DIREITO À
COMUNICAÇÃO
NO AR: a gestão
do espectro
eletromagnético
brasileiro
Espectro eletromagnético:
ondas e faixas
Com as descobertas científicas e desenvolvimento tecnológico que marcaram o século XX, usar o espectro
eletromagnético passou a ser algo cotidiano na vida das pessoas. Ao sintonizarmos um rádio, ao acionarmos
o controle remoto de um portão, ao assistirmos TV, ao usarmos um celular, ao conectarmos um computador
à internet e até mesmo quando ligamos uma lâmpada incandescente, descongelamos comida no micro-ondas
ou quando vamos ao médico tirar um raio-X, estamos utilizando o tal espectro.
Embora todos esses aparelhos e serviços sejam bastante distintos, têm em comum o fato de funcionar a partir
do uso de radiação eletromagnética, que se propaga na forma de ondas através do ar. Raios de luz, raios gama,
raios-x, micro-ondas e ondas de rádio são, portanto, manifestações do mesmo fenômeno natural. O que diferencia cada uma delas é o comprimento das ondas geradas e, por conseqüência, a frequência com que se propagam. (Veja “Mais detalhes: o espectro e as comunicações”.)
O que chamamos de espectro eletromagnético é justamente o conjunto destas diferentes frequências. Elas são
organizadas de forma esquemática em diferentes faixas. Cada faixa é ocupada por um tipo de onda, isto é, por
radiações que se propagam com características semelhantes.
Tecnologias diversas podem usar o mesmo tipo de radiação e, portanto, compartilham estas grandes faixas.
Por exemplo, as micro-ondas são usadas nos fornos presentes em quase todas as cozinhas e também para
transmitir programação de TV a cabo. As ondas de rádio são usadas para as transmissões de rádio e TV, mas
também nas redes de celular. Ou seja: estas grandes faixas são divididas também em outras faixas de frequência
para que diferentes tecnologias e também diferentes serviços (por exemplo, as várias emissoras de TV aberta
ou diferentes operadoras de telefonia) em uma mesma tecnologia possam conviver.
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Quando sintonizamos uma estação de rádio percebemos justamente que cada emissora opera em uma faixa
de frequência – por exemplo, no caso do rádio AM, 840Khz, 1020Khz e assim por diante. Assim, com cada
emissora ocupando determinada “parte” do espectro, não há interferências ou sobreposição entre os sinais.
Num outro exemplo, o que chamamos de “canais de TV” são justamente, as faixas de frequência concedidas às
emissoras para que transmitam as suas programação.
O uso do termo “canal” ajuda a visualizar a função assumida pelas faixas de frequência quando usadas como
suporte para os diferentes meios de comunicação: elas são o caminho usado para levar dados de um ponto a
outro. Especificamente, a “região” do espectro predominantemente usada para os serviços de telecomunicações (telefonia e internet) e radiodifusão (rádio e TV) é chamada de “espectro radioelétrico”.
Embora já existam estudos que apontem para uma otimização do seu uso, o espectro eletromagnético é considerado algo finito pela maioria dos especialistas. Na prática, significa dizer que possui limites para a sua
ocupação pelos diversos serviços. Por ser escasso e importante à vida moderna, é considerado um bem público
pela legislação brasileira e também de outros países. Como esclarece a Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel), “o espectro de radiofrequências é um recurso limitado, constituindo-se em bem público” e, no caso
do Brasil, este bem público é administrado pela própria Anatel.
Diz ainda a agência: “O fato de ser um recurso escasso, por si só impõe ao poder público o dever de administrálo adequadamente para que possa ser usufruído pela sociedade da forma mais equilibrada possível. Deste
modo, todo serviço, atividade ou aparelhos que usam o espectro são regulados por leis e especificações técnicas
e os grupos de faixas são destinadas às categorias de serviço pré-estipuladas, para os quais o Estado emite licenças ou concessões públicas a empresas e instituições passam a operar determinados serviços.”
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Isso implica dizer que as empresas de comunicação não são proprietárias das faixas do espectro ou dos “canais”,
como chamamos cotidianamente. Estas apenas detêm a licença provisória para operar um serviço de interesse
público e, por isso, precisam respeitar princípios, cumprir determinados requisitos técnicos e também zelar
pela qualidade do serviço prestado para continuarem suas atividades. Assim, todos os meios de comunicação
e informação que utilizam o espectro em sua base técnica precisam passar por processos de licenciamento se
quiserem ter o direito de explorar os respectivos serviços.
Portanto, a distribuição das faixas de frequência, os critérios e parâmetros de gestão desse bem público chamado espectro eletromagnético estão na base das políticas públicas de comunicação e podem moldar – ou não
– um sistema que respeite o direito humano à comunicação.
Mais detalhes: o espectro e as comunicações
A onda eletromagnética é uma forma de energia que se propaga no espaço ou em meios físicos
condutores (como os fios metálicos). É composta de “campos elétricos” e “campos magnéticos”.
Ao longo do tempo, os físicos aprenderam a domesticar esta forma de energia, de modo que
hoje ela pode ser empregada para diversas finalidades, como o transporte de informações (comunicações), aquecimento (fornos de micro-ondas) e, no futuro, dizem que também para o
transporte de energia elétrica (seria o fim da necessidade de ligar o computador na tomada).
Para se propagar no espaço, a onda eletromagnética “pulsa” tal qual um coração que se contrai
e se expande, ou como uma onda do mar, que vai caminhando com a ajuda de um incessante
movimento de sobe e desce. O ritmo dessa pulsação – quantas vezes isso ocorre no intervalo
de um segundo – é o que denominamos “frequência”. A frequência é medida em hertz (Hz, em
homenagem ao cientista alemão Heinrich Hertz). Usualmente, as ondas de rádio têm frequências bastante elevadas, por isso empregam-se os múltiplos: kHz (quilohertz, ou mil hertz, da
mesma forma que o quilograma refere-se a mil gramas); MHz (megahertz) para um milhão e
GHz (gigahertz) para mil milhões, respectivamente.
Outra característica de uma onda eletromagnética é o seu comprimento de onda, ou seja, qual
foi a distância percorrida entre uma contração e outra. A frequência e o comprimento de onda
são duas faces de uma mesma moeda, ou seja, se você conhece a frequência de uma onda, você
sabe dizer qual é o comprimento da onda, e vice-versa.
Estamos imersos em um mar de ondas eletromagnéticas. Assim, rigorosamente falando, o espectro está em todo lugar. É mais fácil entender o que é o espectro eletromagnético por meio
de uma metáfora. Imagine-o como sendo uma rua bem comprida, cheia casinhas. O número
das casas correspondem à frequência. Por ser bem extensa, a Rua Espectro estende-se através
de diferentes regiões: existem trechos que são planos, outros são pedregosos, ou ainda ladeiras
íngremes de difícil passagem. Assim, há casas que ficam em regiões planas, outras ficam no
morro. (Takashi Tome, Engenheiro eletricista e pesquisador da Fundação CPqD)
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Faixas possuem características diferentes
A radiocomunicação utiliza as diversas faixas conforme a aplicação que melhor se adapta às
características da faixa. Assim, a radiodifusão e a televisão utilizam as faixas mais baixas por
permitirem maior alcance e diversos tipos de propagação, como é o caso das ondas médias que
se propagam simultaneamente pela terra e pelo ar. Os serviços móveis utilizam também faixas
apropriadas, a fim de permitir coberturas com economia no número de repetidoras o que
se reflete no custo da infraestrutura. Os radares meteorológicos utilizam faixas que possuem
características específicas de propagação em ambiente de chuva, facilitando a detecção de
nuvens e tempestades, e assim por diante. (Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel)
O filé mignon do espectro
Quanto mais alta a frequência, menor a propagação e mais informações se consegue carregar.
Da mesma forma, quanto menor a frequência, maior a propagação e menor a capacidade de
carregar informações. Por isso, a faixa de frequências que vai de 60 MHz a 3GHz é considerada
o ‘filé mignon” do espectro radioelétrico, porque combina boas características de propagação
e de quantidade de informação que consegue carregar. (João Brant, Intervozes – Coletivo Brasil
de Comunicação Social)
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gestão à brasileira: estruturas
paralelas, regras incongruentes
Como se viu, o intenso uso do espectro radioelétrico na vida cotidiana exige o estabelecimento de normas a
serem seguidas e papéis a serem cumpridos por diferentes órgãos e instituições na gestão desse bem público.
Quando se trata do uso do espectro para atividades de comunicação, a atual legislação brasileira está baseada
na distinção legal e regulatória entre a radiodifusão – a distribuição de conteúdo radiofônico e televisivo – e as
telecomunicações – os serviços de telefonia e tráfego de dados. Esta distinção define que a gestão do espectro radioelétrico, no Brasil, é operada por estruturas paralelas que
seguem regras diferenciadas, fato que vem sendo criticado por entidades e especialistas que consideram esta
diferenciação entre serviços defasada diante do novo cenário de convergência tecnológica. Deste ponto de vista, a gestão do espectro precisa ser repensada, uma vez que, radiodifusão e telecomunicações passam a operar
sobre a mesma plataforma digital, o que as tornaria intimamente conectadas e integráveis.
Como afirma um dos coordenadores executivos do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, João
Brant, a distinção em vigor não reflete a atual organização dos sistemas de comunicações. Para ele, a radiodifusão é uma modalidade de telecomunicações. “O Brasil sabe disso desde pelo menos 1962, quando aprovou
um Código Brasileiro de Telecomunicações que tratava dos dois temas conjuntamente. Mas mudou de ideia
em 1995, quando aprovou a Emenda Constitucional n° 8, que os separou. Embora uma parte das regras da
radiodifusão tenha, de fato, especificidades, essa separação acabou servindo para que as regras desse setor não
fossem atualizadas. Em um cenário de convergência, essa distinção é ainda menos real, dado que o modo de
transmissão deixa de ser definidor do serviço oferecido”, explica.
Na década de 90, esta separação ocorreu justamente no conturbado cenário de privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, que dividiu e vendeu o Sistema Telebrás, abrindo o setor para o capital privado e
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para as multinacionais da telefonia. Como segmento separado das telecomunicações, a radiodifusão foi protegida da concorrência com empresas estrangeiras.
O professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutor em Engenharia de Produção Marcos Dantas também reforça a crítica à atual divisão da legislação brasileira e indaga:
“Quando as operadoras de comunicações móveis fazem anúncios com base em acesso à internet, carregamento
de música, envio ou recepção de fotos, elas ainda podem ser definidas como operadoras de telecomunicações?”
Para Dantas, tais empresas se tornaram fornecedoras e produtoras de conteúdos, atividades que definiam tipicamente as emissoras de radiodifusão. “Nestas condições, é preciso uma política de gestão do espectro que
considera o seu uso precípuo: transporte de conteúdo”, propõe.
