JANEIRO/JUNHO | enero / JUNIO | 2013
VOL. VI; Nº 11; ISSN 1983-3733
Periodicidade: Semestral | Periodicidad: Semestral
Revista | Periódico - “Perspectivas em Políticas Públicas”,
Faculdade de Políticas Públicas “Tancredo Neves”,
Campus de Belo Horizonte,
Universidade do Estado de Minas Gerais, Brasil
EdUEMG - Barbacena 2013
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__________________________________________________________________________
P 467
Perspectivas em Políticas Públicas; Vol.VI; Nº. 11 (janeiro - junho, 2013);
Barbacena: EdUEMG; Belo Horizonte : Faculdade de Políticas
Públicas “Tancredo Neves”,Universidade do Estado de Minas
Gerais, Brasil, 2013.
V.VI
Semestral
Textos em português e espanhol.
ISSN 1983-3733
1. Administração Pública - Periódicos 2. Políticas Públicas - Periódicos.
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LINHA EDITORIAL
EDITORIAL LÍNEA
A Revista “Perspectivas em Políticas Públicas, bilíngue (português e
espanhol), editada semestralmente pela FaPP/CBH/UEMG, dedica-se
a publicar textos inéditos (artigos científicos, artigos de atualização,
artigos de revisão, resenhas, relatos de experiências, depoimentos
e entrevistas) relacionados a temáticas de políticas públicas nas
diferentes dimensões sociais. Constitui-se em canal para veiculação de
novos conhecimentos e experiências sobre a temática, promovendo
o intercâmbio nacional e internacional, especialmente no contexto da
América Latina, e, ainda, em canal para a qualificação das diversas
vozes e discursos produzidos no âmbito dessas políticas.
Os textos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores.
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bilingüe (portugués y español) editada semestralmente, por la
FaPP/CBH/UEMG, que se dedica a divulgar textos inéditos (artículos
científicos, artículos de actualización, artículos de revisión, reseñas,
relatos de experiencias, declaraciones y entrevistas) relacionados
con la temática de políticas públicas en distintas dimensiones
sociales. Constituye un canal para difundir nuevos conocimientos
y experiencias sobre el tema, promoviendo el intercambio nacional
e internacional, especialmente en el contexto de América Latina,
además de ser un vehículo para la calificación de diversas voces y
discursos producidos en el ámbito de estas políticas.
Los autores de los textos publicados en la referida Revista se
responsabilizan por entero de sus producciones. Las opiniones que
en ellos se emiten, no coinciden siempre con el punto de vista de la
FaPP/CBH/UEMG.
Se permite reproducir total o parcialmente esta Revista, siempre que
se cite la fuente.
SUMÁRIO
EDITORIAL............................................................................... 11
ARTIGOS
A PROMOÇÃO DO ACESSO À ÁGUA COMO DIREITO HUMANO:
formulação de políticas de respeito, proteção e cumprimento deste
direito
Maria Bueno Barbosa.............................................................19
ANÁLISE DA INFLUÊNCIA DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE
ALIMENTOS (PAA) SOBRE A QUALIDADE DE VIDA DE AGRICULTORES
FAMILIARES DO MUNICÍPIO DE VIÇOSA/MG
Rafael Júnior dos Santos Figueiredo Salgado e Marcelo Miná
Dias.......................................................................
57
AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: por um procedimento
integrado ao ciclo da gestão
Fernanda Carneiro.................................................................85
ENTRE A PRODUÇÃO HABITACIONAL ESTATAL E AS MORADIAS
PRECÁRIAS: uma análise da popularização da casa própria no Brasil
Walkiria Zambrzycki Dutra................................................... 123
FEDERALISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS: indução e cooperação
na formação de consórcios intermunicipais de saúde
Paulo Ricardo Diniz Filho....................................................... 147
PONTO DE VISTA
O MESTRE SEMPRE PRESENTE
Antônio Eduardo de Noronha Amabile ................................ 188
NORMAS PARA APRESENTAÇÃO ........................................ 192
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 09-10 | jan/jun 2013
SUMARIO
EDITORIAL............................................................................... 14
ARTículos
LA PROMOCIÓN DEL ACCESO AL AGUA COMO UN DERECHO
HUMANO: formas de política de respeto, protección y cumplimiento
de este derecho
Maria Bueno Barbosa.............................................................20
ANÁLISE DA INFLUÊNCIA DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE
ALIMENTOS (PAA) SOBRE A QUALIDADE DE VIDA DE AGRICULTORES
FAMILIARES DO MUNICÍPIO DE VIÇOSA/MG
Rafael Júnior dos Santos Figueiredo Salgado e Marcelo Miná
Dias............................................................................
58
EVALUACIÓN DE LAS POLÍTICAS PÚBLICAS: por un procedimiento
integrado al ciclo de gestión
Fernanda Carneiro.................................................................86
ENTRE LA PRODUCCIÓN HABITACIONAL ESTATAL Y LAS VIVIENDAS
PRECARIAS: un análisis de la popularización de la casa propia en Brasil
Walkiria Zambrzycki Dutra...................................................... 123
FEDERALISMO Y POLÍTICAS PÚBLICAS: inducción y cooperación en
la formación de consorcios intermunicipales de salud
Paulo Ricardo Diniz Filho....................................................... 143
PUNTO DE VISTA
O MESTRE SEMPRE PRESENTE
Antônio Eduardo de Noronha Amabile. ................................ 183
NORMAS PARA presentación ....................................... 201
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 09-10 | jan/jun 2013
EDITORIAL
EDITORIAL
Vanda Arantes de Araujo
Editora Geral| Editora General
É com muita alegria que os profissionais que compõem o Comitê
Editorial da Revista Perspectivas em Políticas Públicas colocam
à disposição dos leitores mais um número; especialmente para
mim, pois faço parte dessa equipe desde o lançamento deste
periódico, em 2008. Neste momento, tenho a responsabilidade
e o prazer de assumir a função de Editora Geral para, com o
apoio e colaboração de todos, levar adiante a sua publicação.
Entretanto, nossa trajetória não é composta somente de momentos
alegres; muitas vezes é marcada por desafios e momentos de
tristezas. Dessa forma, coube, também, a mim, registrar a perda
do ilustre componente do Comitê Editorial Nacional de PPP, o
Professor Dr. Luís Aureliano Gama de Andrade, fato que deixou toda
a equipe muito sentida. Hoje, o Professor não mais se encontra entre
nós, mas deixa, para a PPP e a FaPP como um todo, uma notável
contribuição. Sua competência e sua visão sobre as políticas públicas
foram fundamentais para que a PPP avançasse e desse importantes
passos na sua implementação.
Assim, utilizo-me de algumas palavras do Prof. Luís Aureliano,
publicadas na Seção Ponto de Vista do nº 3 de PPP: “[...] o desafio
que nos confronta hoje [...] é fazer do Brasil uma sociedade justa,
desenvolvida, onde todos, independentes de gênero, etnia ou de
naturalidade, desfrutem de oportunidades semelhantes” (p.149) para
destacar, neste número, a inclusão de quatro temas que, de certa
forma, relacionam entre si e vão ao encontro desses desafios, uma
vez que os artigos trazem análises e discussões sobre as políticas
públicas que buscam oportunizar uma melhor qualidade de vida
aos cidadãos, garantindo os meios de atendimento às necessidades
básicas das pessoas de: acesso à água, à alimentação, à moradia e
saúde.
O primeiro artigo, A promoção do acesso à água como direito
humano: formulação de políticas de respeito, proteção e cumprimento
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 11-15 | jan/jun 2013
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deste direito, da autora Maria Bueno Barbosa, aborda a questão da
promoção da garantia do acesso à água vista como direito humano.
Discute as políticas de promoção assumidas pelos governantes na
agenda internacional e apresenta a vasta documentação que trata
da temática, analisando problemas decorrentes da escassez da
água e o compromisso dos signatários em promover, respeitar e
proteger o acesso. Em sua análise, ressalta que definir o acesso à
água como um direito humano significa estabelecer e prever metas
de uso e de distribuição, cabendo aos estados o compromisso na
garantia, salvaguardando respeito e sua promoção. Gerenciar os
recursos hídricos é tarefa complexa, afirma a autora, e não se pode
esquecer que as políticas sociais ineficazes ou inexistentes agravam
a situação, devendo, ainda, considerar que a relação entre o homem
e a água é anterior ao direito, pois a falta dela atinge o homem na
sua necessidade mais básica: “o direito à vida!”
No segundo artigo: Análise da influência do Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA) sobre a qualidade de vida de agricultores familiares
do município de Viçosa/MG, os autores Rafael Júnior dos Santos
12
Figueiredo Salgado e Marcelo Miná Dias apresentam o resultado
da pesquisa realizada com os agricultores familiares participantes
da PAA, este que faz parte de um conjunto de políticas públicas
relacionadas ao combate à fome e à pobreza e surge como uma das
principais ações estruturantes do Programa Fome Zero. Realizada
em 2011, os autores apontam que os resultados indicam, na
percepção dos participantes da pesquisa, que o Programa influenciou
positivamente na qualidade de vida dos agricultores familiares, na
elevação de renda e no incentivo à produção de alimentos livres
de agrotóxicos, entre outros. Em relação à água, os participantes
afirmam a importância de ter este “valioso bem”.
Avaliar políticas públicas é sempre um desafio para os responsáveis
por esse empreendimento, é o que a autora Fernanda Carneiro discute
em seu artigo Avaliação de políticas públicas: por um procedimento
integrado ao ciclo da gestão. Baseada em estudo bibliográfico sobre
a avaliação de políticas públicas e sua institucionalização, a autora
discute os desafios encontrados tanto por expertos quanto pelo
governo na realização das avaliações. Faz referências às dificuldades
encontradas no modelo francês, que foi a base das avaliações
realizadas no Brasil. Aponta mudanças dos indicadores utilizados para
avaliação e a necessidade de superação do seu fim fiscalizador para
uma avaliação que tenha como objetivo trazer novos conhecimentos
sobre os programas. Afirma que a avaliação da política pública é
uma nova cultura e adquire maior complexidade por se apresentar
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 11-15 | jan/jun 2013
como ferramenta de apoio à gestão, portanto se acredita que deve
ser de interesse do gestor implementá-la. A autora destaca, ainda,
o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome como
pioneiro na institucionalização de uma secretaria especializada em
avaliação e gestão da informação.
No quarto artigo, Entre a produção habitacional estatal e as moradias
precárias: uma análise da popularização da casa própria no Brasil,
a autora Walkiria Zambrzycki Dutra discute de que forma o poder
público busca solucionar o problema do acesso à moradia no Brasil.
Para isso, analisa as políticas públicas de habitação, comparando
os dois períodos em que houve um maior investimento no setor da
habitação: o Regime Militar (1964-1985) e o período atual (20032012). Sob a forma de estudo de caso, a autora analisa a política
pública habitacional no aspecto de promotora de um bem social e
a relação do setor público com o privado. Questiona e aponta uma
forte parceria entre os setores, deixando uma dúvida sobre a quem
as políticas públicas de habitação favorecem.
Encerramos os nossos diálogos da Seção Artigos, desse número,
com: Federalismo e políticas públicas: indução e cooperação na
formação de consórcios intermunicipais de saúde, do autor Paulo
Ricardo Diniz Filho, o qual apresenta uma análise sobre as políticas
públicas de saúde, especificamente quanto à formação dos consórcios
intermunicipais no Estado de Minas Gerais. Afirma que a política
pública no Brasil deve ser vista no contexto das características
do federalismo nacional e que essa discussão tem ocupado papel
de destaque nas agendas. A partir dos anos 2000, a cooperação
horizontal surge como fórmula de trabalho bastante promissora
em resposta aos problemas que angustiam os municípios. O autor
discute a descentralização das políticas de saúde e aponta o Estado
de Minas como pioneiro na elaboração de políticas de incentivo à
criação e formação de consórcios intermunicipais de saúde. Para
tanto, analisa as políticas estaduais de indução à formação das
Associações microrregionais destacando seu papel decisivo, ao longo
do tempo, no processo de formação dos Consórcios Intermunicipais
de Saúde.
E como não poderia deixar de ser, na Seção Ponto de Vista fica, nas
palavras de Antônio Eduardo de Noronha Amabile, nossa homenagem
e nosso “Muito Obrigado”, ao Professor Luiz Aureliano.
Finalizo este editorial agradecendo, sinceramente, aos autores que
enviaram seus estudos para serem publicados neste número e aos
integrantes do Conselho Editorial e Avaliadores que têm contribuído
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 11-15 | jan/jun 2013
13
de forma muito especial e competente para que possamos continuar
mantendo os padrões de qualidade de PPP e levar, aos nossos
leitores, textos com discussões relevantes, que propiciam novas
construções acerca das políticas públicas.
Desejo a todos uma boa leitura!
_______________________________________________________
Es con gran alegría que los profesionales que conforman el Comité
Editorial de la revista Perspectivas en Políticas Públicas; colocan
a disposición de los lectores un número más, especialmente para
mí, porque pertenezco a este equipo desde el lanzamiento de este
periódico, en el año 2008 . En este momento, tengo la responsabilidad
y el placer de hacerme cargo de la función de Editor Jefe, contando
con el apoyo y la colaboración de todos para llevar adelante la
publicación.
14
Sin embargo, nuestra historia no se compone sólo de momentos
alegres, a menudo está marcada por retos, desafíos y momentos de
tristeza. Por lo tanto, cabe también a mí, registrar la pérdida de un
ilustre y destacado miembro del Comité Editorial Nacional del PPP,
el profesor Dr. Luis Aureliano Gama de Andrade, un hecho que dejó
a todo el equipo muy sentido. Hoy el profesor ya no está entre
nosotros, pero nos deja, para el PPP y para FaPP en conjunto, una
contribución notable. Su competencia y sus puntos de vista sobre las
políticas públicas fueron esenciales para que el PPP avanzase y para
que diese importantes pasos en su aplicación.
Permítanme usar algunas palabras del Prof. Luis Aureliano ,
publicadas en la sección Punto de vista N° 3 del PPP : “el reto al que
nos enfrentamos hoy en día es construir en Brasil una sociedad justa,
desarrollada, donde todo el mundo, independientemente de sexo,
origen étnico o procedencia, disfruten de las mismas oportunidades
“( p.149 ) para resaltar en este número, colocamos cuatro temas
que de alguna manera se relacionan entre sí y van dirigidos hacia
estos desafíos, ya que los artículos incluyen el análisis y la discusión
de las políticas públicas que buscan una posible mejor calidad de
vida para los ciudadanos, garantizando los medios para satisfacer las
necesidades básicas de las personas: el acceso al agua, alimentos,
vivienda y salud.
Permítanme usar algunas palabras del Prof. Luis Aureliano ,
publicadas en la sección Punto de vista N° 3 del PPP : “el reto al que
nos enfrentamos hoy en día es construir en Brasil una sociedad justa,
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 11-15 | jan/jun 2013
desarrollada, donde todo el mundo, independientemente de sexo,
origen étnico o procedencia, disfruten de las mismas oportunidades
“( p.149 ) para resaltar en este número, colocamos cuatro temas
que de alguna manera se relacionan entre sí y van dirigidos hacia
estos desafíos, ya que los artículos incluyen el análisis y la discusión
de las políticas públicas que buscan una posible mejor calidad de
vida para los ciudadanos, garantizando los medios para satisfacer las
necesidades básicas de las personas: el acceso al agua, alimentos,
vivienda y salud.
El primer artículo, la promoción del acceso al agua como un derecho
humano: la formulación de políticas de respeto, para proteger,
cumplir y hacer realidad este derecho, de la autora Maria Bueno
Barbosa, que se refiere a la cuestión de la promoción de la garantía
del acceso al agua vista como un derecho humano.
Analiza las políticas de promoción asumidas por los gobiernos en
la agenda internacional y presenta una amplia documentación que
se ocupa de estos temas, el análisis de los problemas derivados
por la escasez de agua y el compromiso de los gobernantes para
promover, respetar y proteger el acceso a la misma.En su análisis,
destaca que definir el acceso al agua como un derecho humano
significa establecer metas de uso y de distribución, mientras que los
estados deben asumir el compromiso de garantizar el respeto y su
promoción. Administrar los recursos hídricos es una tarea compleja,
dice la autora, y no podemos olvidarnos que las políticas sociales
ineficaces o inexistentes empeoran la situación y también hay que
considerar que la relación entre el hombre y el agua está por encima
de la ley, porque la falta de ella afecta al hombre en su necesidad
más básica: “el derecho a la vida”.
En el segundo artículo : Análisis de la influencia del Programa de
Adquisición de Alimentos ( PAA ) sobre la calidad de vida de los
agricultores familiares en Viçosa / MG, los autores Rafael Júnior
dos Santos Figueiredo Salgado y Marcelo Miná Dias presentan los
resultados de la investigación llevada a cabo con los agricultores
familiares que participan en la PAA, es parte de un conjunto de las
políticas públicas relacionadas con el combate al hambre y la pobreza,
y se presenta como una de las principales acciones estructurales
del Programa Fome Cero. Celebrada en 2011, los autores señalan
que los resultados indican, según la percepción de los encuestados,
que el programa influyó positivamente en la calidad de vida de los
agricultores familiares, aumentó sus ingresos y los incentivó para
producir alimentos libres de pesticidas, entre otros. En cuanto al
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 11-15 | jan/jun 2013
15
agua, los participantes afirmaron la importancia de contar con este
“valioso bien”. La evaluación de las políticas públicas es siempre
un reto para los responsables por ese emprendimiento, es lo que
la autora Fernanda Carneiro discute en su artículo Evaluación de
políticas públicas: por un procedimiento para el ciclo de la gestión
integrada. Con base en estudios bibliográficos sobre la evaluación de
las políticas públicas y su institucionalización, la autora analiza los
desafíos encontrados tanto por los expertos como por el gobierno
en el logro de las evaluaciones. Hace referencias a las dificultades
encontradas en el modelo francés, que era la base de evaluaciones
llevadas a cabo en Brasil.
Apunta cambios de los indicadores utilizados para la evaluación y
la necesidad de superar el fin fiscalizador que pretenda acercar los
nuevos conocimientos a respecto de los programas. Afirma que la
evaluación de las políticas públicas es una nueva cultura y se vuelve
mucho más compleja, ya que se presenta como una herramienta de
apoyo a la gestión por lo que se cree que es de interés del gestor
implementarla. La autora también destaca al Ministerio de Desarrollo
Social y Combate al Hambre como un pionero en la institucionalización
de una secretaría se especializada en la evaluación y gestión de la
información. En el cuarto artículo, Entre la producción estatal de
moradías y las viviendas precarias: un análisis de la popularización
de la vivienda propia en Brasil, la autora Walkiria Zambrzycki Dutra
discute cómo el poder público trata de solucionar el problema del
acceso a la vivienda en Brasil. Para eso, analiza las políticas públicas
de vivienda, la comparación de los dos períodos en los que hubo una
mayor inversión en el sector de la vivienda: el régimen militar (19641985) y el período actual (2003-2012). Bajo la forma de estudio del
caso, la autora analiza la política pública habitacional en el aspecto de
promotora de un bien social y la relación entre el sector público y el
privado. Cuestiona y apunta una fuerte asociación entre los sectores,
dejando una duda a respecto, a quién o quiénes las políticas públicas
favorecen.
Terminamos nuestro diálogo en la Sección Artículos, de este número,
con: Federalismo y políticas públicas: la cooperación e inducción
en la formación de consorcios intermunicipales de salud, del autor
Paulo Ricardo Diniz Filho, que presenta un análisis sobre las políticas
públicas de salud, específicamente con la formación de consorcios
intermunicipales en el Estado de Minas Gerais. Afirma que la política
pública en Brasil debe ser vista en el contexto de las características
del federalismo nacional y que esa discusión ha ocupado un papel
preponderante en las agendas. Desde la década del 2000, la
cooperación horizontal surge como destacada fórmula de trabajo en
respuesta a los problemas que aquejan a los municipios.
El autor analiza la descentralización de la política de salud y señala al
estado de Minas Gerais como un pionero en el desarrollo de políticas
para fomentar la creación y formación de consorcios intermunicipales
de salud. En él se analizan las políticas de Estado para inducir a
la formación de Asociaciones micro regionales destacando el
papel crucial en el tiempo de proceso de formación de Consorcios
Intermunicipales de Salud. Y como no podía dejar de ser, en la sección
Puntos de Vista, nos quedan las palabras de Antonio Eduardo de
Noronha Amabile, nuestro homenaje es “Muchas Gracias” profesor
Luiz Aureliano.
Concluyo esta editorial agradeciendo sinceramente a los autores
que presentaron sus estudiosque se publicarán en este número
y a los miembros del Consejo Editorial y Revisoresque han
contribuido de forma muy especial y competente para que podamos
seguirmanteniendo los padrones de calidad de PPP y llevar a nuestros
lectores textos con discusiones relevantes que proporcionan nuevas
construcciones acerca de las políticas públicas.
¡Les deseo a todos una buena lectura!
ARTIGOS
ARTÍCULOS
Maria Bueno Barbosa
A PROMOÇÃO DO ACESSO À ÁGUA COMO DIREITO HUMANO:
formulação de políticas de respeito, proteção e cumprimento
deste direito
Maria Bueno Barbosa1*
RESUMO
20
A água constitui elemento essencial à vida no planeta, sendo
elemento-chave para a saúde humana, higiene, saneamento,
irrigação de colheitas, provimento de hidroeletricidade, proteção
do meio ambiente e manutenção dos ecossistemas. No entanto, o
cenário de escassez, em alguns países, desafia as medidas para
a promoção de um acesso adequado aos recursos hídricos (aqui
entendidos como a água potável, própria para o consumo e em
quantidade e qualidade satisfatórias). Somando-se à distribuição
desigual do recurso, de quantidade já altamente limitada, ainda há a
questão do crescimento populacional desenfreado e o consequente
aumento da demanda. Dentre os inúmeros documentos sobre o
tema, o Comentário Geral sobre Direito à Água, recepcionado pela
Convenção sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em
novembro de 2002, tornou-se um marco histórico para os direitos
humanos, uma vez que os 145 signatários se obrigam a promover,
respeitar e proteger esse acesso, agora entendido como parte dos
direitos humanos, com suas implicações, suas limitações, seus
requisitos necessários e seus desdobramentos.
Palavras-chave: Direito à água. Direitos Humanos. Acesso à Água.
Recursos Hídricos.
* - Bacharel em Direito e Relações Internacionais, Mestre e Doutoranda em Direito
Público pela PUC Minas. Analista Administrativa Sênior no Núcleo de Inovação
Tecnológica da PUC Minas, onde foi pesquisadora FAPEMIG (2006-2011). Professora
da PUC Minas (2012), da Faculdade de Pará de Minas (FAPAM), e da pós-graduação
lato sensu da Faculdade Pitágoras de Divinópolis-MG.
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 19-56 | jan/jun 2013
A promoção do acesso à água como direito humano: formulação de políticas de respeito, proteção
e cumprimento deste direito
LA PROMOCIÓN DEL ACCESO AL AGUA COMO UN DERECHO
HUMANO: formas de política de respeto, protección y
cumplimiento de este derecho
RESUMEN
El agua es esencial para la vida en el planeta, siendo clave para la
salud humana, la higiene, el saneamiento, el riego de los cultivos,
el suministro de energía hidroeléctrica, la protección del medio
ambiente y el mantenimiento de los ecosistemas. Sin embargo, el
escenario de escasez en algunos países desafía las medidas para
promover el acceso adecuado a los recursos hídricos (entendidos
aquí como el agua potable propia para el consumo y satisfactoria
en cantidad y calidad). A esto también le sumamos la distribución
desigual del recurso, la cantidad ya altamente limitada, el problema
del crecimiento demográfico desenfrenado y el consiguiente aumento
de la demanda. Entre los numerosos trabajos sobre el tema, el
Comentario General sobre el Derecho al Agua, aprobado por la
Convención sobre los Derechos Económicos, Sociales y Culturales,
en noviembre de 2002, se convirtió en un hito histórico para los
derechos humanos, ya que los 145 signatarios se comprometieron
a promover, respetar y proteger este acceso, entendido ahora
como parte de los derechos humanos, con sus implicaciones, sus
limitaciones, sus requisitos necesarios y sus consecuencias.
Palabras claves: Derecho al agua. Derechos Humanos. Acceso al
agua. Recursos Hídricos.
