Agravo de Instrumento n. 2009.072716-5, de Chapecó
Relator: Des. João Henrique Blasi
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ACIDENTÁRIA.
NOMEAÇÃO DE FISIOTERAPEUTA COMO PERITO JUDICIAL.
NULIDADE INOCORRENTE. PERÍCIA JÁ REALIZADA DE
FORMA MINUDENTE, COM O EMPREGO DE METODOLOGIA
TÉCNICO-CIENTÍFICA. EXPERT QUE ATUOU EM MAIS DE
UMA CENTENA DE CASOS NO JUÍZO A QUO. PROFISSIONAL
DETENTOR DE ESPECIALIZAÇÃO ACADÊMICA NA ÁREA.
DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
"O fato de a perícia ter sido realizada por fisioterapeuta e não
médico não traz nulidade, uma vez que é profissional de nível
universitário, de confiança do juízo e que apresentou laudo
pericial minucioso e completo quanto às condições físicas da
autora, inclusive com explicitação da metodologia utilizada e
avaliação detalhada". [...] (Recurso Extraordinário n. 313.348/RS,
rel. Min. Sepúlveda Pertence), fato ocorrente in casu, a
determinar o desprovimento da insurgência recursal, mais ainda
por tratar-se de profissional com especialização acadêmica na
área e que já atuou, como perito, em 134 (cento e trinta e quatro)
processos no juízo originário.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n.
2009.072716-5, da comarca de Chapecó (Vara da Fazenda Pública), em que é
agravante Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, e agravado Angelina Zolet
Debastiani:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Público, por votação
unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais.
RELATÓRIO
Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, representado pelo
Procurador Guillermo Dicesar Martins de Araújo Gonçalves, interpôs agravo de
instrumento em face de decisão prolatada pelo Juiz Selso de Oliveira, que, em sede
de ação acidentária aforada por Angelina Zolet Debastiani, representada pelo
Advogado Claudemir Antonio Parisotto, deferiu prova oral e pericial, e, para esta,
nomeou profissional fisioterapeuta (fls. 76 e 77).
Aduz o agravante que a decisão agravada acarretar-lhe-á lesão grave e
de difícil reparação, visto não estar o profissional de fisioterapia autorizado a realizar
perícia para fim de concessão de benefício acidentário, por tratar-se de encargo
exclusivo de médico. Alega que, assim, o laudo pericial produzido por fisioterapeuta
está sujeito à anulação, o que lhe trará prejuízo diante da impossibilidade de reaver
os honorários pagos antecipadamente. Assim, requer a suspensão dos efeitos da
decisão agravada bem como a sua reforma integral (fls. 2 a 10).
O magistrado a quo manteve a decisão agravada e aduziu argumento de
reforço, procedendo, outrossim, à juntada do laudo produzido pelo perito
fisioterapeuta (fls. 81 a 96).
À fl. 97 (erroneamente numerada como fl. 111) foi juntada petição
estranha aos autos, porque dizente com outro feito (agravo de instrumento n.
2009.072634-5).
Sobreveio alentada manifestação do Conselho Regional de Fisioterapia
e Terapia Ocupacional da 10ª Região – Crefito/10, defendendo a prerrogativa do
fisioterapeuta para o exercício do munus pericial que lhe foi cometido na ação
originária (fls. 98 a 120).
O Desembargador Carlos Alberto Civinski admitiu o recurso somente
quanto ao pedido de anulação da perícia e nomeação de médico do trabalho ou
ortopedista para refazê-la, mas indeferiu o efeito suspensivo almejado (fls. 115 a 121).
Não foram deduzidas contrarrazões (fl. 127).
Lavrou parecer a Procuradora de Justiça Vera Lúcia Ferreira Copetti,
opinando pelo provimento do recurso, de sorte a anular-se a perícia já realizada pelo
fisioterapeuta nomeado (fls. 130 a 136).
Vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO
De pronto, impende consignar, no plano fático, que a perícia
determinada pela decisão agravada já foi realizada pelo fisioterapeuta nomeado, em
data de 30.11.2009, razão pela qual o primeiro pedido, dizente com a sobrestamento
de sua realização, sobeja prejudicado.
Resta, assim, examinar o pedido subsidiário de anulação da prova
pericial enfocada por incompetência (legal, diga-se) do profissional nomeado.
Um dos argumentos axiais do agravante, é o de que o art. 43, § 1º, do
Regulamento da Previdência Social, dado a lume pelo Decreto n. 3.048/99,
estabelece que "a concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da
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verificação da condição de incapacidade, mediante exame médico-pericial a cargo
da previdência social [...]" e que o art. 73, caput, do mesmo Diploma, versante sobre a
concessão administrativa de auxílio-doença, reporta-se também à necessidade de
"perícia médica" (negritei).
No mesmo diapasão, estatui o art. 42, § 1º, da Lei n. 8.213/91:
Art. 42. [...]
