VINICIUS MAGNUS A. TORQUATO DE ARAUJO LIMA
RELAÇÕES HOMOAFETIVAS:
A BUSCA POR UM DIREITO FUNDAMENTAL À
FORMAÇÃO DE UMA ENTIDADE FAMILIAR
BRASÍLIA
2009
Universidade de Brasília – UnB
Faculdade de Direito – FD
RELAÇÕES HOMOAFETIVAS:
A BUSCA POR UM DIREITO FUNDAMENTAL À
FORMAÇÃO DE UMA ENTIDADE FAMILIAR
Monografia apresentada como requisito para a
conclusão do curso de bacharelado em Direito
da Universidade de Brasília (UnB)
Orientador: Jorge Luiz Ribeiro de Medeiros
Orientando: Vinicius
Torquato de Araujo Lima
BRASÍLIA, 2009
Magnus
Antonius
À minha família, com todo meu afeto.
Agradecimentos
É extremamente gratificante concluir um trabalho e pensar em todos aqueles
que contribuíram de alguma forma para o êxito dessa jornada, mas não é uma tarefa fácil. E
não há como começar de outra forma, a não ser agradecer, primeiramente, a meus pais, Lenna
e Edvar, por todo o apoio, ajuda, amor e também pelas críticas e direcionamentos, e aos meus
irmãos, Laura e Ed, pela preocupação, pelos modelos de vida e pelo carinho com seu irmão
caçula.
É preciso agradecer também ao amor e à paciência de Iran, pelas inúmeras
noites em que tive de ficar de frente ao computador trabalhando nessa monografia. E também
à amizade e compreensão de Márcia, Angélica, Vanessa, Vinicius, Liana, Roberta, Elisete,
Marcelo, Maysa, Hanna, Camila, Xando, Ana, Luiz e Felipe, pelas incontáveis vezes que me
escutaram dizer que não poderia sair em virtude de meu trabalho final.
E, claro, agradeço minha formação em direito que foge aos estereótipos
jurídicos, pelo ambiente acadêmico da Universidade de Brasília que me proporcionou focar
em uma abordagem mais humana e menos dogmática do Direito. Em especial, agradeço à
professora Alejandra Pascual pelo apoio e incentivo ainda no começo do curso para que eu
iniciasse um projeto de pesquisa, gérmen desse trabalho, bem como ao orientador dessa
monografia, professor Jorge Medeiros, por impulsionar essa produção acadêmica e me
proporcionar um aprofundamento no tema de constitucionalismo e diferença.
E agradeço a todos que me auxiliaram em minha formação acadêmica e na
elaboração desse trabalho.
A linha e o linho
É a sua vida que eu quero bordar na minha
Como se eu fosse o pano e você fosse a linha
E a agulha do real nas mãos da fantasia
Fosse bordando ponto a ponto nosso dia-a-dia
E fosse aparecendo aos poucos nosso amor
Os nossos sentimentos loucos, nosso amor
O zig-zag do tormento, as cores da alegria
A curva generosa da compreensão
Formando a pétala da rosa, da paixão
A sua vida o meu caminho, nosso amor
Você a linha e eu o linho, nosso amor
Nossa colcha de cama, nossa toalha de mesa
Reproduzidos no bordado
A casa, a estrada, a correnteza
O sol, a ave, a árvore, o ninho da beleza
(Gilberto Gil, Extra: 1983,
Gegê Edições Musicais Ltda.)
Resumo
Esta monografia busca fundamentar o caráter familiar das uniões
homoafetivas. Para isso aborda a homofobia e o heterossexismo que impedem a apreciação
dessas uniões pelo viés do afeto e propõe alternativas para que se chegue ao reconhecimento
desse caráter familiar pelo direito à diferença, baseando-se, sobretudo, nos princípios da
igualdade, liberdade, dignidade da pessoa humana, da pluralidade das entidades familiares e
da afetividade.
Palavras chave: 1 – Estado Democrático de Direito. 2 – Igualdade. 3 –
Liberdade. 4 – Dignidade da pessoa humana. 5 – Relação homoafetiva. 6 – Homossexual. 7 Homofobia. 8 – Heterossexismo.
Abstract
This work takes into account that same-sex relationships should be treated
as families. Therefore it repels the homophobia and the heterosexism, matters that restrain the
valuation of these unions by the affection and suggests alternatives to reach the recognition of
this familiar outline by the right to difference, based mainly on the principles of equity, liberty
and human dignity.
Keywords: 1 – Rule of Law. 2 – Equality. 3 – Liberty. 4 – Human Dignity.
5 – Same-sex relationships. 6 – Homosexuality. 7 – Homophobia. 8 – Heterosexism.
Sumário
Introdução................................................................................................................................... 9
1. O monopólio da heterossexualidade..................................................................................... 12
2. A construção da identidade e o direito à diferença............................................................... 25
3. A busca por um direito fundamental à formação de uma entidade familiar......................... 34
Conclusão ................................................................................................................................. 57
Referências bibliográficas ........................................................................................................ 59
9
Introdução
É crescente o número de casais do mesmo sexo que decidiram viver
plenamente seus projetos de vida e sua sexualidade, colaborando, assim, em um processo de
superação do preconceito ao assumir suas relações homoafetivas publicamente. Contudo,
ainda falta muito para a integral aceitação desses casais como entidades familiares.
O presente trabalho é uma pesquisa sobre o panorama das relações afetivas
homossexuais no Brasil, seus reflexos nos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, bem
como questões de direito privado, sobretudo na esfera do direito de família, levando em conta
a constitucionalização do Direito Civil.
Essa pesquisa iniciou-se em 2005 em Atualização e Prática do Direito 1,
ministrada pela professora Alejandra Pascual e cujo tema foi Direitos Humanos e ações
afirmativas. O trabalho final da referida disciplina evoluiu para um projeto de iniciação
científica intitulado “Brasil Sem Homofobia: a busca da igualdade na diversidade”, que
analisou o projeto do governo de combate à homofobia e promoção da cidadania, seus
defeitos e suas inovações.
Posteriormente, em 2008, ao acompanhar a matéria Atualização e Prática do
Direito 4, ministrada pelo professor Jorge Luiz Ribeiro de Medeiros, com o tema
Constitucionalismo e Diferença, pude aprofundar questões como reconhecimento, sujeito
constitucional e direito como integridade, defendidas por Honneth, Rosenfeld e Dworkin,
respectivamente, os quais serviram de marco teórico para presente trabalho.
Com o estudo do presente tema, percebi que a Constituição deixou de ser
simplesmente um documento de diretrizes para a organização do Estado e tornou-se
10
instrumento de garantia a aspirações sociais e individuais, uma ferramenta que possibilita a
aplicação de princípios de igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana a fim de
possibilitar uma cidadania completa, respeitando as diferenças e nuances de cada indivíduo.
Assim, o direito não mais se esgota em um mero catálogo de regras e
princípios, nem poderes. Transforma-se, portanto, em uma atitude interpretativa e autoreflexiva, isto é, uma forma de contestação que possibilita ao cidadão definir quais podem e
devem ser os compromissos públicos da sociedade com os princípios que a norteiam.
Não se pode, é claro, esquecer-se da função transformadora do direito nesse
contexto, ou seja, a possibilidade de superar obstáculos à diferença, ultrapassando
preconceitos e estigmas sociais com o intuito de se alcançar o reconhecimento de grupos
discriminados, contudo, um reconhecimento integral, para além da mera tolerância. Afinal,
viver em sociedade é se unir apesar da heterogeneidade de projetos, convicções e interesses.
Deste modo, é evidente o avanço o Poder Judiciário ao reconhecer o afeto
como o liame principal da família e ao admitir o caráter de entidade familiar às relações
afetivas entre pessoas do mesmo sexo, bem como o progresso do Poder Executivo ao
desenvolver planos governamentais que buscam mitigar o preconceito que impede a cidadania
de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros. Além disso, há a importância do Poder
Legislativo, no qual são propostos diversos projetos de lei que versam sobre as atuais lacunas
na concretização dessa cidadania.
Por conseguinte, mediante a ação conjunta desses três poderes e da própria
sociedade, quebra-se o monopólio da heterossexualidade nas relações afetivas ao se
compreender que as uniões afetivas não são inerentemente voltadas para casais de sexos
diferentes, mas sim baseadas, sobretudo, na liberdade individual, superando, assim, a noção
de uma instituição social concebida para a procriação.
11
Busca-se respostas a algumas indagações, tais como a existência de um
princípio fundamental à formação de uma entidade familiar para assim rebater as razões para
a negação de um caráter familiar aos casais homoafetivos, o que os torna cidadãos de segunda
categoria.
Contudo, ao se considerar um casal homoafetivo como uma família e
permitir-lhes uma cidadania plena, não se intenta a formação de um grupo superior de
cidadãos dotados de mais direitos e prerrogativas que os demais indivíduos, uma vez que não
há que se falar em direitos gays ou direitos dos homossexuais, mas simplesmente em direitos.
Ou seja, procura-se somente superar a discriminação, algo como “direitos iguais, nem mais,
nem menos” 1.
A fim de conseguir responder a todas essas inquietações de forma clara, a
presente monografia foi fundamentada em três fases. Primeiramente, estuda-se o monopólio
da heterossexualidade para compreender as dificuldades de superação do preconceito aos
homossexuais, além de explicar os fenômenos da homofobia e heterossexismo. Em seguida,
analisam-se formas de superar os obstáculos a uma plena cidadania, como, por exemplo, a
construção de uma identidade e o reconhecimento. Finalmente, com esse alicerce, chega-se à
discussão da entidade familiar homoafetiva e a trajetória desse reconhecimento nos tribunais,
sobretudo pela análise do Recurso Especial 820475/RJ.
1
Tema da Parada de Orgulho LGBT de Brasília no ano de 2007.
12
1. O monopólio da heterossexualidade
Muito ainda se discute acerca das origens ou causas da homossexualidade.
Há teorias2 que defendem a existência de um fator genético, outras se baseiam na influência
do meio social em que o indivíduo está inserido e ainda há aquelas em que se conjugam essas
duas hipóteses: genética e sociedade. Apesar de todo o preconceito, há inúmeros
homossexuais que optaram por viver sua sexualidade plenamente, buscando direitos e
constituindo famílias.
Não se pode negar, porém, que ainda há muita dificuldade na aceitação de
projetos de vida homossexuais, pois existe um conflito entre aquilo que é visto como
socialmente desviante e o que é tido como normal. Esse fenômeno pode ser ilustrado pelo
preconceito vivenciado por homossexuais em decorrência do que veio a ser entendido como
heterossexismo, isto é, todos os meios, coercitivos ou não, que fazem a heterossexualidade ser
vista como o padrão em uma sociedade, tais como as relações conjugais oficializadas somente
para um casal composto por um homem e uma mulher (negação da homossexualidade), a
afirmação de que os seres humanos pertencem a somente duas categorias biológicas e
complementares, isto é, o masculino e o feminino (negação da transexualidade), bem como a
crença em papéis sociais distintos para homens e mulheres (teorias sexistas). Ou como afirma
Susan ADAMS (2004, p. 57, tradução livre): “Heterossexismo: a crença cultural dominante
2
Costuma-se dividir as teorias que explicam a homossexualidade em quatro campos (GWERCMAN, 2004): (i)
Freudiana (os homossexuais tiveram uma relação fragilizada com o pai por culpa de alguma interferência da
mãe); (ii) Genética (a sexualidade seria determinada exclusivamente por um gene do cromossomo X); (iii)
Paternidade (Homens heterossexuais têm predomínio do lado esquerdo do cérebro e mulheres, do direito, ao
passo que os em gays essa relação seria invertida; e (iv) Primeiro prazer (a sexualidade humana seria definida
pelo primeiro registro cerebral de uma experiência prazerosa).
13
que a heterossexualidade é a única sexualidade normal e correta para todas as pessoas” 3, ou
ainda, para Evan GERSTMANN, citando Silva A. LAW (apud GERSTMANN, 2004, p. 51,
tradução livre), o heterossexismo é
a premissa que a conduta homossexual é rejeitada porque ela desafia os papéis
tradicionais de gênero, os quais tem uma influência hierárquica contra as mulheres.
De acordo com essa teoria, a discriminação por orientação sexual aprofunda
principal objetivo da discriminação sexual: a manutenção do modelo tradicional (de
papéis de gênero)4.
Ligada a esse conceito de heterossexualidade normativa, surge a homofobia,
isto é, o medo e desprezo por homossexuais. Uma repulsa face às relações afetivas e sexuais
entre pessoas do mesmo sexo, como conceitua Mary Garcia CASTRO (2004, p. 278):
São diversos os preconceitos, discriminações que em nome da sexualidade
desrespeitam, ferem a dignidade do outro, constituindo, muitas vezes, para quem é
objeto desses, sofrimentos e revoltas. São legitimados por padrões culturais que
cultivam simbólica e explicitamente hierarquias e moralismos em nome da
virilidade, da masculinidade e da rigidez que codifica uma determinada vivência da
sexualidade como a normal, a consentida. Muitas expressões de preconceitos e
discriminações em torno do sexual tendem a ser naturalizadas, até prestigiadas e não
entendidas necessariamente como violências.
Essas posturas homofóbicas têm reflexo inclusive no Legislativo, quando se
verifica, por exemplo, a dificuldade de aprovação de projetos de lei que beneficiam a
cidadania homossexual. Com uma simples busca do termo “homossexual” na base de dados
das matérias legislativas da Câmara dos Deputados5, encontra-se aproximadamente cinquenta
matérias com temática gay tramitando na Câmara dos Deputados, cujos assuntos vão desde a
criação de um dia de combate à homofobia6, a exemplo do PL 81/2007, de autoria da
3
Texto original: “Heterosexism: the dominant cultural belief that heterosexuality is the one ‘normal’ and ‘right’
sexuality for all people”.
4
Texto original: “(...) the premise that homosexual conduct is despised because it challenges our culture's
traditional gender roles, roles with a hierarchical bias against women. (...). According to this theory, sexual
orientation discrimination furthers the ultimate goal of sexual discrimination: maintenance of the traditional
model [of gender roles]”.
5
A pesquisa de projeto de leis com a temática homossexual no sítio da Câmara dos Deputados pode ser acessado
pelo endereço http://www2.camara.gov.br/internet/proposicoes/chamadaExterna.html?link=http://www.
camara.gov.br/sileg/Prop_Lista.asp?ass1=homossexual&co1=&Ass2=&co2=Ass3=.