HUMAN RIGHT TO WATER: policies to promote respect,
protection and fulfillment of this right
ABSTRACT
Water is an essential element for life in general. It plays a key
role on human health, hygiene, sanitation, irrigation, on providing
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hydroelectricity and also on protecting the environment and
maintaining the ecosystems. Thus, the scarcity scenario we can
observe in some countries challenges measures taken to enforce
the promotion of an adequate access to water resources (herein
understood as freshwater, adequate for human consumption and with
satisfactory quality and quantity). Besides the unequal distribution,
allied to the already known highly limited quantity, lies the disordered
population growth and the consequent expansion of the demand.
Although some documents have addressed this issue, the General
Comment on the Right to Water received by the International
Covenant on Economic, Social and Cultural Rights on November
2002 has become a relevant mark for human rights history, once
the 145 signatories have abided to promote, respect and protect
this access to safe water, here taken into account as a part of the
human rights, and also its applications, limitations and necessary
requirements.
Keywords: Right to water. Human rights. Access to Freshwater.
Water resources.
1 Introdução
A promoção do acesso à água como direito humano à população em
geral constitui tema amplamente discutido na agenda internacional
nos mais diversos aspectos. Frequentemente, a política ambiental
é desenvolvida primeiramente no plano internacional para
posteriormente ser internalizada pelos países como desdobramentos
dos compromissos assumidos multilateralmente dentro da óptica do
Direito Internacional, como as obrigações de respeito, proteção e
cumprimento desses direitos.
Nesse sentido, o presente trabalho aborda a questão da promoção
da garantia do acesso à água por meio da assunção desses
compromissos, pelos governos estatais, em um mundo marcado
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A promoção do acesso à água como direito humano: formulação de políticas de respeito, proteção
e cumprimento deste direito
pelas consequências da distribuição desigual desse recurso, hoje
aliada à má utilização, à poluição e ao crescimento da demanda, já
se mostrando como problema pelo comprometimento das águas, na
medida em que a utilização da indústria e da agricultura compete
com a utilização humana (stricto sensu12).
Atualmente, o aumento da demanda é provocado pelo vertiginoso
crescimento populacional aliado à capacidade limitada de oferta de
água acaba comprometendo o desenvolvimento social e econômico
de muitos países (SOUZA, 2003a).23
O presente artigo busca apresentar como a discussão de políticas de
promoção, salvaguarda e proteção dos direitos humanos
2 o direito à água na agenda internacional
Diferentemente das guerras e dos desastres
naturais, a crise global por água não traz
manchetes para a mídia. Nem mesmo impulsiona
a ação de concertação internacional. Assim como
a fome, a privação de acesso à água é uma crise
silenciosa, vivenciada pelos pobres e tolerada
pelos detentores dos recursos, tecnologias e
poder político capazes de extingui-la34(WATKINS
et al., 2006, p.1, tradução nossa).
Primeiramente, ressalta-se a importância da consolidação de
um direito à água, explicitando os problemas decorrentes de sua
1 - Por utilização humana stricto sensu entendemos aquela realizada somente para
suprir as necessidades relativas à sobrevivência do ser humano.
2 - SOUZA, Matilde de. Disponível em: <http://guerra.uai.com.br/analises/5652.
html>.
3 - Unlike wars and natural disasters, the global crisis in water does not make media
headlines. Nor does galvanize concerted international action. Like hunger, deprivation
in access to water is a silent crisis experienced by the poor and tolerated by those
with the resources, the technology and the political power to end it (WATKINS et al:
HUMAN DEVELOPMENT REPORT 2006, p.1).
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escassez45 em alguns países e regiões, priorizando informações
que suscitam preocupação e que comprometem o bem-estar da
população desses países. Tais informações se fazem necessárias
para, posteriormente, serem contempladas as soluções propostas
pelos fóruns internacionais, no que tange às medidas de correção e
mitigação dessa situação para, em seguida, colocar as implicações
desse contexto para a população mundial e como a água pode se
tornar objeto de disputas e conflitos violentos em algumas partes
do planeta, para então discutir a problemática do direito humano ao
acesso à água.
Através da análise de um mapa planisférico, tem-se a impressão
de que a água constitui o elemento mais abundante no planeta,
pois representa 71% da superfície terrestre, com um volume
total estimado em 1.385 milhões de km3. Porém, se esse total for
24
fragmentado, percebe-se que a porcentagem representada pela
água salgada e pela água potável mostra realidades bem distintas,
pois a água salgada representa 97% desse total (CALASANS, 2006,
p.3). A quantidade equivalente à água doce no mundo não produz
porcentagem maior que 2,53% do total de água disponível na Terra.
Descontados os dois terços encontrados nas geleiras glaciais ou
permanentemente em forma de neve, a realidade é bem diferente:
restam ao consumo humano algo em torno de oito mil quilômetros
cúbicos, componentes dos rios, lagos e das demais fontes de água
superficial. Ainda, desse total, não se tem uma noção muito precisa
da porcentagem de água poluída por dejetos como fertilizantes,
pesticidas, resíduos industriais, humanos e químicos, dentre outros
que tornam a água imprópria para o consumo (BRANCO, 1993).
Os poluentes, maior parte das vezes, surtem efeitos locais, mas
se entendemos a dinâmica dos cursos d’água, podemos facilmente
4 - Escassez de água (Water stress) pode ser definido como a condição de insuficiência
de qualidade ou quantidade satisfatória de água para suprir as necessidades humanas
e ambientais. (Fitting the pieces together, UNESCO, 2003.)
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compreender que, no oceano, esses poluentes tendem a se concentrar
nos litorais e mares, aumentando o nível de contaminação desses,
tornando-se um problema global.
Conforme dados estimados, já em 2006, 80 países sofriam com
severos problemas críticos de falta d’água em todo o mundo, países
esses que já abrigavam 40% da população mundial. Para demonstrar
a distribuição geográfica desigual do recurso, basta a informação
de que 60% do total das águas doces do mundo se concentram em
apenas dez países, conforme se pode notar dos estudos de Jean
Margat (CALASANS, 2006, p.3).
Não bastasse a distribuição desigual dos recursos, a exploração
inadequada e a poluição tornaram a água um recurso raro e cobiçado
nesse início de século, porém há ampla discussão a respeito do
surgimento de conflitos bélicos em torno desse único motivo: a
escassez (CALASANS, 2006, p.4).
A situação ainda é agravada pelo crescimento demográfico
desordenado, pela corrida pela industrialização e desenvolvimento,
pelo aumento das fontes poluidoras e do volume de poluição
produzida, que suscitam dúvidas quanto ao futuro desses recursos,
de toda a população humana e, por que não dizer, do futuro de todo
o planeta (CALASANS, 2006, p.4).
Os recursos hídricos permanecem frágeis em muitos países e as
medidas para a promoção de seu uso sustentável56 situam-se aquém
do desejado. Em torno de 1,2 bilhão de pessoas não têm acesso
à água potável de boa qualidade e 2, 4 bilhões não possuem um
serviço de saneamento adequado. O uso de águas nas cidades, em
5 - Uso sustentável da água é o uso da água que sustenta a habilidade da sociedade
humana de perdurar e florescer no futuro indefinido sem minar a integridade do
ciclo hidrológico ou os sistemas ecológicos que dependem dele. (GLEICK , Peter H.,
tradução nossa). (WORLD WATER ASSESSMENT PROGRAMME, 2003a).
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2025, será cada vez mais problemático, uma vez que a população
urbana estimada para aquele ano é de quatro bilhões de habitantes.
Não obstante, estimativas recentes anunciam que o aquecimento
global aumentará em cerca de 20% a escassez de água no mundo,
assumindo também que, até o meio deste século, na hipótese mais
pessimista, sete bilhões de pessoas em 60 países e, na mais otimista,
dois bilhões em 48 países sofrerão com a escassez, se não houver
uma mudança de comportamento mundial do uso da água (WWAP,
2003b).
26
As tendências do século passado reafirmam o aumento da
preocupação: enquanto a população mundial triplicou, houve um
aumento de seis vezes na demanda por água ao redor do globo.
Ainda hoje, em pleno século XXI, presenciamos uma realidade que
admite um volume de mais de um bilhão de pessoas sem acesso a
uma água potável adequada e quase dois bilhões e meio de pessoas
sem saneamento básico (SCANLON; CASSAR; NEMES, 2004, p.1).
Dentre os usuários, o uso doméstico é o menor usuário em termos
quantitativos, uma vez que representa uma pequena fração, em
torno de 5% do total mundial, mas há uma enorme desigualdade
entre os níveis de moradia e o acesso à água limpa e saneamento.
Em algumas regiões da Ásia, América Latina e África Subsaariana,
de renda mais elevada, as pessoas chegam a desfrutar de centenas
de litros de água por dia, que chegam pelo encanamento em suas
casas, distribuídos pelos serviços públicos a um preço baixo. Ao
mesmo tempo, alguns casebres das regiões rurais e mais pobres
desses mesmos países não têm sequer os 20 litros diários de água
por pessoa para suprir suas necessidades humanas mais básicas.
As mulheres e as crianças são as mais afetadas com essa realidade,
porque são as pessoas responsáveis pela captação e transporte da
água, sacrificando seu tempo e sua educação para cumprir essas
tarefas (WATKINS et al., 2006, p.2).
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A promoção do acesso à água como direito humano: formulação de políticas de respeito, proteção
e cumprimento deste direito
As doenças relativas à qualidade da água matam mais pessoas
do que a AIDS em algumas regiões do mundo, mesmo nos dias
de hoje. Segundo dados oficiais da Organização Educacional,
Científica e Cultural das Nações Unidas - UNESCO -, em 2000, a
taxa de mortalidade, relacionada a diarreias e outras doenças
(esquistossomose, tracoma e infecções intestinais provocadas por
helmintos) provenientes da falta de saneamento, higiene e acesso
adequado à água, foi da ordem de 2.213.000 pessoas em todo o
mundo e mais de um milhão de mortos infectados por malária, sendo
que mundialmente mais de dois bilhões de pessoas foram infectadas
com esquistossomose e outros helmintos terrestres, das quais 300
milhões sofreram complicações, a maioria são crianças com idade
inferior a cinco anos (WSSD, 2002). Ainda hoje, é estimado que cerca
de 14-30 mil pessoas, em sua maioria crianças, jovens e idosos,
morram todos os dias em razão de doenças relacionadas à água
(SCANLON; CASSAR; NEMES, 2004, p.1).
Se todas essas tendências persistirem, em 2025, dois terços da
população mundial estará sofrendo com escassez severa, até mesmo
com a ausência total do recurso. Deve-se deixar claro que o acesso
a um suprimento adequado de água é necessário a todo aspecto da
vida humana e que uma crise hídrica causaria impactos indesejáveis
e irreversíveis na saúde, no bem-estar, no meio ambiente e nas
economias ao redor do mundo. Assim, pode-se assumir que o link
entre o bem-estar da sociedade e a saúde do meio ambiente se
torna cada vez mais importante e que será inútil assegurar apenas o
bem-estar social sem se preocupar com o meio ambiente (SCANLON;
CASSAR; NEMES, 2004, p.1).
A lógica inaugurada por Thomas Malthus, no século XIX, é a que
prevalece no cenário internacional quando se trata do assunto
relativo à escassez de água, pois sua teoria já contemplava o futuro
como uma época em que haveria escassez de alimentos. Com o
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crescimento desordenado e com a expansão da demanda por água
em todo o mundo, o argumento é reforçado com a previsão de um
futuro de seca, baseado em fundamentos matemáticos. Devemos,
portanto, rejeitar esse ponto de partida, porque o problema da
escassez não é um problema de indisponibilidade de recursos, mas
sim de concentração de poder, ausência de vontade política, pobreza
e desigualdade (WATKINS et al., 2006, p.2).
Lord Selborne (2001) faz um estudo sobre as implicações da ética
no uso da água doce e tece algumas considerações a este respeito.
Tomando como ponto de partida de sua discussão o conceito de
desenvolvimento sustentável, introduzido pelo Relatório Brundtland,
o autor se refere à necessidade de se estabelecer um novo modelo
de desenvolvimento econômico, material e tecnológico, com vistas
a atitudes que busquem a partilha, o cuidado, a conservação e a
economia (SELBORNE, 2001, p.17).
28
Conforme Vargas (2000), a criação de uma consciência voltada para
a questão ambiental tem como precedente histórico a preocupação
com a conservação dos recursos hídricos. Nesse contexto, os rios se
posicionam como elemento-chave do despertar dessa consciência,
pois, devido à poluição das águas, passa-se a pensar nos efeitos dos
danos que a poluição pode causar além-fronteiras e, até mesmo,
além-mar. A partir desse momento, a comunidade internacional
passa a se preocupar com medidas preventivas e de redução
da contaminação, promovendo uma mudança de parâmetros,
considerando os recursos hídricos não só como essenciais à vida
humana, como também importante recurso econômico, salientando
sua importância para o desenvolvimento das sociedades.
No entanto, a ação internacional ainda é insignificante, tendo em
vista a dimensão do problema. Quando, em 1994, o Relatório do
Desenvolvimento Humano inaugurava o conceito de “segurança
humana” para o debate internacional, buscava-se ampliar as
percepções da segurança nacional - até então entendida apenas
como a capacidade de defesa militar dos Estados às ameaças e a
proteção dos interesses de política externa dos países - para uma
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A promoção do acesso à água como direito humano: formulação de políticas de respeito, proteção
e cumprimento deste direito
concepção de segurança que levasse em conta, principalmente, as
vidas humanas de sua população (WATKINS et al., 2006, p.3).
Assim, a segurança hídrica também inaugura um conceito mais
abrangente da segurança humana e, em termos gerais, consiste
em assegurar a cada pessoa acesso a uma quantidade suficiente
de água, a um preço acessível, para uma vida saudável, digna e
produtiva, que permita a manutenção dos ecossistemas provedores
de água, mas também dependentes dela (WATKINS et al., 2006,
p.3).
Nesse ponto, a lógica das percepções nacional e internacional de
segurança humana deve repousar justamente em tentar evitar a
escassez hídrica, uma vez que esta violaria alguns dos princípios mais
básicos da justiça social, dentre os quais: a igualdade de cidadania67;
o mínimo social78; a igualdade de oportunidades89; e a distribuição
justa910(WATKINS et al., 2006, p.3-4).
Esses princípios devem nortear qualquer formulação de direito à
água que se propuser plausível e aplicável, no sentido de buscar
corresponder cada vez mais à realidade apresentada.
3 A concertação internacional
Não obstante a importância das conferências/instrumentos específicos
sobre o tema, resta ainda saber como alguns instrumentos mais
gerais de direitos humanos e de direito internacional contribuíram
para o desenvolvimento da discussão. Assim, também cabe reportar
a esses instrumentos para estabelecer, futuramente, o conteúdo do
6 - Todas as pessoas possuem uma igualdade de direitos civis, políticos e sociais
inerentes à sua condição humana, bem como os meios para exercitar esses direitos
efetivamente (WATKINS et al., 2006, p.3).
7 - Todos os cidadãos devem ter acesso ao mínimo de recursos suficientes para
suprir suas necessidades básicas e viver em dignidade. No que se refere à água, esse
mínimo representa 20 litros/dia (WATKINS et al., 2006, p.3).
8 - Igualdade de oportunidade é essencial para a justiça social e é diminuída pela
insegurança hídrica, uma vez que crianças e mulheres empenhadas na tarefa de
buscar água perdem tempo que poderiam investir em sua educação (WATKINS et al.,
2006, p.3-4).
9 - Toda sociedade estabelece um nível aceitável de desigualdades. Se o acesso a
uma água potável atingir elevada desigualdade, pode causar morte de crianças e
aprofundar a pobreza (WATKINS et al., 2006, p.4).
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direito à água e discutir sua eficácia. Porém, resta saber que entre
os direitos explicitamente garantidos por esses instrumentos estão
o direito à vida, o direito a desfrutar de uma boa qualidade de vida
com saúde, bem-estar, proteção contra doenças e acesso a uma
quantidade adequada de comida, dentre tantos outros.
30
a. Carta das Nações Unidas, 1945
A Carta das Nações Unidas não faz menção expressa à água, porém,
quando entendemos que a realidade contemporânea traz consigo
novos desafios para a implementação dos compromissos firmados
na Carta, podemos atribuir a seus artigos uma interpretação mais
condizente com essa realidade. Dessa forma, sobretudo ao nos
referirmos ao artigo 55 da Carta, a seguir, podemos entender que,
conforme dissemos anteriormente, uma crise na disponibilidade de
água em qualidade e quantidade suficiente para a sobrevivência
humana, compromete todos os propósitos nele elencados (SCANLON;
CASSAR; NEMES, 2004, p.3):
ARTIGO 55 - Com o fim de criar condições de
estabilidade e bem-estar, necessárias às relações
pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas
no respeito ao princípio da igualdade de direitos
e da autodeterminação dos povos, as Nações
Unidas favorecerão: a) níveis mais altos de vida,
trabalho efetivo e condições de progresso e
desenvolvimento econômico e social; b) a solução
dos problemas internacionais econômicos, sociais,
sanitários e conexos; a cooperação internacional,
de caráter cultural e educacional; e c) o respeito
universal e efetivo dos direitos humanos e
das liberdades fundamentais para todos, sem
distinção de raça, sexo, língua ou religião. (CARTA
DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945).
Assim, com o aquecimento global e todas as suas incertezas
climáticas, o crescimento populacional desenfreado e as secas
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severas que já ocorrem, o direito à água se faz necessário para se
alcançar todos esses desdobramentos.
b. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948
Grande parte do conteúdo da Declaração de 1948, por ter sido
reiterado em inúmeros documentos, tornou-se costume no direito
internacional, mesmo não tendo um caráter obrigatório e vinculante
(SCANLON; CASSAR; NEMES, 2004, p.3). Assim, o artigo 25 é o que
mais se relaciona ao tema, ao proclamar:
Artigo XXV
1. Todo ser humano tem direito a um padrão de
vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde
e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário,
habitação, cuidados médicos e os serviços
sociais indispensáveis, e direito à segurança em
caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez,
velhice ou outros casos de perda dos meios
de subsistência em circunstâncias fora de seu
controle (ASSEMBLEIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).
Mesmo que a água não tenha sido explicitamente incluída no rol
de direitos garantidos por esse instrumento, podemos entendê-la
implícita na medida em que a expressão ‘inclusive’ abre espaço para
outras categorias não elencadas de forma direta e serve como um
indicativo das espécies que podem ser incluídas como essenciais para
um padrão de vida adequado. Para que os ditames da Declaração
sejam satisfeitos, um acesso a uma quantidade de água de boa
qualidade, suficiente para suprir as necessidades humanas, é mais
do que essencial, sobretudo em relação à saúde e ao bem-estar
geral (SCANLON; CASSAR; NEMES, 2004, p.3-4).
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1977
c. As Convenções e Protocolos de Genebra, 1949 e
As Convenções de Genebra III e IV e os Protocolos Adicionais I
e II reconhecem diretamente o direito à água, no entanto, esse
reconhecimento é restrito à água potável, destinada somente a
saciar a sede (SCANLON; CASSAR; NEMES, 2004, p.4).
Assim, quando há referência ao provimento de água, essa referência
sempre está ligada à sobrevivência humana mais primária, que é
a satisfação das necessidades básicas como a higiene pessoal, a
alimentação, os cuidados médicos e a água potável para saciar a
sede.
32
No entanto, os Protocolos Adicionais I e II avançam na proibição
de se utilizar de estratégias como privação de água e comida como
táticas de guerra. Assim, busca-se inibir o ataque a reservas de água
potável e meios de irrigação.
d. Os Pactos de Direitos Humanos de 1966
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos - PIDCP e o
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais PIDESC também se referem ao direito à água de maneira indireta,
sem mencioná-lo explicitamente.
Ao reconhecer o direito à vida, o PIDCP recebeu um tratamento mais
amplo, quando a Comissão de Direitos Humanos versou sobre o
assunto por meio da produção do Comentário Geral nº 6, passando
a interpretar o conteúdo desse direito de forma mais abrangente.
Assim, a partir desse momento, o direito à vida ganha, como
conteúdo, medidas para reduzir a mortalidade infantil e aumentar a
expectativa de vida, especialmente encorajando medidas de redução
da desnutrição e das epidemias. No mesmo documento, expandese o conceito de direito à vida com uma interpretação mais ampla,
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e cumprimento deste direito
buscando resguardar todas as nuances da vida humana. De qualquer
forma, mesmo que se tome uma interpretação mais restritiva do
direito à vida, é impensável reconhecê-lo sem admitir a garantia do
acesso à água, pois se trata de um dos recursos mais essenciais
e fundamentais para a sobrevivência humana (SCANLON; CASSAR;
NEMES, 2004, p.4).
Ao contrário de John Scanlon, Angela Cassar e Noémi Nemes (2004,
p.5), o tratamento dado ao direito à água pelo PIDESC, de 1966,
não é mais abrangente que o do PIDCP, porque ambos mencionam
assuntos correlatos em abordagens complementares. Para entender
a presença desta menção também no segundo Pacto, deve-se, como
no primeiro, interpretar de forma mais abrangente suas prescrições.
Não se deve olvidar, entretanto, que buscar a positivação de um
direito à água em um instrumento internacional de direitos humanos,
trata-se exatamente de garantir um direito claro e explícito, dotado
de conteúdo específico e de obrigações correlatas que devem ser
protegidas, respeitadas e garantidas pelos Estados, de uma forma
geral, como um direito humano autônomo que mantém uma
interdependência com todo o núcleo de direitos humanos e todo o
rol de direitos que o compõem.
No entanto, Scanlon, Cassar e Nemes (2004, p.5) referem-se ao
Comentário Geral nº 15, produzido pelo Comitê sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, como aquele que efetivamente
acrescentou à interpretação dos artigos 11 e 12 do Pacto (PIDESC) a
noção do direito à água como essencial para a garantia da dignidade
humana, até mesmo reconhecendo algumas medidas para solucionar
o acesso de forma efetiva.
e. Convenção sobre os Direitos da Criança, 1986
O reconhecimento do acesso à água como direito humano, segundo
Peter Gleick (1998, p.8), o reconhecimento explícito do direito à
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água tem seu respaldo na Convenção sobre os Direitos da Criança de
1989, pois, dentre as medidas que prevê para os Estados garantirem
e protegerem esses direitos, o seu artigo 24 alínea c é específico
quanto ao fornecimento de água, como se pode ver:
Artigo 24 […]
2. Os Estados-partes garantirão a plena aplicação
desse direito e, em especial, adotarão as medidas
apropriadas com vistas a:
[…] c) combater as doenças e a desnutrição,
dentro do contexto dos cuidados básicos de saúde
mediante, inter alia, a aplicação de tecnologia
disponível e o fornecimento de alimentos nutritivos
e água potável, tendo em vista os perigos e riscos
da poluição ambiental; (MAZZUOLI, 2008, p.899).
34
Segundo Gleick (1998), pode-se perceber, nessa Convenção,
a primeira menção explícita às conexões entre os recursos, a
conservação do meio ambiente e a saúde humana.
f. Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento,
1993
Dentre os vários documentos que compõem o aparato do direito ao
desenvolvimento, a Declaração e o Programa de Ação de Viena de
1993 também não são instrumentos que buscam instituir o direito
humano de acesso à água. Em seu artigo 8º, a Declaração sobre o
Direito ao Desenvolvimento de 1986 (MAZZUOLI, 2008, p.776) apenas
faz referência a direitos conexos ao direito ao desenvolvimento, não
mencionando expressamente o direito à água, conforme se pode
perceber:
Artigo 8º
1. Os Estados devem tomar, a nível nacional, todas
as medidas necessárias para a realização do direito
ao desenvolvimento e devem assegurar, inter alia,
igualdade de oportunidade para todos em seu
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A promoção do acesso à água como direito humano: formulação de políticas de respeito, proteção
e cumprimento deste direito
acesso aos recursos básicos, educação, serviços
de saúde, alimentação, habitação, emprego e
distribuição equitativa de renda. Medidas efetivas
devem ser tomadas para assegurar que as
mulheres tenham um papel ativo no processo de
desenvolvimento. Reformas econômicas e sociais
apropriadas devem ser efetuadas com vistas à
erradicação de todas as injustiças sociais.
2. Os Estados devem encorajar a participação
popular em todas as esfera, como um fator
importante no desenvolvimento e na plena
realização de todos os direitos humanos
(MAZZUOLI, 2008, p.780).
