EM BUSCA DA COLÔMBIA AMÉRICA EM NÓS
Resenha Comentada do livro de Edvaldo Pereira Lima:
Colômbia Espelho América. Dos Piratas a Garcia Márquez,
Viagem pelo Sonho de Integração Latino-Americana.
Maria Luiza Cardinale Baptista
Ingressei na “viagem” Colômbia Espelho América com curiosidade e um certo
frio na espinha. Tenho incrustrado um tempo antigo – sempre digo que sou um ser
da Idade Média – e o contato com a tecnologia tem que ser feito, por mim,
lentamente. Sempre me causa um certo estranhamento. Então, saltar para o ano
2051, dentro de uma nave, em direção à Colômbia, foi inquietador. Além do
questionamento “quem vem lá?”, natural de início de viagem, aparece também o
“onde estou?”, algo como “quem é esse futuro que me espreita, que me espera sob
os olhos da Colômbia Espelho América?” - e a troca de pronome é proposital..
Tinha terminado de ‘viajar’ no Páginas (Ampliadas, outro livro de Edvaldo
Pereira Lima) e, portanto, embarquei no Colômbia (Espelho América) com a mente
fervilhando de lembranças. Interessante pensar na metáfora ‘locomotiva’, para a
Teoria Geral dos Sistemas, e, agora, começar embarcando numa nave ‘mental’ do
Edvaldo. Bom reencontrá-lo. Pronto, agora sim. Boeing 767 eu conheço. O Edvaldo
também - jornalista, escritor, professor, pensador, apaixonado, amigo. Sento-me ao
seu lado, tranqüila. Sabe, eu não me acertava muito com aqueles botões todos e
isso me ‘dava’ insegurança. Calma, é que eu ainda (acho que como sempre) estou
aprendendo a lidar com o desconhecido. Tenha paciência.
Edvaldo explica as perspectivas de 'reconhecimento' da Colômbia, de
abordagem de complexidade do real colombiano, através de múltiplos tempos.
Provoca lembranças coletivas e fala, então, do sonho do El Dorado - a aventura de
busca à fonte de ouro, marcada por sangue em terras latino-americanas. A proposta
desta 'viagem-livro' é repensar a Colômbia, enquanto se repensa a América - nós
mesmos. Isto está claro desde o início.
Vamos para a cabine de comando. Avistamos Bogotá. Descemos.
Surpreendemo-nos com o aeroporto, aparentemente moderno e funcional. Depois
reencontramo-nos nos detalhes que não funcionam, no 'espelho América', já na
chegada. Esta América que tenta e se atrapalha, que acerta e desacerta o passo,
numa dança cheia de malemolência, desejo e movimento.
Fomos conhecendo várias pessoas. Don António Moreno, dono do hotel onde
ficamos e que nos explicou a geografia da Colômbia, a partir de um mapa em alto
relevo. Guillermo Pinzon, taxista, falou um pouco da cidade Bogotá e suas
características, suas 'marcas', físicas, humanas, sociais... Avistamos muitos lugares.
Do táxi do Guillermo, vimos o estádio El Campín. Depois, fomos ao morro
Montserrate, de onde pudemos vislumbrar hotéis, como o Tequendama, edifícios
como o Colpatria, a Plaza dos Toros de Santamaria, os tugúrios - morros que vão
subindo a partir da savana -, a Igreja. Bonitas imagens. Esta é uma das marcas das
'viagens-texto' com o Edvado - um texto visual.
Encantamo-nos com os vendedores artesãos do Montserrate. Um povo
“...acentuadamente branco, de traços europeus, ou moreno dessa morenice típica
de latino descendente de gente mediterrânea”. Assim, Edvaldo os descreveu mais
tarde, com sua fala calma, intensa, sensível. Soubemos dos problemas desse povo
e das artimanhas do capelão do Santuário, Cândido de Jesus López Valência.