6
O dia 17 de maio é conhecido como o dia internacional de combate à homofobia, pois foi nesse dia que em
1990, a assembléia geral da OMS aprovou a retirada do código 302.0 (Homossexualidade) da Classificação
Internacional de Doenças, declarando que “a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem
14
Deputada Fátima Bezerra, ao acréscimo de dispositivos no Código Civil relativos à união
estável gay (PL 4914/2009, de autoria de vários deputados, entre eles José Genuíno, Raquel
Teixeira e Fernando Gabeira), além do Estatuto das Famílias (PL 2285/2007, de autoria do
Deputado Sérgio Barradas Carneiro). Por outro lado, há projetos notadamente homofóbicos,
como a proibição de se equiparar as uniões homoafetivas a casamento ou mesmo concedê-las
status de entidade familiar (PL 5167/2009, de autoria dos Deputados Capitão Assumção e
Paes Lira), bem como a proibição de adoção por homossexuais (PL 4508/2008, de autoria do
Deputado Olavo Calheiros) e a tipificação do beijo lascivo entre duas pessoas do mesmo sexo
em público (PL 2279/2003, de autoria do Deputado Elimar Máximo Damasceno).
Verifica-se, contudo, que é evidente a falta de interesse na aprovação ou
mesmo na discussão de matérias legislativas benéficas ao público homossexual. Por exemplo,
o projeto de lei sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo, de autoria da ex-deputada
Marta Suplicy (PL 1151/1995), o qual tramita há mais de quatorze anos na Câmara dos
Deputados, foi diversas vezes retirado de pauta, sem nunca haver passado por uma votação
conclusiva.
O referido projeto foi aprovado por uma comissão especial em 1996 e
modificado em diversos pontos no decorrer de sua longa tramitação, como, por exemplo, na
substituição do termo “união” por “parceria”, a fim de afastar o caráter familiar das uniões
entre pessoas do mesmo sexo. O projeto é conhecido por suas limitações (proibição de
adoção, por exemplo) e concessões (perda do caráter familiar) por que passou desde sua
elaboração, mas serviu de fomento para a discussão desse tema na sociedade.
Na justificativa do projeto, Marta Suplicy destaca as resoluções do Conselho
Federal de Medicina e da Organização Mundial da Saúde que deixam de considerar a
perversão”. A nova classificação entrou em vigor entre os países-membro das Nações Unidas em 1994. Para
maiores informações: http://www.abglt.org.br/port/homofobia.php.
15
homossexualidade um desvio ou transtorno sexual e, além disso, afirma que a sociedade
viveria hoje “uma lacuna frente às pessoas que não são heterossexuais”, bem como destaca a
solidariedade, estabilização das relações e a violência homofóbica. Afirma que o direito “não
pode servir como obstáculo à transformação social”, mas deve sim “ser instrumento de
proteção às conquistas e demandas sociais”.
O aludido projeto destaca também a defesa dos direitos à propriedade, a
exemplo de seu art. 3º, o qual explica que o contrato firmado em cartório “deverá versar sobre
disposições patrimoniais, deveres, impedimentos e obrigações mútuas”, além da possibilidade
de retroatividade no caso de haver patrimônio comum, com a justificativa de tornar “possível
a reparação de notórias injustiças, como os casos onde o parceiro morre e seu companheiro ou
companheira do mesmo sexo é excluído de qualquer participação em um patrimônio que
também é seu, pois ajudou a construí-lo, em decorrência de vários anos de convivência”.
O substitutivo apresentado por Roberto Jefferson aprofunda mais as
questões patrimoniais, sobretudo as questões sucessórias e, além disso, veda “quaisquer
disposições sobre adoção, tutela ou guarda de crianças ou adolescentes em conjunto, mesmo
que sejam filhos de um dos parceiros”.
O projeto de lei enfatiza também que a união de pessoas do mesmo sexo
trata-se na verdade de uma parceria civil, não podendo ser equiparada ao casamento, nem à
união estável, apesar de haver artigos que tratam do estado civil dos parceiros ou ainda que
determinam a exclusividade da parceria, disposições que aproximam formalmente tais
relações ao casamento e à união estável.
Apesar de todas as concessões, adequações e discussões, o projeto ainda
passa por muita dificuldade para sua aprovação, apesar de ter sido colocado em pauta para
votação várias vezes, sem, contudo, haver passado por uma votação efetiva, haja vista suas
reiteradas retiradas de pauta por acordo de líderes.
16
Um exemplo da homofobia por que passa o projeto de lei de Marta Suplicy
é a postura da Igreja Católica ao fazer um lobby contra a votação:
Segundo informações veiculadas pela imprensa, em 2001, quando o projeto estava
pronto para ir à votação na forma do substitutivo do deputado Roberto Jefferson, a
CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) enviou a todos os 513
deputados uma carta em que falava do perigo das uniões “antinaturais”. A carta foi
assinada pelo secretário-geral da CNBB, D.Raymundo Damasceno Assis, e pelo
bispo responsável pelo setor Família e Vida da entidade, D. Aloysio José Leal
Penna. Esta posição, por sua vez, está perfeitamente coerente com as posições
veiculadas pelo Vaticano no documento sobre “Família, matrimônio e uniões de
fato”. (VIANNA, 2004, p. 56)
Atualmente o projeto aguarda a inclusão na ordem do dia do plenário, a
requerimento do Deputado Celso Russomanno (REQ nº 1447/2007), o qual alega que “um
País que estabeleceu em sua Constituição Federal o respeito à diversidade cultural e de
pensamento, a proteção à intimidade e à vida privada e à liberdade de expressão não pode
omitir-se na luta de milhões de brasileiros que seguem uma orientação sexual diferente da
maioria”.
É visível também a dificuldade em se aprovar o PLC 122/06 (ou PL
5003/01), de autoria da Deputada Iara Bernardi, que tem por objetivo a alteração da Lei nº
7.716, de 5 de janeiro de 1989, que trata dos crimes de preconceito em razão de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional, ampliando a abrangência da mencionada norma para
tipificar crimes de preconceito em decorrência de gênero, sexo, orientação sexual e identidade
de gênero.
Como forma de avaliar o projeto foram realizados em 2007 diversas
audiências públicas na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado
Federal. Ao final aprovou-se requerimento do Senador Gim Argello para que o projeto fosse
analisado também pela Comissão de Assuntos Sociais. No âmbito desta comissão, em
28/04/2009 foi elaborado pela Senadora Fátima Cleide, um relatório com minuta de parecer
pela aprovação do referido projeto:
17
Objetivamente, sem fazer opção pelo comportamento homossexual ou sua apologia,
o PLC nº 122, de 2006, propõe meios legais para desestimular e coibir penalmente
situações em que a opinião privada de alguns gera prejuízos aos direitos de outros.
(...) Por outro lado, o projeto não criminaliza a crença pessoal desfavorável à
homossexualidade, mas ações que conduzam à imposição dessa crença a outros
indivíduos, de modo a suprimir a liberdade de uns pelo arbítrio de outros. (...) Dessa
forma, esta Relatoria entende que o projeto, além do extremamente positivo no
combate à homofobia e na garantia de cidadania a grupos drástica e continuamente
violados em seus direitos, não criminaliza a liberdade de consciência e de crença –
pela simples razão de que a norma proibitiva incide sobre a conduta dolosa
precisamente definida em lei, não sobre o pensamento. Além do fato de que o
combate à toda forma de discriminação no campo do trabalho e a promoção da
saúde mental dos cidadãos e cidadãs brasileiros, discussão que está no âmbito dessa
Comissão, serão fortalecidas.
Ressalte-se que a favor da aprovação desse projeto foi realizada uma
pesquisa em 2008 pelo Instituto DataSenado7 após aumento expressivo de telefonemas ao
serviço de atendimento “Alô Senado” com comentários sobre esse projeto. Tal incremento
deveu-se, sobretudo, à mobilização8 do movimento homossexual para a aprovação desse
projeto.
A mencionada pesquisa revelou que 70% dos brasileiros concordam com a
aprovação do PLC 122/06, sendo que o maior índice de concordância com a proposta foi
apresentado pelos entrevistados da Região Sul (73%), com nível superior (78%) e idade entre
16 e 29 anos (76%). Já os menores índices de aceitação, por sua vez, encontram-se entre os
pesquisados na Região Centro-Oeste (55%), os que cursaram até a quarta série do ensino
fundamental (55%) e pessoas com mais de 30 anos (67%).
Verifica-se, portanto, que o projeto de criminalização da homofobia
encontra boa aceitação por parte da população brasileira, o que deveria ser um auxílio à sua
aprovação. Atualmente, foi acatado o Requerimento nº 38/09 da Comissão de Assuntos
Sociais do Senado Federal para a realização de uma nova audiência pública para instrução do
projeto.
7
8
A pesquisa pode ser acessada pelo endereço http://www.senado.gov.br/sf/senado/centralderelacionamento/
sepop/pdf/Pesquisa%20PLC%20122.pdf.
Essa mobilização ocorreu, sobretudo, em virtude da criação do movimento Não Homofobia!
(www.naohomofobia. com.br) que convida todos os interessados pela aprovação do projeto a ligarem ao
Senado Federal e manifestarem seu apoio.
18
E como forma de diminuir as dificuldades de aprovação de projetos
relacionados à cidadania de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, criou-se em 2003 a
Frente Parlamentar pela Livre Expressão Sexual9 (em 2007 passou a ser conhecida como
Frente Parlamentar pela Cidadania LGBT10), uma associação de deputados e senadores de
caráter supra-partidário que tem como objetivo o apoio e articulação para apresentação e
aprovação de proposições legislativas de interesse da comunidade LGBT, além de auxiliar na
garantia de recursos para programas de apoio à questão homossexual, a exemplo do Brasil
Sem Homofobia11, atuando em parceria com a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e
Transgêneros (ABGLT).
Mas a dificuldade de aprovação de medidas que primam pelo direito à
diferença esteve presente até mesmo na Assembléia Constituinte, sem, contudo, obter êxito,
como destaca Luiz MELLO (2005, p. 52) no discurso do deputado Salatiel Carvalho no
Diário da Assembléia Nacional Constituinte:
Está implícita, então, na declaração de V. Exa. [Deputado Alceni Guerra, relator da
subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias, da
Assembléia Nacional Constituinte] que homossexualismo não é uma anormalidade,
o que para mim é uma anormalidade. (...) eu vejo até que isso [a não discriminação
por orientação sexual] é uma porta aberta para que no futuro os grupos
homossexuais possam reivindicar, exatamente, os mesmos direitos do homem e da
mulher, os mesmos direitos, inclusive, da própria família e aí, talvez, seja até uma
porta aberta para que tenhamos no futuro, por que não, a legalização de uniões
homossexuais, já que nossa Constituição vai dar cobertura, exatamente, a que
ninguém seja prejudicado por orientação sexual.
Houve tentativas posteriores de incluir no texto constitucional a proibição
de discriminação, a exemplo da revisão constitucional de 1993, quando o deputado Fábio
Feldmann apresentou a proposta de emenda PRE 006951-4 ao art. 7º, para que assim estivesse
9
Para mais informações acesse http://www.ggb.org.br/aliadas_frente_brasilia.html.
A ABGLT (Associação de Bissexeuais, Gays, Lésbicas e Transgêneros) recomenda a mudança e utilização da
sigla LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros), em substituição a GLBT a fim de dar maior
visibilidade ao segmento de lésbicas no ativismo brasileiro e assim combater o patriarcalismo e a dominação
masculina. (De acordo com nota oficial da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais,
disponível em http://www.abglt.org.br/port/basecoluna.php?cod=121).
11
Esse programa será abordado no capítulo 2.
10
19
explícita a proibição de diferenças de salários também por orientação sexual, mas ela não foi
votada pelo Congresso Nacional.
Há também a PEC 139/95, que visa alterar o referido artigo, bem como o
art. 3º. Na justificativa, a deputada Marta Suplicy, autora da referida emenda, cita o fato que
“o heterossexual não tem direitos de cidadania por ser heterossexual e o homossexual não
deveria ser discriminado por ter uma orientação sexual minoritária”. Todavia, a referida
proposta de emenda foi arquivada.
Ainda em relação à proibição da discriminação por orientação sexual,
segundo os dados da ABGLT12, atualmente há mais de setenta municípios com algum tipo de
lei nesse sentido. Na esfera estadual, por sua vez, a proibição de discriminação por orientação
sexual consta de três constituições estaduais (Mato Grosso, Sergipe e Pará), havendo
legislação específica sobre o assunto em mais cinco estados (Rio de Janeiro, Santa Catarina,
Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul), além do Distrito Federal.
Entre essas leis estaduais, destaca-se a Lei nº. 11.872/02, do Rio Grande do
Sul que “dispõe sobre a promoção e o reconhecimento da liberdade de orientação, prática,
manifestação, identidade, preferência sexual”, protegendo tanto indivíduos quanto grupos e
organizações (art. 1º, §§1º e 2º), além de coibir também as “ofensas coletivas e difusas” (§5º).
Já em relação à esfera judiciária, observa-se que muitos juízes têm deferido
alguns direitos aos homossexuais, tais como o reconhecimento do caráter familiar às uniões
homoafetivas13. Apesar disso, também são frequentes as decisões homofóbicas, a exemplo do
acórdão no. 192917, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, julgado em 28/04/2004 e com
relatoria de Sandra de Santis:
Competência - Uniões homoafetivas - Inexistência de instituição familiar Sociedade de fato - Juízo cível.
12
13
A lista com os municípios pode ser encontrada no endereço http://www.abglt.org.br/port/relleismun.htm.
Esse assunto será aprofundado no capítulo 3.
20
1. As uniões homoafetivas não são instituição familiar à luz do ordenamento jurídico
vigente. a realidade da sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo merece
tratamento isonômico quanto ao reconhecimento, dissolução e partilha de bens
adquiridos durante a convivência, mas perante o juízo cível.
2. A observância do princípio da dignidade da pessoa humana implica reconhecer a
existência de direitos advindos dessas uniões equiparadas àquelas provenientes de
uniões heterossexuais, a fim de se evitar qualquer tipo de discriminação em razão da
opção sexual, contudo não tem o condão, por ora, de alterar a competência do juízo
de família.