Assim, ao assegurar os direitos à igualdade de oportunidades no
acesso aos recursos, não necessariamente se faz menção à água. No
entanto, todos os outros direitos explicitamente elencados dependem
de acesso à água em quantidade e qualidade adequadas: saúde,
alimentação, habitação, dentre os outros, para que o indivíduo,
sujeito desses direitos, possa desfrutar de uma vida digna.
g. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente Humano, 1972
Em 1972, foi realizada em Estocolmo a “Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente Humano”, cuja área de concentração era
bem distinta das diretrizes atuais, que propõem uma aliança entre
o desenvolvimento e a preservação ambiental, atendo-se somente
às questões relacionadas ao ser humano e ao meio ambiente. Essa
conferência possuiu como palavra-chave poluição e a discussão
girava em torno das condições alarmantes de alguns centros
urbanos, centrando-se em medidas de promoção da limpeza de rios,
ar e mares, o que culminou na “Declaração de Estocolmo sobre o
Meio Ambiente”, da qual constavam 26 princípios de proteção ao
meio ambiente, ressaltando a importância da ação estatal para a
eficácia desta preservação (SETTI et al., 2001, p.242).
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Maria Bueno Barbosa
36
h. Conferência de Mar Del Plata, 1977
A Conferência sobre Água de Mar Del Plata teve como resultado
o Plano de Ação de Mar Del Plata, propondo soluções para os
problemas emergentes relacionados aos recursos hídricos. O Plano
constituía também de algumas recomendações e resoluções que
cobriam um amplo rol de assuntos. Assim, as recomendações
incluíam temas como o acesso, o uso e a eficiência dos recursos
hídricos; meio ambiente, saúde e controle de poluentes; políticas
públicas, planejamento e gerenciamento; e cooperação regional e
internacional. Já as resoluções também versavam sobre o acesso,
mas, além disso, ainda abordaram temas como suprimento de água
nas comunidades; uso agrícola da água; pesquisa e desenvolvimento;
comitês de bacias; cooperação internacional; e, por fim, políticas
hídricas nos territórios ocupados. O ponto alto da Conferência,
decorrente do Plano de Ação, foi a proclamação da “Década
Internacional da Água Potável e do Saneamento”, de 1981 a 1990,
momento em que os governos assumem o compromisso internacional
de aprimorar substantivamente os setores de saneamento básico e
aqueles relacionados à água potável (SALMAN; MCINERNEY, 2004,
p.8).
Há, no documento resultante da Conferência de Mar Del Plata em
1977, a menção de um direito à água, que consistia no suprimento
de água em quantidade e qualidade suficiente para as necessidades
básicas (SALMAN; MCINERNEY-LANKFORD, 2004, p.5).
Segundo Salman e McInerney-Lankford (2004, p.8), o debate sobre
o direito à água começa a ser tratado a partir dessa conferência,
principalmente no conteúdo da Resolução II, que continha o acesso
à água para beber, em quantidade e de qualidade suficiente para
suprir suas necessidades básicas, declarado como direito de todos
os povos, independentemente de seu grau de desenvolvimento e
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 19-56 | jan/jun 2013
A promoção do acesso à água como direito humano: formulação de políticas de respeito, proteção
e cumprimento deste direito
condições socioeconômicas. Esse documento também avançava
no reconhecimento universal da disponibilidade de água (e de
seu desperdício) como essencial para a vida e para o pleno
desenvolvimento do homem, tanto como indivíduo quanto como
parte integrante da sociedade. Nesse sentido, a Resolução clamava
pela cooperação internacional por meio da mobilização de recursos
humanos, físicos e econômicos, para que a água seja acessível e
distribuída de uma forma justa entre as pessoas dentro de seus
respectivos países.
No entanto, apesar de referir simplesmente a um direito e não a um
direito humano, a Conferência de Mar Del Plata inovou ao discutir
assuntos claramente relacionados ao direito de acesso seguro à
água potável. Dessa forma, Mar Del Plata inaugura uma série de
conferências das Nações Unidas acerca do tema dos recursos hídricos,
que passaram a focar suas discussões no direito à água, fornecendo
subsídios suficientes para fomentar a discussão do direito humano
à água.
i. A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, 1985 e o Relatório Brundtland, 1987
Em 1985, a Assembleia Geral da ONU delegou ao Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA, a função de traçar metas para
serem atingidas no ano de 2000, por meio do estabelecimento da
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, presidida
pela Primeira-Ministra da Noruega. Essa Comissão se encarregou
de produzir o Relatório Nosso Futuro Comum, também conhecido
como Relatório Brundtland, publicado em 1987, apresentando ao
mundo a ideia de desenvolvimento sustentável, sendo esse: “o
desenvolvimento que atende às necessidades do presente, sem
comprometer a capacidade das gerações futuras atenderem às suas
próprias necessidades” (SETTI et al., 2001, p.244).
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Maria Bueno Barbosa
j. As Conferências Preparatórias de Delft (1991) e
Dublin (1992)
Em junho de 1991, o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) realizou o simpósio “Uma estratégia para
a formação de capacitação no setor de recursos hídricos”, na cidade
de Delft, na Holanda, cujo resultado se ateve à Declaração de Delft,
de caráter recomendatório. Essa declaração, assim como seu anexo,
proclamava que as soluções para os problemas de cada país deveriam
ser originadas dentro dos próprios países e previa a realização da
Conferência Internacional de Dublin e a Conferência do Rio, ambas
em 1992 (SETTI et al., 2001, p.246).
38
Em Dublin, na conferência promovida pela Organização Meteorológica
Mundial (OMM), a preocupação maior se dirigiu à avaliação da
disponibilidade e qualidade da água doce e sua relação com a
demanda presente e futura, a fim de fornecer estimativas para as
políticas nacionais. Dessa Conferência surgiu então a afirmação
da água como recurso econômico e da participação de todos seus
usuários em sua preservação (SETTI et al., 2001, p.247).
k. A Conferência do Rio - ECO 92 e a Agenda 21
No mesmo ano, conforme fora proposto pelo Brasil, na XLIII Sessão
da Assembleia Geral da ONU, realizou-se a Conferência do Rio,
também conhecida como ECO 92, da qual resultaram dois importantes
documentos, além de tratados e acordos internacionais: a Carta da
Terra, contendo princípios relativos à proteção do meio ambiente;
e a Agenda 21, documento que enumera metas, objetivos, temas,
projetos e planos para o longo prazo a respeito de cada tema tratado
na conferência (SETTI et al., 2001, p.247-252). O ponto principal
relacionado à água, abordado pela Agenda 21, era a concordância
dos governos:
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A promoção do acesso à água como direito humano: formulação de políticas de respeito, proteção
e cumprimento deste direito
O manejo integrado dos recursos hídricos baseiase na percepção da água como parte integrante do
ecossistema, um recurso natural e bem econômico
e social cujas quantidade e qualidade determinam
a natureza de sua utilização. Com esse objetivo, os
recursos hídricos devem ser protegidos, levandose em conta o funcionamento dos ecossistemas
aquáticos e a perenidade do recurso, a fim de
satisfazer e conciliar as necessidades de água
nas atividades humanas. Ao desenvolver e usar
os recursos hídricos, deve-se dar prioridade à
satisfação das necessidades básicas e à proteção
dos ecossistemas. No entanto, uma vez satisfeitas
essas necessidades, os usuários da água devem
pagar tarifas adequadas (Agenda 21, artigo 18.8).
A Agenda 21 constitui-se referência em termos de direito ambiental
internacional, tanto por inaugurar princípios inerentes à proteção dos
ecossistemas, quanto por estabelecer metas e buscar medidas de
solução dos problemas ambientais anunciados à época e agravados
com o passar do tempo.
l. Declaração do Milênio e Declaração Política de
Johanesburgo, 2002
Ambos os documentos vislumbram a possibilidade de se unir as
aspirações por um meio ambiente saudável com os objetivos relativos
ao desenvolvimento humano, no intuito de impulsionar os esforços
globais para eliminação da pobreza. Todavia, os esforços dos Fóruns
Mundiais da Água (Haia, Bonn e Quioto) e do Fórum Mundial de
Desenvolvimento Sustentável no reconhecimento do direito humano
de acesso à água potável foram falhos e insuficientes (SCANLON;
CASSAR; NEMES, 2004, p.7). Porém na “Declaração de Johanesburgo
sobre Desenvolvimento Sustentável: Das nossas origens ao futuro”,
houve a tentativa de consolidar esse direito, na medida em que
reconhece a indivisibilidade da dignidade humana, mas estabelece
em seu artigo 18:
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18. Acolhemos o foco da Cúpula de Johanesburgo
na indivisibilidade da dignidade humana e
estamos resolvidos, por meio de decisões sobre
metas, prazos e parcerias, a ampliar rapidamente
o acesso às necessidades básicas como a água
potável, o saneamento, habitação adequada,
energia,
assistência
médica,
segurança
alimentar e a proteção da biodiversidade. […]
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2002,
Artigo 18).
40
O III Fórum Mundial da Água ocorreu em Quioto, em março de 2003,
organizado pela ONU. A publicação da primeira edição do Relatório
do Fórum Mundial de Desenvolvimento Hídrico, no Terceiro Fórum
Mundial sobre Água, em Quioto, no Japão, em março desse ano, foi
o ponto principal das atividades de informação pública desse evento.
Nesse fórum, representantes de todos os países discutiram sobre
diversos itens, dando destaque ao debate das questões relativas ao
abastecimento, saneamento e sobre o acesso das populações a uma
água de qualidade.
De um modo geral, a realização da Conferência Rio+10, em
Johanesburgo, não surtiu grandes efeitos. A discussão da Agenda
21 concluiu que não se obteve grande parte dos objetivos propostos
e que ainda há muito a ser feito. A delegação brasileira expôs um
painel sobre a cobrança de royalties pelo uso da água, sendo este o
ponto de destaque da conferência no tocante aos recursos hídricos.
A reunião produziu uma grande comoção na população mundial a
respeito da posição adotada pela política externa norte-americana,
contrária ao Protocolo de Quioto - que trata da redução da emissão
de gás carbônico. As manifestações populares anti-Bush são o auge
da conferência, não restando muito espaço na mídia para a discussão
de outras questões.
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 19-56 | jan/jun 2013
A promoção do acesso à água como direito humano: formulação de políticas de respeito, proteção
e cumprimento deste direito
m. O Ano Internacional da Água Potável, 2003
A Resolução 55/196 da Assembleia Geral das Nações Unidas
proclamava o ano de 2003 como o Ano Internacional da Água Potável.
A resolução, adotada em 20 de dezembro de 2000, colocada pelo
Governo do Tadjiquistão e apoiada por outros 148 países, encorajou
os governos, o sistema da ONU e todos os outros atores a tirarem
vantagem desse ano para aumentar a importância do gerenciamento,
proteção e uso racional da água potável, conclamando governos,
organizações internacionais e não governamentais, e o setor privado
a realizarem doações voluntárias e quaisquer outras formas de
suporte ao Ano (UNESCO, 2003a).
O Ano Internacional da Água Potável criou uma oportunidade para
acelerar a implementação dos princípios de gerenciamento integrado
de recursos hídricos. O Ano estabeleceu uma plataforma para a
promoção de atividades já existentes e para o fomento de novas
iniciativas direcionadas aos recursos hídricos nos níveis nacional,
regional e internacional. Era esperado que o Ano Internacional da
Água Potável fosse capaz de implementar acordos realizados no
Fórum Mundial de Desenvolvimento Sustentável, em setembro de
2002, em Johanesburgo, conforme mencionado, produzindo um
impacto para além do ano de 2003. Apesar da realização de inúmeras
conferências e fóruns, pouco avanço foi obtido no sentido de se
estabelecer um impacto maior para a promoção da conservação dos
recursos hídricos. Porém, o assunto ainda permanece um ponto de
extrema relevância na agenda das Nações Unidas.
I. O Comentário Geral sobre Direito à Água
O Comentário Geral sobre Direito à Água, adotado pela Convenção
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em novembro de
2002, é um marco histórico para os direitos humanos. Pela primeira
vez a água é reconhecida explicitamente como direito humano
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Maria Bueno Barbosa
fundamental e os 145 países que ratificaram essa convenção
internacional estão agora compelidos a assegurar, gradualmente,
o acesso irrestrito e equitativo de todos à água potável, de boa
qualidade e sem discriminação.
Esse documento afirma que “o direito humano de acesso à água
resguarda a todos o acesso a uma água de boa qualidade, a um
preço razoável, de fácil acesso físico, nas quantidades necessárias e
em condições aceitáveis para o uso doméstico e pessoal” (ECOSOC,
2002), além de requerer dos governos a adoção de estratégias e
planos de ação nacionais, que permitirão “o avanço rápido e eficaz
para a garantia completa desse direito humano”. Estas estratégias
devem:
42
•
ser baseadas nas leis e nos princípios de direitos
humanos;
•
cobrir todos os aspectos do direito à água e às
obrigações correspondentes aos países;
•
definir objetivos claros;
•
estabelecer metas ou objetivos a serem alcançados e
o tempo necessário para isto; e
•
formular políticas e indicadores adequados.
Geralmente, as obrigações governamentais a respeito do direito
à água potável de boa qualidade dentro da Legislação de Direitos
Humanos recaem amplamente sobre os princípios de respeito,
proteção e cumprimento.
A obrigação do respeito ao direito requer que as partes da Convenção
não sigam nenhuma conduta que interfira no desfrute do direito,
tais como práticas de negação de acesso igualitário à água potável,
ou mesmo de poluição das águas através de dejetos de empresas
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A promoção do acesso à água como direito humano: formulação de políticas de respeito, proteção
e cumprimento deste direito
estatais. As partes são obrigadas a proteger os direitos humanos,
impedindo que terceiros interfiram, de qualquer forma, na fruição do
direito à água potável.
A obrigação de cumprimento requer das partes a adoção de medidas
necessárias para a realização completa do direito à água potável.
Esta Convenção Geral é importante porque fornece à sociedade civil
um poderoso instrumento, visto que força os governos a uma tomada
de posição frente à garantia de acesso equitativo à água. Fornece
também uma estrutura que promove assistência aos governos no
estabelecimento de políticas e estratégias eficazes que rendem
benefícios reais para a saúde e a sociedade.
Um aspecto importante do valor desta Declaração está na atenção
e nas atividades dirigidas àqueles mais afetados, como os pobres e
vulneráveis, mulheres, crianças e idosos. Além disso, busca-se evitar
a escassez e todo o tormento trazido pelos conflitos dela derivados,
minimizando seus efeitos através dos mecanismos de cooperação
internacional.
Observa-se nesses fóruns a manifestação dessa vontade, mesmo que
de forma tímida e pouco explícita. Nesse sentido, cabe ressaltar uma
abordagem sobre os estudos de Segurança Ambiental, na medida
de suscitar a possibilidade da ocorrência desses conflitos acerca da
escassez de recursos naturais, sobretudo da água, em um momento
que a mídia internacional noticia a proximidade da ocorrência de
conflitos pelo “ouro azul”.
4 A escassez, a cooperação e o conflito
A questão da disponibilidade e da escassez dos recursos hídricos
pode ser de tal forma grave a ocasionar conflitos.
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Muitas vezes, a saída para essas situações é a cooperação, relembrando
o que diz Rezek ao se referir ao tratamento de questões ambientais
pelo Estado, afirmando que este, normalmente, “subordina-se
a normas convencionais de elaboração recente e quase sempre
multilateral, a propósito do meio ambiente”, justificando, sobretudo,
a interdependência do sistema de proteção dos recursos naturais,
visto que muitos dos efeitos são gerados para além das fronteiras
geográficas de cada país. Rezek também ressalta a importância
dessas normas convencionais para a proteção dos chamados direitos
de terceira geração, como o “direito a um meio ambiente saudável”
(REZEK, 2000, p. 235-237). Porém, deve-se ressalvar que nem sempre
as decisões referentes ao meio ambiente são tomadas de forma
multilateral, porque (também sem tanta frequência) essas decisões,
mesmo multilaterais, nem sempre se baseiam na cooperação, pois,
muitas vezes, os Estados agem dentro do sistema internacional de
acordo com seus próprios interesses, e não necessariamente visando
o bem comum.
O papel desempenhado hoje pelos recursos hídricos para seus
usuários é determinado pela sua limitação e disponibilidade: tendo
em vista que não são recursos igualmente distribuídos e que os
usuários competem de forma desigual, dados os padrões de uso
divergentes entre indústria, municípios, indivíduos e agricultura
(principais usuários), formou-se um entendimento tanto nacional
quanto internacional de atribuir ao governo o policiamento desse uso
e a garantia do acesso àqueles em desvantagem, bem como evitar a
sobrecarga do sistema hídrico.
No cenário internacional, quando o conflito abrange mais de um país,
muitas vezes se recorre à guerra como meio de solução. Quando isso
ocorre, além de não resolver o problema, há um condicionamento da
utilização da água, contrariando o princípio 24 da Conferência da ONU,
de 1992, que entende a guerra como contrária ao desenvolvimento
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 19-56 | jan/jun 2013
A promoção do acesso à água como direito humano: formulação de políticas de respeito, proteção
e cumprimento deste direito
sustentável, um dos assuntos mais preocupantes para o cenário
internacional no século XXI.
Princípio 24 - A guerra é, por definição, contrária ao
desenvolvimento sustentável. Os Estados devem,
por conseguinte, respeitar o direito internacional
aplicável à proteção do meio ambiente em
tempos de conflito armado, e cooperar para seu
desenvolvimento progressivo, quando necessário
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1992).
Os problemas atuais referentes à água dizem respeito tanto à
quantidade quanto à qualidade da água oferecida, mas a degradação
que acarreta esses problemas não é resultado da falta de leis vigentes
e sim da correspondência dessas legislações com as necessidades
e interesses do público ao qual se dirigem. Sendo problema tanto
de âmbito nacional quanto de âmbito internacional, a ausência de
estrutura administrativa necessária para responder aos comandos
normativos, as normas relativas à utilização da água deixam de
produzir efeitos. Sendo assim, estas normas são desrespeitadas e
não alcançam os resultados pretendidos, fato que chega a gerar
insegurança jurídica. Gradualmente, os direitos difusos passam a ser
respeitados, verificando-se a tendência, ou ao menos, a necessidade
de um poder de polícia mais ativo para que correspondam às
expectativas geradas, evitando danos.
Contudo, a relação entre homem e água antecede o direito. É
elemento intrínseco de sua sobrevivência e, no pensamento humano,
há a noção da água como presente de Deus, mesmo naquelas regiões
onde é escassa e não há políticas sociais eficazes que ensinem o uso
moderado desse recurso. O mais grave é a piora dessa situação pelas
normas inexistentes ou ineficazes produzidas por essas políticas,
acarretando poluição, escassez e doenças que contribuem para a
continuidade do desrespeito às regras, gerando sentimento de
impunidade e real empobrecimento do país e das regiões. A água
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 19-56 | jan/jun 2013
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que falta ao homem para beber o atinge em sua necessidade mais
básica - o direito à vida!
A cooperação continua sendo chave-mestra para a solução dos
conflitos tanto em nível nacional quanto no nível internacional,
prevalecendo o entendimento de que a cooperação entre usuários
solucionaria o problema de modo menos traumático e mais eficaz
- sendo definidos como usuários: no nível interno, a agricultura, os
indivíduos, as municipalidades e as indústrias; e no nível internacional
os atores envolvidos (essencialmente países que compartilham da
mesma fonte de água ou da mesma bacia hidrográfica).
46
A questão da escassez de água1011 vem preocupando populações e
governos de inúmeros países. O uso exaustivo da água pode levar
várias partes do mundo a uma grave crise de abastecimento.
Algumas nações já vêm sofrendo com a escassez de água ao longo
de sua história, como é o caso de inúmeras nações da África e do
Oriente Médio.
Segundo o relatório O Estado da População Mundial, do Fundo
das Nações Unidas para a População, se as devidas precauções não
forem tomadas, em 2025, 3 bilhões de pessoas e mais de 48 países
passarão sede no mundo.
A questão da água passa a ser entendida como estratégica quando
são constatadas as seguintes características (UNESCO, 2003):
•
o grau da escassez;
•
a quantia de água que é compartilhada por mais de
um país ou região;
10 - Escassez de água (Water stress) pode ser definida como a condição de insuficiência
de qualidade ou quantidade satisfatória de água para suprir as necessidades humanas
e ambientais. (Fitting the pieces together, UNESCO, 2003.)
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A promoção do acesso à água como direito humano: formulação de políticas de respeito, proteção
e cumprimento deste direito
•
o poder relativo dos Estados componentes da bacia; e
•
a facilidade de acesso a fontes alternativas de
recursos hídricos.
Assim, uma ameaça ao meio ambiente somente pode ser considerada
uma ameaça à segurança de um país quando há uma conexão muito
forte entre aquela ameaça e algum interesse nacional vital. No caso
da questão dos recursos hídricos, essa conexão pode ser entendida
como o bem-estar geral da população, a economia nacional, a
produção de grãos, questões sanitárias e de saúde, produção de
energia e criação de rebanhos, entre muitas outras.
I. Metodologia para formulação das políticas referentes
à escassez de água
O teórico canadense Thomas F. Homer-Dixon afirma que “Estados
podem disputar quando há diminutos suprimentos de água e/ou
efeitos da poluição a montante12” (HOMER-DIXON, 1991, p.77).
Entende-se a vulnerabilidade dos países em relação à produtividade
da terra e também a relevância da água para a paz interna de um
país.
Segundo Dixon, efeitos sociais como estes podem causar variados
tipos específicos de conflitos agudos, incluindo disputas sobre recursos
escassos entre países, rixas entre grupos étnicos, guerra civil, ou
mesmo provocar insurgências, cada um com repercussões que podem
comprometer interesses de segurança dos países desenvolvidos
(HOMER-DIXON, 1991, p.77-79). Neste sentido, apresenta a razão
pela qual a degradação ambiental pode ser responsável por conflitos
violentos, delineando uma estratégia de pesquisa para entender essa
ligação entre conflito e ameaça à integridade do ambiente. O autor
12 - Tradução livre de: “Countries may fight over dwindling supplies of water and the
effects of upstream pollution” (HOMER-DIXON, 1991, p.77).
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Maria Bueno Barbosa
também propõe em seu livro Environment, Scarcity, and Violence
(DIXON, 1999, p.4-5), cinco tipos de conflitos violentos que podem
surgir em decorrência de escassez de recursos ambientais, a saber:
•
Disputas originadas por degradações ambientais
locais causadas, por exemplo, pela emissão de
poluentes pelas indústrias, pela construção de
represas, etc.;
•
Rixas étnicas derivadas de migração populacional
ou diferenças sociais aprofundadas por causa da
escassez ambiental;
•
Guerra civil (incluindo insurgências, corrupção e
golpes de Estado) causada por escassez ambiental
que afetam a produtividade econômica e também
a qualidade de vida das pessoas, o comportamento
dos grupos de elite e a habilidade dos Estados em
atender essas demandas oscilantes;
•
Guerras entre Estados, induzidas pela escassez de
recursos como, por exemplo, a água;
•
Conflitos norte-sul (i.e. conflitos envolvendo países
desenvolvidos e países em desenvolvimento).
48
Ao traçar estes “perfis”, o autor deixa claro que os conflitos nortesul seriam uma última instância dos conflitos ambientais, não sendo
facilmente identificados.
Com o crescimento populacional e o progresso da degradação
ambiental, os formuladores de políticas públicas terão uma
capacidade cada vez mais reduzida de intervir e impedir que
esses danos ambientais produzam impactos nas relações sociais,
contribuindo então para o conflito.
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A promoção do acesso à água como direito humano: formulação de políticas de respeito, proteção
e cumprimento deste direito
Dixon, em seu texto de 1991, já previa a permanência de assuntos
relacionados ao meio ambiente na agenda internacional, até afirmando
a possibilidade de uma preocupação cada vez mais crescente com os
problemas ecológicos na agenda científica, pública e política. O autor
ainda inaugura um método investigativo para o entendimento dos
conflitos relacionados aos problemas ambientais, afirmando, para
isso, ser necessário responder a duas questões: COMO e ONDE, isto
é, deve-se entender primeiro COMO as mudanças ambientais levam
ao conflito e, posteriormente, ONDE é provável a ocorrência de tal
conflito.
Então, o autor propõe a relação causal - Efeitos ambientais 
Efeitos Sociais  Conflito, conforme exposta pela Figura 1, a
seguir:
Figura 1 - Mudanças ambientais e conflito agudo
49
Fonte: Homer-Dixon, 1991, p.86.
