedade, para que esta possa
afirmar e favorecer o respeito mútuo entre os cidadãos.
Rawls não concebe o respeito de si como um dever moral individual, mas
como um ‘bem fundamental’, um bem que virtualmente todo indivíduo
consideraria como objeto do seu desejo racional, quaisquer que sejam as
outras coisas que ele deseje [...] Um elemento capital de tal teoria da justiça
é o argumento segundo o qual, se fossem adotados, esse princípios de
‘justiça como equidade’ (liberdade e oportunidades iguais para todos, e o
‘princípio da diferença’) favoreceriam mais o respeito de si do que os
princípios utilitaristas.309 (grifo do autor).
308
NUNES, Rizzato. O Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 49.
309
CANTO-SPERBER, Monique (Org.). Dicionário de ética e filosofia moral. Trad.: Ana Maria
Ribeiro-Althorf, et. ali, São Leopoldo: Unisinus, 2003, p.443-444.
178
Vicente Greco Filho eleva a dignidade; o valor da pessoa humana, como
fundamento do próprio Direito, apontando a importância do conteúdo valorativo do
Direito, sendo que: “todas as consagrações constitucionais dos direitos individuais
supõem a existência de alguns direitos básicos da pessoa humana, os quais pairam,
inclusive acima do Estado, porquanto este tem como um de seus fins principais a
garantia desses direitos.” Além disso, ressalta: “O direito talvez cronologicamente
coincida com o homem e a sociedade, mas não pode ser entendido senão em função da
realização de valores, no centro dos quais se encontra o valor da pessoa humana.”310, até
porque a ordem jurídica não teria sentido algum se não tivesse como finalidade a
realização dos referidos valores.
Franco Bartolomei, na obra que trata da dignidade humana como conceito e
valor constitucional, na Constituição Italiana, aponta que a dignidade humana não se
reduz a um mero direito, sendo fundamento da liberdade; um direito fundamental. 311
Assim, a dignidade da pessoa humana é efetivamente, uma qualidade inerente ao
próprio ser humano, sendo, portanto, irrenunciável e indisponível. A Constituição
Federal, ao trazer este princípio como fundamento da República o eleva à categoria de
meta-princípio; de vértice constitucional, que não pode, portanto ser infringido. A
universalização da dignidade leva a todos os indivíduos (sem distinção), a garantia de
que deverão receber de todos (inclusive do próprio Estado), o tratamento condizente
com a sua qualidade de ser humano, já que todos são, segundo o Texto Constitucional,
iguais perante a lei. Além disso:
O princípio da dignidade, expresso no imperativo categórico, refere-se
substantivamente à esfera de proteção da pessoa enquanto fim em si, e não
como meio para a realização de objetivos de terceiros. A dignidade afasta os
seres humanos da condição de objetos à disposição de interesses alheios. [...]
A dignidade humana impõe constrangimentos a todas as ações que não
tomem a pessoa como fim. 312
310
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 17. ed., atual., São Paulo: Saraiva,
2003, p. 16.
311
BARTOLOMEI, Franco. La dignità umana come concetto e valore constituzionale. Torino: G.
Giappicheli, 1987, p. 18-19.
312
VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF. São Paulo:
Malheiros, 2006, p.67.
179
O conceito trazido por Ingo Wolfgang Sarlet consegue reunir todas as
concepções anteriormente apontadas, entendendo-se ser o mesmo o mais completo e o
que melhor define a dignidade da pessoa humana:
Assim sendo, tem-se por dignidade da pessoa humana a qualidade
intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor
do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais
que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover
sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e
da vida em comunhão com os demais seres humanos313. (grifo do autor).
Entende-se, destarte, ser a dignidade como valor intrínseco do ser humano,
independente do reconhecimento e concessão do Estado; é, portanto, inerente; sendo
indisponível e irrenunciável. A dignidade, como apontado outrora, não se reduz a um
mero direito, sendo fundamento da liberdade; um direito fundamental. O Estado, por
conseguinte, deve, obrigatoriamente, resguardar a dignidade em todos os seus aspectos,
até porque a dignidade serve de fundamento para outros direitos, como o da liberdade,
igualdade, justiça, entre outros.
A dignidade da pessoa humana é um valor essencial, eleito pela Constituição
Federal de 1988, informando toda a ordem jurídica, servindo de critério e parâmetro,
que deve orientar não só a interpretação, como todo o sistema constitucional, para que
se mantenha a unidade de todo o sistema. É um valor supremo, concebido como
referência constitucional, que unifica todos os direitos fundamentais, decorrendo desse
fato, a finalidade da ordem econômica de assegurar a todos uma existência digna.
A dignidade deve ser considerada em sua universalidade, pois todos são iguais
em direito (como se verifica da Declaração Universal dos Direitos Humanos) não
devendo deixar de levar em conta, todavia as diferenças existentes entre os homens,
pois “a pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de sermos os mesmo, isto é,
313
SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma
compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In SARLET, Ingo Wolfgang (Org.).
Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2005, p. 37.
180
humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido,
exista ou venha a existir.”314
Conclui-se,
dessa
forma,
que
todos
são
titulares
de
dignidade,
independentemente da religião, sexo, cultura, raça, cor, credo etc., não necessitando,
inclusive, que os titulares tenham noção ou conhecimento desta qualidade, em face dela
ser inerente a todo ser humano. Além disso, não há como o ser humano se tornar
indigno, ainda que este cometa atos assim considerados, contra si ou contra outrem, em
face da irrenunciabilidade e indisponibilidade deste direito.
4.1.3 Da dignidade da pessoa humana: Tratados Internacionais
Imperioso, para que se possa apresentar um sucinto esboço, acerca dos Tratados
Internacionais, afetos à dignidade da pessoa humana, discorrer, também de forma breve,
a propósito dos direitos humanos. E, tratar de um assunto tão relevante, como os direitos
humanos, não é tarefa fácil, tendo em vista suas inúmeras implicações no cotidiano das
pessoas, além de que os direitos humanos se relacionam de forma direta com a
dignidade da pessoa humana.
Antes de se adentrar no assunto proposto, faz-se necessário trazer a conceituação
do que seriam direitos humanos. Para o Cardeal D. Paulo Evaristo Arns, direitos
humanos são:
Essencialmente, o direito aos bens inerentes à vida, aos bens que preservam
a humanidade do homem. Entre eles, o respeito à personalidade e à
igualdade essencial dos indivíduos, a manutenção da liberdade física e de
pensamento, a garantia de justiça e o reconhecimento da honestidade, enfim,
os direitos apenas possíveis numa legítima democracia, em que os cidadãos
poderão ser ‘sábios para o bem, simples diante do mal’ (Rm. 16, 19). (grifo
do autor)315
Verifica-se que a conceituação trazida acima trata, em primeiro lugar, da
dignidade da pessoa humana, bem como dos direitos que correspondem às necessidades
essenciais da pessoa, cuja dignidade deve ser acentuada e preservada.
314
ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 16.
ARNS, D. Paulo Evaristo. Cardeal, Prefaciando a obra: JUNIOR SANTOS, Belisário dos, et. ali.
Direitos humanos: Um debate necessário. 2. ed., Brasília: Brasiliense, p. 7.