Também encontramo-nos com (em) um pouco da história da fé católica na
Colômbia. Ainda com a incorporação dos conceitos da Revolução Científica, no
cotidiano, e a abertura para conceitos sistêmicos, fomos interpelados por alunos,
pedindo entrevistas a turistas. Depois, visitamos a Universidade Javeriana. Lembreime, então, de Luís Ramiro Beltran, de quem li um texto sobre a Pesquisa em
Comunicação na América Latina. Pensei que pudesse encontrá-lo. Não encontrei.
Também, acho que não combinaria com uma viagem guiada pelo Edvaldo.
Edvaldo contou-me sobre o processo de violência política na Colômbia. Falou
de Simón Bolívar: “...venerado, Libertador que conquistou pelas armas, aos
espanhóis, as independências da Colômbia, da Venezuela, do Equador, do Peru,
das províncias que seriam batizadas de Bolívia, em sua homenagem... que trocou o
nome de Nova Granada para o de Colômbia, honra à memória de Cristóvão
Colombo... quase anti-herói destinado a oscilar continuamente entre a glória e a
derrota”.
Resgate de um passado de “beligerância política”, as marcas de um passado
de conflitos entre centralistas e federalistas. Um passado marcado por disputas
entre os partidos liberal e conservador, as guerras civis nacionais e regionais, os
golpes de Estado. Ainda, ouvi Edvaldo falar de “El Bogotazo” e da violência dos
movimentos guerrilheiros. Interessante que a sua ‘fala’ segue sempre tranqüila,
mesmo quando narra episódios da “fúria desbravadora da Santa Civilização cristã
branca ocidental”. E, então, nós fomos ao cinema. Isto, mais especificamente à
Cinemateca da Castellana, onde conhecemos Claudia Triana de Vargas, a diretora
executiva. É lá também que encontramos Rito Alberto Torres, do grupo Arcádia,
“espécie de cooperativa que é ao mesmo tempo cineclube, editora de revista
cinematográfica, produtora de vídeo...”. Percebo Edvaldo entristecendo-se, enquanto
ouve Rito. Talvez pela evidência do espelhamento também nos 'descompassos do
cinema'. Espelhamento de uma América de povo e cineastas sonhadores e pobres.
Embebedamo-nos na fala de Rito e terminamos esta parte da viagem num
restaurante mexicano, questionando Bolívar sobre o El Dorado da integração.
Leyva, 175 quilómetros de Bogotá. Já estamos na segunda parte da viagem.
Num
seminário
de
professores
de
Comunicação,
vivemos
os
entraves
comunicacionais de gente mais acostumada a expressar do que a comunicar.
Paradoxo. Da hospedaria Duruelo, onde acontece o seminário, saio para passear
com Edvaldo. Vamo-nos encantando com os detalhes desta vila romântica, “...de
uma sensualidade poderosa mas sutil”. O telefone em Leyva não funciona bem, mas
o que importa? Num lugar como esse o que realmente conta são os fluxos de
intensidade que impregnam. Há níveis abstratos contaminando a existência. São
outros os tipos de ligações... não as telefônicas.
Compadeço-me, junto com Edvaldo, dos irmãos vendedores de fósseis e
pedras. Lembro de nossos brasileiros meninos que vendem limão, flores, que
cheiram cola, que marcam uma integração latino-americana de “carência, miséria,
sina”. Espelho de novo. Que duro!
Depois, saio à noite com Edvaldo e me emociono com a beleza das estrelas,
com as divagações do meu companheiro de viagem, com a poesia da noite e da fala
mansa deste amigo. “Ah, Villa de Leyva, indício do transcendente, fico nesta noite
amando esta Terra, maturando o passo de aprender a ver! Você me conquista, me
embala, me transforma.”
Bom, a viagem continua. Edvaldo fala, então, das “múltiplas faces da riqueza”,
dos povos pré-colombianos, seus ritos, sua relação com o outro. Da época da
conquista, conta histórias de um tempo de saques à América (a)Dorada Latina. Um
tempo de lendas, de mortes e sonhos - marcado pela ganância dos conquistadores.