Na opinião do diretor de Políticas de Telecomunicação e Comunicação da Federação Interestadual dos
Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel), Edson Lima, seria preciso deixar claro o papel de cada
concessionário para cada um dos serviços. “Este é um ponto crítico. Tende-se a colocar tudo em mesma
classificação6 apenas porque a tecnologia traz tal possibilidade. Porém a responsabilidade dos concessionários
deve ficar muito clara. Não é possível que, simplesmente, atributos de radiodifusor sejam dados às operadoras
de telecomunicações, ou que atributos de operadores de telecomunicação sejam dados aos radiodifusores sem
que compromissos em favor do país, da população, dos empregos e da sociedade brasileira em geral estejam
claros”, ressalva.
Radiodifusão x Telecomunicações: um panorama da distinção
Marco legal
De modo geral, a regulação do uso do espectro para as comunicações está baseada em parte
do Capítulo V da Constituição Federal e na Emenda Constitucional nº 8 (de 1995), que alterou
o artigo 21 da CF distinguindo telecomunicações de radiodifusão. A partir desta base mais
ampla, existe um conjunto de leis e decretos que determinam os parâmetros de funcionamento
de um e outro setor.
Nas telecomunicações, desde 1997 a referência é praticamente uma só: a Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/1997). A LGT reorganizou todo o setor, estabelecendo as bases do
processo de privatização do Sistema Telebrás.
Com a edição da LGT, o marco legal anterior – o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei
nº 4.117, de 27 de agosto de 1962) – foi, praticamente, cortado pela metade. Embora permaneça a referência às telecomunicações no nome, o CBT vigora hoje exclusivamente para
regular as atividades de radiodifusão. A base da regulação do uso do espectro pelo rádio e a
TV se completa com o Decreto 52.795/63 (que regulamenta os serviços de radiodifusão, em
especial os processos de outorga e renovação) e o Decreto-lei 236/67 (que modifica o CBT,
incluindo três questões importantes: revê as penalidades aos concessionários que descumprirem termos contratuais; limita às empresas majoritariamente nacionais o direito de obterem
concessões e estabelece limites sobre o número de outorgas por entidade).
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Órgãos reguladores
Fundamentalmente, dois órgãos se dividem no gerenciamento dos serviços de comunicação
que usam o espectro radioelétrico. O Ministério das Comunicações (Minicom) é o principal
órgão gestor da radiodifusão, tendo ainda a Casa Civil e o Congresso Nacional participação no
trâmite de alguns processos, inclusive por força de determinação constitucional.
Já a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) foi criada como órgão regulador técnico
das telecomunicações na década de 90. Essencialmente, a Anatel gerencia aspectos técnicos e
de mercado das telecomunicações.
A agência, entretanto, também cumpre papel importante na gestão do espectro utilizado para a
radiodifusão: é o órgão responsável por elaborar, manter e atualizar os planos de canais a serem
usados pelos prestadores. A outorga das frequências, entretanto, é de competência do Ministério das Comunicações. A Anatel também tem atuado na fiscalização da radiodifusão, apesar de
esta ser função do Minicom. Como a estrutura do ministério foi desmontada no fim da década
de 90, a agência assumiu algumas tarefas através de um contrato de cooperação.
A Anatel foi desenhada, na teoria, para atuar com relativa autonomia em relação ao governo,
ao Minicom e também ao mercado. Está submetida a sabatina e prestação de contas junto
ao Executivo Federal, que é também responsável pela indicação de nomes para compor seu
conselho diretor, bem como seu conselho consultivo. A Anatel também é fiscalizada pelo Congresso Nacional.
Distribuição das faixas
A distribuição das faixas de frequência obedece a lógicas diferentes para diferentes serviços de
comunicação.
No caso da radiodifusão, a licença para o uso da frequência está intimamente ligada à outorga
da licença para a prestação do serviço. A uma outorga para a prestação do serviço corresponde
a licença para uso de uma frequência por determinado período para a distribuição de uma
programação de rádio ou TV. Este período é de 15 anos para a televisão e de 10 anos para o
rádio.
Desde 1997, a outorga para a execução de serviço de radiodifusão é realizada através de processo licitatório. O processo é iniciado pelo Ministério das Comunicações, a partir da autorização técnica da Anatel, que, como se viu, é responsável pelo plano de outorgas, ou seja, por
estabelecer se há disponibilidade de uma dada frequência para um determinado serviço em
determinada área. O processo licitatório prevê a avaliação de quesitos econômicos e do planejamento em relação à programação. Finda a licitação, o vencedor ainda precisa ter a sua outorga validada pelo Congresso Nacional.
Nem toda outorga é licitada: os serviços autorizados (as emissoras educativas, as repetidoras e
retransmissoras e também as rádios comunitárias) não passam por processo de licitação. Além
disso, findo o prazo da outorga, não há nova licitação para aquela faixa, mas sim um processo
de renovação.
Já no caso das telecomunicações, mais de uma frequência pode ser alocada para uso de uma
mesma prestadora, visto que a lógica dos serviços (telefonia fixa e móvel, internet e TV por
assinatura) não está ligada à oferta de uma programação, mas à constituição de uma rede para
tráfego de dados (voz ou imagem) cobrindo uma determinada área.
Neste caso, é tarefa da Anatel avaliar, além de quais são as melhores frequências para cada tipo
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de serviço, a necessidade de se colocar em uso uma determinada faixa, considerando critérios
como a qualidade e a extensão da cobertura de um determinado serviço, e, então, iniciar os
procedimentos de oferta desta faixa às operadoras.
A distribuição de uma faixa se dá principalmente através dos leilões de frequências. Ao final
do leilão, a Anatel emite uma “autorização de uso de radiofreqüência”. O prazo de vigência previsto na Lei Geral das Telecomunicações para cada autorização é de 20 anos, prorrogáveis por
mais 20. A renovação, no entanto, pode não estar prevista no contrato específico.
Por determinação legal, os leilões são necessários quando há mais de um interessado no mesmo segmento do espectro, mas podem ser dispensados caso haja apenas um interessado, ou em
casos específicos de interesse público ou de segurança nacional. O funcionamento dos leilões
varia conforme o caso. Os critérios, estabelecidos pela Anatel, podem privilegiar o preço em
detrimento de outros atributos, mas também podem privilegiar a técnica e a abrangência do
atendimento (compromissos de abrangência).
É importante ressaltar que os critérios adotados tanto nos leilões de frequência para os serviços
de telecomunicações seguem as regras estabelecidas na Lei 8.666, Lei de Licitações. Os processos licitatórios na radiodifusão também deve obedecer os trâmites previstos na mesma lei.
É importante ressaltar que o uso do espectro para os chamados “serviços de interesse restrito”
(como o radioamador ou as frequências usadas nas comunicações entre aeronaves ou embarcações) também requerem autorização da Anatel. A distribuição de faixas para estes serviços,
entretanto, seguem regulamentos próprios, definidos pela agência.
Equipamentos que usam emitem ou fazem uso de radiação dentro do espectro radioelétrico
(como os fornos de micro-ondas) não precisam de autorização prévia da Anatel, mas devem
seguir os padrões estabelecidos pela agência.
Propriedade das operadoras e competição
Na radiodifusão, o Artigo 220 da Constituição veda o monopólio e o oligopólio. Porém, não há
regulamentação dos artigos constitucionais ou mesmo a definição de critérios básicos por órgãos
ligados à regulação dos mercados (como o Cade) sobre o que configuraria monopólio ou oligopólio nas comunicações. Já o Artigo 222 da CF determina que pelo menos 70% do capital total
e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão devem pertencer a brasileiros.
No caso das telecomunicações, é função da Anatel promover a competição em todos os setores
das telecomunicações, sendo a própria distribuição das frequências um dos instrumentos a seu
dispor para cumprir esta obrigação.
Quanto à origem do capital, as operadoras dos serviços de telecomunicações têm a obrigação
de serem empresas brasileiras, isto é, registradas e em atividade no país, porém, não há limitações em relação ao capital estrangeiro. A única exceção é o serviço de TV a cabo. Apesar de
ser considerado um serviço de telecomunicações, a lei que o regulamenta é anterior à LGT e
estabelece que a maioria do capital (mais de 50%) deve estar em mãos de investidores nacionais. Os serviços caracterizados por uso intensivo do espectro não têm limitação em relação à
presença de capital estrangeiro.
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Tipos de outorgas
No caso da radiodifusão, há três modalidades de outorga: permissão, concessão e autorização.
A permissão é utilizada para serviços de caráter local (AM e FM de potência mais baixa) e é
assinada pelo Ministro das Comunicações. A concessão é utilizada para serviços de caráter
nacional e regional (TV, rádio em ondas curtas e AM/FM de alta potência) e é de responsabilidade do presidente da República. Já a autorização é dada a pessoas jurídicas de direito público
interno (órgãos da administração pública direta e indireta) e as fundações de direito público
ou privado. São também serviços autorizados a radiodifusão comunitária (Lei 9.612/98) e as
repetidoras e retransmissoras de rádio ou TV.
A distinção entre uma e outra é, essencialmente, a instância responsável por definir a continuidade ou não da licença. As autorização estão submetidas ao Executivo Federal. Já as concessões
e permissões só podem ser canceladas mediante decisão judicial. A não renovação só ocorre
com a aprovação de 2/5 do Congresso Nacional em votação nominal.
Regime jurídico
Nas telecomunicações, os serviços são classificados de acordo com a sua essencialidade, ou
seja, o quanto eles podem ser considerados direitos essenciais aos cidadãos brasileiros. Esta
categorização define o regime de prestação do serviço – público ou privado.
Os serviços considerados essenciais são prestados em regime público. Isso implica em obrigações em relação à universalização, a metas de qualidade e à continuidade do serviço. Também
impõe um regime de controle de preço e modicidade tarifária (preços módicos). Além disso,
se por qualquer motivo a empresa que opera o serviço se tornar impossibilitada de fazê-lo, o
Estado assume tal atividade, tomando para si inclusive a infraestrutura existente.
Os serviços em regime privado são mais flexíveis em relação às obrigações e seguem uma regulação menos rígida - em outros termos, são basicamente regulados por regras de mercado.
A definição sobre o regime é facultada ao presidente da República. O único serviço prestado
em regime público é a telefonia fixa. Todos os serviços que exigem uso intenso do espectro
(como telefonia celular e internet móvel) são prestados em regime privado.
Exigências contratuais
As emissoras de radiodifusão operam uma concessão pública focada na transmissão de conteúdos audiovisuais. Além de terem de seguir os regulamentos técnicos, a maior parte de suas
responsabilidades está relacionada à qualidade do que transmitem. Estas responsabilidades estão previstas no Capítulo V da Constituição, ainda sem regulamentação. Outras exigências específicas, como o tempo mínimo para programação jornalística ou o tempo máximo dedicado
à publicidade, estão relacionadas no Decreto 52.795/63. Estas exigências foram transcritas em
um modelo único de contrato, previsto no Decreto 88.066/83.
Já as empresas de telecomunicações estão submetidas a contratos estipulados durante o processo licitatório e suas obrigações variam de acordo com os termos da licitação. Como a maior
parte do serviços de telecomunicações são prestados em regime privado, prevalecem exigências mais vinculadas à eficiência do serviço do que a universalização deste. Eventualmente, a
Anatel inclui nestas licitações metas de massificação.
