Autores
Adriano da Silva Rozendo
Álvaro Marcel Palomo Alves
Amélia de Lourdes Menck
Claúdia Aparecida Valderramas Gomes
Deborah Karolina Perez
Elizabeth Piemonte Constantino
Flávia Cristina Oliveira Murbach de Barros
Joana Sanches-Justo
José Sterza Justo
Katia Hatsue Endo
Leonardo Lemos de Souza
Luciane Guimarães Batistella Bianchini
Luís Fernando Rocha
Luiz Bosco Sardinha Machado Júnior
Marcelo Carbone Carneiro
Márcio Alessandro Neman do Nascimento
Maria Elvira Bellotto
Mário Sérgio Vasconcelos
Tânia Pinafi
Wiliam Siqueira Peres
O livro aborda, de maneira bastante didática, cinco das principais vertentes do conhecimento no campo da Psicologia e indaga: É possível um diálogo
entre elas? Em que medida abordagens teóricas que partem de perspectivas
epistemológicas tão díspares como as que encontramos na Psicologia podem
encontrar pontos de convergência? Pode o psicólogo lançar mão de contributos
dessas perspectivas teóricas diversas sem resvalar no ecletismo?
Buscando debater questões desta natureza, os capítulos que constituem
este livro foram elaborados num formato bastante elucidativo: começam localizando, de forma breve, as bases epistemológicas das teorias abordadas, para,
em seguida, discutir as suas implicações no campo da Psicologia, com destaque
para os principais protagonistas dessas teorias.
Com a leitura, o leitor será instigado a pensar em outras importantes questões: A relação sujeito-objeto presente em cada referencial implica em uma
única metodologia de trabalho? Uma pesquisa temática empírica pode utilizar
diferentes modelos teóricos?
Desta forma estamos diante de uma obra que tem uma importante contribuição que oferece um valioso material de consulta para os cursos de formação
em Psicologia. Nunca é demais enfatizar que o livro trata de questões essenciais para a psicologia contemporânea que são, muitas vezes, negligenciadas
nos nossos cursos.
Para finalizar, cabe ressaltar um aspecto de fundamental importância: o livro
que ora se apresenta ao leitor foge de uma tendência corrente na academia, que
às vezes troca a diversidade pelo caminho da intolerância. O que este livro busca
é exatamente o oposto, ou seja, resgatar uma tradição cara à academia, que é o
estabelecimento de imprescindíveis espaços de interlocução. Boa leitura.
A publicação desse livro tem como
principal objetivo abordar diferentes
perspectivas em psicologia, possibilitando ao leitor um acesso às principais
abordagens e, buscando, a diversidade
e o diálogo como uma forma de reflexão.
Os capítulos foram elaborados num
formato bastante elucidativo: começam
localizando, de forma breve, as bases
epistemológicas das teorias abordadas,
para, em seguida, discutir as suas implicações no campo da Psicologia, com destaque para os principais protagonistas
dessas teorias.
Desta forma, estamos diante de uma
obra que tem uma importante contribuição e que oferece um valioso material de
consulta para os cursos de formação em
Psicologia. Nunca é demais enfatizar que
o livro trata de questões essenciais para
a psicologia contemporânea que são,
muitas vezes, negligenciadas nos nossos
cursos.
Mário Sérgio Vasconcelos
Marcelo Carbone Carneiro
Elizabeth Piemonte Constantino
(Orgs.)
São Paulo - 2014
1ª Edição
Comissão Editorial e Científica
João Batista Martins (UEL)
Valéria Amorin Arantes (FEUSP)
Francisco Haschimoto (FCLAssis/UNESP)
Jonas Gonçalves Coelho (FAAC – Bauru/UNESP)
P9742
Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto / Mário Sérgio
Vasconcelos, Marcelo Carbone Carneiro e Elizabeth Piemonte
Constantino (organizadores). São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014.
116 p. ; 21 cm.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7983-514-8
1. Psicologia. 2. Relações sujeito-objeto. I. Vasconcelos, Mário Sérgio. II. Carneiro, Marcelo Carbone. III. Constantino, Elizabeth Piemonte. IV. Título.
CDD: 150.1
Copyright© Cultura Acadêmica, 2014
Editora Unesp
Praça da Sé, 108
01001-900 – São Paulo - SP
www.editoraunesp.com.br
[email protected]
Sumário
Prefácio..............................................................................................................7
Apresentação..................................................................................................11
Construtivismo e epistemologia genética................................................15
Mário Sérgio VASCONCELOS, Leonardo LEMOS DE SOUZA,
Maria Elvira BELLOTTO, Marcelo Carbone CARNEIRO, Amélia
de Lourdes MENCK e Luciane Guimarães Batistella BIANCHINI
Teoria histórico-cultural: implicações para a psicologia......................39
Elizabeth Piemonte CONSTANTINO, Alvaro Marcel Palomo
ALVES, Flavia Cristina Oliveira Murbach de BARROS e Cláudia
Aparecida Valderramas GOMES
Representações sociais no contemporâneo..............................................55
Elizabeth Piemonte CONSTANTINO, Deborah Karolina PEREZ,
Kátia Hatsue ENDO, Luís Fernando ROCHA e Luiz Bosco
Sardinha MACHADO JÚNIOR
A vinculação do sujeito ao seu mundo: o construcionismo social.......71
Joana Sanches JUSTO, Mário Sérgio VASCONCELOS, José Sterza
JUSTO e Adriano da Silva ROZENDO
Sobre acasos e acontecimentos: a proposta do método cartográfico..87
Márcio Alessandro Neman do NASCIMENTO, Tânia PINAFI e
Wiliam Siqueira PERES
Sobre os autores............................................................................................109
PREFÁCIO
“Dancing on the edge” foi o tema escolhido para o Quinto Congresso Europeu de Psicologia realizado em Dublin, no ano de 1997,
tendo como referência a então recente comemoração do primeiro
centenário da criação do Laboratório de Psicologia de Wundt, em
Leipzig. A ambiguidade inerente ao tema propicia inúmeras interpretações, tais como as tensões entre avanço do conhecimento e
a aplicação da tecnologia dela resultante, e entre as realizações da
Psicologia no século anterior e as perspectivas no limiar do novo
século e milênio, para mencionarmos apenas duas. Desse evento,
para o qual foram convidados pesquisadores de diversas subáreas
da Psicologia para fazer um balanço dos seus respectivos campos,
resultou um livro organizado por Ray Fuller, Patricia Noonam Walsh e Patrick McGinley denominado A century of Psychology. Nele, os
organizadores avaliam que o século teria testemunhado um explosivo crescimento da Psicologia, mudando irremediavelmente nossa
concepção do significado do ser humano. Por essa razão, afirmam,
“corrigindo” o título que deram ao livro, de que se tratou não de um
século de Psicologia, mas do século da Psicologia.
O século XX, que os autores acima referidos afirmam ser da
Psicologia, foi avaliado pelo historiador marxista Eric Hobsbawm
como o século dos extremos. De uma lado, os resultados alcançados
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
pela ciência e pela tecnologia no século XX certamente ultrapassaram as expectativas do mais otimista visionário do século XIX.
Não é preciso ir longe: basta lembrar o que mudou em um século no
transporte aéreo, nas telecomunicações, no processamento da informação, na biotecnologia, apenas para citar alguns exemplos. Todavia, Hobsbawm lembra, invocando o testemunho de personalidades
marcantes do século XX, que foi o século mais destrutivo da história
da Humanidade.
Os extremos podem, também, ser representados pelo avanço no
domínio da natureza pelas ciências naturais e pela tecnologia, assim
como pela imensa incapacidade da Humanidade em equacionar as
questões humanas fundamentais. Embora não se possam imputar
esses fracassos às ciências do homem, é impossível negar a nossa
responsabilidade: avançamos pouco nesse campo. Ou teria a Psicologia, em seu século, contribuído decisivamente para o que Berthold
Brecht definia como o único objetivo admissível para a ciência, a de
“reduzir a miséria da existência humana”?
No campo da produção de conhecimento, o crescimento do
volume das publicações da área é extraordinário, tanto em termos
mundiais, como no caso brasileiro. Nosso país é liderança absoluta
entre as nações latino-americanas, ocupa uma posição de destaque
no grupo dos países do BRICS e se situa à frente da maior parte das
nações europeias quanto ao volume de publicações indexadas. E a
Psicologia e a Psiquiatria estão na linha de frente desse crescimento.
Não é possível, portanto, negar o imenso avanço no conhecimento produzido pela Psicologia nesse século. Todavia, para que
possamos subscrever a tese de que se tratou do século da Psicologia,
teríamos de admitir que algumas das questões fundamentais da Psicologia como campo do saber e como uma tecnologia de intervenção
nas questões cruciais enfrentadas pela Humanidade no século que
findou teriam sido, minimamente, equacionadas.
Ao lado das avaliações mais otimistas, teses (polêmicas) como
a de que a Psicologia constitui uma disciplina pré-paradigmática,
as constatações de que ela é um espaço de fragmentação, as críticas
Prefácio
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com relação às insuficiências do saber psicológico em compreender
as novas configurações da sociabilidade humanas, são abundantes.
É nesse terreno de polêmica que se situa esta obra, Psicologia:
reflexões sobre as relações sujeito objeto. O livro aborda, de maneira
bastante didática, cinco das principais vertentes do conhecimento
no campo da Psicologia. E indaga: É possível um diálogo entre elas?
Em que medida abordagens teóricas que partem de perspectivas
epistemológicas tão díspares como as que encontramos na Psicologia podem encontrar pontos de convergência? Em que medida pode
o psicólogo lançar mão de contributos dessas perspectivas teóricas
diversas sem resvalar no ecletismo? A estruturação do texto é um
dos seus pontos fortes: inicia situando o leitor no campo epistemológico, no qual a discussão da Psicologia se coloca, para, na sequência,
apresentar os rebatimentos para a Psicologia.
Certamente, a tarefa abraçada pelos autores e organizadores do
livro, docentes e discentes vinculados à Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus de Assis, não é simples. Mas ela
não poderia ser diferente, dada a complexidade do campo em que os
autores se movimentam.
Não tenho dúvidas de que estamos diante de uma obra que tem
uma importante contribuição a dar no tratamento da relação epistemologia/psicologia e que oferece um valioso material de consulta
para os cursos de formação em Psicologia. Nunca é demais enfatizar
que o livro trata de questões essenciais que são, muitas vezes, negligenciadas nos nossos cursos.
Gostaria, para finalizar, de ressaltar um aspecto que julgo de
fundamental importância: o livro que ora se apresenta ao leitor foge
de uma tendência corrente na academia, que se poderia denominar
“solipsismo intelectual”. Eventualmente, poderemos chegar à conclusão de que a Psicologia é inexoravelmente um campo de diversidade, mas não pelo caminho da intolerância. O que este livro busca é
exatamente o oposto, ou seja, resgatar uma tradição cara à academia,
que é o estabelecimento de imprescindíveis espaços de interlocução.
Um pequeno passo, mas indispensável no caminho de uma efetiva
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
consolidação da Psicologia, para, quiçá, fazer jus à avaliação de conhecimento desse século.
Natal, maio de 2013
Oswaldo H. Yamamoto
APRESENTAÇÃO
É possível um diálogo aprofundado entre diferentes modelos
teóricos no campo da Psicologia? Distintas bases epistemológicas
permitem aproximações conceituais entre teorias? A relação sujeito-objeto presente em cada referencial implica em uma única metodologia de trabalho? Uma pesquisa temática empírica pode utilizar
diferentes modelos teóricos? Foram questões desta natureza, surgidas nas discussões realizadas no Grupo de Pesquisa “Epistemologia
e Psicologia: processos e contextos de desenvolvimento humano”, que
despertaram nosso interesse em organizar este livro. A partir do
confronto de ideias a respeito da relação sujeito e objeto nas diferentes abordagens psicológicas subjacentes aos projetos de pesquisa
dos participantes do grupo, ficamos instigados para compor uma
obra que pudesse oferecer aos estudantes de graduação e iniciantes
de pós-graduação elementos teórico-metodológicos fundamentais
para o debate sobre o fazer científico em Psicologia.
Nesta perspectiva, os capítulos que constituem este livro foram
elaborados num formato semelhante: começam localizando, de forma breve, as bases epistemológicas das teorias abordadas, para, em
seguida, discutir as suas implicações no campo da Psicologia, com
destaque para os principais protagonistas dessas teorias.
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
Assim, o primeiro capítulo focaliza as várias vertentes teóricas
que englobam o construtivismo, cujo principal representante é, sem
dúvida, Jean Piaget. Na epistemologia construtivista, desde sua origem na filosofia, o processo de construção do conhecimento é interativo, não cabendo a clássica distinção que separa e coloca em pólos antitéticos o sujeito e o objeto. Para Piaget, abordar o problema
do conhecimento pressupõe ultrapassar a ideia de uma adaptação
simples e, inevitavelmente, nos remete ao problema da permanente construção de novidades e de novas possibilidades criativas. A
atualização de uma ação ou de uma ideia pressupõe, antes de tudo,
que elas tenham sido tornadas possíveis no processo interativo entre
sujeito e objeto. Uma novidade, na medida em que se diferencia de
construções cognitivas anteriores, é compreendida como uma reorganização dos elementos estruturais num novo sistema de relações
que amplia o âmbito das abstrações e do pensamento humano.
O capítulo seguinte trata da teoria histórico-cultural de
Vygotsky, autor que, sem dúvida, contribuiu de maneira significativa para análise das questões metodológicas em Psicologia. Em seus
escritos, ele discute a crise dos paradigmas objetivistas e idealistas,
predominantes na ciência psicológica do século XX, que produziram as dicotomias entre interno/externo, indivíduo/sociedade e,
principalmente, entre sujeito/objeto. Baseando-se nos princípios do
materialismo histórico e dialético, Vygotsky viu a possibilidade de
romper com tendências conflitantes na compreensão do psiquismo,
da aprendizagem e do desenvolvimento humano. Neste sentido, a
importância do sujeito ativo e a existência objetiva do objeto são
mantidas e formam uma unidade de contrários que agem continuamente um sobre o outro.
Outra tentativa de superação dessas dicotomias é apresentada,
no terceiro capítulo, através da Teoria das Representações Sociais
formulada por Moscovici. A representação social, entendida como
processo de assimilação da realidade pelo indivíduo, atua como
elemento de mediação entre o homem e a sociedade, vinculando o
objeto a um sistema de valores, noções e práticas, conforme a visão
Apresentação
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de mundo do sujeito. Isso não significa que o sujeito é passivamente
determinado por uma representação exterior a ele, nem que a representação é moldada na mente individual. Desse modo, sujeito e
objeto formam uma relação dialética, um processo no qual o sujeito
é ativo, reelabora o próprio objeto e o reconstrói em seu sistema cognitivo, a partir de sua história pessoal e do contexto social e ideológico em que está inserido.
Na teoria do construcionismo social, foco do quarto capítulo,
as terminologias sujeito e objeto se completam, uma vez que não
há supremacia de um sobre o outro. Diferentemente da teoria das
representações sociais, essa teoria postula que a construção de sentidos pelo sujeito acontece nas práticas sociais cotidianas e emerge
da interação, não estando nem no polo de uma interioridade individual, nem no polo de determinações objetivas. Portanto, o sentido
é uma construção social, intermediada pela linguagem e pelos sistemas de significação que dão sentido ao mundo. Sendo rejeitados os
discursos universalizantes e generalizáveis sobre a relação sujeito e
objeto, os saberes sobre o objeto devem ser construídos no contato
direto com ele, delegando-se a autoria do saber ao sujeito que narra
a sua própria história.
Em contraste aos enfoques acima abordados, o quinto e último
capítulo se ocupa do método cartográfico, que propõe a emergência
de um novo paradigma para as ciências contemporâneas. Tal atitude
abandona as intenções da ciência moderna e pretende compreender
a relação sujeito - objeto – campo social numa tríade discursiva. Fica
claro, no texto, que a pesquisa cartográfica é sempre um rizoma,
aberto para entender o fluxo do desejo e, principalmente, do discurso social que busca aprisionar a vida e, por conseqüência, o sujeito.
Para finalizar, devemos enfatizar que os textos que compõem
esta publicação representam apenas o ponto de partida para o conhecimento das singularidades de cada aporte teórico aqui discutido. É preciso lembrar, ainda, que existem muitas questões sobre
as quais não nos debruçamos, mas, mesmo assim, acreditamos que
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
esta obra propicie o debate e contribua para o aprofundamento da
pesquisa no campo da Psicologia.
Elizabeth Piemonte Constantino
Marcelo Carbone Carneiro
Mário Sérgio Vasconcelos
Construtivismo e epistemologia genética
Mário Sérgio VASCONCELOS
Leonardo LEMOS DE SOUZA
Maria Elvira BELLOTTO
Marcelo Carbone CARNEIRO
Amélia de Lourdes MENCK
Luciane Guimarães Batistella BIANCHINI
O termo construtivismo tem sido utilizado em diferentes áreas
do conhecimento e carrega consigo aquecidos debates epistemológicos no campo da filosofia, história da ciência, física, psicologia,
sociologia, literatura e artes. Possui variações em suas definições e
em algumas áreas chegou a alcançar dimensão de sistema teórico-metodológico. Embora na atualidade o uso do termo seja frequente,
a “ideia” construtivista não é nova. Perpassa discussões desde a Grécia antiga e, em sua concepção mais abrangente, traduz uma visão de
mundo e realidade retratada na relação entre sujeito e objeto.
No teatro, por exemplo, o construtivismo caracterizou-se como
uma nova forma de representação estética. Representou o rompimento com o naturalismo divino, propondo um estilo de cenografia e encenação que, no palco, se materializa em gestos e estruturas
tridimensionais formada por praticáveis, escadas, caixas, andaimes,
manequins etc., expressivamente simplificadas, por meio das quais
se objetivava a abstração e estilização do real. O teatro construtivista
difundiu-se em vários países e muitos atores e teatrólogos assumiram essa estética. Entre os mais conhecidos estão Meyerhold, Tairov,
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
Bauhaus, Kantor, Schlemmer e outros1. Tadeusz Kantor (1915-1990),
artista polonês, referindo-se a esse movimento expressou-se da seguinte maneira:
o construtivismo reivindicava a emancipação da
arte das rédeas da reprodução naturalista da vida.
Tal emancipação era a condição necessária para
criar uma obra autônoma, independente, uma criação no mesmo nível hierárquico da natureza, ou de
Deus. A obra humana e não a obra da natureza ou
obra divina. (KANTOR, 1993, p. 30).
Nas artes plásticas o construtivismo se constituiu num movimento semelhante ao do teatro e, no início, tendo como principal
protagonista Vladimir Tatlin (1885-1953), se desenvolveu principalmente entre artistas russos no período revolucionário da extinta
União Soviética. Ganhou notoriedade pela disposição rigidamente
formal do espaço, das massas e dos volumes e pela utilização de
materiais e técnicas industriais modernas (plásticos, metal, vidros,
etc.). No cinema, também da Rússia, o nome de maior destaque foi
Serguei Eisenstein (1898-1948), diretor da obra prima O Encouraçado Potemkin (1925). Sua câmera filmou fatos cotidianos assim como
eles se apresentavam, num sentido de urgência e especialmente de
imprevisto. Defendia a necessidade do registro das imagens sem que
o processo de filmagens interferisse no comportamento natural dessa realidade, isto é, os fatos do cotidiano precisavam ser filmados
sem destruir a espontaneidade do registro. Como técnica, explorava
1
No Brasil, nas artes, o construtivismo não se constituiu num movimento artístico articulado, mas ganhou fôlego entre os concretistas. No teatro e no cinema, alguns diretores como José Celso Martinez Correa,
Amir Haddad, Glauber Rocha, vez ou outra, foram denominados construtivistas.
Construtivismo e epistemologia genética
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profundamente o contraste de imagens para expressar a realidade
histórica.
O construtivismo soviético, em suas várias modalidades, influenciou artistas, escritores e educadores em todo o mundo. Também ganhou notoriedade através de trabalhos e instalações críticas
e reflexivas confeccionadas com metais e sucatas, nos quais a junção
de várias peças de diferentes utilidades articulava-se em um novo
significado (VASCONCELOS; MELLES, 2004). Nessa perspectiva, a
utilização de sucatas coloca a pessoa em contato com objetos descartados, com possibilidades de resignificá-los por meio de sua própria
ação. As partes resignificadas tornam a formar uma nova totalidade.
A arte com sucata traz consigo o elemento da transformação: era significado, deixou de ser e será significado. A sucata pode permanecer com aspecto de “lixo”, de amontoado, de cacarecos misturados e
confusos de serem distinguidos. Mas pode também, mediante o ato
criativo, dar origem a novos objetos expressivos. A novidade desestruturada (sucata) provoca o espanto e o desequilíbrio instigando
“o novo fazer”. Procura-se a superação, expressão da construção do
conhecimento e de novas estruturas. A sucata inclui o objeto desmanchado rumo a uma nova ordem, não desvencilhada do real, mas
a ordem humana da construção simbólica e do pensamento.
