A PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR E SEUS SABERES NO CAMPO DA SAÚDE ANDRADE, Marcia Regina Selpa de1 - FURB Grupo de Trabalho - Formação de Professores e Profissionalização Docente Agencia Financiadora: não contou com financiamento Resumo Este texto traz reflexões sobre os saberes dos docentes no campo da Saúde em uma instituição de Ensino Superior. Trata-se de uma análise preliminar de dados inseridos numa pesquisa mais ampla. Essa pesquisa coletiva, em processo de construção, faz parte dos estudos do GT3 instituído no I Simpósio Internacional sobre Desenvolvimento Profissional Docente, realizado em fevereiro de 2013. Neste GT reuniram-se diversos pesquisadores do campo da Educação de diferentes instituições de vários estados brasileiros, e pesquisadores de duas instituições de Portugal, constituindo uma rede investigativa. O objetivo do GT3 consiste em produzir conhecimentos que possam colaborar com os processos de desenvolvimento profissional docente nas instituições que fazem parte do grupo, assim como em outras instituições que vêm desenvolvendo propostas de formação continuada. A partir dessa investigação, esse artigo pretende socializar os primeiros registros dessa pesquisa focando os saberes docentes de diferentes profissões da área da Saúde e dos principais estudiosos que discutem a formação de professores. Dentre os vinte e três docentes pesquisados, analisamos somente os quatro docentes da área da Saúde de uma mesma instituição de Ensino Superior. A presente análise se deu a partir de questões norteadoras, cujo objetivo foi compreender os saberes necessários que subsidiam a prática docente no campo da Saúde, bem como identificar a política e as práticas de formação continuada da instituição investigada. Os resultados parciais da pesquisa demonstram que há uma política institucional de formação de docentes, que vem sendo implementada através da Assessoria Pedagógica e da equipe de apoio docente da Pró-Reitoria de Ensino. Os docentes pesquisados apontam algumas reflexões, no que se refere aos saberes docentes, que vêm ao encontro daqueles ressaltados por diversos estudiosos no campo da Educação, mas também revelam a diversidade de conceitos e compreensões sobre o desenvolvimento da profissionalização docente. Palavras-chave: Saberes docentes. Campo da Saúde. Política de formação. 1 Doutora em Educação (UNICAMP). Assessora Pedagógica – Centro de Ciências da Saúde/PROEN/FURB. Professora e pesquisadora na área da Educação e no campo da Saúde. 8437 Introdução A constituição da profissionalização docente passou ao longo do tempo por diversas compreensões em decorrência das transformações sociais, econômicas, políticas e culturais. Esses fatores influenciaram os significados sobre o ser professor e sua identidade social, de modo que ora ele é tido como um profissional de destaque na sociedade, ora como um profissional em desprestígio. Nesse contexto, foram construídas representações sociais em relação à imagem e ao ofício de professor, entre as quais se podem destacar as de preceptor, tutor, cientista, mestre e pesquisador, cada qual com características específicas e papéis diferenciados, respondendo às demandas sociais e educacionais. Assim, a profissão de professor emerge de um dado cenário e momento histórico. No período imperial brasileiro surgem as primeiras instituições culturais e científicas e os primeiros cursos superiores, fortalecendo o sentido profissional do professor. Nessa época iniciam-se também os procedimentos de convocação e exames de seleção dos candidatos a mestres. Tal profissionalização significava um aparato em torno do professor, exigindo-lhe não apenas competência pedagógica, mas também uma conduta moral e religiosa compatível com os valores vigentes na época. No século XXI, embora as instituições de Ensino Superior no Brasil continuem com ênfase na formação profissional em detrimento de uma formação mais ampla e geral (PEREIRA, 2011), os educadores são desafiados a romper com o paradigma conservador, dessa forma outros olhares e saberes sobre essa profissão estão presentes. Considerando esse novo tempo, buscamos nessa pesquisa evidenciar os saberes e competências da docência no campo da Saúde a partir de quatros profissionais que responderam a um questionário. O questionário foi composto por questões objetivas e dissertativas a respeito: do perfil docente, das propostas de formação continuada no Ensino Superior, e essencialmente das características e saberes essenciais da docência. Porém, para esse estudo elegemos apenas quatro questões norteadoras, a saber: a) A instituição tem alguma proposta/programa/projeto/política de formação continuada para os docentes? Se sim, explique como funciona essa formação continuada. b) Você considera importante uma formação pedagógica para atuar no Ensino Superior? Por quê? c) Quais as características, habilidades e capacidades de um “bom” docente? d) Que saberes são necessários à prática docente no Ensino Superior? 