Essa figura sugere que o efeito total da atividade humana no meio
ambiente de uma região em particular, é função de duas variáveis
principais:
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 19-56 | jan/jun 2013
Maria Bueno Barbosa
•
o produto da população total na região e a atividade
física per capita; e
•
a vulnerabilidade do ecossistema na região em
relação àquelas atividades específicas.
A atividade per capita é, por sua vez, uma função de recursos físicos
disponíveis (incluindo recursos não renováveis como os minerais
e recursos renováveis como água, florestas e terra fértil). A figura
também mostra que os efeitos ambientais podem causar efeitos
sociais que, por sua vez, podem levar ao conflito.
50
No caso da água, isso pode ser entendido, por exemplo, da seguinte
forma: o crescimento populacional aumenta a demanda por água
em uma determinada região. Se essa demanda for de tal forma
aumentada a ponto de os recursos hídricos disponíveis na região não
serem suficientes para supri-la, isso acarretará uma migração dessa
população para outra região em que o recurso seja mais abundante.
No entanto, essa outra região sofre os impactos ambientais desta
migração e, ainda, no caso de essa segunda região já ser habitada e
dependendo da vulnerabilidade do ecossistema desta outra região,
ocorrem efeitos sociais, que podem gerar conflito.
A variável “instituições, relações sociais, preferências e crenças”,
influi no modo como os recursos são usados pela população,
gerando a atividade per capita, restringida pela disponibilidade dos
recursos. Esta atividade, por sua vez, produz os efeitos ambientais
que, dependendo da vulnerabilidade do ecossistema, acarretam
os efeitos sociais que geram adaptações na variável “instituições,
relações sociais, preferências e crenças” e quando os efeitos sociais
são acirrados, pode ocorrer o conflito.
O modelo proposto por Dixon, no entanto, falha ao acrescentar a
variável “instituições, relações sociais, preferências e crenças” como
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A promoção do acesso à água como direito humano: formulação de políticas de respeito, proteção
e cumprimento deste direito
um só conjunto, pois, quando desdobradas, influem de maneira
diversa no conflito, tanto no sentido de preveni-lo como de acirrá-lo.
5 O direito de acesso à água
Pode-se dizer, então, que o direito à água deve existir em razão
de ser a água o bem mais elementar à própria existência humana.
Todavia, conforme se pode perceber pelas abordagens constituintes
dos instrumentos internacionais, esse direito nunca foi claramente
definido no direito internacional e, apesar do Comentário Geral nº
15, ainda não é reconhecido como um direito humano fundamental
(SCANLON; CASSAR; NEMES, 2004, p.12). Ao contrário, entende-se
o direito à água como um componente implícito dos diretos humanos
já existentes. Ao passo que o reconhecimento desse direito está
expressamente incluído entre os instrumentos de direito internacional
de caráter não obrigatório, esses são desenvolvidos para atingir fins
muito específicos e não necessariamente explicitar o conteúdo do
direito à água.
Portanto, de acordo com o cenário atual, num futuro próximo
poderemos presenciar uma melhor implementação dos princípios
do desenvolvimento sustentável de modo mais eficaz e integrado
aos direitos humanos e ao desenvolvimento social, assegurando,
ao mesmo tempo, o bem-estar econômico da população mundial
através dos benefícios que o acesso a uma água de boa qualidade
pode gerar, resguardando o acesso à água de boa qualidade e
em quantidade suficiente para suprir as necessidades de todas as
sociedades, presentes e futuras (SCANLON;CASSAR; NEMES, 2004,
p.12).
Assim, se considerarmos a formulação de um direito à água que seja
autônomo, devemos também buscar a consolidação e a definição
clara de seu escopo, particularmente no tocante à sua relação com
os princípios e convenções internacionais já existentes.
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 19-56 | jan/jun 2013
51
Maria Bueno Barbosa
Logo, conclui-se que definir um direito humano de acesso à água
significa estabelecer parâmetros de uso e de distribuição e, em
maior medida, um comprometimento dos Estados na garantia,
salvaguarda, respeito e promoção desses direitos. Nesse sentido,
deve-se: a) buscar a sobrevivência humana, colocando de lado a
apreciação da água como bem econômico; b) ampliar o acesso de
forma mais acelerada; c) reduzir eficazmente as desigualdades, por
meio de políticas mais preocupadas com os menos guarnecidos; d)
trazer as comunidades e as populações afetadas aos debates; e, por
fim, e) utilizar dos meios e mecanismos do sistema internacional
de proteção dos direitos humanos para monitorar o progresso
atingido pelos países (Estados-membros) para haver um maior
envolvimento destes na melhoria do quadro global (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2003, p.9).
52
Cabe, por fim, relembrar as palavras de Klaus Toepfer, DiretorExecutivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA), proferidas no discurso direcionado à 57ª Sessão da
Comissão de Direitos Humanos em 2001, fazendo referência aos
direitos humanos e à sua garantia:
Os direitos humanos não podem ser assegurados
em um meio ambiente degradado ou poluído.
O direito fundamental à vida é ameaçado
pela degradação do solo, pela exposição a
químicos tóxicos, resíduos perigosos e água
potável contaminada. As condições ambientais
claramente ajudam a determinar o quanto
as pessoas podem gozar seus direitos à vida,
saúde, alimentação e habitação adequadas, aos
meios de subsistência tradicionais e à cultura. É
chegada a hora de reconhecermos que aqueles
que poluem e destroem o meio ambiente natural
não estão somente cometendo um crime contra a
natureza, mas também estão violando os direitos
humanos (KLAUS TOEPFER apud WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2003, p.21).
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 19-56 | jan/jun 2013
A promoção do acesso à água como direito humano: formulação de políticas de respeito, proteção
e cumprimento deste direito
Devemos buscar um meio de conexão entre a concepção de direitos
humanos e o panorama mundial da disponibilidade do recurso e
da abordagem da água, buscando discutir a criação de um direito
humano de acesso à água independente dos demais já existentes,
no sentido de se formular políticas que sejam efetivas e eficientes.
6 UNESCO: do Conflito à Cooperação
Os líderes mundiais reunidos em Johanesburgo, no ano de 2002,
resolveram tomar medidas para reverter o panorama mundial de
acesso à água e ao saneamento até o ano de 2015. Isto significa que
estes serviços essenciais deverão ser providenciados para cerca de
200 a 400 mil pessoas por dia de 2002 até o ano de 2015. Tendo em
vista que os objetivos almejados são ambiciosos e buscam resultados
em escala global, é mister o desenvolvimento de conhecimento
científico inovador para aproximar as políticas dos governos em
direção a estas metas, através da mobilização dos parceiros e
governos envolvidos, de agências de água, de pessoas da sociedade
civil que também fazem uso da água, além das empresas privadas
(EUROPEAN COMMISSION, 2003).
Com o aumento do bem-estar mundial, o consumo global de água
também aumentou, dobrando a cada 20 anos - mais do que duas
vezes o crescimento da população global. Atualmente, o consumo
de água diário de uma pessoa em um país em desenvolvimento é
de aproximadamente 20 litros, enquanto o consumo de água de
outra pessoa com acesso à água encanada chega a 200 litros por dia
(EUROPEAN COMMISSION, 2003).
Esta tendência persiste e, até o ano de 2025, a demanda por água
potável irá aumentar em cerca de 56%, mais do que a quantidade
disponível atualmente. Além disso, mais de 70% da atual demanda
de água advém da agricultura, o restante é demandado pela
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 19-56 | jan/jun 2013
53
Maria Bueno Barbosa
área urbana, uso industrial, e consumo em geral (EUROPEAN
COMMISSION, 2003).
Em resposta ao aumento desta demanda, há um aumento na
quantidade de represas, por meio da exploração de um maior
número de rios, especialmente para resolver as necessidades
dos agricultores, cujas atividades têm sido incrementadas nos
últimos 50 anos, juntamente com o aumento da urbanização e do
crescimento demográfico. As mudanças globais ocorrem em função
do desflorestamento das regiões montanhosas (onde as nascentes
dos rios estão localizadas), o derretimento do gelo glacial, as
modificações no regime de chuvas, dentre outros fatores, podem
provocar uma mudança no fornecimento de água potável para os
homens, fazendo com que seja fundamental a adoção de políticas
para a conservação desses recursos hídricos, na atualidade, para
evitar consequências drásticas em um futuro próximo.
54
Uma mudança de pensamento se faz necessária: o reconhecimento
de que todo usuário de água tem responsabilidades; a aplicação
de uma abordagem realmente integrada na qual todos os atores
cooperam (como no gerenciamento integrado da terra e da água, na
prevenção da poluição da água); a mudança para um comportamento
sustentável da água, da abordagem de suprimento para a dominação
do gerenciamento da demanda; a introdução da necessidade de se
valorizar a água, incrementando a percepção de sua preciosidade em
todos os seus usos. A precificação dos serviços de água é necessária
para garantir a sustentabilidade financeira, porém, de forma a ir ao
encontro das necessidades dos grupos pobres e vulneráveis que
requerem o desenho apropriado de estruturas de tarifas e sistemas
de coleta.
Contemporaneamente, em decorrência de uma maior compreensão
dos Estados sobre a complexidade da temática da água que abrange
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 19-56 | jan/jun 2013
A promoção do acesso à água como direito humano: formulação de políticas de respeito, proteção
e cumprimento deste direito
questões “de saúde a direitos humanos, de meio ambiente à
economia, de pobreza à política, de cultura a conflitos” (UNESCO,
2003), a UNESCO entende que, apesar de ser uma questão particular
de cada país ou setor, esse não é um assunto cuja solução aplicável
deva ser isolada e unilateral, porque os cursos d’água não respeitam
fronteiras ou limites geográficos. A Organização ainda assume que,
onde há competição por água, há um risco muito grande desta
competição se acirrar e se tornar conflito, reafirmando o potencial
gerador de cooperação contido no compartilhamento dessas águas,
para a criação de um modus vivendi comum entre as partes, evitando
um conflito cada vez mais difícil de solucionar.
Levada por inúmeras experiências históricas que demonstram
a capacidade de questões hídricas na promoção de cooperação
e não de disputas de poder, mas assumindo que algumas dessas
disputas ainda permanecem e que outras tantas ameaçam surgir, a
UNESCO, juntamente com outros 23 organismos do sistema ONU,
desenvolve um programa intitulado From Potential Conflict to Cooperation Potential: Water for Peace, encarregado de desenvolver
uma legislação e uma concertação capaz de resolver a questão da
distribuição da água entre países que compartilham a mesma bacia
hidrográfica, no intuito de dirimir os conflitos, tentando aplicar a eles
uma solução pacífica e integrada para o gerenciamento das águas de
263 bacias em todo o mundo, onde praticamente metade do território
e da população mundial estão. O mais complicado na implantação
desses programas, no entanto, é o primeiro passo: o estabelecimento
de uma relação entre os técnicos e os governos locais dos Estados e
das regiões que compartilham a bacia, assim como outros elementos
como a informação do público e dos formadores de opinião locais.
O Mekong, o Mar de Aral, o Jordão, o Nilo, o Incomati, o Danúbio, o
Reno, o Colúmbia e o Triffinio são exemplos de rios cujas bacias já
foram endereçadas pelo Programa, que se encarregou de produzir
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 19-56 | jan/jun 2013
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Maria Bueno Barbosa
estudos e revisar os indicadores aplicáveis para prover meios de
identificar as bacias internacionais em risco e para monitorar o nível
de cooperação em todas as bacias internacionais do mundo.
Mesmo tendo em mente inúmeras diferenças entre as bacias, cabe
ressaltar três principais pontos de semelhança entre elas (UNESCO,
2003):
56
•
são a principal fonte de vida de suas regiões
(ambiental, econômica e culturalmente);
•
suas populações sofrem com a falta de cooperação
efetiva entre os Estados e os povos que se servem da
bacia, e contém áreas de conflitos potenciais e reais
como resultado; e
•
seu gerenciamento integrado é uma fonte potencial
de grande benefício para toda a população na região.
Através da máxima pregada pela ecopolítica de se “pensar globalmente
e agir localmente”, a Cruz Verde Internacional juntamente com a
UNESCO desenvolvem parcerias entre a sociedade civil e os governos,
promovendo maior aquisição de informação, por meio de estudos
produzidos para os cidadãos, a fim de se assegurar os ganhos da
cooperação.
Cada um desses projetos é gerenciado por parceiros regionais e
é formatado para suprir as demandas da região. As experiências
acumuladas por esse programa têm mostrado que a formulação de
uma legislação deve ser compreendida e respeitada pelas partes
envolvidas, para dirimir as disputas e solucionar os conflitos antes
de sua escalada.
Por fim, a atuação desses órgãos se faz assaz relevante, porque
promove também a discussão sobre o acesso à água, trazendo
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 19-56 | jan/jun 2013
A promoção do acesso à água como direito humano: formulação de políticas de respeito, proteção
e cumprimento deste direito
à agenda internacional a implementação da água como direito
humano. Assim, a discussão que se segue parte de iniciativas como
essas, tendo em vista a busca pela cooperação e pela promoção da
dignidade humana em nível global.
7 Conclusão
A questão da gestão dos recursos hídricos é muito complexa e diz
respeito à redistribuição de um recurso natural e deve levar em conta
suas características geográficas, físicas, econômicas, ambientais
e sociais. Desse modo, a elaboração de tal gerenciamento pede
a análise e estabelecimento de prioridades de diferentes usos e
usuários. Ainda, como grande parte das águas são transfronteiriças,
essa competição de prioridades gera quase sempre um conflito de
interesses que, se levado às últimas consequências, pode se tornar
uma guerra militar. Assim, a resolução dessa questão diz respeito
não só à geopolítica local, mas também à negociação da paz, porque
a escassez de água afeta desde indivíduos até o desenvolvimento
econômico-financeiro de uma região.
A conscientização de que somente mediante o esforço conjunto
das nações envolvidas será possível resolver as questões políticas,
sociais, financeiras, econômicas, ambientais e técnicas (tecnológicas)
do problema da escassez da água é um grande desafio às nações no
intuito de preservar suas populações.
Para haver acordos proveitosos nesse âmbito, os países envolvidos
devem entender que a cooperação leva a uma vantagem mútua e
que só assim poderão atingir um acordo equilibrado e alcançar a paz
regional.
Uma questão enfrentada por vários países é como manter o equilíbrio
econômico sem prejudicar a qualidade e a integridade física do meio
ambiente. Outra questão séria é o dinheiro: deve haver um elevado
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 19-56 | jan/jun 2013
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Rafael Júnior dos Santos e Marcelo Miná Dias
aporte de investimento estrangeiro para levar a cabo projetos de
energia, irrigação, meio ambiente e represas. Para isso, é imperioso
que os países em desenvolvimento, principalmente aqueles com
escassez do recurso, se disponham a negociar com as grandes
potências mundiais, a fim de promover uma pressão conjunta para o
financiamento dos projetos por elas.
No intuito de se prevenir uma guerra num futuro próximo, uma
quotização justa desse recurso deve ser determinada, levando-se
em conta as variáveis necessárias como população, potencial de
desenvolvimento agrícola, assim como se deve encorajar os Estados
na prática de métodos mais eficientes de irrigação e de geração de
energia para conter o desperdício de água.
58
O grande desafio das nações que enfrentam esse constrangimento
atualmente é a promoção de atividades de gestão compartilhada
desses recursos, a fim de resguardar a segurança hídrica e alimentar
de suas populações, assim como o próprio desenvolvimento de
cada nação, garantindo, desta forma, o acesso de todos à água de
qualidade e em quantidade adequada e uma maior sustentabilidade
do meio ambiente.
Após analisarmos as implicações da escassez de água na segurança
nacional dos países, cabe também analisar o que, até hoje, tem
sido uma alternativa ao conflito: a cooperação em cenários de
compartilhamento do recurso.
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Recebido: 25/03/2013
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Análise da influência do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) sobre a qualidade de vida de
agricultores familiares do município de Viçosa/MG
ANÁLISE DA INFLUÊNCIA DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO
DE ALIMENTOS (PAA) SOBRE A QUALIDADE DE VIDA DE
AGRICULTORES FAMILIARES DO MUNICÍPIO DE VIÇOSA/
MG1*
Rafael Júnior dos Santos Figueiredo Salgado2**
Marcelo Miná Dias***
RESUMO
O estudo objetivou analisar dados relativos à qualidade de vida
de agricultores familiares da comunidade Córrego São Francisco
(conhecida como “Juquinha de Paula”), município de Viçosa/MG,
que participaram do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)
no ano de 2010/2011. O PAA é um programa componente de um
conjunto de políticas públicas relacionadas ao combate à fome e
à pobreza. Seu objetivo é possibilitar melhorias nos indicadores
socioeconômicos das famílias de agricultores, auxiliando assim
na melhoria da qualidade de vida deles. O principal instrumento
é a viabilização da compra da produção pelo Estado, criando
um mercado institucional. Os dados da pesquisa foram obtidos
por meio de entrevistas realizadas com os agricultores familiares
participantes do programa, os gestores públicos responsáveis
pela operacionalização deste e os representantes das entidades
beneficiadas. A análise dos resultados indica que o programa, na
percepção dos atores participantes da pesquisa, teve influência
positiva sobre alguns indicadores de qualidade de vida dos
agricultores familiares. A elevação de renda (possibilitando a
aquisição de bens duráveis e melhorias nas moradias), o estímulo
à produção de alimentos livres de agrotóxicos e a diversificação da
* - O trabalho contou com bolsa de iniciação científica da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG)
** - Graduado em Gestão do Agronegócio, Universidade Federal de Viçosa.
***- Professor Adjunto da Universidade Federal de Viçosa, Doutor em Ciências Sociais
(Desenvolvimento, Agricul-tura e Sociedade) pelo CPDA/UFRRJ.
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Rafael Júnior dos Santos e Marcelo Miná Dias
produção obtiveram destaque quanto à identificação das melhorias
ocorridas e suas relações com a qualidade de vida.
Palavras-chave:
Agricultura familiar. Desenvolvimento rural.
Políticas públicas. Qualidade de vida.
ANÁLISIS DE LA INFLUENCIA DEL PROGRAMA
DE
ADQUISICIÓN DE ALIMENTOS (PAA) SOBRE LA CALIDAD DE
VIDA DE LOS AGRICULTORES FAMILIARES DEL MUNICIPIO DE
MG
VIÇOSA /MG
RESUMEN
66
El objetivo del estudio fue analizar los datos sobre la calidad de
vida de los agricultores familiares de la comunidad de “Córrego São
Francisco” (conocida como “Juquinha de Paula”), Viçosa / MG, que
participó en el Programa de Adquisición de Alimentos (PAA) entre
2010 / 2011. El PAA es un programa componente de un conjunto
de políticas públicas relacionadas con el combate al hambre y
la pobreza. Su objetivo es permitir mejorías en los indicadores
socioeconómicos de las familias campesinas, contribuyendo así
a mejorar la calidad de vida de ellos. El instrumento principal es
la viabilidad de la compra de la producción por parte del Estado,
creando un mercado institucional. Los datos de la investigación se
obtuvieron a través de entrevistas con los agricultores que participan
en el programa, los directivos responsables de la operación de
este público y los representantes de las entidades beneficiarias. El
análisis de los resultados indica que el programa, en la percepción
de los que participaron en la encuesta tuvo una influencia positiva
en algunos indicadores de la calidad de vida de los agricultores
familiares. El aumento de los ingresos (que permite la compra de
bienes duraderos y mejoras de vivienda), estimulando la producción
de alimentos libres de agrotóxicos y la diversificación de la producción
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 57-83 | jan/jun 2013
Análise da influência do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) sobre a qualidade de vida de
agricultores familiares do município de Viçosa/MG
logrando así la identificación de las mejorías ocurridas y su relación
con la calidad de vida.
Palabras
claves:
Agricultura familiar. Desarrollo
Políticas públicas. Calidad de
rural.
vida.
ANALYSIS OF INFLUENCE OF FOOD ACQUISITION PROGRAM
(PAA) ON THE QUALITY OF LIFE OF FAMILY FARMERS IN
VIÇOSA, MINAS GERAIS
ABSTRACT
The study aimed to analyze data on the quality of life of a family
farmers community Córrego São Francisco (known as “Juquinha
de Paula”), Viçosa/MG, who participated in the Food Acquisition
Program (PAA) in the year 2010/2011. The PAA program is one
component of a set of public policies related to hunger and poverty.
Its goal is to enable improvements in socioeconomic indicators
of farm families, thus helping them to improve the quality of life.
The main instrument is the viability of the purchase of production
by the state, creating an institutional market. The research data
were collected through interviews with farmers participating in the
program, public managers responsible for the operation and even
representatives of the beneficiaries. The analysis indicates that the
program, in the perception of the actors participating in the research,
had a positive influence on some indicators of quality of life of family
farmers. The increased income (allowing purchase of durable goods
and improvements in housing), the incentive to produce food free
from pesticides and diversifying production achieved prominence as
the identification of the improvements occurred and its relationship
to quality of life.
Keywords: Family farming. Rural development. Life quality. Public
policy.
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 57-83 | jan/jun 2013
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Rafael Júnior dos Santos e Marcelo Miná Dias
1 INTRODUÇÃO
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi instituído pela Lei
nº 10.696, de 02/07/2003, regulamentada pelo decreto n° 4772, de
07/05/2008, e objetiva incentivar a produção, a segurança alimentar
e a sustentação de preços, adquirindo alimentos de agricultores
familiares organizados em cooperativas ou associações. A compra
é realizada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)
a um preço de referência, utilizando a tomada de valor médio no
mercado regional. O PAA conta ainda, em sua implementação, com
a participação dos Conselhos Municipais de Segurança Alimentar
(COMSEA) como mecanismo de controle social do programa,
conferindo maior confiabilidade à sua fiscalização e execução
(BRASIL, 2010).
68
O programa surgiu como uma das principais ações estruturantes do
Programa Fome Zero. Diagnostica que as causas das situações de
pobreza rural são relacionadas a dificuldades da pequena escala de
produção, principalmente relativos à distribuição e à comercialização
dos produtos. Partindo deste diagnóstico geral, o programa foi
desenhado para oferecer alternativas de venda da produção, criando
uma opção para geração e incremento de renda dos agricultores
familiares (YAZBEK, 2004). No PAA esta alternativa foi a criação
de mecanismos de comercialização regulados em um mercado
institucional. A aquisição de produtos da agricultura familiar pelo
governo torna-se também, por meio do programa, um procedimento
para a formação de estoques e à distribuição de alimentos para
pessoas em situação de insegurança alimentar (FUSCALDI, 2010;
GRISA, 2009; CERQUEIRA, ROCHA e COELHO, 2006; GHIZELINI,
2006).
O arranjo institucional do PAA é composto por um conjunto de atores
(agricultores familiares, entidades socioassistenciais, gestor local e
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agricultores familiares do município de Viçosa/MG
gestor estadual) que o operacionaliza localmente. A dinâmica do
programa inicia-se com o levantamento da demanda de alimentos por
parte das entidades socioassistenciais. De posse destas informações,
os gestores locais prospectam junto aos agricultores familiares a
possibilidade de atendimento desta necessidade. Ciente dos itens
demandados e da capacidade de resposta dos agricultores familiares,
o Conselho Municipal de Segurança Alimentar do município aprova
a proposta, que é então encaminhada ao gestor estadual (Conab).
Os projetos, uma vez aprovados, são executados. Esta execução
significa a compra, pelo governo, das quantidades demandadas.
No município de Viçosa/MG, foram definidas, para o projeto de 2010
e executado em 2011, cinco entidades denominadas “beneficiários
consumidores”. Embora, de acordo com informações da Emater/MG,
tenha sido possível, naquele ano, o beneficio de outras entidades que
não haviam sido listadas no projeto original. Por este motivo foram
beneficiadas, ao todo, 12 entidades. O público destas entidades é
constituído por crianças, adultos, idosos, dependentes químicos ou
famílias em situação de alguma carência. O total de beneficiários nas
entidades participantes do programa alcança 1578 pessoas (Tabela
1), dado revelador da relevância social do mesmo.
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Rafael Júnior dos Santos e Marcelo Miná Dias
Tabela 1 - Relação das entidades beneficiárias do PAA em
Viçosa em 2010 com respectivo número de pessoas atendidas
ENTIDADES BENEFICIADAS
PESSOAS
ATENDIDAS
Centro Educação Infantil Pingo de Luz
36
Associação Beneficente
Santa Clara - ABESC
83
Conselho Central de Viçosa da Sociedade
São Vicente de Paulo
1000
Rebusca Ação Social Evangélica Viçosense
325
Associação Assistencial e Promocional da
Pastoral da Oração de Viçosa
134
TOTAL
1578
Fonte: Emater/MG, Escritório Local de Viçosa, 2010. Dados da
70
pesquisa de campo.
