SEGUNDA CÂMARA CÍVEL
HABEAS CORPUS: 2008.144.00251
IMPETRANTE: FELIPE NUNES FERREIRA
PACIENTE: ALEXANDRE DA CUNHA
AUTORIDADE COATORA: JUÍZO DE DIREITO DO JUIZADO
ESPECIAL CRIMINAL E DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA
MULHER DA COMARCA DE RESENDE
Relatora: Des. ELISABETE FILIZZOLA
ACÓRDÃO
HABEAS
CORPUS.
ALEGAÇÃO
DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PACIENTE
ACUSADO DA PRÁTICA DE AGRESSÕES
CONTRA ESPOSA E SUSPEITA DE ABUSO
SEXUAL
CONTRA
FILHA
MENOR.
DECISÃO
DETERMINANDO
O
AFASTAMENTO DO PACIENTE DE SUA
FILHA E ESPOSA SOB PENA DE CRIME DE
DESOBEDIÊNCIA E PRISÃO. MEDIDA
PROTETIVA FULCRADA NA LEI FEDERAL
Nº
11.340/2006.
LEI
MARIA
DA
PENHA.COMPETÊNCIA.
A medida decretada de afastamento do Paciente
de sua filha menor e da esposa, sob pena de
crime de desobediência e prisão, tem
fundamento no artigo 22, III, da letra “a” da Lei
nº11.340/06, também chamada de Lei Maria da
Penha, tratando-se de norma protetiva de
urgência, decretada em favor da mulher e da
filha menor do casal, que vêm sendo molestadas
na sua integridade física e psicológica, tem
natureza penal, sendo competente para decidir a
Câmara Criminal e não a Cível.
CONFLITO NEGATIVO QUE SE SUSCITA.
2
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas
Corpus nº 2008.144.00251, em que figuram, como Impetrante, FELIPE
NUNES FERREIRA, Paciente, ALEXANDRE DA CUNHA e
Autoridade Coatora: JUÍZO DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL
CRIMINAL E DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHER DA
COMARCA DE RESENDE
ACORDAM os Desembargadores que integram a
Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, à unanimidade de votos, em suscitar o conflito negativo de
competência ao Egrégio Órgão Especial.
Trata-se de habeas corpus preventivo impetrado
por FELIPE NUNES FERREIRA, tendo como Paciente ALEXANDRE
DA CUNHA e Autoridade Coatora o JUÍZO DE DIREITO DO JUIZADO
ESPECIAL CRIMINAL E DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA
MULHER DA COMARCA DE RESENDE, pretendendo ver cassada a
decisão que determinou que o Paciente permanecesse afastado de sua
esposa e da filha, sob pena de crime de desobediência e de prisão.
O feito foi distribuído ao ilustre Des. Marco
Aurélio Bellizze da Egrégia Terceira Câmara Criminal que, à
unanimidade de votos, reconheceu a incompetência da Câmara Criminal
para decidir o Habeas corpus sob o fundamento de que a medida tem por
objeto questão de natureza familiar, sendo o feito redistribuído a esta
Segunda Câmara Cível.
Pronunciou-se a ilustre Procuradora de Justiça a
fls. 96 v, no sentido da incompetência da Câmara Cível para decidir o
presente habeas corpus e, no mérito, pela denegação da ordem.
É o relatório.
3
VOTO
O Paciente impetrou o presente habeas corpus,
alegando estar sofrendo indevido constrangimento e tolhido no seu direito
de ir e vir e impedido de ver a sua filha, por força da decisão proferida
pelo ilustre Juiz de Direito do Juizado Especial Criminal e da Violência
Doméstica contra Mulher da Comarca de Resende, fulcrada na alínea “a”,
inciso III do art. 22, da Lei n°11.340/06, que proibiu a aproximação do
Paciente de sua esposa e da filha, a uma distância não inferior 200
(duzentos) metros, sob pena de crime de desobediência e de prisão
preventiva.
A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, chamada
de “Lei Maria da Penha”, criou mecanismos para coibir e prevenir a
violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art.
226 da constituição Federal da Convenção sobre a Eliminação de todas as
formas de Violência contra Mulher, a Convenção Interamericana para
prevenir, Punir e erradicar a Violência contra a Mulher e de outros
tratados internacionais ratificado pela República Federativa do Brasil,
estabelecendo a criação de órgão jurisdicional específico para as questões
envolvendo a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral
contra a mulher, a exclusão de tais fatos do âmbito dos juizados especiais
criminais, além de apresentar política pública voltada para coibir esta
violação de direitos humanos.
É certo que da decisão judicial – deferindo,
indeferindo ou modificando medidas protetivas – dispõem a vítima e
agressor da possibilidade de recorrer.
A sistemática prevista na Lei Maria da Penha, que
atribui competência aos Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher, dotando-os de poderes que extravasam a órbita do
direito penal, como a possibilidade deferimento de medidas protetivas de
urgência de caráter cível e de família, fez surgir dúvidas e conflitos sobre
a competência para o processamento e julgamento das ações decorrentes
4
da prática de violência doméstica contra a mulher, assim como sobre a
competência recursal.