E exatamente para combater ou mesmo evitar o heterossexismo, é comum a
formação de guetos e subculturas gays, a fim de fomentar a própria identidade homossexual:
A subcultura homossexual pode ser entendida como uma forma de resistência na
qual contradições e objeções à ideologia dominante são simbolicamente
representadas através de um determinado estilo de vida ou uso de objetos materiais.
Cria-se um espaço para a livre expressão sexual mesmo em face da discriminação e
violência. (NUNAM e JABLONSKI, 2002, p. 22).
Ainda segundo Adriana NUNAM (et alli, 2002, p. 1), “a subcultura é
ideologia articulada coerentemente em um conjunto de significados, crenças e
comportamentos, além de ser uma forma complexa de interação e organização social
partilhada tanto por homossexuais assumidos como por heterossexuais não preconceituosos”.
Criam-se, assim, códigos, gírias, comportamentos, costumes e pontos de
encontro próprios para o pleno convívio de homossexuais, a fim de escapar do preconceito e
homofobia. Segundo PLUMMER (apud NUNAM et alli, 2002, p. 1), “as subculturas são
conseqüência das sociedades complexas onde não existe um sistema de valores único e
uniforme que seja válido para todos os indivíduos”.
Dessa forma, a subcultura homossexual seria uma forma de resistência ao
heterossexismo “simbolicamente representada através de um determinado estilo de vida ou
uso de objetos materiais. Cria-se um espaço para a livre expressão sexual mesmo em face de
discriminação e violência”. (NUNAN, 2002, p. 2).
Ocorre até mesmo a apropriação e ressignificação dos esteriótipos
negativos, desenvolvendo, assim, uma consciência positiva de grupo:
21
Esta consciência grupal envolveria três aspectos básicos: o reconhecimento de que
certas desvantagens não são derivadas de experiências pessoas, mas que se estendem
a outros membros do grupo; o julgamento de que o status minoritário e desvantajoso
do grupo é ilegítimo e derivado de preconceito, discriminação e exploração; e o
desenvolvimento de uma identidade grupal positiva. Para que esta identidade seja
possível, membros do grupo precisam acreditar que uma sociedade mais justa pode
ser construída através de esforço coletivo, o que por sua vez permite que os
indivíduos se organizem e lutem por mudanças sociais. Surgem assim, nos grandes
centros urbanos, as comunidades homossexuais. (NUNAN, 2002, p. 2).
A identidade homossexual, contudo, geralmente é contaminada por
preconceito, pois há uma tentativa de se dar uma unicidade aos gays, generalizando-os,
dando-lhes características comuns, tais como a promiscuidade, a frivolidade, entre outros,
deixando-se de lado a complexidade da identidade, a qual não deve ser analisada somente sob
o viés da sexualidade. Esse fenômeno é conhecido como homogeneização da diferença, uma
visão carregada de preconceito, estereótipos e estigmas, que deixa escapar os traços de
individualidade. Dessa forma, o indivíduo passa a ser visto primeiramente como
homossexual, ficando em segundo plano as demais características de sua personalidade.
Mas mesmo com todos esses preconceitos, generalizações e lugares-comum,
a ‘identidade gay’ ainda funciona como uma forma de reafirmação, de busca da aceitação do
outro. Desfazer essa distinção entre homossexualidade e heterossexualidade, portanto, poderia
até mesmo trazer incertezas e crises ao homossexual, pois acarretaria uma sensação de
desamparo, haja vista que o próprio indivíduo, seus familiares e amigos estão imersos em
idéias heterossexistas. A identidade homossexual então seria vista como um refúgio a esses
preconceitos e funciona como um endosso a todo um modo de vida.
Ao analisar identidade homossexual, Pierre BOURDIEU (1999, p. 143-144)
ressalta o que ele designa de dominação simbólica. Isso porque, diferente do que acontece na
questão racial ou étnica, os gays são marcados por um estigma que pode ou não ser ocultado.
Essa dominação impõe-se através de atos de classificação que dão margem a diferenças
negativamente assinaladas e, com isso, grupos sociais estigmatizados podem vir a negar sua
22
própria existência pública. Todavia, a opressão como forma de invisibilização, para o autor,
só aparece realmente declarada quando o movimento reivindica a visibilidade, como no caso
das paradas de orgulho gay.
Tais manifestações sociais em prol dos homossexuais, bissexuais e
transgêneros surgiram como reflexo da crescente força das identidades gays e servem,
sobretudo, para dar visibilidade e apoio aos LGBT e tem quatro premissas básicas:
i)
Sejam realizadas para pessoas que se identifiquem como lésbicas, gays,
bissexuais, transgêneros, intersexos e/ou pertencentes a quaisquer outras
identidades sexuais que surjam;
ii) Aumentem a visibilidade desses(as) cidadãos(ãs) e/ou sirvam para valorizar
sua existência e
iii) Comemorem a “Batalha de Stonewall”14, algum outro acontecimento
histórico semelhante ou
iv) Sejam eventos anuais ou de outra periodicidade organizadas por uma
entidade do orgulho. (INTERPRIDE, 2009).
Ainda em relação às paradas de orgulho, é importante destacar também a
trajetória do movimento homossexual brasileiro. De acordo com FACCHINI (2005), o
orgulho gay teve duas grandes ondas. A primeira foi marcada pelo surgimento do Grupo
Somos e do jornal O Lampião da Esquina (1978), ainda na época da ditadura, o que obrigou o
uso de códigos, eufemismos e metáforas a fim de escapar de retaliações e censura por parte do
governo.
A segunda onda está associada ao surgimento dos grupos Triângulo Rosa e
Atobá no Rio de Janeiro, além do Grupo Gay da Bahia. Nesse período, identifica-se uma crise
nos primeiros anos da epidemia de Aids, bem como o fortalecimento do ativismo nos anos
1990. Uma das características desse novo período é a diversificação e especificação
crescentes das categorias identitárias abarcadas pelo movimento em um modelo que,
14
No verão de 1969 teve início o movimento gay de Nova York quando um grupo de homossexuais iniciou uma
resistência contra a invasão de policiais ao The Stonewall Inn, um popular bar gay no bairro Village. À
época, bares freqüentados por homossexuais eram freqüentemente invadido por policiais, mas em 27 de
junho de 1969 os clientes do Stonewall resolveram protestar contra essas atitutes preconceituosas. Para mais
informações: http://manhattan.about.com/od/glbtscene/a/stonewallriots.htm.
23
inspirado na experiência norte-americana, é definido por Facchini como segregacionista.
Assim, os nomes de encontros nacionais de entidades homossexuais ao longo dos anos 80 e
90 expressam a diversidade de siglas para acomodar as diferentes expressões identitárias
produzidas através de um processo contínuo de segmentação.
É importante notar que o número de grupos de defesa dos direitos
homossexuais cresce exponencialmente, como destaca RAMOS (2006, p. 188):
Até 1990, os encontros brasileiros reuniam de seis a oito grupos. Em 1995, a
ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros) foi
fundada por 31 grupos. Em 2006, o site da ABGLT registrava uma rede nacional de
165 organizações, sendo 109 grupos de gays, lésbicas, travestis e transexuais, e mais
56 organizações colaboradoras voltadas para os direitos humanos e a Aids.
No Brasil, a primeira manifestação de orgulho ocorreu em São Paulo em
1997 e reuniu cerca de duas mil pessoas na Avenida Augusta. O slogan daquele ano foi
“Somos muitos, estamos em todas as profissões”. Logo em seguida surgiram manifestações
similares em todas as grandes cidades brasileiras. Atualmente a parada paulista é considerada
a maior do mundo, reunindo aproximadamente três milhões de pessoas (APOGLBTSP, 2008).
Todavia, Gisele NUSSBAUMER (2000, p. 10) destaca alguns pontos
controversos nessas manifestações culturais, ou seja, a confirmação do heterossexismo e a
visibilidade selecionada por classe social:
Esse acontecimento [a parada de orgulho] serve para ilustrar os dois pontos de vista
acerca da cultura e da identidade gay (...). Por um lado, a visibilidade que a parada
oferece reforça a idéia do controle social exercido, pois as ‘múltiplas sexualidades’
se fazem visíveis em uma festa pontual que privilegia, de certa forma, seus
estereótipos exacerbados. Ganha visibilidade a cultura festiva e globalizada, com
suas drags, travestis montadas, go-go boys e barbies cada vez mais musculosos,
além de celebridades do mundo artístico e político. O que é aceito e midiatizado é o
‘exacerbado’, que se destaca na cena festiva, mas a ela se restringe, sem ameaçar o
cotidiano heteronormativo. Os homossexuais “comuns”, principalmente se de baixa
renda e efeminados, mesmo estando ali presentes, permanecem praticamente
invisíveis. Por outro lado, é preciso reconhecer que a visibilidade, alcançada por
gays, lésbicas e todas as outras possibilidades sexuais presentes na Parada, tem seus
reflexos positivos. O evento tornou-se palco de reivindicações e um espaço concreto
para o desenvolvimento de estratégias políticas em defesa da cultura e da identidade
gay.
24
Deve-se pensar, pois, focando-se na questão da identidade gay e da
visibilidade, em como se buscar novas formas de se ultrapassar os obstáculos postos pelo
monopólio da heterossexualidade e pela homofobia para assim, quem sabe, chegar ao ponto
defendido por BORDIEU (1999, p. 145), ou seja, criação de uma nova ordem sexual na qual a
distinção entre os diferentes seja indiferente. Portanto, deve-se tentar, mediante a construção
da identidade gay, chegar ao direito à diferença.
25
2. A construção da identidade e o direito à diferença
O conceito de identidade tem se alterado bastante no decorrer dos séculos.
Pode ser entendido desde a individualização do ser humano, não mais visto como simples
parte de um todo (concepção iluminista) até mesmo como o reflexo da relação com as outras
pessoas, não mais tido como um ente autônomo e auto-suficiente (concepção sociológica).
Por fim, Stuart HALL (2004, p.12 e 13) define o que vem a ser o sujeito na pós-modernidade:
Esse processo [fragmentação das identidades] produz o sujeito pós-moderno,
conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A
identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada continuamente
em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas
culturais que nos rodeiam.
Dessa maneira, convive em um mesmo indivíduo sua identidade de nação,
de gênero, de sexualidade, de classe, de etnia, entre outras. Muitas vezes tais identidades
mostram-se até mesmo contraditórias entre si, o que acaba gerando uma crise:
Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas
no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe,
gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham
fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão
também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós
próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um ‘sentido de si’ estável é
chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo
deslocamento – descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e
cultural quanto de si mesmos – constitui uma ‘crise de identidade’ para o indivíduo.
(HALL, 2004, p. 9)
Ligado à idéia de identidade está o reconhecimento, o qual, de acordo com
Axel HONNETH (2003, p.158), é a identidade que se pode manter na comunidade, a
compreensão a partir da perspectiva que outro generalizado tem de si mesmo. Para o autor, o
sistema jurídico deve ser entendido como expressão dos interesses universalizáveis de todos
26
os membros da sociedade, não podendo mais se admitir quaisquer exceções ou privilégios,
uma vez que na passagem para a modernidade, os direitos individuais se desligaram das
expectativas concretas específicas dos papéis sociais, competindo, assim, a todo homem.
Para HONETH (2003, p. 177), o primeiro passo na luta pelo
reconhecimento é o auto-respeito, isto é, a auto-relação positiva possibilitada pelo
reconhecimento jurídico, referindo a si mesmo como uma pessoa moralmente imputável:
um sujeito é capaz de considerar, na experiência do reconhecimento jurídico, como
uma pessoa que partilha com todos os outros membros de sua coletividade as
propriedades que capacitam para a participação numa formação discursiva da
vontade; e a possibilidade de se referir positivamente a si mesmo desse modo é o
que podemos chamar de 'auto-respeito'. (HONETH, 2003, p. 197)
Destaca-se ainda a noção de direitos de reconhecimento, os quais têm as
seguintes prerrogativas (LOPES, 2005):
a)
que existem na sociedade grupos estigmatizados;
b) que os estigmas são produtos institucionais e históricos, e não cósmicos;
c)
que os estigmas podem não ter fundamentos científicos, racionais ou funcionais
para a sociedade;
d) que as pessoas pertencentes a grupos estigmatizados sofrem a usurpação ou a
negativa de um bem imaterial (não mercantil, nem mercantilizável), mas básico:
o respeito e o auto-respeito;
e)
que a manutenção social dos estigmas é, portanto, uma injustiça, provocando
desnecessária dor, sofrimento, violência e desrespeito;
f)
que os membros de uma sociedade, para continuarem pertencendo a ela, têm
direito a que lhes sejam retirados os estigmas aviltantes.
Contudo observa-se que muitos direitos ainda são negados15 aos gays no
Brasil, entre os quais a impossibilidade de se casar, não ter garantida a guarda do filho do
cônjuge, não receber abono-família, não ter direito à herança do parceiro, não fazer
declaração conjunta de imposto de renda, não participar dos programas estatais para a família,
entre diversos outros pontos fundamentais que são recusados a cidadãos que têm as mesmas
15
Há uma lista de 37 direitos negados aos homossexuais no Brasil: http://super.abril.com.br/superarquivo/2004/
conteudo_337755.shtml
27
obrigações intrínsecas a quaisquer outros brasileiros, mas ainda encontram obstáculos para
obter direitos, concretizando assim a negação do reconhecimento jurídico a esses sujeitos.
Ainda de acordo com HONNETH (2003, pp. 129-134) a negativa de
reconhecimento gera uma violência física (o abuso físico), que é o impedimento de alguém
estar fisicamente seguro no mundo, e uma violência não-física, a qual se desdobra em duas
formas típicas: a exclusão de alguém de uma esfera de direitos, negando-se à pessoa
autonomia social e possibilidade de interação (ostracismo social), ao passo que a segunda
forma de violência não-física, seria a negativa de valor a uma forma de ser ou de viver.