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Radiodifusão: o passivo analógico e
os problemas digitais
Apesar de a convergência de mídias evidenciar a necessidade de se realizarem mudanças no sistema de comunicação
brasileiro que deem conta dos novos serviços, os problemas do mundo analógico ainda precisam ser resolvidos.
Decorrente de um processo histórico de distorções, pode-se afirmar que a gestão do espectro brasileiro privilegia os grupos da elite financeira e política do país. No caso da radiodifusão, esta é uma realidade evidente.
Basta perceber que cerca de 90% do espectro radioelétrico destinado à radiodifusão é usado por emissoras
comerciais de rádio e TV. Tal fato entra em conflito direto com a Constituição que, em seu Artigo 223, prevê a
complementariedade entre os sistemas público, privado e estatal.
Além disso, há restrições significativas para o funcionamento de canais públicos e comunitários. No caso das
rádios, por exemplo, o dial é reservado, por lei, quase que exclusivamente a emissoras tradicionais, reservado
apenas um canal por localidade para as rádios comunitárias. Isso significa que apenas cerca de 2% do espectro
de FM pode ser usado por emissoras ligadas às comunidades e organizações locais.
Em termos de gestão do espectro, esta reserva ínfima não pode ser justificada por uma questão tecnológica, já
que não se trata de falta de espaço nas faixas destinadas ao rádio em FM. É uma decisão política.
A forma como vêm sendo distribuídas e fiscalizadas as concessões de rádio e TV é outro exemplo claro de
como o gerenciamento do espectro radioelétrico está pouco protegido dos interesses político-partidários e,
igualmente, das pressões dos setores privados da economia, fazendo com que estes prevaleçam sobre o interesse
público.
Para se ter uma ideia, apenas a partir de 1995 é que as outorgas de serviço de radiodifusão passaram a ser objeto
de licitação pública. Antes disso, eram concedidas basicamente por indicações dos parlamentares e dos governos.
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No entanto, essa medida não garantiu a transparência ou a democratização do acesso às faixas do espectro
destinado à radiodifusão. Substituiu-se os critérios políticos pelos critérios financeiros: com as licitações, o
poder econômico de um concorrente define quem pode e quem não pode ser concessionário de rádio e TV.
Pesquisa realizada por Cristiano Lopes Aguiar, consultor legislativo da Câmara dos Deputados, analisou 507
editais de licitação e 1.996 concorrências que resultaram em 1.033 outorgas entre os anos de 1997 e 2008. Os
resultados mostram que 93,48% das licitações onde houve competição entre no mínimo dois candidatos foram
ganhas por aquele que apresentou a melhor proposta de preço. Em 1,77% dos casos, os vitoriosos apresentaram
as propostas mais bem avaliada tanto financeira quanto tecnicamente. Em apenas 4,75% das licitações, venceram
os candidatos que tinham apenas a melhor proposta técnica.
Os critérios técnicos levam em conta quatro quesitos: tempo destinado a programas jornalísticos, educativos e informativos; tempo destinado a serviço noticioso; tempo destinado a programas culturais, artísticos e
jornalísticos a serem produzidos e gerados na própria localidade objeto da outorga e prazo para início da execução do serviço. Há, ainda, a possibilidade de cada edital inserir outros quesitos específicos.
Cada um destes itens recebe uma pontuação correspondente ao seu atendimento integral segundo a avaliação
dos técnicos do Ministério das Comunicações, mas o que a pesquisa apontou é que quase a totalidade das propostas recebe a nota máxima em todos os quesitos. Uma das conclusões do estudo é, justamente, que o grande
índice de notas máximas e quase máximas prova que inexistem critérios para avaliação das propostas.
Ainda que estes critérios fossem considerados e novas outorgas fossem concedidas a partir de processos mais
sensíveis a questões de interesse público, a distribuição do espectro radioelétrico destinado à radiodifusão
seguiria em um quadro de distorção grave por duas razões. A primeira diz respeito aos processos de renovação
das concessões de radiodifusão. A legislação brasileira não prevê que, ao término dos prazos de vigência das
outorgas (15 anos para TV e 10 anos para rádios), os canais sejam objeto de novas licitações. Ao invés disso,
estabelece procedimentos e exigências que garantem a renovação automática das concessões, impedindo a entrada de novos atores no espectro radioelétrico.
A renovação de uma outorga da radiodifusão só deixa de ser feita se dois quintos do Congresso Nacional, em
votação nominal, se pronunciar contra, o que torna improvável a não-renovação. O caráter automático da
renovação ainda é reforçado em um decreto de 1983 que prevê: “caso expire a concessão ou permissão, sem
decisão sobre o pedido de renovação, o serviço poderá ser mantido em funcionamento, em caráter precário”.
Mesmo se o processo emperrar porque a própria emissora estiver devendo documentos, a licença em caráter
precário segue valendo. Ou seja: basta apresentar o pedido de renovação e se obtém a licença “provisória”.
Além disso, o longo tempo que se leva para analisar os pedidos de renovação, tanto nos órgãos do Executivo
(Ministério das Comunicações e Casa Civil), como nas duas casas legislativas (Câmara e Senado) também
contribuem para que as emissoras continuem atuando por anos com suas outorgas vencidas. O tempo médio
de tramitação de uma renovação de outorga de rádio FM, por exemplo, é de sete anos.
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O longo tempo que os processos percorrem entre o Legislativo e o Executivo não significa rigor na avaliação do
serviço. Tal fato explica-se pela falta de estrutura e de vontade política para analisar os pedidos de forma ágil. A
rigor, existem poucos mecanismos para analisar se os veículos cuidaram pelo menos dos requisitos legais mais
básicos, inclusive exigências expressas na Constituição.
Por exemplo, o cumprimento do Artigo 221 da Constituição – que prevê que a programação dos veículos deve
dar preferência às finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, assim como promover a cultura
regional e estimular as produções independentes – não é objeto de análise em nenhuma instância. Isso porque
não há parâmetros constituídos para realizar esta avaliação. Mesmo questões mais evidentes, como a previsão
legal de que as emissoras não podem usar mais de 25% de sua programação diária para uso da publicidade e
devem dedicar pelo menos 5% à oferta de conteúdo jornalístico, simplesmente não são verificadas.
Como funciona a renovação de uma concessão
• A emissora que tem sua concessão em vias de expirar deve manifestar interesse em continuar prestando o serviço no período de três a seis meses antes da data limite.
•
O pedido vai para o Ministério das Comunicações. Ele analisa e envia para a Casa Civil,
que, aprovando o pedido, encaminha ao Congresso.
•
No Congresso, o processo é analisado, na Câmara dos Deputados, pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI). Aprovado, o processo segue para a
Comissão de Justiça e Cidadania (CCJ).
•
Por último, o pedido de renovação da concessão é analisado pelo Senado, por meio de
uma comissão interna.
•
Esse processo, no caso de emissoras de TV, pode durar mais de três anos. Em casos de
emissoras de FM, leva, em média, sete anos.
Caberia principalmente ao Ministério das Comunicações a fiscalização das irregularidades cometidas pelos
concessionários de radiodifusão. Porém, ela é reconhecidamente frágil. O próprio órgão considera que sua
estrutura não é adequada para tal objetivo. Em audiência pública realizada em novembro de 2008, o então
consultor jurídico do Ministério das Comunicações, Marcelo Bechara, admitiu que “o processo de renovação
é extremamente burocrático. Ninguém tem dúvidas com relação a isso. Já passou da hora de termos uma uniformização dos procedimentos”. Para o representante do Minicom, a razão é a falta de estrutura do órgão. “O
fechamento de delegacias no governo passado ainda pesa sobre os servidores. Todos os processos se concentram em Brasília”, argumentou à época.
Já a Anatel não tem como função fiscalizar o uso das frequências destinadas à radiodifusão. A agência atua
como reguladora técnica do espectro, não sendo responsável por fiscalizar o cumprimento de normas legais
pelas emissoras relacionadas ao conteúdo. Só o faz sob eventual demanda do Minicom.
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Por fim, a participação da população no controle do uso do espectro radioelétrico destinado à radiodifusão
é quase nula. Nem nos procedimentos de outorga, nem durante todo o percurso de renovação de uma concessão, por exemplo, as emissoras passam por uma avaliação pública da qualidade dos seus projetos ou de seus
serviços. Apenas em 2007, a Câmara dos Deputados, por meio da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), criou a possibilidade da realização de audiências públicas como um mecanismo
de análise das emissoras. A medida, porém, ainda encontra resistência e os parlamentares da própria CCTCI
tem votado contra essa forma de controle social. Até hoje, nenhuma audiência foi feita para discutir os serviços
de algum veículo em particular.
Privatização
Outro fator que promove a distorção por completo do uso do espectro radioelétrico destinado à radiodifusão
no Brasil é que não há restrições de fato à transferência e negociação das outorgas. Assim, a forma como a
maioria das concessões mudam de “dono” atualmente não é por meio de novas disputas em licitações. Muitas
destas mudanças são feitas por transferências diretas de um grupo para o outro, o que se configura como venda
de um bem público (o uso do espaço do espectro radioelétrico). E a medida não é ilegal. Um decreto de 1963
permite que, depois de cinco anos, o concessionário venda sua outorga, desde que autorizado pelo Congresso
e pelo Poder Executivo.
Essa prática, que hoje é comum, pode se tornar ainda mais recorrente. Um projeto de lei apresentado pelo
ex-ministro das Comunicações, Hélio Costa, enquanto ainda era senador, em 2005, propõe que os concessionários de rádios com potência de até 50 KW e emissoras de TV que não sejam cabeça de rede possam vender suas outorgas sem a necessidade de aprovação do Congresso e do Governo Federal. A eles
bastaria apenas comunicar a transação ao Executivo. A regra só não serviria para veículos que possuírem
alguma acionista estrangeiro em seu quadro societário. O projeto (PLS 222/05), tramita no Senado.
Outra forma que os grupos privados encontraram para seguirem sobrerrepresentados na obtenção de novas concessões foi por meio das licenças de rádio e TVs educativas. Em 1996, o Decreto 2.108 isentou as
emissoras de tal categoria de enfrentarem uma licitação. Em 2006, das 19 novas outorgas de TV concedidas, 15 delas (correspondentes a 78,9% do total) eram para fins exclusivamente educativos. Para
as rádios FMs, 27,8% das novas concessões eram educativas. Os dados foram levantados CCTCI.
A ausência de licitação nas concessões de emissoras educativas foi alvo de uma decisão da Justiça Federal em
Goiás, que considerou a dispensa de processo público licitatório inconstitucional. Segundo o juiz Jesus Crisóstomo de Almeida, “em se tratando de serviço público não monopolizado, incide a norma constitucional disposta no art. 175 [da Constituição Federal]”. O artigo referido estabelece que a concessão de serviços públicos
deve ser feita pelo poder público “sempre através de licitação”.