A abrangência do termo construtivismo perpassou discussões
epistemológicas e posicionamentos sobre os mistérios do processo
criativo e do conhecimento humano. Dessa forma, incluí a discussão
filosófica e científica e, em tais esferas, de um modo geral, dois princípios podem ser anunciados. Em primeiro lugar, que o construtivismo, em sua diversidade de interpretações, traz uma regularidade de
significado, pois sempre aparece como uma construção e invenção
humana. Em segundo lugar, concebe o sujeito e objeto como entidades interdependentes.
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
Na filosofia e na ciência
Na história da filosofia não é possível afirmar com precisão,
quando o termo construtivismo começou a ser utilizado. Pérez
(1996), afirma que o primeiro construtivista foi Protágoras. Nascido
aproximadamente no ano 490 a.C., Protágoras viveu em Atenas e
na Sicília. Chegando a Atenas em 444 a.C., ganhou apreciável fama
como mestre sofista. Dedicou-se ao ensino de jovens baseado na arte
do discurso persuasivo, exercitando as técnicas de arguir a favor das
duas faces de um mesmo argumento. Num ambiente acostumado a
ouvir que a verdade, “produzida por deuses”, era eterna e imutável,
expôs provocativamente a frase com a qual inicia seu texto Sobre a
Verdade, dizendo: “O homem é a medida de todas as coisas: das coisas que existem, como existentes; das coisas que não existem, como
não existentes” (PROTÁGORAS apud PÉREZ, 1996, p. 27).
Para um mundo cuja tradição intelectual considerava como
fato as essências permanentes, Protágoras provocou uma ruptura ao
apresentar uma proposta na qual o homem é o “único” responsável
por suas ideias. Surge, assim, pela primeira vez, uma formulação do
homem como construtor da realidade e uma proposição não determinista relativa à origem, ao sentido e ao valor do conhecimento
para os homens, já que “a verdade é somente aquilo que se manifesta
ante a consciência, nada é em si e para si, pois tudo contém uma verdade relativa” (PROTÁGORAS apud PÉREZ, 2002, p. 4).
Com um olhar que antecipa os pressupostos do iluminismo e da
ilustração do séc. XVIII, Protágoras nega toda a autoridade externa,
os oráculos, os mitos e lendas heróicas para impor os direitos do
pensamento. Enfatiza que nada que sustenta o pensamento tem sua
origem na vontade divina. Tal posição denota “responsabilidade e
consciência” humana no ato de pensar e está relacionada com questões e relações sociais, que inevitavelmente envolvem as interações
como ponto de partida de constituições de pensamentos, persuasão
e conflitos.
Construtivismo e epistemologia genética
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Ainda no período de ascensão das ideias gregas podemos encontrar outros pensadores precursores do construtivismo. Na escola filosófica do ceticismo2, fundada por Pirrón de Elis (360-270 a.C.), foi
proposto, pela primeira vez, de forma sistemática, um conjunto de
argumentos para se questionar a possibilidade de um conhecimento
totalmente absoluto. Entende-se por ceticismo a dúvida radical sobre
o conhecimento verdadeiro. Pirrón de Elis considerou fracassado o
propósito de se fixar um critério firme para determinar a verdade
ou a falsidade das coisas. Sua crítica ao “objetivo” e ao “absoluto” se
apoia na ideia de que os homens são incapazes de conhecer os objetos fora dos limites de sua percepção sensorial, pois esta não garante
uma apreensão das coisas tal qual elas são. A percepção revela o que
parece, mas não se tem jamais o testemunho direto do que é.
Von Glasersfeld (1996b), psicólogo e filósofo protagonista de
uma corrente atual de pensamento que denomina de construtivismo
radical3, fez as seguintes considerações sobre o ceticismo:
Os céticos sustentavam que o que chegamos a conhecer passa por nosso sistema sensorial e o nosso
sistema conceitual, e nos brinda com um quadro
ou uma imagem verdadeira de um mundo externo;
o que vemos é visto de novo, através de nosso sistema sensorial e nosso sistema conceitual. Fomos
apanhados, pois, num paradoxo. Queremos acreditar que somos capazes de conhecer algo sobre o
mundo externo, mas jamais poderemos dizer se tal
conhecimento é ou não verdadeiro, já que, para estabelecer esta verdade, deveríamos fazer uma comparação que simplesmente não podemos fazer. Não
2
3
Há uma multiplicidade de concepções céticas, nos restringiremos as teses fundamentais do ceticismo pirrônico.
Mais adiante faremos algumas considerações a respeito do construtivismo radical.
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
temos maneira de chegar ao mundo externo senão
através de nossa experiência dele; e, ao ter essa experiência, podemos cometer os mesmos erros; por
mais que o víssemos corretamente, não teríamos
como saber que nossa visão é correta. (VON Glasersfeld, 1996b, p. 77).
Para os céticos, a natureza das coisas não pode ser conhecida;
não existe uma natureza sólida essencial para decidir sobre a certeza
do conhecimento. Os juízos sobre a realidade seriam construções e
“convenções”, baseadas em sensações mutáveis. Anuncia-se a necessidade de não se considerar verdadeiros os juízos formulados sobre
as coisas, pois são relativos aos modos que temos de percebê-los.
Vários séculos depois, no séc. XVIII, Gianbattista Vico (16861744) reivindica um valor maior para as manifestações das fantasias
mentais e do pensamento que não pretende a objetividade. Destaca
que o valor do conhecimento está no saber humano e em sua construção. Afirma, ainda, que “(...) a verdade humana é o que o homem
chega a conhecer ao construí-la, formando-a por suas ações” (VICO,
1961, p. 38). Nessa perspectiva a ciência é o conhecimento das origens, das formas e da maneira com a qual foram feitas as coisas. Sob
o princípio de que só podemos conhecer aquilo que criamos, Gianbattista Vico separa o conhecimento divino do conhecimento humano. O ato de criar e de constituir algo é o que permite chegar ao
domínio dos elementos que tornam possíveis o conhecimento. Para
Vico, o conhecimento decididamente é uma construção humana.
Ainda no séc. XVIII, Immanuel Kant (1724-1804) elaborou uma
teoria4 que busca a compreensão de elementos envolvidos na construção do conhecimento. Buscando desvendar a relação desses ele-
4
A discussão sobre o Conhecimento em Kant aparece nos seguintes textos: na Dissertação de 1770, na 1. edição da Crítica da Razão Pura (1781),
nos Prolegômenos (1783) e na 2. edição da Crítica da Razão Pura (1787).
Construtivismo e epistemologia genética
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mentos, indaga: na relação do sujeito com as coisas (objetos), como
conhecemos?
A contribuição da experiência é inegável na teoria do conhecimento de Kant, no entanto, para o autor, é o sujeito que organiza os
dados externos (construção) e estabelece relações que possibilitam
o conhecimento. O projeto crítico de Kant consiste em substituir a
ideia de uma harmonia entre o sujeito e o objeto (acordo final) pelo
princípio de uma submissão necessária do objeto ao sujeito, pois a
faculdade de conhecer é legisladora.
Para Kant o conhecimento é uma construção das faculdades
da mente que organizam os objetos. Portanto, deve-se abandonar a
busca da essência dos objetos e procurar investigar as condições do
conhecimento no sujeito, quer dizer, os objetos devem gravitar em
torno das formas a priori5 do sujeito. Todo o nosso conhecimento
inclui a experiência, pois este desperta a faculdade da mente para
o exercício e funciona como matéria-bruta das intuições sensíveis.
Mas, nem por isso se inicia na experiência, pois as faculdades da
mente organizam os objetos segundo formas a priori. Portanto, não
é a nossa percepção sensível que se regula pela natureza dos objetos
e não é nosso intelecto que se deve regular pelos objetos para extrair
os conceitos, mas são os objetos que se regulam pelas formas internas ao sujeito.
No séc. XIX ganharam forças orientações filosóficas antagônicas aos pressupostos que valorizavam o papel do indivíduo na “construção” do conhecimento, e que serviram de base para correntes
científicas modernas e “objetivas”. O positivismo de Auguste Comte
(1798-1857), por exemplo, serviu de referencial para o objetivismo
psicológico de John B. Watson (1878-1958)6. A maioria das ciências
5
6
A priori significa anterioridade cronológica (anterior à experiência) e
lógica (condição necessária para que algo seja).
O sistema de psicologia objetiva, denominado por Watson de behaviorismo, desejava aplicar as técnicas e os princípios da psicologia animal
aos seres humanos. A esse aspecto positivo do behaviorismo foi dado o
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
que se ancoraram nos pressupostos positivistas se dispôs a reconhecer e a compreender o mundo em seu caráter objetivo, independente do sujeito. Essa forte tendência sustentou-se em paradigmas que
viam a possibilidade de uma epistemologia científica livre de qualquer contaminação “subjetiva”7.
Contudo, desde o final do séc. XIX, tal posição tem sido muito
contestada, pois “exterminar” o sujeito é tornar impossível a observação e o conhecimento. Os filósofos Willian James (1842-1910) e
John Dewey (1859-1952), criticando a objetividade absoluta, se perguntavam como as coisas se tornaram reais para as pessoas. Mesmo
considerando as devidas diferenças entre as ideias desses dois pensadores, é conhecido que ambos propunham que toda distinção entre
o real e o irreal se baseava em atividades mentais ativas. Destacaram
que é possível pensar de maneira diferente um mesmo objeto e valorizaram o fato de que é possível eleger, por interesse, uma dessas maneiras de pensar e desejar outras. Dewey, por exemplo, argumentava
que o ser humano tinha interesses profundos e interesses superficiais; o interesse era sempre o sinal de alguma capacidade subjacente
que deveria ser interpretada e utilizada8. James (1889) dizia que cada
mundo é real à sua maneira, mas sua realidade desaparece quando
desaparece a atenção.
Longe de estarmos afirmando que James e Dewey se enquadram
em qualquer denominação construtivista contemporânea, o fato é
7
8
nome de behaviorismo metodológico ou empírico. O seu principal ponto
metodológico se fundamentou na insistência da primazia do comportamento (behavior) como fonte dos dados psicológicos.
Desde essa época iniciou-se uma longa discussão que culminou em confusões extremas como, por exemplo, a associação irredutível de objetividade com neutralidade.
As ideias de Dewey tinham como referência o pragmatismo de William
James. A noção de interesse conservou lugar de primeiro plano na história da educação, principalmente no denominado Movimento da Escola
Nova que se desenvolveu em vários países no final do séc. XIX e início
do séc. XX.
Construtivismo e epistemologia genética
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que ambos valorizaram ainda mais o sujeito exaltando a ideia de
atividade. Nesse sentido, à ideia de construção individual é adicionada a ideia de sujeito ativo, que mais tarde, no início do séc. XX,
ganharia mais destaque, no campo da psicologia, através de Édouard Claparède (1961) em suas pesquisas sobre psicologia genética e
pedagogia experimental, e depois através da epistemologia genética
de Jean Piaget.
O sociólogo construtivista Alfred Schutz, simpatizante das
ideias de William James, ao expor sua concepção de conhecimento,
afirma que:
[...] todo nosso conhecimento do mundo, tanto no
sentido comum como no pensamento científico,
supõe construções, quer dizer, conjuntos de abstrações, generalizações, formalizações e idealizações próprias do nível receptivo de organização do
pensamento. Em termos estritos, os fatos puros e
simples não existem. O que constitui a realidade
não é a estrutura ontológica dos objetos, mas a interação entre os sujeitos e esses objetos. (SCHUTZ,
1978, p. 35).
Recentemente na área das ciências exatas, bastante receptiva ao
debate que envolve a questão da objetividade e subjetividade no fazer científico, o construtivismo também se faz presente. O matemático, físico e cibernético austríaco Heinz Von Foerster (1911-2002),
estimou que é uma ilusão peculiar de nossa tradição ocidental, presa
na objetividade, pretender que as propriedades do observador não
entrem nas descrições de suas observações. Este autor, que no campo da física é reconhecido como um pensador construtivista tem,
por reiterada vezes, insistido que “a objetividade é a ilusão de que
as observações podem fazer-se sem um observador” (VON FOERSTER, 1991 apud WATZLAWICK & KRIEG, 1994, p. 19).
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
Paul Watzlawick (1921-2007), psicólogo e filósofo, ao analisar o
problema das relações entre subjetividade e objetividade, no campo da
comunicação, apontou uma diferenciação entre uma realidade de primeira ordem e uma realidade de segunda ordem. Conforme essa diferenciação, na primeira ordem estão os objetos físicos com suas propriedades, o sentido, o significado e o valor que lhes atribuímos. Na
segunda ordem já existem critérios objetivos e a realidade de segunda
ordem é constituída de processos de comunicação mais complexos
(WATZLAWICK, 1981, p. 149). Para esse autor, de um enfoque causal
e linear, passamos a um tipo interacionista, circular e sistêmico.
As análises feitas por Watzlawisck o levaram a afirmar que, em
termos gerais, no devir cotidiano, os homens não são conscientes
dos processos de construção da realidade. Para o autor:
o construtivismo moderno analisa aqueles processos
de percepção, de comportamento e de comunicação,
através dos quais nos inventamos propriamente e
não encontramos – como ingenuamente supomos
– nossas realidades individuais, sociais, científicas e
ideológicas. (WATZLAWICK, 1981, p. 123).
De um modo geral, o construtivismo ganhou distintas conotações em diferentes épocas e áreas, mas manteve certa regularidade
conceitual sobre a valorização da atividade do sujeito e a tendência
interacionista nas relações sujeito objeto.
Talvez a forma mais direta de corroborar o espírito das ideias
filosóficas nomeadas como “construtivistas” tenha sido expressa por
Gregory Bateson (1904-1980) na área da epistemologia da comunicação ao afirmar que “a realidade é coisa da fé” (1972, p. 9). Fé no
sentido de criação humana, pois para Bateson não há dúvida de que
é a intervenção humana que outorga existência à realidade. A ideia
de que a realidade está ali, sem depender do sujeito, não tem lugar
em seu referencial construtivista.
Construtivismo e epistemologia genética
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Na psicologia
No campo da psicologia, o trajeto do termo construtivismo não
foi diferente, pois vários modelos teóricos são denominados construtivistas. Nas últimas décadas, ganhou destaque o construtivismo
radical, expressão difundida pelo filósofo e psicólogo Ernest von
Glasersfeld (1996b)9. Para esse autor, radical em sua recusa em focalizar outra coisa que não seja os modelos construídos pela mente
humana, sempre existe uma interdependência entre o observador e
o mundo observado, mas essa relação, necessariamente, é uma elaboração cognitiva do sujeito. A esse respeito, Von Glasersfeld (1996b,
p. 34) comenta que “o construtivismo é uma teoria do conhecimento
ativo, não uma epistemologia convencional que trata o conhecimento como uma encarnação da verdade que reflete o mundo em si mesmo independente do sujeito cognoscente”.
A partir dessa premissa o autor reconhece dois princípios básicos no construtivismo radical. De um lado entende que o conhecimento não se recebe passivamente, nem surge meramente por ação
dos sentidos, nem por meio da comunicação, mas é construído pelo
sujeito cognoscente. Por outro lado, concebe que a função da cognição é adaptativa e serve à organização do mundo experiencial do
sujeito, e não simplesmente ao descobrimento de uma realidade ontológica objetiva. Em síntese, nessa perspectiva, o construtivismo é
uma proposta de situar-se frente à experiência.
No séc. XX, sem sombra de dúvida, duas correntes teóricas foram as que mais se destacaram com a denominação de construtivista10. Uma foi a epistemologia genética de Jean Piaget, a outra, para
9
Cabe destacar que esse autor não apresenta o construtivismo radical
como uma corrente dentro do construtivismo. Na realidade, entende
que o construtivismo é radical e que essa radicalidade já se faz presente
na obra de Jean Piaget.
10 São várias as teorias que são relacionadas como construtivistas na psicologia. Infinitamente maior é a quantidade de pesquisadores na área
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
muitos inadequadamente, a psicologia que emana das ideias de Lev
Semenovich Vygotsky (1896-1934) e que recebeu as diferentes denominações de psicologia sócio-interacionista, socioconstrutivista,
sociocultural e sociohistórica, conforme o enfoque dado pelo pesquisador e/ou leitor de sua obra.
Vygotsky, ao estudar as relações entre sujeito e objeto, procurou
situar essa discussão no âmbito das condições históricas de constituição do sujeito. Buscou superar tanto a visão idealista quanto o
materialismo mecanicista que reduz o pensamento a determinações
empíricas. A postura assumida ao abordar o estudo do conflito entre observador e observado, caminha para longe das ciências naturais e se aproxima das ciências do homem. Considera os planos da
linguagem e da cultura como lugares privilegiados para investigar a
mente humana.
Do ponto de vista de Vygotsky e seus colaboradores, as perguntas relacionadas ao como ocorre o desenvolvimento do pensamento,
devem ser respondidas levando em conta que o desenvolvimento humano é um processo e um produto social e que a aprendizagem é a
novidade prospectiva de todo esse processo. Dando intenso relevo às
condições como a vida se processa, Vygotsky acredita que o homem
pode se constituir enquanto sujeito de várias maneiras, dependendo
das situações concretas em que vive. É pela apropriação ativa, que se
dá nas e pelas interações humanas organizadas em atividades, que
os seres humanos se constituem como sujeitos capazes de pensar autonomamente. A maior facilidade ou dificuldade para criar, assim
como as muitas diferenças entre os indivíduos, nessa perspectiva,
teriam origem na complexa trama de relações que caracteriza a interação e a participação de diferentes grupos na vida social e no modo
de fazer parte da cultura.
da psicologia e da educação. Porém, neste capítulo, não é nossa intenção
nomear todas e todos ou fazer um estudo comparativo entre suas ideias.
No entanto, enquanto teorias, não poderíamos deixar de mencionar os
nomes de Henry Wallon e a Teoria da Ação Simbólica de Ernst Boesch.
Construtivismo e epistemologia genética
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Portanto, como vimos, o construtivismo engloba diferentes áreas e vertentes teóricas que garantem essa denominação por tratarem
a realidade remetendo-a ao sujeito e suas interações com o objeto.
Nessa vertente, o processo de construção do conhecimento também
se faz interativo e não cabe na clássica distinção que separa e coloca
em pólos antitéticos o sujeito e objeto. A objetividade, como era compreendida por muitos, ficou fragilizada e a realidade é um resultado
de autoria que, necessariamente, passa pelo sujeito. E, nessa perspectiva, sem dúvida, Piaget formulou uma teoria que merece destaque.
Mas, em que termos Piaget justifica sua Epistemologia Genética
como construtivista? Quais conceitos estão diretamente envolvidos
nessa “nova” denominação? As relações entre sujeito e objeto na
epistemologia construtivista piagetiana são as mesmas da epistemologia genética?
Da epistemologia genética à epistemologia
construtivista11
Os conceitos básicos
Jean Piaget nasceu em Neuchâtel, na Suíça, em 9 de agosto de
1896 e morreu em 16 de setembro de 1980. Na primeira etapa de sua
vida intelectual seus interesses estiveram dirigidos para a biologia.
11
Não é nosso objetivo, neste capítulo, realizar um estudo sobre as influências que vários autores, dentre biólogos, filósofos, matemáticos,
psicólogos, epistemólogos, etc., exerceram sobre Piaget no trajeto de
construção de sua teoria construtivista. No entanto, cabe ressaltar, que
qualquer estudo com esse propósito, não poderá deixar de lado uma
análise sobre o papel que as ideias de Jean-Jacques Rousseau (17121778), Immanuel Kant (1724-1804), F. Le Dantec (1869-1917), J.M. Badwim (1861-1934), E. Meyerson (1859-1931), Henry Bergson (1859-1941)
e Édouard Claparède (1873-1940), tiveram sobre a obra piagetiana.
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
Em seguida se dedicou ao estudo de filosofia, lógica, epistemologia e
psicologia. Tendo, como principal preocupação compreender como
o ser humano constrói o conhecimento, isto é, como o ser humano
consegue organizar, estruturar e explicar o mundo em que vive elaborou uma teoria do desenvolvimento da inteligência.
Para Piaget o desenvolvimento da inteligência ocorre por adaptações nas quais as operações intelectuais são construídas através
de interações do indivíduo com o mundo externo. A criança, o adolescente ou o adulto desenvolve formas de pensar e agir buscando
solucionar os desafios e desequilíbrios colocados pelo ambiente em
que vivem. Um sujeito diante de um problema que provoca desequilíbrios é capaz de reordenar suas ideias e criar novas hipóteses para
solucionar o problema.
Piaget difunde a ideia de que o processo que leva o indivíduo
a conhecer o mundo é um processo de criação ativa em que toda
a aprendizagem se dá a partir da ação do sujeito sobre os objetos.
Um sujeito intelectualmente ativo, que constrói seu conhecimento
através da ação, não é um sujeito que tem apenas uma atividade observável, mas um sujeito que compara, exclui, categoriza, coopera,
formula hipóteses e as reorganiza, também em ação interiorizada; o
ato de conhecer é um ato de interpretação e não apenas uma cópia
da realidade.