Na viagem de volta a Bogotá - no caminho de Tunja -, enquanto subimos
“serras, estrada estreita e mal sinalizada”, acompanho a vitória de Lucho na Última
Etapa da Volta Ciclística da Espanha. Estarreço-me com a repercussão da vitória e
ao perceber que, também na Colômbia, o esporte marca um dos 'poucos' ambientes
canalizadores do sentimento de vitória. Lembro de outra viagem com Edvaldo:
Ayrton Senna. Guerreiro de Aquário e, triste, encontro nas lágrimas do nosso
vizinho de táxi - "...as inocentes lágrimas do descobrir-se, por via indireta, finalmente
capaz" - outras lágrimas mais doídas, da perda de alguém que simbolizou tão bem,
para os brasileiros, o orgulho de 'nação' que vibra, que vence. Espelho que chora,
porque vence, porque perde.
Conheci também o Magdalena, "o mais importante rio da Colômbia", enquanto
voávamos para Barranquilla. Edvaldo, a essas alturas, já parecia ter passado a vida
toda na Colômbia. Falou-me da importância "ecológica e sócio-econômica do rio,
dando detalhes geográficos e históricos”. Depois, relacionou-o à situação do
transporte colombiano, incluindo detalhes sobre a Avianca, "a segunda mais antiga
empresa aérea do planeta".
Chegamos a Barranquilla Do que eu consigo perceber, uma espécie de
monumento vivo-material-fervilhante ao pós-moderno, pela multiplicidade de
matérias de expressão e pelas contradições. A mala do Edvaldo foi despachada
para a cidade de Pereira e, por isto, passamos três dias em Barranquilla.
Entrevistamos German Vargas Cantillo, amigo de Garcia Márquez, e conhecemos
June Blanco - uma norte-americana radicada na Colômbia. Ela diz, entre muitas
coisas, que os latinos "são mais abertos para o mundo". Interessante, espelho
aberto.
Por fím, na parte três da 'viagem', vamos a Aracataca, onde nasceu Garcia
Márquez. O caminho 'transpira' latino-américa, com suas músicas, sua linguagem,
paixões e vilarejos. Tudo vai sendo visto, sentido, ouvido até que chegamos à
"Capital Nacional de Ia Literatura", em busca de vestígios de Gabito. Posto Esso
Macondo, frutaria Macondo, Creche Macondo, o que sobra da casa dele, as
bananas. Na entrevista com o amigo de Garcia Márquez, detalhes saborosos sobre
o Grupo de Barranquilla, os originais do prêmio Nobel, a preparação de Cem Anos
de Solidão. Depois, de volta a Santa Marta, o contato com o mundo do cultivo e
tráfico da maconha, os chefões da droga, a exportação de cocaína. Espelho
drogado.
Por fim, conhecemos Cartagena, "Uma cidade amuralhada. Impressionante
sistema de defesa, o melhor exemplo em todo o Caribe, do que foi a arquitetura
militar espanhola na América". Soubemos da sua história de ataques, saques e
bombardeios, da 'atuação' de Sir Francis Drake, El Dragon Forno, até o Forte de San
Felipe de Barajas, construído sobre o morro San Felipe. Depois, conhecemos
algumas mulheres de lá. Espelho feminino - que mostra as nuances das
semelhanças e diferenças.
Com Cartagena, o mosaico de saída, quero pedir emprestadas algumas
palavras de Edvaldo: "Quero ver o que não vi. Encontrar a imagem da memória que
não é a minha". Sem nunca ter ido à Colômbia, neste momento, sinto muita
saudade. Sem conhecer Bogotá, Leyva, Barranquilla, Aracataca, Santa Marta ou
Cartagena, guardo-as aqui dentro de mim, na lembrança de mulher latino-americana
brasileira e de companheira de Edvaldo na ‘viagem-livro’. Assim como tenho em mim
o germe do sentimento de latinidade, numa espécie de ginga que me garante força
para acreditar, para ter esperanças, para viver. Obrigado, Edvaldo.
LIMA, Edvaldo Pereira. Colômbia Espelho América: dos piratas a Garcia Márquez,
viagem pelo sonho de integração latino-americana. São Paulo: Perspectiva/EdUSP,
1987.
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