8438 Desenvolvimento A primeira questão indaga se a Instituição tem alguma proposta/programa/projeto/política de formação continuada para os docentes e, caso tenha, como funciona. Os docentes pesquisados afirmam que a Instituição tem uma política de formação de professores com o objetivo de promover tempos e espaços de formação que acontecem no decorrer do ano letivo, mais precisamente durante o recesso. De acordo com a fala de um dos docentes, “Há dois movimentos: a) Nos Centros, promovido pela Assessoria Pedagógica; b) Institucional, promovido pela Pró-Reitoria de Ensino” (DOCENTE 1). A Política de Formação da instituição apresenta princípios, diretrizes e estrutura, objetivando criar condições para a realização da formação continuada para todos os servidores. A política encaminha-se não apenas para a transição de uma formação por catálogos (CANÁRIO, 2006), mas para uma reflexão na prática e sobre a prática, modificando as práticas de investigação, planejamento e avaliação com os profissionais. Assim, a formação continuada apresenta-se como uma condição favorável ao desenvolvimento profissional, possibilitando um maior aprofundamento teórico-prático através da reflexão focada no cotidiano da instituição, fornecendo possibilidades de qualificar-se constantemente (UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU, 2012). Ressalte-se que, no Centro de Ciências da Saúde dessa Instituição, a partir da implantação do projeto da Assessoria Pedagógica foi possível dinamizar tempos e espaços de formação com os docentes durante os últimos cinco anos. As formações realizadas ocorreram a partir das expectativas dos Núcleos Docentes Estruturantes e Coordenadores dos Colegiados dos dez cursos da Saúde. As propostas de formação geralmente são oriundas de diagnósticos resultantes de reuniões diversas e encontros informais com docentes e coordenadores de cursos. As formações têm como propósito qualificar a formação docente, assim como a proposta curricular de cada curso. Destacamos no Quadro 1 os principais temas relacionados à docência abordados durante as formações ocorridas no Centro de Ciências da Saúde da Instituição investigada, no período de 2008 a 2013. 8439 EIXOS TEMÁTICOS Currículo Avaliação Estágio Metodologias Planejamento Pesquisa TEMAS ABORDADOS • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Formação profissional e integração curricular na área da Saúde. Políticas de formação e o contexto da mudança curricular. Experiências curriculares. Internato no contexto da reorganização curricular. Avaliação formativa e instrumentos de avaliação. Desafios na elaboração de enunciados da prova. Como elaborar questões objetivas e dissertativas. Construção de instrumentos avaliativos para as aulas práticas. Análise das questões da prova do ENADE na área da Saúde. Estágio curricular: cenários de práticas. Integração dos Estágios nas Unidades de Serviço. Estágio curricular e as demandas sociais da Saúde. Integração docente assistencial. Elaboração do portfólio reflexivo. Metodologias ativas e discussão de casos clínicos. O uso do mapa conceitual no processo de ensino-aprendizagem na área da Saúde. Metodologia da Problematização. Planejamento: metas e ações. Planos de ensino. Planejamento integrado. Pesquisa qualitativa na Saúde. Análise do discurso. Processos metodológicos na pesquisa. Quadro 1: Eixos temáticos abordados na Formação Continuada no Centro de Ciências da Saúde Fonte: Organizado pela autora com base nos registros da Formação Continuada. Neste cenário de profissionalização, a Assessoria Pedagógica ocupa um papel de relevância, que consiste em acompanhar as mudanças curriculares dos cursos e propor, juntamente com a gestão do curso, possibilidades de encontros de formação docente. Percebe-se que os temas das formações abrangem as diversas dimensões teóricopráticas da docência. Porém, fica evidente no quadro a ausência do eixo temático docência na saúde, o que significa uma lacuna na proposta de formação. Entretanto, entendemos que ao desenvolver as temáticas propostas, inevitavelmente o papel docente é abordado. Outro aspecto relevante às temáticas da formação, é que ele não se esgota num primeiro encontro, há necessidade de reencontros e novos diálogos. Compreendemos também que a profissionalização docente não se desenvolve apenas pelos espaços de formação institucional, mas ao longo de sua trajetória, pela via das