Para Piaget, a capacidade de conhecer depende de interações e
de operações intelectuais que se processam em torno de estruturas
construídas através de processos adaptativos interdependentes: assimilação e acomodação. Assimilação é a incorporação de elementos
novos a estruturas já existentes (biológicas ou não), e acomodação
é toda modificação dos esquemas de assimilação por influência
do meio. Desse modo, a assimilação e a acomodação, que ocorrem
inicialmente com a participação dos esquemas reflexos, marcam o
início da construção das estruturas mentais e do conhecimento. Assim, a adaptação do sujeito se dá por equilibração entre esses dois
mecanismos. Não se trata, porém, de um equilíbrio estático, mas
essencialmente ativo e dinâmico. Trata-se de sucessões progressivas
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de uma equilibração cada vez mais ampla, majorante, que possibilita
as modificações dos esquemas existentes a fim de atender as rupturas do equilíbrio, representadas pelas vivências de situações novas,
para as quais ainda não existe um esquema próprio de pensamento.
Nessa dinâmica de equilíbrios e desequilíbrios contínuos - que
não é linear, mas sim dialética12 - está o aspecto funcional do desenvolvimento do pensamento e construção do conhecimento. A
assimilação e a acomodação não impedem o desequilíbrio, mas
promovem a sua superação. É no desequilíbrio e na necessidade de
superar-se que se encontram os aspectos de tensão e de regulação
que levam à construção do conhecimento.
É característica do desenvolvimento da inteligência, a ampliação das operações mentais elaboradas a partir da reorganização das
estruturas em cada fase do desenvolvimento. Isso representa, num
plano mais amplo, a emergência de novas capacidades em níveis e
estádios de pensamento. Assim, o desenvolvimento mental do indivíduo constitui, então, um processo que se define como um alargamento de potencialidades, numa sucessão de estágios, denominados, por Piaget (1964), em idades aproximadas, de sensório motor
(0 a 2 anos), pré-operatório (2 a 7 anos), operatório concreto (7 a
11 anos) e operatório formal (11 anos em diante). Um indivíduo
é, portanto, um centro de reorganização de seu próprio agir em direção a uma equilibração qualitativamente superior, uma equilibração
majorante, que permite abstrações mais abrangentes, denominadas
por Piaget de abstrações reflexionantes (PIAGET, 1977).
Através desse processo o conhecimento humano, dependente da qualidade das interações, se estrutura em estádios em
direção ao pensamento lógico.
12 A esse respeito ver PIAGET, J. et al. As formas elementares da dialética.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996.
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
A travessia para o construtivismo
Em 1950, Jean Piaget (1896-1980) publicou Introduction
l’Epistémologie Génétique. Nessa obra fez uma síntese das pesquisas
que tinha produzido até aquele momento sobre o desenvolvimento
da inteligência humana e a construção do conhecimento. Era a síntese “com que sonhara” desde que havia iniciado seus trabalhos sobre
psicologia (PIAGET, 1976a, p. 2). Nessa obra, raramente refere-se ao
termo construtivismo.
Em 1955, Piaget inaugurou, em Genebra, o Centro Internacional
de Epistemologia Genética onde desenvolveu um trabalho interdisciplinar e transdisciplinar com pesquisadores de vários países. Nesse Centro, pouco a pouco, foi encontrando pesquisadores que, por
outros caminhos, compartilhavam suas ideias. Eram, físicos, matemáticos, biólogos, sociólogos, antropólogos, químicos, literatos etc.,
que viam o conhecimento como resultado de um sistema complexo,
construído na ação do sujeito sobre o meio, expresso na interação
ativa entre sujeito e objeto e que possui suas raízes e origem nos
esquemas construídos progressivamente desde as primeiras ações
sensório-motoras. Tecendo críticas a outras epistemologias13, principalmente ao positivismo lógico, que valorizava o conhecimento de
um objeto indiferente às interpretações do sujeito, esses pesquisadores adotaram uma perspectiva de investigação que não privilegiava o
controle e a exclusão de variáveis, mas sim a interdependência entre
dados, o espaço e o tempo, o caos e a ordem, o conhecido e o desconhecido num sistema. Tais aspectos “eram, agora, tratados como
parte integrante do mesmo todo” (MACEDO, 1994, p. 28). Nesse
contexto, a exclusão experimental de variáveis cedeu lugar à multideterminação, a generalização à especificidade ou singularidade
temática, a formalização à valorização de conteúdos e contextos de
sua produção histórica (gênese e história das ciências). No debate
13 Uma análise minuciosa dessas epistemologias é feita por Piaget e colaboradores no livro Logique et Connaissence Scientifique (1967).
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entre as relações sujeito objeto, o sujeito pôde ser pensado na interação com o objeto e vice-versa.
Inserido nesse trabalho interdisciplinar, a epistemologia genética tornou-se, assim, um caso particular da epistemologia construtivista, pois na década de 1960 e 1970, Piaget passou, cada vez mais, a
denominar a epistemologia genética de epistemologia construtivista.
Dessa época em diante, o termo construtivismo esteve presente em
todas as suas obras e foi amplamente difundido pelo mundo nas áreas psicologia e da educação, mesmo Piaget não sendo um educador
(VASCONCELOS, 1996)14.
A primeira referência mais completa a uma epistemologia construtivista foi feita por Piaget, em 1967, no último capítulo da obra
Logique et Connaissance Scientifique. Nessa obra ele evidenciou o
desejo de produzir uma epistemologia construtivista, acrescentando
à epistemologia genética o problema da produção de novidades por
meio da formação dos “possíveis”. Anunciando essa perspectiva, em
um dos seus últimos trabalhos Le Possible et le Nécessaire (PIAGET,
1981a)15, justifica uma Epistemologia Construtivista sustentando a
ideia de que “não é suficiente mostrar, como já o havia feito, que todo
conhecimento novo resulta de regulações e equilibrações” (PIAGET,
1981a, p. 7), pois sempre se poderá supor que o mecanismo regulador é hereditário, ou ainda, que apenas resulta de aprendizagens.
Procura, por essa razão, abordar o problema da construção de novidades de outro modo, centrando as questões na formação das inferências e dos possíveis.
Para Piaget, a atualização de uma ação ou de uma ideia pressupõe que antes de tudo elas tenham sido tornadas possíveis e que
o nascimento de um possível geralmente provoca outros. Essas no14 Desse modo, o construtivismo é um termo que passou a ser utilizado
pelo “velho” Piaget, pois este começou a empregá-lo com maior frequência nos últimos anos, dos 60 em que escreveu sobre psicologia e epistemologia.
15 Publicado após sua morte, ocorrida em setembro de 1980.
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
vas e sucessivas formações, na medida em que se diferenciam das
construções anteriores, compreendem-se como uma reorganização
dos elementos num novo sistema de relações, que amplia o âmbito
das que eram anteriormente possíveis. As possibilidades abertas em
cada momento do processo constituem uma condição indispensável
para os desenvolvimentos seguintes, configurando-se em um contínuo de emergência de novas propriedades e possibilidades criativas.
A questão dos possíveis tem, para Piaget, um interesse epistemológico. Na obra Le Possible et le Nécessaire, tendo como parâmetro a
dialética dos possíveis, Piaget (1981a, p. 7) reitera várias críticas às correntes de pensamento que considerava reducionistas. Enaltecendo o
construtivismo e fazendo uma crítica ao empirismo, afirma:
A formação dos possíveis e sua multiplicidade durante o desenvolvimento constituem mesmo um
dos melhores argumentos contra o empirismo.
Com efeito, o possível não é algo observável, mas o
produto de uma construção do sujeito em interação
com as propriedades do objeto, mas inserindo-as
em interpretações devidas às atividades do sujeito,
atividades essas que determinam, simultaneamente, a abertura dos possíveis cada vez mais numerosos, cujas interpretações são cada vez mais ricas.
Por conseguinte, existe aí um processo formador
bem diverso do invocado pelo empirismo e que se
reduz a uma simples leitura.
Para Piaget, o construtivismo só pode ser pensado a partir do
sujeito em interação com as propriedades do objeto, mas são as
interpretações devidas às atividades do sujeito que determinam a
abertura dos possíveis.
Montoya (2005) expressa, em síntese, de modo bastante adequado, a ideia piagetiana de processo construtivo:
Construtivismo e epistemologia genética
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Processo em que o sujeito cria e produz novas estruturas e formas de conhecimento a partir de noções mais elementares, até alcançar formas mais
complexas, estáveis e móveis. O processo construtivo implica também que os novos conhecimentos
ultrapassem as novidades adquiridas anteriormente, reconstruindo-as. Nesse sentido, a construção
não significa a ruptura absoluta com as conquistas
anteriores, tampouco um simples prolongamento
das estruturas anteriores, mas sim uma continuidade em reconstrução. (Montoya, 2005, p. 143).
A reconstrução, enquanto novidade incide sobre o processo cognitivo cuja base é ele próprio resultado de autorregulações, combinações e interdependências funcionais e dialéticas. No entanto, tais
reconstruções não ocorrem aleatoriamente, são decorrentes de um
sentido interior, construções com um vetor lógico, próprio do processo de abstração reflexionante embalado por uma reflexão. Como
sabemos, a reflexão é “entendida como ato mental de reconstrução
e reorganização sobre o patamar superior daquilo que foi assim
transferido do inferior” (PIAGET, 1995, p. 274). Envolve operações
e imaginação. Para podermos contar, por exemplo, distinguimos os
elementos contados, imaginamos uma série de coleções crescentes e
decrescentes, imaginamos objetos numa sequência de ordem ou em
espaços de comprimento e simbolizamos os números. Desse modo,
não existem operações lógico-matemáticas que não envolvam imaginação, mas essas imaginações e representações seguem uma lógica; uma lógica construtiva e criativa.
Fica claro, então, que adentrar mais profundamente nos mecanismos construtivistas, significa reafirmar que só é possível compreendê-los quando inseridos no quadro das relações sujeito objeto.
Julgamos, porém, que no caso da epistemologia piagetiana, tal inserção é necessária, mas não suficiente, pois, como afirmamos, no iní-
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
cio deste estudo, são várias as epistemologias que tratam dessa relação. Cabe, então, destacar os aspectos que dão identidade à proposta
piagetiana. E isso, Piaget fez questão de anunciar num filme, que fez
juntamente com Claude Gorreta, sobre L’épistémologie génétique.
Gostaria de falar, em poucas palavras, de nossa
epistemologia, porque ela é sempre mal compreendida. Alguns me tomam por empirista, outros por
neo-behaviorista, como colocou Berlyne, porque eu
sustento que o conhecimento parte da ação que se
exerce sobre os objetos, mas exercer uma ação sobre
os objetos não é o mesmo que tirar o conhecimento do próprio objeto. Essa é a primeira confusão.
Outros, pelo contrário, me consideram neo-maturacionista, ou mesmo inatista, visto que considero
a ação do sujeito. Mas eles esquecem que a ação do
sujeito é justamente a ação sobre os objetos, que há
interação, e não somente uma ação em uma direção
só. Ou seja, não sou nem empirista, nem inatista,
sou construtivista. Isso quer dizer que considero
o conhecimento como uma contínua construção,
continuamente nova, por interação com a realidade, não como algo pré-formado; há uma criação
permanente. Queria, então, mostrar que o conhecimento não é pré-formado nem no objeto, nem no
sujeito, havendo sempre auto-organização e, consequentemente, uma contínua construção. (PIAGET;
GORRETA, 1977 - grifo nosso).
Nesse mesmo filme, complementando sua declaração, Piaget,
mais uma vez, procurando se diferenciar do empirismo e do inatismo, comenta:
Construtivismo e epistemologia genética
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E por que não sou empirista? O empirista pensa que
o conhecimento é uma espécie de cópia funcional
dos objetos, como dizia Hume. Mas ele não é nunca uma cópia. É sempre uma assimilação, ou seja,
uma interpretação, por integração do objeto nas
estruturas anteriores do sujeito. O melhor exemplo
para justificar esta tese é o estudo do desenho da
criança, posto que o desenho, por definição, é uma
cópia do modelo. O que se observa é que a criança
não desenha o que vê, e sim, desenha a ideia que faz
da realidade, aquilo que sabe, ou seja, sua interpretação e não o objeto observado perceptivamente.
[...] Minha crítica ao empirismo é que o conhecimento nunca está calcado somente na observação
e não consiste somente na observação pura, mas
é sempre uma interpretação, uma assimilação a
estruturas prévias. Por outro lado, porque eu não
sou um inatista, ou um apriorista. Vejamos a história das ciências. Toda a história da matemática é
uma construção contínua. Partindo dos números
naturais 1, 2, 3, 4, foram necessários séculos para
construir a noção de conjuntos de números inteiros
junto com os negativos. Partindo dos racionais, foi
preciso esperar Pitágoras para descobrir os irracionais. Isso significa que esses conhecimentos foram
construídos, não eram pré-formados. Se assim
acreditássemos, como faz Chomsky com sua pureza biológica, teríamos que pensar que a matemática
já está presente de uma maneira implícita e inata
nos bebês. Mas não só nos bebês, mas também nos
animais. (PIAGET; GORRETA, 1977).
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
Portanto, para o construtivismo piagetiano, é condição básica
que o conhecimento seja visto como uma contínua construção, continuamente nova, por interação com a realidade, em que haja uma
criação permanente. É pela relevância que outorga ao processo ativo
e criativo que a teoria piagetiana se faz construtivista. Além disso,
como revela nesse filme de 1977, a concepção de construtivismo de
Piaget é bastante ampla e ultrapassa os limites de uma psicologia
genética, alimentando hipóteses ousadas sobre o desenvolvimento
humano, o processo criativo no fazer científico e na história da ciência. Sobre estes temas, ainda temos muito que explorar.
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Elizabeth Piemonte CONSTANTINO
Alvaro Marcel Palomo ALVES
Flavia Cristina Oliveira Murbach de BARROS
Cláudia Aparecida Valderramas GOMES
A crescente sofisticação do conhecimento levou o homem a duvidar da milenar explicação mágica do mundo e a tentar compreendê-lo com teorias que, baseadas na experiência objetiva, abrangessem desde a natureza e a origem da vida e do universo até a relação
do próprio ser humano com essa realidade. Essas teorias dividiram-se de modo esquemático em duas grandes tendências: Idealismo e
Materialismo.
O Idealismo é uma corrente filosófica que tem início com o pensamento de Renè Descartes no século XVII e influencia todo o pensamento científico moderno. Seu pressuposto central é justamente
a centralidade da subjetividade humana. Passando pelo idealismo
dogmático de Immanuel Kant no século XVIII, esta corrente filosófica desenvolveu-se muito a partir do pensamento de Georg Hegel
nos séculos XVIII e XIX, influenciando inclusive a teoria marxiana.
Já o Materialismo é uma concepção filosófica que remonta ao
pensamento helênico pré-socrático e aponta a matéria como substância primeira e última de qualquer ser, coisa ou fenômeno do
universo. Para os materialistas, o pressuposto primeiro de realidade
é a matéria em movimento, que, por sua riqueza e complexidade,
pode compor tanto a pedra quanto osextremamente variados reinos
animal e vegetal, e produzir efeitos surpreendentes como a luz, o
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
som, a emoção e a consciência. Assim, o pressuposto ontológico do
materialismo define que a matéria antecede a ideia. Dessa forma, o
materialismo contrapõe-se ao idealismo, cujo elemento primordial é
a ideia, o pensamento ou o espírito (MORA, 1995).
Tecendo considerações sobre essas duas correntes, Lev Semiónovich Vygotsky (1896-1934), ao refletir sobre as relações entre o
mundo subjetivo e o objetivo, sustentou que o sujeito e a subjetividade humana não se resumem à simples construtos idealistas ou
materialistas, quer dizer, “não estão no subjetivo abstrato e nem no
objetivo mecanicista, mas são constituídos e constituintes na e pela
relação social, na e pela linguagem”. (MOLON, 2003, p.44).
A partir dessa perspectiva Vygotsky vai buscar no materialismo
histórico-dialético uma nova alternativa metodológica para estudar
o fenômeno psicológico e superar a dicotomia objetividade e subjetividade, ressaltando o caráter histórico e dialético como características fundamentais no processo de formação do sujeito.
Para tratarmos das implicações dessas ideias no campo da Psicologia, apresentaremos, brevemente, algumas das formulações essenciais do materialismo histórico-dialético e, posteriormente, algumas
reflexões sobre a relação sujeito-objeto na teoria histórico-cultural.
O materialismo histórico-dialético
O materialismo histórico-dialético é uma concepção teórico-filosófica e metodológica que tem origem nas ideias dos pensadores
alemães Friedrich Engels e Karl Marx (1818-1883) sobre as transformações econômicas e sociais determinadas pela evolução dos meios
de produção, fundamento de uma teoria crítica da alienação humana no interior do sistema capitalista. Eles constroem uma dialética
materialista em oposição à dialética idealista hegeliana e, ao contrário de Hegel, em seus estudos consideram que são nas condições
materiais e concretas de existência do homem que encontramos o
Teoria histórico-cultural: implicações para a psicologia
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“homem real”. Desse modo, o ponto de partida da teoria marxiana
são os indivíduos reais e não suas idéias. Nesta concepção “[...] o
modo de produção da vida material condiciona o processo da vida
social, política e espiritual em geral. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência” (MARX;
ENGELS, 1986, p. 37).
Para Silveira (1989), o marxismo fundou uma ontologia ancorada em uma dialética eminentemente histórica, que redimensionou
um conjunto de questões concernentes à relação do homem consigo
mesmo e com sua história. “Pensar o homem, para o materialismo
histórico e dialético é pensá-lo como produtor de sua historia através
de sua atividade vital, o trabalho, mediador de sua relação com a
natureza [...]” (ELOY, et al., 2007, p. 41), sendo a práxis a forma por
excelência dessa relação.
Neste sentido, o materialismo dialético representa o início de
uma nova filosofia – uma “filosofia da práxis” –, que não se limita a
pensar o mundo, mas pretende também transformá-lo. Para Marx,
“os filósofos não fizeram mais que interpretar o mundo de forma
diferente; trata-se, porém de, modificá-lo” (MARX, s/d., p. 210). Assim, para o materialismo histórico-dialético os sujeitos históricos
interpretam e agem sobre o mundo através da práxis.
Na visão marxiana “o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua
própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material
com a natureza” (MARX, 1987, p. 211). O trabalho, enquanto objetivações humanas que sintetizam a práxis, cria a história e o ser homem. É o caráter objetivo do trabalho que permite que os produtos,
instrumentos e fenômenos sociais existam independentes da consciência individual; existam como criações objetivadas, como cultura.
Contudo, essa atividade vital humana, o trabalho, por meio da
qual o ser humano produz e reproduz sua existência ao longo da história, não tem implicações apenas objetivas, mas também subjetivas,
o que significa dizer que o sujeito, para utilizar os objetos ou instrumentos humanos historicamente constituídos, tem de desenvolver,
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
em si, as qualidades humanas que estão postas na objetivação social.
Ele tem que se “[...] apropriar desses produtos do trabalho” (MÁRKUS, 1974a, p.13, tradução nossa, grifo do autor). Assim, através
do trabalho o homem transforma a sociedade e, ao mesmo tempo, se
transforma. Mais do que isso, ao transformar a natureza o homem
cria o mundo da cultura e a sua própria subjetividade.
Portanto, para Marx a categoria que explica a constituição da subjetividade é a atividade humana objetiva, ou seja, o trabalho, ou ainda,
a práxis. O filósofo theco Karel Kosik explica o conceito marxista:
[...] a práxis compreende – além do momento laborativo – também o momento existencial: ela se
manifesta tanto na atividade objetiva do homem, que
transforma a natureza e marca com sentido humano
os materiais naturais, como na formação da subjetividade humana, na qual os momentos existenciais
como a angústia, a náusea, o medo, a alegria, o riso, a
esperança etc. não se apresentam como “experiência”
passiva, mas como parte da luta pelo reconhecimento, isto é, do processo da realização da liberdade humana. (KOSIK, 2002, p.224, grifo do autor).
Leontiev ao se aprofundar nos aspectos relacionados ao trabalho, à atividade humana e à subjetividade enfatiza que o sujeito
realiza atividades e ações conscientes para alcançar determinados
objetivos. Estes, porém, sofrem modificações a partir das relações
estabelecidas socialmente, determinando novos motivos e novas atividades. Para Leontiev (1978, p. 118):
Estas relações são decisivas no plano psicológico. O
que ocorre é que, para o próprio sujeito a apreensão
e a conquista de objetivos concretos, o domínio dos
meios e da operação da ação é um modo de afirmar
Teoria histórico-cultural: implicações para a psicologia
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sua vida, de satisfazer e desenvolver suas necessidades materiais e espirituais, objetivadas e transformadas nos motivos de sua atividade. (tradução nossa)1.
