Maconge, porque te quedaste lá tão longe?
I
Ó Maconge, ó Maconge, porque te quedaste lá tão longe?
A incontestável verdade, que devemos reter e salientar,
É que para a Europa nunca te poderíamos transportar.
Já com os teus súbditos foi diferente, e em pensamento profundo,
Logo concluímos que se poderiam fixar em qualquer parte do Mundo.
Por certo, por certo, que não terá sido a tentação do Deserto?
Lá onde o Homo Habilis se encantou com a Welwtschia Mirabilis,
Para de seguida afirmar que nada havia de satânico naquele achado botânico...
Que a sua beleza e singular pundonor se deveu apenas à vontade do Criador.
Confessa-nos Maconge o que te fez loucamente disparar, para naquelas glaucas e
mansas águas te pretenderes afogar?
Será que a dor e a solidão, assim que caíste na orfandade, tocaram o teu coração,
Empurrando-te para aquele Mar Oceano profundo e salgado, pleno de lágrimas,
de tragédia e de dor, verdadeira tentação?
E que, tudo conjugado, para além do Tempo e do Espaço, por mais que penses ou
faças, em terra, no mar ou no ar,
Jamais se apagarão em nós as memórias do Sagrado Chão daquele Liceu que é nosso,
e que tem por patrono Diogo Cão.
II
Com muita saudade e toda a franqueza quero dizer-te que a tua Chela,
Entre todas as outras serras, continua sendo, sem dúvida, a mais bela.
E aquele penedo granítico, talhado a pique, que tanto nos embala,
Aninhado nas Ruínas de Pompeia, e crismado de Tunda Vala! ...
Do seu miradouro, em dias de céu de anil, descobre-se a Bibala.
Uma referência nas crónicas e tradições do Reino: Bíbalas, Bíbalas, Bíbalas ...
E lá, onde o cará de cinco-bicos sempre proliferou, a bela Mapunda,
Tudo chicha desde o gaduga na ponta do pé até aos contornos da bunda.
E o Bruco, onde os colonos de antanho, para vencê-lo, soaram estopinhas com muita
obstinação e aturado treino,
Para se poderem fixar no mais deslumbrante planalto deste mítico Reino.
Precisamente de lá se vislumbram os contornos da CheIa onde nasceu a Sede do teu
Reino.
Recordo o Engenheiro Sardinha, que lá nos píncaros plantou o Cristo-Rei,
Aquele Cristo Redentor velando com ternura e paixão a sacra e Lusa-Grei,
E que, nos dias da desilusão, de braços abertos desfraldados ao vento, no momento da
dolorosa fuga,
Nos deu forças e alento para enfrentarmos a diáspora muito para além da Portuga.
Perfumada à sua maneira, apertada no seu cantinho, sem grande história, com seus
curtumes fedendo, a Cascalheira,
Ufanando-se por estar bem perto da Senhora do Monte, ganhando nisso à Machiqueira.
E depois da Mucanca, exibindo um pequeno Roque Santeiro à Chicoronha, o Tchiôco,
Lá onde tudo se poderá adquirir, desde seda natural, samacaca, riscado, cambraia
ou fiôco.
Com seus ciclópicos penedos donde o Lupiko fez brotar tabaibos, as terras do
Gongo-ià- Vite,
Que por esse mesmo motivo, para os saborear, não há ninguém que disso abra
mão, e os evite.
Depois de vencida a CheIa, já pensando no Namibe, donairosa e sempre bela,
ergue-se a Humpata,
Que em tradições madeirenses e pomares da melhor fruta, ainda não tem quem a
bata.
E que para lá chegar, com suas vacas leiteiras e maravilhosas flores: a Leba,
Que, com suas belezas naturais, lembrando Maximino Borges, tanto nos enleva.
Vencendo a subida da salsicharia, a caminho do Nonguluvi, a enigmática Mitcha
Que para além da Quinta do Valadares, relembrando o Velho Professor Cristão,
pouco mais se avista.
Para no dezasseis um suculento churrasco degustar, há que alcançar a Mucanca,
Suas hortas, a cerâmica do Pires Capador, cada vez mais segura que uma tranca.
E a Machiqueira dos tempos da Velha Vitória e do Sargento Carneiro,
Muitos súbditos ainda se recordarão do seu ar arrumado e prazenteiro,
E quase a delimitar fronteiras, a Palanca, aonde Boers, caçadores transumantes,
Deixaram cemitério, tradições e a recordação de belas e sadias amantes.
Que o tivesse dito Artur de Paiva, que não cedeu à tentação e ali aportou,
Já com a donzela na mão, perfilou, bateu calcanhares e extasiado retirou.
E o rio Vituro, entre a malta mais conhecido pelo rio das pedrinhas,
Sem distinção de classes, lá se banharam muitas afilhadas e suas madrinhas.
Quase a resvalar pelo Bruco, com sua Escola Agrícola, o Tchivinguiro,
Onde, com ar de aventura, muitos colegas nossos se iniciaram na agricultura, o que
foi muito giro.