experiências, das práticas pedagógicas ressignificadas, bem como através de diálogos e trocas entre os próprios docentes. Nesse sentido, os professores também são sujeitos de um processo de aprendizagem permanente, de reconstrução do seu perfil docente, de acordo com os desafios do curso e da 8440 instituição em que estão inseridos. Cunha (2004) defende que é necessário reconhecer que a profissão de professor precisa “assumir a perspectiva de que a docência se estrutura sobre saberes próprios, intrínsecos à sua natureza e objetivos” (CUNHA, 2004, p. 37). A segunda questão dessa pesquisa diz respeito à importância de uma formação pedagógica para atuar no Ensino Superior, os entrevistados justificam o porquê dessa afirmativa. Sim, [...] há necessidade de desenvolvimento de habilidades da área da Educação, pouco ou nada trabalhadas nos mestrados e doutorados, que se limitam a questões técnico-científicas da especialidade profissional (DOCENTE 1). Sim, pois a formação profissional da minha área não inclui o desenvolvimento de habilidades e competências para a atuação no Ensino Superior (DOCENTE 2). Sim, na área específica em que atuo, não há um direcionamento durante a graduação para o exercício da docência, sendo essencial a busca de alternativas de metodologia de ensino para uma melhor formação de docente (DOCENTE 3). Sim, porque a qualidade da troca de informações entre alunos e professor depende de uma boa técnica de mediação (DOCENTE 4). Observa-se portanto, um reconhecimento da necessidade da formação pedagógica. Devemos considerar, entretanto, que à área da Saúde, além da formação no campo da docência apresenta especificidades quanto à sua natureza, que é pautada pela necessária triangulação envolvendo ensino, aprendizagem e assistência, passando pela produção de conhecimento, conforme identificado por Batista e Batista (2004). Esses autores apontam que um dos desafios para o planejamento no ensino das Ciências da Saúde está em considerar a interface entre Saúde-Educação como campos de saber e fazer abrangentes. Nesse sentido reconhecer que os saberes e fazeres são complexos necessitando intensificar a profissionalização do docente. Seguindo a crítica à graduação na área da Saúde, Carvalho e Ceccim (2006) enfatizam a falta de uma orientação com base teórico-conceitual e metodológica capaz de potencializar competências para a integralidade do cuidado. Pois, o enfrentamento das necessidades de saúde da população e a inserção do profissional no sistema de saúde nacional requer também novas possibilidades pedagógicas sobre o fenômeno saúdedoença e essencialmente nas relações que se estabelecem entre os sujeitos. As pesquisas sobre a docência na área da Saúde ainda são incipientes no Brasil, porém tem sido crescente na Europa e nos EUA a busca por melhores evidências, cientificamente embasadas, para a compreensão dos fatores que determinam os processos de ensino e 8441 aprendizagem na Saúde, com vista a melhores estratégias para a qualificação do docente (MENNIN; MCGREW, 2000). Segundo Spencer (2003), o grande equívoco no ensino das profissões de Saúde passa pela falta de planejamento e de critérios pedagógicos por parte do profissional de Saúde que ensina fortalecido pela crença ilusória de que aquele que sabe fazer bem um determinado procedimento clínico seguramente saberá ensinar esse mesmo procedimento. Estudo desenvolvido em vinte e oito cursos de Medicina no Brasil demonstrou que o desenvolvimento docente é o eixo que se encontra mais distante das recomendações das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos na área da Saúde, considerando estas dimensões: formação pedagógica, atualização técnico-científica, participação nos serviços de assistência e capacitação gerencial para o ensino (PERIM et al., 2009). A pesquisa realizada por Andrade (2012) em duas escolas médicas de Santa Catarina revela que à medida que suas propostas curriculares foram sendo construídas e implementadas surgiam necessidades de garantir tempos e espaços de formação e a compreensão das concepções presentes nas propostas pedagógicas. Nesse sentido, podemos destacar a experiência em um dos cursos de medicina investigados, que legitimou institucionalmente novos elementos no processo seletivo docente. Nessa proposta, os candidatos têm acesso, previamente, a proposta curricular do curso, com o objetivo de conhecer os princípios conceituais e metodológicos presentes no seu Projeto Pedagógico. Dessa forma, o processo seletivo passou a compor também elementos constitutivos do Projeto Pedagógico do curso, além das diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) que sustentam a proposta. Ao conhecerem a proposta do curso, os candidatos