Nessa perspectiva epistemológica, o conhecimento é uma produção social que emerge da atividade humana e é construído a partir
da inter-relação das pessoas, assumindo, portanto, um caráter dialético e transformador. Essa concepção, ao considerar a dicotomia
teórica e prática como uma relação em movimento, tem implicações
metodológicas importantes para a análise da relação sujeito-objeto
estudada pela Psicologia, uma vez que inclui, por ser dialética, a
existência de contradições entre as instâncias sociais e individuais,
entre objetividade e subjetividade e/ou interno e externo.
Assim, podemos depreender que a grande maioria dos conhecimentos e habilidades humanas de que o homem dispõe não advém
apenas de sua experiência individual, mas é adquirida por meio da
apropriação da experiência acumulada pelas gerações passadas, ou
seja, é um produto histórico (MÁRKUS, 1974). Dessa forma o sujeito, ancorado em conhecimentos produzidos pela humanidade, se
desenvolve e transforma a realidade, que é entendida dialeticamente como um constante vir-a-ser. Portanto, a subjetividade do sujeito
também está em constante construção, determinada pelas condições
objetivas, pois, para o materialismo histórico-dialético, as ações do
homem são determinadas historicamente: “Os homens fazem sua
própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defronta diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” (MARX, s/d, p. 203).
1
Estas relacionessonlas decisivas em plano psicológico. Lo que ocorre es
que para elpropiosujetolaaprehensión y logro de objetivos concretos, el
domínio de losmedios y operaciones de laaccion es un modo de afirmar
su vida, de satisfacer y desarrollar sus necessidades materiales y espirituales, objetivadas y trasformadas em los motivos de suactividad.
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
As circunstancias históricas produzem novas relações do homem com o trabalho e as ações realizadas nesse processo configuram o sentido pessoal que, muitas vezes, não coincide com os significados objetivos. Com o aparecimento da sociedade mercantil,
por exemplo, o homem passa a vender sua mão de obra, cumprindo
racionalmente suas funções de assalariado, deixando de ver o resultado de suas atividades produtivas, modificando o sentido de sua
atividade laboral que, antes, se constituía em uma finalidade substancial da sobrevivência. Marx e Engels (1984) nos esclarecem que:
O sistema capitalista pressupõe a dissociação entre
os trabalhadores e a propriedade dos meios pelos
quais realizam o trabalho. Quando a produção
capitalista se torna independente, não se limita a
manter essa dissociação, mas a reprodução em escala cada vez maior. O processo que cria o sistema
capitalista consiste apenas no processo que retira
do trabalhador a propriedade de seus meios de
trabalho, um processo que transforma em capital
os meios sociais de subsistência e os de produção
e converte em assalariados os produtores diretos.
(MARX & ENGELS,1984, p.830).
A constituição dessa nova relação com o trabalho, atividade humana, provocou um estranhamento do homem com o trabalho, ao
ponto de promover um choque entre o sentido pessoal e os significados sociais objetivos. Tal processo nas sociedades de classes serve
apenas aos interesses do capital, na medida em que este se apropria
e explora a força de trabalho daqueles que necessitam vendê-la para
garantir sua sobrevivência. Assim, a relação sujeito-objeto ganha
outros contornos na sociedade capitalista.2
2
Não nos aprofundaremos neste tema por fugir ao objetivo do presente
texto, mas merece um estudo a parte, pois foi amplamente estudado por
Marx, Engels e demais pensadores marxistas.
Teoria histórico-cultural: implicações para a psicologia
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Implicações do materialismo históricodialético para a Psicologia
No campo da Psicologia as implicações dessa visão marxista de
homem representaram a possibilidade de romper com as dicotomias
elaboradas pelas concepções empiristas e idealistas, predominantes
na ciência psicológica no início do século XX. Como analisam Facci
e Silva (1998), temos, de um lado, o empirismo que considera a Psicologia uma ciência natural, cujo objeto de estudo deve ser o comportamento externo do homem; de outro, o idealismo, que considera
a Psicologia uma ciência mental, que deve se ocupar do estudo dos
processos subjetivos, psíquicos e internos do homem.
Vygotsky viu nos princípios do materialismo histórico-dialético
a forma de superação dessas tendências conflitantes da Psicologia
e de enfrentamento da problemática que envolve as relações sujeito/objeto e indivíduo/sociedade, para a compreensão do psiquismo humano, da aprendizagem e do desenvolvimento. Admitindo
a materialidade dos processos psicológicos, Vygotsky elaborou, em
conjunto com seus colaboradores, um sistema teórico-metodológico
original, fundamento da Teoria Psicológica Geral da Atividade que,
posteriormente, foi aprofundada por Aleksei Nikolaevich Leontiev
(1903-1979).
Os trabalhos de Vygotsky e dos demais integrantes da teoria histórico-cultural3, também denominada Escola de Vygotsky, refletem
3
Saviani (2004) aponta Vigotski (1896-1934), Leontiev (1903-1979), Davidov (1930), Luria (1902-1977) e Elkonin (1904-1984) como os autores
que compõem a “Escola soviética” de Psicologia. Entre os demais pesquisadores e continuadores da obra de Vigotski que compõem essa escola de pensamento, podemos citar A. Zaporózhets (1905-1981), L. Bozhóvich (1908-1981), P. Galperin (1902), M.I. Lisina (1929-1983) e outros.
Para maiores informações, consultar: DAVÍDOV, V.; SHUARE, M. Datos
sobre los autores. In: DAVÍDOV, V.; SHUARE, M. (Orgs.). La Psicologia
Evolutiva y Pedagógica en la URSS (Antologia). Moscou: Editorial Pro-
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
a disposição em propor uma nova Psicologia. Para Tuleski (2002, p.
55), Vygotsky objetivou uma psicologia que
[...] fosse capaz de eliminar a dicotomia entre corpo e mente e realizar a síntese. Esta dicotomia foi
historicamente o pomo da discórdia entre as teorias psicológicas, justificando sua classificação
entre idealistas e materialistas. Vygotski parece
perseguir o objetivo de superá-la, trazendo para a
Psicologia o método proposto por Marx e Engels e
construindo a ponte que eliminaria a cisão entre
matéria e espírito. (TULESKI, 2002, p. 55).
As atividades profissionais e a elaboração das obras de Vygotsky
foram desenvolvidas num período em que a Rússia passava por
transformações sociais profundas. As condições objetivas da União
Soviética, no período da Revolução Social e Política de 1917, exigiam
uma nova compreensão da sociedade e do psiquismo humano. Em
seu texto O significado histórico da crise da Psicologia, escrito em
1927, Vygotsky (1991) anunciou para a comunidade científica que a
dificuldade primeira da Psicologia, como ciência, era pensar dialeticamente a relação entre o homem e a natureza.
No cerne dessa relação está o problema do conhecimento. Como
conhecer é uma atividade do homem concreto, Vygotsky colocou em
evidência um problema da Psicologia para o qual buscou respostas
na corrente histórico-cultural propondo a aplicação dos princípios
dialéticos à Psicologia. Dessa forma reiterou a perspectiva marxiana de que a especificidade da atividade humana reside em que,
ao transformar os objetos da natureza para o atendimento de suas
necessidades, o homem, além de transformar a natureza exterior,
transforma, também e ao mesmo tempo, sua natureza interior.
gresso, 1987, p.338-344 e SHUARE, Marta. La psicología soviética tal
como yo la veo. Moscú: Editorial Progresso, 1990. (GOMES, 2008).
Teoria histórico-cultural: implicações para a psicologia
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No decurso do desenvolvimento histórico da atividade dos homens, as suas aptidões, os conhecimentos e o seu saber-fazer cristalizaram-se nos seus produtos (materiais, intelectuais, ideais), ou
seja, a experiência sócio-histórica se concretizou sob a forma de fenômenos do mundo exterior objetivo: a tecnologia, as ciências, as
artes. Isso colocou ao sujeito do conhecimento a possibilidade de
apropriar-se desses produtos e, por meio da reorganização dos seus
movimentos naturais instintivos, alcançar a formação das funções
psicológicas superiores, tais como, atenção e memória voluntária,
linguagem, pensamento abstrato, controle da própria conduta (LEONTIEV, 1978).
As explicações de Vygotsky sobre as funções psíquicas elementares e do papel que o contexto social desempenha na superação dessas, com vistas ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores, trazem implicações acerca das relações sujeito objeto.
As funções psicológicas superiores se constituem na história singular de cada sujeito. Individuo e sociedade se constitui num conflito
de contradições, ora afirmando-se, ora negando-se, numa relação de
constituição-negação expressa nos fundamentos dialéticos.
Num trabalho publicado em 1931, Vygotsky (1995) se propõe a
analisar a história do desenvolvimento das funções psíquicas superiores4, destacando a gênese e a estrutura delas e inaugurando, assim, a
possibilidade de uma nova maneira de pensar o desenvolvimento do
4
Nesta obra o autor discute algumas teses acerca das funções psicológicas superiores destacando a base natural, a atividade mediadora e o
dominio da própria conduta como elementos constituidores das formas
culturais do comportamento. A primeira indica o uso ativo que o sujeito faz das propriedades naturais do cérebro, em que tais processos se
tornam objeto de controle e domínio por parte do sujeito. A segunda
postula o fato de os instrumentos psicológicos – signos – atuarem como
meio de autorregulação exercendo um controle artificial dos fenômenos psíquicos naturais e a terceira preconiza que esse processo de internalização das ferramentas psicológicas capacita o sujeito a dominar
os estímulos externos, tanto quanto os seus próprios comportamentos
(VYGOTSKI, 1995, p. 152-153).
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
psiquismo humano. As funções psíquicas elementares são, por excelência, um produto essencialmente biológico, natural e consistem
em respostas imediatas que o organismo disponibiliza na sua relação com o real; consequentemente são não conscientes e involuntárias. Vygotsky (1995) menciona o comportamento reflexo incondicionado, a memória natural, a atenção e percepção involuntárias e
as emoções como exemplos desse tipo de funcionamento psíquico.
As funções psicológicas superiores, ao contrário, não resultam
natural e espontaneamente das elementares, mas possuem qualidades específicas e assentam sobre o substrato das elementares. O que
ocorre, portanto, é um processo de transmutação em que as funções psíquicas deixam de operar num nível elementar e atingem um
grau superior ao serem incorporadas, alterando, assim, a natureza e
a qualidade do funcionamento psicológico do sujeito.
O que está posto é o reconhecimento da base natural das formas culturais de comportamento, explicado a partir do método
empregado por Vygotsky, que nos ajuda a responder a respeito da
indissociação entre as esferas biológicas e psicológicas na leitura do
comportamento do sujeito.
Para a teoria histórico-cultural o psiquismo aparece como a imagem, a ideia, como atividade reflexa de um órgão material, o cérebro,
que se expressa por meio do pensamento e das vivências emocionais.
Essa atividade reflexa é o que constitui o elo essencial e necessário do sujeito com o mundo. Compreender o desenvolvimento do
psiquismo humano implica pensar o reflexo psíquico, analisando-o
como um sistema que funciona na inter-relação dos elementos biológicos, psicológicos e sociais e que tem, nas categorias de consciência
e atividade, seu núcleo de sustentação e desenvolvimento.
O psiquismo compreende um substrato material, orgânico e natural como ponto de partida, ou seja, o desenvolvimento psicológico do sujeito principia por uma atividade psíquica que acontece em
função do mundo exterior, respondendo a uma ação que este mundo
exerce sobre o sujeito.
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Isto não significa conceber os fenômenos psíquicos como uma
atividade determinada a partir do cérebro, de seu interior, de sua
estrutura celular, mas como uma atividade de resposta à influência
que o meio externo exerce sobre o cérebro do sujeito. “O cérebro é
somente o órgão da atividade psíquica, mas não sua fonte” (RUBINSTEIN, 1965, p.13, tradução nossa, grifo do autor).
Por isso mesmo, na teoria vygotskyana a mediação se coloca
como um pressuposto norteador de todo seu edifício teórico e metodológico e fundamental na relação sujeito-objeto. Analisando a
estrutura das funções psicológicas superiores, Vygotsky reitera sua
disposição de pensar a mediação como um processo. Segundo ele,
o fenômeno psicológico só existe pelas mediações, o que significa
dizer que o homem constrói suas formas de ação, realiza suas atividades com o emprego de ferramentas sociais de pensamento, ou
seja, com a utilização de signos: “[...] na estrutura superior o signo e o
modo de seu emprego é o determinante funcional ou o foco de todo o
processo” (VYGOTSKI, 1995, p.123, tradução nossa, grifo do autor).
A questão dos signos, na teoria histórico-cultural, aparece como
apoio ao tratamento dispensado à mediação e esse conceito de mediação é uma das apropriações mais decisivas que Vygotsky faz do
pensamento marxiano.
Assim, podemos entender que os signos se originam da necessidade de operar sobre a natureza, seres ou objetos. À medida que
o homem cria instrumentos psicológicos e os estrutura para agir e
controlar o “outro”, ele acaba utilizando-os para atuar sobre si mesmo, controlando seus próprios processos psicológicos.
Com base na explicação desse processo, Vygotsky (1995) formula a lei genética geral do desenvolvimento cultural do seguinte modo:
[...] toda função no desenvolvimento cultural da
criança aparece em cena duas vezes, em dois planos; primeiro no plano social e depois no plano
psicológico, no princípio entre os homens como categoria interpsíquica e logo depois no interior da
50
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
criança como categoria intrapsíquica [...] Temos
pleno direito a considerar a tese exposta como uma
lei, porém, a passagem, naturalmente, do externo
ao interno, modifica o próprio processo, transforma sua estrutura e funções. Por detrás de todas as
funções superiores e suas relações se encontram
geneticamente as relações sociais, as autênticas relações humanas. (VYGOTSKI, 1995, p.150, tradução e grifo nosso).
É no desenvolvimento dessa ideia que Vygotsky propõe, então,
o desenvolvimento do psiquismo – processos intrapsíquicos – como
internalização, por meio dos signos, dos processos interpsíquicos.
Como criações artificiais, convencionais, de natureza social, os signos funcionam como um meio auxiliar para o domínio da sua própria conduta (VYGOTSKI, 1995, p.126).
O princípio da mediação na teoria vygotskyana sustenta o conceito de desenvolvimento cultural, que se dá a partir do emprego de
instrumentos e signos. Esses últimos advêm sempre de uma situação
social, de uma utilização social que é inaugurada, primeiramente,
como forma de comunicação e só num segundo momento passa a se
constituir num recurso auxiliar, mediador, para o controle do comportamento do próprio sujeito.
Os papéis do signo e do processo de significação é que garantem as particularidades na relação individuo-sociedade. O sujeito
vygotskyano é um sujeito construtor de sentidos, em que a conversão do social em individual se dá pelas determinações histórico-políticas vivenciadas pelo sujeito, demarcada em sua subjetividade,
registrada por suas funções psicológicas.
Portanto, para Vygotsky, a cultura, a mediação e a atividade são
fatores essenciais para o processo de humanização. O homem se humaniza pela apropriação das relações sociais por meio da atividade,
de sorte que a cultura tem suma importância nesse processo. As-
Teoria histórico-cultural: implicações para a psicologia
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sim, humanizar-se é desenvolver-se como homem social e histórico;
a produção das potencialidades humanas resulta desse processo de
humanização em que a força mediadora se torna propulsora.
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Representações sociais no
contemporâneo
Elizabeth Piemonte CONSTANTINO
Deborah Karolina PEREZ
Kátia Hatsue ENDO
Luís Fernando ROCHA
Luiz Bosco Sardinha MACHADO JÚNIOR
A Teoria das Representações Sociais foi concebida na década de
1960 pelo pensador romeno, radicado na França, Serge Moscovici,
sendo seu primeiro objeto de estudo a inserção da Psicanálise1 na
sociedade francesa, em sua obra La psycanalyse, son image et son
public, de 1961 (publicada no Brasil em 1978, com o título A representação social da Psicanálise).
Ao discutir essa questão, o autor aponta que a ciência alcançou
o estatuto de único conhecimento legítimo, restrito a um grupo de
indivíduos competentes que devem dominá-la e nos apresentar suas
“descobertas”. Entretanto, o ingresso dessas informações no corpo
social não se dá de forma passiva, uma vez que “cada um aprende à
sua maneira a manipular os conhecimentos científicos fora do seu
âmbito próprio”. Isto evidencia o caráter criador da propagação de
uma ciência entre indivíduos e grupos que não pertencem à classe
científica. Esta recriação não é meramente vulgarização ou simplificação do conteúdo científico, prestando-se à “[...] formação de um
1
A intenção de Moscovici (1978), em seu estudo, não foi realizar um trabalho propriamente psicanalítico. Ela se referiu a uma pesquisa de Psicologia Social e de Sociologia do conhecimento, no sentido de analisar
a representação social de um conhecimento de domínio de especialistas
para o domínio comum, como é o caso da Psicanálise.
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
outro tipo de conhecimento adaptado a outras necessidades, obedecendo a outros critérios, num contexto social preciso” (MOSCOVICI, 1978, p.22-24).
Na realização desse fenômeno é necessária a troca de informações, a circulação de opiniões, em suma, a comunicação. Essa troca
não se dá apenas de forma vertical, de uma elite para uma massa,
mas é uma circulação capaz de, em grande medida, tornar “sociais
as ciências e científicas as sociedades” (MOSCOVICI, 1978, p.26),
incorporando não apenas os meios de comunicação, mas também a
organização social de quem comunica. A comunicação não se traduz em mera transmissão de informação, pois as palavras permitem
muitas combinações, sentidos e usos. A representação social, nesta
perspectiva, adquire um significado mais amplo, apresentando-se
como “uma modalidade de conhecimento particular que tem por
função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos” (MOSCOVICI, 1978, p.28).
Ele se preocupava com o fato de cada ciência ter seu “objeto”
próprio, um “fenômeno”, uma “matéria-prima”, o que o levou a indagar: qual seria o objeto de estudo da Psicologia Social? Naquele momento, o que tinha em mente “era uma psicologia social do
conhecimento como centro de nossa ciência” (MOSCOVICI; MARKOVÁ, 2009, p.322). A sua preocupação e de seus colaboradores
foi formular uma teoria que abarcasse a gênese dos comportamentos
sociais e a construção da realidade, numa tentativa de preencher o
hiato entre o individual e o social2. Tarefa que ele reconheceu não ser
2
SÁ (1995) sintetiza este problema brilhantemente: “Em uma psicologia social mais socialmente orientada, é importante considerar tanto
os comportamentos individuais quanto os fatos sociais (instituições e
práticas, por exemplo) em sua concretude e singularidade histórica e
não abstraídos como uma genérica presença de outros. Importam ainda os conteúdos dos fenômenos psicossociais, pouco enfatizados pelos
psicólogos sociais tradicionais em sua busca de processos tão básicos
ou universais que pudessem abrigar quaisquer conteúdos específicos.
Além disso, não importa apenas a influência, unidirecional, dos contex-
Representações sociais no contemporâneo
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57
fácil, porém necessária, como aponta no prefácio da obra Textos em
Representações Sociais:
Nós, psicólogos sociais, estamos em permanente
necessidade de combater a tendência de separar os
fenômenos psíquicos dos fenômenos sociais, de erguer barreiras entre suas respectivas disciplinas. É
uma batalha em duas frentes, da qual vão depender
o grau e a fecundidade de nossa ciência. (GUARESCHI; JOVCHELOVITCH, 1995, p.8).
A insatisfação com o modelo de ciência positivista produziu
uma divisão entre os aspectos objetivos e externos do indivíduo e
os de ordem subjetiva e interna. O Positivismo, na procura da objetividade dos fatos, perdeu o ser humano enquanto agente de transformação e sujeito da história. Nesse sentido, a psicologia social tradicional reproduziu a dicotomia individual/social, preocupando-se
apenas em descrever comportamentos, sem considerar a necessidade de “apreender o indivíduo como um ser concreto, manifestação
de uma totalidade histórico-social” (LANE ,1984, p.15).
Esse contexto histórico marcou o nascimento da Teoria das
Representações Sociais, a partir de uma revisão de Moscovici sobre a concepção de Émile Durkheim (1858-1917) do caráter específico do pensamento social diante do pensamento individual. Para
Durkheim, existem “maneiras de agir, de pensar e de sentir que
apresentam a propriedade marcante de existir fora das consciências
individuais” (1977, p.2). Ainda que ele admita que haja a participação do indivíduo na gênese destes fatos, para ele o grupo e o coletivo
são a única realidade existente.
tos sociais sobre os comportamentos, estados e processos individuais,
mas também a participação destes na construção das próprias realidades sociais” (p.20).
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
Ao definir a especificidade do pensamento social diante do individual, Durkheim (l977) propôs o termo “representação coletiva”.
Para ele, as representações coletivas traduzem a visão do grupo sobre si e acerca das relações com os objetos que o afetam. Tais representações não podem ser reduzidas à soma das representações
individuais. Para o autor, uma “Psicologia Social” deveria estudar
como tais representações se formam, atraindo-se, fundindo-se mutuamente ou ainda excluindo-se, pois as representações são o elemento constituinte da vida social.