O objeto da ação foi o processo que resultou na outorga de TV educativa a uma fundação privada na cidade de
Goiânia, que, na opinião do juiz, demonstrou patente “ofensa aos princípios da impessoalidade e da isonomia
no processo administrativo”. A Fundação Ministério Comunidade Cristã recebeu a concessão em 15 de abril
de 2002, três meses após a solicitação ao Ministério das Comunicações. O privilégio fica evidente quando
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DIREITO À COMUNICAÇÃO NO AR: a gestão do espectro eletromagnético brasileiro
se verifica que a Universidade Federal de Goiás (UFG), através da Fundação Rádio e TV Educativa, já havia
apresentado solicitação idêntica em 1999. A licença foi suspensa e o caso, junto com os números levantados
pela CCTCI, demonstra que as emissoras educativas passaram a ser usadas como moeda de troca política.
Algumas propostas
O parlamento brasileiro, apesar de geralmente servir de barreira a propostas para democratizar o acesso ao
espectro, já elaborou projetos de interesse público para a área. Algumas das propostas mais avançadas produzidas pelos deputados constam no Relatório Final da Subcomissão Especial da CCTCI destinada a analisar
mudanças nas normas de apreciação dos atos de outorga e renovação de concessão, permissão ou autorização
de serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens.
O relatório foi aprovado em dezembro de 2007. O texto foi elaborado pela ex-deputada Maria do Carmo Lara
(PT-MG), tendo a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) como presidente da subcomissão. O documento traz
propostas de alterações nos procedimentos de análise das outorgas, sugere mecanismos e iniciativas com o
objetivo de melhorar as ações de fiscalização e recomenda mudanças legislativas em vários instrumentos que
regulam a radiodifusão, sugerindo inclusive revisões na Constituição. Os trabalhos da subcomissão foram
reativados para pilotar a implementação das medidas. As sugestões, porém, ainda não foram acatadas.
Propostas do relatório da Subcomissão de Concessões da CCTCI
• Proposta de Emenda Constitucional que “expressamente proíba que parlamentares sejam proprietários, controladores, diretores ou gerentes de empresa de radiodifusão sonora e de sons e imagens”,
vedação também estendida a qualquer ocupante de cargo público.
• Proposta de Emenda Constitucional sugerindo a revogação do parágrafo 2º do artigo 223. Ele estabelece que a não renovação de uma outorga de rádio ou TV ocorra somente com 2/5 dos congressistas
negando a nova autorização em votação nominal. Esta previsão cria uma exigência que, na prática,
assegura uma blindagem à possibilidade dos parlamentares vetarem a renovação de uma outorga.
• Proposta de Emenda Constitucional sugerindo a revogação do parágrafo 4º do artigo 223, que estipula que apenas o Poder Judiciário tem a prerrogativa de cancelar uma outorga de rádio e TV. Ao
restringir a possibilidade de cassação das licenças, tal exigência dá estabilidade aos concessionários
e cria um clima de impunidade.
• Projeto de Lei para mudar os critérios utilizados para se conceder e renovar uma outorga de rádio
e TV. Nas licitações para concessões de finalidade comercial, seria dado mais peso às propostas sobre “programas jornalísticos, educativos e informativos” e sobre “serviço noticioso”. Seriam exigidos,
também, percentuais mínimos de regionalização da produção cultural, artística e jornalística e de
produção independente a serem cumpridos pela emissora vencedora.
• Projeto de Lei em relação às permissões para rádios e TVs educativas. O projeto prevê que este
serviço seja explorado por órgãos da União Federal, Estados, Distrito Federal, Municípios e universidades brasileiras. Apenas onde não houver o interesse destes entes, seria permitida a outorga de
uma autorização a fundações privadas, “desde que seja demonstrada vinculação da entidade com
instituição de ensino”.
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DIREITO À COMUNICAÇÃO NO AR: a gestão do espectro eletromagnético brasileiro
Sugestões da CCTCI ao Ministério das Comunicações
• Publicização dos dados sobre os processos e a fixação de prazos uniformes e razoáveis para cumprimento das exigências pelas emissoras.
• Criação de uma “estrutura administrativa descentralizada responsável pelo acompanhamento permanente da prestação dos serviços de radiodifusão, com a participação não somente de servidores
do Ministério das Comunicações, mas também de entidades representativas da sociedade civil e das
comunidades locais”.
• Estabelecimento de um canal multimídia no Poder Executivo para que o cidadão possa encaminhar
denúncias de irregularidades na prestação dos serviços de rádio e televisão e apresentar sugestões
para aperfeiçoamento da regulamentação, procedimentos e atividades pertinentes à radiodifusão comercial e comunitária.
• Realização de uma auditoria operacional no Ministério das Comunicações, na Presidência da
República e na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sobre os procedimentos de análise
de outorgas e renovações de concessões, permissões e autorizações.
• Publicação periódica de avisos de habilitação para rádios comunitárias.
A sociedade civil também tem considerado o tema central para a luta pelo direito à comunicação. Em 2007,
um conjunto de organizações e movimentos sociais realizaram uma Campanha Nacional por Democracia e
Transparência nas Concessões de Rádio e TV. A campanha pedia ações imediatas contra as irregularidades no
uso das concessões, tais como excesso de publicidade, outorgas vencidas e emissoras nas mãos de deputados
e senadores; o fim da renovação automática, com o estabelecimento de critérios transparentes e democráticos
para renovação, com base nos artigos da Constituição; a instalação de uma comissão de acompanhamento
das renovações, com participação efetiva da sociedade civil organizada e a a convocação de uma Conferência
Nacional de Comunicação ampla e democrática, para a construção de políticas públicas e de um novo marco
regulatório para as comunicações. Em 2009, a convocação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação abriu
espaço para a apresentação de diversas propostas.
Principais propostas da sociedade civil à Confecom
• Reorganizar o espectro radioelétrico por meio de reservas de espectro para segmentos.
• Combater a venda de espaços nas programações a terceiros.
• Garantir que as emissoras de rádio e TV não tenham como concessionários detentores de cargos
públicos eletivos (como deputados, senadores e governadores).
• Mudar os critérios de concessão de novas outorgas.
• Efetivar a participação social nos processos de renovação das concessões de rádio e TV.
• Criar mecanismos de controle social sobre a atuação das emissoras.
• Cobrar a melhoria da capacidade de fiscalização das emissoras por meio dos órgãos competentes,
como o Ministério das Comunicações e Anatel.
• Exigir a desburocratização das concessões de rádios comunitárias.
• Aumentar o número de canais destinados às emissoras públicas e comunitárias.
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DIREITO À COMUNICAÇÃO NO AR: a gestão do espectro eletromagnético brasileiro
Boa parte destas reivindicações foram atendidas pelas resoluções aprovadas na 1ª Confecom. Destaca-se a
aprovação da proposta que divide o espectro eletromagnético em uma proporção de 40% para o sistema privado, 40% para o sistema público e 20% para o estatal. Esta determinação deve entrar também na atualização
do marco regulatório das concessões, outra resolução aprovada na Confecom.
Em relação ao estabelecimento de critérios específicos a serem observados na concessão da outorga, foram
aprovados: a diversidade na oferta, considerando o conjunto do sistema; a complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal; a preferência aos que ainda não têm meios de comunicação; o fortalecimento da
produção cultural local e a ampliação dos empregos diretos e a maior oferta de tempo gratuito disponibilizados
para organizações sociais e produções independentes. Já nas renovações, a Confecom aponta como quesitos
a serem observados: respeito à diversidade e ao tratamento dado à imagem da mulher, da população negra e
indígena e da população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Trânsgêneros), bem como
a regularidade trabalhista, fiscal e previdenciária e o cumprimento do disposto no artigo 221 da Constituição
Federal, que fala sobre as finalidades e princípios da comunicação.
O tema barrado na Confecom, no entanto, diz respeito ao cenário do uso do espectro no cenário digital. Não
houve acordo entre os setores participantes da conferência (governo, empresários e representantes da sociedade civil) a respeito da permissão para o uso da multiprogramação – a transmissão de mais de uma programação através de uma única faixa de frequência. Os empresários de radiodifusão presentes, representando
essencialmente os grupos Bandeirantes e RedeTV!, queriam a liberação do mecanismo para uso das emissoras
comerciais. Em oposição, movimentos e organizações sociais defendiam propostas que proibiam a multiprogramação, medida que dialogava com outras proposições para reduzir o tamanho das faixas de frequência
destinadas a cada emissora, de forma a abrir espaço no espectro para novos atores.
A TV digital
O Decreto nº 5.820/2006 (que define a implantação do Sistema Brasileiro de TV Digital) estipulou que os atuais
concessionários de emissoras de TV obtivessem por consignação mais um canal para fazerem a transição de
seu sinais para o modo digital. Essa migração está prevista para durar até 2016, quando se pretende que as
emissoras estejam operando apenas o sinal digital. Ocorre que, até lá, as emissoras ficarão com dois canais (um
digital e um analógico) para suas transmissões.
Esse período de transição é necessário tanto para que as empresas atualizem seus equipamentos quanto para
que as pessoas troquem seus televisores ou comprem conversores com o devido planejamento. Contudo, o
governo já admitiu que, a depender da velocidade com que caminhará o processo, o prazo limite pode ser
estendido.
Entidades do campo social, porém, acreditam que o processo de transição está ocorrendo de forma equivocada. O argumento central é que os concessionários receberam, por meio do Decreto 5.820, mais uma concessão
para o uso de um canal de 6Mhz sem a análise do Congresso. O inciso XII do artigo 49 da Constituição Federal
diz que as concessões de rádio e TV devem ter a anuência dos senadores e deputados.
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DIREITO À COMUNICAÇÃO NO AR: a gestão do espectro eletromagnético brasileiro
Desta forma, o espectro estaria sendo mal aproveitado, pois destina mais 6Mhz para os atuais concessionários
até 2016 pelo menos. Cabe lembrar que, com a digitalização, os sinais serão comprimidos, fazendo com que o
espaço usado hoje para transmitir uma programação possa ser dividido de forma a ser usado para o tráfego de
pelo menos mais quatro programações.
Os setores críticos ao modelo de digitalização brasileiro acreditam que esse espaço poderia ser dividido entre
mais emissoras, como as públicas. Do jeito que está, cabe ao concessionário que recebeu o canal digital escolher o que deseja fazer com esta nova faixa de frequência. O concessionário pode, inclusive, não usá-la por
completo, o que pode se configurar em desperdício do espectro.
Em alguns países da Europa, por exemplo, existe a figura do operador de rede, estrutura que recebe as programações das emissoras e cumpre a função de organizá-las e levá-las até a casa dos telespectadores. Se fosse
implantado aqui, esse operador poderia fazer com que várias empresas utilizassem um mesmo canal de forma
conjunta, abrindo o espectro para mais grupos sociais e otimizando seu uso. Além disso, ele reduz os custos
dos veículos com a distribuição do sinal, já que há um rateio dos gastos entre os usuários do serviço. No entanto, isso não está previsto no modelo adotado no Brasil.