315
181
Norberto Bobbio entende que direitos humanos encontram-se intimamente
ligados com a Democracia e a Paz, sendo que os três são fatores necessários do mesmo
movimento histórico, já que “sem direitos do homem reconhecidos e protegidos não há
democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica
dos conflitos.”316
Pode-se considerar a expressão direitos humanos como uma maneira abreviada
de tratar dos direitos fundamentais da pessoa, já que:
Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa
humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de
participar plenamente da vida. Todos os seres humanos devem ter
asseguradas, desde o nascimento, as mínimas condições necessárias para se
tornarem úteis à humanidade, como também devem ter a possibilidade de
receber os benefícios que a vida em sociedade pode proporcionar. Esse
conjunto de condições e de possibilidades associa as características naturais
dos seres humanos, a capacidade natural de cada pessoa pode valer-se como
resultado da organização social. É a esse conjunto que se dá o nome de
direitos humanos. (grifo do autor).317
Mais uma vez, verifica-se a ênfase que deve ser dada à dignidade da pessoa
humana, já que ao preservá-la, automaticamente estar-se-á preservando os direitos
humanos. Além disso, deve-se lembrar que a cada pessoa deve ser assegurado o mínimo
para a sua sobrevivência em sociedade de forma digna, dando-se destaque à teoria do
mínimo ético, em que o direito internacional pretende assegurar, ao menos, o mínimo
para que cada pessoa humana viva com dignidade, não significando que os países não
possam implementar esses direitos (aliás, devem), aumentando-os e, assim, concedendo
às pessoas uma dignidade plena.
Para Sidney Guerra, é de suma importância, na discussão dos Direitos Humanos
no âmbito do direito internacional, averiguar, inicialmente, se a pessoa humana é
efetivamente considerada como sujeito na ordem jurídica internacional, já que, somente
dessa forma, é possível afirmar, com certeza, que há uma proteção internacional dos
direitos humanos, em decorrência desse entendimento. Conclui que, realmente, a pessoa
316
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad.: Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus,
1992, p. 1.
317
O que são Direitos humanos? Direitos Humanos: Noção e significado. disponível
em:<http://www.ceut.com.br/mandacaru/O%20QUE%20SAO%20DIREITOS%20HUMANOS%20-%20
Dalmo%20Dallari.doc> Acesso em: 02.08.2006.
182
humana é destinatária de inúmeras normas de direito internacional, sendo que tal fato se
dá em virtude da internacionalização dos direitos da pessoa humana. E, aponta, para
reforçar sua assertiva, que existem duas razões primordiais para a pessoa humana ser
considerada como sujeito internacional:
a) a própria dignidade humana, que leva a ordem jurídica internacional a lhe
reconhecer direitos fundamentais e procurar protegê-los; b) a própria noção
de Direito, obra do homem para o homem. Em conseqüência, a ordem
jurídica internacional vai se preocupando cada vez mais com os direitos do
homem, que são quase verdadeiros direitos naturais concretos. 318
Para Kant, a idéia de dignidade da pessoa humana é uma idéia central (e os seres
humanos são insubstituíveis, pois são um fim em si mesmos), sendo, portanto, sujeitos,
plenos, de direito.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e, proclamada pela
resolução 217 A (III) da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, de 10 de
dezembro de 1948, protege e assegura direitos, a todos os seres humanos, sem distinção
de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de
outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra
condição, em face de que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros
da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade,
da justiça e da paz no mundo, confome se verifica em seu preâmbulo, no qual dispõe
que: “Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da
família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da
justiça e da paz no mundo;”
Além disso, considera imprescindível que os direitos da pessoa humana sejam
resguardados contra o império da lei e que os Estados se esforcem em promover, por
intermédio do ensino e da educação o respeito a todos os direitos e liberdades, até
porque, como ali se encontra, “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e
direito. São dotados de razão e de consciência e devem agir em relação umas às outras
com espírito de fraternidade”
318
319
, não podendo haver distinção, de qualquer natureza
GUERRA, Sidney. Direito à privacidade: uma discussão à luz do Direito Internacional dos Direitos
Humanos in DELGADO, Ana Paula; CUNHA, Maria Lourdes da. Estudos de Direitos humanos:
Ensaios interdiciplinares. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 37.
319
Declaração universal dos Direitos humanos.
183
entre as pessoas, já que todos os homens tem capacidade para gozar os direitos e as
liberdades na referida Declaração.
Deve-se lembrar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi uma
resposta à barbárie ocorrida na 2ª Guerra Mundial, onde milhares de pessoas foram
mortas, única e exclusivamente, por serem diferentes. Assim, em um primeiro
momento, a comunidade internacional, por intermédio do direito internacional, procurou
estabelecer, ou melhor, ressaltar, via declarações e tratados, a existência da igualdade
entre todos os seres humanos (já que todos são iguais em dignidade) e, em um segundo
momento, a comunidade internacional, procurou estabelecer, legalmente, a diversidade
entre as pessoas, ou seja, apesar da igualdade em dignidade, as pessoas são diferentes,
em fase da variedade existente em decorrência da raça, religião, sexo, nacionalidade
etc., ressaltando que, apesar das diferenças, em dignidade permanecemos todos iguais,
devendo, portanto, serem considerados como tal.
Além disso, a Declaração Universal dos Direitos dos Homens:
[...] colocou as premissas para transformar também os indivíduos singulares,
e não mais apenas os Estados, em sujeitos jurídicos do direito internacional,
tendo assim, por conseguinte, iniciado a passagem para uma nova fase do
direito internacional, a que torna esse direito não apenas o direito de todas
as gentes, mas o direito de todos os indivíduos. 320
A 2ª Guerra Mundial, desse modo, marcou a ruptura com os Direitos Humanos,
tendo em vista que foram cometidos diversos atos atentatórios à dignidade humana,
sendo que, em resposta à tal fato, o pós 2ª Guerra possibilitou a reconstrução dos
Direitos Humanos.
Reafirmando a necessidade do respeito às diferenças, Nilmário Miranda, assim
se posiciona:
Hoje os direitos humanos são universais e as fronteiras do Estado são
indivisíveis. É a partir desses conceitos que construimos uma cidadania
planetária, uma sociedade civil mundial que respeite as diferenças entre
muçulmanos, cristãos, indígenas e africanos fundada na aceitação e na
tolerância.
320
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad.: Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus,
1992, p.139.
184
Também faz parte de nosso referencial a compreensão de que os direitos
humanos são interdependentes. Não se pode estabelecer hierarquias com os
direitos civis e políticos, atribuindo mais importância a estes do que aos
direitos igualitários, econômicos, sociais e culturais.321
Para, que se possa compreender, efetivamente e, facilmente, o que seriam os
direitos humanos, é suficiente mencionar que tais direitos correspondem a necessidades
essenciais da pessoa humana. Trata-se daquelas necessidades que são iguais para todas
as pessoas e que, portanto, devem ser atendidas para que a pessoa possa viver com
dignidade. Dessa maneira, tem-se como exemplo principal, que a vida é um direito
humano fundamental, porque sem ela a pessoa não existe. E, por tal fato, a preservação
da vida é uma necessidade de todos as seres humanos. É claro, todavia, que a vida não é
o único direito fundamental, podendo citar, ainda, outras necessidades essenciais (para
que a pessoa viva com dignidade), como a alimentação, a saúde, a moradia, a educação,
por exemplo. 322
A Constituição da República Federativa do Brasil, em vários dispositivos, trata
da dignidade da pessoa humana, sendo que a norma inserida em seu Art. 1º, inciso III,
prescreve uma conduta, em termos, principiológicos, de que a pessoa humana possui
valor em si mesma.
Na visão kantiana, como dito anteriormente, o meio dos fins que faz da pessoa
um ser de dignidade própria, em que tudo o mais tem significação, relativa. Segundo o
imperativo categórico de Kant: “age como se fosse a máxima de tua ação se devesse
tornar pela tua vontade em lei universal da natureza”323 E, nesse agir, veja
simultaneamente a ti e a humanidade como um fim e, nunca como um meio, não
devendo se utilizar dos outros como meros objetos, sendo que aqui, se verifica o
princípio da dignidade da pessoa humana. Enfim, o homem, para ele ser sujeito e não
simples objeto.