Contudo, Moscovici não se apropriou do pensamento de
Durkheim integralmente, pois, conforme Jodelet (2001), a teoria
das representações sociais vem repensar o conceito formulado por
Durkheim, pois esse seria mais adequado para as sociedades de caráter estático. A teoria é fruto da busca pelo desenvolvimento de
uma psicossociologia do conhecimento, apresentando uma redefinição para os problemas e conceitos da Psicologia Social, ao considerar
que o conhecimento produzido é relativo a quem fala e de onde fala,
não devendo ser considerado como um “objeto em si”, desprovido
de uma história. Ao retomar o conceito de representações coletivas,
Moscovici não o fez simplesmente sob o aspecto crítico, porque, tinha uma intenção construtiva: “dar à Psicologia Social objetos e instrumentos conceituais que permitissem um conhecimento cumulativo, em contato direto com as verdadeiras questões colocadas pela
vida social” (2001, p.28).
Na obra de Moscovici, observa-se que ele não apresenta uma definição de representações sociais que pudesse reduzir o dinamismo
e a atualidade da teoria. De acordo com Sá (1996), ele sempre resistiu
a apresentar uma definição precisa das representações sociais, por
acreditar que ela poderia limitar seu alcance conceitual. Mas, em um
de seus comentários, não exatamente definições, sobre o que sejam
as representações sociais, sugere:
Por representações sociais, entendemos um conjunto de conceitos, proposições e explicações origi-
Representações sociais no contemporâneo
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nado na vida cotidiana no curso de comunicações
interpessoais. Elas são o equivalente, em nossa sociedade, dos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais; podem também ser vistas como
a versão contemporânea do senso comum. (MOSCOVICI3, 1981 apud SÁ, 1996, p.31).
A dinâmica de trocas, repetições e novas trocas tem seu lugar de
maior fecundidade nas interações cotidianas, como a leitura de um
jornal, assistir a um programa de televisão, uma conversa de corredor, um debate na sala de aula, um cartaz, o acesso a uma página de
Internet, uma mensagem de texto no aparelho telefônico móvel etc.
A todo momento, na sociedade contemporânea estamos envolvidos
por uma intensa rede simbólica, a qual nos atinge e também é reinventada por nós. É dessas fontes plurais (elas mesmas, veículo de
representações sociais) que colhemos material para a construção das
representações sociais.
A constituição de uma linguagem específica é essencial na formação da representação, uma vez que a repetição dos elementos
linguísticos “formaliza e solidifica o pensamento, tornando-o parte
da constituição linguística e cognitiva do indivíduo” (MOSCOVICI;
MARKOVÁ, apud MOSCOVICI, 2009, p.314). Nessa perspectiva, o
conceito de representação social está intimamente relacionado ao
pensamento simbólico e a toda forma de vida mental que pressupõe
linguagem4.
3
4
MOSCOVICI, S. On Social Representation. In: FORGAS, J. P. (Ed.). Social
cognition: perspectives on everyday understanding. Londres: Academic
Press, 1981.
As representações sociais implicam em dimensões simbólicas e sociais,
em fenômenos subjetivos, objetivos e intersubjetivos. Neste sentido,
pode-se situar as contribuições de Piaget, Vygostky e Moscovici. “A representação é, ao mesmo tempo, epistêmica, social e pessoal; e a análise
dessas três dimensões pode explicar por que as representações não são
60
|
Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
Retomando Moscovici (2009), nota-se que ele considera a construção do conhecimento como polifásica, do mesmo modo que a linguagem é polissêmica. Assim, as pessoas se utilizam de várias formas
de pensamento e de diferentes representações, até mesmo conflitantes entre si, considerando os grupos específicos a que pertencem e
ao contexto em que estão inseridas naquele momento. As contradições e antagonismos entre diversas representações se encontram
nas sociedades, nos grupos, e, é também a forma de organização do
referencial simbólico dos indivíduos. Esse fenômeno, intitulado pelo
autor de polifasia cognitiva é regra e não exceção (p.328-329).
Inseridos nesta heterogeneidade múltipla de emissores e formas de
organização do material simbólico é que indivíduos e grupos empreendem esforços para a construção de sentidos para o mundo em que vivem. Quando um novo objeto de conhecimento irrompe, eles se veem
diante da tarefa de reorganizar a trama de sentidos na qual se movem.
A razão de todas as representações é tornar algo não familiar
ou a própria não familiaridade em familiar. A familiarização é um
processo construtivo em que o não familiar passa a ocupar um lugar dentro de nosso mundo familiar. Para Moscovici (2009), dois
processos compõem este movimento: a ancoragem e a objetivação. A
ancoragem se define como um processo em que o indivíduo integra
o que é estranho sejam ideias, acontecimentos, relações, objetos de
um sistema de pensamento social preexistente, cujas representações
já existentes acolhem as novas representações, fazendo com que o
não familiar se torne familiar. Portanto, ela consiste na aproximação
do sujeito ao objeto, do indivíduo e aos membros de determinado
grupo a que ele pertence, fortalecendo a identidade grupal.
Na objetivação ocorre a transformação das noções abstratas em
algo concreto, visível, materializando a palavra. Para Leme (1995, p.
49), objetivar é transformar “noções, ideias e imagens em coisas concretas e materiais que constituem a realidade. Em primeiro lugar,
uma cópia do mundo lá fora, mas uma construção simbólica dele” (JOVCHELOVITCH apud GUARESCHI, 2007, p.31).
Representações sociais no contemporâneo
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diz Moscovici, temos que descobrir o aspecto icônico de uma ideia
mal definida, ou seja, parear o conceito com a imagem.” Contudo,
na identificação dos processos pelos quais os indivíduos descrevem,
explicam e compreendem o mundo, devem-se considerar os fatos
como construções sociais, não se podendo desprezar o contexto histórico e social em que estão inseridos.
Jodelet (2001) propõe que os processos de objetivação e ancoragem fazem parte da gênese das representações e explicam a sua
estruturação, principalmente o processo de objetivação por ela definido em três fases:
1. Construção seletiva: seleção da descontextualização de elementos da teoria em função de critérios culturais normativos;
2. Esquematização estruturante: formação de um núcleo figurativo a partir dos elementos do núcleo conceitual;
3. Naturalização: dos elementos do pensamento, tornando-se
elementos da realidade para o conceito (p.38).
A representação social constitui uma forma de conhecimento
prático, de caráter essencialmente dialético, unindo um sujeito a
um objeto. Esta relação psíquica entre o sujeito e o objeto do conhecimento se dá através da prática social e histórica da humanidade,
generalizando-se pela linguagem.
É importante salientarmos que ao apontar o caráter histórico e
social da produção das representações sociais, por meio da relação
dialética entre sujeito e objeto, estamos nos referindo às condições
concretas de produção de conhecimento, ligadas à realidade social
em que indivíduos e grupos se encontram.
Mazzotti reflete sobre a importância da contextualização e da
indissociabilidade entre sujeito-objeto:
Sujeito e objeto não são funcionalmente distintos, eles formam um conjunto indissociável. Isso
quer dizer que um objeto não existe por si mesmo,
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
mas apenas em relação a um sujeito (indivíduo ou
grupo); é a relação sujeito-objeto que determina
o próprio objeto. Ao formar sua representação de
um objeto, o sujeito, de certa forma, o constitui,
o reconstrói em seu sistema cognitivo, de modo a
adequá-lo aos seus sistemas de valores, o qual, por
sua vez, depende de sua história e do contexto social e ideológico no qual está inserido. (2002, p.17).
A dinâmica de construção de representações sociais sobre os novos objetos de conhecimento deve ser entendida como ativa. A produção histórica e social não é monolítica; apresenta contradições, antagonismos e uma multiplicidade de interações e trocas que tornam
possível a reconstrução do objeto. Portanto, o sujeito de que trata a
teoria das representações sociais é o que podemos chamar de um sujeito ativo; o fato de ele ser constituído histórica e socialmente não exclui as possibilidades de ele poder criar e reinventar o conhecimento.
Como todo o material simbólico, nas palavras de Moscovici
(1978, p.26), “não é unívoco”, existe uma boa margem de variações
para a maneira como este material é apreendido quanto para sua reelaboração. O autor esclarece essa questão a respeito da teoria das representações sociais: “Ela reproduz, é certo. Mas essa reprodução implica um remanejamento das estruturas. Uma remodelação do dado
no contexto dos valores, das noções e das regras, de que ele se torne
doravante solidário” (MOSCOVICI, 1978, p.26). O objeto, tornando-se familiar, encontra-se reestruturado por se unir aos objetos já existentes no arcabouço de conhecimentos do sujeito que lhe é peculiar.
A representação social vincula o objeto a um sistema de valores, noções e práticas, conforme a visão de mundo do sujeito. Isto
não significa que seja mero simulacro ou possa se confundir com a
ideologia5; ela possui função constitutiva da realidade social em que
5
Possamai e Guareschi afirmam que “as Representações Sociais, por serem formas simbólicas, também podem tornar-se ideológicas, mas não
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63
o sujeito concretamente se move, dando-lhe parâmetros para seu
comportamento e sua posição diante do objeto apresentado. Com o
ingresso desse novo objeto no universo simbólico do sujeito e a consequente construção de uma representação para ele, este universo
também se reestrutura. Assim, o sujeito é igualmente constituído no
momento em que constitui a representação social.
A atividade de construção de representações não é mera atribuição de uma “figura mental” a um objeto externo, mas a elaboração
do sentido comum a indivíduos e grupos, sendo, assim, a própria
substância da construção simbólica da realidade.
Como já definia Moscovici, “[...] não existe um corte dado entre
o universo exterior e o universo do indivíduo (ou do grupo), [pois] o
sujeito e o objeto não são absolutamente heterogêneos em seu campo
comum” (1978, p.48). Ao mesmo tempo em que são constituídas as
representações sociais, é constituído o sujeito, definindo-se o que
ele é e o que não é. A representação social é um prolongamento do
comportamento do sujeito, construído em um contexto ativo e dinâmico. Nem o sujeito é passivamente determinado por uma representação exterior a ele, nem a representação é meramente moldada
na mente individual.
Entendendo o caráter intrínseco do sujeito e do objeto de acordo
com a teoria das representações sociais, é necessário dizermos que
essa relação não é binária, ou seja, não se resume a esses dois polos.
Como discutimos, a história e a sociedade são elementos indispensáveis para a compreensão das representações sociais. É aí que encontraremos o elemento que forma a dinâmica triangular das representações sociais (GUARESCHI, 2007; JOVCHELOVITCH, 2000;
MARKOVÁ, 2003).
Importante contribuição ao entendimento dessa dinâmica
triangular da teoria das representações sociais vem sendo feita por
necessariamente” (2007, p. 234). A ideologia, conforme os autores apontam, é constituída pelo material simbólico voltado ao estabelecimento e
à sustentação de relações de dominação.
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
Marková (2003), ao incorporar elementos dos estudos do círculo
bakhtiniano. Tendo lançado as bases de uma abordagem materialista dialética da linguagem, o grupo liderado por Mikhail Bakhtin
(1895-1975) já apontava a produção simbólica presente em todas
as interações humanas. Esse viés leva em conta que o simbólico é
produzido a partir da materialidade das relações de produção e da
estrutura sociopolítica. Entretanto, este posicionamento não relega
indivíduo e grupos ao papel de receptores passivos dos conteúdos
produzidos. À semelhança da postura adotada posteriormente por
Moscovici, Bakhtin (1929/2004) afirmava que, na dinâmica das relações em suas diversas formas, os signos sofrem constante intercâmbio e são reelaborados pelos sujeitos. Para além do clássico binômio
emissor-receptor, a elaboração do simbólico é realizada conjuntamente, pois o sujeito que produz enunciados sempre o faz em função
de um receptor. Mesmo no decurso do pensamento de um indivíduo, o outro está presente, com quem o discurso individual é partilhado, como se houvesse um a plateia virtual. Bakhtin denomina
“dialogismo” esta característica da comunicação.
Marková desdobra o conceito de dialogismo para o de dialogicidade, entendendo que os atores do processo comunicacional não
são indissociáveis (ainda que diferenciáveis). Ao nos aproximarmos
de um elemento, iremos necessariamente encontrar seu complemento, pois toda atividade humana é voltada para o “mundo do Outro”
(2003, p.126). A existência se dá na comunicação, no qual somos
para o Outro e, através do Outro, para nós mesmos. Esta perspectiva altera inclusive o sentido corrente para o Eu, pois vê o eu como
existindo somente na relação com o Outro, nunca isolado: o Eu e o
Outro se constroem e se definem na troca6.
É nesta troca simbólica que o Eu e o Outro constroem os sentidos do mundo que lhes é comum, incluindo aí as representações
sociais. Estas são tanto produto quanto parte do próprio processo de
construção simbólica da realidade. Tomando as representações so6
Mantivemos as maiúsculas conforme o uso original pela autora.
Representações sociais no contemporâneo
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ciais como o objeto ao qual estamos dirigindo nossa atenção na troca, chegamos ao que Marková intitula de “linha epistemológica de
partida” (2008, p.471) para a teoria. Assim como argumentamos ao
longo deste texto que sujeito e objeto são indissociáveis, compreendemos que na construção de representações sociais estamos diante
de uma relação de triangularidade entre o Eu, o Outro e o objeto de
conhecimento (as próprias representações). Com isto, não estamos
falando de um eu que, isoladamente, produz representações de um
objeto dado, mas de um eu que faz isso na relação com o Outro,
tendo o objeto como mediador e, ao mesmo tempo, como produto.
Moscovici (1978) afirma que as representações sociais possuem
fins de mediação e são elas próprias produtos da mediação social.
Isso porque representar, para sua teoria, não tem o mero sentido de
atribuir uma imagem a um objeto, mas de produzi-lo socialmente.
Quando o Eu e o Outro produzem representações sociais, estão produzindo aquilo que permite a inscrição de um objeto na realidade
simbólica que caracteriza as relações/interações, ou seja, realiza a
complexa e indispensável tarefa de se dar sentido a objetos (e, por
extensão, ao mundo), desta maneira dando sentido também ao Eu
e ao Outro.
As representações sociais são construídas para guiar nossas atitudes, valores e comportamentos (MOSCOVICI, 1978). Todos estes
são elementos da ação humana, concreta e social, que só tem sentido
em relação ao Outro, por sempre se voltar para este Outro. Ainda
que este Outro seja a plateia virtual de Bakhtin (2004), ou o Outro
generalizado, nos dizeres de Jovchelovitch (2000), é sempre para ele
e através dele que a ação do Eu se completa enquanto sujeito7.
Está em jogo no estudo das representações sociais não somente o que indivíduos e grupos expressam sobre determinado objeto
inscrito no mundo social, como também o que indivíduos e grupos
7
Por “Outro generalizado” entende-se todos os elementos com os quais
interagimos socialmente, sem que se remeta a um indivíduo, grupo ou
objeto específico.
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
pensam que virtuais interlocutores esperam que eles expressem. É
em função do que julgo dever comunicar que oriento minha opinião
em tal ou qual direção. O Outro nunca é neutro, e sabemos muito
bem disso. Mesmo a solitária plateia do pensamento parece perscrutar nossas posições sobre a infinidade de novos objetos com que nos
deparamos cotidianamente. O interlocutor está ali, e não se pode
dizer a ele qualquer coisa. Entram em jogo inúmeros processos psicossociais (identificação e relações de poder, por exemplo). Assim,
o Eu entra no processo de elaboração de representações sociais em
função não somente de si, mas em igual medida do Outro.
O objeto tampouco é isento. Se algo se dá a conhecer, é através
de um Outro, ainda que distante (no caso dos meios de comunicação, por exemplo). Logo, não somente o Eu elabora o conhecimento
para um Outro, como provém de Outros muito daquilo que a representação social irá constituir. E para quem envia ao Eu determinado
conjunto de informações, Eu sou um Outro, para o qual ele também
se preocupa em construir representações que julgue convenientes.
Assim, o Eu, o objeto e o Outro se encontram simultaneamente na
produção do simbólico e, consequentemente, das representações sociais. Sem um dos elementos desta tríade, simplesmente não se pode
conceber a consumação das representações sociais.
No campo da Psicologia Social, a análise dessa tríade é fundamental para explicarmos o processo de interação humana e a apropriação da realidade social pelo sujeito, ou seja, esse campo consiste
de objetos sociais constituídos pelos indivíduos e grupos que criam
uma realidade social, a única realidade a ser considerada, “se quisermos compreender fatos sociais reais em vez de fatos individuais em
um contexto social” (MOSCOVICI, 2009, p.159-161).
Representações sociais no contemporâneo
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67
Considerações finais
Ao finalizar este texto, podemos afirmar que, passado mais de
meio século de sua reformulação, a teoria das representações sociais
auxilia na compreensão do cotidiano e se define como uma forma
de conhecimento atual. Além disso, tem gerado uma significativa
quantidade de pesquisas e publicações sobre os mais variados temas
e objetos de investigação científica.
A sociedade, hoje, se encontra inundada a todo momento por
inúmeras informações, signos, discursos novos e distintos, sobre os
quais o sujeito se vê forçado a se posicionar. Tal pensamento expresso por Moscovici em 1978 ainda se aplica ao homem contemporâneo. Ao estar numa roda de conversa, quando surge o assunto do
momento, é necessário que o sujeito/indivíduo tenha um posicionamento; se não o tinha antes, ele precisa ancorar rapidamente o novo
objeto que se apresenta, a partir do que tem como seu arcabouço
cultural, para assim se expressar.
Carvalho (2001) afirma que teoria das representações sociais
permite “um contraponto à compreensão que a sociedade moderna
tem a respeito da introdução do novo”, pois o estudo das representações sociais possibilita o acesso, a identificação de conhecimentos
que “determinado grupo desenvolveu sobre uma nova realidade,
como os simboliza, de modo a transformá-los em algo familiar que
permita a interação de seus pares e a comunicação entre eles, bem
como com outras pessoas ou grupos” (p.59).
Entretanto, o estudo das representações sociais envolve uma
amplitude e uma complexidade bastante detalhadas e diversificadas.
Por isso, para compreendê-las é necessário cuidado, pois explorar
esse universo em expansão configura-se um desafio de investigar
as versões de realidade que os indivíduos expressam. Uma das complexidades refere-se ao fato de que o estudo científico das representações sociais tenta apreender a dinâmica que se estabelece entre a
definição dada pelos sujeitos aos objetos por eles representados.
68
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
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A vinculação do sujeito ao seu mundo:
o construcionismo social
Joana Sanches JUSTO
Mário Sérgio VASCONCELOS
José Sterza JUSTO
Adriano da Silva ROZENDO
Com o propósito de discutir a formação do sujeito e sua relação
com o mundo no contexto do construcionismo social elencaremos,
em um primeiro momento, algumas notas sobre as origens do construcionismo social e suas principais bases epistemológicas. A seguir,
a partir das práticas discursivas traduzidas em produção de sentido
abordaremos a relação sujeito-objeto no construtivismo social.
As raízes do construcionismo
O construcionismo social é fruto de uma revisão da ciência e
da psicologia rumo a novos paradigmas na construção do conhecimento. A base desta linha de pensamento é a despreocupação com a
representação fiel da realidade, já que esta nada mais é do que uma
construção coletiva, intermediada pela linguagem.
A realidade, portanto, não pode ser concebida como algo apartado da produção do homem, ou seja, como algo objetivo passível
de ser apreendido em sua materialidade própria por instrumentos e
procedimentos desprovidos de qualquer subjetividade.
72
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
Essa abordagem se assenta em algumas bases epistemológicas
centrais. Uma primeira diz respeito, precisamente, ao entendimento
de que a realidade não existe como algo independente do homem
e, portanto, não pode ser conhecida integralmente. Outro esteio
fundamental diz respeito ao papel da linguagem e das relações sociais na produção da “realidade humana”, construída a partir dos
sentidos que o mundo adquire quando apreendido pela linguagem.
Cabe inclusive ressaltar que, para o construcionismo social, o conhecimento possível é aquele construído coletivamente, sem estar
restrito à classe dos pensadores. Uma forma válida de produzir conhecimentos sobre o mundo e a realidade é aquela construída pelo
senso comum, desprovida da voraz busca pela verdade.
A ciência moderna nasce e se fortalece, sobretudo, no mundo ocidental, travando uma fervorosa batalha em duas frentes: uma combatendo os dogmas religiosos e outra combatendo o senso comum.
Na frente de batalha contra os dogmas religiosos, o enorme desafio
era mostrar que muitos dogmas sustentados pela religião não correspondiam aos fatos demonstrados pela ciência com seu método irrefutável. Na outra frente, essa também formada por crenças bastante
arraigadas na mentalidade do homem comum, mas com um poder
de resistência bem menor do que a religião, o desafio era demonstrar
que muitos convencimentos e saberes populares, criados nas práticas
cotidianas, também não correspondiam às evidencias científicas.