Tecnicamente: por que o sinal digital aumenta os canais de radiodifusão
Além de possibilitar o transporte de qualquer tipo de informação por uma única rede, o sistema
digital tem outra grande vantagem. No caso dos sistemas analógicos, existe a necessidade de
deixar uma grande separação (no espectro) entre emissoras, para que, ao recebermos o sinal,
não ocorra a mistura do sinal de uma com a outra. Assim, no caso da TV, é necessário deixar
um canal livre entre dois canais adjacentes – por exemplo, pode-se ter, em uma dada localidade, uma emissora transmitindo no canal 10 e outra no canal 12, mas não no canal 11. No
caso do rádio FM, a coisa é mais grave: é necessário deixar dois canais livres entre emissoras
vizinhas. Adicionalmente, existe um problema de batimento de frequências, o que impede o
uso de alguns canais, mesmo que eles não sejam adjacentes. Nos sistemas digitais, esses problemas não existem (ou, para ser mais preciso, as tecnologias digitais foram concebidas de forma
a lidarem adequadamente com esses fenômenos). Assim, de cara, tem-se a disponibilidade
de um número muito maior de canais. Adicionalmente, dependendo da forma como se usa a
tecnologia digital, é possível enviar mais informação – ou mais canais – no mesmo espaço pelo
qual antes se trafegava um canal analógico. (Takashi Tome)
Digitalização e democratização
Boa parte da ocupação do espectro hoje já é digital sem que isso tenha trazido vantagens ou
benefícios à sociedade. Contudo, especialmente no caso da televisão, a digitalização traz um
potencial enorme de democratização. Mas esse potencial, como sabemos, pode não ser realizado. Infelizmente foi isso que aconteceu no caso do Brasil, onde se optou por um modelo
que, ao invés de democratizar, vai concentrar ainda mais as fontes de informação. Por isso, o
importante é estabelecer modelos favoráveis à sociedade e não somente às poucas empresas
que dominam os mercados de telecomunicações e radiodifusão. (Diogo Moyses)
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DIREITO À COMUNICAÇÃO NO AR: a gestão do espectro eletromagnético brasileiro
Canais comunitários e a digitalização do espectro
O mais grave da política brasileira para a TV digital é que não há previsão de política pública
clara para a migração da rede de TVs comunitárias para a plataforma digital, e não há política
pública definida para apoiar decisivamente essa transição e a consolidação disso. O exemplo
contrário vem, por exemplo, da Austrália, que acaba de definir uma verba volumosa para justamente permitir que o espaço comunitário continue a existir com qualidade na transição para
TV digital. Isso pressupõe a reserva de espaço espectral para viabilizar as transmissões abertas
de TV comunitária. (Carlos Afonso, Nupef e CGIbr)
Apesar das diversas críticas e do baixo índice de adesão da população aos receptores digitais (TVs ou decodificadores), o governo mantém o processo de migração do sistema tal como proposto em 2005. Em relação aos
questionamentos sobre a consignação de uma faixa de frequência extra, por 10 anos, aos concessionários, o
governo compreende que o canal digital oferecido não necessitaria de uma nova concessão, pois são apenas um
tipo de extensão dos canais analógicos.
O Fórum do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (Fórum SBTVD) também não vê inconstitucionalidade
no Decreto 5.820. Ele defende que a consignação é diferente de uma concessão e que essa tem sido a forma
encontrada para a transição no mundo. “Trata-se de uma mudança de índole técnica na forma de prestação do
serviço (a inclusão de uma nova faixa de frequência para difusão da programação).”
A divergência foi parar nas mãos da Justiça. O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) entrou com uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade (Adin) ao Decreto 5.820. A Procuradoria Geral da República deu parecer
favorável à Adin em 19 de junho de 2009. Atualmente, o processo encontra-se na fila de espera da votação do
Supremo Tribunal Federal (STF), tendo como relator o ministro Carlos Ayres Britto.
“Por não se tratar de mera atualização tecnológica dos mecanismos de transmissão de TV, as novas concessões
de serviço de radiodifusão de sons e imagens devem respeitar o processo interativo de vontades políticas autônomas, nos termos do artigo 223 da Constituição. Pouco importa o nome juris ‘consignação’ apresentado no
Decreto nº 5.820/2006”, diz o parecer da PGR. Ele cita também a interatividade e a transmissão para receptores
móveis como qualidades que caracterizam a TV digital como um novo serviço, diverso do até agora prestado
pelas emissoras no sistema analógico.
“De outra parte, ainda que se considerasse que a nova tecnologia não implicaria nova concessão, estaríamos, no
mínimo, falando de renovação das concessões já existentes”, diz ainda o parecer, sublinhando que esta renovação
contraria o parágrafo 3º do Art. 223 da Constituição: “ato de outorga ou renovação somente produzirá efeitos
legais após deliberação do Congresso Nacional”. Assim uma empresa que estiver com sua concessão prestes a
vencer, será “agraciada” automaticamente com uma outorga até pelo menos 2016, entende o parecer.
O parecer também questiona a falta de exposição de motivos que levaram ao governo à escolha do padrão
japonês de TV digital (ISDB – Integrated Services for Digital Broadcasting). No Decreto 4.901/2003, que cria
as bases para a implantação da TV digital no Brasil, está a obrigatoriedade de se apresentar um relatório de
justificativas. No entanto, isso não aconteceu.
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DIREITO À COMUNICAÇÃO NO AR: a gestão do espectro eletromagnético brasileiro
Favoráveis às escolhas técnicas e políticas consolidadas no decreto, a Associação Brasileira de Emissoras de
Rádio e TV (Abert) e a Associação Brasileira de Radiodifusão (Abra) também se manifestaram através de
pareceres entregues ao STF.
Digitalização do rádio
Diferente da televisão, ainda não existe uma definição sobre o padrão tecnológico a ser adotado na digitalização do rádio. O governo está desenvolvendo testes principalmente com dois modelos: o IBOC (In Band On
Chanel) e o DRM (Digital Radio Mondiale). O primeiro é um sistema norte-americano e o segundo, europeu.
Segundo a Anatel, os testes ainda não apresentaram resultados conclusivos. Os testes com o IBOC já foram
realizados e os estudos sobre o DRM estão previstos para serem encerrados no início de 2010.
A tecnologia digital traz possibilidades inovadoras à mídia. Além de melhorar a qualidade do sinal, o rádio
digital poderá transportar dados e textos junto ao áudio. Além disso, assim como na TV digital, a compressão
do sinal permitirá a realização da multiprogramação.
A escolha do padrão traz implicações importantes para o veículo. Por isso, a Associação das Rádios Públicas
do Brasil (Arpub) acredita que deve haver um processo de consultas públicas e debates com a sociedade para
se chegar em uma melhor opção sobre o padrão a ser adotado no país. Diferente da TV, o rádio usa a mesma
frequência do analógico para fazer a transmissão digital.
“Sem dúvida, todas as informações vindas dos especialistas apontam para o fato de que o padrão DRM é
muito mais interessante para o Brasil, principalmente nas modalidades de OC e AM, do que o padrão IBOC.
Entretanto, o protótipo desenvolvido pelo DRM para a modalidade FM (DRM +) é ainda recente, e pouco testado,
inclusive na Europa. É cedo para decidir se o Brasil deve adotar o padrão DRM, mas seria irresponsabilidade
descartar essa possibilidade sem antes realizar todos os testes necessários”, afirma a Arpub, em seu documento
de propostas para a Conferência Nacional de Comunicação. A entidade também não descarta a possibilidade
de se pensar um padrão brasileiro ou um sistema híbrido.
Segundo informações de dentro do governo federal, a tendência é que a escolha recaia sobre o padrão europeu,
por conta, essencialmente, do fato de o sistema americano funcionar sobre uma plataforma proprietária, ou
seja, exigir o pagamento de royalties para sua utilização. Há também a possibilidade de que nenhuma decisão
seja tomada nesta gestão, visto que nenhuma das soluções em questão mostrou-se eficaz do ponto de vista da
demanda. Nos Estados Unidos e na Europa, a adesão dos usuários ao rádio digital é muito baixa.
Espaço para novas rádios
“A digitalização do sistema de TV no Brasil deve obedecer a cronograma estabelecido em Decreto presidencial, devendo ocorrer até 2016. A partir disso é que se terá a oportunidade de
usufruir. No Brasil, o que se convencionou chamar de «dividendo digital», que nada mais é do
que a possibilidade de se utilizar o espectro que será desocupado pelos sistemas analógicos
em outras aplicações. Com os sistemas de radiodifusão sonora pode ocorrer algo similar, mas
devemos aguardar um pouco mais de modo a avaliar corretamente a questão.”(Anatel)
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DIREITO À COMUNICAÇÃO NO AR: a gestão do espectro eletromagnético brasileiro
Multiprogramação
Como se viu, uma das grandes possibilidades de democratização da comunicação facilitada pela introdução da
digitalização do rádio e TV é que, nestas plataformas, o sinal pode ser comprimido, fazendo com que, teoricamente, se multiplique o número de programações no espectro. De modo geral, há duas escolhas para se regular
esta multiplicação: estreitar a faixa do espectro destinada a cada programação, criando um número maior de
canais, ou permitir que uma entidade ou empresa que detém uma licença para uso de um canal possa transmitir mais de uma programação através dele, o que se chama multiprogramação.
A política para a TV digital desenhada pelo Ministério das Comunicações não prevê nem uma coisa, nem
outra. No caso da multiprogramação, na verdade, o Decreto 5.820 não a cita, o que pode ser interpretado como
uma não proibição. Os concessionários que já possuem seu canal digital não tem feito a multiprogramação.
De um lado, o modelo de negócio adotado até agora é apostar na alta definição como um diferencial da TV
digital. Esta tem sido a estratégia da Rede Globo. Algumas empresas, entretanto, mostram interesse em realizar
a multiprogramação com a intenção de exibir na TV aberta algum canal que possuam na TV por assinatura.
Essas emissoras, porém, estão impedidas de utilizar este recurso. Em fevereiro de 2009, o Ministério das Comunicações publicou uma norma sobre a execução dos serviços de TV Pública Digital. A norma proíbe expressamente a multiprogramação, com uma exceção: as únicas emissoras que podem realizá-la são aquelas gerenciadas diretamente por entes da União, como a TV Brasil, TV Câmara, TV Justiça e TV Senado. A justificativa
do governo é a previsão do Decreto 52.795 de 1963, que regulamenta os serviços de radiodifusão disciplinados
pelo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/1962), em relação aos limites de propriedade. Segundo
o Artigo 14 do decreto, “a mesma entidade ou as pessoas que integram o seu quadro societário e diretivo não
poderão ser contempladas com mais de uma outorga do mesmo tipo de serviço de radiodifusão na mesma
localidade”. Questionado sobre o assunto, o ex-ministro Hélio Costa afirmou que liberação do recurso poderia
facilitar a venda de espaço no espectro.
A Band e a RedeTV!, por meio da Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra), ingressaram no Superior
Tribunal de Justiça (STJ), em julho deste ano, com ação onde pedem que seja suspensa a restrição às emissoras comerciais de utilizarem a multiprogramação. Além da Abra, também manifestaram discordância com a
norma do governo as educativas públicas, principalmente a TV Cultura e a Associação Brasileira de Emissoras
Públicas, Educativas e Culturais (Abepec). Por outro lado, a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV
(Abert), hegemonizada pelas Organizações Globo, foi contra a permissão deste recurso tecnológico.