Essa negação ao reconhecimento pode levar ao que Kenji YOSHINO (2001)
determina de conversão (converting), disfarce (passing) e encobrimento (covering). Para ele,
conversão se relaciona às identidades que resultam da livre aceitação de pertencimento a um
grupo. Disfarce, por sua vez, liga-se à idéia de tolerância, ou seja, o indivíduo pode continuar
com sua identidade, mas não pode expô-la publicamente. Finalmente, o encobrimento faz com
que o indivíduo não seja obrigado a disfarçar sua identidade, mas a encobri-la, isto é, pode-se
tornar sua identidade pública, mas não é permitido orgulhar-se dela. Em outras palavras:
O encobrimento da identidade permite que o indivíduo seja não somente gay, mas
também que diga que é gay. Tudo o que o encobrimento pressupõe é que o indivíduo
module sua conduta para fazer com que sua diferença seja mais facilmente
assimilada para aqueles ao seu redor não atentem para o seu traço estigmatizante.
Dessa forma, encobrir-se não se confunde com o disfarce, pois este se liga a idéia de
visibilidade, enquanto aquele relaciona-se à idéia de impertinência. (YOSHINO,
2001, p. 837, tradução livre)16.
Portanto, para superar essas condutas de conversão, disfarce ou
encobrimento, isto é, para superar a falta de reconhecimento, é preciso haver um processo de
inclusão que
passa pela idéia de um sujeito constitucional aberto, capaz de dialogar com as
16
Texto original: Covering permits an individual not only to be gay, but also to say that she is gay. All covering
requires is that the individual modulate her conduct to make her difference easy for those around her to
disattend her known stigmatized trait. Covering can thus be superficially distinguished from passing—as
Goffman put it, passing is about “visibility,” while covering is about “ obtrusiveness.
28
diferentes identidades existentes na sociedade sem, contudo, adotar uma delas como
dominante. O sujeito constitucional é entendido em um processo de reconstrução,
contínuo e incompleto, orientado para a obtenção de um equilíbrio entre a
assimilação e a rejeição de outras identidades relevantes na sociedade (MEDEIROS,
2008, p. 30)
Conseqüentemente, a identidade constitucional, de acordo com Michel
ROSENFELD (1995, p.1055), é melhor observada por suas ausências, já que o sujeito
constitucional deve ser considerado como um hiato, pois a ausência desse sujeito não nega o
seu caráter indispensável, além de ser inerentemente incompleto. Daí a sua necessidade de
reconstrução, equilibrada com as demais identidades relevantes, embora essa reconstrução
nunca seja definitiva ou completa.
Em relação ao sujeito constitucional, este emerge da necessidade do
confronto entre o eu (self) e o outro (externo ou interno), comum no constitucionalismo
moderno, haja vista seu pluralismo inerente.
Portanto, uma sociedade que se julga fraterna, pluralista, livre, justa e que
declara a igualdade, liberdade e isonomia como preceitos fundamentais não pode sequer
permitir a rejeição, violência ou perseguição a indivíduos que assumam uma orientação sexual
diversa daquela tida como padrão na sociedade.
Já no primeiro artigo da Constituição Federal defende-se a República
Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito, tendo-se, pois, como
fundamento a cidadania e a dignidade da pessoa humana.
Mais adiante no artigo terceiro, inciso II e IV, fica claro que os objetivos
fundamentais do país são a construção de uma sociedade livre e solidária, bem como com o
provimento do bem a todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer
outra forma de discriminação.
Além disso, o fundamental artigo 5º da aludida Carta Magna determina que
29
todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade.
E o direito surge exatamente como forma de superar os preconceitos e
derrubar estigmas, do modo como ocorreu com certos grupos sociais, a exemplo do
movimento negro e do movimento feminista:
Várias formas de estigmatização já foram eficazmente combatidas pelo direito. Para
citar poucos exemplos, pode-se dizer que os grupos de identidade que se formaram
ao longo dos últimos séculos e conseguiram superar os estigmas sociais por meios
jurídicos foram as mulheres e, em parte, os negros, os estrangeiros e os deficientes
físicos. Do ponto de vista da cultura majoritária, as formas de inferiorização desses
grupos eram respaldadas pelo direito. As mulheres não votavam, podiam receber
salários inferiores aos dos homens, em certas circunstâncias não tinham acesso ao
Judiciário sem autorização do marido e assim por diante. Foram movimentos
emancipacionistas e feministas que construíram pouco a pouco uma imagem mais
positiva e afirmativa das mulheres, "desnaturalizando" o tratamento jurídico
diferenciado, e que introduziram no direito a igualação de mulheres e homens, que
antes se concebia como impossível, dada a diferença de gênero. A diferença é, pois,
um constructo histórico; e o direito não joga um papel neutro nessa construção: ao
contrário, o direito – os ordenamentos jurídicos – ajuda a naturalizar as diferenças e
as desigualdades comuns na cultura. A mudança no direito não apenas se segue às
mudanças culturais, mas ajuda a promovê-las. (LOPES, 2005)
Todavia, antes de se analisar o desrespeito aos princípios e objetivos
constitucionais, é preciso ter a devida noção do que veio a ser conhecido com a
constitucionalização do direito civil, como esclarece Paulo LÔBO (2004):
Na atualidade, não se cuida de buscar a demarcação dos espaços distintos e até
contrapostos. Antes havia a disjunção; hoje, a unidade hermenêutica, tendo a
Constituição como ápice conformador da elaboração e aplicação da legislação civil.
A mudança de atitude é substancial: deve o jurista interpretar o Código Civil
segundo a Constituição e não a Constituição, segundo o Código, como ocorria com
freqüência (e ainda ocorre). (...) Pode afirmar-se que a constitucionalização é o
processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do direito
civil, que passam a condicionar a observância pelos cidadãos, e a aplicação pelos
tribunais, da legislação infraconstitucional.
Dessa forma, o direito civil constitucional é visto como um sistema de
normas e princípios normativos institucionais integrados na própria Constituição, englobando
matérias como proteção da pessoa, família, patrimônio, desde seus matizes residualmente
30
civis até os próprios efeitos constitucionais.
Por essa visão da constitucionalização do direito civil pela valorização dos
princípios constitucionais, pode-se chegar ao direito à sexualidade, uma vez que integra a
própria condição humana. Assim, ninguém poderá realizar-se como ser humano se não tiver
garantido o exercício de sua sexualidade, englobando a noção de liberdade e orientação
sexuais.
Levando-se em consideração a clássica ordenação dos direitos humanos em
gerações, pode-se encaixar o aludido direito à sexualidade nas três primeiras gerações. Ou
seja, é um direito de primeira geração por ser uma liberdade individual, inalienável e
imprescritível. Pode também ser adequado à segunda geração ao levar-se em conta o direito à
orientação sexual e dotando-o de proteção diferenciada tendo em vista sua hipossuficiência:
Devem ser reconhecidos como hipossuficientes todos os segmentos alvo do
preconceito ou discriminação social. A hipossuficiência social leva, por reflexo, à
deficiência de normação jurídica, deixando à margem ou à míngua do Direito certos
grupos sociais. Como a homossexualidade é pressuposto e causa de um especial
tratamento dispensado pelo Direito, não se pode deixar de reconhecer como
juridicamente hipossuficiente essa categoria por ser socialmente e, por reflexo
preconceituoso, marginalizada. (DIAS, 2003, p. 5)
Além disso, o direito à sexualidade também pode ser incluído no rol dos
direitos de terceira geração, isto é, direitos decorrentes da natureza humana, tomados
solidariamente. Logo, é um direito de todos, mas também de cada um, e deve ser garantido a
cada indivíduo por todos os homens. Isto é, como defende Aída Kemelmajer de CARLUCCI
(2000, p. 24, tradução livre):
O direito à livre determinação de cada um é considerado hoje um direito humano. A
circunstância de que não é mencionado no catálogo que contém os tratados
nacionais e internacionais sobre direitos humanos não significa que não exista.
Assim como existe um direito à livre determinação dos povos, existe um direito à
livre determinação do indivíduo. O direito à orientação sexual como o direito à livre
determinação de cada um, aparece, cronologicamente, dentro desses direitos de
terceira geração, quando depois da Segunda Guerra se tomou consciência das
discriminações contra esses grupos de pessoas [minorias]. Apesar disso, do ponto de
vista de sua essência, é um direito que pode ser situado entre os direitos de primeira
geração porque: (i) está intimamente conectado aos direitos à privacidade, à
31
liberdade individual e ao direito à associação, etc.; (ii) não tem custo econômico
(...): custa muito pouco permitir que as pessoas capazes decidam por elas mesmas
com quem partilhar seus sentimentos e desejos, permitir-lhes o direito a expressar-se
e organizar-se, etc.; e (iii) é essencialmente justificável: permitir que alguém não
seja discriminado por sua orientação sexual não é uma ação extravagantes, exótica17.
No tocante à questão homossexual no Brasil, há diversas políticas de ação
afirmativa explicitadas por leis que proíbem a discriminação por orientação sexual, a exemplo
da Lei Estadual 14.170-MG de 15/01/2002, a qual prevê em seu art 1º:
O Poder Executivo imporá, no limite da sua competência, sanções às pessoas
jurídicas que, por ato de seus proprietários, dirigentes, prepostos ou empregados no
efetivo exercício de suas atividades profissionais, discriminem, coajam ou atentem
contra os direitos da pessoa em razão de sua orientação sexual
Mas a principal medida governamental que visa mitigar o preconceito por
orientação sexual é o plano nacional BSH - Brasil sem homofobia: programa de combate á
violência e à discriminação contra LGBT e de promoção da cidadania homossexual,
elaborado em parceria com diversos grupos de defesa dos direitos dos homossexuais e o
governo federal em 2004.
O referido programa tem por objetivo promover a cidadania de gays,
lésbicas, travestis, transgêneros e bissexuais mediante a equiparação de direitos aliada ao
combate à violência e à discriminação. Constitui-se de diversas ações pontuais, entre elas:
- apoio a projetos de fortalecimento de instituições públicas e não-governamentais
que atuam na promoção da cidadania homossexual e/ou no combate á homofobia;
- capacitação de profissionais e representantes do movimento homossexual que
atuam na defesa de direitos humanos;
17
Texto original: “El derecho a la livre determinación de cada uno es considerado hoy un derecho humano. La
circunstancia de que no esté mencionado en el catálogo que contiene los tratados nacionales e
internacionales sobre derechos humanos no significa que no exista. Así como existe un derecho a la livre
determinación de los pueblos, existe um derecho a la livre determinación del individuo. El derecho a la
orientación sexual como derecho a la livre determinación de cada uno aparece, cronologicamente, dentro de
estos derechos de la tercera generación, cuando después de la segunda guerra mundial se toma conciencia
de las discriminaciones contra estos grupo de personas; sin embargo, desde el punto de vista de su esencia,
es un derecho que puede ser ubicado entre los derechos de la primera generación porque: (i) Está
intimamente conectado a los derechos a la privacidad, a la libertad individual, al derecho de asociación, etc.
(ii) No tiene costo econômico (inexpensive): cuesta muy pouco permitir que las personas capaces decidam
ellos mismos con quien compartir sus sentimientos y deseos; permitirles el derecho a expresarse y a
organizarse, etc. (iii) Es esencialmente justificable; permitir que alguien no sea discriminado por su
orientación sexual no es uma acción extravagante, exótica”.
32
- disseminação de informações sobre direitos, de promoção da auto-estima
homossexual; e
- incentivo á denúncia de violações dos direitos humanos do segmento LGBT
(BRASIL, 2004, p. 11).
É importante ressaltar que se trata de um documento histórico por
reconhecer de forma tão abrangente o direito à plena cidadania aos homossexuais,
transgêneros, travestis, transexuais e bissexuais. Além disso, é uma forma de o ordenamento
jurídico brasileiro voltar-se para a tendência mundial de reconhecimento dos direitos a
homossexuais e dessa forma abrir caminho para a aprovação de mais direitos para os LGBT.
Decorrente das diretrizes do Brasil Sem Homofobia, foi lançado em 2009 o
Plano Nacional de Cidadania LGBT18, resultado da 1ª Conferência Nacional LGBT, ocorrida
em Brasília entre 5 e 8 de junho de 2008, e tem como objetivos:
3.2.1. Promover os direitos fundamentais da população LGBT brasileira, de
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, dispostos no art. 5º da Constituição Federal;
3.2.2. Promover os direitos sociais da população LGBT brasileira, especialmente das
pessoas em situação de risco social e exposição à violência;
3.2.3. Combater o estigma e a discriminação por orientação sexual e identidade de
gênero. (BRASIL, 2009, p. 10)
Todavia, como bem alerta Maria Berenice DIAS (2006, p. 2): “Tudo isso
leva a crer que o Brasil é o melhor dos mundos: não existe discriminação, reina o primado dos
direitos humanos, e é absoluto o respeito às diferenças. No entanto, infelizmente esta não é a
realidade do nosso País”.
Mesmo assim, é interessante perceber como a construção de uma identidade
se forma também nesses vazios, nesses espaços de discriminação. E exatamente pela
reconstrução dessa identidade mediante, além de outros instrumentos, o reconhecimento, é
que pode emergir o sujeito constitucional pela convivência e o conflito entre diversas
identidades. Daí, portanto, a necessidade de se defender um direito à própria diferença, ou
18
A íntegra do plano pode ser acessado em: http://www.mj.gov.br/sedh/homofobia/planolgbt.pdf.
33
seja, o respeito a projetos de vida que se distinguem do padrão social, uma aceitação da
dignidade do outro, afastando assim qualquer forma de discriminação.
Dessa forma, o direito à diferença significa que nenhuma característica
individual seja considerada pelo magistrado ou pelo legislador como justificativa para negar
direitos a alguém ou a algum grupo. Logo, devem ser afastadas quaisquer diferenciações
inferiorizantes referentes a questões de etnia, gênero, classe social, sexualidade, entre outros
fatores. Deve-se, portanto, recorrer aos princípios da igualdade, liberdade e dignidade da
pessoa humana sempre que esse direito à diferença não for respeitado. Assim concretiza-se o
direito à diferença na igualdade de direitos.
34
3. A busca por um direito fundamental à formação de uma entidade
familiar
A família é um fenômeno sócio-cultural dinâmico institucionalizado pelo
direito, ou seja, é um conceito em constante transformação. Portanto, além da família formada
pelo casamento ou união estável heterossexual, o clássico trinônio homem, mulher e filhos, o
ordenamento jurídico de forma progressiva reconhece novas modalidades de entidade
familiar. Dessa forma, o Direito de Família acaba por incorporar esse pluralismo, como
destaca Paulo LÔBO (2004):
Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 226 da
Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais
comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. As demais entidades
familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito
amplo e indeterminado de família indicado no caput. Como todo conceito
indeterminado, depende de concretização dos tipos, na experiência da vida,
conduzindo à tipicidade aberta, dotada de ductilidade e adaptabilidade.