estarão cientes dos princípios que fundamentam o projeto e, por conseguinte, maiores condições de desenvolver sua prática docente. De acordo com Masetto (2008), é necessário “compreender essas novas propostas curriculares e aprender como assumir suas responsabilidades de formação dos atuais profissionais que integram sua formação pedagógica” (MASETTO, 2008, p. 17). Assim, observa-se, nos últimos dez anos, que os espaços de profissionalização docente foram possibilitados na medida em que os cursos da área da Saúde foram sendo reavaliados pelos próprios docentes. Nesse contexto de avaliação apresentam as suas principais fragilidades, necessidades e potencialidades. Assim, novas expectativas são propostas no currículo e nesse sentido busca-se um novo perfil docente universitário, em consonância com as diretrizes 8442 curriculares e as finalidades de uma formação geral e profissional. Portanto, há que considerar, nesse contexto, novas configurações de trabalho e de relações que se estabeleceram na sociedade contemporânea. Os Quadros 2 e 3 se referem as características, habilidades, saberes necessários à formação docente destacados pelos sujeitos pesquisados. Características, habilidades e capacidades de um "bom" docente Docente 1 1. Competência na área pedagógica relacionada com o processo de ensino-aprendizagem e com a relação professor-aluno, e domínio da teoria e da prática. 2. Competência pedagógico-didática referente à capacidade de conhecer, saber selecionar, utilizar, avaliar, aperfeiçoar e recriar ou criar estratégias de intervenção didáticas efetivas. Docente 2 Conhecimento e experiência na área específica na mesma medida que na área do ensino. Docente 3 Comprometimento com as ações que desenvolve na Universidade. Docente 4 Didática; “Conhecimento técnico-científico”. Quadro 2: Características, habilidades e capacidades de um “bom” docente Fonte: Dados preliminares da pesquisa do GT3 Embora haja indícios de mudanças no perfil profissional docente, com práticas pedagógicas inovadoras, podemos compreender que ainda prevalece um certo desconhecimento dos elementos consitutivos do processo de ensino-aprendizagem e das habilidades necessárias para o exercício da docência. Concordamos com o pensamento de Batista e Batista (2004), que consideram que a formação docente é um processo que não se restringe a territórios disciplinares, pois se inscreve em um contorno de permanente (re)construção de saberes e fazeres. Assim, a constituição da docência exige uma ampla compreensão de saberes a serem colocados em prática pelo professor, e o espaço de formação permanente é um dos lugares em que essas relações e interações se estabelecem. 8443 Docente 1 Metodologias diversificadas de ensino-aprendizagem, métodos de avaliação, currículo, gestão de ensino, legislação e sistema de avaliação de cursos no Brasil (SINAES, ENADE). Saberes necessários à prática docente no Ensino Superior Docente 2 Métodos de ensino-aprendizagem; métodos de avaliação; currículo; atualização em educação superior. Docente 3 Conhecimentos técnicos e metodológicos referentes às disciplinas ministradas Docente 4 Didática; Oratória; Metodologia científica; Conhecimento técnico. Quadro 3: Saberes necessários à prática docente no Ensino Superior. Fonte: Dados preliminares da pesquisa do GT3. Nesse contexto observamos que o foco dos saberes está nos processos metodológicos do ensino aprendizagem. Essa perspectiva com ênfase no fazer docente decorre de desafios que são apontados como necessários para que haja mudança no perfil docente. Os planos de ensino publicados na instituição revelam ainda o predomínio das aulas expositivas, como a principal prática docente em sala. Porém, no campo da saúde, há um propósito de mudanças geradas pela necessidade de relacionar conceitos, procedimentos e atitudes em diferentes cenários de prática. Assim, deixa-se evidenciar que os saberes necessários dos docentes limitam-se a questão metodológica no processo ensino aprendizagem, embora se perceba nos registros dos entrevistados outros elementos constitutivos da prática docente vinculados ao currículo e avaliação. Sobre essa questão, com o objetivo de ampliarmos essa visão, buscamos os estudos de Puentes, Aquino e Neto (2009), que analisaram diferentes classificações e tipologias sobre saberes, conhecimentos e competências necessários à docência a partir de estudos de vários especialistas. Neste trabalho elegemos alguns desses estudiosos, como Tardif, Lessard e Lahaye (1991), Garcia (1992), Gauthier et al. (1998), Masetto (2008), Braslavsky (1999), Pimenta (1998, 2002), Cunha (2004), Shulman (2005) e Zabalza (2006), entre outros estudos. No Quadro 4 destacamos os estudos de Shulman (2005), que apresenta sete categorias da base de conhecimento da docência, e de Garcia (1992), que estabelece os componentes que deveriam integrar os conhecimentos profissionais da docência. 