Para Diogo Moyses, do Intervozes, é “curioso” que só agora “o governo reconheça que a multiprogramação
não pode ser implementada com o marco regulatório vigente”. Este argumento foi insistentemente levantado
nos debates que antecederam a escolha do padrão tecnológico e o modelo para a transição ao digital, lembra
Moyses. Ele insinua que a motivação atual do Ministério das Comunicações é atender aos interesses da Abert
nesta questão. “Hélio Costa foi reconhecidamente um ministro afinado com os radiodifusores comerciais, mas
é ainda mais fiel aos interesses da Globo, que nem de perto quer ver seus maiores concorrentes, em especial a
Abril, transmitir duas, três ou até quatro programações na TV aberta”, argumenta.
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DIREITO À COMUNICAÇÃO NO AR: a gestão do espectro eletromagnético brasileiro
Te l e c o m u n i c a ç õ e s :
o grande mercado do espectro
O modelo desenhado para o setor de telecomunicações após o processo de privatização do Sistema Telebrás
estabeleceu os marcos para a gestão do espectro radioelétrico no que diz respeito ao seu uso para a prestação de
serviços de comunicação outros que não a radiodifusão. O principal desdobramento deste modelo, baseado na
premissa de que o mercado e a concorrência entre entes privados minimamente regulados pelo Estado através
de agência específica e autônoma – a Anatel –, é a distribuição das faixas de frequência através de leilões.
Especialistas e entidades civis vêem problemas no que diz respeito aos parâmetros e procedimentos adotados
pelo órgão gestor ao emitir tais outorgas. O problema principal é a preponderância dos critérios econômicos
na distribuição dos canais pelo Estado, onde valores de mercado estariam prevalecendo sobre os valores de
interesse público.
Os valores de mercado, no caso, teriam dupla influência sobre a política de distribuição de frequências: não
apenas o resultado dos leilões é definido pelo poder econômico, mas também a própria definição de quais,
quando e para que finalidade serão leiloadas novas faixas estaria à mercê de critérios mercantis. Isso porque,
como a maioria dos serviços de telecomunicações é considerada atividade estritamente privada, a função dos
órgãos reguladores é garantir a concorrência e a sustentabilidade dos negócios que, assim, poderiam garantir
a oferta de serviços com qualidade e preço desejáveis. Desta forma, ainda que os procedimentos de abertura
de leilões de frequência pela Anatel contarem com processos de consulta pública sobre a destinação das faixas,
pesa sobre a decisão da agência a sua função de reguladora de mercado e não de serviços públicos.
O professor Marcos Dantas endossa a crítica ao modelo de distribuição de licenças e lembra que, até os anos
1980, as infraestruturas e todos os serviços de comunicações eram definidos legalmente como de natureza
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DIREITO À COMUNICAÇÃO NO AR: a gestão do espectro eletromagnético brasileiro
pública. “Mesmo uma empresa privada estava obrigada a observar certos objetivos de interesse social maior, ou
de interesse nacional, para poder operar, mediante concessão do Estado, nas comunicações. A partir dos anos
80, expandem-se novos negócios nas comunicações, como a TV por assinatura, a telefonia móvel, o satélite
etc., que passam a ser regulados exclusivamente conforme os interesses do mercado, nos termos da ideologia
neoliberal. Sobre esses serviços não pesam quaisquer obrigações de interesse público ou nacional. É necessário
reintroduzir o princípio de serviço público nesses novos negócios”, atenta.
Outro problema decorrente do atual modelo de gestão das telecomunicações seria a formação de oligopólios.
Diogo Moyses explica que, no caso das telecomunicações, é preciso estabelecer critérios capazes de impedir
que empresas que já dominam certos mercados entrem em leilões de determinadas faixas de espectro, afim de
evitar a concentração. “Há também a necessidades de reservar determinadas faixas para uso não comercial, ou
para uso comercial por empresas de menor porte. A oferta de banda larga por prefeituras ou organizações sem
fins lucrativos é perfeitamente viável se forem reservadas frequências para isso, já que seria impossível a estes
entes concorrerem com as teles em leilões, por exemplo”, aponta. Sobre os critérios de outorgas, a Anatel afirma que eventualmente pode-se ter a impressão de assimetria, isto
é, preponderância dos critérios econômicos em detrimento dos critérios de interesse público. Porém, esclarece
que, em muitos casos, a crítica estaria comparando valores subjetivos com valores objetivos. E complementa:
“A Anatel busca cumprir a Lei, em especial o que estabelece o Art. 2º da Lei Geral de Telecomunicações, de
onde se destaca: adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, incrementem sua
oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários. Em contrapartida, as empresas prestadoras de serviços são empresas privadas e precisam demonstrar equilíbrio.”
Digitalização do espectro: reordenamento e disputas
Atualmente, com o processo de digitalização de toda plataforma eletrônica e a consequente convergência tecnológica, a distinção entre radiodifusão e telecomunicações tem ficado cada vez mais difícil. As inovações técnicas das últimas décadas fizeram com que os serviços de telecomunicações não mais se limitassem à telefonia
fixa, como no passado. Hoje, abarca tráfego de dados, conexão à internet, telefonia móvel celular e TV por assinatura. Ao mesmo tempo, com a digitalização da TV e do rádio, a radiodifusão ganha em interatividade, abre
novas possibilidades de trafegar informação e também passa a oferecer alguns dos serviços até então típicos
das empresas de telecomunicação. Para compreender os efeitos da convergência sobre a gestão do espectro,
convém enumerar três mudanças fundamentais que a digitalização traz para os serviços de comunicação.
Primeiro, provoca o que se chama “compressão” do sinal (de rádio, de TV, de voz, de dados) que, assim, passa
a ocupar menor espaço do espectro com melhor performance. Isso acontece porque a digitalização permite
reduzir o tamanho dos pacotes de dados a serem transportados. É como se, antes, no cenário analógico,
fosse necessário um caminhão para transportar um determinado volume de dados – digamos, uma conversa
telefônica – e agora fosse possível fazer este frete usando um carro de passeio. Esta diminuição permite que
a “estrada” – as faixas do espectro – por onde passam estes “veículos” também seja reduzida. A consequência
prática da compressão é, portanto, a sobra de espaço no espectro.
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DIREITO À COMUNICAÇÃO NO AR: a gestão do espectro eletromagnético brasileiro
Segundo, o sinal digital converge plataformas eletrônicas antes separadas pelo sinal analógico. De novo
utilizando a metáfora da estrada, é como se, antes, caminhões tivessem de andar apenas em estradas para
caminhões e carros, apenas em estradas para carros. No cenário digital, caminhões e carros podem trafegar por
uma mesma estrada, ou seja, diferentes tipos de sinais podem ser transportados numa mesma rede, inclusive
através do espectro radioelétrico. É isso que multiplica as funções dos aparelhos receptores, sendo possível
acessar a internet via aparelho de TV digital ou assistir a TV digital via aparelho celular. E, principalmente, é
isso que permite que os serviços sejam também intercambiáveis: operadores de radiodifusão podem oferecer
conexão à internet e operadores de telecomunicações passam a ser capazes de oferecer conteúdo audiovisual.
Terceiro, a digitalização possibilita o uso inteligente do espectro, otimizando seu desempenho. Isso exige reordenar a forma como o Estado o gerencia, uma vez que torna as faixas de radiofrequência um bem menos
escasso e com melhor aproveitamento.
No plano geral, essas mudanças pode trazer efeitos práticos capazes de alterar a correlação de forças entre os
diversos serviços de comunicação. A compressão do sinal gera sobras de faixas que passam a ficar disponíveis
para outras atividades. Ao mesmo tempo, a convergência digital e a otimização do espectro criam ofertas e demandas por novos serviços, como telefonia 3G, internet móvel ou interatividade na TV digital. Esta coincidência entre se “liberar” frequências e o surgimento de um número maior de demandas para o uso do espectro
tende a gerar uma intensa competição entre empresas pela apropriação de determinadas faixas.
No Brasil, uma das disputas mais emblemáticas é a definição de uso para a faixa dos 2,5 Ghz. Considerada
versátil e de ótimo desempenho tanto em capacidade como em alcance para transportar banda larga, a faixa de
2,5 GHz está atualmente nas mãos das operadoras de MMDS, serviço de distribuição de TV paga por microondas. Devido às suas características técnicas, a faixa está sendo reivindicada pelas empresas de telefonia móvel
para ser usada para a oferta de banda larga sem fio, seja através da tecnologia WiMAX (um padrão similar,
porém mais potente, que a internet sem fio do tipo wi-fi usada em redes domésticas ou de curto alcance), seja
através da tecnologia concorrente, a LTE (Long Term Evolution).
Em meados de 2009, a Anatel abriu consulta pública sobre a destinação de parte desta faixa de 2,5 Ghz, sugerindo que esta passaria a ser também usada pelo Serviço Móvel Pessoal (SMP), a telefonia celular. A Anatel
justifica que a destinação de parte desta faixa para as empresas de telefonia celular teria como finalidade a ampliação do serviço de internet móvel banda larga (internet através da rede celular).
Após o fim da consulta, a proposta apresentada pela Anatel divide a faixa dos 2,5Ghz em três subfaixas: duas
faixas de 70Mhz voltadas para tecnologias de banda larga sem fio e uma de 50 MHz reservada para o MMDS.
Esta proposta reduz a “fatia” destinada às operadoras de TV paga e abre caminho para que operadoras de telefonia móvel ocupem a faixa para ofertar acesso à internet.
As empresas de MMDS já ameaçaram entrar na Justiça caso a agência siga com esta divisão. O principal problema para estas empresas é que a redução da faixa em tese impede que elas também ofereçam banda larga a
seus clientes e ficariam para trás na disputa com operadoras de TV paga em outras plataformas (como o cabo
e o DTH). Ainda assim, a Anatel garantiu que realizará o leilão das freqüências da cobiçada faixa.
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Compreendendo tecnologias e siglas da digitalização: WI-FI, 3G, 4G, WiMAX e LTE...
Para compreender a diferença entre as várias tecnologias usadas em redes de telecomunicações, em vez de olharmos para seus detalhes viscerais, é melhor observarmos os princípios
filosóficos subjacentes a cada uma dessas tecnologias.
O Wi-Fi é uma tecnologia desenvolvida para possibilitar a conexão de computadores dentro
de ambientes fechados (casas e escritórios) sem a necessidade daqueles fios que atrapalham a
vida. Assim, trata-se essencialmente de uma tecnologia para conexão a curtas distâncias, geralmente em ambientes fechados. O Wi-Fi opera em 2.4 e em 5 GHz.
Para compreender a telefonia 3G, é mais fácil olhar para trás. A telefonia celular de primeira
geração (1G) era analógica. No 2G, virou digital, mas fazendo essencialmente a mesma coisa:
transporte de voz. O acesso a dados em redes 2G foi possibilitado por meio de uma série de
“remendos” na tecnologia. Já o 3G foi concebido como um sistema integrado de voz e dados.