321
MIRANDA, Nilmário in VIEIRA, Oscar Vilhena, Coord. Direitos humanos: Estado de Direito e
construção da paz. São Paulo:Quartier Latin do Brasil, 2005, p. 28.
322
O que são Direitos humanos? Direitos Humanos: Noção e significado. disponível em:
<http://www.ceut.com.br/mandacaru/O%20QUE%20SAO%20DIREITOS%20HUMANOS%20%20Dal
mo%20Dallari.doc> Acesso em: 02.08.2006.
323
KANT, Emanuel. apud SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana. São Paulo, Celso Bastos Editor, 1999, p. 26
185
Por fim, tudo está a serviço do homem, assim tudo o mais aparece como valor de
meio perante o homem, que se caracteriza, assim, como valor absoluto. O homem como
fim não pode ser, assim, considerado como coisa, já que é terminantemente proibida a
“coisificação” e, desse modo, a degradação do homem, que não pode ser tratado como
mero objeto, como já afirmado acima.
Apesar da importância do princípio, ora tratado, várias são as dificuldades para
se estabelecer o significado e o conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana,
devido ao contorno vago e impreciso instituído genericamente por ele, como dito
anteriormente.
Pode-se dizer, todavia que a dignidade da pessoa humana é indiscutivelmente
uma qualidade intrínseca e inerente ao ser humano, irrenunciável e inalienável, na
medida em que constitui elemento que qualifica a pessoa humana.
Nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet:
Além disso, como já visto, não se deve olvidar que a dignidade independe
das circunstâncias concretas, sendo algo inerente a toda e qualquer pessoa
humana, de sorte que todos – mesmo o maior dos criminosos são iguais em
dignidade. Aliás, não é outro o entendimento que subjaz ao art.1º da
Declaração Universal da ONU (1948), segundo o qual ‘todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos’. Dotados de
razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e
fraternidade324. (grifo do autor).
Ainda a despeito do tema, há o entendimento de que a dignidade da pessoa
humana não seja considerada apenas como inerente à pessoa humana, haja vista que ela
traz um sentido cultural, pois é conseqüência do trabalho de diversas gerações, sendo
assim, pertencente à humanidade como um todo.
Portanto, para que haja a garantia da igualdade, indistintamente para todos, devese perceber a diferença entre as diversas pessoas, raças, religião, sexo etc., sendo que
apesar da individualidade de cada um e, das culturas diferenciadas, deve-se tratar as
pessoas com igual valor.
324
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos fundamentais. Porto Alegre: Advogado, 1998,
p.104.
186
Desse feito, apesar das pessoas serem diferentes (ocorrendo tal diferença em
diversos fatores, como cultura, raça, sexo, religião, entre outros), continuam, todavia,
todas iguais como seres humanos (com a mesma dignidade), tendo as mesmas
necessidades e faculdades essenciais. Disso resulta a existência de direitos
fundamentais, que são iguais para todos, conforme tratado, inclusive na Declaração
Universal dos Direitos Humanos.
Boaventura de Sousa Santos trata dos conceitos de universalismo e relativismo
cultural, para se chegar ao mais importante para o reconhecimento das diferenças, sem
deixar de levar em conta a igualdade pela dignidade, tendo concluído, referido autor,
que o melhor caminho seria o multiculturalismo:
Como é possível, ao mesmo tempo, exigir que seja reconhecida a diferença,
tal como ela se constituiu através da história, e exigir que os “outros” nos
olhem como iguais e reconheçam em nós os mesmos direitos de que são
titulares? [...] A expressão multiculturalismo designa, originalmente, a
coexistência de formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas
diferentes no seio de sociedades “modernas”. Rapidamente, contudo, o
termo se tornou um modo de descrever as diferenças culturais em um
contexto transnacional e global. [...]
A resposta reside na adoção de dois imperativos interculturais: “das
diferentes versões de uma dada cultura, deve ser escolhida aquela que
representa o círculo mais amplo de reciprocidade dentro dessa cultura, a
versão que vai mais longe no reconhecimento do outro”; “as pessoas e os
grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza, e
o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza”.325 (grifo
nosso).
O pensamento do autor anteriormente citado revela os objetivos dos direitos
humanos, qual seja: a necessidade do reconhecimento e da distribuição, de uma
igualdade que possibilite o reconhecimento das diferenças e de uma diferença que não
cause, alimente ou reproduza desigualdades, além disso, a possibilidade de que “as
pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza, e
o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza”.
Visando alcançar a plenitude da dignidade, para todas as pessoas humanas, a
comunidade internacional, após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, celebrou
inúmeros Tratados Internacionais.
325
SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: Os caminhos do cosmopolitismo
multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 25/56.
187
O reflexo desses citados Tratados, no Brasil, deu-se, de forma significativa, no
ordenamento jurídico, o qual, por força deles próprios, teve que se adequar ao que esteja
disposto nos referidos instrumentos internacionais. É claro que o Brasil ainda não se
encontra totalmente adequado ao que dispõe os tratados internacionais, mas já avançou
muito (pelo menos em termos legislativos), como abaixo se demonstrará.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, rompeu de forma
definitiva com o período ditatorial, tornando-se um marco jurídico do processo de
transição democrática, tendo adotado inúmeros princípios e conceitos dos Direitos
Humanos, tendo elegido como um dos maiores princípios a serem seguidos, o princípio
da dignidade da pessoa humana, o qual norteia todo o Texto Constitucional.
Sobre a referida transição democrática, a Profª. Flávia Piovesan, assim se
manifesta:
Após o longo período de vinte e um anos do regime militar ditatorial que
perdurou de 1964 a 1985 no País, deflagrou-se o processo de
democratização no Brasil. Ainda que esse processo se tenha iniciado,
originariamente, pela liberação política do próprio regime autoritário – em
face de dificuldades em solucionar problemas internos -, as forças de
oposição da sociedade civil se beneficiaram no processo de abertura,
fortalecendo-se mediante formas de organização, mobilização e articulação,
que permitiram importantes conquistas sociais e políticas. A transição
democrática, lenta e gradual, permitiu a formação de um controle civil sobre
as forças militares. Exigiu ainda a elaboração de um novo código, que
refizesse o pacto político-social. Tal processo culminou, juridicamente, na
promulgação de uma nova ordem constitucional – nascia assim a
Constituição de outubro de 1988.
A Carta de 1988 (sic) institucionaliza a instauração de um regime político
democrático no Brasil.326
Para Paulo Sérgio Pinheiro:
O Brasil tem hoje a carta de direitos mais precisa e abrangente de toda a sua
história política. A Constituição Brasileira de 1988 é um marco na sua
institucionalização no País e serve como ponto de referência para
implementar políticas públicas para proteção e promoção dos direitos
humanos.
Desde a transição para a democracia, em 1985, ao contrário do que
acontecia durante o período do autoritarismo, o Governo Federal tem
promovido mudanças na legislação, apoiado políticas públicas para proteger
e promover os direitos humanos, em particular os direitos dos grupos mais
326
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito constitucional internacional. 7. ed. rev., ampl.,
atual., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 21/24.
188
vulneráveis. O País tornou-se signatário dos principais tratados
internacionais de direitos humanos.
A prática do Governo Federal em relação às graves violações de direitos
humanos mudou diametralmente, se comparada com as práticas existentes
durante o regime autoritário.327 (grifo do autor).