8444 Conhecimentos necessários à docência Shulman (2005): 1. Conhecimento do conteúdo. 2. Conhecimento pedagógico (conhecimento didático geral). 3. Conhecimento dos programas que servem como ferramentas para o ofício do docente. 4. Conhecimento dos alunos e da aprendizagem. 5. Conhecimento dos contextos educativos. 6. Conhecimento didático, sua própria forma particular de compreensão profissional. 7. Conhecimento dos objetivos, finalidades e valores educativos, e de seus fundamentos filosóficos e históricos. Garcia (1992): 1. Conhecimento pedagógico geral, relacionado com os princípios de ensino e de aprendizagem dos acadêmicos. 2. Conhecimento do conteúdo, associado aos conhecimentos que ensinam. 3. Conhecimento do contexto, que faz referência ao lugar onde se ensina, assim como a quem se ensina (GARCIA, 1992, p. 6). 4. Conhecimento didático do conteúdo, um tipo especial de conhecimento. Quadro 4: Conhecimentos necessários à docência. Fonte: Organizada pela autora com base nas referencias citadas nesse trabalho. Em relação aos saberes da docência, encontramos na literatura educacional diversos autores que utilizam esse termo caracterizando os saberes como fundamentos da identidade profissional do professor. Assim, apresentamos no Quadro 5, alguns dos autores citados por Puentes, Aquino e Neto (2009) que classificam os principais saberes da docência, cada qual com sua concepção e princípios educacionais. Saberes necessários à docência Pimenta (2008, 2002): 1. 2. 3. 4. Saberes da experiência, como nos apropriamos do ser professor em nossa vida. Saberes da área do conhecimento, conhecimentos específicos, conhecimentos científicos. Saberes pedagógicos, responsáveis por pensar o ensino como uma prática educativa. Saberes didáticos, responsáveis pela articulação da teoria da educação e da teoria de ensino para ensinar nas situações contextualizadas. Gauthier et al. (1998): 1. 2. 3. 4. 5. Saber disciplinar, referente ao conhecimento do conteúdo a ser ensinado. Saber curricular, referente à transformação dos saberes produzidos pela ciência. Saber das ciências da educação, relacionado com o conjunto de conhecimentos profissionais. Saber da tradição pedagógica, relativo ao saber dar aula. Saber experiencial, com base na sua própria experiência. 8445 6. Saber da ação pedagógica, que é testado por meio das pesquisas realizadas em sala de aula. Tardif, Lessard e Lahaye (1991): 1. 2. 3. 4. Saberes da formação profissional, referente ao conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores. Saberes disciplinares, relacionados com os saberes dos diversos campos do conhecimento. Saberes curriculares, associados aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos. Saberes experienciais, baseados no trabalho cotidiano do professor e no conhecimento de seu meio. Cunha (2004): 1. 2. 3. 4. 5. 6. Saberes relacionados com o contexto da prática pedagógica. Saberes relacionados com a aprendizagem e as múltiplas possibilidades que articulam conhecimento e prática social. Saberes relacionados com o contexto sócio-histórico dos alunos. Saberes relacionados com o planejamento das atividades de ensino, vinculados às habilidades de delinear objetivos de aprendizagem, métodos e propostas de desenvolvimento de uma prática efetiva. Saberes relacionados com a condução da aula nas suas múltiplas possibilidades, que favoreçam uma aprendizagem significativa. Saberes relacionados com a avaliação da aprendizagem. Quadro 5: Saberes necessários à docência. Fonte: Organizada pela autora com base nas referências citadas nesse trabalho. Refletindo esses saberes no campo da saúde retomamos os estudos de Andrade, Castro e Vieira (2007). Para esses autores os saberes docentes são formados pela associação coerente de saberes oriundos da, formação profissional; das ciências da educação e da ideologia pedagógica; dos profissionais integrados à prática docente; da formação inicial e contínua dos professores sendo validados pela própria experiência, incorporando-se à experiência coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber-fazer e de saber ser. (ANDRADE; CASTRO; VIEIRA, 2007, p. 1253). Assim, entendemos que esses saberes e fazeres docentes estão relacionados entre si e fazem parte do cotidiano docente, retratando concepções diversas da identidade de ser professor. Em relação às competências necessárias à docência, sistematizamos, no Quadro 6, a compreensão de alguns especialistas que discutem a profissionalização da docência apontada nos estudos de Puentes, Aquino e Neto (2009). 