No Brasil, antes do advento da Constituição Federal de 1988, o conceito de
família somente era concedido ao casal após o matrimônio. Isso foi alterado com a aludida
Carta Magna, que previa também o reconhecimento da união estável (art. 226, parágrafo 3o) e
da família monoparental (art. 226, parágrafo 4o), quebrando assim o monopólio do casamento
como único meio legitimador da formação da família. Além disso, passou a priorizar o afeto
como requisito para a constituição da família, como elucida Leonardo Barreto Moreira
ALVES (2006, p. 2):
Nessa esteira, observa-se que a entidade familiar ultrapassa os limites da previsão
jurídica (casamento, união estável e família monoparental) para abarcar todo e
qualquer agrupamento de pessoas onde permeie o elemento afeto (affectio familiae).
Em outras palavras, o ordenamento jurídico deverá sempre reconhecer como família
todo e qualquer grupo no qual os seus membros enxergam uns aos outros como seu
familiar.
35
Ou seja, como amplia SILVA JÚNIOR (2006, p. 37):
biológica ou não, oriunda do casamento ou não, matrilinear ou patrilinear,
monogâmica ou poligâmica, monoparental ou poliparental, não importa. Nem
importa o lugar que o indivíduo ocupe no seu âmago; se o de pai, se o de mãe, se o
de filho. O que importa é pertencer ao seu âmago; é estar naquele idealizado lugar,
onde é possível integrar sentimentos, esperanças, valores e se sentir, por isso, a
caminho da realização de seu projeto de felicidade pessoal
Complementa ainda Paulo LÔBO (2004) que a afetividade seria a
construção cultural que se dá na convivência, sem interesses materiais, os quais apenas
secundariamente emergem quando se extingue tal liame. Revela-se, portanto, em um
ambiente de solidariedade e responsabilidade.
Dessa forma, família passa a ser entendida como um conjunto de pessoas
dotado de affectio familiae, o que pode ocorrer no caso de irmãos que moram juntos, de uma
mãe divorciada e seus filhos e, o que merece mais foco nesse trabalho, casais de pessoas do
mesmo sexo com ou sem filhos, pois agora o que merece atenção na constituição da família é
o afeto, além da própria identidade familiar, isto é, enxergar a si mesmo e aos outros ao seu
redor como familiares.
Alguns autores como Luis BARROSO (2007, p. 23) explicitam ainda a
noção de affectio maritalis, ligada à idéia de união:
No cerne da concepção contemporânea de família, situa-se a mútua assistência
afetiva, a chamada affectio maritalis, conceituada como a vontade específica de
firmar uma relação íntima e estável de união, entrelaçando as vidas e gerenciando
em parceria os aspectos práticos da existência. A afetividade é o elemento central
desse novo paradigma, substituindo a consangüinidade e as antigas definições
assentadas em noções como normalidade e capacidade de ter filhos. A nova família,
entendida como “comunidade de afeto”, foi consagrada pelo texto constitucional de
1988.
Assim, a família baseada no afeto (familiae ou maritalis) deixa de ser
simplesmente um fenômeno natural ligado à procriação para se tornar algo cultural, como
defende o psicanalista francês Jacques LACAN (apud RABELO e SARAIVA, 2006, p. 4):
Não se constitui [a família] de um macho, de uma fêmea e de filhos. Ela é uma
36
estruturação psíquica, onde cada membro tem um lugar definido. Para se ocupar o
lugar do pai, da mãe ou do filho, não é necessário laço biológico e a decorrência
desse passo para o simbólico, que só o homem deu, é que nos diferencia dos outros
animais e que nos permite constituir uma família, ou melhor, compor uma
estruturação familiar.
E essa nova família, como defende Luiz MELLO (2005, p. 26), é lugar
obrigatório dos afetos, dos sentimentos e do amor e espaço privilegiado de eclosão da
sexualidade, sendo decorrência daquilo que FOUCAULT (1977) chama de “fixação do
dispositivo de aliança e do dispositivo de sexualidade na forma família”.
Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro não menciona qualquer regra
que seja específica às famílias oriundas de uniões entre pessoas do mesmo sexo, nem mesmo
à questão da orientação sexual e apesar de o texto constitucional primar por uma sociedade
sem preconceito ou discriminação, com alicerces na igualdade, liberdade e dignidade humana,
inexiste regra específica sobre a matéria.
Mas mesmo sem haver qualquer legislação que diretamente preveja essa
nova forma de se delinear o instituto de família para os casais homoafetivos19, uma importante
lei foi promulgada 2006, denominada Lei Maria da Penha20, a qual tem a finalidade de criar
mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar praticada contra a mulher. Essa
legislação traz no seu artigo 5º uma importante definição de família, alcançando a questão da
orientação sexual:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica21 e familiar contra a
19
Homoafetivo é o termo criado pela desembargadora Maria Berenice Dias como forma de priorizar a questão
do afeto nos casais homossexuais.
20
Lei no 11.340/2006, de 07 de agosto de 2006. Essa lei foi nomeada Maria da Penha em homenagem à
biofarmacêutica que sofreu inúmeras tentativas de assassinato por parte de seu marido e que diante da
descaso do Estado brasileiro resolveu levar a denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
21
Em relação a questão de violência doméstica em relacionamentos homossexuais, Adriana Nunan elaborou um
interessante panorama do assunto em NUNAN, A. Violência doméstica entre casais homossexuais: o
segundo armário? PSICO, v. 35, n. 1, 2004, p. 69 a 78. Disponível em http://www.adriananunan.com.br:
“(...) apenas a partir da década de 90 é que a violência ocorrida em relacionamentos gays e lésbicos começou
a ser efetivamente pesquisada, em que pese um considerável grau de resistência em tratar do assunto, tanto
por parte da comunidade homossexual (que teme reforçar estereótipos negativos sobre os relacionamentos
homossexuais) quanto pela sociedade em geral (dado que ele questiona o pressuposto feminista de que a
violência doméstica é causada por sexismo e relações de gênero desiguais). (...) Em uma cultura onde a
homossexualidade carrega um grau elevado de estigma, assumir-se como vítima de violência doméstica
37
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
(...)
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos
que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou
por vontade expressa (...).
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de
orientação sexual.
É bem verdade que a orientação sexual prevista na referida lei vale,
sobretudo, para casais formados por duas mulheres, haja vista a vontade do legislador em
desestimular as violências domésticas praticadas contra mães, esposas e companheiras no
âmbito familiar. Todavia, nada impede que esse conceito de família contido no inciso II do
artigo acima destacado sirva para quaisquer tipos de comunidade formada por indivíduos que
são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade
expressa, englobando, portanto, casais formados também por dois homens.
Mas antes mesmo da promulgação da Lei Maria da Penha, já havia certa
proteção a casais homoafetivos, a exemplo da Instrução Normativa no. 25, de 7 de junho de
2000, do Ministério da Previdência e Assistência Social a qual estendeu os benefícios
previdenciários ao companheiro ou companheira homossexual. Tal instrução é derivada da
decisão proferida na Ação Civil Pública no. 2000.71.00.009347-0, ajuizada pelo Ministério
Público do Rio Grande do Sul em abril de 2000 devido à denúncia de discriminação por parte
do INSS ao negar direitos previdenciários a companheiros de casais homoafetivos.
Seguindo essa tendência de reconhecimento, diversas empresas tais como a
Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Petrobras e IBM adotaram políticas de
diversidade, isto é, “desenvolvem ações de inclusão, criando um ambiente onde as pessoas se
sintam seguras para assumirem o que são” (MENDES, 2009, p. 1), facilitando, por exemplo, a
perpetrada por um parceiro do mesmo sexo torna-se extremamente difícil. Some-se a isso o preconceito e a
falta de treinamento e experiência que estas mesmas instituições possuem com relação à homossexualidade,
em primeiro lugar, e à violência doméstica ocorrida entre casais homossexuais, em segundo”.
38
inclusão de parceiros no plano de saúde e nos fundos de pensão, além de desestimular a
discriminação no ambiente de trabalho.
Contudo, a equiparação entre união estável e união entre pessoas do mesmo
sexo ainda não é completamente pacífica no ordenamento jurídico brasileiro. Uma das
primeiras decisões favoráveis ocorreu no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
em um processo de reconhecimento de existência de sociedade de fato com pedido de divisão
dos bens comuns e usufruto do imóvel em que residiam as partes:
RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE
SEPARAÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO DOS CASAIS FORMADOS POR
PESSOAS DO MESMO SEXO. Em se tratando de situações que envolvem relações
de afeto, mostra-se competente para o julgamento da causa uma das varas de família,
a semelhança das separações ocorridas entre casais heterossexuais. Agravo provido.
(Agravo de Instrumento Nº 599075496, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Breno Moreira Mussi, Julgado em 17/06/1999).
Mas resta ainda dúvida em relação à fundamentação da proteção a essas
uniões entre dois homens ou duas mulheres. Pode-se buscar uma base no âmbito dos direitos
fundamentais, principalmente aqueles que garantem a liberdade, a igualdade sem distinção de
qualquer natureza, a dignidade da pessoa humana, além da inviolabilidade da intimidade e da
vida privada, formando-se assim, de acordo com FACHIN (2003, p. 34), um direito
personalíssimo à orientação sexual:
Pode ser localizada, a partir do texto constitucional brasileiro que assegura a
liberdade, a igualdade sem distinção de qualquer natureza (art. 5º da Constituição
Federal de 1988), a inviolabilidade da intimidade e a vida privada (art. 5º, inciso X),
a base jurídica para a construção do direito à orientação sexual como direito
personalíssimo, atributo inerente e inegável da pessoa humana. Assim, como direito
fundamental, surge um prolongamento de direitos da personalidade imprescindíveis
para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Tal construção baseia-se no paradigma da pós-positividade, defendido por
Paulo BONAVIDES (2002, p. 406) segundo o qual os princípios passaram a ser tratados não
mais como normas secundárias, aplicados somente em ausência de norma estrita, mas sim
como normas dotadas de plena força normativa, de juridicidade equiparada à contida nas
39
regras jurídicas. Nesse momento, que coincide com o fortalecimento da Constituição e de sua
eficiência normativa, os princípios migraram dos códigos e estes, por sua vez entraram em
decadência em decorrência da proliferação de leis especiais que não obedeciam sua
sistematização.
Portanto, pode-se inferir que a aplicação dos princípios constitucionais
destacados acima gera o reconhecimento das uniões homoafetivas, seja como um instituto
próprio, como defende a professora Suzana LIMA (2008) ou ainda equiparando tais uniões ao
regime jurídico da união estável, considerando as famílias homoafetivas como espécie do
gênero união estável.
Logo, para a professora Suzana Viegas LIMA (2008), as uniões
homoafetivas devem ser enquadradas em uma categoria distinta da união estável ou do
casamento:
Nessa perspectiva, esperamos que o Direito nos conduza em breve ao
reconhecimento de uma categoria própria, aplicável às relações homoafetivas - não
necessariamente sob a nomenclatura de casamento, nem de união estável, já que tais
institutos disciplinam situações peculiares já existentes. O que se espera é a criação
de um instituto legítimo para a real proteção dos direitos e interesses que decorrem
da união afetiva, e não menos prestigiada, entre duas pessoas do mesmo sexo.
No mesmo sentido, Paulo LÔBO (2004):
A ausência de lei que regulamente essas uniões [homoafetivas] não é impedimento
para sua existência, porque as normas do art. 226 são auto-aplicáveis,
independentemente de regulamentação. Por outro lado, não vejo necessidade de
equipará-las à união estável, que é entidade familiar completamente distinta,
somente admissível quando constituída por homem e mulher (§ 3º do art. 226). Os
argumentos que têm sido utilizados no sentido da equiparação são dispensáveis, uma
vez que as uniões homossexuais são constitucionalmente protegidas enquanto tais,
com sua natureza própria.
Por outro lado, Luis Roberto BARROSO (2007, p. 2) acredita que deve
haver uma equiparação entre uniões estáveis e homoafetivas, uma vez que as últimas
cumprem todos os requisitos das primeiras:
A tese principal é a de que um conjunto de princípios constitucionais impõe a
40
inclusão das uniões homoafetivas no regime jurídico da união estável, por se tratar
de uma espécie em relação ao gênero. A tese acessória é a de que, ainda quando não
fosse uma imposição do texto constitucional, a equiparação de regimes jurídicos
decorreria de uma regra de hermenêutica: na lacuna da lei, deve-se integrar a ordem
jurídica mediante o emprego da analogia. Como as características essenciais da
união estável previstas no Código Civil estão presentes nas uniões estáveis entre
pessoas do mesmo sexo, o tratamento jurídico deve ser o mesmo.
Contudo, antes de equiparar as uniões homoafetivas às uniões estáveis ou
considerá-las como uma categoria distinta deve-se reconhecê-las como uma entidade familiar,
digna de proteção constitucional.
Primeiramente, para Paulo Luiz Netto LÔBO (2004), há certas
características comuns para todas as entidades familiares:
a)
afetividade, como fundamento e finalidade da entidade, com
desconsideração do móvel econômico e escopo indiscutível de constituição
de família;
b) estabilidade, excluindo-se os relacionamentos casuais, episódicos ou
descomprometidos, sem comunhão de vida;
c)
ostensibilidade, o que pressupõe uma unidade familiar que se apresente
assim publicamente.
Ainda que se identifiquem essas características nas uniões entre pessoas do
mesmo sexo, não é pacífico o reconhecimento do caráter familiar dessas uniões, como se
comprova nos seguintes julgados:
APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOSSEXUAL. IMPOSSIBILIDADE DE
EQUIPARAÇÃO À UNIÃO ESTÁVEL. O relacionamento homossexual entre duas
mulheres não se constitui em união estável, de modo a merecer a proteção do Estado
como entidade familiar, pois é claro o § 3º do art. 226 da Constituição Federal no
sentido da diversidade de sexos, homem e mulher, como também está na Lei 8.971,
de 29 de dezembro de 1994, bem como na Lei 9.278, de 10 de maio de 1996.