A ilustre Des. Maria Berenice Dias do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na obra “A Lei Maria da Penha
na Justiça”, Ed. Revista dos Tribunais considera que em se tratando de
medida protetiva de natureza criminal, cabe recurso em sentido estrito a
ser apreciado pelas Câmaras Criminais dos Tribunais de Justiça, que
também é o órgão competente para o julgamento dos processos criminais.
No entanto, ainda que a decisão tenha sido proferida por juízo criminal, o
agravo é interposto perante as Câmaras Cíveis, nos tribunais que ainda
não instalaram as Câmaras Especializadas de Família. Este é o
entendimento adotado por àquele Tribunal de Justiça.
No Rio de Janeiro, todavia, não foi implantada
qualquer norma recursal a respeito da matéria, razão pela qual, segundo
pesquisa feita na internet, inúmeros recursos foram objetos de declinação
de competência a uma das Câmaras Cíveis, pelo entendimento de que
sendo a medida de natureza cível a competência é da Câmara Cível,
somente permanecendo na Câmara Criminal se a medida tiver por objeto
providência de caráter criminal. Em hipóteses de aplicação de medidas
semelhantes aplicadas, os eminentes Desembargadores que atuam nas
Câmaras Criminais vêm reafirmando a natureza penal das medidas
previstas nos artigos 22 e seguintes da Lei nº 11.340/2006, conforme
pesquisa feita pela internet.
Neste sentido, colhem-se do voto proferido pela e.
Quinta Câmara Criminal da relatoria da Des. Luisa Cristina Bottrel Souza,
no Agravo de Instrumento nº 2008.180.00002, o seguinte entendimento:
“......Reafirma-se, contudo, a natureza penal das medidas previstas nos
artigos 22 e seguintes da Lei nº 11.340/2006. Daí porque não se pode
concluir pelo cabimento do agravo de instrumento, na falta de previsão
legal do recurso cabível. E, no caso, não há de se aplicar o princípio da
5
fungibilidade, que presume a existência de outro recurso cabível,
manejado pela parte erroneamente.
Conclui-se que se a medida protetiva de urgência
concedida em favor da vítima de violência doméstica causar ferimento a
direito líquido e certo, o prejudicado poderá se valer da ação
constitucional do mandado de segurança. Na hipótese de a mesma vir a
cercear a liberdade, o instrumento adequado será o habeas corpus.
Assim, respeitado estará o princípio do duplo grau de jurisdição. O fato
é que contra uma decisão de natureza penal não pode ser manejado o
agravo de instrumento.”
No caso, data venia douto entendimento em
contrário da e. Terceira Câmara Criminal, considero que a natureza da
medida postulada e deferida é de natureza criminal e, portanto,
competente é da Câmara Criminal.
A Sra. Jaqueline Matos de Moraes, esposa do
Paciente, apresentou representação junto a 89ª Delegacia Policial Resende contra seu marido apontando-o com autor de diversos crimes que
subsumem no conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher
e solicitando a aplicação de medida protetiva.
Além disso, a
representante desconfia da pratica de abuso sexual contra a filha menor do
casal.
Diante das graves acusações feitas, o ilustre juiz do
Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca
de Resende fixou medidas protetivas em favor da mulher e filha do ora
Paciente, a saber: a proibição de aproximação da vítima e da filha,
fixando o limite mínimo de 200 (duzentos) metros de distância entre o
autor do fato e a vítima, na forma do artigo 22, inciso II, alínea “a” da Lei
Especial, sob pena de crime de desobediência e de prisão preventiva.
Como se vê das razões recursais, o Paciente rebelase quanto a decisão afirmando estar tolhido do seu ir e vir e se aproximar
6
da filha menor, sendo certo que pela pesquisa feita na internet já foi
decretada a sua prisão.
Ressalte-se que a ação de regulamentação de
visitas já foi proposta junto a Vara de Família e está tendo o seu trâmite
normal.
A medida protetiva em discussão e a pretensão
posta pelo Impetrante através do Habeas Corpus, ao meu ver, é
nitidamente de natureza penal e não cível, razão pela qual esta Câmara, à
unanimidade de votos, suscita o Conflito de Competência ao Egrégio
Órgão Especial.
Por tais fundamentos, suscita-se o conflito negativo
de competência ao Egrégio Órgão Especial que melhor decidirá sobre a
conveniência de estender às Câmaras Cíveis o julgamento das medidas
previstas no artigo 22, inciso II, alínea “a”, da Lei nº 11.340/06 aplicadas
pelos Juizados Especial e Criminal e da Violência Doméstica contra a
mulher.
Rio de Janeiro, 16 de julho de 2008.
Des. ELISABETE FILIZZOLA
Relatora
Download

Arquivo Inteiro Teor