Em todo o Brasil, diversos estudos analisaram o programa,
identificando que suas principais virtudes estariam relacionadas à
distribuição de renda; valorização da produção agrícola diversificada;
suporte à segurança alimentar das famílias; provimento do acesso a
um mercado cujas regras eliminam parcialmente as restrições aos
produtos da agricultura familiar; estímulo ao associativismo entre
agricultores familiares; criação de ambientes de interação entre estes
agricultores, suas organizações e entidades de assistência técnica
e extensão rural; aumento e qualificação da capacidade produtiva,
dentre outros elementos. O conjunto destes fatores, quando
presentes em situações de implementação do programa, contribuiria
para incrementar a renda dos agricultores familiares, tendo impactos
diretos e indiretos sobre a qualidade de vida destes (CERQUEIRA;
ROCHA; COELHO, 2006; DEVES; RAMBO; FILLIPI, 2010; SILVESTRE,
CALIXTO; RIBEIRO, 2005).
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agricultores familiares do município de Viçosa/MG
Por outro lado, vários estudos também evidenciam as limitações do
programa, destacando as dificuldades enfrentadas pelos agricultores
que o acessam e dos gestores públicos que o implementam. De
acordo com Cerqueira, Rocha e Coelho (2006), a necessidade de
pertencimento formal a uma associação; a documentação exigida e a
burocratização do acesso; a exigência por padronização e qualidade
dos produtos; a falta de sincronismo entre o calendário do programa
e a produção da região; a sazonalidade da produção; e, por fim, a
falta de apoio técnico para realizar as atividades propostas figuram
entre os principais problemas evidenciados pelas pesquisas. Essas
questões representam os principais gargalos que dificultam, nos
municípios, a implementação e a operacionalização do programa
(GHIZELINI, 2006).
A identificação destas virtudes e limites do PAA nos remete à
compreensão de variáveis que passam a compor uma nova geração
de políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil, para as
quais o enfoque setorial (ou agrícola), anteriormente dominante,
mostrou-se insuficiente para enfrentar e/ou solucionar o problema
da pobreza rural (GRISA, 2010). De acordo com Freitas et al.
(2012), nesta nova perspectiva, o desenvolvimento rural passa a
ser como uma questão multidimensional. As ações públicas passam
a lidar com uma diversidade de temas que, embora ainda focados
na dimensão produtiva, não podem mais deixar de considerar a
dimensão socioambiental da promoção do que o Estado conceitua
como desenvolvimento. Deste modo, o PAA tem, em sua base de
formulação, a noção de segurança alimentar, fortemente influenciada
por uma orientação à diversificação produtiva. Ademais, busca-se,
por meio do programa, criar novas institucionalidades às relações de
troca entre os agricultores familiares e as demandas por alimento nos
municípios. Elabora-se, portanto, a proposição de estabelecimento de
um mercado institucionalizado a partir da compreensão dos limites
de inserção da agricultura familiar nos “mercados convencionais”.
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Rafael Júnior dos Santos e Marcelo Miná Dias
Neste sentido, o desenvolvimento rural é compreendido como um
meio que envolve o crescimento da produção, de renda, mas não
apenas, implicando a necessidade de ação estatal para instituir novas
regras aos mercados, buscando gerar impactos na melhoria das
condições de vida e trabalho das populações rurais que produzem em
pequena escala, englobando também a formação e desenvolvimento
da infraestrutura econômica e social (DEVES, RAMBO; FILLIPI, 2010;
GAMA, 2008).
72
Desde a criação do PAA, foram muitos os estudos que buscaram
analisar as inovações e identificar avanços e limites nos processos locais
de implementação do programa. No entanto, poucos desses estudos
discorreram acerca da influência do programa sobre a qualidade de
vida dos que aderiram ao mesmo. Na verdade, pouquíssimos são
os trabalhos que discorrem sobre a qualidade de vida no meio rural
(ASMUS, 2004). Esta autora afirma que a maioria das pesquisas
sobre qualidade de vida retratou as sociedades urbanas, raramente
as sociedades rurais. A autora também afirma que as pesquisas
atuais tendem a analisar a qualidade de vida de fora para dentro,
ou seja, de forma objetiva e etnocêntrica, pouco se importando com
o que pensam os indivíduos culturalmente enraizados e localmente
envolvidos pelas ações das políticas públicas, principalmente no meio
rural.
Considera-se que a principal contribuição do presente estudo reside
no fato de que são escassos os trabalhos que analisam a qualidade
de vida dos agricultores familiares nos municípios brasileiros,
relacionando-a, ainda que preliminarmente, à influência do acesso e
da participação das famílias no PAA. Entende-se que esta relação é
desejada, visto que o programa, ao focar a redução da pobreza e a
segurança alimentar por meio da inserção dos agricultores familiares
aos mercados, objetiva ter impactos sobre sua qualidade de vida
(GRISA, 2009).
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Análise da influência do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) sobre a qualidade de vida de
agricultores familiares do município de Viçosa/MG
Sabemos que é na complexidade dos contextos locais que as
concepções expressas nas políticas públicas, resultado dos processos
de elaboração e de formulação, revelam a adequação ou não das
alternativas propostas e executadas à solução do problema social que
a política pública visa solucionar (HOWLETT et al., 2009). Partindo
deste pressuposto, investigamos a implementação do PAA em uma
comunidade rural do município de Viçosa/MG, buscando compreender,
com base em um estudo exploratório, as relações estabelecidas entre
o programa e a percepção dos agricultores que dele participam a
respeito de mudanças em sua qualidade de vida. Este estudo vinculase, portanto, à tentativa de produzir conhecimentos sobre como as
políticas públicas podem influenciar, localmente, no desenvolvimento
socioeconômico da agricultura familiar, podendo ser este relacionado
a variáveis como capital humano, recursos naturais e capital social
(FUSCALDI, 2010; BUAINAIN; SABATTO; GUANZIROLI, 2004).
1.1 METODOLOGIA
A população investigada foi constituída pelas famílias participantes do
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) no município de Viçosa/
MG, em 2010/2011. Estas famílias residem na comunidade Córrego
São Francisco (conhecida como Juquinha de Paula). Neste ano, um
total de nove famílias compôs a Proposta de Participação - Doação
Simultânea (Conab), que é o instrumento público que formaliza a
adesão ao PAA. Das nove famílias signatárias da proposta inicial,
apenas cinco participaram de fato da execução das vendas. Quatro
desistiram por motivos variados.
Como o número de famílias participantes do PAA era pequeno, foi
possível entrevistar todos os chefes das famílias beneficiadas pelo
programa. Optou-se pelo método de amostra não probabilística,
pois, segundo Gil (2002), quando a mostra for selecionada de
forma precisa, é possível conseguir resultados fidedignos sobre a
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Rafael Júnior dos Santos e Marcelo Miná Dias
avaliação da população ou do universo da pesquisa, podendo assim
representar significativamente a população estudada. Optou-se por
eleger os chefes de cada família pesquisada para aplicar entrevistas
e questionários, porque eles representam a família em geral; e
também por serem os responsáveis pelo projeto puderam apresentar
experiências práticas com o problema pesquisado.
Para a caracterização do processo de implementação do programa em
Viçosa/MG, também foram realizadas entrevistas com representantes
dos órgãos beneficiados e gestores locais: técnica da Emater/MG
local, representante da Prefeitura Municipal de Viçosa, Presidente do
COMSEA e representantes das entidades beneficiadas. Neste caso
foi utilizada amostra intencional, preconizada por Moresi (2003), que
recomenda que deverão ser escolhidos casos para a amostra que
representem o “bom julgamento” da população/universo.
74
Diante deste contexto, optou-se por trabalhar com o procedimento
de coleta de dados, pois este método demonstrou ser mais adequado
ao objetivo da pesquisa: analisar percepções sobre melhorias
na qualidade de vida dos agricultores beneficiários ao longo da
implementação do PAA no município de Viçosa/MG. Além de ser o
tipo de procedimento que mais apareceu nas pesquisas bibliográficas
sobre o tema.
Utilizaram-se técnicas de coleta de dados por meio de aplicação
direta de entrevistas e questionários. Esses foram aplicados
preferencialmente nos estabelecimentos dos chefes das famílias
atendidas pelo PAA no município de Viçosa/MG. O momento da
visita e interação com os participantes da pesquisa também foi
utilizado para fazer uma análise visual da estrutura disponível aos
agricultores familiares, podendo-se, assim, perceber características
da propriedade e do produtor. Esses dados foram registrados em um
caderno de campo.
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agricultores familiares do município de Viçosa/MG
Para verificar se o Programa de Aquisição de Alimentos impactou na
qualidade de vida dos agricultores beneficiados, foram analisadas
as circunstâncias que envolvem suas relações com o programa,
mensurando dimensões que podem projetar seu bem-estar.
Considerando o contexto cultural brasileiro, tomaram-se por base
os itens e parâmetros que foram estabelecidos pelos órgãos que
aferem e avaliam as “condições de vida das populações”, IBGE, IPEA,
Fundação João Pinheiro (FJP), Banco Mundial/PNUD, dentre outros.
2 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A qualidade de vida dos agricultores beneficiados pelo PAA na
comunidade de São Francisco foi avaliada tomando como base
uma amostra de cinco famílias de agricultores familiares. Foram
levantadas as informações previstas em um roteiro de questões
elaborado para a pesquisa. Também foram realizadas entrevistas
com representantes dos órgãos beneficiados e gestores locais: uma
profissional da Emater/MG; um representante da Prefeitura Municipal
de Viçosa; o presidente do COMSEA; e representantes das entidades
beneficiadas. Todos os entrevistados estiveram envolvidos, em algum
momento, com a implementação do PAA.
Importante ressaltar que atividade produtiva dos agricultores
familiares que aderiram ao PAA nesta localidade não é restrita
ao estabelecimento agropecuário e tampouco à agricultura. Dois
chefes de família entrevistados se declararam pluriativos, ou seja,
têm atividades e rendimentos exercendo atividades não agrícolas,
embora domiciliados na zona rural. Nas famílias dos agricultores
entrevistados muitos são pluriativos e obtêm renda destas atividades.
Na aplicação dos questionários, após as perguntas de identificação,
os agricultores entrevistados foram questionados se já haviam
“ouvido falar” sobre qualidade de vida. Três deles declararam ter
conhecimento da expressão; dois afirmaram que sabiam “mais ou
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Rafael Júnior dos Santos e Marcelo Miná Dias
menos” a que se referia o termo; e um deles declarou ser o conceito
“qualidade de vida” algo novo, era a primeira vez que o ouvia. A
seguir perguntou-se qual era, para eles, o significado de “qualidade
de vida”.
Ao propor esta questão, a intenção era que os próprios entrevistados,
ao se manifestarem, expressassem os elementos que, em sua
percepção, compõem o conceito. Ao definir cientificamente
qualidade de vida nos defrontamos com enormes desafios, afinal
o termo requer, por um lado, uma abordagem multidisciplinar, e,
por outro, a consideração das percepções e subjetividades daqueles
que vivenciam, em seu cotidiano, possibilidades e limites para a
realização de suas expectativas quanto à própria vida (Barbosa,
1998). Estamos diante de um conceito complexo, polissêmico e “em
construção”, como afirmam Almeida et al. (2012):
76
O senso comum se apropriou desse objeto de
forma a resumir melhorias ou um alto padrão
de bem-estar na vida das pessoas, sejam elas
de ordem econômica, social ou emocional.
Todavia, a área de conhecimento em qualidade
de vida encontra-se numa fase de construção
de identidade. Ora identificam-na em relação à
saúde, ora à moradia, ao lazer, aos hábitos de
atividade física e alimentação, mas o fato é que
essa forma de saber afirma que todos esses
fatores levam a uma percepção positiva de bemestar. (ALMEIDA et al., 2012, p. 15).
A partir da manifestação dos próprios agricultores entrevistados,
buscou-se o afastamento de preconcepções arraigadas. Talvez a mais
evidente destas preconcepções seja o êxito econômico, geralmente
aferido pelo acúmulo de bens materiais, como definidor da qualidade
de vida. Concordando com Minayo et al. (2000), o conceito de
qualidade de vida é multidimensional e polissêmico, sendo necessário
compreender como distintos sujeitos sociais, em diferentes lugares,
posições, status e tempos históricos, constroem percepções acerca
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da qualidade da vida que possuem. Ou seja, a relatividade cultural é
marca inerente das tentativas de conceituação.
A partir deste referencial teórico, a pesquisa interessou-se,
inicialmente, pela compreensão das percepções dos agricultores
familiares sobre a qualidade de vida. As manifestações dos agricultores
entrevistados permitiram identificar e enumerar os termos que eles
próprios utilizaram para conceituar qualidade de vida. Os termos
mais citados são apresentados na Tabela 2. Como dado da pesquisa,
estes termos passaram a ser considerados indicadores de qualidade
de vida, enumerados pelos próprios entrevistados.
Tabela 2 - Termos apresentados pelos agricultores familiares
entrevistados como indicadores de qualidade de vida
INDICADOR
NÚMERO DE CITAÇÕES
Alimentação saudável
4
Saúde
3
Bens Materiais
3
Transporte
2
Moradia
1
Fonte: Pesquisa de campo, 2012.
As respostas espontâneas refletem os valores dos respondentes.
Elas apresentam coerência com os achados teóricos de Gonçalves
e Vilarta (2004). Esses autores conceituam qualidade de vida a
partir
das percepções
dos| Belo
indivíduos,
compreendendo
que 2013
estas
Perspectivas
em Políticas Públicas
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estão relacionadas principalmente a temas como saúde, educação,
transporte, moradia e trabalho. Cada um dos itens citados pelos
entrevistados, agregados a seu indicador correspondente (Tabela 2),
permite-nos compreender a construção do conceito e do ideário de
qualidade de vida do próprio agricultor entrevistado. Os depoimentos
dos entrevistados permitem compreender que estes “indicadores
77
Rafael Júnior dos Santos e Marcelo Miná Dias
de qualidade de vida” estão inter-relacionados e são, para eles,
indissociáveis, como será analisado mais adiante.
Quando a pergunta foi feita de modo mais específico e após a citação
espontânea dos termos indicadores - “O que é mais importante
para ter qualidade de vida?” - a resposta unânime foi “ter saúde”.
Assim, quando estimulados a hierarquizar o que compreendem ser
os elementos “mais importantes” para se ter qualidade de vida, os
agricultores entrevistados citam, unanimemente, a “saúde” como
principal indicador. Até mesmo o agricultor que respondeu que nunca
tinha ouvido falar de qualidade de vida afirmou que para ter uma
“boa qualidade de vida”, deve-se possuir saúde. Em segundo lugar
foi citada duas vezes a “alimentação saudável”. Com uma citação, a
qualidade de vida foi também associada a “transporte”, “conforto”,
“tranquilidade” e “água de qualidade”.
78
Para ilustrar a interdependência dos indicadores, na percepção dos
entrevistados, com relação ao indicador “alimentação saudável”, um
dos entrevistados afirma que “Qualidade de vida pra mim é eu viver
assim igual eu vivo na roça. Qualidade de vida você têm que ter
alimentação de qualidade, boa saúde e água de qualidade.” Outros
entrevistados também associaram alimentos e saúde na construção
do conceito de qualidade de vida. “Alimento saudável” foi quase uma
referência unânime a alimento produzido sem uso de agrotóxicos.
Esta associação, presente em quase todos os depoimentos dos
entrevistados, permite-nos inferir sobre a preocupação destes
agricultores familiares com um tipo de produção de alimentos em que
a ausência de “veneno” (defensivos agrícolas) determinaria o caráter
saudável dos mesmos. Produzir e consumir alimentos saudáveis é,
para os entrevistados, um indicador de boa qualidade de vida.
De que modo o PAA teria influenciado a qualidade de vida (relacionada
ao tema “alimentação saudável”) dos agricultores familiares que
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agricultores familiares do município de Viçosa/MG
participaram do mesmo na comunidade São Francisco? As respostas
dos entrevistados indicam que esta influência está vinculada a
dois elementos por eles destacados e referentes às orientações
normativas do programa: o não uso de agrotóxicos, uma vez que
a produção é destinada a crianças, idosos, enfermos, etc.; e a
diversificação da produção. Para atender os requisitos do programa
os entrevistados afirmam terem sido influenciados, na organização
e gestão de seus sistemas de produção, pela demanda de oferta de
“alimentos saudáveis”, fato que teria, de acordo com a afirmação
deles, contribuído para melhorar sua qualidade de vida, uma vez que
parte dos alimentos é destinada ao programa e parte compõe a dieta
cotidiana das próprias famílias que os produzem.
Quanto à diversificação da produção, todos os agricultores
entrevistados produzem parte dos alimentos que consomem, tais
como verduras e legumes, frutas, arroz, feijão, mandioca, ovos e
leite. Esta característica da agricultura familiar está relacionada à
segurança alimentar e à economia de relativa autossuficiência, fator
contribuinte para a boa qualidade de vida. Os argumentos expressos
nas respostas também permitem compreender que a diversificação
da produção está associada à constituição de dietas mais “saudáveis”
para a alimentação das famílias.
Ainda em relação ao indicador “saúde”, procurou-se também analisar
a influência do PAA sobre a qualidade de vida dos agricultores
familiares, perguntando-lhes se o acesso ao programa teria
modificado, de alguma forma e positivamente, seu acesso a serviços
de saúde. Em relação ao estado de saúde dos agricultores atualmente,
todos o avaliaram como “bom”. A saúde também foi avaliada por
todos como “muito importante”, sendo que o Entrevistado 1 afirmou
que: “Primeiro lugar tem que ter saúde, né?, se não tiver saúde não
tem nada bom. Viver tranquilo aqui, trabalhando, você tem que ter
saúde, se tiver doente cabô.”
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Rafael Júnior dos Santos e Marcelo Miná Dias
O tipo de acesso a serviços de saúde pelos agricultores familiares
participantes da pesquisa é apresentado na Tabela 3. Todos
afirmaram que acessam o atendimento médico por meio de um posto
de saúde, localizado no bairro de Nova Viçosa, a aproximadamente
12 km da comunidade; três famílias têm acesso ao atendimento
por agente de saúde, mas segundo o Entrevistado 3: “O agente de
saúde dá uma assistência, não como deveria, mais dá.” O acesso
ao atendimento médico pode ser considerado precário, pois os
membros da comunidade têm que percorrer grandes distâncias para
serem atendidos. Quando há casos graves, eles têm que recorrer
ao hospital na cidade de Viçosa, sendo que o serviço público de
saúde não envia nenhuma ambulância para transporte do paciente.
Destaca-se também a informação de que nenhum dos entrevistados
tem plano de saúde privado, dependendo do serviço público, que é
reconhecidamente precário.
80
Tabela 3 - Tipos de acesso dos agricultores familiares a
serviços de saúde.
INDICADOR
Nº DE AGRICULTORES QUE
ACESSAM
Posto de saúde com serviços
5
Atendimento por agente de saúde
3
Hospital da rede pública
1
Atendimento particular
1
Plano de saúde
0
Fonte: Pesquisa de campo, 2012.
Segundo Silva (2000), a melhoria na oferta dos serviços de saúde
contribui para o fortalecimento da cidadania, eleva a autoestima,
contribuindo para o aumento da produtividade, do bem-estar físicoorgânico, emocional e psicológico, expressando-se através da
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agricultores familiares do município de Viçosa/MG
elevação da expectativa de vida e na melhoria da qualidade de vida
dos produtores e de seus familiares.
A relação entre o PAA e a melhoria do indicador saúde na qualidade
de vida é percebida por três agricultores familiares entrevistados.
E se trata de uma relação indireta, atribuída à melhoria da dieta
alimentar das famílias. Como o programa estimula a diversificação
produtiva, as próprias famílias passam a dispor de alimentos mais
variados. Este fato é percebido como um fator contribuinte para
a saúde. Como já foi ressaltado, a “alimentação saudável” foi um
dos principais indicadores elencados pelos entrevistados, quando
inquiridos sobre as influências do PAA sobre a qualidade de vida.
Dois entrevistados também chamaram a atenção para o aumento de
renda que obtiveram com a adesão ao programa. Este incremento
nos rendimentos teria tido impacto indireto sobre o acesso a serviços
de saúde.
Três dos agricultores familiares entrevistados citaram os “bens
materiais” como principais indicadores de boa qualidade de vida. Um
deles citou a “moradia”. O mais importante destes bens é a terra;
e ela é indissociável, no caso da agricultura familiar, da morada.
É ela que proporciona o meio para o trabalho, para a produção e
para a vida em família nas comunidades rurais. Quatro dos cinco
entrevistados são proprietários da terra em que vivem e trabalham
com suas famílias. Um deles mora na propriedade e produz por meio
de um contrato de parceria com outro agricultor. A área média de
cada produtor é de 12 hectares, variando de 2 a 22 hectares. Dois
dos agricultores entrevistados afirmaram ter recebido a propriedade
parcelada por herança; outros dois afirmaram que aumentaram a
área inicial através da compra de terras. Apenas um dos agricultores
não possui casa própria. É fato comum entre os entrevistados, os
filhos construírem casa própria na propriedade dos pais ou em
propriedade próxima, comprada ou adquirida por herança.
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Rafael Júnior dos Santos e Marcelo Miná Dias
Em relação a este bem, a terra, o acesso a políticas públicas (como
o PAA) é percebido como uma melhoria das condições gerais para
manter-se na terra e produzindo. A permanência na propriedade também concebida como local de moradia da família - depende da
geração de recursos e incremento da renda para que possa oferecer
“boas condições de vida” à família. Todos os entrevistados possuem
casas de alvenaria, embora os tamanhos e estrutura variem, elas
apresentam, de um modo geral, condições mínimas de conforto e
bem-estar. Todas possuem energia elétrica, bem que possibilita a
posse e uso cotidiano de diversos eletrodomésticos.
82
Em relação ao abastecimento de água para a casa, todos os
agricultores afirmaram que o abastecimento domiciliar é proveniente
de mina ou poço. Quatro afirmaram que não tratam a água consumida,
pois vem da mina e mostram muito orgulho nisso, valorizando a
“pureza de origem” do valioso bem. Apenas um entrevistado afirmou
que usa filtro dentro de casa para tratamento da água. Todas as
residências possuem sanitário com descarga. Quando perguntados
sobre o destino dos dejetos humanos, quatro dos agricultores
afirmaram que possuem fossa (poço negro), enquanto que, para um,
o destino dos dejetos é a céu aberto. No que se refere ao destino
dado ao lixo domiciliar, três agricultores declararam que o queimam;
enquanto que um agricultor joga o lixo em um terreno próximo à sua
residência e outro entrevistado afirmou que junta o lixo e o leva para
recolhimento por carros da prefeitura na cidade.
Quando perguntados se houve melhora com sua satisfação em
relação às condições de moradia após passarem a fornecer ao PAA,
quatro entrevistados afirmaram que sim, que houve melhoras. De
acordo com o Entrevistado 3: “Algumas coisas que a gente conseguiu
fazer na casa é, por exemplo, fazer um acimentado no chão, o
forro da minha casa foi colocado com o dinheiro do PAA, nisso a
gente teve uma melhora. Teve uma renda a mais.” O aumento da
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agricultores familiares do município de Viçosa/MG
renda contribuiu para a melhoria nas condições de moradia dos
agricultores. Apenas um afirmou que não houve melhora, sendo que
a propriedade em que mora foi cedida em contrato de parceria, o
que não o motivou a fazer nenhuma melhoria no domicílio.
Em relação à posse de bens duráveis, quatro afirmaram que, por
meio da renda obtida com o PAA, conseguiram comprar novos bens
e/ou trocar por mais novos, melhorando sua satisfação. Apenas um
agricultor afirmou que não houve melhora nesse quesito, pois: “Não
adquiri novos produtos, foi mais terminar a casa só, o dinheiro [do
PAA] deu foi pra isso”.
Citado por dois agricultores familiares entrevistados como item
indicador de boa qualidade de vida, o tema “transporte” é
considerado “muito importante” para a comunidade. De acordo com
o Entrevistado 4: “É muito importante, porque sem o transporte não
dá pra entregar as mercadorias. Precisa do transporte para os filhos
irem à escola”.