O constituinte brasileiro evoluiu ao inserir o princípio da dignidade da pessoa
humana no Texto Constitucional. Ao estatuir-se o referido princípio, no inciso III do
Art. 1º da Constituição Federal de 1988, embasou-se em uma visão personalista, posto
que ao ser colocado como fundamento, determinou-se a existência do Estado em razão
das pessoas. Nesse sentido, determinou-se que cada homem é o fim em si mesmo e
conseqüentemente deve o Estado existir em razão de todas as pessoas, e não estas em
razão do Estado328.
Deste modo, toda a ação decorrente do Estado deve ser avaliada, de acordo com
o princípio da dignidade humana, sob pena de ser declarada inconstitucional, sendo que
cada pessoa deve ser considerada como um fim em si mesma para que possam ambos,
indivíduo e Estado conviverem pacificamente.
Neste contexto, mesmo tendo a dignidade da pessoa humana um conteúdo
moral, ao inseri-la na Constituição, demonstrou o constituinte também uma
preocupação de cunho moral, de forma que não se aceite a prática de tortura, racismo e
tantas outras humilhações a que o brasileiro se acostumou em seu dia-a-dia, bem como
de cunho material, qualquer que seja, para que haja condições de se viver dignamente,
consoante dispõem os Tratados Internacionais dos quais o Brasil faz parte.
Tal sentido, para Celso Ribeiro Bastos: “[...] foi, sem dúvida, um acerto do
constituinte, pois coloca a pessoa humana como fim último de nossa sociedade e não
como simples meio para alcançar certos objetivos [...].”329
Para verificar a inserção, dentro do ordenamento jurídico nacional, dos Tratados
Internacionais, dos quais o Brasil é signatário, passa-se a demonstrar, de forma
327
PINHEIRO,
Paulo
Sérgio.
Direitos
humanos.
Disponível
em:
<
http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/polsoc/dirhum/apresent/apresent.htm> Acesso em:
01.08.2006.
328
SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São
Paulo: Celso Bastos, 1999, p.92.
329
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito constitucional. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p.158.
189
exemplificativa e, não exaustiva, algumas legislações nacionais. E, como não poderia
deixar de ser, a primeira lei a ser tratada a Constituição Federal.
Como já dito anteriormente, a Constituição de 1988 rompeu com o período
ditatorial, trazendo para seu bojo, inúmeros preceitos de Direitos Humanos, dentre eles,
deu maior destaque àquele que, seguramente, é o mais importante, que é o princípio da
dignidade da pessoa humana, o qual se encontra em inúmeros dispositivos
constitucionais, em especial quando trata dos Princípios Fundamentais e dos Direitos e
Garantias Fundamentais (lembrando-se que também se encontra em outros capítulos),
além, é claro, de outros direitos, garantidos em tratados internacionais (merecendo
maior destaque aos de direitos humanos).
Mais uma vez, importante lembrar que a citação feita acima é meramente
exemplificativa, para demonstrar que a Constituição brasileira está recheada de
princípios trazidos por tratados internacionais, e, de forma especial, os de Direitos
Humanos. Para que se dê maior destaque ao que ora se coloca, importante a transcrição
dos §§ 2º, 3º e 4º do Art. 5º da Constituição Federal.
§ 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
§ 3º. Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por
três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às
emendas constitucionais.
§ 4º. O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja
criação tenha manifestado adesão.330
Verifica-se que, por todo o Texto Constitucional, há a recepção de Tratados
Internacionais, os quais foram incorporados no ordenamento jurídico, via normas
nacionais, em especial, por intermédio da Constituição Federal, merecendo destaque a
recepção dos tratados de Direitos Humanos, tendo em vista que a Constituição de 1988
tem como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana, além, é claro, de outros
princípios internacionais, como a auto-determinação dos povos, a erradicação da
pobreza, a proteção das crianças e adolescentes, proteção e socialização dos portadores
de deficiência, o repúdio à qualquer forma de discriminação e de qualquer espécie de
330
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
190
trabalho escravo e infantil, e, ainda, prevalência dos direitos humanos, repúdio ao
terrorismo e ao racismo, a igualdade entre todos, a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade; à segurança e à propriedade, além de outros tantos ali
encontrados.
Inúmeras legislações trazem a proteção da dignidade da pessoa humana, como se
exemplifica com a Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, que regulamenta o Estatuto dos
refugiados e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Na mesma esteira, o novo Código
Civil brasileiro.
Mister salientar que o novo Código Civil brasileiro trouxe inúmeras mudanças,
em especial dentro da entidade familiar, equiparando a mulher ao homem, sendo ambos
sujeitos de direito, em igual situação, não havendo mais diferença entre ambos (um
exemplo é o fim do pátrio poder – onde o pai tinha o poder sobre os filhos -, e a
instituição do poder familiar – onde os pais – mãe e pai – possuem os mesmos direitos e
deveres sobre os filhos); além do fim da possibilidade do marido anular o casamento,
sob o fundamente de que sua esposa já se encontrava deflorada, quando do matrimônio,
além de outros absurdos que ainda perduravam no Código Civil revogado. Tal fato
demonstra a vontade do País, representado por suas normas, de se ajustar aos Tratados
de que é signatário, em especial, neste caso específico, à Convenção sobre a eliminação
de todas as formas de discriminação contra a mulher.
Merecem destaque, da mesma forma, o Estatuto do Idoso e o Código de Defesa
do Consumidor, os quais também demonstram o avanço na legislação nacional,
adequando-se, portanto, aos Tratados Internacionais, dos quais o Brasil é signatário, já
que privilegia a proteção dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana;
resguardando, em decorrência, a dignidade da pessoa humana.
Conclui-se, portanto, que, pelo menos no papel, o Brasil já deu inúmeros
avanços, tendo em vista que, consoante os exemplos de legislação acima apontados,
recepcionou e, incorporou de alguma forma, praticamente todos os tratados em que é
Estado-membro. Todavia, apesar das normas já estarem previstas, muitas delas não
saíram totalmente do papel, continuando os abusos contra os direitos humanos, como é
o caso do crime de tortura, de racismo (os quais se verificam diuturnamente nos
191
noticiários), além da existência, ainda nos dias atuais, de trabalho escravo e infantil,
dentre outras violações contra os Direitos Humanos.
Sobre isso, bem lembra Maria Lourdes da Cunha:
O Brasil, tristemente, também vem se configurando como um dos grandes
violadores dos direitos e da dignidade do ser humano. A prostituição e a
exploração do trabalho infantil, a falta d segurança, a carência de educação,
a dificuldade de acesso ao Judiciário, a corrupção, a indignidade da saúde
pública e a fome, além dos conflitos no campo, parecem-nos exemplos
sistêmicos. Não obstante todas essas mazelas, não vislumbramos
enfrentamentos políticos sérios direcionados à superação desses
problemas.331
4.2
DIGNIDADE
DA
PESSOA
HUMANA
COMO
FUNDAMENTO
DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO
A Constituição da República do Brasil, em seu Art. 1º traz a dignidade da pessoa
humana, como fundamento do próprio Estado Democrático de Direito, ao dispor:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III – a dignidade da pessoa humana;332
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, ao comentarem o referido
Art. 1º, no tocante à dignidade da pessoa humana, apontam que este princípio é
fundamento axiológico do próprio Direito, sendo primordial a proteção do ser humano,
o qual é sujeito e, nunca objeto de Direito. Trazem, como embasamento para a análise,
trechos de outros autores, como do Papa João Paulo II; tendo apontado que:
Os valores fundamentais encartados na estrutura político-jurídica da Carta
Magna, refletem-se em princípios gerais de direito quando informam seus
331
CUNHA, Maria Lourdes da. Uma reflexão sobre os Direitos da pessoa humana. in DELGADO,
Ana Paula; CUNHA, Maria Lourdes da. Estudos de Direitos Humanos: Ensaios interdiciplinares. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 8.