8446 Competências necessárias à Masetto (2008): 1. 2. docência 3. Competência em uma determinada área de conhecimento (cognitivo). Competência na área pedagógica, relacionada com o processo de ensino-aprendizagem, gestão do currículo e com a relação professoraluno, e domínio da teoria e da prática. Competência na área política, associada à figura do professor como cidadão. Braslavsky (1999): 1. 2. 3. 4. 5. 6. Competência pedagógico-didática, referente à capacidade de conhecer, saber selecionar, utilizar, avaliar, aperfeiçoar e recriar ou criar estratégias de intervenção didáticas efetivas. Competência institucional: capacidade de articulação entre a macropolítica do sistema educativo e a micropolítica da escola e da sala de aula. Competência produtiva: capacidade para intervir no mundo de hoje e do futuro. Competência interativa, vinculada à capacidade de aprender a compreender e sentir com o outro. Competência especificadora, relacionada com a capacidade para abrir-se ao trabalho. Competência interdisciplinar, para aplicar um conjunto de conhecimentos fundamentais à compreensão de um tipo de sujeito, de uma instituição educativa e/ou de um conjunto de fenômenos e processos. Zabalza (2006): 1. 2. 3. 4. 5. Competência de planejar o processo de ensino-aprendizagem. Competência de selecionar e preparar os conteúdos disciplinares. Competência comunicativa. Manejar novas tecnologias. Conceber a metodologia e organizar as atividades relacionadas à organização dos espaços de aprendizagem, à seleção dos métodos e à seleção e desenvolvimento das tarefas instrutivas. 6. Competência para trabalhar com classes numerosas. 7. Competência vinculada ao exercício da tutoria como empenho pessoal dos docentes universitários. 8. Conhecer a natureza e o sentido da avaliação na universidade, os componentes da avaliação e o processo de planejamento, execução e avaliação. 9. Refletir e pesquisar sobre o ensino, em associação à capacidade para analisar, documentadamente, o processo de ensino-aprendizagem. 10. Identificar-se com a instituição e trabalhar em equipe num contexto institucional determinado. Quadro 6: Competências necessárias à docência. Fonte: Organizada pela autora com base nas referências citadas. Considerações finais As classificações e as tipologias apresentadas pelos docentes investigados e pelos teóricos revelam a diversidade de conceitos e compreensões sobre a profissionalização docente. Assim, “elas são tão plurais, diversas e heterogêneas quanto seu próprio objeto de 8447 análise” (PUENTES; AQUINO; NETO, 2009, p. 182). Nesse sentido, vale ressaltar que os saberes, conhecimentos e competências citados nessa pesquisa pelos docentes e por diversos atores são construídos ao longo da vida profissional da docência. Outros acabam não sendo desenvolvidos por razões diversas, entre as quais a falta de motivação individual, que levaria à busca desse aperfeiçoamento, assim como a falta participação efetiva de formação institucional que possibilitaria a ampliação desse olhar para a docência. Dessa forma, estamos diante de um desafio institucional: o fortalecimento do caráter profissional da docência no Ensino Superior. Reafirma-se, portanto, a necessidade da profissionalização docente, que exige, além dos saberes técnicos e científicos, saberes docentes que configurem a criticidade e a reflexividade sobre as suas práticas, assim como a dialogicidade entre seus pares. Importa enfatizar, entretanto, que é preciso compreender o contexto histórico em que as profissões da Saúde se inserem, considerando de forma integrada as demandas sociais e as políticas de Estado para as grandes áreas da Educação e da Saúde no Brasil. Esta última fortemente marcada pelo movimento da Reforma Sanitária Brasileira, que consolidou seus princípios na legislação constitucional, que determina como competência do SUS a ordenação da formação na área da Saúde. A qualificação docente será tanto mais efetiva e legítima quanto maior for a sua capacidade de responder a essas demandas sociais, envolvendo as instituições de ensino, o Estado e os segmentos sociais representativos, por uma formação capaz de determinar um impacto concreto na qualidade de vida e na saúde da população. REFERÊNCIAS ANDRADE, M. R. S. Recontextualização do currículo integrado nos cursos de Medicina da UFSC e UNOCHAPECÓ. 2012. 311fs. Tese (Doutorado em Educação). UNICAMP, Campinas, SP. ANDRADE, M. R. S.; VIEIRA, C. C.; CASTRO, A. A. Perfil do Médico Docente e o Compromisso com a Universidade In: VII Congresso Nacional de Educação- EDUCERE, 2007, Curitiba. Anais do VII Congresso Nacional de Educação- EDUCERE. 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