O transporte coletivo comercial é realizado por uma empresa, que
realiza o trajeto Centro/Juquinha de Paula/Centro duas vezes na
semana. De acordo com os depoimentos, os ônibus respeitam os
horários e estão em bom estado de conservação. Já o transporte
público, é classificado pelos entrevistados como “não seguro”.
Destinado a estudantes do ensino fundamental, ele é realizado por
ônibus da prefeitura, antigo e sem manutenção adequada, de acordo
com os depoimentos. Este atende a dois períodos, manhã e tarde.
Quando chove é fato comum não haver transporte coletivo para os
moradores da comunidade, tampouco para os estudantes, em virtude
das estradas de terra e em péssima conservação. Em relação ao
transporte público, o Entrevistado 3, corroborando com a descrição
apresentada anteriormente, afirmou que: “O transporte público aqui
é ruim, comprometido, têm ônibus duas vezes por semana. Tem o
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escolar que, às vezes, dá carona, mas é um quebra-galho. Às vezes,
quando alguém precisa ir ao médico. O transporte público que a
gente tem, que todo mundo pode usar, que é o ônibus, ele vem duas
vezes por semana, se ameaçar chover ele já não vem.”
Apesar dessas limitações, todos os entrevistados consideram o seu
acesso ao transporte “bom”, pois todos têm a alternativa da moto
para se locomover à cidade para vender produtos, trabalhar, realizar
atividades eventuais de lazer, ir ao banco ou realizar consultas,
dentre outras atividades. Em relação ao transporte público, eles
o consideram “ruim”, pois o ônibus só atende a comunidade duas
vezes na semana e quando chove não há transporte público.
84
Quando perguntados se houve melhoria em relação a sua satisfação
com os meios de transporte quando começaram a participar no PAA,
apenas um agricultor afirmou que sim, pois ele pôde trocar um antigo
veículo utilitário que possui por um mais novo. Desta forma, entendese que as políticas públicas destinadas ao ambiente da produção
e comercialização, como o PAA, têm um tipo de influência indireta
sobre as condições gerais de transporte na agricultura familiar,
principalmente quando consideramos aspectos relativos à qualidade
de vida de seus beneficiários. Estes, a exemplo da comunidade em que
vivem os entrevistados, lidam com a ausência histórica de políticas
e ações governamentais que possibilitem reverter as fragilidades do
transporte público e da infraestrutura das estradas rurais.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um dos objetivos do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) é
elevar a renda dos agricultores familiares, inserindo-os em relações
de mercados virtuosas. Estas teriam o efeito de aumentar e qualificar
a produção, uma vez que ela seria orientada a suprir demandas de
instituições públicas. Presume-se que, isto ocorrendo, haverá reflexos
na qualidade de vida dos agricultores que aderem ao programa.
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 57-83 | jan/jun 2013
Análise da influência do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) sobre a qualidade de vida de
agricultores familiares do município de Viçosa/MG
A análise da situação dos agricultores entrevistados, quanto aos
indicadores de qualidade de vida selecionados, demonstra que houve,
na percepção dos próprios agricultores, melhorias em determinados
indicadores que eles qualificam como vinculados à sua qualidade de
vida.
É importante ressaltar que este resultado geral deve ser compreendido
como indicativo de uma situação gerada pela implementação do
programa, mas que necessita ser investigada mais detidamente, visto
que o universo dos agricultores familiares entrevistados, embora
abrangesse a totalidade dos que participaram do Programa na
comunidade São Francisco em 2011, é bastante reduzido. Também
se ressalta que o tempo decorrido entre a execução e a ocorrência
de possíveis benefícios foi reduzido, fato que permitiu a avaliação de
impactos ou influências imediatas, de acordo com a percepção dos
próprios agricultores. Por fim, compreendemos que as influências
sobre a qualidade de vida das famílias são multivariadas e difíceis de
serem atribuídas exclusivamente a um programa de política pública,
necessitando estudo complementares para validar as conclusões
aqui apresentadas.
A percepção dos agricultores familiares participantes do programa
em Viçosa/MG, dos gestores públicos envolvidos em sua
implementação e dos representantes das entidades beneficiadas que
foram entrevistados corrobora, de um modo geral, os resultados
encontrados por diversos estudos que buscaram caracterizar ou
avaliar o programa. Esta concordância diz respeito à percepção de que
o programa consiste em uma importante forma de comercialização
para os agricultores envolvidos, de modo a representar, na maioria
dos casos, o destino único do excedente produzido por estes
produtores (exceto produtos de origem animal).
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 57-83 | jan/jun 2013
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Rafael Júnior dos Santos e Marcelo Miná Dias
Quanto à análise da influência do programa sobre a qualidade de
vida dos participantes, a pesquisa identificou que os agricultores
familiares entrevistados elaboram um conceito de qualidade de vida
que valoriza, em primeiro plano, a “alimentação saudável”, tanto
aquela proporcionada aos consumidores de seus alimentos quanto
a de sua própria família. Este valor, indicativo da qualidade de
vida, foi associado à produção sem uso de veneno - os agrotóxicos
ou “defensivos agrícolas”, como são designados pela indústria
agroquímica. A pesquisa demonstrou que a alimentação saudável
está intrinsecamente ligada a dois requisitos normativos do PAA: a
produção sem agrotóxicos e a diversificação de oferta de produtos.
Os depoimentos indicam que estes requisitos influenciaram a dieta
das famílias de agricultores que aderiram ao programa, impactando,
de acordo com a percepção dos entrevistados, sobre a qualidade de
vida delas.
86
O indicador de qualidade de vida “saúde” também indica relações de
influência importantes do programa. E ele está indissociavelmente
relacionado à produção e ao consumo de “alimentos saudáveis”,
conforme atestam as entrevistas, tanto dos agricultores familiares
quanto dos gestores públicos envolvidos na operacionalização do
programa.
Com relação a indicadores mais objetivos, como “bens de consumo
duráveis” e “condições de moradia”, a percepção dos entrevistados
é que se revelam, quanto a estes indicadores, evidências mais
concretas sobre a melhoria de sua qualidade de vida. Trata-se de
um resultado esperado, visto que o impacto inicial e imediato do
programa é promover a elevação da renda das famílias. As declarações
dos entrevistados permitem perceber que esta renda a mais foi
utilizada para a compra de bens de consumo duráveis e reformas
nas moradias. Estes benefícios foram interpretados como melhorias
na qualidade de vida. Infere-se que a médio e longo prazos estes
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 57-83 | jan/jun 2013
Análise da influência do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) sobre a qualidade de vida de
agricultores familiares do município de Viçosa/MG
benefícios podem ter influência positiva na decisão de continuidade
da atividade econômica na agricultura familiar, tornando-a atrativa
para os jovens, que tendem a percebê-las como distante dos seus
projetos de vida (STROPASOLAS, 2006). O PAA possui o potencial
de estímulo à criação de mercados institucionais, geração de renda,
garantia de segurança alimentar às famílias, gerando, com isso,
uma dinâmica de desenvolvimento das atividades econômicas da
agricultura familiar.
Para o grupo de agricultores familiares que acessou, na comunidade
São Francisco em Viçosa/MG, o programa e o implementou ao
longo de 2011, o PAA, na percepção destes agricultores, influenciou
positivamente o que eles conceituam como “qualidade de vida”,
proporcionando melhorias na renda, não diversificação dos produtos,
na dieta das famílias e em melhorias pontuais nas moradias, como
também na aquisição de bens duráveis como decorrência da elevação
ocasional da renda.
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Recebido: 01/04/2013
Aprovado: 09/05/2013
Fernanda Carneiro
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Avaliação de políticas públicas: por um procedimento integrado ao ciclo da gestão
AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: por um procedimento
integrado ao ciclo da gestão
Fernanda Carneiro1*
RESUMO
O presente artigo objetiva analisar as dificuldades observadas
na criação de órgãos públicos responsáveis por avaliar políticas
públicas em apoio à gestão. A hipótese testada neste artigo tem
como pressuposto que as atividades de avaliação destas políticas
se desenvolveram de forma experimental, de acordo com novos
padrões de exigência internacionais e enquanto o modelo de
Estado assumia novas características, englobando novas funções.
A metodologia adotada baseia-se em estudo bibliográfico da
avaliação de políticas públicas e de sua institucionalização. Este
artigo busca destacar os desafios encontrados por experts e pelo
governo, quando da avaliação destas políticas, fazendo referência a
problemas também constatados na França. Este país, que inspirou
o modelo de Administração Pública no Brasil, também apresenta
sérias dificuldades em institucionalizar a avaliação das políticas
públicas de modo a auxiliar na tomada de decisões.
Palavras-chave: Políticas Públicas. Avaliação.
Controle. Gestão. Ministério do Desenvolvimento
Social.
* - Graduação em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, Mestrado em Administração Pública na Faculdade de Direito
e Ciências Políticas da Université de Picardie Jules Verne. Encarregada de banco de
dados na CARITAS Développement Uvira, na República Democrática do Congo (RDC).
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Fernanda Carneiro
EVALUACIÓN DE LAS POLÍTICAS PÚBLICAS: por un
procedimiento integrado al ciclo de gestión
Fernanda Carneiro
RESUMEN
94
Este artículo tiene como objetivo analizar las dificultades encontradas
en la creación de los organismos públicos responsables para la
evaluación de las políticas públicas de apoyo a la gestión. La
hipótesis planteada en este artículo tiene como suposición que las
actividades de evaluación de estas políticas se han desarrollado
experimentalmente, de acuerdo con las nuevas normas y padrones
de exigencias internacionales, mientras que el modelo del Estado
asume nuevas características, abarcando nuevas funciones. Esta
metodología tiene como base el estudio bibliográfico de la evaluación
de las políticas públicas y su institucionalización. En este artículo
se pretende dar a conocer y destacar los desafíos que enfrentan
los gobiernos y los “experts” en la evaluación de estas políticas,
se hace referencia a problemas constatados en Francia también.
Este país, que inspiró el modelo de Administración Pública en Brasil,
también presenta serias dificultades para la institucionalización de la
evaluación de las políticas públicas con el fin de ayudar en la toma
de decisiones.
Palabras claves: Políticas Públicas. Evaluación. Control. Gestión.
Ministerio de Desarrollo Social.
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Avaliação de políticas públicas: por um procedimento integrado ao ciclo da gestão
EVALUATION OF PUBLIC POLICIES: aiming at procedures
linked to the management cycle
ABSTRACT
This article aims to analyze problems that have been observed with
the creation of public bodies responsible for evaluating public policies
that support decision making. The hypothesis tested in this paper is
based on the assumption that the methods used to evaluate public
policies were developed in an experimental way according to the new
international standards while the State was assuming new roles in
society. The methodology adopted is based on bibliographic research
concerning the evaluation of public policies. This paper highlights the
challenges faced by experts and the government in evaluating public
policies both in this State (Brazil) and in France. France has also
experienced serious difficulties in creating evaluation institutions to
support decision making adequately and constructively. Because
of some similarities between France and Brazil, that country was
chosen as a model for Public Administration in Brazil.
Keywords:
Public Policies. Evaluation. Control. Public
Administration. Social Development Ministry.
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Fernanda Carneiro
1 INTRODUÇÃO
Apesar de existir avaliação de políticas públicas de forma esparsa
em outros Estados21, foi nos Estados Unidos da América (EUA), que
primeiro se desenvolveu e se colocou em evidência o processo de
avaliação a favor destas políticas, inspirando-se no modelo do setor
privado e com objetivos inicialmente de accountability32.
96
É importante salientar que a metodologia de avaliação de políticas
públicas34 varia de acordo com a evolução destas políticas e do
paradigma de Estado em que se está inserido. Assim, os indicadores
utilizados deixaram de ser meramente quantitativos com objetivos
de se verificar os custos e fiscalizar as ações públicas, para incluir
aqueles qualitativos. Importantes momentos na história conduziram
a uma evolução dos antigos indicadores, que passaram a ser
insuficientes para avaliar os programas políticos implementados,
seja pela complexidade que estes passaram a adquirir, seja por uma
1 - Existem dados que demonstram a utilização de métodos de avaliação pelo Estado
já em 1773. Nesta data, enquetes foram realizadas por parte do Ministério da Marinha
da França, cujo objetivo era averiguar nos portos quais eram as vantagens e os
inconvenientes dos diversos trabalhos que estavam sendo realizados, podendo medir
o savoir faire das matérias que estavam sendo desenvolvidas nos arsenais (DUPUIS,
1998).
2 - “Com todos os conflitos políticos que possam envolver os resultados de estudos
de avaliação, é inegável seu papel de produzir accountability. Embora esse termo
seja muitas vezes traduzido como responsabilização, Ozlak (2005) observa que ele
se refere a um processo de prestação de contas; no entanto, o termo accountability
conota a própria obrigação de se prestar contas, assumida voluntariamente pelo
sujeito, sem necessidade da intervenção de um terceiro para exigi-la. Essa distinção é
crucial, pois a obrigação faz parte dos valores e, portanto, da cultura; não precisando,
necessariamente, ser exigida por outros. A menção ao termo accountability evocaria,
de imediato, relação com as noções de transparência, eficiência, eficácia, bom governo,
autonomia, controle, serviço ao cidadão, legitimidade, ou, inclusive, democracia. E
também pareceria associada a seus opostos: arbitrariedade, opacidade, corrupção,
ineficiência, autoritarismo etc.” (VAITSMAN, 2011, p.22).
3 - As políticas públicas são aqui entendidas como o resultado dos jogos de poder,
de interesses diversos, que se materializam em decisões emitidas pelo poder público
no exercício de suas funções atribuídas pela Constituição e que desenham suas
prioridades de governo através de planos, programas, ações realizados com o intuito
de equacionar problemas econômicos e sociais.
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 85-122 | jan/jun 2013
Avaliação de políticas públicas: por um procedimento integrado ao ciclo da gestão
mudança dos parâmetros de avaliação, que passam a ser visados
na tomada de decisões, quando, por exemplo, a satisfação dos
beneficiários passou a ser considerada uma medida de interesse
para a gestão.
O novo modelo de Welfare State, desenvolvido no governo de
Roosevelt e motivado pelos reflexos sociais da quebra da bolsa de
valores em 1929, fez desenvolver e ampliar as funções do Estado,
sendo um fator propulsor para o desenvolvimento de métodos
para a avaliação dos resultados das políticas públicas sociais. Foi
por meio deste novo paradigma que os Estados arrogaram para si
uma série de responsabilidades sociais, o que exigiu dos gestores a
implementação de ações e programas com objetivos de minimizar as
desigualdades sociais, melhorar a qualidade e o acesso à educação,
entre outros.
A avaliação das ações adotadas pelo Estado foi fortemente
influenciada pelo setor privado e adquiriu maior evidência junto à
ideia de boa performance da máquina pública, na qual o contribuinte
passa a ser visto como cliente dos serviços prestados pelo Estado.
Nesse contexto, o princípio da transparência é visado e a boa
governança passa a ser o ideal a ser almejado pela gestão pública.
Destes novos conceitos, a institucionalização da avaliação se
apresenta como elemento essencial e intrínseco à própria política
pública por ser o meio capaz de identificar os resultados do projeto,
seus impactos, avaliar seus meios, aportando transparência ao setor
público, evidenciando a importância da ação empreendida e dos seus
resultados.
A institucionalização de diferentes mecanismos
de accountability, entre os quais a avaliação,
tornou-se parte da governança nos Estados
democráticos e onde existem diferentes
mecanismos de prestação de contas. No Brasil,
essa institucionalização é parte do processo
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 85-122 | jan/jun 2013
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Fernanda Carneiro
mais amplo e construção da democracia e da
profissionalização (VAITSMAN, 2011, p.22).
Etimologicamente, o ato de avaliar é o ato de atribuir valor a algo,
podendo-se depreender em que medida ele pode ser considerado
positivo ou negativo. A avaliação apresenta-se, assim, como um
processo por meio do qual se pode conhecer das políticas públicas,
desde seu projeto à sua implementação, sendo capaz de avaliar
desde a viabilidade dos projetos até os seus resultados e impactos.
Ela permite se mesurar as ações empreendidas ou almejadas pelo
Estado, tendo como base alguns referenciais definidos, o que faz
dela um elemento bastante importante à gestão por ser o capaz de
auxiliá-la na tomada de decisões45, seja para rever os projetos, seja
para alterar o curso de sua execução.
98
Os referenciais tomados em um processo de avaliação são um
conjunto de indicadores capazes de informar: (1) da pertinência
dos problemas observados na realidade e os objetivos almejados
pelo projeto, respondendo então à pergunta se ele seria capaz de
tanger aqueles problemas que motivaram a sua criação; (2) podese verificar também a coerência entre os meios propostos e seus
objetivos, buscando responder à seguinte pergunta: seriam os meios
escolhidos capazes de atingir os objetivos previstos?; (3) uma vez
implementado o projeto, pode-se depreender da eficácia do mesmo,
ou seja, se ele foi capaz de atingir os resultados esperados e se ele
os atingiu completa ou parcialmente; (4) ainda, pode-se medir se o
meio utilizado foi eficiente, verificando a relação de custo e tempo
4 - “Na verdade, a ação pública é caracterizada por incoerências, ambiguidades e
incertezas em todos os estágios em todos os momentos. Qualquer política pública é
em grande parte um esforço de coordenação de forças centrífugas que operam no
interior da própria máquina estatal e na sociedade. A formulação de políticas é, com
muita frequência, marcada pelo fato de que os decisores não sabem exatamente o
que eles querem, nem o resultado possível das políticas formuladas, bem como pelo
fato de que as políticas adotadas são o resultado de um processo de negociação no
qual o desenho original de um programa é substancialmente modificados”. (JOBERT;
MULLER, 1987 apud ARRETCHE, 1998).
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 85-122 | jan/jun 2013
Avaliação de políticas públicas: por um procedimento integrado ao ciclo da gestão
despendido para a obtenção dos resultados; (5) após os resultados,
ainda se pode depreender da utilidade do projeto, buscando verificar
se os impactos do projeto tenham, ou não, efetivamente corroborado
para a solução dos problemas observados e que motivaram a
elaboração do mesmo (VIVEA, 2005, p.4).
De acordo com o seu objeto, a avaliação pode ter as seguintes
dimensões:
a) Processos: estudos sobre os pontos que
favorecem ou dificultam os processos de
implementação da política ou programa, aí
incluídos seus desenho, dimensões organizacionais
e institucionais.
b) Resultados, que englobam: - desempenho (ou
resultados em um sentido estrito, outcomes): que
se refere aos “produtos” do programa, tais como
definidos em suas metas; - impacto: mudanças
na situação dos beneficiários, provocadas
diretamente pelo programa. As avaliações de
impacto procuram, por meio de desenhos quaseexperimentais, comparar dois grupos similares
da população, medindo as diferenças observadas
entre os dois grupos, decorrentes da exposição e
da não exposição a um programa;
c) efeitos: outros resultados do programa, sociais
ou institucionais, esperados ou não, que acabam
se produzindo em decorrência do programa
(VAITSMAN, 2006, p.22).
A avaliação serve para melhorar a administração pública, não
correspondendo com as ações de simples auditoria de performance,
nem com o controle de regularidade jurídica. Essa ferramenta
contribui à modernização da gestão da administração e dos serviços
públicos, à eficiência da despesa pública e ao desenvolvimento da
responsabilidade como prestação de contas. Por meio dela é que
se pode conhecer a ação, fruto da política pública, demonstrando
seus limites e impactos. Ela permite padronizar as apresentações,
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 85-122 | jan/jun 2013
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Fernanda Carneiro
multiplicar e melhor controlar as fontes e as bases de dados, preparar
sínteses, responder às falsas argumentações e aos rumores. Ela é um
meio para a boa governança, eis que está inserida em um conjunto
de processos da produção de conhecimento, securizando todas
as partes interessadas: os eleitos, aqueles com cargo de decisão
dentro da administração pública e também os cidadãos, garantindo
a transparência das ações do governo (BASLÉ, 2001).
Apesar de ser um importante meio para a gestão, as avaliações
das políticas públicas sofrem críticas por serem parciais,56 passando
também por certos obstáculos, tanto culturais quanto políticos. A
avaliação pode ser objeto de lutas institucionais e de controvérsias
semânticas e ideológicas, podendo ser percebida como uma ameaça
à legitimidade política. No entanto, para que seu resultado seja
eficaz, faz-se necessária a sua apropriação pela gestão, que deve
estar sensibilizada para a sua importância e utilidade (OHNET, 1998).
100
Deste modo, o presente artigo busca averiguar quais seriam os
desafios para uma efetiva avaliação das políticas públicas, objetivando
analisar quais seriam as dificuldades enfrentadas para se estruturar
uma avaliação que apoia a gestão na condução das políticas públicas.
A hipótese a ser testada tem como pressuposto que as atividades de
avaliação dessas políticas se desenvolveram de forma experimental,
junto ao próprio desenvolvimento das funções do Estado e em
conformidade com novos padrões de exigência internacionais.
5 - É certo que qualquer forma de avaliação envolve necessariamente um julgamento,
vale dizer, trata-se precipuamente de atribuir um valor, uma medida de aprovação ou
desaprovação a uma política ou programa público particular, de analisá-la a partir
de uma certa concepção de justiça (explícita ou implícita). Neste sentido, não existe
possibilidade de que qualquer modalidade de avaliação ou análise de políticas públicas
possa ser apenas instrumental, técnica ou neutra. Nesta perspectiva, qualquer linha
de abordagem das políticas públicas supõe, de parte do analista, um conjunto de
princípios cuja demonstração é no limite, impossível, dado que corresponde a opções
valorativas pessoais. Neste sentido, o uso adequado dos instrumentos de análise e
avaliação são fundamentais para que não se confunda opções pessoais com resultados
de pesquisa (ARRETCHE, 1998, p. 29).
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 85-122 | jan/jun 2013
Avaliação de políticas públicas: por um procedimento integrado ao ciclo da gestão
A metodologia adotada baseou-se em pesquisa bibliográfica
sobre a evolução da avaliação de políticas públicas, observando
particularmente o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate
à Fome (MDS). Neste artigo, será realizado o levantamento dos
desafios observados na avaliação de políticas públicas, fazendo
referência a problemas encontrados na França, país que inspirou
a Administração Pública do Brasil, mas que apresenta sérias
dificuldades de institucionalizar a avaliação de suas políticas. Para
tanto, este estudo é dividido em duas partes. Na primeira, dedicase à evolução dos processos de avaliação dentro do contexto dos
ministérios, informando dos novos desafios que propõe as políticas
públicas sociais. Na segunda parte, dedica-se aos desafios de se
formar uma cultura de avaliação na perspectiva dos gestores,
salientando as críticas formuladas por estes.
2 A EVOLUÇÃO DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA
AVALIAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
A cultura da avaliação de políticas públicas é um novo movimento, que
encontra seu fundamento no paradigma do Estado democrático de
Direito, sendo essencial para efetivar os princípios da administração
pública, previstos no art. 37, da Constituição Federal de 198867. Alguns
autores falam sobre a “nova gestão pública” como uma mudança de
perspectiva na Administração Pública. Por meio dela, tem-se uma
análise mais abrangente das questões sociais, com um tratamento
interdisciplinar e multisetorial obrigatório destas. Além disto,
devido à maior exigência da sociedade nos países democráticos, a
6 - Art. 37: A administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...] (BRASIL, 1988).
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transparência e o accountability87 passam a ser exigidos dos gestores
(NASCIMENTO, 2008). Essas exigências, portanto, se alteraram de
acordo com a evolução da sociedade.
2.1 A institucionalização da avaliação: de uma
avaliação-controle a uma avaliação integrada ao ciclo da
gestão
Pela Constituição Federal de 1967, pode-se verificar uma grande
preocupação do Estado quanto à fiscalização financeira e
orçamentária da União89. Neste contexto, foi criado o controle interno,
102
órgão integrado ao controle político. O artigo 72 desta constituição
incluiu a avaliação de resultados dentre uma das competências de
controle elencadas. Assim, a avaliação prevista pela Constituição de
1967 era realizada por um órgão de controle, que corroborava com
o controle externo para a eficácia dele e para a regularidade das
receitas e despesas dos órgãos de gestão.