Uma diferença significativa, em relação ao Wi-Fi, é que as redes de telefonia celular são construídas para formar um tecido contínuo, cobrindo grandes extensões territoriais, como um
estado ou um país. Para se conseguir isso, a rede é composta por um grande número de antenas
(denominadas estações rádio-base, ERB). Cada antena tem uma área de cobertura que pode
ser grande - cobrindo dezenas de quilômetros - ou pequena, cobrindo por exemplo um shopping center. As áreas de cobertura são justapostas como células - daí o nome “celular”.
Após o 3G, virá o 4G. O 4G deverá ser uma rede totalmente baseada em dados, conseguindose um grande ganho para a comunicação multimídia (acesso internet, tráfego de imagens),
eventualmente com alguma perda na qualidade das conexões de voz.
O WiMAX e o LTE são duas tecnologias propostas para o 4G. Mas elas seguem princípios
filosóficos razoavelmente distintos. O WiMAX foi concebido para operar com uma antena de
grande potência provendo a cobertura de uma grande região. Já o LTE foi concebido para operar com sinais de curto alcance, por meio de uma rede de antenas, como é o caso da telefonia
celular. Assim, é provável que o 4G seja baseado no LTE.
O WiMAX é uma solução interessante para prover acesso a internet para cidades de pequeno
e médio portes. O desafio para uma implantação maciça do WiMAX no Brasil, atualmente, é
o de obter um consenso sobre qual faixa de frequências utilizar. A principal proposta – a de
usar a faixa de 2.5 GHz – esbarra no fato de que, em muitas cidades, essa faixa é utilizada pelo
serviço de MMDS. (Takashi Tome, Engenheiro eletricista e pesquisador da Fundação CPqD)
WiMAX no Brasil
“A tecnologia denominada WiMAX está em operação comercial no Brasil desde março de 2008
e já contempla mais de 100 cidades. Em Brasília há uma operação da Embratel que pudemos
experimentar e que apresentaram bons resultados em termos de qualidade.” (Anatel)
Na avaliação de João Brant, do Intervozes, o Brasil não tem qualquer planejamento ordenado acerca do uso de
seu espectro para serviços de telecomunicações e por isso enfrenta dificuldades em lidar com estas disputas.
“No momento em que dois tipos de serviços brigam pela faixa de 2,5 GHz, por exemplo, o país não tem um
modelo que responda qual deve ser a prioridade. Além disso, a gestão do espectro no Brasil não permite que
determinados atores, como prefeituras, por exemplo, prestem diretamente à população serviços que impliquem
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algum tipo de cobrança. Ele reserva apenas às empresas esse direito, o que faz com que a finalidade lucrativa
seja determinante na prestação de serviços”, afirma. Especificamente no caso da disputa em andamento, Brant
complementa: “Dadas as características dos dois serviços, é preciso que a Anatel e o governo brasileiro decidam com base na análise de substitubilidade dos serviços e a partir da análise de qual deles, nesse momento,
melhor atende ao interesse público.”
Cabe ressaltar que disputas semelhantes também ocorrem em outras faixas de frequência. A polêmica sobre a
faixa de 2,5 Ghz, entretanto, parece ser especialmente complexa justamente por se tratar de uma faixa versátil.
Além disso, há também a discussão de que esta seria a faixa de frequência ideal para a implantação de redes
WiMAX que possam contribuir com esforços de universalização do acesso à banda larga através de projetos
e iniciativas públicas e privadas, de caráter local, que possam oferecer internet rápida de forma gratuita ou a
preços muito reduzidos.
Neste sentido, a Anatel reviu recentemente a destinação de outra faixa de frequência – de 3,5 GHz – bastante
importante para a oferta de acesso à banda larga. Neste caso, a agência separou uma pequena fatia de 10 MHz
para uso exclusivo em programas de inclusão digital. Esta pequena subfaixa poderá ser requisitada por operadores públicos ou operadores privados conveniados com órgãos da administração pública para ofertarem
internet gratuitamente em áreas restritas. O restante da faixa será leiloado e destinado prioritariamente para os
serviços de telefonia móvel e também de complemento de redes de telefonia fixa.
Após o 3G...
O que está previsto para breve é a tecnologia denominada LTE (do inglês Long Term Evolution),
ou seja, a 4ª geração móvel (4G) que deverá apresentar altas taxas de transmissão de dados,
com qualidade e mobilidade ainda não disponíveis no país. Em curso alguns testes e segundo
previsões do mercado entre 2010 e 2011 poderemos ter as primeiras operações. Ademais,
espera-se a introdução no país, já no próximo ano, de acesso banda larga utilizando a infraestrutura de distribuição de energia elétrica. É a tecnologia denominada BPL ou Broadband
over Power Line (banda larga através da rede elétrica), já regulamentada pela Anatel e pela
Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). (Anatel)
O pleito das operadoras de telefonia móvel
A necessidade de uso de aplicativos que precisam de melhor demanda de performance, como a
TV interativa, vídeos e serviços avançados, e disponibilizar a banda larga com maiores taxas de
velocidade, além da oferta de voz, naturalmente, requer tecnologias avançadas e disponibilidade de espectro de radiofreqüência. Neste cenário, as operadoras do serviço móvel entendem
que é desejável dispor nos próximos anos de espectro de radiofrequência nas subfaixas de: 450
MHz a 470 MHz; 700 MHz a 960 MHz; 2500 MHz a 2690 MHz e 3400 MHz a 3600MHz,
todas em fase de destinação para aplicação móvel em outros países. (Associação Nacional das
Operadoras Celulares - Acel)
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O pleito das operadoras de TVs por assinatura
O contra-argumento das TVs por assinatura é de que a destinação de parte da faixa de 2,5
GHz para o setor de telefonia celular (a fim prestar serviços de banda larga sob a alegação da
inclusão digital) seria incorreta pois diminuiria o mercado das TVs por assinatura que, por sua
vez, também estariam aptas a ofertar acesso banda larga. Na opinião da Associação Brasileira de TVs por Assinatura (ABTA): “As plataformas tecnológicas de TV a Cabo e MMDS são
o meio ideal para transmissão de uma grande e variada quantidade de informação – dados,
gráficos, sons e imagens – em alta velocidade. A largura de banda dessas arquiteturas permite
transmissões 50 a 100 vezes mais rápidas do que tecnologias de modems baseadas em linhas
telefônicas discadas (dial-up). Além disso, a conexão pelas redes de TV por assinatura não
competem pelo uso normal do telefone. As empresas de TV por assinatura investiram em
modernização de suas operações – com a implantação de redes de fibras ópticas (TV a Cabo) e
faixa de comunicação de retorno (MMDS) – de forma a oferecer comunicação bidirecional de
alta capacidade de transmissão de dados.”
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Digitalização do espectro:
potencial democratizante,
realidade em disputa
Se há hoje uma batalha comercial pelo espectro com a digitalização, há também a reivindicação de que as oportunidades criadas sejam usadas para democratizar as comunicações. O uso de radiofrequências para trafegar
dados digitais em grandes infovias de informação é defendido por muitos analistas como uma opção de grande
potencial inclusivo. Tecnologias tipicamente baseadas no espectro e com grande capacidade de tráfego de dados (como Wi-Fi, WiMAX, 3G e LTE) são hoje a ponta de lança do processo de digitalização das comunicações,
sendo capazes de levar o sinal digital a grandes extensões territoriais e chegar a milhões de lares e cidades que
antes enfrentavam barreiras técnicas por não terem estrutura física de distribuição de sinais desenvolvida.
Como descreve o diretor do Instituto Nupef e membro do conselho do Comitê Gestor da Internet no Brasil
(CGI.br) Carlos Alberto Afonso, isso já vem ocorrendo em diversas cidades do mundo, principalmente nos
projetos das chamadas “cidades digitais”. Essas experiências combinam meios físicos (como redes de fibra
ótica) e canais aéreos (como a tecnologia da radiofrequência) para alcançar com qualidade todos os pontos
das áreas urbana e rural. “Na verdade, a combinação de redes municipais com espinhas dorsais nacionais, que
garantam pontos de presença da rede em alta velocidade (alta velocidade real, não os quilobits por segundo que
tentam nos empurrar como “banda larga”) em cada município, é o caminho mais curto para a universalização
da internet com qualidade no país. Sem uma política pública decisiva para isso, não vai acontecer”, ressalta.
Ao mesmo tempo em que também aposta neste potencial inclusivo do espectro digitalizado, o professor
Marcos Dantas lembra que a tecnologia por si só não produz democratização ou inclusão. A organização
social, a resolução política dos conflitos distributivos e a existência de um pacto democrático e socialmente
justo são elementos que podem cumprir papel decisivo nesse jogo. “Os Estados Unidos dos anos 1940 a 1970,
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ou a União Soviética no auge do socialismo eram sociedades muito mais inclusivas e socialmente justas do que
o são hoje, apesar dos milhões de microcomputadores e ampla rede de banda larga atualmente disseminados
nesses países”, compara.
Dantas também acredita que as redes de alcance local, como as suportadas em WiMAX, podem ser importantes soluções complementares de disseminação da infra-estrutura, porém ressalta que não operam sem estar conectadas a grandes troncos ou backbones, isto é, infraestrutura física. “Assim, sempre serão necessárias
políticas públicas que desonerem os custos de acesso, assegurem-lhes a sustentação no longo prazo e, sobretudo, mais importante, fomentem os usos cidadãos, educativos, culturais dessas tecnologias”, conclui.
Pelo fato de não estar baseada em canais físicos, como fibras e cabos, o que seria bem mais oneroso, a comunicação digital via radiofrequência seria capaz de prover acesso não apenas à internet em banda larga, mas também pode transmitir conteúdo audiovisual. Na opinião de Carlos Afonso, se os governos efetivamente universalizarem a chamada banda larga através das redes municipais, garantido acesso de qualidade a todo cidadão, a
discussão sobre internet e TV digital ganha outra dimensão prática. “Se a qualidade da conexão nos domicílios
for a que se espera de um programa nacional bem feito de democratização do acesso, a família poderá ver e
interagir com TV via IP (Internet Protocol, isto é, via internet), falar e receber chamadas telefônicas, além de
navegar na internet, pela mesma conexão física. Entretanto, na situação atual, a entrada da TV digital como
meio de acesso à internet, junto com outras iniciativas, como o PLC (transmissão de dados via rede elétrica) e
outras, podem ampliar a quase inexistente competição entre serviços e, com isso, oferecer mais alternativas a
menor preço. Mas estou sendo muito otimista”, analisa.
Para João Brant, é preciso ainda garantir que faixas do espectro sejam também realocadas para atividades sem
fins lucrativos, como educação, governo eletrônico e comunicação comunitária. “Apesar de a digitalização estar em plena expansão, a maioria da população brasileira ainda não provou de fato os benefícios efetivos deste
processo. A ênfase de mercado tem prevalecido sobre o interesse público e isso precisa ser revertido.”