Entretanto, embora não possa se aplicar ao caso a possibilidade de reconhecimento
de união estável, em tendo restado comprovada a efetiva colaboração de ambas as
partes para a aquisição do patrimônio, impõe-se a partilha do imóvel, nos moldes do
reconhecimento de uma sociedade de fato. Apelo parcialmente provido. (Apelação
Cível Nº 70007911001, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Antônio Carlos Stangler Pereira, Julgado em 01/07/2004). (Original sem grifos).
E ainda,
APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO DE
UNIÃO ESTÁVEL. SEPARAÇÃO DE FATO DO CONVIVENTE CASADO.
PARTILHA DE BENS. ALIMENTOS. União homossexual: lacuna do Direito. O
ordenamento jurídico brasileiro não disciplina expressamente a respeito da relação
41
afetiva estável entre pessoas do mesmo sexo. Da mesma forma, a lei brasileira não
proíbe a relação entre duas pessoas do mesmo sexo. Logo, está-se diante de lacuna
do direito. Na colmatação da lacuna , cumpre recorrer à analogia, aos costumes e aos
princípios gerais de direito, em cumprimento ao art. 126 do CPC e art. 4º da Lei de
Introdução ao Código Civil. Na busca da melhor analogia, o instituto jurídico, não é
a sociedade de fato. A melhor analogia, no caso, é a com a união estável. O par
homossexual não se une por razões econômicas. Tanto nos companheiros
heterossexuais como no par homossexual se encontra, como dado fundamental da
união, uma relação que se funda no amor, sendo ambas relações de índole emotiva,
sentimental e afetiva. Na aplicação dos princípios gerais do direito a uniões
homossexuais se vê protegida, pelo primado da dignidade da pessoa humana e do
direito de cada um exercer com plenitude aquilo que é próprio de sua condição.
Somente dessa forma se cumprirá à risca, o comando constitucional da não
discriminação por sexo. A análise dos costumes não pode discrepar do projeto de
uma sociedade que se pretende democrática, pluralista e que repudia a intolerância e
o preconceito. Pouco importa se a relação é hétero ou homossexual. Importa que a
troca ou o compartilhamento de afeto, de sentimento, de carinho e de ternura entre
duas pessoas humanas são valores sociais positivos e merecem proteção jurídica.
Reconhecimento de que a união de pessoas do mesmo sexo, geram as mesmas
conseqüências previstas na união estável. Negar esse direito às pessoas por causa da
condição e orientação homossexual é limitar em dignidade a pessoa que são. A
união homossexual no caso concreto. Uma vez presentes os pressupostos
constitutivos da união estável (art. 1.723 do CC) e demonstrada a separação de fato
do convivente casado, de rigor o reconhecimento da união estável homossexual, em
face dos princípios constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser
humano. Via de conseqüência, as repercussões jurídicas, verificadas na união
homossexual, tal como a partilha dos bens, em face do princípio da isonomia, são as
mesmas que decorrem da união heterossexual. DERAM PARCIAL PROVIMENTO
AO APELO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70021637145, Oitava
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em
13/12/2007). (Original sem grifos).
Percebe-se, portanto, que o caráter familiar ainda é algo controverso tanto
nos tribunais quanto na própria doutrina, talvez por essa ser uma questão delicada e com
contornos não muito bem delimitados. Nota-se, porém, a falta de embasamento por parte
daqueles que não consideram tal união como família, pois não têm êxito ao delimitar qual
elemento seria o cerne da família contemporânea. Não é raro que tais argumentações se
baseiem somente em questões de direito natural, de moral, de religião e de adequação aos
padrões aceitos pela sociedade, a exemplo de Paulo Medeiros KRAUSE (2006):
Como visto anteriormente, em verdade, a união estável entre homossexuais é
negócio jurídico inexistente, por não possuir lastro na natureza humana e na lei
natural. Carece de existência real e juridicidade intrínseca. Ofende a moral objetiva
imutável e válida para todos os seres humanos. Além disso, o seu objeto é jurídica
(inclusive pelo art. 226, § 3.º, da Constituição Federal) e materialmente impossível,
pois não existe nem pode haver união real entre pessoas do mesmo sexo. Apenas
para argumentar, caso tudo isso pudesse ser superado, o que não ocorre, configuraria
um negócio jurídico nulo (art. 166, II, do Código Civil), ferindo de morte o
precitado art. 104, II.
42
Como dito anteriormente, o cerne de uma entidade familiar é o afeto que
une seus entes, além, é claro, da identidade familiar, ou seja, enxergar-se como parte de uma
família. Daí porque não se pode simplesmente deixar-se de considerar uma modalidade de
união que preenche os requisitos para uma entidade familiar, simplesmente pela necessidade
de se configurar a dualidade de sexo em seu núcleo, desmerecendo, assim, o próprio affectio
familiae.
Isso é um desrespeito aos princípios constitucionais, sobretudo os princípios
da igualdade, além do princípio da liberdade e o princípio da dignidade da pessoa humana.
Em relação à igualdade, a Constituição Federal de 1988 condena de forma
expressa o preconceito e discriminação, desde seu preâmbulo, que destaca o propósito de se
constituir uma “sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”. Há ainda de se mencionar
que o art. 3º do texto constitucional determina serem objetivos fundamentais da República
“construir uma sociedade livre, justa e solidária” e “promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Complementa-se ainda com o caput do art. 5º, que reafirma que “todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza”.
É preciso elucidar também a diferença entre a igualdade formal e a material.
A primeira busca impedir a hierarquização entre pessoas, ou seja, proíbe privilégios que não
possam ser justificadas. Portanto, todos os indivíduos são dotados de igual valor e o Estado,
por sua vez, deve procurar agir de forma impessoal. A igualdade material, por outro lado,
liga-se à idéia de justiça distributiva e social, ou seja, não é suficiente a equiparação legal,
sendo necessário também equipará-las socialmente.
Todavia, isso não quer dizer que não se devam se respeitar as diferenças,
como afirma CHIARINI JÚNIOR (2004):
43
Com esta afirmação não se pretende – como os opositores do reconhecimento
jurídico das uniões homoafetivas acreditam – dizer-se que hetero e homossexuais
são iguais, pois é obvio que não são. O que se quer afirmar com o princípio de
isonomia é que todos os indivíduos, como seres humanos que são, têm o sacro
direito de se unir com quem desejar, não importando a sua preferência sexual. Ou,
por outras palavras, homossexuais possuem o mesmo direito que os heterossexuais
de conviver com outro indivíduo, e ter esta união reconhecida e protegida.
Em relação à equiparação e discriminação, há a noção de desequiparação
razoável, salientada por Luís BARROSO (2007, p. 14)
É certo que, apesar da linguagem peremptória dos diversos dispositivos
constitucionais, não é fato que toda e qualquer desequiparação seja inválida. Pelo
contrário, legislar nada mais é do que classificar e distinguir pessoas e fatos, com
base nos mais variados critérios. Aliás, a própria Constituição institui distinções com
base em múltiplos fatores, que incluem sexo, renda, situação funcional e
nacionalidade, dentre outros. O que o princípio da isonomia impõe é que o
fundamento da desequiparação seja razoável e o fim por ela visado seja legítimo. No
caso concreto, cuida-se de saber se a orientação sexual é um fator aceitável de
discrímen para se negar às relações homoafetivas regime jurídico equiparável ao das
uniões estáveis.
Cumpre investigar, assim, a razoabilidade e a legitimidade da negação de direitos
que tem por fator de diferenciação a homossexualidade das partes. Note-se que a
Constituição é expressa ao considerar suspeitas desequiparações baseadas na
origem, no gênero e na cor da pele (art. 3º, IV). No item gênero, por certo, está
implícita a orientação sexual.
Já em relação ao princípio da liberdade, deve-se observar a questão da
autonomia privada, ou seja, deve-se reconhecer a possibilidade de que cada um viva
plenamente sua orientação sexual. Assim, ao não incluir a união entre pessoas do mesmo no
rol de entidades familiares seria uma forma de impedir a própria liberdade dos homossexuais,
impedindo questões vitais de seus projetos de vida.
Tal é a importância da liberdade que a Constituição Federal, além de trazêla como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, para “construir uma
sociedade livre” (artigo 3º, inciso I), traz outras derivações da liberdade, como o caso do
artigo 5º que apresenta o direito à “livre manifestação do pensamento” (art. 5º, IV), da
“liberdade de consciência e de crença” e do “livre exercício dos cultos religiosos” (art. 5º, VI),
da “livre expressão da atividade intelectual” (art. 5º, IX), do “livre exercício de qualquer
trabalho, ofício ou profissão” (art. 5º, XIII), da “livre locomoção no território nacional” (art.
44
5º, XV), da “plena liberdade de associação para fins lícitos” (art. 5º, XVII), além de vários
outros exemplos.
Nesse viés, destaca-se João Baptista HERKENHOFF (1988, p. 108):
O direito à liberdade é complementar do direito à vida. Significa a supressão de
todas as servidões e opressões. A liberdade é a faculdade de escolher o próprio
caminho, de tomar as próprias decisões, de ser de um jeito ou de outro, de optar por
valores e idéias, de afirmar a individualidade, a personalidade. A liberdade é um
valor inerente à dignidade do ser, uma vez que decorre da inteligência e da volição,
duas características da pessoa humana. Para que a liberdade seja efetiva, não basta
um hipotético direito de escolha. É preciso que haja a possibilidade concreta de
realização das escolhas.
Portanto, do princípio à liberdade decorre a autonomia privada, isto é, não
reconhecer a possibilidade de viver plenamente sua orientação sexual é o mesmo que privar o
indivíduo homossexual de uma das dimensões de sua vida. Assim, o não reconhecimento das
uniões homoafetivas seria uma forma comissiva de se desrespeitar o exercício da liberdade e
o próprio desenvolvimento da personalidade, impossibilitando, dessa forma, o pleno gozo dos
seus projetos de vida, haja vista que o direito à liberdade afirma que toda pessoa pode fazer o
que quiser, contanto que suas ações não prejudiquem ninguém.
Outra forma de se defender o caráter familiar das uniões homoafetivas está
no princípio da dignidade da pessoa humana, tal como defende Paulo LÔBO (2004), o qual
acredita que se as pessoas vivem em comunidades afetivas não explicitadas no art. 226, por
livre escolha ou em virtude de circunstâncias existenciais, sua dignidade humana apenas
estará garantida com o reconhecimento delas como entidades familiares, sem restrições ou
discriminações. Logo, deve haver respeito às condições materiais mínimas de existência,
integridade física e valores morais e espirituais.
Ou ainda, de acordo com Ingo Wolfgang SARLET (2009, p. 67), esse
princípio pode ser entendido como
a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do
mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando,
45
neste sentido, um complexo de direito e deveres fundamentais que assegurem a
pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como
venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,
além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos
da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
A Constituição Federal consagra a dignidade humana de forma implícita em
seu preâmbulo, além de declará-la como sendo um dos fundamentos da República Federativa
do Brasil (art. 1º, III), o que, portanto, deve ser fonte de interpretação de todo o ordenamento
jurídico.
Podem ainda se destacar vários outros princípios decorrentes da igualdade,
liberdade e dignidade da pessoa humana no que concerne à proteção de projetos de vida
homossexual, tais como o princípio da diversidade, defendido por Roger RAUPP (2006, p.
84): “o direito à igualdade se desdobrou na proteção das diferenças dos diversos sujeitos de
direito, vistos em suas peculiares circunstâncias e particularidades que demandam respostas e
proteções específicas e diferenciadas, consagrando o princípio da diversidade”.
Há ainda o direito personalíssimo à orientação sexual, defendido por
FACHIN (2003, p. 34), já destacado no início do capítulo, o qual seria derivado da liberdade,
igualdade, inviolabilidade da intimidade e a vida privada.
Bem como o direito à sexualidade, defendido por Maria Berenice DIAS
(2007, p. 184):
A sexualidade integra a própria condição humana. É direito humano fundamental
que acompanha a pessoa desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria
natureza. Como direito do indivíduo, é um direito natural, inalienável e
imprescritível. Ninguém pode se realizar como ser humano se não tiver assegurado o
respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende tanto a liberdade
sexual como a liberdade à livre orientação sexual. O direito a tratamento igualitário
independe da tendência afetiva.
E ainda o direito fundamental ao casamento, defendido por Evan
GERSTMANN (2004, p. 84)
O argumento principal desse livro – que a Constituição tem, faz e deve proteger o
46
direito fundamental de se casar com a pessoa de sua escolha – não torna necessário
que gays e lésbicas peçam direitos 'especiais', ou moldar seus argumentos em
preconceitos de gênero. Isso permite que eles centralizem suas argumentações em
termos de equidade ao invés de diferença, em termos de aspirações ao invés de
vitimização. Gays e lésbicas não estão pedindo por nada mais do que os
heterossexuais já têm garantido há muito tempo: liberdade para casar com a pessoa
que amam, não importando o que os outros vão pensar22.
Deve-se entender, porém, que para conseguir integrar a questão das uniões
homoafetivas é preciso se ter em mente a noção de direito como integridade, defendida por
Ronald DWORKIN (2007). Segundo o referido autor americano, as proposições jurídicas são
verdadeiras se constam, ou derivam, dos princípios de justiça, equidade e devido processo
legal que oferecem a melhor interpretação construtiva da prática jurídica da comunidade.
Assim, o direito como integridade torna necessário que os juízes admitam,
na medida do possível, que o direito é estruturado por tais princípios sobre a justiça, a
equidade e o devido processo legal, e pede-lhes que os apliquem nos novos casos que se lhes
apresentem, de tal modo que a situação de cada pessoa seja justa e equitativa segundo as
mesmas normas.
Contudo, observa-se que nem sempre se aplica a integridade nos
julgamentos, a exemplo do Acórdão 2007.00.2.010432-3 da 1a. Câmara Cível do TJDFT
(relatora Desembargadora Diva Lucy Ibiapina), o qual entendeu que
as entidades familiares, decorram de casamento ou de união estável ou se constituam
em famílias monoparentais, têm como requisito de existência a diversidade de sexos.
Logo, entre tais institutos, que se baseiam em união heterossexual, e as uniões
homossexuais sobreleva profunda e fundamental diferença. A distinção existente
quanto a elementos estruturais afasta a possibilidade de integração analógica que
possibilite regulamentar a união homossexual com base em normas que integram o
Direito de Família.