332
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
192
elementos e privilegiam a realidade fundamental do fenômeno jurídico que é
a consideração primordial e fundamental de que o homem é sujeito de
direito e, nunca, objeto de direito. Esse reconhecimento principiológico se
alicerça em valor fundamental para o exercício de qualquer elaboração
jurídica; está no cerne daquilo que a Ciência do Direito experimentou de
mais especial; está naquilo que o conhecimento jus-filosófico buscou com
mais entusiasmo e vitalidade: é a mais importante consideração jusfilosófica do conhecimento científico do Direito. É o fundamento axiológico
do Direito; é a razão de ser da proteção fundamental da pessoa e, por
conseguinte, da humanidade do ser e da responsabilidade que cada homem
tem pelo outro (João Paulo II, Evangelium Vitae, Edições Paulinas, 1995, p.
22). Por isso se diz que a justiça como valor é o núcleo central da axiologia
jurídica (Antonio Hernandes Gil, Conceptos Jurídicos Fundamentales,
Obras Completas, v. I, Madrid, Escalpa Calpe, 1987, p. 44) e a marca desse
valor fundamental de justiça o homem, princípio de razão de todo o
Direito.333 (grifo do autor)
Ressaltam, ainda, referidos autores que o princípio da dignidade da pessoa
humana é o princípio fundamental do Direito, sendo o mais importante; o primeiro. Esse
princípio é a razão de ser do próprio Direito, sendo que se bastaria para organizar de
forma estruturada todo o ordenamento jurídico. Além disso, ao se comprometer com a
dignidade da pessoa humana, o Estado brasileiro se compromete também, com a vida e
com a liberdade de todo ser.
Para Ingo Wolfgang Sarlet:
Embora entendamos que a discussão em torno da qualificação da dignidade
da pessoa como princípio ou direito fundamental não deva se hipostasiada,
já que não se trata de conceitos antitéticos e reciprocamente excludentes
(notadamente pelo fato de as próprias normas de direitos fundamentais
terem cunho eminentemente – embora não exclusivamente –
principiológico), compartilhamos do entendimento de que, muito embora os
direitos fundamentais encontrem seu fundamento, ao menos em regra, na
dignidade da pessoa humana e tendo em conta que [...] do próprio princípio
da dignidade da pessoa (isoladamente considerado) podem e até mesmo
devem ser deduzidos direitos fundamentais autônomos, não especificados (e,
portanto, também pode admitir que – nesse sentido – se trata de uma norma
de direito fundamental), não há como reconhecer que existe um direito
fundamental à dignidade, ainda que vez por outra se encontre alguma
referência neste sentido.334
Paulo Nalin, ao discorrer acerca da temática: “A leitura do Direito Civil à luz da
Constituição”, na obra: “Contratos”, assevera que existe a tendência de se condicionar a
efetividade dos efeitos patrimoniais dos atos jurídicos, de forma atrelada à efetiva
333
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Constituição Federal comentada e
legislação constitucional: De acordo com as recentes Emendas Constitucionais. atual. até 10.04.2006,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 118.
334
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 70-71.
193
realização de valores superiores do ordenamento, como, por exemplo, a dignidade da
pessoa humana, já que referido valor jurídico, entre outros, encontra-se no ápice da
própria estrutura legal.335
Na mesma obra, Paulo Nalin cita Maria Celina B. M. Tepedino, a qual afirma
categoricamente que os objetivos de construção de uma sociedade, justa e solidária, bem
como o da erradicação da pobreza, dentro da Constituição Federal, assentaram os
valores essenciais no topo do sistema jurídico nacional, devendo todos os ramos do
Direito se enquadrar ao princípio da dignidade, por se encontrar a pessoa humana no
ápice do ordenamento. O autor arremata entendendo que a justiça só pode ser
considerada social quando o sistema é informado com valores, estando a dignidade da
pessoa humana no topo dos mesmos.
Isso se justifica porque os direitos humanos se desdobram na sua
conceituação e magnitude, como se verifica com os direitos individuais, sociais,
coletivos e difusos; e, primordialmente, se universalizam, porque “sua natureza e
projeção transcendem fronteiras geográficas e sistemas de governo, ideologias e teorias
econômicas. Situam-se acima de tudo.” 336
E, os direitos fundamentais têm por finalidade a proteção da dignidade da pessoa
humana, como bem elucida a lição de Luiz Aberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes
Júnior,
Os direitos fundamentais podem ser conceituados como a categoria jurídica
instituída com a finalidade de proteger a dignidade humana em todas as
dimensões. [...] Isso significa que todos os direitos que recebem o adjetivo
de fundamental possuem características comuns entre si, tornando-se assim,
uma classe de direitos. 337
O princípio da dignidade da pessoa humana, não se apresenta somente como
fundamento da República Federativa do Brasil, mas, também, como algo absoluto e,
portanto, intransponível.
335
NALIN, Paulo. Do contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva
Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.35.
336
GARCIA, Maria. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana – a ética da responsabilidade.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 140.
337
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito constitucional. 4.
ed., rev., atual., São Paulo: Saraiva, 2001, p. 79-80.
194
A dignidade da pessoa humana – ponto comum também a todos os outros
direitos fundamentais – constitui-se em um limite intransponível, linde que o
legislador não pode ultrapassar. [...] O ôntico, o que se realiza a partir não só
do conhecimento, mas também da garantia de um conjunto de bens ou
valores imprescindíveis, essenciais mesmo, ao indivíduo e à comunidade da
qual faz parte, denominados direitos sociais. 338
Isso tudo se dá, em virtude da dignidade da pessoa humana ser um
metaprincípio, como dito alhures, tendo sido escolhido como vértice do ordenamento
jurídico vigente, servindo, portanto, de balizamento para as decisões judiciais, as quais
devem, no momento da interpretação, servir de parâmetro para as decisões.
[...] é um verdadeiro supraprincípio constitucional que ilumina todos os
demais princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais. E por isso
não pode o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana se desconsiderado em
nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas. 339
(grifo do autor).
Portanto, a Constituição da República Federativa do Brasil adota a dignidade da
pessoa humana como um metaprincípio, sendo que, desse modo todos os demais
princípios se submetem a ela, assim como todo o ordenamento jurídico brasileiro deve
levar em conta essa opção. Com isso, o Estado brasileiro se sustenta em um vetor, o
qual serve de baluarte para a consolidação do Estado Democrático e Social de Direito,
já que ao se efetivar a dignidade da pessoa humana se estará resguardando e efetivando
todos os demais princípios que dela decorrem.
Assim, é papel do Estado, como um todo, orientar-se de modo a preservar a
dignidade do indivíduo, assim como, a dar condições para que a dignidade possa ser
efetivada. A dignidade encontra-se emoldurada pelo senso de justiça, devendo, portanto,
ser sempre adotada pelo operador do direito.
José Afonso da Silva pondera que a dignidade da pessoa humana encontra-se
arraigada no seio da sociedade, sendo que, portanto, não se trata de uma criação
constitucional. A Constituição busca os valores da sociedade e os eleva ao patamar
constitucional, tornando-os – aqui neste caso o princípio da dignidade da pessoa
338
BIANCHINI, Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 113.
339
NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São
Paulo: Saraiva, 2002 ,p. 50-51.
195
humana – valores que servirão de vetor para a mesma sociedade e para o Estado, como
um todo, ou seja, valores absolutos que não permitem a flexibilização dos mesmos.
[...] a dignidade da pessoa humana, não é uma criação constitucional, pois
ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência
especulativa, tal como a própria pessoa humana. A Constituição,
reconhecendo a sua existência e a sua eminência, transformou-a num valor
supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil constituída num Estado Democrático de
Direito.