Se na batalha contra os dogmas religiosos a ciência não conseguiu uma vitória plena, erradicando-os inteiramente da mente humana, pelo menos os desalojou e, inclusive, ocupou seu lugar junto
ao Estado Moderno. Em relação ao senso comum, talvez tenha obtido um sucesso maior, logrando um amplo convencimento e reconhecimento popular. O povo, renunciando às suas crenças construídas na labuta do cotidiano, incorporou os saberes e as tecnologias
produzidos e disseminados pela ciência.
No entanto, o sucesso e a hegemonia conquistados pela ciência
podem ter sido a causa maior de seu fracasso ou de seu desgaste ao
longo do avanço da modernidade. O sonho calcado na crença mo-
A vinculação do sujeito ao seu mundo: o construcionismo social
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73
derna de que a ciência iria sanar todos os problemas do homem e
conduzi-lo a um estado último de felicidade foi logo se desfazendo.
Conforme assinala Santos (2001), os impasses da ciência moderna, na contemporaneidade, a levaram a se destituir da arrogância salvacionista e a se reconciliar com seus antigos adversários, sobretudo
o senso comum e o saber popular. Segundo esse autor, a ciência contemporânea ou “pós-moderna”, como ele mesmo nomeia a ciência
atual, está realizando duas rupturas epistemológicas fundamentais:
uma é aquela que procura desfazer a dicotomia sujeito-objeto tão cultivada pela ciência moderna positivista e a outra é justamente reconciliar o conhecimento científico com o conhecimento popular que,
de adversário, passa a ser visto como um importante e valioso aliado.
O construcionismo, indubitavelmente, carrega consigo essas
duas rupturas epistemológicas operadas na ciência atual. Por um
lado, promove um encontro do sujeito com o objeto, ambos tão distanciados pela ciência moderna clássica e, por outro lado, aproxima
o saber científico do saber popular construído no cotidiano.
Ao considerar o saber como uma construção sempre dinâmica,
o construcionismo social não se preocupa em alcançar a verdade,
pois esta não é nem única, nem neutra, portanto, não é absoluta.
Sobre a impossibilidade de desvendarmos verdades absolutas, Shotter e Gergen (1994, citados por CAMARGO-BORGES, 2007, p. 35)
apontam que o conhecimento é obtido e legitimado dentro de um
sistema de crenças e valores que não é relativo, uma vez que é fortemente sustentado por determinados grupos. Além disso, o importante é que espaços dialógicos sejam constantemente construídos e
que o pesquisador não se restrinja ou se amordace buscando uma
verdade transcendente. Para Camargo-Borges (2007), ao pensarmos
uma realidade, é preciso considerar a existência de diversas versões
de verdade, características de um contexto particular, vivenciadas
por pessoas que coordenam suas práticas discursivas e constroem
significados compartilhados.
Da mesma forma que não existe uma realidade a priori, às coisas
não está agregado um sentido predeterminado, pronto. O conheci-
74
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
mento, a realidade, o sentido das coisas e o próprio sujeito são elementos construídos socialmente. Estas não são atividades cognitivas
intra-individuais, nem a mera reprodução de modelos. São práticas
sociais, dialógicas, que envolvem a linguagem em uso, o contexto e a
história (SPINK; MEDRADO, 2000).
A produção de conhecimento
Para o construcionismo social produzir conhecimento é uma
forma de gerar relatos, criar e recriar mundos. A busca pelo conhecimento parte do questionamento e do anseio por investigar, descobrir e criar, sendo a disciplina a única diferença entre o cientista e o
curioso.
Um conjunto de normas e leis sustenta a pesquisa científica,
assegura a cientificidade e, ao mesmo tempo, a validade do conhecimento produzido na academia. Spink (2003) salienta que o conhecimento não deve ser considerado válido automaticamente por
estar associado à academia ou à ciência, o que nos leva a considerar
a validade do conhecimento produzido no cotidiano, por pessoas
implicadas na sua relação com o mundo. No cotidiano, o sujeito produtor de conhecimento é levado por sua curiosidade a investigar o
mundo, debater ideias e fazer interconexões com o saber produzido
por outros.
Shotter (1992) citado por Arendt (2003), reportando-se à passagem da ciência moderna à ciência pós-moderna, ressalta uma mudança de estilo: inicialmente o observador se mantinha afastado e
imparcial ao testar suas teorias, valendo-se do raciocínio positivista
de que a implicação do pesquisador com o objeto traria interferências insanáveis na produção de verdades e leis universais. As ideias
de Shotter vão ao encontro da filosofia da ciência pós- moderna, que
admite que todo conhecimento é provisório e está em constante ten-
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são, sendo válido apenas para determinado espaço e tempo, estando
assim, em constante transformação (KUHN, 1996).
A ciência contemporânea admite, ainda, a possibilidade de adoção de diferentes metodologias no processo de produção do conhecimento e a inerente implicação do pesquisador na produção do saber (FEYRABEND, 1989; SANTOS, 2000).
Valendo-se destes pressupostos, o construcionismo concebe a
produção de conhecimento como um processo interativo, no qual o
observador participante testa procedimentos de forma interessada,
implicando-se ativamente na construção do conhecimento (GERGEN, 2009).
Para Gergen (1996) citado por Arendt (2003), ao utilizar métodos que ultrapassem a tentativa de compreender
nossas práticas em termos de teorias, o pesquisador estaria
assumindo uma poética social (em contraposição ao logo
= razão), fundada nas relações responsáveis, dialógicas da
construção social. Haveria ma mudança da expressão da
razão para a expressão das emoções, permitindo ver novas
conexões com o meio e captar algo de novo na articulação
das circunstâncias sociais que conduzam a uma nova compreensão das redes de conexões e relações entre eventos.
Seria uma concepção de teoria que, ao invés de efetuar predições
para o futuro, criaria o futuro através do diálogo por meio de uma
avaliação crítica de práticas culturais, que permita a geração de formas inteligíveis para as ações pessoais ou coletivas e, que além disso,
crie caminhos para futuros alternativos.
Arendt (2003) diz que,
ao propor uma “poética social” no lugar da “teoria”,
Shotter parece compreender a linguagem como veículo caracteristicamente humano de consciência,
no qual participantes de uma ‘dança’ se permitam
‘ir’ com os outros. (p. 9).
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A concepção de sujeito
No pensamento construcionista, o self, ou seja, a essência do
sujeito é constituída na linguagem, mais especificamente na linguagem entre interlocutores. Além disso, o self não é algo estável ou
duradouro, pois é construído nos contextos relacionais, ou seja, depende dos relacionamentos (ROSA; TURETA; BRITO, 2006).
A ênfase da constituição do sujeito está no contato social, no
processo dialógico do conhecer e responder ao outro (RASERA; JAPUR, 2001). O sujeito, no contato com o outro, dá sentido ao mundo.
Assim, a representação da realidade, do sujeito e dos fenômenos psíquicos é produzida no contato social, através da linguagem:
[...] a constituição do self é compreendida, então,
nos processos dialógicos que estão continuamente
em movimento. […] Isto é, quando dizemos, “estou zangado,” “eu te amo,” e assim por diante, não
estamos tentando descrever uma terra distante
da mente, ou um estado dos neurônios. Mais própriamente, estamos performatizando em uma determinada relação, e as próprias frases são apenas
um dos elementos, dentre tantas outras ações totalmente corporificadas, incluindo os movimentos
dos membros, entoações vocais, a maneira de fixar
o olhar, e assim por diante. (GERGEN, 1996 p. 8-11,
tradução nossa)1
1[…] the self is viewed, then, as achieved through dialogic processes that
are continuously in motion. […] That is, when we say, “I am angry,” “I
love you,” and the like, we are not trying to describe a far off land of
the mind, or a state of the neurons. Rather, we are performing in a relationship, and the phrases themselves are only a constituent of more fully
embodied actions, including movements of the limbs, vocal intonations,
patterns of gaze, and so on (GERGEN, 1996 p. 8-11).
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Na construção do sujeito o foco é deslocado de uma estrutura
privada para o contato social, da autoria individual para a conjunta.
“Existe, portanto, uma multiplicidade de selves articulados em cada
momento de acordo com a demanda de um diálogo” (ROSA; TURETA; BRITO, 2006, p. 45).
As pessoas se constroem à medida que, via linguagem, agem e
reagem umas às outras, narram suas estórias para nós e sobre nós.
Ser significa comunicar... ser significa ser para o
outro, e através do outro, para alguém. Uma pessoa
não tem um território interno independente, ela
está completamente e sempre na fronteira; olhando para dentro de si, ela olha nos olhos do outro
ou com os olhos do outro. (BAKHTIN, 1984 apud
RASERA; JAPUR, 2001, p. 202).
Gergen (1994, apud GUANAES; JAPUR, 2003), ao refletir sobre a constituição do self, recorre à noção de self narrativo. A compreensão de self no construcionismo social refere-se às narrativas
e explicações que as pessoas descrevem a si mesmas, por meio da
organização temporal de eventos pessoais, estabelecendo conexões
entre eventos vividos, inteligíveis a elas mesmas e aos outros.
O ‘self narrativo’ é compreendido como uma ‘estrutura’ consciente. De acordo com Spink (2002), o sentido é tomado como possibilidade de elaboração das vivências do cotidiano, sendo, portanto, um ato da consciência, expresso pela mediação da memória. A
memória, por sua vez, é entendida como elemento de significação
e componente intrínseco ao processo de significação. Sendo assim,
narração, memória e produção de sentidos são os elementos básicos
na construção do sujeito.
Desta maneira, o construcionismo social abandona a investigação dos processos e das estruturas internas da psique humana,
voltando-se à exterioridade dos processos e às interações (DUARTE-ALVES; JUSTO, 2007).
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Práticas discursivas
A linguagem assume um papel central no construcionismo, uma
vez que as práticas discursivas são responsáveis pela interação social
e pela constituição da realidade, ou seja, pela produção de sentidos
sobre o mundo. Como afirma Traverso-Yépez (1999), “a experiência
da realidade, a identidade e os fenômenos psicossociais se constituem na e através da linguagem” (p.47). Nesse sentido, a linguagem
não é apenas um reflexo da sociedade, mas sua constituição.
Atadas ao contexto, à época e à cultura em que são produzidas,
as práticas discursivas nos remetem aos momentos de ressignificações. Lima (2005) afirma que
[...] as pessoas não constroem suas materialidades
e compreensões do mundo no vazio, mas na concretude da vida cotidiana, por onde um fluxo contínuo e dinâmico de atos de fala em tensões, conflitos, negociações, solidariedades, contradições,
vão configurando sentidos em contínua produção
e reprodução. (LIMA, 2005, p. 03).
Para Spink e Medrado (2000), as práticas discursivas são definidas como linguagem em ação, pois a partir delas as pessoas produzem sentidos e se posicionam nas relações sociais cotidianas.
A fim de melhor compreender esta definição, apresentamos a
afirmação de Billig (1991, apud SPINK; MEDRADO, 2000, p. 47),
segundo a qual “[...] quando falamos, estamos invariavelmente realizando ações – acusando, perguntando, justificando etc. –, produzindo um jogo de posicionamento com os nossos interlocutores,
tenhamos ou não essa intenção”.
Sempre que nos expressamos, existe algo que nos atravessa, seja
uma lembrança, a nossa própria história, uma ideologia ou até mesmo algo que se manifesta sem que percebamos.
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Uma forma particular de linguagem enfatizada pelo construcionismo social é a narrativa, por ser uma prática discursiva mais popular e livre de influências ideológicas. Por se fundamentar mais nas
experiências de vida do que na retransmissão ideológica, a narrativa
é capaz de dar maior vazão à expressão de sentimentos e leituras de
mundo.
A narração não existe apenas como voz, sendo acompanhada
por movimentos das mãos, gestos, expressões faciais, diferentes entonações que sustentam o que está sendo dito.
Além de mobilizar todo o corpo e as emoções do sujeito, na narrativa pode-se recorrer à experiência não só de uma pessoa, mas de
outras pessoas, pois o narrador acrescenta às suas palavras o que
“ouviu dizer” (BENJAMIN, 1936/1994).
Assim, a narrativa engloba tanto experiências individuais quanto
coletivas à medida que entrelaça a história pessoal à grupalidade, mas
também fazem emergir traços singulares de cada indivíduo quando
suas práticas discursivas se diferenciam das narrativas mais comuns,
mais usuais. A narrativa do desvio e a diferença são entendidas como
atividades criativas do sujeito no enfrentamento do mundo, que, ainda, dão significado as suas experiências (SPINK, 2002).
Na narrativa, o que se preza é a transmissão de sabedorias populares, adquiridas com a vivência e a experiência, tal como o conselho (BENJAMIM, 1936/1994). Não há preocupação com veracidade,
legitimidade, status ou dominação, mas sim com a preservação de
tradições de pequenos grupos.
A narrativa tende a permitir a leitura do mundo porque sua própria construção está atada ao coletivo. Benjamin (1936/1994) destaca que a narrativa se funda na troca de experiências, na sabedoria
popular, na tradição e na reminiscência. A narrativa é uma história
que se cria a partir de um acontecimento e se desdobra para muito
além dele, agregando fatos e vivências cada vez que é transmitida.
“Narrar é trafegar entre as trajetórias de vida individuais e coletivas”
(JUSTO, 2008, p. 35).
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Dessa forma, o termo “narrar” pode ser compreendido como
uma produção discursiva atravessada pela história e pelas vivências
sociais, pois “se a linguagem é ação no mundo, é performance, a
mudança narrativa é uma mudança que ocorre não somente nas palavras, mas também nas coisas” (CAMARGO-BORGES, 2007, p.32).
Produção de sentido
Segundo Spink e Medrado (2000), por meio das práticas discursivas, mais especificamente a narrativa, os sentidos são produzidos.
A produção de sentido pode ser definida como a forma de perceber
o mundo, de significá-lo, interpretá-lo, inscrita num tempo e lugar,
em relações sociais concretamente constituídas. Os sentidos que o
homem produz e atribui à sua experiência estão intimamente vinculados ao social, jamais desvencilhados do coletivo.
O sentido é uma construção social, um empreendimento coletivo, mais precisamente interativo, por
meio do qual as pessoas – na dinâmica das relações
sociais historicamente datadas e culturalmente localizadas – constroem os termos a partir dos quais
compreendem e lidam com as situações e fenômenos à sua volta. (SPINK; MEDRADO, 2000, p.41).
A ênfase está no social, como alicerce da produção de sentido,
e se contrapõe seja à ideia de que a interpretação do mundo se dá
de dentro para fora, seja à ideia contrária. Os sentidos emergem na
interação, nas práticas cotidianas, não estando nem no polo de uma
interioridade individual, nem no polo de determinações objetivas.
Emergem, isto sim, na relação do sujeito com outros sujeitos, interações que os conecta e os interliga na convivência social (DUARTE-ALVES; JUSTO, 2007).
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A produção de sentidos é uma construção complexa, que acompanha a história de vida dos sujeitos postos na interação e na conversação. A todo momento, interpretamos o mundo ao nosso redor,
construímos sentidos e verdades que, em um momento posterior,
podem se transformar ou deixar de existir.
Na sua trajetória de vida, o sujeito vai tomando suas escolhas,
se posicionando, colhendo vivências e criando narrativas que vão
formar sua identidade e seu modo de ver o mundo.
Segundo Pinheiro (2000), o sentido que o sujeito dá ao mundo é
produzido interativamente, na relação com os outros e se transforma
a cada influência que recebemos daqueles com quem interagimos.
Considerações finais
Os pressupostos construcionistas assumem os paradigmas
emergentes da ciência contemporânea ao proporem uma nova visão
de mundo, de homem e de sociedade. Ao rejeitar discursos universalizantes ou generalizáveis sobre a relação sujeito-objeto, o construcionismo se foca na influência da construção social sobre a percepção da realidade. Assim, não existe uma preocupação em buscar a
verdade universal e absoluta, nem mesmo em pensar o sujeito como
um indivíduo autônomo cuja relação com o objeto seja desinteressada e objetiva. Os saberes sobre o objeto devem ser construídos no
contato direto com o objeto, delegando a autoria do saber ao sujeito
que narra a sua própria história.
A investigação construcionista se ocupa, principalmente, de
analisar os processos pelos quais as pessoas descrevem, explicam ou,
de alguma forma, dão conta do mundo em que vivem, incluindo-se
elas mesmas. O foco de estudo passa das estruturas sociais e mentais
para a compreensão das ações práticas sociais e, sobretudo, dos sistemas de significação que dão sentido ao mundo (GERGEN, 2009).
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Terminologias como sujeito e objeto se confundem no campo
de pesquisa construcionista, que horizontaliza qualquer tipo de hierarquia envolvida na produção do conhecimento. Ciência, senso comum e até mesmo a religião são elementos válidos na produção de
saberes legítimos.
Os termos em que o mundo é conhecido são artefatos sociais,
produtos de intercâmbios historicamente situados entre pessoas. A
relação sujeito-objeto é, portanto, a todo o momento, atravessada
pelas “relações sociais estabelecidas num determinado contexto histórico e dependendo dos interesses individuais” (BURR, 1995, apud
NOGUEIRA, 2001).
O discurso produzido pelo sujeito sempre receberá influência
das interrelações pessoais e do contexto histórico e cultural em que
é produzido. Tal discurso pode, portanto, tornar-se fragmentado,
incoerente e múltiplo. A multiplicidade reflete a fragmentação do
próprio sujeito que, em constante transformação, cria versões parciais e paradoxais do objeto.
A relação do sujeito com o mundo é, portanto, construída como
um processo flexível de significação e ressignificação. Podemos ilustrar este processo ao tomarmos o sujeito como aquele que dá sentido
às suas vivências, que ativamente percebe o mundo, transformando-o, ao mesmo tempo em que é transformado. Cada nova experiência
agrega significação à vida e um conjunto de experiências pode ganhar novos sentidos quando o sujeito as percebe de outra maneira.
O objeto, por sua vez, intrínseco ao sujeito, pode ser compreendido como tudo aquilo a que o sujeito atribui sentido: o mundo,
as experiências, o conhecimento, as pessoas ou até mesmo a própria
vida. Sujeito e objeto não existem dissociados: a forma como vejo o
mundo é apenas minha. Ainda que o mundo seja o objeto da minha
percepção, tal objeto não pode ser pensado como algo que está fora,
pois esta forma (particular) de perceber o mundo cabe apenas a mim.
Além da ruptura com a divisão clássica proposta pela ciência
moderna entre “sujeito” e “objeto”, o construcionismo propõe ainda
a legitimação do discurso do outro. O construcionismo, portanto,
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promove um encontro do sujeito com o objeto e aproxima o saber
científico do saber popular. Abrem-se então, na produção dos saberes, espaços para a construção de singularidades e para leituras
diferenciadas sobre o mundo.
Finalmente, cabe ressaltar que esta abordagem visa construir
um modo de observar os fenômenos sociais que tenha como foco a
tensão entre a universalidade e a particularidade, entre o consenso
e a diversidade, com vistas a produzir uma ferramenta útil para as
transformações da ordem social.
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Sobre acasos e acontecimentos:
a proposta do método cartográfico
Márcio Alessandro Neman do NASCIMENTO
Tânia PINAFI
Wiliam Siqueira PERES
Nos últimos anos, cada vez mais o método cartográfico tem adquirido destaque nas pesquisas acadêmicas, sobretudo, por sua ênfase no caráter processual da construção do conhecimento, ao recusar
os modelos fechados e universais de verdades absolutas, e também
por dialogar com saberes de diversas áreas de conhecimento. Atualmente, é notória a percepção de que o diálogo entre áreas de saberes
diversos é de fundamental importância para uma melhor apreensão
tanto dos sujeitos como dos territórios por onde eles transitam.
No que tange ao campo da Psicologia, seria ilusório pensar que
uma leitura ou análise do sujeito isolada dos matizes do seu entorno
social possa captar e refletir a realidade subjetiva que o habita. Assim,
diante da importância destas questões, os autores deste presente trabalho versarão sobre o método cartográfico, problematizando o relativismo do conhecimento científico (sem binarizar ou universalizar conceitos e significações), a importância da inter e trans disciplinaridade
e o hermetismo subjetivo que compartimentariza e isola os sujeitos do
seu entorno social. Além disso, para clarificar nossa exposição, problematizaremos propostas trazidas pelo método cartográfico, que investe
na observação e análise das rupturas e das não linearidades no que
tange às corporalidades modificadas, mutáveis, plásticas e performáticas dos gêneros e das sexualidades dissentes, nas pessoas LGBTT (Lés-
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
bicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais). Por fim, situaremos
a implicação do(a) sujeito/pesquisador(a) e sua imersão no campo de
pesquisa, propondo a dissolução do binário sujeito-objeto (pregada por
alguns métodos nas ciências modernas).