Por outro lado, há o REsp 820475/RJ, no qual, em setembro de 2008, a
22
Texto original: The central argument of this book – that the Constitution has, does and should protect
everyone's fundamental right to marry the person of his or her choice – does not require gays and lesbians
to ask for 'special' rights or protections, or to shape their arguments into gender-bias claims. It allows them
to frame their arguments in terms of equality instead of difference, in terms of aspirations instead of
victimhood. Gays and lesbians are asking for nothing more than what heterosexuals have long since granted
to themselves: freedom to marry the person they love, regardless of what anyone else thinks.
47
Quarta Tuma do Superior Tribunal de Justiça, abriu precedente para que as ações de
reconhecimento de união estável entre homossexuais não sejam obstadas sob a alegação de
impossibilidade jurídica do pedido.
Nesse recurso especial, o agrônomo brasileiro A. C. S. e o seu companheiro
canadense B. J. T ingressaram perante a 4ª Vara de Família da comarca de São Gonçalo, no
estado do Rio de Janeiro, com ação de reconhecimento de união afetivo-familiar a fim de
obter o visto23 permanente do companheiro canadense para ambos poderem residir de forma
definitiva no Brasil. Ressalte-se que essa união já estava estabelecida há mais de 20 anos, de
forma ostensiva e contínua e mesmo assim foi negado tal pedido com fundamento no artigo
267, inciso VI, do Código de Processo Civil e, consequentemente, extinto o processo sob a
alegação de impossibilidade jurídica do pedido.
O casal então recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, não obtendo
êxito, pois foi ratificada a decisão de primeiro grau, sob alegação de não haver previsão legal
para tal reconhecimento na legislação pátria.
Em seguida houve recurso para o Superior Tribunal de Justiça, com base no
desrespeito aos artigos 126 e 132, do Código de Processo Civil, artigos 4º e 5º da Lei de
Introdução ao Código Civil, artigos 1.723 e 1.724 do Código Civil e artigo 1 º da Lei n.
9.278/96. Na apreciação do recurso os ministros Pádua Ribeiro (relator), Luís Salomão e
Massami Uyeda firmaram o entendimento de que há sim a possibilidade jurídica de
apreciação do pedido. Contudo, não examinaram o mérito da ação, determinando que tal
análise seja feita pelo juiz de primeiro grau que previamente julgou o caso, já que se
reafirmou que não existe qualquer obstáculo no ordenamento brasileiro em relação ao
reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo.
23
Atualmente, por força da Resolução Normativa nº. 77 do Conselho Nacional de Imigração, de 29 de janeiro de
2008 já há o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo para a concessão de visto de
permanência para estrangeiros no Brasil, devido à expressão “união estável, sem distinção de sexo”.
48
No referido REsp 820475/RJ, o ministro Antônio de Pádua Ribeiro destacou
que os precedentes do STJ que classificam a união homoafetiva como sociedade de fato
devem evoluir para alcançar novas possibilidades, uma vez que não há norma no ordenamento
jurídico que regule o direto na relação homossexual, tendo em vista que somente há
impossibilidade jurídica do pedido quando existe texto normativo em que isto seja afirmado
de forma expressa:
No que se refere à impossibilidade jurídica do pedido, pacífico o entendimento,
tanto na doutrina como na jurisprudência, de que esta só se configura quando há
expressa vedação dada pelo ordenamento jurídico. (...) Deve-se entender o termo
'pedido' não em seu sentido estrito de mérito, pretensão, mas conjugado com a causa
de pedir'.
Logo, concluiu no sentido de que inexiste proibição em relação à união
homoafetiva e, dado a similaridade desta em relação à união estável, aplicou a analogia para
estender à união homoafetiva de A. C. S. e B. J. T. os benefícios da legislação das uniões
estáveis, afastando a falta de amparo legal nessa questão:
Note-se que há um mau hábito, de alguns juízes, de indeferir requerimentos feitos
pelas partes dizendo que o fazem 'por falta de amparo legal'. A se interpretar tal
expressão como querendo significar que o indeferimento se deu por não haver
previsão legal daquilo que se requereu, a decisão obviamente estará a contrariar o
disposto no art. 126 do CPC, pois, em tal caso, o juiz deixará de decidir por haver
lacuna na lei. A lacuna da lei não pode jamais ser usada como escusa para que o juiz
deixe de decidir, cabendo-lhe supri-la através dos meios de integração da lei.
Portanto, conheceu do recurso e lhe deu provimento. Confirmou ainda que
os artigos 126 do Código de Processo Civil e 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil
foram desrespeitados, pois perante a ausência de previsão legal expressa, não cabe ao juiz
eximir-se de proferir decisão.
Os ministros Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Neto, a seus turnos,
não conheceram do recurso especial sob o fundamento de que a Constituição Federal no
artigo 226, §3º teria sido clara ao tratar do assunto quando se refere ao reconhecimento da
união estável se dar apenas na hipótese de ser firmada com diversidade de sexos. Contudo,
49
uma vez que se trata de questão constitucional, não seria o Superior Tribunal de Justiça
competente para apreciá-la, mas sim o Supremo Tribunal Federal.
Diferentemente, o ministro Massami Uyeda acompanhou o voto do Relator,
complementando que os fatos da vida são dinâmicos e muitas vezes não previstos em lei,
assim, quando a lei for omissa o juiz pode decidir por analogia a regras já estabelecidas,
reconhecendo, portanto, o cabimento da união estável homoafetiva por analogia.
No decorrer da tramitação do referido REsp ocorreu o falecimento do
ministro Hélio Quaglia Barbosa, então presidente da seção, e que deveria apresentar voto de
desempate. Para seu lugar foi escolhido Luís Felipe Salomão, o qual acompanhou o relator,
conhecendo do recurso e dando-lhe provimento. Ele fez ainda em seu voto um estudo acerca
das condições da ação, em especial a possibilidade jurídica do pedido, não enxergando
vedação legal para o prosseguimento da demanda em questão e destacou, a favor de seu
entendimento, o REsp. 451125/RS:
PROCESSUAL CIVIL. CONDIÇÕES DA AÇÃO. POSSIBILIDADE JURÍDICA
DO PEDIDO. CONTRATO VERBAL FIRMADO COM A ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA. INFRINGÊNCIA AO ART. 267, VI, DO CPC, REPELIDA. MATÉRIA
DE MÉRITO. 1. Há de ser mantido acórdão que firmou-se na linha de que ocorre a
impossibilidade jurídica do pedido quando há vedação expressa no ordenamento
legal ao seu deferimento, ou, ainda, quando não haja previsão de um tipo de
providência como a que se pede através da presente ação. Não é o presente caso,
portanto, onde se almeja a cobrança de entes públicos (Município e Autarquia
Municipal) de valores devidos a título de contrato administrativo verbal, já que não
há qualquer incompatibilidade entre o pedido formulado e o ordenamento processual
pátrio. 2. "Quando se diz 'ser possível' não se diz que 'é': o juiz, na espécie do art.
267, VI, tem de ver se há ou se não há possibilidade jurídica, e não se o autor tem ou
não razão. O que se apura é se, conforme o pedido, há regra jurídica, mesmo não
escrita, que poderia acatá-lo" (Pontes de Miranda, 'Comentários ao Código de
Processo Civil', Forense, RJ, 4ª ed., 1997, p. 487/488). 3. A admissão ou não de
celebração de contratos administrativos verbais diz respeito ao mérito da causa, e
não a uma de suas condições. Violação ao teor do art. 267, VI, do CPC, que se
afasta. 4. Recursos especiais improvidos. (Resp. 451125/RS, Relator Ministro José
Delgado, Primeira Turma, julgado em 17/12/2002). (Original sem grifos).
Assim, entendeu o ministro que não existe proibição para o reconhecimento
de outros tipos de união, desde que preenchidos os demais requisitos legais de convivência
pública, duradoura e contínua. Vislumbrou ainda que o legislador não utilizou qualquer
50
expressão que impedisse a união entre pessoas do mesmo sexo.
Essa apreciação aberta do presente tema pelo Superior Tribunal de Justiça
representou um avanço em relação ao tratamento jurídico dado às relações homoafetivas,
ainda que não tenha reconhecido a existência dessa modalidade de união, apenas afastando a
prévia extinção do processo sem discussão do mérito. Contudo, destaca-se nos votos dos
ministros Salomão, Pádua e Uyeda a possibilidade de analogia das uniões homoafetivas às
uniões estáveis.
Além do REsp ora analisado, diversos outros acórdãos do Superior Tribunal
de Justiça mostram o que reconhecimento de direitos aos homossexuais, como por exemplo a
decisão do Recurso Especial 154857/DF (relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro),
publicada em 26 de outubro de 1998 em que havia sido impugnada, nas instâncias inferiores,
a capacidade de um homossexual testemunhar, sob a alegação de um suposto desvio ético
inerente à homossexualidade. Assim, o acórdão decidiu por restabelecer a capacidade da
testemunha, uma vez que “a orientação sexual não interfere em sua capacidade de
testemunhar, e por isso não pode ser justificativa para não ouvi-la”, concretizando-se o
princípio da igualdade.
PROCESSO PENAL - TESTEMUNHA - HOMOSSEXUAL - A história das provas
orais evidencia evolução, no sentido de superar preconceito com algumas pessoas.
Durante muito tempo, recusou-se credibilidade ao escravo, estrangeiro, preso,
prostituta. Projeção, sem dúvida, de distinção social. Os romanos distinguiam patrícios e plebeus. A economia rural, entre o senhor do engenho e o cortador da
cana, o proprietário da fazenda de café e quem se encarregasse da colheita. Os
Direitos Humanos buscam afastar distinção. O Poder Judiciário precisa ficar atento
para não transformar essas distinções em coisa julgada. O requisito moderno para
uma pessoa ser testemunha é não evidenciar interesse no desfecho do processo.
Isenção, pois. O homossexual, nessa linha, não pode receber restrições. Tem o
direito-dever de ser testemunha. E mais: sua palavra merecer o mesmo crédito do
heterossexual. Assim se concretiza o princípio da igualdade, registrado na
Constituição da República e no Pacto de San Jose de Costa Rica. (REsp 154857/DF,
Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, julgado em 26/05/1998). (Original sem
grifos).
Portanto, tendo em vista os direitos fundamentais destacados nesse capítulo
(liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana, bem como outros direitos decorrentes
51
destes), além dos votos favoráveis no REsp 820475/RJ, pode-se vislumbrar o caráter familiar
das relações entre pessoas do mesmo sexo, desde que cumpridas as exigências de afetividade,
estabilidade e ostensibilidade, equiparando tais relações homoafetivas às uniões estáveis.
Em relação à presente analogia, Paulo LÔBO (2004) defende a existência de
modalidades implícitas de entidades familiares:
Estabelece a Constituição três preceitos, de cuja interpretação chega-se à inclusão
das entidades familiares não referidas explicitamente. São eles, chamando-se
atenção para os termos em destaque:
a)
“Art. 226 A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
(caput)
b) “§4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes”.
c)
“§8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um que a
integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas
relações”.
Apesar de haver discordância da doutrina no que se refere à equiparação à
união estável ou se tratar de modalidade própria, firmo o entendimento de me aproximar à
primeira opção, uma vez que, a meu ver, as uniões homoafetivas resguardam identidade em
relação às uniões heteroafetivas, levando-se em consideração que ambas se baseiam em um
amor ou afeto, na vontade de se constituir uma família, bem como na estabilidade e
ostensividade, sendo, portanto, irrelevante a dualidade de sexos para o caráter familiar dessas
uniões.
Nesse contexto, várias decisões amparam o caráter de entidade familiar a
casais homoafetivos, tais como o direito do presidiário homossexual receber visita íntima24, o
reconhecimento da união entre duas mulheres como justificativa para a cassação de
candidatura25 à prefeitura, deferimento de indenização a casal homoafetivo que foi expulso de
24
O juiz da Vara de Execuções Penais do Estado de Alagoas, Marcelo Tadeu de Oliveira, assinou determinação
para conceder aos homossexuais direito à visita íntima de seus companheiros, de acordo com a notícia
publicada no jornal Folha de São Paulo em 01/10/2007 (disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/
cotidiano/ult95u333057.shtml)
25
Registro de candidato. Candidata ao cargo de prefeito. Relação estável homossexual com a prefeita reeleita do
município. Inelegibilidade. Art. 14, § 7º, da constituição federal. Os sujeitos de uma relação estável
52
um baile após se beijarem26, extensão do benefício previdenciário ao companheiro ou
companheira homossexual27, entre diversos outros precedentes.
Com o reconhecimento do caráter de entidade familiar a essas relações, nada
impediria também o casamento civil homossexual, como defende Jorge Luiz Ribeiro de
MEDEIROS (2007):
A importância da extensão do casamento a pares homossexuais não reside apenas na
possibilidade de desfrute dos direitos associados ao casamento (tais como utilização
do nome do parceiro, adoção, inclusão em planos previdenciários e de saúde como
dependente, dentre outros), mas ao reconhecimento de que tal relação possui o
mesmo status que uma relação heterossexual, por serem ambas as relações
desenvolvidas por iguais agentes morais, os quais vêem o desenvolvimento de sua
esfera privada respeitada pela proteção de suas relações afetivas, conduzindo a igual
respeito a seu posicionamento dentro da esfera pública, por meio da mencionada
garantia de desenvolvimento privado. Isso não significa que o casamento
homossexual seja um ponto final da luta por reconhecimento pelos homossexuais,
haja vista a existência de demandas voltadas não apenas para um reconhecimento
jurídico, mas também social.
E ainda, de acordo com Maria Berenice DIAS (2007, p. 144): “não há
qualquer impedimento, quer constitucional, quer legal, para o casamento entre pessoas do
mesmo sexo. O que obstaculiza a realização do casamento é somente o preconceito”.
Mas resta a dúvida se o casamento seria somente mais uma palavra ou um
conjunto de direitos negados aos casais homoafetivos. De acordo com BUCKEL (2005, p. 74,
26
27
homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de casamento,
submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal. Recurso a que se dá
provimento. Recurso Especial Eleitoral nº 24564, município de Viseu- PA, julgado em 01/10/2004.