[...] Em conclusão, a dignidade pessoa humana constitui um valor que atrai a
realidade dos direitos fundamentais do homem, em todas as suas dimensões,
e, como, a democracia é o único regime político capaz de propiciar a
efetividade desses direitos, o que signica dignificar o homem, é ela que se
revela como o seu valor supremo, o valor que a dimensiona e a humaniza. 340
(grifo do autor).
A constitucionalização da dignidade da pessoa humana e a elevação deste
princípio a fundamento da própria República, impedem a degradação do homem, na
hipótese de sua conversão em mero objeto do Estado, sendo que referido princípio
trouxe conseqüências importantes: o reconhecimento da igualdade entre os homens; a
consagração da autonomia dos indivíduos; a observância e proteção de seus direitos
inalienáveis e a necessidade de ação para garantia de condições mínimas de vida, a fim
de que essa vida possa ser vivida de forma plena, “evitando-se abusos e lesões aos
direitos, que, caso venham a ocorrer, deverão ser sanados através da intervenção do
Estado.”341
4.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO LIMITADOR DA
ORDEM ECONÔMICA
Por todo o exposto no decorrer do presente trabalho, percebe-se que o princípio
da dignidade da pessoa humana é um metaprincípio, um meio que serve como vetor,
340
SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da Democracia, in,
Revista de Direito Administrativo, São Paulo: Revista dos Tribunais, n.212, abr/jun. 1998, p. 91.
341
COELHO, Lilian Dias. O processo como instrumento de efetividade do princípio da dignidade
humana: acesso à justiça e duração razoável do processo. in DELGADO, Ana Paula; CUNHA, Maria
Lourdes da. Estudos de Direitos humanos: Ensaios interdiciplinares. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006,
p. 65.
196
como parâmetro a ser seguido por todos os preceitos, constitucionais e
infraconstitucionais. Assim, a dignidade da pessoa humana limita todas as normas, já
que nenhuma delas pode ser contrária à dignidade da pessoa humana, já que esta é um
valor que dá sustentáculo à própria República Federativa do Brasil, bem como ao
Estado Democrático de Direito. Desta forma, com maior razão, o princípio da dignidade
da pessoa humana é limitador da Ordem Econômica, já que impede que a Economia e, o
próprio mercado, funcionem, quando, de forma direta ou indireta, violem esse princípio.
Desse modo, é correto afirmar que a Constituição Federal abriga a Ordem Econômica,
desde que esta não agrida a dignidade da pessoa humana, pois se afrontar a prevalência
será sempre da última, por ser um princípio que norteia todo o sistema jurídico
brasileiro.
Nas palavras de Paulo Nalin:
Há de se perseguir um mais amplo favorecimento da pessoa humana nas
relações jurídicas e, especificamente, nas contratuais; conforme reafirmado
nesta tese, a vontade contratual deixou de ser o núcleo do contrato, cedendo
espaço a outros valores jurídicos, institutos fundados na Carta. O paradigma
da autonomia da vontade, em detrimento da tutela da pessoa na sua
dimensão contratante, talvez até possa encontrar legitimidade no espaço do
Código Civil, pois do homem em si não se ocupa, mas sempre estará em
descompasso com a Constituição.342
Como se denota de todo o assentado, o princípio da dignidade da pessoa humana
é um metaprincípio, a regular todo o ordenamento constitucional, sendo que, portanto,
todas as normas ali disciplinadas, bem como, todas as normas infraconstitucionais,
devem ter como vetor, o princípio da dignidade da pessoa humana.
Aliás, como bem expõe Rizzatto Nunes:
Está mais do que na hora de o operador do Direito passar a gerir sua atuação
social pautado no princípio fundamental estampado no Texto Constitucional.
Aliás, é um verdadeiro supraprincípio constitucional que ilumina todos os
demais princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais. E por isso
não pode o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ser desconsiderado
em nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas.
[...]
342
NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito pós-moderno – Em busca de sua formulação na perspectiva
Civil-Constitucional. Pensamento Jurídico – Vol. II, Curitiba: Juruá, 2001, p.91.
197
Assim, caminhando para a conclusão, é necessário repetir: a dignidade
humana é um valor preenchido a priori, isto é, todo ser humano tem
dignidade só pelo fato de ser pessoa.343 (grifo do autor).
Desse modo, o princípio da dignidade da pessoa humana está a funcionar como
limitador da Ordem Econômica, posto que como bem dispõe o Art. 170 (que foi objeto
de estudo no capítulo anterior), esta é livre, desde que resguarde os preceitos
encontrados no referido dispositivo, dentre os quais se destaca o princípio da dignidade
da pessoa humana que, se for cumprido, por si só, consegue alcançar a efetividade dos
demais.
As anotações de Flávia Piovesan merecem ser apresentadas, já que trazem que a
dignidade da pessoa humana é um imperativo da justiça social, sendo que ressalta que o
legislador constituinte de 1988 elegeu o referido princípio como um valor essencial e
imprescindível.
Infere-se desses dispositivos quão acentuada é a preocupação da
Constituição em assegurar os valores da dignidade e do bem-estar da pessoa
humana, como um imperativo da justiça social. [...] pode-se afirmar que a
Carta de 1988 elege o valor da dignidade humana como um valor essencial
que lhe dá unidade de sentido. Isto é, o valor da dignidade humana informa a
ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe uma feição particular.344
A Constituição de 1988 garante a efetividade da dignidade da pessoa humana,
mas, além disso:
[...] se é o respeito pela dignidade humana a condição para a concepção
jurídica dos direitos humanos, se se trata de garantir esse respeito de modo
que se ultrapasse o campo do que é efetivamente protegido, cumpre admitir,
como corolário, a existência de um sistema de Direito como um poder de
coação.345
De outro modo, figura a dignidade da pessoa humana no centro de todo o
ordenamento jurídico brasileiro, devendo as normas se embasar no referido princípio,
não se admitindo interpretação que vá de encontro a este valor constitucional e, antes de
tudo, valor social, posto que emanado do seio da própria sociedade.
343
NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São
Paulo: Saraiva, 2002, p. 50/52.
344
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max
Limonad, 1996, p. 59.
345
PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 400.
198
Depreende-se, assim, que o princípio da dignidade da pessoa humana é um
princípio norteador no direito constitucional brasileiro, sendo que a Constituição
Federal garante que todos são iguais perante a lei, independentemente de credo, raça,
sexo, idade etc., sendo que, ainda, todos têm direito ao trabalho, educação, saúde, lazer,
segurança, moradia e, principalmente, a possibilidade e, a garantia de uma vida digna,
primando, assim, pela dignidade da pessoa humana.
Importante que se diga, todavia, que não basta a previsão legal, da
dignidade da pessoa humana, é imprescindível a efetividade da norma constitucional,
sendo que faz-se necessário anotar que a Constituição “não deve ser aquela norma
utilizada apenas em momentos patológicos, quando há flagrante inconstitucionalidade,
não; ela tem que se incorporar ao dia-a-dia e ser utilizada habitualmente.”346. É
necessário que se dê efetividade e, para tanto, as normas brasileiras, em especial a
Constituição Federal, vêm se adaptando à nova realidade, a da celeridade processual,
posto não haver nada mais indigno do que impedir o indivíduo de receber uma tutela
justa e efetiva, de forma célere.