§1º A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da
condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da
Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar
de médico de sua confiança. (negritei)
Assenta-se, portanto, em tais disposições – e em precedentes
jurisprudenciais, inclusive desta Corte – a pretensão da autarquia agravante de
desconstituir a prova pericial levada a efeito, porque a cargo de fisioterapeuta, e não
de médico.
Diga-se, no entanto, que os preceptivos mencionados concernem à
concessão dos benefícios previdenciários reportados na via administrativa, não na
seara judicial.
E, quanto à prova pericial no âmbito do Poder Judiciário, deve-se atentar
à fundamentação posta na decisão unipessoal denegatória do efeito suspensivo
almejado, nos seguintes termos:
Preveem os artigos 145 e 424 do CPC que:
Art. 145. Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou
científico, o juiz será assistido por perito, segundo o disposto no art. 421.
§ 1º Os peritos serão escolhidos entre profissionais de nível universitário,
devidamente inscritos no órgão de classe competente, respeitado o disposto no
Capítulo VI, Seção VII, deste Código.
§ 2º Os peritos comprovarão sua especialidade na matéria sobre que deverão
opinar, mediante certidão do órgão profissional em que estiverem inscritos.
[...]
Art. 424.O perito pode ser substituído quando:
I – carecer de conhecimento técnico ou científico;
[...]
No caso, pelo laudo pericial, vê-se que o perito do juízo realizou exames
cinético-funcionais, medindo a movimentação articular da agravada, através de
exame de goniometria, assim como a sua força muscular, que, pela abrangência
do laudo e pelo conteúdo das respostas, mostra muita competência para o
encargo que lhe foi atribuído.
Verifica-se que os exames são de maior sensibilidade, considerando a
mecânica dos movimentos e sua influência no sistema muscular dos periciados,
sensibilidade essa que certamente não é verificada na maioria dos profissionais
da medicina ortopédica e do trabalho. É certo que, por sua formação e pelo
desenvolvimento da sua atividade profissional, o fisioterapeuta está mais
habilitado para aferir lesões de natureza articular e muscular, podendo concluir
com mais desenvoltura e certeza acerca da recuperação ou não do periciado,
bem como pela sua capacidade ou incapacidade laboral.
Além disso, o fisioterapeuta em questão comprovou sua especialidade na
matéria - é pós-graduado em traumatologia e ortopedia clínica -, e possui registro
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no respectivo órgão profissional - Crefito 10/49050-F -, de forma que cumpre as
exigências do art. 145, § 2º, do CPC. Ora, não se mostra razoável tornar o
fisioterapeuta inabilitado para realizar perícia judicial, somente porque a lei
previdenciária se refere a "perícia médica". Tal interpretação ignoraria a evolução
das áreas que tem íntima relação com a medicina e a alta capacidade técnica
específica do fisioterapeuta, quando se trata de aferir lesões de natureza articular
e muscular.
Portanto, se a prova é destinada ao juiz, nos termos dos artigos 130 e 131 do
CPC, e ele entendeu que o fisioterapeuta é o profissional mais qualificado para
realizá-la, nada obsta que o faça.
De observar que as partes possam indicar assistente técnico na área da
medicina ortopédica ou do trabalho para perícias tais, nada impedindo que estes,
em suas respostas, mostrem ao magistrado que a solução deve ser outra, nada
impede que este, convencendo-se, decida contra o laudo, desde que de forma
fundamentada (fls. 118 a 120)
Importa fazer menção, também, à manifestação do Crefito/10 –
Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 10ª Região (fls. 98 a
120), que explicita todo o lineamento legal e regulamentar em torno do fisioterapeuta
[Lei n. 6.316/75, Decreto-Lei n. 938/69, Resolução Coffito (Conselho Federal de
Fisioterapia e Terapia Ocupacional) n. 80/87, Resolução Coffito n. 259/03 e
Resolução CNE/CES (Conselho Nacional de Educação – Câmara de Educação
Superior) n. 4/02], de onde promana, com clareza palmar, a competência legal e a
capacidade técnica do profissional em tema para o mister em apreço. Confira-se:
- Resolução Coffito n. 80/87:
Art. 1º É competência do fisioterapeuta, elaborar o diagnóstico fisioterapêutico
compreendido como avaliação físico-funcional, sendo esta, um processo pelo
qual, através de metodologias e técnicas fisioterapêuticas, são analisados e
estudados os desvios físico-funcionais intercorrentes, na sua estrutura e no seu
funcionamento, com a finalidade de detectar e parametrar as alterações
apresentadas, considerados os desvios dos graus de normalidade para os de
anormalidade; [...]
- Resolução Coffito n. 259/03:
Art. 1º São atribuições do fisioterapeuta que presta assistência à saúde do
trabalhador, independentemente do local em que atue:
[...]
VII – elaborar relatório de análise ergonômica, estabelecer nexo causal para os
distúrbios cinesiológicos funcionais e construir parecer técnico especializado em
ergonomia.