Foi agradável mais tarde vê-los com denodo e competência poder brilhar,
Quando de início, dos mesmos, pouco ou nada nos augurava esperar.
Dada a destreza com que agarravam à unha touros e copos, e, de madrugada,
Já bem bebidos e encharcados provocavam a malta do Liceu, para a porrada.
Termino com o Bairro do Alto Conceição, com suas farras animadas,
Onde belas damas nativas acolheram altas figuras do Reino, bastante ousadas,
Que ao afirmar a sua portugalidade e ausência de qualquer racismo, a sério.
Mostraram a via certa para, sem qualquer dificuldade, dilatar a Fé e o Império.
III
Dom Olavo, Dom Olavo agora que estou para terminar,
Há ditos que de modo algum poderei neste meu peito calar,
Pois que, com esse nome, porte garboso e ar de escandinavo,
Se fosses um pouco mais louro e de carnes um tanto mais seco.
Sem qualquer dificuldade, afirmo-te, poderias bem passar por sueco.
Para esse Reino imortal manter e o conservar, há que ter muitas cautelas,
Dedicar toda a atenção às aias e suas cortesãs, de preferência, esguias e sempre
belas.
Que sejam sempre afáveis, dengosas, reverberando virtudes e de doce coração,
Que, muito mais de que o vinho, nos tragam coragem, doçura e muita consolação.
Tanto os peões de brega, como os nobres de raiz, a amiúde tens que vê-los,
E nomeá-los, com critério e bem crivados, para que te não saia algum Miguel de
Vasconcelos.
Não os escolhas à balda, como se fora feijão carrapato,
Para que não surja um mal formado, presumido, invejoso ou ingrato.
Sê comedido e lega ao Reino a tua proverbial mansidão,
Para não seres esquecido e viveres sempre em nosso coração,
Sem que para isso/seja necessário encerrar-te num panteão.
IV
Não é fácil edificar um reino, quando é mítico e de pura fantasia,
É necessário saber sonhar, muita garra, querer, engenho e cortesia.
Ter bebido na sábia fonte dos imortais mestres consagrados,
Que foram bastantes e continuam por nós sendo recordados:
O Professor Dentinho, decano dos mestres, logo na primeira fila,
Visto o seu nome ser remanescente do velho Liceu da Huíla.
Gastão de Sousa Dias, de formação castrense, sábio e imperturbável,
O Mendonça, dito o das forças, por as ter com abundância, sempre amável.
Brilhante de Paiva, comprido e esguio, mais conhecido por Bicancas,
Que se iniciou jovem e já nos abandonou com têmporas brancas.
Á vila de Azevedo, cognominado o Monsieur du Bois, sempre cortês,
Adorou o planalto da Huíla como qualquer sensato português.
Higino Vieira, de sotaque insular, mas pleno de calmatite,
Ao ensinar francês à lusitana, sempre nos dava o seu palpite.
Simões, e Panelinha sua respeitável esposa: multifunções,
Tanto dava português, francês ou ciências, sem inibições.
Negrão, mais conhecido pelo cow boy, pela sua sabedoria,
Levava mansamente a malta como bem lhe apetecia.
Com o Tó Zé de permeio, vinham a Regina e o Lucas,
Que para além da macaca adorava brincadeiras malucas.
O Bírgulas foi uma estrela cadente que pouco incendiou,
E para não parecer mal, como a Luísa Carvalhal, à posteridade passou.
O José Lopes de Freitas, o nosso Jofre, veterinário de profissão,
Sonhou com a industrialização do óleo de nompeke, até à exaustão.
O Padre Carlos Westermann, que nos ensinava Religião e Moral,
Ainda que muito contrariados, nunca ninguém o levou a mal.
O Euclides, de papillon, já no outono da vida, sempre nos pôs à prova
Dizendo-nos sorridente: "fogo, foguinho, mas com quem casei minha filha mais
nova ... "
O saudoso José do Amaral Espinha que tão cedo nos deixou,
Traído por seu coração que no pior momento o abandonou.
De perfil bem chicoronho, tanta saudade para sempre nos deixou.
A sua esposa, Maria Cornélia Teles Grilo, metódica e exigente,
Com seu senso de justiça, nunca safou qualquer mandrião penitente.
Com seu cadente solfejo e botas mata-cobra sem pitões,
De monóculo aristocrático e seu asno manso, o Pita Simões.
Aos donatários do Reino por Deus já levados, que bem a seu modo
Cumpriram praxes e protocolos com elegância, gentileza e denodo:
O sempre recordado Dom Caio César da Silveira,
Seu imediato sucessor, Dom Mário Saraiva de Oliveira.
Que foram grandes entre os maiores deste Mítico Reino da Verdade,
Onde marcaram toda urna época, legando seu estilo e muita saudade .-
Fernandino Paulo Rodrigues
Setúbal,2003.03.20
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