Outros olhares: rupturas e descontinuidades
com o modelo das ciências modernas
Os sujeitos são produzidos à sombra de discursos, sendo regulados por regimes de visibilidade/invisibilidade que mascaram divergências à medida que cerceiam o que pode ser discursado. Desta forma, produzem-se normatizações em torno das práticas discursivas,
as quais são reveladoras das linhas de saber-poder atuantes sobre os
processos de subjetivação que se fazem notar tanto nos discursos
produzidos sobre os sujeitos quanto nos discursos por eles proferidos. De acordo com Michel Foucault (1988, p. 30):
Não se deve fazer divisão binária entre o que se diz
e o que não se diz; é preciso tentar determinar as
diferentes maneiras de não dizer, como são distribuídos os que podem e não podem falar, que tipo
de discurso é autorizado ou que forma de discrição é exigida a uns e outros. Não existe um só, mas
muitos silêncios e são parte integrante das estratégias que apoiam e atravessam os discursos.
Nesse sentido, salienta-se que analisar discursos demanda
desdobramentos múltitplos, que extrapolam a atenção apenas ao
que é posto e audível; requer a implicação e a percepção das relações
de poder pulverizadas no cotidiano. No que se refere à relação de
poder-saber há que se considerar “[...] que poder e saber, estão diretamente implicados; que não há relação de poder sem constituição
Sobre acasos e acontecimentos: a proposta do método cartográfico
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correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não
constitua ao mesmo tempo relações de poder” (FOUCAULT, 2008,
p. 27). Portanto, essa relação nunca é estática, estando sempre em
fluxos de movimentos, tampouco a subjetividade é cristalizada, pois
é produzida nas relações das pessoas com o mundo social que, por
sua vez, se constitui pelas relações de saber-poder. Desse modo, as
pessoas são subjetivadas a partir de uma relação dinâmica com o
contexto, no qual a subjetividade é entendida como “[...] essencialmente social, e assumida e vivida por indivíduos em suas existências
particulares” (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 33, grifo do autor).
Tendo em vista que os discursos aferidos em torno da sexualidade normatizada se estabeleceram a partir de um referente andro-heterocentrado e homofóbico (que binariza o sexo, os gêneros
e as sexualidades), para que se possa romper com a produção do
conhecimento científico heteronormatizado sobre as sexualidades
dissidentes é imprescindível um método que permita explorar as
gradações em torno do que é pensado e dito sobre o que é visto. Para
tanto, cabe questionar: Como se deu a emergência da patologização
das relações afetivo-sexuais entre pessoas do mesmo sexo biológico?
Do mesmo modo, o que levou à revisão das fronteiras que delimitam o que se enquadra, ou não, no terreno das patologias sexuais na
atualidade? Que paradigma científico, nos séculos XIX e XX, respaldou as inúmeras publicações em torno dos desvios sexuais? Esses
questionamentos se tornam de suma importância para a construção
de trabalhos cartográficos que privilegiam os estudos no campo das
corporalidades, expressões das sexualidades e gêneros, assim como
a produção de subjetividades normativas e singulares na contemporaneidade.
Para Maria Cecília Minayo (2001, p. 12), “a história da ciência
revela não um ‘a priori’, mas o que foi produzido em determinado momento histórico com toda a relatividade do processo de conhecimento”. Por outro lado, Boaventura de Sousa Santos lembra
que “a condição epistemológica da ciência repercute-se na condição
existencial dos cientistas” (SANTOS, 1988, p. 71). Desse modo, as
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
condições históricas vigentes intervêm de forma direta na apreensão
de mundo pelo pesquisador e, consequentemente, na constituição
do sujeito em sua produção científica. Logo, o que se enfatiza aqui é
o caráter situado da produção do conhecimento científico, uma vez
que ela é situada em uma temporalidade, em um contexto sócio-histórico-político e cultural, epistêmico e dependente da perspectiva de
mundo do(a) pesquisador(a). Assim sendo, a suposta neutralidade
do conhecimento científico seria a negação da existência da pessoa
do pesquisador, sendo, portanto, nada mais que uma ilusão.
Corroborando com o posicionamento supracitado, encontramos em Thomas Kuhn (2003), no livro A estrutura das revoluções
científicas, o termo “paradigma”, cunhado por ele para designar “[...]
as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante
algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma
comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, 2003, p. 13).
Desse modo, notamos que, na esfera da sexualidade, foi o campo das
teorias biomédicas do século XIX forneceu as bases do terreno de
definição para identificar e circunscrever as anomalias e perversões
sexuais. Segundo Jonathan Katz (1996, p. 43, grifos do autor), “nesse
período, os médicos da mente, alguns ainda empunhando a bandeira da fertilidade, outros tentando ir um pouco além, formularam
publicamente pela primeira vez a ideia de heterossexual e homossexual”. O referencial que norteou essa formulação recaiu sobre o
determinismo biológico. Consequentemente:
A primeira parte da nova norma sexual – hétero – pressupôs uma divergência sexual básica. A
oposição dos sexos foi declarada a base para uma
atração erótica universal e normal entre homens e
mulheres. Essa ênfase na oposição dos sexos, que
remonta ao início do século XIX, de modo algum
registrou apenas características biológicas, funções únicas e distinções entre os sexos determinadas socialmente de mulheres e homens. O enfoque
Sobre acasos e acontecimentos: a proposta do método cartográfico
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do início do século XX no dimorfismo fisiológico e
dos sexos refletiu as ansiedades profundas dos homens a respeito das mudanças no trabalho, nos papéis sociais, no seu poder sobre as mulheres e nos
ideais de feminilidade e masculinidade. (KATZ,
1996, p. 96, grifo do autor).
De modo complementar, encontramos em Daniel Welzer-Lang (2001, p. 467) a indicação de que “o que esconde, em última
instância, a análise naturalista da divisão social do gênero são a historicidade e a contingência dessa divisão”. Por meio da historicidade, observamos que, na passagem da Época Clássica para a Modernidade, foi sendo formada uma nova concepção de sujeito a partir
de mudanças ocorridas nos costumes, nos comportamentos criando
outros valores, outras medidas, outros discursos, que acarretaram
um redimensionamento nas relações de poder. De acordo com Sônia
França (2004, p. 9):
A partir do século XVII, a emergência da ciência,
o desenvolvimento tecnológico das forças produtivas e do conhecimento laico do mundo e do homem produzem transformações nas regras e nos
procedimentos que sustentam os enunciados no
plano social: um mundo e um homem não mais
teológicos, mas materialidades abertas à indagação
humana. Esse acontecimento exige diferentes concepções de matéria, de sujeito, de objeto e de conhecimento que implicam outros modos de relação
do homem com o mundo, consigo próprio e com a
vida. Não há mais interditos ao olhar humano, ele
está livre para interrogar.
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
Assim, as novas indagações travaram “[...] um combate ‘pela
verdade’ ou, ao menos, ‘em torno da verdade’ [...]” (FOUCAULT,
2006, p. 13). A construção da “verdade”, tomada aqui no sentido
foucaultiano, enquanto “[...] ‘conjunto das regras segundo as quais
se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro, efeitos
específicos de poder [...]” (FOUCAULT, 2006, p. 13), passa a ser cada
vez mais norteada pela lógica empírica, e cada vez menos atrelada à
relação com o metafísico. O homem começa a ser tematizado como
objeto e como sujeito de conhecimento. Antes “havia um mundo em
si criado por Deus. O papel do homem era esclarecer a ordem do
mundo. Ele o fez, conforme vimos através de ideias claras e distintas.
[...] O homem esclarecia, mas não criava; ele não era fonte transcendental de significação” (DREYFUS; RABINOW, 1995, p. 22).
Consequentemente, no momento em que o homem deixou de
ser aquele que esclarece a ordem do mundo para se colocar como
produtor do conhecimento, teve início uma reflexão sobre quais
métodos utilizar para interpretar esse mundo. Sobre a tentativa do
dogmatização e a criação de instrumentos experimentais de intervenção, Boaventura de Sousa Santos (1989, p. 22-23, grifos do autor)
nos fala:
O positivismo lógico representa, assim, o apogeu
da dogmatização da ciência, isto é, de uma concepção de ciência que vê nesta o aparelho privilegiado da representação do mundo, sem outros fundamentos que não as proposições básicas sobre a
coincidência entre a linguagem unívoca da ciência
e a experiência ou observação imediatas, sem outros limites que não os que resultam do estágio do
desenvolvimento dos instrumentos experimentais
ou lógico-dedutivos.
Sobre acasos e acontecimentos: a proposta do método cartográfico
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Dentro de uma análise foucaultiana é percebido que a emergência do conhecimento científico nunca foi desinteressada, pois “[...] a
verdade não existe fora do poder ou sem poder” (FOUCAULT, 2006,
p. 12). Ainda, Foucault discorre sobre as estratégias do poder apresentadas pelo viés dos enunciados da Ciência, da Verdade:
A verdade é deste mundo; ela é produzida nele
graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos
regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu
regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz
funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as
instâncias que permitem distinguir os enunciados
verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona
uns e outros; as técnicas e os procedimentos que
são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (FOUCAULT, 2006, p. 12).
Recorrendo novamente às descrições datadas historicamente, encontramos, entre o fim do século XVII e ao longo do século
XVIII, ainda nas palavras de Foucault (2000, p. 288), o aparecimento
de “[...] técnicas de poder que eram essencialmente centradas no corpo, no corpo individual”, classificadas por ele como uma “anátomo-política do corpo humano”. Neste período, os Estados se organizaram politicamente, passando a se ocupar com o controle de sua
população por meio da disciplinarização e regulação da família, da
reprodução e das práticas sexuais, visando à garantia da vida e à
produtividade do povo. Em tal contexto, o corpo humano foi exaustivamente investigado. Tomado enquanto protagonista, “[...] o corpo
surgia cada vez mais como fonte de conhecimento sobre o eu, em
contraste com noções teológicas anteriores” (NICHOLSON, 2000,
p. 17). Assim, a “anátomo-política” fazia referência a uma série de
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
mudanças profundas que ocorreram na passagem do século XVII e
que se seguiram ao longo do século XVIII.
As informações supracitadas indicam as bases que propiciaram
o aparecimento, no século XIX, do que Foucault (1988) definiu como
“tecnologia do sexo”, que tinha por objetivo disciplinar o corpo e
regular as populações. O campo privilegiado de investigação recaiu
sobre a sexualidade por esta estar “[...] exatamente na encruzilhada
do corpo e da população” (FOUCAULT, 2000, p. 300). Essa época
marca “o início tanto do internamento dos homossexuais nos asilos,
quanto da determinação de curá-los” (FOUCAULT, 2006, p. 233234). O discurso sobre a sexualidade, ancorado em procedimentos
de poder-saber ao qual Foucault (1988) denomina scientia sexualis,
ordenou uma tecnologia política de produção de indivíduos – classificando-os entre si, separando-os e binarizando-os (entre normal
x anormal), enfim, normalizando e regulando a vida dos sujeitos
em função de alguns elementos ligados às suas práticas sexuais. Um
desses efeitos regulatórios sobre o sexo foi a emergência e visibilização, como nunca antes vista, das denominadas “sexualidades periféricas” (o louco, os sodomitas, a criança, a mulher histérica, etc.),
assim como o aparecimento de uma infinidade de classificações patologizantes a partir do referencial da “sexualidade regular”, ou seja,
heterossexual, reprodutiva e monogâmica (FOUCAULT, 1988).
Os discursos hegemônicos das ciências humanas acerca dos
sexos teceram uma rede de relações de poder-saber (FOUCAULT,
2008) que prescreviam a normalização da heterossexualidade, vista
como “natural”. Segundo Rosa María Rodríguez Magda (2004, p.
108), “una crítica a la génesis disciplinaria de las ciencias humanas
no puede olvidar tampoco que éstas en su eclosión y desenvolvimiento
han constituido una de las formas más recientes y completas de legitimación de la discriminación sexo/género”. Desse modo, podemos
observar que “[…] nos discursos das ciências humanas, as representações masculinas sobre a mulher, como o sexo ‘natural, essencial e
universalmente’ mais fraco [...]” (LEMAIRE, 1994, p. 58).
Sobre acasos e acontecimentos: a proposta do método cartográfico
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Com base nos pressupostos apresentados, observa-se que
toda emergência de um novo paradigma, em determinado momento
sócio-histórico-político e cultural, foi acompanhada por modificações profundas e impactantes no que tange ao modo de ver o mundo, o ser humano e as intervenções produzidas pelo homem e pela
mulher. Kuhn (2003), ao versar sobre a construção da Ciência, adverte que ela se consagrou pela via da produção de saberes que partiam de rigorosos métodos de investigação de fenômenos naturais
e sociais, além disso, foi norteada pelas necessidades e exigências
oriundas das sociedades em desenvolvimento, portanto, contingentes ao entorno social. Ao problematizar a questão das mobilidades
paradigmáticas, ao longo dos tempos, Kuhn (2003) cunha o conceito
de ciência normal, que se refere à crença em uma linearidade acumulativa dentro de um paradigma em vigor, isto é:
A ciência normal não tem como objetivo trazer
à tona novas espécies de fenômenos, na verdade,
aqueles que não se ajustam aos limites do paradigma frequentemente nem são vistos. Os cientistas
também não estão constantemente procurando inventar novas teorias; frequentemente mostram-se
intolerantes com aquelas inventadas por outros. Em
vez disso, a pesquisa científica normal está dirigida
para a articulação daqueles fenômenos e teorias já
fornecidos pelo paradigma. (KUHN, 2003, p. 45).
Tal entendimento acerca da “produção científica normal”
estratificou rigidamente o que deveria ser considerado como ciência
e aquilo que seria visto como não sendo pertencente à ciência, ou
seja, não ciência. O enquadramento em uma ou outra modalidade,
ditado pelos membros de uma mesma comunidade científica e articulado em torno de um dado paradigma hegemônico, é decorrência
de um julgamento que reconheceu como legítima (ou não) a produ-
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
ção do conhecimento entre seus pares; em suma, ela se valida a partir do aval de pessoas que compartilham um mesmo prisma teórico.
Desta forma, poderia se dizer que produzir ciência é escrever para
iguais que obedecem a um mesmo paradigma.
Assim, de acordo com Kuhn (2003), a história da ciência normal
procura ser vista como sendo o resultado de um desenvolvimento
linear, cumulativo e progressivo do conhecimento produzido. Entretanto, é percebido que a prática científica, tal como se desenvolveu, é
marcada por diversos pontos de indeterminação, por rupturas, acasos, e trajetórias alineares. A título de exemplo, este autor conta que:
Algumas vezes, um problema comum, que deveria
ser resolvido por meio de regras e procedimentos
conhecidos, resiste ao ataque violento e reiterado
dos membros mais hábeis do grupo em cuja área
de competência ele ocorre. Em outras ocasiões,
uma peça de equipamento, projetada e construída
para fins de ciência normal, não funciona segundo a maneira antecipada, revelando uma anomalia
que não pode ser ajustada às expectativas profissionais, não obstantes esforços repetidos. Desta e
de outras maneiras, a ciência normal desorienta-se
seguidamente. E quando isto ocorre – isto é, quando os membros da profissão não podem mais esquivar-se das anomalias que subvertem a tradição
existente da prática científica – então começam as
investigações extraordinárias que finalmente conduzem a profissão a um novo conjunto de compromissos, a uma nova base para a prática da ciência.
Os episódios extraordinários nos quais ocorre essa
alteração de compromissos profissionais são denominados, neste ensaio, de revoluções científicas.
(KUHN, 2003, p. 24).
Sobre acasos e acontecimentos: a proposta do método cartográfico
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Mais recentemente, Luiz Alberto Oliveira (2008), ao analisar a
trajetória da ciência, trabalhou com a ideia do acaso, a partir das
formulações realizadas em torno das Teorias do Caos, enfocando os
acontecimentos que modificam o cotidiano e acarretam fenômenos
que geram fissuras, crises, revoluções e rupturas nos paradigmas
atuais. No entanto, ao resvalar por conceitos comumente enunciados como crise e revolução, se está a aludir ao que, exatamente? De
um lado, pode-se pensar que da crise chega-se a revolução, mas, por
outro, seria a revolução a grande desencadeadora da crise? Quais são
os agenciamentos em jogo, que dão passagem à emergência desses
acontecimentos?
Oliveira (2008), que (in)diretamente conecta seu pensamento
a algumas formulações de Gilles Deleuze, aponta que as crises se
apresentariam de modo rizomático, enquanto que as revoluções poderiam ser tanto respostas para certas crises quanto promotoras de
outras. Ao mesmo tempo, as crises e revoluções seriam capazes de
instaurar novos modos de pensar e agir, assim como de produzir
desvios e mutações, no plano do que está instituído. Em referência à mutação, Oliveira (2008) pontua que ela produz uma ruptura
com o já instituído e, por isso, a compreende como um processo de
produção de singularidades (que não remete à ideia de evolução),
propiciando a emergência de devires outros. Assim, em consonância com a perspectiva de processualidade, vale ressaltar que, no método cartográfico, o trabalho do(a) pesquisador(a)/cartógrafo(a) se
orienta pela capacidade de afetar e ser afetado, na qual a lógica das
sensações sustenta o olhar do(a) pesquisador(a) durante o processo
de produção do conhecimento, que deve estar atento tanto às continuidades quanto às emergências de devires em fluxos de construção.
Em fim, o que é o método cartográfico?
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
Fluxos e desejos: a cartografia por si mesma
A cartografia pode ser compreendida como um método pensado por Gilles Deleuze e Félix Guattari, enfatizado na obra Mil Platôs
(1995, v. l) e na literatura de Suely Rolnik (1989), que problematiza os
fenômenos da produção de subjetividade em suas movimentações e
transformações, partindo de um olhar diferenciado sobre os sujeitos
e acontecimentos. Para tanto, ela afasta-se das concepções clássicas
da ciência normal, problematizada por Kuhn (2003), e da ciência
moderna quando não pressupõe uma divisão rígida entre sujeito
e objeto. Aliás, a cartografia inclui o sujeito pesquisador(a) na tão
apregoada ciência objetiva.
De modo sucinto, o método cartográfico visa problematizar os
modos de subjetivação e os processos desejantes na experiência contemporânea, partindo das emergências, processualidades e intensidades da vivência das rupturas e das multiplicidades que constituem
o mundo. No mais, é importante salientar que, pela acepção da cartografia, a investigação de processos não remete à ideia de desenvolvimento e armazenamento de dados tal qual o viés de análise de informações empregado nas teorias informacionais e da computação,
pois “[...] o cartógrafo se encontra sempre na situação paradoxal de
começar pelo meio, entre pulsações” (BARROS; KASTRUP, 2009,
p. 58). Sobre a construção da proposta de uma cartografia, Rolnik
(1989, p. 15) nos diz:
Sendo tarefa do cartógrafo dar língua para afetos
que pedem passagem, dele se espera basicamente que esteja mergulhado nas intensidades de seu
tempo e que, atento às linguagens que encontra,
devore as que lhe parecem elementos possíveis
para a composição das cartografias que se fazem
necessárias.
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Embora o método cartográfico, cada vez mais, se destaque nas
pesquisas científicas, ela não se determina enquanto um “fazer”
marcado por procedimentos a serem executados, pois, anteriormente, “propõe uma discussão metodológica que se atualiza na medida
em que ocorrem encontros entre o pesquisador e o território onde
trabalha” (SOUZA, 2005, p. 26). Ou seja, através desse método, as
constatações e problematizações produzidas no campo de pesquisa
são trabalhadas:
[...] com a atribuição de sentidos em relação aos
percursos de uma investigação, uma leitura particularizada – e consciente de sua particularidade,
sua condição relativa – que considera saberes diversos, e outras tantas informações e expressões
como inventores da complexa condição humana
nos devires da produção de conhecimento. (KIRST
et al., 2003, p. 100-101).
Deste modo o papel do(a) cartógrafo(a) “[...] tem relação direta
com a micropolítica, vinculada às técnicas e práticas de subjetivação, no sentido da produção da subjetividade, matéria fundamental
da produção e reprodução do sistema social” (PERES, 2005, p. 65).
Ao mesmo tempo, a produção do conhecimento em moldes ético-estético-políticos implica confrontar uma práxis que normatiza os
corpos, os sexos e as sexualidades não apenas em face da interioridade dos sujeitos, mas também frente aos mecanismos atuantes no
tecido social que conjuram ações materiais e não apenas simbólicas
nos sujeitos. Para Monique Wittig (1992, p. 50), “este poder que tiene
la ciencia o la teoría de actuar material y realmente sobre nuestros
cuerpos y mentes no tiene nada de abstracto, aunque el discurso que
produzcan sí lo sea”.
De fato, a cartografia, tanto quanto os estudos contemporâneos
sobre sexualidades e gêneros, rompe com o pensamento estrutura-
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
lista, uma vez que recusa o pensamento de bases estanques ao tomar o sujeito moderno como realidade histórica e cultural que pode
sofrer mudanças ao longo do tempo. Esse posicionamento sobre os
acontecimentos e sobre o sujeito aproximaria o método cartográfico
da perspectiva genealógica de Michel Foucault. A pesquisadora Rosa
María Rodríguez Magda (2004, p. 49), que desenvolveu um estudo
sobre a perspectiva genealógica nas obras de Foucault, explica que:
La genealogía nietzscheana no es la búsqueda de un
origen (Ursprung) metahistórico, fundamentante,
ideal y teleológico, que daría razón del despliegue
de los acontecimientos y prevalecería semioculto,
pero omnipresente, tras ellos; sino la denuncia, la
constatación de esa falta de esencia tras las cosas,
de su construcción azarosa y aleatoria.