Art. 2º O fisioterapeuta no âmbito de sua atividade profissional está qualificado
e habilitado para prestar serviços de audioria, consultoria e assessoria
especializada.
[...]
Art. 4º O fisioterapeuta deverá ser um ente profissional ativo nos processos de
planejamento e implantação de programas destinados à educação do trabalhados
nos temas referentes a acidente do trabalho, doença funcional/ocupacional e
educação para a saúde.
- Resolução CNE/CES n. 4/02:
Gabinete Des. João Henrique Blasi
Art. 3º O curso de graduação em fisioterapia tem como perfil do formando
egresso/profissional o fisioterapeuta, com formação generalista, humanista, crítica
e reflexiva, capacitado a atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base
no rigor científico e intelectual. [...] Capaz de ter como objeto de estudo o
movimento humano em todas as suas formas de expressão e potencialidades,
quer nas alterações patológicas, cinético-funcionais, quer nas suas repercussões
psíquicas e orgânicas, objetivando a preservar, desenvolver, restaurar a
integridade de órgãos, sistemas e funções, desde a elaboração do diagnóstico
físico e funcional, eleição e execução dos procedimentos fisioterapêuticos
pertinentes a cada situação.
[...]
Art. 5º A formação do fisioterapeuta tem por objetivo dotar o profissional dos
conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competêncais e
habilidades específicas:
[...]
VI – realizar consultar, avaliações e reavaliações do paciente, colhendo dados,
solicitando, executando e interpretando exames propedêuticos e complementares
que permitam elaborar um diagnóstico cinético-funcional, para eleger e quantificar
as intervenções e condutas fisioterapêuticas apropriadas, objetivando tratar as
disfunções no campo da fisioterapia, em toda sua extensão e complexidade,
estabelecendo prognóstico, reavaliando condutas [...]
VII – elaborar criticamente o diagnóstico cinético-funcional e a intervenção
fisioterapêutica, considerando o amplo espectro de questões clínicas, científicas
[...] implicadas na atuação profissional do fisioterapeuta, sendo capaz de intervir
nas diversas áreas onde sua atuação profissional seja necessária;
[...]
IX – desempenhar atividades de planejamento, organização e gestão de
serviços de saúde públicos ou privados, além de assessorar, prestar consultorias
e auditorias no âmbito de sai competência profissional;
X – emitir laudos, pareceres, atestados e relatórios.
A escandir, ainda, que não se trata, no caso dos autos, apenas de um
fisioterapeuta, mas de um fisioterapeuta com especialização lato sensu nas áreas de
ortopedia e traumatologia, e com pós-graduação stricto sensu multidisciplinar em
ciências da saúde humana, que, note-se, já foi designado para o munus em questão,
pelo magistrado prolator da decisão increpada, em 134 (cento e trinta e quatro)
processos (fl. 81).
E, em se examinando o laudo pericial por ele apresentado, infere-se
cuidar-se de trabalho elaborado com minudência e inequívoca fundamentação
técnico-científica, que, face ao exame procedido, concluiu que a obreira autora, ora
agravada, vítima de acidente de trabalho típico (pois sua mão direita ficou presa em
equipamento agrícola, restando como sequela a flexão do 2º quirodáctilo em 30
graus), não ficou incapacitada (fls. 89 a 96)
Em abono ao entendimento favorável a que fisioterapeuta possa atuar
como perito em casos que tais, trago à baila decisão do Supremo Tribunal Federal
assim ementada:
PREVIDENCIÁRIO.
APOSENTADORIA
NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. [...]
POR
INVALIDEZ.
LAUDO.
Gabinete Des. João Henrique Blasi
I – A pela técnica apresentada pelo Sr. Perito, profissional de confiança do Juiz
e equidistante das partes, foi conclusiva no sentido da inexistência de
incapacidade do autor.
II – O fato de a perícia ter sido realizada por fisioterapeuta e não médico não
traz nulidade, uma vez que é profissional de nível universitário, de confiança do
juízo e que apresentou laudo pericial minucioso e completo quanto às condições
físicas da autora, inclusive com explicitação da metodologia utilizada e avaliação
detalhada.
[...] (Recurso Extraordinário n. 313.348/RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence).
É, pois, de negar-se provimento ao recurso.
Alfim, deve a Diretoria Judiciária atentar para o desentranhamento da
petição de fl. 97, erroneamente numerada como fl.111, procedendo, a partir daí, à
renumeração das folhas do feito.
DECISÃO
Ante o exposto, à unanimidade, nega-se provimento ao recurso.
Observe a Diretoria Judiciária o desentranhamento a ser procedido
(peça de fl. 97, erroneamente numerada como fl. 111).
O julgamento, realizado no dia 16 de novembro de 2010, foi presidido
pelo Exmo. Sr. Desembargador Newton Janke, com voto, e dele participou o Exmo.
Sr. Desembargador Ricardo Roesler.
Florianópolis, 16 de novembro de 2010
João Henrique Blasi
RELATOR
Gabinete Des. João Henrique Blasi
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