Apelação cível. Responsabilidade civil. Discriminação à casal homossexual em baile promovido por clube
social. Danos morais. Ocorrência. Quantum indenizatório. Majoração. 1. Responsabilidade civil. A
Constituição Federal, em seu artigo 3º, inciso IV, institui o combate à discriminação, seja de qual espécie
for, como um dos objetivos precípuos da República Federativa do Brasil. Em vista disso, não podem
eventuais peculiaridades regionais servir de excludente da responsabilidade dos demandados, em face da
ocorrência de discriminação, que, no caso em tela, se dera com fundamento na opção sexual da demandante.
2. Hipótese em que a autora, conjuntamente com sua companheira, fora advertida por membro da diretoria
de clube social, em plena festa promovida pelo mesmo, a que cessassem as carícias que vinham trocando.
Conduta que não era costumeiramente exigida de casais heterossexuais, o que indica a efetiva prática de
discriminação. 2. Quantum indenizatório. A indenização por dano moral deve representar para a vítima uma
satisfação capaz de amenizar de alguma forma o sofrimento impingido. A eficácia da contrapartida
pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em justa medida, de modo que não signifique um
enriquecimento sem causa para a vítima e produza impacto bastante no causador do mal a fim de dissuadi-lo
de novo atentado. Ponderação que recomenda a majoração do montante indenizatório fixado no Juízo a quo.
Negaram provimento ao apelo dos réus e deram provimento ao apelo da autora. Unânime. Apelação Cível nº
70017041955, Relator Odone Sanguiné, julgado em 17/09/2008.
Instrução Normativa no. 25, de 7 de junho de 2000, do Ministério da Previdência e Assistência Social.
53
tradução livre), “tem-se discutido que a insistência no acesso igualitário ao status privilegiado
do casamento é uma discussão inútil sobre uma simples palavra”28. Contudo, o certo é que é
inerente ao casamento um status jurídico de reconhecimento distinto daquele concedido à
união estável ou à homoafetiva.
Portanto, ocorre ainda um monopólio heterossexual sobre o casamento e o
instituto da igualdade ainda repousa como a grande esperança, conforme defende Evan
GERSTMANN (2004, p. 13, tradução livre): “Para os casais homossexuais que desejam se
casar, a grande promessa da Constituição sobre a igual proteção de direitos tem sido a maior
esperança. Gays e lésbicas foram aos tribunais diversas vezes, argumentando que o
monopólio heterossexual no casamento viola o direito à equidade”29.
Argumenta-se ainda que um dos motivos para a não implementação do
casamento gay é a atitude reticente do Estado, uma vez que permitir o casamento entre
pessoas do mesmo sexo seria o mesmo que endossar, ou seja, dar o seu selo de aprovação a
esses relacionamentos, tidos como inferiores às relações heterossexuais, conforme
ESKRIDGE JR. (2002, p. 281, tradução livre):
O principal argumento elaborado por eminentes intelectuais contra o
reconhecimento estatal às famílias homossexuais baseia-se no fato de que tal
aprovação constituiria um 'selo de aprovação' para relacionamentos que são
inferiores aos heterossexuais. Isso seria um eufemismo para o discurso antigay: por
razões práticas o Estado não aprisiona homossexuais em cadeias ou hospitais
psiquiátricos, mas também não deve lhes dar qualquer tipo encorajamento.30
Outra hipótese para a impossibilidade do casamento gay seria entendê-lo
como discriminação de gênero, ou seja, o Sr. Y não pode casar-se com o Sr. Z, mas a Srta. X
28
Texto original: It is argued that insistence on equal access to the privileged status of marriage is unnecessary
squabbling over a mere word.
29
Texto original: For same-sex couples who desires marriage, the Constitution's grand promise of the equal
protection of the laws has been their greatest hope. Gays and lesbians have gone to court over and over
again, pressing their claim that the heterosexual monopoly on marriage violates their right to legal equality.
30
Texto original: The main argument made by respected intellectuals against state recognition of gay families is
that it would constitute a 'stamp of approval' for relationships that are inferior to those of heterosexuals.
This is a kindler, gentler version of antigay discourse: for practical reasons, the state should not lock gay
people in jail or mental hospitals but neither should the state give them one ounce of encouragement.
54
não tem impedimento para se casar com o Sr. Z; assim, o Sr. Y é discriminado com base em
seu gênero31 (GERSTMANN, 2004, p. 15, tradução livre). Contudo, deve-se levar em conta
que a proibição ao casamento gay ocorre para os dois sexos, ou seja, tanto duas mulheres não
podem se casar, quanto dois homens, daí porque não se tratar de discriminação de gênero.
Os argumentos para a não concessão do casamento a casais homossexuais
podem ser reunidos em quatro grandes grupos: (i) tradição e religião; (ii) lei natural e
moralidade; (iii) procriação; e (iv) precedente para casais polígamos e incestuosos.
Em relação ao primeiro argumento, deve-se levar em consideração que a
tradição pode mudar, isto é, não se pode dizer que o casamento hoje é o mesmo que o
casamento para o Código Civil de 1916, em que a mulher era tida como inferior ao seu
marido, por exemplo. Ainda em relação ao argumento (i), é preciso salientar que o casamento
homossexual relaciona-se ao enlace civil, não se confundindo com o religioso.
Não se pode proibir o casamento simplesmente pelo fato de ter uma
exigência natural ou moral de dualidade de sexos, como alega o argumento (ii). Rebate-se tal
afirmação levando-se em conta os princípios da igualdade, liberdade e dignidade da pessoa
humana.
Sobre a necessidade de procriação (iii), resta a dúvida se a proibição do
casamento entre casais heterossexuais inférteis seria possível. Há limitações, sobretudo
patrimoniais, em relação ao casamento de idosos, mas jamais qualquer tipo de proibição. Daí
porque não se deve negar o casamento homossexual pelo simples fato de não haver a
possibilidade de procriação sem a intervenção médica.
Sobre a possibilidade de abertura de precedente para casamentos
31
Texto original: In fact, one of the theories that advocates of same-sex marriage advance mos ardently is that
the heterosexual marriage monopoly is a form of gender discrimination (...). The argument is surprisingly
straightforward: Mr. Y cannot marry Mr. Z, but Ms. X is free to marry Mr. Z; thus, Mr. Y is being
discriminated against on the basis of his gender.
55
poligâmicos ou incestuosos, Evan GERSTMANN (2004, p. 105 e p. 109, tradução livre)
defende que tais relações têm os iguais direitos de acionar o judiciário e obter uma
justificativa razoável para o pleito, pois “polígamos têm o mesmo direito que os casais
homossexuais de ir aos tribunais e exigir que o Estado lhes dê boas razões – não estereótipos
ou generalizações – para a proibição de seu casamento”.
E ainda:
Não há que se argumentar sobre os méritos da poligamia ou incesto, não mais do
que se argumenta sobre os méritos do sacrifício animal ou do nazismo. As
liberdades constitucionais são frequentemente exercidas de maneira preocupante ou
irracionais. Mas quando se legisla sobre áreas de aspirações humanas, definidas
como direitos fundamentais, entre eles a liberdade de expressão, liberdade religiosa,
o casamento, devemos pensar duas vezes sobre aquilo que nos choca. Devemos nos
questionar sobre aquilo que estamos tentando evitar se as leis atuais alcançam esse
objetivo.32
Há também a louvável iniciativa da elaboração dos Princípios de
Yogyakarta33, elaborados em uma reunião de especialistas na mencionada cidade da Indonésia
em novembro de 2006, com o objetivo de desenvolver um conjunto de princípios jurídicos
internacionais sobre a aplicação da legislação internacional às violações de direitos humanos
com base na orientação sexual e identidade de gênero, no sentido de dar mais clareza e
coerência às obrigações de direitos humanos dos Estados.
No que concerne às famílias homossexuais, foram elaborados os seguintes
princípios na referida reunião:
Toda pessoa tem o direito de constituir uma família, independente de sua orientação
sexual ou identidade de gênero. As famílias existem em diversas formas. Nenhuma
família pode ser sujeita à discriminação com base na orientação sexual ou identidade
de gênero de qualquer de seus membros.
Os Estados deverão:
32
Texto original: This point is not to argue for the merits of polygamy or incest, any more than it is to argue for
the merits of animal sacrifice or Nazism. Constitutional liberties are often exercised in ways that are
disturbing or unwise. But when the government is legislating in the areas of human aspiration that the Court
defined as our fundamental rights, among them speech, religion, and marriage, we must take a second look
at things that shock us. We must ask questions about what we are trying to prevent, and whether current
laws achieve those goals.
33
A íntegra do textos de Yogyakarta pode ser acessada pelo sítio
http://www.aliadas.org.br/site/arquivos/yogyakarta.pdf.
56
a) Tomar todas as medidas legislativas, administrativas e outras medidas necessárias
para assegurar o direito de constituir família, inclusive pelo acesso à adoção ou
procriação assistida (incluindo inseminação de doador), sem discriminação por
motivo de orientação sexual ou identidade de gênero;
b) Assegurar que leis e políticas reconheçam a diversidade de formas de família,
incluindo aquelas não definidas por descendência ou casamento e tomar todas as
medidas legislativas, administrativas e outras medidas necessárias para garantir que
nenhuma família possa ser sujeita à discriminação com base na orientação sexual ou
identidade de gênero de qualquer de seus membros, inclusive no que diz respeito à
assistência social relacionada à família e outros benefícios públicos, emprego e
imigração;
(...)
e) Tomar todas as medidas legislativas, administrativas e outras medidas necessárias
para garantir que nos Estados que reconheçam o casamento ou parceria registrada
entre pessoas do mesmo sexo, qualquer prerrogativa, privilégio, obrigação ou
benefício disponível para pessoas casadas ou parceiros/as registrados/as de sexo
diferente esteja igualmente disponível para pessoas casadas ou parceiros/as
registrados/as do mesmo sexo;
f) Tomar todas as medidas legislativas, administrativas e outras medidas necessárias
para assegurar que qualquer obrigação, prerrogativa, privilégio ou benefício
disponível para parceiros não-casados de sexo diferente esteja igualmente disponível
para parceiros não-casados do mesmo sexo;
g) Garantir que casamentos e outras parcerias legalmente reconhecidas só possam
ser contraídas com o consentimento pleno e livre das pessoas com intenção de ser
cônjuges ou parceiras. (YOGYAKARTA, 2006).
Percebe-se, portanto, que a concepção de família mudou, tanto no que se
refere à finalidade de procriação, quanto na priorização do afeto e da identidade familiar.
Além disso, a tutela jurídica da entidade familiar prioriza a família em seu sentido material,
isto é, aquele grupo social dotado de afeto e que se preza o desenvolvimento do ser humano,
daí a possibilidade de se haver uma união homoafetiva estável ou mesmo um casamento civil
homoafetivo, baseando tal equiparação, sobretudo, nos princípios da igualdade, liberdade e
dignidade da pessoa humana.
Logo, negar a gays, lésbicas, bissexuais e trangêneros a possibilidade de
casamento ou de um status de entidade familiar às suas relações é o mesmo que negar-lhes
uma cidadania plena, ou seja, torna-se uma forma de estigmatização. E para afastar essa
diferenciação limitante, o direito exerce um papel de relevância no reconhecimento da
diferença e no reconhecimento do próprio indivíduo, afirmando a pertinência de determinados
direitos a determinados sujeitos.
57
Conclusão
A família sofreu diversas transformações sociais e antropológicas a fim de
que o afeto seja considerado como a base de suas relações, ultrapassando noções de
consanguinidade, patrimonialidade e até mesmo inferiorização. Percebe-se, portanto, que
gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros têm as mesmas capacidades de formarem famílias
que os modelos de uniões tradicionais.
Analisando-se os princípios da igualdade, liberdade e dignidade da pessoa
humana fica claro que há o direito a ser homossexual, bem como há direito a se formar uma
entidade familiar nesse contexto de homoafetividade, uma vez que tais decisões são escolhas
que apenas dizem respeito à vida íntima de cada indivíduo.
Para isso, portanto, resta confirmada a importância do direito nessa luta por
reconhecimento, baseada em uma inclusão que permite a autonomia e a construção de autorespeito, fundadas no constitucionalismo moderno no Estado Democrático de Direito.
Logo, chega a ser contraditório o não-reconhecimento às relações afetivas
entre pessoas do mesmo sexo, haja vista que atendem o disposto na Constituição Federal no
que concerne aos requisitos para as uniões (afetividade, ostensibilidade e estabilidade). Além
disso, o modelo tradicional de família tem como pré-requisito a negação de outras formas de
organização familiar, isto é, não há qualquer incompatibilidade entre a união estável formada
pore pessoas do mesmo sexo e aquela entre pessoas de sexos diferentes, bem como entre estas
uniões e o casamento civil. Por conseguinte, o não-reconhecimento jurídico das uniões de
pessoas do mesmo sexo não trás qualquer benefício às uniões e modelos de família
tradicionais ou desrespeita qualquer princípio constitucional.
58
Entende-se, inclusive, que o casamento civil homoafetivo, bem como a
união estável homoafetiva também seriam possível juridicamente, sobretudo, em decorrência
dos princípios da liberdade, igualdade e da dignidade da pessoa humana, uma vez que não há
qualquer justificativa para se reconhecer menos direitos aos casais homoafetivos em relação
aos direitos que atualmente são protegidos e concedidos aos casais formados por pessoas de
sexos distintos.
Aplica-se, dessa forma, uma interpretação extensiva ou ao menos a
analogia, haja vista que há lacuna na legislação a respeito do tema, já que as uniões
homoafetivas podem formar uma família da mesma forma que um casal heterossexual, pois
ambas uniões são fundadas no afeto que tende à comunhão de vida, de forma pública,
duradoura e contínua.
Buscou-se com esse trabalho a concretização de um princípio fundamental à
formação de entidades familiares, sejam elas constituídas por um casal de indivíduos do
mesmo sexo ou com diversidade de sexo. Um princípio baseado na igualdade, na liberdade,
na dignidade da pessoa humana, no direito à intimidade, à cidadania, bem como num direito à
sexualidade para assim tornar claro que o Estado deve sim proteger a família, homo ou
heteroafetiva, mesmo que não haja ainda uma lei específica no ordenamento jurídico. Devese, pois, levar em consideração que a família não é uma instituição estanque, uma vez que se
transforma à medida que surgem novas realidades. E nesse contexto o direito entra como
transformador para mitigar preconceitos e consagrar o direito à diferença.
59
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Relações Homoafetivas: a busca de um direito fundamental à