Embasado no entendimento acima trazido, a dignidade da pessoa humana passa
a ser simultaneamente o limite e a obrigação dos Estados. Sendo que, como limite à
dignidade é algo que pertence a cada um e que não pode ser transferido, eis que deixaria
de existir, e logo não haveria mais limite a ser respeitado. E como obrigação traz-se a
idéia exatamente de que ao Estado somente é permitido ir até onde não se desrespeite a
dignidade da pessoa humana. Em face disso, o Estado se obriga a direcionar as suas
ações, seja para preservar a dignidade da pessoa humana, seja para criar meios que
possibilitem o exercício da mesma.
Complementando o tema, Rizzato Nunes traz importante lição:
[...] acontece que nenhum indivíduo é isolado. Ele nasce, cresce e vive no
meio social. E aí, nesse contexto, sua dignidade ganha – ou como veremos,
tem o direito de ganhar – um acréscimo de dignidade. Ele nasce com
integridade física e psíquica, mas chega um momento de seu
desenvolvimento que seu pensamento tem de ser respeitado, suas ações e seu
comportamento – isto é, sua liberdade -, sua imagem, sua intimidade, sua
346
VIANNA, Luís Gustavo. Direito fundamental à educação: instrumento de concretização da
dignidade da pessoa humana. in SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Dimensões da dignidade: Ensaios de
filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 125.
199
consciência – religiosa, científica, espiritual – etc., tudo compõe sua
dignidade347.
Depreende-se, portanto, que somente haverá a observância da dignidade da
pessoa humana, se forem asseguradas condições mínimas para uma existência digna, de
forma que a intimidade e a identidade do indivíduo não sejam objeto de ingerências
indevidas, bem como haja a garantia da igualdade, indistintamente para todos. Isso
porque a igualdade e a dignidade devem andar lado a lado, embasando os direitos
humanos.
Conclui-se, pois, que a dignidade da pessoa humana é limitador não só da
Ordem Econômica, mas, também, de toda a ordem jurídica, por ser este princípio o
orientador de todo o sistema jurídico brasileiro, sendo que, para a sua concretização,
necessário se faz a efetividade do princípio, que se dará, em especial, na possibilidade
de se conseguir uma prestação jurisdicional célere e justa.
Como dito por Ingo Wolfgang Sarlet:
[...] assume particular relevância a constatação de que a dignidade da pessoa
humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e, no nosso
sentir, da comunidade em geral, de todos e de cada um, condição dúplice
esta que também aponta para uma paralela e conexa dimensão defensiva e
prestacional da dignidade. Como limite, a dignidade implica não apenas que
a pessoa não pode ser reduzida à condição de mero objeto da ação própria e
de terceiros, mas também o fato de a dignidade gera direitos fundamentais
(negativos) contra atos que a violem ou a exponham a graves ameaças.
Como tarefa, da previsão constitucional (explícita ou implícita) da dignidade
da pessoa humana, dela decorrem deveres concretos de tutela por parte dos
órgãos estatais, no sentido de proteger a dignidade de todos, assegurando-lhe
também por meio de medidas positivas (prestações) o devido respeito e
promoção. 348
Portanto, como limite, deve a dignidade da pessoa humana ser sempre respeitada
e, aplicada, por todos, do Estado à própria sociedade, funcionando como balizador e
elemento concretizador do Estado Democrático de Direito. E, com maior razão é limite
da Ordem Econômica, visando-se adequar o mercado de forma que funcione sempre
347
NUNES, Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva,
2002, p.49.
348
SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma
compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. in SARLET, Ingo Wolfgang (Org.).
Dimensões da dignidade: Ensaios de filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2005, p. 30 e 32.
200
levando-se em consideração a dignidade da pessoa humana, devendo balizar suas ações
com o intuito de fazer prevalecer esse princípio constitucional, para que o ser humano
não seja deixado de lado; para que não seja considerado como mero objeto, no afã
desenfreado da obtenção de lucros, sabidamente existente no sistema capitalista.
E o Estado Democrático e Social de Direito, modelo atual existente no Brasil
(ainda que de forma rudimentar, já que não plenamente aplicado e consolidado), não
pode permitir que as garantias constitucionais, em especial, as que tratam dos
fundamentais, sejam desrespeitadas pelo mercado econômico. Assim, garante-se, pela
mesma Constituição, a Ordem Econômica, dando-lhe embasamento para se sustentar,
mas, de outro lado, a limita, para que esta seja funcionalizada, para que prevaleçam os
direitos do homem, em especial, aquele que é o esteio de todo o ordenamento jurídico: a
dignidade da pessoa humana.
201
CONCLUSÃO
Por todo o analisado e exposto, no presente trabalho, conclui-se, primeiramente,
que, no mundo atual, predomina-se, como modelo, o Estado Democrático de Direito, o
qual, prima pelo social, sem deixar de lado o Capitalismo, representado pelo mercado
econômico e, no Estado brasileiro, o panorama não é diferente.
Tem-se, portanto, não um Estado totalmente liberal (tudo permitindo em nome
da livre iniciativa) e, tampouco, um Estado totalmente socialista, que suprime a
iniciativa particular. É, de outro modo, o Estado que visa o bem-estar social,
objetivando, portanto, a plenitude da dignidade da pessoa humana.
O modelo atual, no Brasil, é intervencionista, mas a intervenção se dá de modo
pontual, apenas realizando-se para a concretização dos objetivos traçados pela
Constituição Federal, não sendo de forma indiscriminada, como no modelo socialista.
Há duas modalidades de intervenção na atividade econômica; a direta e a indireta. A
primeira encontra-se prevista no Art. 173 da Constituição, onde prevê que o Estado
agirá de forma direta, dentro do campo econômico, por intermédio de empresa pública,
sociedade de economia mista ou subsidiária.
Na segunda forma de intervenção, o Estado irá atuar como agente normativo e
regulador da atividade econômica, como se verifica do disposto no Art. 174 da
Constituição. Aqui, o Estado atua de forma a exigir que o mercado cumpra com o que
está disposto nas normas constitucionais e infraconstitucionais, acerca da matéria. Nesta
hipótese, o Estado não visa lucro, mas, sim, o efetivo cumprimento das normas,
objetivando o bem comum; a justiça social e a dignidade da pessoa humana, de forma
primordial. Nesta modalidade, o Estado, pode exercer a função de fiscalizador, agente
regulador e, também, fomentador. Tudo isso (a intervenção estatal na Economia) se dá, em
virtude, primeiramente, da constitucionalização da Ordem Econômica que passa a ter
“status” constitucional.
202
É claro que, a presença do direito econômico em uma Constituição brasileira não é
privilégio, somente da atual Constituição Federal, promulgada em 1988, já que desde a
Constituição da República de 1934 o mesmo se faz presente, de forma
constitucionalizada e explícita, já que desde a época do Brasil-Colônia já existia a
preocupação de se tratar de algumas questões econômicas, ou até mesmo de alguma
espécie (ainda que de forma tímida) de intervenção estatal, na área econômica, inserida
dentro da Lei Máxima do país. Verifica-se pela simples leitura dos Textos
Constitucionais, que o Capitalismo se transforma na medida em que assume novo
caráter, mais social, já que a intervenção do Estado vem assumindo novos papéis,
aumentando os já existentes, na medida em que se averigua a evolução constitucional
brasileira.
Apesar da existência do movimento constitucionalista, este ganhou forças no pós
guerra (após a primeira Grande Guerra), já que foi nesse período que o
constitucionalismo assume nova feição, desvinculando-se do liberalismo, onde o Estado
passa a intervir na atividade econômica. As Constituições passaram, então, a marcar o
advento do constitucionalismo social, sendo que tem-se, assim, a consagração dos
direitos
sociais,
de
forma
expressa,
nos
Textos
Constitucionais,
tendo
o
constitucionalismo se enquadrado em novos moldes, os quais foram mantidos, como se
verifica na Constituição da República Federativa do Brasil.