Assim sendo, o método cartográfico poderia se aliar à perspectiva genealógica de Michel Foucault sem nenhum prejuízo para
qualquer uma das partes. De fato, a cartografia de base genealógica
combinaria perfeitamente a produção de estudos e pesquisas que enfocam as corporalidades, os gêneros e as sexualidades dissidentes,
como no caso das pessoas LGBTTs. Partindo desses posicionamentos teóricos, podemos analisar as corporalidades, as sexualidades e
as relações de gênero não mais atreladas à postura essencialista e,
assim, tecer reflexões acerca das novas expressões sexuais, de gêneros e corporais (drag-queens, cross-dress, andróginos, travestis,
transgêneros, ou seja, bodies that matter1) para além das perspecti1
Bodies that matter faz referência à obra de BUTLER, Judith. Boddies that
Matter: On the discursive limits of sex. New York, Routledge,1998. O
título é um trocadilho com a palavra “matter”, que pode adquirir o sentido tanto de peso (no sentido de materialidade) quanto de importância/
legitimidade. Para uma explicação pormenorizada sobre a inteligibilidade de certos tipos de corpos, ver entrevista com Butler: BUTLER, Judith. Como os corpos se tornam matéria: entrevista com Judith Butler.
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vas patologizantes. Esse posicionamento metodológico toma o sujeito como contingente e, assim, novas linhas investigativas se abrem,
possibilitando outras análises em torno daqueles que não se enquadram dentro do princípio de inteligibilidade da matriz heterossexual2 (BUTLER, 2003).
Para Kastrup (2009, p. 32), “a cartografia é sempre um ad hoc”,
por isso “[...] a ideia de desenvolver o método cartográfico para a
utilização em pesquisas de campo no estudo da subjetividade se
afasta do objetivo de definir um conjunto de regras abstratas para
serem aplicadas”. Portanto, o(a) cartógrafo(a) não trabalha com a
perspectiva da revelação de algo que estaria oculto no campo esperando para ser desvelado, descoberto; tampouco seu trabalho se
orienta em torno de interpretações e análises universais, pois como
diria Rolnik (1989, p. 67):
[...] “entender”, para o cartógrafo não tem nada a
ver com explicar e muito menos com revelar. Para
ele não há nada em cima – céus da transcendência
-, nem embaixo – brumas da essência. O que há em
cima, embaixo e por todos os lados são intensidades buscando expressão.
2
Tradução Susana Bornéo Funck. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 155-167, 1. sem., 2002.
Matriz heterossexual é um termo cunhado por Judith Butler, que se refere à “[...] grade de inteligibilidade cultural por meio da qual os corpos,
gêneros e desejos são naturalizados. [...] o modelo discursivo/epistemológico hegemônico da inteligibilidade do gênero, o qual presume que,
para os corpos serem coerentes e fazerem sentido (masculino expressa
macho, feminino expressa fêmea), é necessário haver um sexo estável,
expresso por um gênero estável, que é definido oposicional e hierarquicamente por meio da prática compulsória da heterossexualidade” (BUTLER, 2003, p. 215-216).
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
De fato, a cartografia em muito se aproxima da dimensão rizomática formulada por Deleuze e Guattari (1995, p. 32), na qual se
“[...] conecta um ponto qualquer com outro ponto qualquer e cada
um dos seus traços não remete necessariamente a traços da mesma
natureza [...]. [...] não tem começo nem fim, mas sempre um meio
pelo qual ele [rizoma] cresce e transborda”, de modo que todas as
entradas são válidas, se as saídas resultarem em multiplicidades. E
é por esse viés que as cartografias se constroem, não partindo-se de
um começo para se chegar a um fim. Assim sendo, o(a) cartógrafo(a)
deve ter um olhar “desfocado”, sem a prioris para construir seu campo e sua pesquisa.
Ao contrário do que possa parecer, principalmente para aqueles que estão habituados a ortodoxia das ciências modernas, não se
trata de “deixar rolar” ou de uma mera falta de controle de variáveis
(BARROS; KASTRUP, 2009, p. 57), mas sim de rastrear, entrar em
contato, apurar os sentidos, e reconhecer o coletivo de forças que
operam no plano do campo social da experiência cartográfica. Se
considerarmos, tal como Barros e Kastrup (2009, p. 54), que “sujeito e objeto não são categorias transcendentais, mas configurações
históricas” que mantêm múltiplas articulações e conexões entre si,
se torna inviável corroborar com a pressuposta imparcialidade, propalada na separação entre sujeito e objeto, condição primeira propagada pelas ciências modernas.
Ainda que a cartografia não se apresente, atualmente, como um
procedimento de investigação acabado, algumas considerações metodológicas existem para aqueles(as) que decidam praticá-la. Então,
o(a) pesquisador(a) que queira se aventurar pelo método cartográfico deve ter claro que dele(a) será exigido um posicionamento político e filosófico, seja na atividade cartográfica, seja na produção a
posteriori do conhecimento oriundo do processo investigativo. Concomitantemente, é importante ter em mente que toda pesquisa cartográfica é única, no sentido de que o conhecimento produzido com
base nesse método não visa a ser generalizável para outras situações
e casos, mesmo que semelhantes. Além disso, a cartografia não tra-
Sobre acasos e acontecimentos: a proposta do método cartográfico
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balha com a ideia de desenvolvimento linear, localizando um antes e
depois que remeta à concepção do menos complexo ao mais complexo, uma vez que zela pela multiplicidade de saídas, de respostas, de
conexões entre saberes de diferentes campos, na produção das redes
de conhecimento. Nesse sentido, dentre algumas das conexões que
se apresentam como viáveis à produção das cartografias, posto que
dialoguem com os princípios do método cartográfico, se encontram:
a utilização do diário de campo, os relatos de experiência, a observação participante, a genealogia, a etnografia.
A exposição supracitada mostra que o método cartográfico pressupõe composições multilineares de certos tipos de engendramentos
no que tange à predominância de objetivos estratégicos para a manutenção contínua da rearticulação dos elementos heterogêneos que
surgem em fluxos dispersos e emaranhados, no momento da inserção do cartógrafo em campo. Assim sendo, cabe ao(a) cartógrafo(a)
realizar o exercício da criação e sensibilidade em rastrear os desdobramentos das linhas que compõem enunciados, forças, modos de
subjetivação, e acompanhar os seus efeitos na produção de sujeitos
(KASTRUP; BARROS, 2009, p. 79). Esses rastreamentos e acompanhamentos podem ser propostos em territórios existenciais possíveis, em espaços políticos (a clínica ou uma oficina, por exemplo),
onde modos de subjetivação fazem aflorar a potência do falar, fazer
e atuar nas relações consigo e com o mundo. Por assim ser, diria
Rolnik (1989, p. 70):
[...] o cartógrafo sabe que é sempre em nome da
vida, e de sua defesa, que se inventam estratégias,
por mais estapafúrdias. Ele nunca esquece que há
um limite do quanto se suporta, a cada momento, a
intimidade com o finito ilimitado, base de seu critério: um limite de tolerância para a desorientação
e reorientação dos afetos, um ‘limiar de desterritorialização.
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Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
O que Rolnik (1989) problematiza diz respeito à ética pela sustentação e defesa da vida e ao compromisso desejado de (re)inventar
constantemente suas estratégias e modos de viver o social, vista de
maneira eminentemente política em praticar a cartografia.
E quando não se pode concluir? Reticências
ao invés de ponto final...
A cartografia enquanto método que acompanha processos de
produção de subjetividades se apresenta, na contemporaneidade,
como uma das perspectivas possíveis e diferentes dos métodos surgidos no período da modernidade, marcados pelo paradigma das
ciências modernas.
As acusações recorrentes sobre o seu modus operandis em produzir conhecimento diz respeito apenas ao desconhecimento de
muitos sobre suas intervenções, estratégias e como praticá-las. Não
existe ausência de rigor e de clareza metodológica; o que se tem é um
discurso em defesa de uma ética pela vida, em que o que se sobrepõe
na proposta de pesquisa é o sujeito. Nesse sentido, entendemos a importância desse método para problematizar acontecimentos e existências que divergem dos padrões universalizantes e hierarquizados
em produzir estilos de vida e de existência. Muitos desses padrões
normativos são respaldados por enunciados científicos que desprivilegiam e interditam pessoas dissidentes no que diz respeito aos
fluxos dos desejos, às práticas de cuidado de si, às expressões das sexualidades, dos gêneros e das corporalidades, enfim, das produções
subjetivas singulares que (re)inventam as multiplicidades e devires
que habitam nos sujeitos.
O embasamento político e filosófico que sustenta o método cartográfico reflete-se, como já exposto, na exigência da pessoa do(a)
pesquisador(a) se posicionar diante do lugar que ocupa e discursar
sobre a pesquisa e o campo em que atua.
Sobre acasos e acontecimentos: a proposta do método cartográfico
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Os critérios e sistematização deste método surgem, e só surgem,
durante a relação do(a) pesquisador(a) com o campo, dada sem “verdades” a priori. Tudo está para se construir a partir do momento em
que se estabelecem conexões rizomáticas entre pesquisador-prática-campo social, onde dispositivos movimentam linhas da visibilidade e dizibilidade e, assim, as produções de subjetividades tracejadas
ora por pontos de rupturas, ora por enrijecimento, ora por flexibilizações das linhas da vida.
Em uma pesquisa, o(a) cartógrafo(a) é um ponto flexível que
apresenta devido à sua sensibilidade construída “um olhar” possível
(dentre muitos outros) de intervir no campo social, com base no que
o mundo lhe oferece e no modo pelo qual é atravessado por esse
mesmo mundo.
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OLIVEIRA, Luiz Alberto. Sobre o caos e novos paradigmas. In.
NOVAES, A. Mutações: ensaios sobre as novas configurações do
mundo. Rio de Janeiro: Agir; SP: SESC SP. 2008. p. 65-92.
PERES, W. S. Subjetividade das travestis brasileiras: da vulnerabilidade
da estigmatização à construção da cidadania. Rio de Janeiro: UERJ/
Instituto de Medicina Social, 2005. Tese (Doutorado em Saúde
Coletiva) Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro – UERJ, 2005.
ROLNIK,
S.
Cartografia
sentimental:
transformações
contemporâneas do desejo. São Paulo: Estação Liberdade, 1989.
SANTOS, B. S. Um discurso sobre as Ciências na transição para uma
ciência pós-moderna. Estudos Avançados, v. 2, n. 2, p. 46-71, 1988.
______. Introdução a uma ciência pós-moderna. 3. ed. Rio de Janeiro:
Graal, 1989.
108 |
Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
SOUZA, N. Cartografias das práticas de atenção aos transtornos
decorrentes do uso de álcool e outras drogas em territórios sociais
de risco. 2005. 184 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia),
Universidade Estadual Paulista, Assis-SP, 2005.
WELZER-LANG, D. A construção do masculino: dominação das
mulheres e homofobia. Revista Estudos Femininos. Florianópolis, v.
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Sobre os autores
Adriano da Silva Rozendo
Doutorando em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho. É docente da Universidade Federal de Mato
Grosso tendo a Psicologia Social como campo de trabalho e pesquisa, atuando principalmente nos seguintes temas: envelhecimento,
políticas públicas, participação e controle social.
Álvaro Marcel Palomo Alves
Mestre em Psicologia da Infância e Adolescência pela Universidade Federal do Paraná (2003) e Doutorando em Psicologia e
Sociedade - linha de pesquisa Infância e Realidade Brasileira - na
Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho UNESP/Assis. Professor Assistente da Universidade Estadual de Maringá - PR.
Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Ensino de
Psicologia, atuando principalmente nos seguintes temas: Psicologia
Histórico-Cultural, Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia Social, Produção Social da Infância, Cultura Lúdica.
Amélia de Lourdes Menck
Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista de
São Paulo. Atualmente é docente da Universidade Norte do Paraná
110 |
Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
e da Universidade Estadual de Londrina. Tem experiência na área de
Psicologia, com ênfase em Psicologia do desenvolvimento e Psicologia da aprendizagem, atuando principalmente nos seguintes temas:
ensino-aprendizagem, desenvolvimento humano, dificuldades de
aprendizagem, afetividade e a importância do brincar.
Claúdia Aparecida Valderramas Gomes
Psicóloga pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP/Bauru, com Mestrado e Doutorado em Educação
pela UNESP/Marília. Professora Assistente Doutora do Departamento de Psicologia Evolutiva, Social e Escolar da UNESP/Assis,
com atuação na interface Psicologia-Educação nas áreas da Psicologia Histórico-Cultural, Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia
da Educação, Educação infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental. Integra os Grupos de Pesquisas Implicações Pedagógicas da
Teoria Histórico-Cultural - UNESP/Campus de Marília-SP e Epistemologia e Psicologia: processos e contextos de desenvolvimento
humano - UNESP/Campus de Assis-SP.
Deborah Karolina Perez
Psicóloga e Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual
Paulista Julio de Mesquista Filho. Pesquisa na área de Representações Sociais e Políticas Públicas. Membro do Grupo de Pesquisa
Epistemologia e Psicologia: processos e contextos de desenvolvimento humano.
Elizabeth Piemonte Constantino
Mestre em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Doutora
em Educação pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquista Filho – UNESP/Marília. Docente da graduação e do Programa
de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Estadual Paulista
– UNESP/Assis. Tem experiência em Educação, Psicologia, Políticas
Públicas Sociais e Educacionais, com ênfase em Desenvolvimento
Humano e Aprendizagem, atuando principalmente em: creche, pré-
Sobre os autores
| 111
-escola, ensino fundamental e médio. Líder do Grupo de Pesquisa
Epistemologia e Psicologia: processos e contextos de desenvolvimento humano.
Flávia Cristina Oliveira Murbach de Barros
Doutoranda em Educação, Pedagoga e Mestre em Psicologia pela
Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho. Suas pesquisas
tem como foco de análise a Educação Infantil na contemporaneidade sendo estruturadas pela teoria historico-cultural de Vygotsky. É
membro dos grupos de pesquisa: Implicações Pedagógicas da teoria
histórico-cultural (UNESP - Marília) e Epistemologia e Psicologia:
processos e contextos de desenvolvimento humano (UNESP – Assis). Pertence ao grupo gestor do Fórum Paulista em defesa da Educação Infantil. Tem experiência na área de Educação, com ênfase
Educação e Psicologia Infantil atuando nos seguintes temas: lúdico,
brincar, educação infantil, alfabetização, ensino-aprendizagem e cidadania.
Joana Sanches-Justo
Doutora em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, especialista em Discurso e Práxis Fotográfica pela Universidade Estadual de Londrina. Tem experiência na
interdisciplinaridade da Psicologia com as áreas de Moda, Educação, Música e Artes Visuais, atuando principalmente nos seguintes
temas: psicologia sócio-cultural, construcionismo social, psicologia
da arte, narrativa, memória e fotografia. Membro do Grupo de Pesquisa Epistemologia e Psicologia: processos e contextos de desenvolvimento humano.
José Sterza Justo
É professor Livre-Docente em Psicologia do Desenvolvimento
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e docente da graduação e do Programa de Pós-graduação em Psicologia
da mesma universidade. Tem experiência na área de Psicologia, com
112 |
Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
ênfase nas áreas de psicologia do desenvolvimento e social, atuando
principalmente nos seguintes temas: migração, errância, andarilhos,
nomadismo; terceira idade, adolescência e contemporaneidade.
Katia Hatsue Endo
Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho. Pesquisa na área de Representações Sociais e
Indisciplina em sala de aula. Membro do Grupo de Pesquisa Epistemologia e Psicologia: processos e contextos de desenvolvimento
humano.
Leonardo Lemos de Souza
Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas.
É docente da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquisa Filho, atuando na graduação no Programa de Pós-graduação em Psicologia. È docente colaborador no Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, e líder do Grupo
de Pesquisa Infância, Juventude e Cultura Contemporânea - GEIJC.
Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia do
Desenvolvimento Humano e Educação, investigando principalmente os seguintes temas: ética, moral e valores; narrativas, conflitos e
representações mentais; violência e diversidades na educação. Membro de Grupo de Pesquisa Epistemologia e Psicologia: processos e
contextos de desenvolvimento humano.
Luciane Guimarães Batistella Bianchini
Doutoranda em Psicologia da Universidade Estadual Paulista
Julio de Mesquista Filho e bolsista pela Fapesp. Especialista em Educação Especial, Estimulação Precoce, Psicopedagogia Institucional e
Clínica. Atuando principalmente nos seguintes temas: Perspectiva
Piagetiana sobre o desenvolvimento Intelectual, Afetivo e Moral,
Processos Simbólicos e Intervenção com jogos. Membro do Grupo
de Pesquisa Epistemologia e Psicologia: processos e contextos de desenvolvimento humano
Sobre os autores
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Luís Fernando Rocha
Formado em Direito pelo Centro Universitário Euripedes de
Marília, Mestre e Doutor em Psicologia pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho. Atualmente é professor adjunto da
Universidade Paulista e Promotor de Justiça do Governo do Estado
de São Paulo. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional, atuando principalmente nos seguintes temas:
criança e adolescente, psicologia e sociedade, direitos humanos, violência sexual e violência e gênero.
Luiz Bosco Sardinha Machado Júnior
Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista Julio
de Mesquista Filho. Docente das Faculdades Integradas de Ourinhos. Membro do Núcleo de Estudos Violência e Relações de Gênero e do Grupo de Pesquisa Epistemologia e Psicologia: processos e
contextos de desenvolvimento humano. Instrutor de Artes Cênicas.
Marcelo Carbone Carneiro
Livre-docente em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista
Julio de Mesquista Filho, docente na mesma universidade, atuando
na graduação e no Programa de Pós-graduação em Educação para
a Ciência, Campus de Bauru. Tem experiência na área de Filosofia
e Educação, com ênfase em Epistemologia, atuando principalmente
nos seguintes temas: epistemologia, educação e teoria do conhecimento e filosofia. Realizou pesquisas de pós-doutoramento na Université de Genève (Suiça).
Márcio Alessandro Neman do Nascimento
Doutorando em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Especialista em Psicoterapia de Adultos:
individual e conjugal pela Universidade Estadual de Londrina. Tem
experiência na área de Psicologia, com ênfase nos estudos de processos de subjetivação e contemporaneidade; Direitos Humanos;
socioeducação; sistema de privação de liberdade; psicologia social e
114 |
Psicologia: reflexões sobre as relações sujeito-objeto
comunitária; psicologia clínica; psicologia institucional e organizacional; estudos de gêneros, sexualidades e corporalidades; políticas
públicas na área da Assistência Social, Saúde e Direitos Sexuais e
Reprodutivos. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Sexualidades (GEPS)
Maria Elvira Bellotto
Doutoranda em Psicologia na Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho, bolsista Capes. Seus trabalhos estão voltados principalmente para Psicologia Escolar, Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem, História da Psicologia, Psicologia
Construtivista e Psicologia Sócio-Histórica. Membro do Grupo de
Pesquisa Epistemologia e Psicologia: processos e contextos de desenvolvimento humano.
Mário Sérgio Vasconcelos
Professor Livre-docente em Psicologia do Desenvolvimento pela
Universidade Estadual Paulista e pós-doutor em Processos Cognitivos pela Universidade de Barcelona. Suas principais pesquisas estão
direcionadas para as áreas de desenvolvimento humano, brincar,
criatividade, construção de valores e ética na educação. Líder do
Grupo de Pesquisa Epistemologia e Psicologia: processos e contextos
de desenvolvimento humano.
Tânia Pinafi
Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquista Filho. Membro do Grupo de Pesquisa Violência e
Relações de Gênero e do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre as Sexualidades.
Wiliam Siqueira Peres
Doutor em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio
de Janeiro e Pós Doutorado em Psicologia e Estudos de Gênero pela
Universidade de Buenos Aires. Docente da graduação e do Progra-
Sobre os autores
| 115
ma de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Tem experiência na área de Psicologia,
com ênfase em Esquizoanálise e processos de Subjetivação, atuando
principalmente nos seguintes temas: Direitos Sexuais Humanos, cidadania, sexualidades e gêneros em uma perspectiva política. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Sexualidades.
Sobre o livro
Formato 14 x 21 cm
Tipologia Minion Pro 10,5 pt (texto)
Helvetica Neue LT Std 12 pt (títulos)
Papel Off-set 75g/m2 (miolo)
Triplex 250g/m2 (capa)
Projeto Gráfico e Canal 6 Editora
www.canal6.com.br
Impressão e acabamento
Gráfica Coelho Bauru
Rua Capitão Gomes Duarte, 6-18 – Bauru – SP
Tel.: (14) 3313 6566 - Email: [email protected]
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