Em 1979, o governo de Delfim Neto havia definido que a auditoria
passaria a incluir a avaliação dos resultados, além das funções de
conformidade legal e de verificação quanto à forma, traçando uma
certa confusão entre o que se entende como avaliação e o que se
entende como controle. Na Constituição de 1988, as funções do
7 - A institucionalização de diferentes mecanismos de accountability, entre os quais
a avaliação, tornou-se parte da governança nos Estados democráticos e onde existem
diferentes mecanismos de prestação de contas. No Brasil, essa institucionalização é
parte do processo mais amplo e construção da democracia e da profissionalização
(VAITSMAN, 2011, p. 22).
8 - Art. 71 - A fiscalização financeira e orçamentária da União será exercida pelo
Congresso Nacional através de controle externo, e dos sistemas de controle interno
do Poder Executivo, instituídos por lei [...].
Art. 72 - O Poder Executivo manterá sistema de controle interno, visando a: I - criar
condições indispensáveis para eficácia do controle externo e para assegurar
regularidade à realização da receita e da despesa; II - acompanhar a execução de
programas de trabalho e do orçamento; III - avaliar os resultados alcançados pelos
administradores e verificar a execução dos contratos (BRASIL, 1967).
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Avaliação de políticas públicas: por um procedimento integrado ao ciclo da gestão
Controle Interno foram estendidas como pode se constatar pelo
trecho citado abaixo:
Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário manterão, de forma integrada, sistema
de controle interno com a finalidade de:
I - avaliar o cumprimento das metas
previstas no plano plurianual, a execução
dos programas de governo e dos orçamentos
da União;
II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados,
quanto à eficácia e eficiência, da gestão
orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos
e entidades da administração federal, bem como
da aplicação de recursos públicos por entidades
de direito privado;
III - exercer o controle das operações de crédito,
avais e garantias, bem como dos direitos e
haveres da União;
IV - apoiar o controle externo no exercício de sua
missão institucional.
§ 1º Os responsáveis pelo controle interno, ao
tomarem conhecimento de qualquer irregularidade
ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de
Contas da União, sob pena de responsabilidade
solidária.
§ 2º Qualquer cidadão, partido político, associação
ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei,
denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da União (BRASIL, 1988).
Apesar das finalidades de avaliar a execução do plano plurianual
e da execução dos programas de governo terem adquirido maior
definição e destaque nesta Constituição, o controle interno continua
sendo o responsável pela função de controlar, arrogando para si a
função de controle e avaliação ao mesmo tempo.
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Fernanda Carneiro
104
O início da década de 90 vivenciou o impeachment do governo Collor
e o escândalo dos “anões do orçamento”. A explicação utilizada
para a crise institucional vivida pelo Estado se deu na fragilidade
dos controles da administração pública e, particularmente, do
controle interno. Então, foram feitas propostas de reforma deste
órgão como solução institucional para a crise de legitimidade que
se encontrava. Assim, foi criada a Secretaria Federal de Controle
(SFC) para coordenar as secretarias de controle Interno (Chiste)910,
antes ligadas aos Ministérios, que passaram a ser dirigidas pela SFC.
Os dirigentes deste novo órgão se comprometeram a fiscalizar as
práticas dos agentes com independência e autonomia e cumprir
o dever constitucional de avaliar a execução de metas físicas de
programas de governo na gestão, que ainda não era eficaz (GARCIA,
2011). Deste modo, o controle interno, localizado insuficientemente
próximo da gestão para ser considerado dela e insuficientemente
distante para ser considerado um órgão externo, passa a viver um
paradoxo institucional: como avaliar os programas de governo para
melhorar a gestão e realizar o controle da gestão?
Dentro do controle interno foi realizada uma divisão entre as
funções de auditoria e de avaliação de resultado, que recebeu o
nome de fiscalização. Ambas acabaram por permanecer com o fim
de controlar a ação do gestor e verificar se as ações empreendidas
9 - Sigla originada de Controle Interno Setorial.
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Avaliação de políticas públicas: por um procedimento integrado ao ciclo da gestão
seriam capazes de atingir os resultados esperados1011. Deste modo,
utilizava-se da avaliação de resultado como meio de se verificar a
conformidade daquilo que foi proposto pelo gestor e daquilo que era
executado, não deixando de ser um controle e sem efetivamente
poder auxiliar o gestor.
Se a avaliação for considerada apenas um
acessório na gestão de políticas sociais, ou como
uma pesquisa social realizada de forma esporádica
e/ou pontualmente, o seu aspecto técnicooperativo pode ganhar um caráter puramente
instrumental, no qual a construção de modelos
avaliativos pode apresentar-se como uma saída
sedutora no sentido de facilitar e disseminar
processos avaliativos.
Sob este enfoque, a avaliação cumpre um papel
mais de controle, para verificar se as ações estão
sendo desenvolvidas conforme o planejado, ou
se os resultados previstos foram atingidos. Neste
caso há um sério risco de burocratização do
processo avaliativo, visto mais como uma função
gerencial, geradora de dados e informações,
do que como uma opção técnico-política de
gestão, cuja finalidade é conhecer e transformar
determinadas dimensões da realidade social
10 - A área da auditoria concebia o trabalho da SFC como aplicação de um conjunto
de protocolos ou normas de auditoria geralmente aceitas para avaliar a gestão pública
ou a execução de ações do governo. Tratava-se da obtenção e avaliação objetiva de
evidências a respeito da execução de ações governo e de eventos administrativos para
verificação do grau de correspondência (quantitativa ou qualitativa) deles em relação
aos critérios estabelecidos, tais como legislação, regras operacionais e especificação
de produtos e serviços. Nessa visão, não se tratava de indicar para o gestor o
que ele deveria fazer, mas de verificar se o gestor fez ou não aquilo que
era esperado que ele fizesse, até mesmo, na fiscalização dos programas de
governo. [...].
Conforme se depreende, tanto a área de fiscalização, quanto a de auditoria
incorporaram o discurso do controle de resultados em seus procedimentos. Contudo,
a condição das duas áreas para atender às novas demandas era bastante diferente.
A definição da recém-constituída área de fiscalização era fiscalizar a execução das
ações governamentais, e o seu foco era precisamente ser capaz de identificar se
a execução estava ocorrendo de forma a permitir o alcance dos resultados
desejados (GARCIA, 2011, p. 152).
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e/ou modificar o próprio planejamento desta
(ROMERA; PAULILO, 2006, p.13).
Enquanto no exterior já se podia encontrar atividades de
institucionalização da avaliação dos programas de governo, no Brasil
ainda se caminhava a passos bastante tímidos. Durante o governo
Thatcher, na década de 80, o governo britânico, que assistia a um
novo movimento na Administração do Estado, adotou diversas
iniciativas com o intuito de criar organismos com competência para
avaliar os resultados obtidos dos novos programas implementados.
Enquanto isto, no Brasil, observava-se que estas ações eram
esparsas, sem haver uma uniformidade de métodos, nem uma
instituição responsável para desenvolver a avaliação.1112
106
Até a criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome, em 20041213, não havia se observado grande evolução na função
de avaliação de políticas públicas. Entretanto, dada a sua criação,
os investimentos públicos em programas com fins sociais cresceram
exponencialmente. Tratando-se de projetos mais complexos,
que buscam realizar uma intervenção em uma realidade social, a
avaliação passou a ser uma ferramenta necessária à gestão, seja
como reflexo das pressões exercidas por organismos internacionais,
seja para mostrar os resultados das ações empreendidas e garantir
maior legitimidade destas, justificando-se o capital investido.
Assim, o MDS foi o primeiro ministério no Brasil a criar um órgão
responsável por realizar as avaliações de seus projetos, a Secretaria
11 - BERLARDONI; SOUZA; PEIXE, 2008.
12 - Medida provisória n.163, de 23 de janeiro de 2004, transformada na Lei n.10.868,
de 13 de maio de 2004.
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Avaliação de políticas públicas: por um procedimento integrado ao ciclo da gestão
de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI)1314, institucionalizando a
avaliação como uma ferramenta da gestão.
Com a centralização da função de avaliação
na SAGI, a unidade tornou-se responsável por
realizar ou contratar todos os estudos de avaliação
referentes aos programas do Ministério. Também
ficou a cargo da capacitação dos gestores com o
objetivo de fornecer-lhes maior competência para
definir suas demandas; debater as metodologias
especialmente, apropriar-se dos resultados das
investigações para a melhoria dos programas e
políticas sob sua gestão (VAITSMAN, 2011, p.28).
No entanto, a avaliação de programas sociais apresenta obstáculos
próprios à natureza desta intervenção1415, que até então não tinha
sido enfrentada de forma institucional pelas gestões anteriores.
Desvendando novos caminhos, a SAGI teve grande abertura para
se desenvolver, o que se deu, segundo Vaitsman, muitas vezes, de
forma experimental1516.
13 - O Ministério do desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) tem se destacado
por ser o primeiro a institucionalizar uma secretaria especializada em avaliação e
gestão da informação; a qual tem contratado estudos, promovido treinamentos e
implementado sistemáticas para o monitoramento de políticas de transferência de
renda, assistência social e segurança alimentar. A secretaria de Avaliação e Gestão da
Informação (SAGI) é responsável por grande volume de estudos, pesquisas de linha
de base, surveys de beneficiários e avaliações de impacto, produzidos para subsidiar
as políticas sociais (BORGES, 2011, p.7).
14 - A avaliação de programas e projetos sociais possui complexidades e especificidades
próprias. As políticas e programas sociais, desde sua decisão, implementação e
execução, estão impregnadas por valores, pautas culturais, demandas e expressões
múltiplas dos diversos sujeitos intervenientes, sejam eles gestores, executores e/ou
beneficiários. Portanto, esse campo é permeado por embates e representações da
ação que influenciam processos e resultados. Os impactos de uma determinada ação
social podem ser múltiplos, derivados de várias causas e fatores (ROMERA; PAULILO,
2006, p.10).
15 - Como o MDS era uma estrutura recém-criada, sem procedimentos já́ estabelecidos
para a montagem da área de avaliação e monitoramento, a não ser uma portaria
designando as atribuições da secretaria e seus departamentos, houve bastante
espaço para iniciativa e criatividade para a definição dos caminhos a serem seguidos,
por meio de um processo que implicou várias vezes, é importante reconhecer, ensaio
e erro (VAITSMAN, 2006, p.18).
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 85-122 | jan/jun 2013
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2.2 As mudanças dos indicadores utilizados para a
avaliação de políticas públicas
108
As primeiras avaliações de políticas públicas para combater a miséria
se deram, a partir de 1930, nos Estados Unidos da América, obtendo
maior expressão na década de 1960, quando o financiamento
destas políticas passa a ser mais significativo. No início, buscavase determinar apenas a eficiência e a eficácia de políticas sociais,
dando início à indústria da pesquisa avaliativa, surgindo revistas
especializadas, cursos de graduação e pós-graduação, centros de
pesquisa, treinamentos, instrumentos de medição, o que transformou
a análise neste setor como um campo de pesquisa específico. As
primeiras abordagens de avaliação se inspiravam nas ciências exatas
e com o rigor de se isolar as variáveis das ciências experimentais. A
avaliação buscava mensurar o real, baseando-se na estatística para
definir indicadores de resultados, enfatizando na quantificação das
metas, dos objetivos e dos resultados obtidos pelos projetos.
Na década subsequente, a avaliação de políticas públicas passou a
sofrer a influência das ciências sociais e da aplicação avaliativa no
âmbito da educação, questionando a adequação dos métodos que
utilizavam de indicadores meramente quantitativos, incorporando
métodos de estudo com indicadores qualitativos para se apreender
da dinâmica de um programa social. Assim, buscou-se, por meio da
avaliação, entender a dinâmica de um programa social: seu contexto,
o que foi efetivamente executado, a relação entre os objetivos e os
resultados do programa - mensurando seu desempenho.
Já os métodos avaliativos contemporâneos conseguiram transcender
as práticas que foram até então aplicadas, valorizando ambas as
abordagens, tanto quantitativa quanto qualitativa, com uma visão
mais pluralista do que aquelas que haviam sido utilizadas até
então. No Brasil, isso se deu como resultado de pelo menos dois
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Avaliação de políticas públicas: por um procedimento integrado ao ciclo da gestão
fenômenos, observados nos anos 70 e 80: a pressão exercida por
órgãos internacionais e a pressão exercida pelos próprios movimentos
sociais. Os grandes vultos de dinheiro a serem investidos em
projetos sociais, oriundos de organizações internacionais, estavam
condicionados à realização de avaliação, logo, para se receber toda
a quantia disponibilizada, fazia-se necessário avaliar o que já se
tinha feito, vindo a proporcionar a realização de avaliações com fins
econométricos. Na década de 80, houve um aprofundamento das
críticas realizadas pelos movimentos sociais à política social realizada,
seja pelo mau uso de recursos públicos, seja pelos poucos resultados
observados - os esforços avaliativos neste contexto se deram para
mudar o desempenho ou a atuação de uma política social para
torná-la mais eficiente, eficaz e efetiva, critérios que passaram a ser
pesados para o Estado1617.
Atualmente os critérios de eficiência, eficácia e efetividade devem ser
rigorosamente observados, desde a elaboração de um programa até
a sua implementação. Esta supervalorização destes padrões sofre
influências do accountability e do conceito de boa governança1718,
em que a transparência na administração é meio e fim, o que
permite a efetiva participação dos cidadãos que agora têm acesso
às informações importantes a respeito da condução do Estado. No
entanto, estes critérios, no contexto das políticas sociais, passam
por uma série de obstáculos para se obter um resultado conclusivo.
Na França, com a Reforma Geral da Política Pública (RGPP), que
teve início no final da década passada, novos indicadores passaram
a integrar os processos de avaliação das políticas públicas. Esta
16 - ROMERA; PAULILO, 2006.
17 - L’évaluation promet d’être un des moyens de la bonne gouvernance moderne.
Elle s’inscrit en effet dans un ensemble de processus de production de connaissances
concourant à sécuriser toutes les parties prenantes de l’action publique : les élus, les
décideurs publics mais aussi les citoyens par la meilleure connaissance, la meilleure
construction de la connaissance la plus scientifique possible et la prise en compte
d’emblée des nécessités de communiquer sur l’action publique (BASLÉ , 2001, p.19).
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 85-122 | jan/jun 2013
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reforma participa de um movimento para melhorar a qualidade do
serviço público prestado, diminuindo as despesas e garantindo a
transparência das avaliações. Por meio desta reforma, os serviços
públicos passaram a ser avaliados de acordo com a qualidade da
prestação, passando a englobar também indicadores de satisfação
dos beneficiários. Esta reforma é produto dos objetivos de boa
governança na França, tendo acrescido, em nível institucional, novos
valores ao processo de avaliação das políticas públicas1819.
3 OS DESAFIOS PARA UMA CULTURA DE AVALIAÇÃO
NA TOMADA DE DECISÕES
110
Os critérios de avaliação se alteraram desde as primeiras avaliações,
realizadas no início do século XX, até chegar aos dias atuais, quando
se pode observar a utilização de indicadores qualitativos precisos e
uma busca pela tecnização da área. No entanto, seja pelo histórico
de utilização da avaliação como método de controle, seja pela própria
natureza da avaliação de políticas públicas, a institucionalização
destes métodos encontra uma série de desafios para se tornar eficaz.
3.1 Avaliação ou álibi: como superar anos de controle
para integrar a avaliação no ciclo da gestão
Apesar da diferenciação entre controle e avaliação ser questionável
por alguns autores, é quando se foca nos objetivos da avaliação que
pode se perceber a grande diferença entre esses dois mecanismos,
esta diferença está no animus da avaliação, na sua razão de ser.
Enquanto no controle, as avaliações realizadas têm o fim de fiscalizar,
averiguar se a execução de programas está em conformidade com
o que havia sido previsto e em conformidade com a lei, a avaliação
tem como objetivo produzir conhecimento a respeito de programas,
entender da sua implementação e dos seus resultados. É a partir da
18 - LEGGE, 2011.
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Avaliação de políticas públicas: por um procedimento integrado ao ciclo da gestão
avaliação que se pode refletir sobre os impactos e os meios utilizados,
garantindo ao gestor informações essenciais sobre o programa, para
que ele possa tomar decisões, garantindo a eficácia das ações.1920
A avaliação não se aproxima das missões tradicionais de controle
financeiro ou de inspeção. As funções de avaliação não correspondem
às missões públicas tradicionais de inspeção, de controle ou mesmo
de simples auditoria de performances. Elas não buscam mais controlar
a regularidade jurídica de uma ação pública. Pode-se, no entanto,
avaliar os efeitos econômicos ou outros de uma regulamentação.
A avaliação não é um simples estudo, mas uma verdadeira
ferramenta ao serviço da estratégia pública, uma contribuição à
tomada de decisões, contribuindo, assim, à modernização da gestão
de administração e de serviços públicos, à eficácia da despesa
pública, bem como ao desenvolvimento da responsabilização, do
debate público, e das práticas de prestação de contas no seio das
organizações e das práticas de confrontação com o olhar externo
(BASLE, 2001, p.18).
Apesar de a avaliação se distanciar do controle em seus objetivos,
ainda existem gestores que não se sentem confiantes com a realização
de avaliações de seus programas, mesmo que essas avaliações
sirvam para auxiliá-los na gestão. Uma das dificuldades elencadas
para a institucionalização da SAGI foi esta confusão comumente
realizada entre avaliação e fiscalização.
Como observou Wildawsky, há muitos anos, as
organizações não gostam de ser avaliadas (1979).
Era comum a confusão entre, por um lado,
avaliação e, por outro, fiscalização e controle, o
19 - [...] le contrôle fait partie de la mission des fonctionnaires eux-mêmes, qui
doivent vérifier que tout a été mis en œuvre comme prévu, qu’on n’a violé aucune
loi, qu’on a été intègre dans la gestion ; l’évaluation, qui doit être plus distanciée,
en situation d’extériorité, cherche à savoir d’une part quels sont les résultats d’une
politique publique et d’autre part « à quoi ça sert » (CROZIER, 1998).
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Fernanda Carneiro
que produziu alguma resistência em relação ao
papel da SAGI (VAITSMAN, 2006, p.17).
São, no entanto, diversos os motivos para tanto, entre eles, o que mais
se destaca encontra fundamento em um medo de que a avaliação
pudesse ser usada para fins políticos, podendo deixar o gestor em
situação desconfortável com os eleitores, caso os resultados de seu
programa não fossem os esperados, ou que em uma avaliação não
se conseguisse depreender impactos positivos para o problema que
se almejava resolver com a sua implementação. Este medo parece
ser comum não somente no Brasil, mas também na França, que
tem apresentado dificuldades de institucionalizar a avaliação de suas
políticas públicas.
112
Seria presunçoso pensar que assim em pouco
tempo nossa coletividade2021 teria se colocado
em dia com a avaliação... Assim como você a
sugere na sua questão, a avaliação traz medo
em algum lugar, pois por trás desta palavra,
banal até então e também pouco empregada
pelos políticos, poderia bem se esconder uma
forma de controle e, portanto, colocando em
questão as decisões tomadas pelos responsáveis,
mandatários pelo sufrágio de eleitores. Mas de
fato que se reclame uma maior transparência
da gestão pública é uma realidade que não se
consegue fugir (BOUNIOL, 2001, p. 24, traduzido
pela autora).
Michel Crozier2122, em entrevista realizada para o caderno de avaliações
de políticas públicas da revista Pouvoirs Locaux (1998), constata
que os funcionários públicos da França, de um modo geral, têm
tendência de não querer ver as consequências concretas do seu
20 - Seria equivalente a um município no Brasil.
21 - Sociólogo fundador do Centro de Sociologia das Organizações (CSO) junto
ao CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica da França - Centre National de
Recherche Scientifique).
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Avaliação de políticas públicas: por um procedimento integrado ao ciclo da gestão
trabalho realizado, optando assim por uma realidade abstrata e
distante. Quando perguntado do motivo do atraso que a França se
encontrava em 1998 para a realização de avaliações das políticas
públicas, sua resposta foi digna de reflexão:
A resposta à sua questão (por que que ela
[avaliação da política pública] não funciona
na França?) é de certa forma simples: ela não
funciona porque a França se tornou vítima
de seu modelo de regularidade jacobina, que
teve sua nobreza [...]. O peso essencial deste
sistema é, evidentemente, a centralização,
produzindo um modo de organização hierárquico,
uma administração pletórica, muito difícil de
se reformar e onde é impossível, por razões
sistêmicas, trabalhar em termos de programas,
de objetivos e de avaliação de resultados: neste
sistema centralizado, é necessário compreender
que a administração é uma fortaleza. Ela é
bem colocada sob a autoridade de um poder
legislativo e executivo eleito pelos cidadãos,
que lhe conferem legitimidade, mas ao mesmo
tempo, esta legitimidade absoluta protege e isola
a administração, que se tornou intocável. É a
velha tradição do direito francês que quer que os
agentes do rei não sejam jamais incomodados,
pois são cobertos pela autoridade soberana
(CROZIER, 1998, p.44-45, traduzido pela autora).
Este sociólogo fala sobre a importância de sair de uma lógica de
culpabilidade e de começar uma lógica de diálogo, de trocas em que
o cidadão pudesse ser ouvido e exercer influência. No entanto, a
própria lógica do sistema dificulta esta distinção, eis que o governante
francês, bem como o brasileiro em um primeiro momento, não soube
estabelecer uma distinção clara entre controle e avaliação. Na França,
atribui-se à Cour des comptes, órgão semelhante ao Tribunal de
Contas da União (TCU), a função de realizar a avaliação. Segundo
esse pesquisador, os funcionários desta corte teriam passado a
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 85-122 | jan/jun 2013
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Fernanda Carneiro
monopolizar a avaliação de tudo aquilo que pudesse ameaçar a
gestão, mantendo-se na perspectiva de controle. (CROZIER, 1998).
114
Obviamente que se os conceitos de controle e avaliação não são
suficientemente claros institucionalmente, eles não o serão também
para os gestores, o que colabora com o medo da avaliação. No Brasil,
o controle interno assumiu o papel da avaliação, a princípio tida como
fiscalização. Na tese da Leice Maria Garcia (2011), encontra-se uma
análise de como o controle interno enxergaria seu papel e qual seria
a visão que os gestores teriam deste órgão. Por meio desta análise,
evidenciou-se uma crise de identidade do controle interno que,
diferentemente da sua própria percepção, ele foi percebido pelos
gestores como um ente que auxilia o gestor de forma limitada, pois
seu foco seria de verificar se os gestores estariam ou não fazendo
aquilo que a legislação define, agindo como se os gestores fossem
corruptos. Esta percepção dos gestores quanto à conduta do controle
interno, evidenciada na tese supracitada, se assemelha à crítica de
Crozier sobre a avaliação exercida pelo órgão de controle na França.
Sendo assim, resta claro que, para desenvolver uma cultura de
avaliação, faz-se necessário que, em primeiro lugar, as diferenças
entre controle e avaliação sejam bem definidas para as instituições,
delineando de forma transparente as suas funções e seus objetivos.
Em um contexto de indefinição dos papéis exercidos, seja pelos
órgãos de controle, seja pelos de avaliação, não se tem um ambiente
favorável à construção de uma cultura de avaliação. Foi para
ultrapassar este obstáculo, garantindo à gestão meios de legitimar
sua ação e demonstrar os resultados e impactos de seus programas,
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 85-122 | jan/jun 2013
Avaliação de políticas públicas: por um procedimento integrado ao ciclo da gestão
que o Ministério do Desenvolvimento Social criou a SAGI2223. Tendo o
ministério como o destinatário das avaliações, estas são feitas em
conformidade com os seus interesses e, por isto, atendendo suas
necessidades.
3.2 Desafios salientados na avaliação de políticas
públicas
Conforme se observou pela seção anterior, a indeterminação do
conceito do controle e da avaliação se apresenta como um obstáculo
para que os gestores pudessem ter interesse em integrar as práticas
de avaliação à gestão. No entanto, existem outros elementos que
também são enfatizados na literatura como outros empecilhos para
se institucionalizar, bem como para se realizar avaliações junto aos
órgãos de gestão.
3.2.1 Da banalização da profissão de avaliador à criação
de associações profissionais
A existência de uma banalização profissional2324 do exercício de
avaliar já foi considerada um desafio para se consolidar a cultura
de avaliação nos órgãos estatais. Somente com a criação de redes e
associações de profissionais em avaliação, criadas especialmente para
o exercício da avaliação de políticas públicas e com a consolidação
e legitimação destes, é que se pôde começar a construir uma
22 - No Brasil, a expansão dos sistemas de avaliação integrados às estruturas
governamentais vem produzindo algumas mudanças no âmbito da gestão das
políticas públicas. Com alguma tradição nas áreas da educação e da saúde, mais
recentemente, a avaliação tem sido institucionalizada na área de proteção social não
contributiva, conquistando cada vez maior legitimidade como atividade mais integrada
ao processo das políticas (VAITSMAN, 2011, p.20).