A Constituição da República de 1988 traz o direito econômico, em título
próprio, procurando primar, sempre, pelo social, estabelecendo, portanto, regras e
limites à Ordem Econômica, com fins de resguardar o ser humano, e, em especial a sua
dignidade, dando-lhe, para tanto, oportunidade de uma vida digna, trabalho, justiça
social, defesa do consumidor, do meio ambiente (protegendo as gerações presentes e
futuras), redução das desigualdades regionais e sociais e, limitando o direito à
propriedade, exigindo que a mesma cumpra sua função social, como preceituam os
artigos referentes à ordem econômica, em especial, o Art. 170.
A Constituição traz a previsão de intervenção estatal, a qual se justifica em face
da necessidade da garantia dos princípios e valores esculpidos no Texto Constitucional,
203
sendo que a existência digna e a justiça social são os objetivos primordiais dessa ordem,
justificando, assim, a intervenção do Estado no domínio econômico.
Conclui-se que a intervenção na Economia, para garantia do social, é reflexo do
aprimoramento do próprio Estado, como dito acima, já que, anteriormente era Liberal,
passando-se, para Estado do Bem-Estar-Social, com interesse, assim, na intervenção na
atividade econômica, visando garantir a manutenção dos direitos e garantias previstos
no Texto Constitucional. Tem-se um Estado que, ao mesmo tempo garante a livre
iniciativa e a livre concorrência (elevando-as a categoria constitucional), possibilitando,
assim que ocorra o desenvolvimento e enriquecimento do setor privado, com
conseqüente fortalecimento do capitalismo, mas, que, limita essa mesma livre iniciativa
e livre concorrência, com fins de garantir o social, em face de que o mercado deverá se
balizar pelos princípios disciplinados pela Constituição da República, destacando-se
aquele que é um metaprincípio, posto que norteador de todo o ordenamento jurídico
brasileiro; a dignidade da pessoa humana.
O reflexo desse Estado, que deixa de ser mínimo, ou seja, que pouco intervém na
economia, passando a regulador, intervindo quando necessário, resulta em uma
Constituição que permite a obtenção de lucro, desde que não haja violação dos
princípios garantidos pela referida Lei Maior, já que o Estado intervêm, somente quando
for necessário, no sentido de que permite a livre concorrência e a livre iniciativa, desde
que não infrinja os preceitos regidos pela Constituição, especialmente, o princípio da
dignidade da pessoa humana.
O Art. 170 da Constituição da República ainda estabelece os princípios gerais da
Ordem Econômica, trazendo garantias para a mesma, como a liberdade de iniciativa do
setor privado, mas disciplinando, também, limites a serem seguidos, tendo em vista
alguns valores, tidos como absolutos, na própria Constituição, como o são, por exemplo,
a dignidade da pessoa humana e o primado do trabalho, na garantia de uma subsistência
do cidadão (garantindo-lhe emprego), de forma digna (garantia de um mínimo para a
sua sobrevivência digna – como se encontra em vários artigos da Constituição Federal –
como a garantia de saúde, habitação, lazer, educação etc.).
204
O interesse coletivo, pelos valores constitucionais, está acima do interesse
privado, passando a prevalecer (quando há conflito entre as normas), como disciplinado
pela Constituição da República de 1988, os princípios que norteiam a pessoa humana,
sendo estes, o primado do trabalho, a dignidade da pessoa humana, a preservação e
conservação do ambiente, o direito do consumidor, dentre outros. Assim, a
Constituição, apesar de resguardar, também os interesses privados, como, por exemplo,
o interesse das empresas de iniciativa privada, não permite que estes prejudiquem os
demais princípios constitucionais, servindo os mesmos de barreira aos primeiros, na
medida em que a iniciativa privada tem o direito à livre iniciativa e à livre concorrência,
não podendo, todavia, colidir, por exemplo, com o direito ambiental, direito do
consumidor etc., devendo, ainda, utilizar a propriedade privada de forma a cumprir o
seu papel social.
É papel do Estado, como um todo, orientar-se de modo a preservar a dignidade
do indivíduo, assim como, a dar condições para que a dignidade possa ser efetivada. A
dignidade encontra-se emoldurada pelo senso de justiça, devendo, portanto, ser sempre
adotada pelo operador do direito. A Constituição busca os valores da sociedade e os
eleva a nível constitucional, tornando-os – aqui neste caso o princípio da dignidade da
pessoa humana – valores que servirão de vetor para a mesma sociedade e para o Estado,
como um todo, ou seja, valores absolutos que não permitem a flexibilização dos
mesmos.
A constitucionalização da dignidade da pessoa humana e a elevação deste
princípio a fundamento da própria República, impede a degradação do homem, na
hipótese de sua conversão em mero objeto do Estado, sendo que referido princípio
trouxe conseqüências importantes: o reconhecimento da igualdade entre os homens; a
consagração da autonomia dos indivíduos; a observância e proteção de seus direitos
inalienáveis e a necessidade de ação para garantia de condições mínimas de vida, a fim
de que essa vida possa ser vivida de forma plena.
Por todo o exposto no decorrer do presente trabalho, percebe-se que o princípio
da dignidade da pessoa humana é um metaprincípio, um valor que serve como vetor,
como parâmetro a ser seguido por todos os preceitos, constitucionais e
infraconstitucionais. Assim, a dignidade da pessoa humana limita todas as normas, já
205
que nenhuma delas pode ser contrária à dignidade, já que esta é um valor que dá
sustentáculo à própria República Federativa do Brasil, bem como ao Estado
Democrático de Direito. Dessa forma, com maior razão, o princípio da dignidade da
pessoa humana é limitador da Ordem Econômica, já que impede que a economia e, o
próprio mercado, funcionem, quando (de forma direta ou indireta) violem esse
princípio. Desse modo, é correto afirmar que a Constituição Federal abriga a Ordem
Econômica, desde que esta não afronte a dignidade da pessoa humana, pois se o fizer a
prevalência será sempre da última, por ser um princípio que norteia todo o sistema
jurídico brasileiro.
Como se denota de todo o assentado, o princípio da dignidade da pessoa humana
é um metaprincípio, a regular todo o ordenamento constitucional, sendo, portanto, todas
as normas ali disciplinadas, bem como, todas as normas infraconstitucinais devem ter
como vetor, o princípio da dignidade da pessoa humana.
Desse modo, o princípio da dignidade da pessoa humana está a funcionar como
limitador da Ordem Econômica, posto que como bem dispõe o Art. 170, esta é livre,
desde que resguarde os preceitos encontrados no referido dispositivo, dentre os quais se
destaca o princípio da dignidade da pessoa humana que, se for cumprido, por si só,
consegue alcançar a efetividade dos demais.
A dignidade da pessoa humana é um valor essencial, eleito pela Constituição
Federal de 1988, informando toda a ordem jurídica, servindo de critério e parâmetro,
que deve orientar não só a interpretação, como todo o sistema constitucional, para que
se mantenha a unidade de todo o sistema. É um valor supremo, concebido como
referência constitucional, que unifica todos os direitos fundamentais, decorrendo desse
fato, a finalidade da Ordem Econômica de assegurar a todos uma existência digna.
Dessa forma, a dignidade da pessoa humana passa a ser simultaneamente o
limite e obrigação dos Estados. Sendo que, como limite à dignidade é algo que pertence
a cada um e que não pode ser transferido. E como obrigação traz-se a idéia exatamente
de que ao Estado somente é permitido ir até onde não se desrespeite a dignidade da
pessoa humana. Em face disso, o Estado se obriga a direcionar as suas ações, seja para
206
preservar a dignidade da pessoa humana, seja para criar meios que possibilitem o
exercício da mesma.
207
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