O recém lançado Plano Nacional de Banda Larga não é muito claro em relação a como serão usadas, de fato, as
tecnologias sem fio para alcançar as metas de massificação da internet em alta velocidade anunciadas pelo governo. Porém, as declarações do presidente da Telebrás, Rogério Santanna, dão a entender que há uma aposta
forte nestas tecnologias. A lógica por trás do PNBL parece ser, no entanto, a da diversificação do mercado
como fator determinante para a queda dos preços dos pacotes de acesso. A maior parte das ações anunciadas
até agora têm a ver com a implementação de medidas já previstas nos planejamentos da Anatel para colocar
em uso faixas do espectro destinadas às tecnologias 3G e 4G, além do WiMax, da telefonia celular. Ou seja, são
ações para fomentar a concorrência privada no setor da banda larga.
Outra medida aventada por Santanna é que a Anatel modifique os critérios dos leilões para que existam licenças que cubram pequenas áreas, correspondentes a um município ou até mesmo uma localidade. Desta
forma, pequenos provedores locais poderiam operar também tecnologias sem fio. Estes pequenos operadores
– públicos ou privados – são os parceiros prioritários da Telebrás para para levar o acesso à banda larga até
os domicílios pelo preço estipulado pelo governo (pacotes que podem ir de R$ 10 a R$35). Porém não foram
apresentados, até agora, políticas específicas para a oferta de acesso gratuito utilizando tecnologias sem fio. 29
DIREITO À COMUNICAÇÃO NO AR: a gestão do espectro eletromagnético brasileiro
Digitalização do espectro e apropriação social
“No Brasil, temos Piraí (RJ) e Quissamã (RJ), como bons exemplos de uso amplo das telecomunicações para gerar desenvolvimento, maior inserção da população na rede e incentivo
à diversidade cultural, entre outras cidades digitais. Nos Estados Unidos, desde 2002, as comunidades indígenas de Sandoval County, no Novo México (Navajos e Apaches), usando a
soberania que possuem em suas terras, começaram a construir uma rede de banda larga com
dispositivos baseados em rádios inteligentes e que podem captar o sinal até 30 km.” (Sérgio
Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC)
A digitalização e o espectro aberto
É possível afirmar que há hoje um forte consenso de que a digitalização do espectro é uma revolução em potencial para as atividades de comunicação. Isso porque, do ponto de vista técnico, as comunicações de fato se
tornaram mais ágeis, menos “pesadas” e mais dinâmicas com o sinal digital. Porém, a dimensão exata do impacto destas mudanças sobre o atual modelo de gestão do espectro ainda está em debate e também em plena
evolução técnica.
Para o doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e professor da Universidade Federal do ABC
Sérgio Amadeu da Silveira, seria necessário se pensar num modelo dinâmico de gestão do espectro, o que vem
sendo chamado de “espectro aberto” (open spectrum). Ele explica que o fato de a transmissão digital ser realizada por meio de pacotes de dígitos – com orientações precisas de fluxo, como ocorre na internet – torna o
modelo vigente de gestão das radiofrequências anacrônico. “Atualmente, não tem sentido privilegiar o modo
analógico no espaço das ondas de rádio. Tem menos sentido ainda realizar transmissões digitais e manter o
modelo de uso do espectro como se estivéssemos nos anos 30 do século XX. Podemos usar o espectro de modo
inteligente, com transmissores e receptores digitais que são operados por softwares e que evitam as interferências”, afirma. De modo mais cotidiano, Amadeu faz uma analogia de como seria a gestão aberta: “O espectro
pode ser ocupado como uma estrada, em que diversos carros podem transitar, desde que respeitem as leis de
trânsito e os padrões da indústria automobilística. Todos podem usar o espectro, desde que usem equipamentos homologados de acordo com as regras do órgão regulador das telecomunicações.”
Na visão do professor Marcos Dantas, esse uso dinâmico do espectro não significa o fim da escassez das faixas
e, por isso, continua sendo fundamental o papel do Estado como agente regulador. “Sempre haverá gestão pelo
Estado. As ruas são geridas pelo Estado.Você não pode fazer o que bem entende nelas, embora, aqui no Brasil e
sobretudo em nossas grandes cidades, nós toleremos certas práticas anti-republicanas que seriam inaceitáveis
e prontamente reprimidas em qualquer país europeu, nos Estados Unidos, no Canadá, no Japão etc. O que
pode mudar, caso essa proposta seja tecnicamente viável, é o modo de regulação: ao invés de concessões ou
autorizações por faixas de frequência, como fazemos hoje, seriam estabelecidas algumas ‘regras de trânsito’,
digamos assim”, compara.
Do ponto de vista técnico, o engenheiro Takashi Tome afirma que a gestão do espectro continua a ser uma
necessidade, pois uma série de serviços necessitam de faixas exclusivas para serem operados. “Mas muitas pes-
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DIREITO À COMUNICAÇÃO NO AR: a gestão do espectro eletromagnético brasileiro
soas, e faço apenas coro com elas, defendem a liberação de amplas faixas do espectro para uso compartilhado.
Hoje, alguns trechos de espectro já são liberados dessa forma, como as frequências para uso com telefone sem
fio e as faixas de rádio-amador, mas esses trechos são um pedaço ínfimo do espectro”, complementa.
Para João Brant, do Intervozes, há hoje uma subutilização do potencial do espectro digitalizado, mas ressalta
que isso não o torna ilimitado. “Não é verdade que a digitalização torna o espaço infinito, mas é verdade que
ela amplia bastante a sua condição de utilização. O espectro aberto pode e deve ser utilizado como alternativa
ao modelo de administração centralizada. Esse modelo, contudo, não tem como ser aplicado na radiodifusão
se tomado o modelo tradicional, que depende da reserva de frequências às emissoras”, afirma.
Para a Anatel, ainda é prematura qualquer afirmação quanto a infinitude do espectro devido à digitalização.
“O Brasil, pelo menos por enquanto, obedece ao conceito do 'comand and control' (comando e controle, em
tradução literal, significando a centralização do gerenciamento das faixas de modo mais ou menos exclusivo
pelo Estado).”
Sobre a gestão aberta do espectro 1
“Todas experiências com grupos de vanguarda no uso comum do espectro culminaram com
a mudança da lei norte-americana e a legalização do uso livre dos espaços em branco (white
spaces) entre os canais de TV. [...] Não é necessário entregar uma ou algumas frequências apenas para uma empresa. Este modelo de concessões, que é semelhante ao das capitanias hereditárias, pode ser superado no cenário digital.” (Sérgio Amadeu)
Sobre a gestão aberta do espectro 2
Espectro ocioso
“Não se pode precisar qual vai ser o limite da flexibilidade do uso do espectro de radiofreqüências com o desenvolvimento das tecnologias. A autorregulação ou o uso não licenciado do
espectro já é uma realidade no Brasil para algumas faixas de frequências, mas essa situação é
tratada como exceção aqui e em qualquer país do mundo. Agora, a 'gestão aberta' ou 'autorregulação' do espectro como regra não é uma política que se aplique à situação atual, e contraria inclusive recomendações internacionais da UIT (União Internacional de Telecomunicações) sobre a reserva de faixas de frequências para determinados serviços, sob determinadas
condições, a fim de assegurar, por exemplo, ganhos de escala na fabricação de equipamentos, e
também uma melhor coordenação e comunicação entre os países.” (Deputado federal Eduardo
Gomes, PSDB/TO, ex-presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara)
“Um estudo interessante realizado pela professora Qian Zhang, da Universidade de Hong
Kong, mostra que o nosso conceito sobre o espectro é errôneo. Como o espectro está todo
alocado para diversos serviços, tendemos a acreditar que ele está congestionado. Entretanto,
um levantamento que ela fez, monitorando o espectro, mostra que, na prática, na maior parte
do tempo, o espectro está livre.” (Takashi Tome)
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O que fazer com as sobras analógicas? Para além das disputas atuais, sobre fatias do espectro cujo uso ainda não foi determinado, há uma outra
guerra por espaço no ar em compasso de espera e já com data marcada. O Decreto 5.820/2006 diz que quando
acontecer o desligamento dos sinais analógicos (o chamado switch off) no Brasil, em 2016, os concessionários
terão que devolver à União o canal analógico que possuem. Embora a legislação que instituiu o modelo e o
processo de transição para a TV aberta digital no Brasil tenha praticamente consumado a entrega de um canal
extra para os atuais concessionários, há ainda uma importante discussão a se fazer.
Os canais que serão devolvidos estão parte na porção do espectro conhecida como VHF (Very High Frequencies
- Frequências Muito Altas) e parte na porção denominada UHF (Ultra High Frequencies - Frequências Ultra
Altas). Logo, com a migração das emissoras calcula-se que “sobrem” 8 canais em VHF, totalizando uma sobra
de 48 MHz, e 28 no UHF, correspondente a 168 MHz. Por questões técnicas, apenas a faixa em UHF será usada
pelo sistema de TV digital.
O superintendente de Serviços de Comunicação de Massa da Anatel, Ara Apkar Minassian, já deu algumas
pistas sobre o que será feito com o chamado “dividendo digital”. Embora não tenha sido taxativo sobre todo o
espaço que sobrará do espectro, ele declarou que, depois de efetuada a transição para o digital, os canais de 2 a
6 não servirão mais para TV. “Eles são afetados pelo que chamamos de ruído impulsivo. É aquela interferência
na imagem, o chuvisco que aparece na tela quando você liga seu liquidificador”, declarou Minassian. Segundo
ele, a Anatel deve usar apenas o 5 e o 6 para a radiofrequência sonora, anulando os canais anteriores ao VHF,
conhecidos como FM.
Com a digitalização, percebe-se que o “filé” do espectro deixa de ser o VHF, onde trafegam hoje as grandes
redes de radiodifusão, e passa ser o UHF. Um dado a ser observado em relação a essa mudança é que ela pode
trazer mais concentração dos meios. O Decreto-Lei 236, de 1967, estabelece limites nacionais de propriedade
para os serviços de radiodifusão em no máximo cinco outorgas na faixa VHF, sendo até duas por Estado.
Porém, no UHF esse limite sobe para até dez outorgas.
João Brant acredita que o país deve aproveitar a oportunidade da digitalização para planejar o uso de seu
espectro de forma a democratizar sua utilização, ampliando o número de usuários – seja pela ampliação de
licenças, seja pela adoção de modelos de espectro aberto. No caso da radiodifusão, esta democratização se
daria através da reserva de espaço para redes públicas e comunitárias e pela abertura a novas tecnologias de
transmissão que demandem faixas de bandas hoje utilizadas por serviços tradicionais.
A discussão, entretanto, traz também à tona a possibilidade de usar essa parte do espectro para outros serviços.
Ela pode vir a ser utilizada para as telecomunicações. As frequências são compatíveis com tecnologias como o
GSM, usado em serviços de telefonia móvel, e o WiMax, internet em banda larga móvel. A solução a ser dada
para este dividendo digital, portanto, deverá ser determinada por opções em relação à regulação dos serviços
de comunicação que se façam ao longo dos anos que restam até o switch off.
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DIREITO À COMUNICAÇÃO NO AR: a gestão do espectro eletromagnético brasileiro
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espectro eletromagnético brasileiro
Pesquisa e texto Jacson Segundo e Sivaldo Pereira
Coordenação e edição Cristina Charão
Projeto gráfico e diagramação Henrique Costa
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