23 - DUPUIS, 1998.
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Fernanda Carneiro
verdadeira profissionalização desta carreira2425e permitir o intercâmbio
dos profissionais a fim de produzir e partilhar conhecimentos em
matéria de avaliação.
É de responsabilidade das mais altas autoridades
do Estado e das coletividades territoriais2526 em
concurso com organismos independentes, como
a Sociedade Francesa de Avaliação2627, o dever
de promover a cultura de avaliação em nosso
país [França] por todos os meios apropriados.
Ações de apoio às coletividades territoriais,
independentemente de sua importância, são
necessárias afim de reforçar a vulgarização da
avaliação e desenvolver o conhecimento e os
intercâmbios de boas práticas. Se tornou urgente
a este respeito, que o CNFPT [Centro Nacional
da Função Pública Territorial] considere a
avaliação como uma ferramenta fundamental aos
elaboradores e gestores de políticas públicas [...]
(BOUNIOUL, 2001, 24-25, tradução da autora).
116
No Brasil, em poucos anos, esta profissionalização tem se desenvolvido
de modo vertiginoso junto a uma nova cultura de avaliação que,
apesar dos obstáculos, vem se inserindo na gestão pública.
[…] não existia, em quaisquer das organizações
anteriores, uma cultura de avaliação, ou seja,
um conjunto de práticas e crenças legitimando
a avaliação como parte da gestão de programas
e políticas. Pelo contrário, havia grande
24 - No Brasil com a Rede Brasileira de Monitoramento e Avaliação, e na França
com a Sociedade Francesa de Avaliação, criada em junho de 1999, ambas criadas
tardiamente, eis que em diversos países já se tinha sociedades especializadas nesta
função. Destacando-se os anglo-saxões como a Sociedade de Avaliação Canadense,
criada em 1981; nos EUA com a Sociedade Americana de Avaliação, criada em 1994;
na Austrália com a Sociedade Australiana de Avaliação, entre outras.
25 - A França é divida em três unidades territoriais descentralizadas (Région,
Département e Commune), com personalidade jurídica autônoma.
26 - A Sociedade Francesa de Avaliação (SFE) é uma associação sem fins lucrativos,
que acolhe todos aqueles que detêm um interesse na avaliação. Ela tem por vocação
contribuir ao desenvolvimento da avaliação e de promover sua utilização nas
concepções e implementações de ações públicas e de toda ação de interesse público,
fazendo progredir as técnicas, métodos, procedimentos e princípios éticos.
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Avaliação de políticas públicas: por um procedimento integrado ao ciclo da gestão
desconhecimento não apenas do significado,
mas também da própria função avaliação
e monitoramento. No Brasil, a integração
dessa função ao planejamento e à gestão
governamental envolvendo uma concepção de
administração pública transparente e voltada
para resultados ainda não se institucionalizou
como prática “normal”2728, ou seja, incorporada à
visão de mundo de certa comunidade, no caso
tanto os gestores e dirigentes governamentais
como os demais atores envolvidos em políticas e
programas específicos (VAITSMAN, 2006, p.16).
Cinco anos depois desta publicação, foi realizado o III Seminário da
Rede Brasileira de Monitoramento e Avaliação, com a participação
de especialistas em avaliação de programas internacionais. Nesta
ocasião, o cenário da avaliação no Brasil era diferente.
O fato de já existirem mais de 1.700 membros
na Rede Brasileira de Monitoramento e Avaliação
é uma clara evidência do rápido crescimento da
profissão avaliação no Brasil - ou pelo menos
o reconhecimento por muitos indivíduos e
instituições de que há um importante papel a ser
desempenhado pela avaliação no fornecimento
de feedback sobre a evolução dos programas e
sobre o fornecimento de informações que visam
a melhorar programas e a sua eficácia (RUGH,
2011, p. 99).
Enquanto no trecho publicado em 2006, fala-se de um início de uma
institucionalização da cultura de avaliação, em que destacaram as
adversidades dadas pelo desconhecimento do que seria a função de
avaliação e da sua importância; no trecho extraído de uma entrevista
realizada, em 2011, com um especialista em avaliação, o seu ponto
27 - O termo “normal” é usado no sentido dado por Kuhn (1992) à ideia de “ciência
normal”, que consiste no conjunto de valores, práticas, procedimentos, métodos,
enfim, em uma visão de mundo que caracteriza as práticas e discursos aceitos como
legítimos e necessários dentro de um paradigma científico em determinado momento
histórico (VAITSMAN, 2006, p.16).
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 85-122 | jan/jun 2013
117
Fernanda Carneiro
de vista foi bastante otimista no sentido de já se perceber um
rápido crescimento dessa profissão, que tardiamente teve seu início
propulsionado pela criação da SAGI.
3.2.2 Avaliação como uma atividade técnica e cujos fins
são políticos
118
É certo que nenhuma avaliação pode ser neutra, já que o próprio
ato de avaliar é de aportar valor a algo, ser capaz de criticá-lo,
considerando-o positivo ou negativo. Para se ter resultados confiáveis
é imperativo que o expert, ao exercer essa atividade, seja o mais
técnico o possível, buscando se distanciar do objeto de sua pesquisa
para, assim, trazer à tona o que se passa de fato com o programa
avaliado. Esse distanciamento, no entanto, não se dá de modo
absoluto, eis que esta atividade deve ser realizada para o gestor
com o objetivo de melhorar o desempenho de seus programas e de
entender os impactos deles. Logo, dialogar com o gestor antes da
análise para tentar entender o que para ele é mais importante na
avaliação e quais são suas dúvidas, é essencial para que o resultado
da análise possa ser útil à gestão.
Deste modo, a avaliação passa por uma dualidade de ser um
produto técnico, mas que visa a atender os interesses dos gestores
e somente se realiza de forma eficaz com a participação deles. Por
isso, é necessário desenvolver uma relação de confiança entre órgão
de avaliação e os gestores2829, elemento este que foi considerado um
dos fatores que permitiram o sucesso da instituição da SAGI junto ao
28 - Importância da confiança para a criação e institucionalização de uma estrutura
de avaliação, exigindo legitimidade e adesão dos membros da organização- acreditar
na relevância e cooperar. Com a criação da SAGI, coube diferenciar atividades de
controle e avaliação. [...] O convencimento dos membros da organização e, sobretudo,
dos gestores de que as informações produzidas por monitoramento e avaliação
possibilitariam não apenas melhorar o desempenho dos programas, mas também
verificar se os resultados previstos estavam sendo alcançados, assim como possíveis
reformulações, consistiu em uma etapa necessária do processo de institucionalização
(VAITSMAN, 2011, p.21).
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Avaliação de políticas públicas: por um procedimento integrado ao ciclo da gestão
MDS, lembrando-se que ultrapassar um longo histórico de controle e
fiscalização para se adentrar em uma nova perspectiva de avaliação,
cujo primordial intuito é de melhorar o desempenho de políticas
públicas, não é tarefa fácil. Ainda, deve-se pesar o conteúdo sensível
de uma avaliação de programas políticos que podem ser usados
com fins políticos como, por exemplo, a utilização dos resultados de
uma avaliação de uma política pública que não conseguiu alcançar
os resultados esperados, ser usada como campanha política para
adversários políticos2930. Este seria um dos exemplos bem comum,
quando se confunde a avaliação de um programa com a avaliação
de um político.
A confluência entre produção de conhecimento e
política, típica do campo da avaliação, estreita-se
quando o que está em jogo são programas com
grande visibilidade política e social e, sobretudo,
quando a legitimidade e a eficácia desses
programas são contestadas por atores com alto
poder de vocalização e formação de agenda.
Por outro lado, a existência da avaliação como
mecanismo institucionalizado produz não apenas
mudanças de atitudes em relação aos mecanismos
de melhoria da ação governamental, mas induz
também um debate político mais bem informado
sobre políticas e programas. Se a avaliação
como instrumento de gestão pode ser capaz de
produzir maior clareza e debate público sobre
as políticas, somente a política poderá produzir
transformações nas políticas (VAITSMAN, 2011,
p.21).
29 - Nas sociedades democráticas contemporâneas, em que atores governamentais e
não governamentais participam e disputam políticas, os resultados dos estudos acabam
tendo efeitos políticos, principalmente quando revelam aspectos não esperados
ou contrários aos objetivos que haviam sido previstos para o programa avaliado.
Resultados, quando divulgados, podem ser usados tanto para tomadas de decisões
por parte dos gestores contratantes da avaliação, quanto por outros atores envolvidos
na disputa por determinada agenda política. Uma vez que atores e interesses existem
dentro e fora das estruturas governamentais, a divulgação de resultados de avaliação,
ainda que internamente, também pode assumir uma conotação política. A divulgação
externa de resultados sempre repercute sobre gestores, dirigentes e a comunidade de
políticas envolvidos nos programas avaliados (VAITSMAN, 2011, p.21).
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119
Fernanda Carneiro
3.2.3 Dificuldades de se depreender os impactos de
uma política pública
As políticas públicas têm características próprias, apresentando
obstáculos específicos na realização de avaliações. A complexidade
dos objetivos e dos problemas sociais torna difícil mensurar os
impactos de um programa implementado, bem como estabelecer
nexo causal entre uma mudança que se constatou e a ação realizada.
120
O termo avaliação refere-se à mensuração
do impacto de intervenções, tais como a
participação em um programa de treinamento
ou recebimento de uma transferência de renda
de um programa social, sobre os efeitos de
interesse. O termo efeito refere-se a mudanças
no status das variáveis relevantes. O problema
central na avaliação de impacto é a inferência
de uma conexão causal entre o tratamento (a
participação em um determinado programa) e o
efeito. A relevância das avaliações de impacto é
direta, pois seus efeitos podem ser associados a
programas sociais ou melhorias em programas
existentes para atingir os objetivos da política
social (OLIVEIRA, 2007, p.23).
Neste campo, observa-se que os recursos investidos são insuficientes
para resolver as demandas sociais. Uma vez que os investimentos
em programas sociais são ínfimos em relação aos problemas que
se propõe resolver3031, não se consegue saber com exatidão quais os
impactos de uma ação. No entanto, apesar de não se saber precisar
quais seriam estes impactos, o que seria daquela realidade sem a
existência dos projetos executados?3132
30 - O paradoxo de uma política cujos meios são ínfimos ao olhar de seus fins que
faz parecer bem duvidoso que se pudesse medir seus efeitos (EPSTEIN, 2000, p.34,
traduzido pela autora).
31 - La politique de la ville n’a pas résolu les problèmes qu’elle prétend traiter… mais
qu’en aurait-il été sans elle ? (EPSTEIN, 2000, p 34).
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Avaliação de políticas públicas: por um procedimento integrado ao ciclo da gestão
O fato de existirem diversas ações sociais segmentadas e do tempo
necessário para se obter resultados destas ações, dá origem a
outro problema: a dificuldade de se poder apontar com clareza os
responsáveis pelas mudanças sociais observadas. Isto, muitas das
vezes, é um desestimulador de se realizar as próprias políticas sociais,
cujos frutos somente serão observados décadas mais tarde e depois
de diversas intervenções, não se podendo precisar quem teria sido o
responsável pelas mudanças. Isso pode dar origem a outra fonte de
tensão: quando um gestor se beneficia dos resultados de programas
investidos em outras gestões, arrogando para si a responsabilidade
de uma mudança social, que foi percebida durante a sua gestão, mas
que teve origem nas gestões anteriores.
3.2.4 Do tempo e dos custos de se realizar uma avaliação
Não se pode negar que a realização de uma avaliação também tem
seu peso. Os gestores acabam por ter que avaliar a conveniência
da avaliação, pois não faria sentido ter uma avaliação com um
custo maior do que o programa que se quer avaliado. Por outro
lado, uma avaliação que finalizará anos depois do fim do mandato
da gestão será, para ele, inócua. Assim os recursos e o tempo são
limitados dentro das condições do gestor, devendo o avaliador, quase
sempre, se adaptar a estas condições para realizar sua atividade,
estabelecendo com o gestor um diálogo sobre as suas possibilidades
e necessidades.
[...] Se alguém aprendeu técnicas de pesquisa
em seu curso de graduação e depois foi
convidado a conduzir uma avaliação de um
projeto ou programa de desenvolvimento social,
esta pessoa vai aprender rapidamente que os
dados, o tempo e os recursos financeiros que
ela iria estimar como necessários para realizar
um projeto de pesquisa ideal simplesmente não
estão disponíveis. No mundo real, as avaliações
têm que ser realizadas sob restrições de vários
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Fernanda Carneiro
tipos. Concomitantemente, os clientes esperam
que as avaliações sejam “rigorosas” o suficiente
para convencer seus acionistas ou público-alvo de
que elas são suficientemente confiáveis e válidas
(RUGH, 2011, p.96).
122
No trecho supracitado, o pesquisador apresenta um paradoxo: como
ser rigoroso na avaliação sem os meios adequados para sê-lo. No
entanto, o limite de tempo e recursos financeiros existem em todas
as áreas da avaliação, seja no setor público, seja privado. Quando
uma empresa decide saber qual é a opinião dos seus consumidores
sobre um produto lançado, ela irá também estabelecer limites para
essa pesquisa. A questão que se tem deriva da característica dos
projetos sociais, cujos resultados demoram anos para se apresentar
e, quando se apresentam, foram tantas atividades segmentadas em
seu curso e são tantas as variáveis envolvidas, que não se pode
atribuir a uma gestão ou a outra, com exatidão, o sucesso ou o
insucesso dos impactos observados. Neste contexto de complexas
variáveis e de longos termos para se obter os impactos, os empecilhos
de tempo e custo de uma avaliação são, muitas vezes, levados em
grande consideração pelos gestores.
Não se pode negligenciar os custos de uma avaliação. O relatório da
SAGI, publicado em 2006, informa que os gastos para a avaliação
do programa Bolsa Família foi de quase nove milhões de dólares,
conforme se verifica pela tabela abaixo. Ainda, devendo-se levar em
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Avaliação de políticas públicas: por um procedimento integrado ao ciclo da gestão
consideração os custos institucionais de criação e funcionamento da
própria SAGI.33
Tabela 1 - Recursos investidos em pesquisas e Programas
entre 2004 e 2005
(Continua)
Recursos Investidos (US$)
Programas Sociais
do MDS
Pesquisas(a)
Programa (b)
Relação Entre
os recurso
investidos em
pesquisa e os
recurso dos
programas (a)/
(b) (%)
Bolsa Família
8,863.499.09
4,310,657,583,64
0,206
BPC
265,909.09
6,039,267,162.89
0,004
Sentinela
129,545.45
27,809,127.27
0,466
PETI
1,495,454.55
426,190,622,73
0,351
Agente Jovem
239,714.77
53,035,616.98
0,452
PAIF
3,377,727.27
56,497,363.64
5,979
PAA
680,545.45
91,801,216.70
0,741
PAA-Leite
115,863.64
76,631,793.64
0,151
Cisternas
225,301.72
53,319,197.35
0,423
33 - Do ponto de vista dos custos da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação,
levando em conta o fato de que a unidade foi montada praticamente a partir do zero,
em cerca de dois anos de atividades, investiu-se os seguintes recursos: em pessoal,
cerca de 3,8 milhões de reais (US$ 1,7 milhão) entre servidores públicos, terceirizados,
consultores nacionais e internacionais em diferentes funções, inclusive seus gastos
com passagens e diárias. Em equipamentos de informática, sem considerar os custos
de instalação e manutenção da rede, que é custeada pelo orçamento do ministério
como um todo, gastou-se, até abril de 2006, cerca de R$ 1 milhão (US$ 440 mil)
em aquisição de servidores, computadores, impressoras e softwares; em cursos de
capacitação e treinamento, investiu-se cerca de R$ 400 mil (US$ 176 mil). Desde
2004 até hoje, as pesquisas contratadas e em contratacção totalizam pouco mais de
R$ 35 milhões (US$ 15,9 milhões), o que representa o maior percentual de nossos
investimentos, que chega a R$ 40,6 milhões (US$ 18,4 milhões), embora corresponda
a menos de 1% dos recursos investidos nos programas implementados. Isso tudo,
sem contar os recursos já empenhados, mas ainda não executados, além dos recursos
físicos e estrutura, utilizados pela Secretaria, mas orçados e administrados no âmbito
da gestão do MDS. O Anexo IV apresenta os recursos investidos em pesquisas e
programas (VAITSMAN, 2006, p. 19).
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Fernanda Carneiro
(Conclusão)
Recursos Investidos (US$)
Relação Entre
os recurso
investidos em
pesquisa e os
recurso dos
programas (a)/
(b) (%)
Programas Sociais
do MDS
Pesquisas(a)
Restaurantes Populares
63,869.55
40,059,543.25
0,159
Educação Alimentar
159,090.1
6,256,411.36
2,543
Cestas de Alimentos
209,090.91
61,434,895.36
0,340
Bando de Alimentos
90,909.09
2,848,377.09
3,192
TOTAL
15,916,521.50
11,245,798,910.89
0,142
Programa (b)
Fonte: SAGI, 2006
a- Recursos investidos nos programas em 2004 e2005
b- Inclui todas as avaliações (2004-2006)
4 CONCLUSÕES
124
A avaliação de políticas públicas é uma nova cultura que sai das mãos
dos experts, para o campo da tomada de decisões e apresenta-se
ao debate público. Apesar de ter sido usada com fins meramente de
controle, e, portanto, limitada em seus objetivos e meios, hoje ela se
distancia das funções de controle, adquire maior complexidade e se
apresenta como uma ferramenta de apoio à gestão. Ela é especial,
pois trata de uma matéria motivada pelo interesse público e está
alinhada aos ideais de boa governança e transparência da gestão
pública. É por meio dela que, ao gestor, é garantida a possibilidade
de avaliar o desempenho de seus programas e melhorá-los.
Como se viu, a avaliação das políticas públicas tem uma característica
político-gerencial, guardando uma dualidade de ser uma área
técnica e política ao mesmo tempo. Por tratar de um tipo de
conhecimento que pode produzir alta carga política sobre programas
ou valores em disputa, o fato de institucionalizar esta atividade
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 85-122 | jan/jun 2013
Avaliação de políticas públicas: por um procedimento integrado ao ciclo da gestão
favorece a comunicação entre gestor e avaliador, permitindo uma
profissionalização da própria gestão e garantindo aos cidadãos a
prestação de contas das atividades da gestão.
Obviamente, a avaliação deve ser de interesse da gestão. Eis que é
por meio dela que a gestão poderá conhecer da implementação dos
programas e de seus resultados, garantindo um maior desempenho
e até mesmo legitimando a sua ação e o investimento realizado com
verbas públicas. Desse modo, a realização da avaliação é benéfica
a todos os interessados, seja ao Estado, seja aos gestores, seja aos
cidadãos. Por surgir de uma ótica diversa a do controle, a avaliação
tem como cliente, em um primeiro momento, o gestor, pois é ele
quem vai demandar a avaliação de seus programas e é ele quem
será capaz de aportar mudanças aos programas implementados
com o fim de melhorá-los. Para isto, uma relação de confiança entre
gestor e avaliador deve se formar, o que somente será possível se as
instituições de avaliação forem separadas das de controle.
Sendo assim, o gestor deve encarar os desafios observados quando
da avaliação de políticas públicas (tempo, custo, impactos em longo
termo), buscando focar naquilo que for de mais importante para a
gestão. E tendo sempre em vista quais são os objetivos do que se
quer saber sobre o programa, dos recursos financeiros disponíveis e
do tempo em que se quer obter resultados. Assim, esta ferramenta
será otimizada para apoiar o gestor na criação, implementação e
desenvolvimento de políticas públicas, garantindo a sua eficácia e
eficiência e profissionalizando a gestão.
Apesar da constante confusão que se faz entre a avaliação da política
pública e a avaliação do gestor, somente com a promoção da própria
cultura de avaliação seria capaz de ultrapassar esta dificuldade para
permitir que a avaliação pudesse ser efetivamente utilizada pelo
gestor na tomada de decisões.
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Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 85-122 | jan/jun 2013
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ENTRE A PRODUÇÃO HABITACIONAL ESTATAL E AS
MORADIAS PRECÁRIAS: uma análise da popularização da
casa própria no Brasil
Walkiria Zambrzycki Dutra*1
RESUMO
A política de habitação no Brasil tem como carro-chefe a promoção
de um bem: a casa própria, em que o Estado ocupa papel importante
nas etapas de captação de recursos, financiamento, produção e
comercialização. Este artigo busca analisar, de forma comparativa,
dois períodos de maior investimento financeiro e institucional do setor
habitacional: o Regime Militar (1964-1985) e o período atual (20032012). Em ambos se dá ênfase à relação entre o setor público e o
privado, que trabalham para prover ao cidadão a unidade habitacional
construída. Esta escolha traz consequências econômicas e sociais
distintas para o país, o que nos leva a questionar se a “política da
casa própria” não seria mais uma política de crescimento econômico
e não necessariamente de bem-estar social.
Palavras-chave: Políticas sociais. Habitação. Setor público. Setor
privado.
ENTRE LA PRODUCCIÓN HABITACIONAL ESTATAL Y LAS
VIVIENDAS PRECARIAS: un análisis de la popularización de
la casa propia en Brasil
RESUMEN
La política de vivienda en Brasil tiene como objetivo la promoción
de un bien: la propia casa, en la que el Estado tiene un papel
* - Assessora Técnica da Superintendência de Habitação de Interesse Social e Diretora
de Fomento à Habitação da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e
Política Urbana do Governo do Estado de Minas Gerais (SEDRU-MG).
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importante en las etapas de captación de fondos, la financiación, la
producción y la comercialización. Este artículo pretende analizar, de
manera comparativa, dos períodos de mayor inversión financiera e
institucional en el sector habitacional: el régimen militar (1964-1985)
y el período actual (2003-2012). En ambos se enfatiza la relación
entre el sector público y privado, que trabajan para ofrecer a los
ciudadanos una vivienda construida. Esta elección trae distintas
consecuencias sociales y económicas para el país, lo que nos lleva
a preguntarnos si la “política de la casa propia” no es más que una
política de crecimiento económico y no necesariamente una política
de de bienestar social.
Palabras claves: Políticas sociales. Vivienda. Sector público.
Sector privado.
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BETWEEN THE STATE PRODUCTION AND THE POOR
HOUSING: an analysis of the popularization of private
housing in Brazil
ABSTRACT
The Social Housing Policy in Brazil has as its main objective the
promotion of a good: a casa própria (private housing) in which the
States has an important role in the stages of funding, financing,
production and commercialization. This article analyzes in a
comparative way two periods of large financial and institutional
investments in Social Housing: The Military Regime (1964-1985)
and the current period (2003-2012). In both, the emphasis will be
the relation between the public and private sectors that work in order
to provide private housing to the citizens. This choice brings distinct
economic and social consequences to the country, which makes
us wonder if the policy of private housing is much more a policy of
economic growth than a welfare state policy.
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Entre a produção habitacional estatal e as moradias precárias: uma análise da popularização da
casa própria no Brasil
Keywords: Social policies. Housing. Public sector. Private sector.
1 INTRODUÇÃO
As cidades têm proporcionado o espaço físico e ideológico para a
construção das interações econômicas, políticas e sociais em todo o
mundo ao longo do século XX. Para qualquer uma dessas esferas, a
distribuição da riqueza produzida é visivelmente díspar ao levar em
conta, por exemplo, as diversas formas encontradas pelos indivíduos
para a moradia.
Em países em desenvolvimento como o Brasil, o aumento expressivo
no número de favelas e moradias precárias nos principais centros
urbanos reflete a única alternativa disponível para grande parte
da população de baixa renda: a autoconstrução (BONDUKI, 2004;
MARICATO, 2011; SOUZA, CARNEIRO, 2007). O passivo coletivo
gerado caminha para a segregação territorial e social da cidade em
centro-periferia, constituindo verdadeiras “bombas socioecológicas”
(MARICATO, 2011, p. 8)12.
Tomando como estudo de caso o Brasil, este artigo busca discutir a
resposta do poder público para solucionar o problema do acesso à
moradia para as famílias de baixa renda. Para tanto, em primeiro lugar,
discute-se o papel do Estado vis-à-vis a lógica de mercado na provisão
de políticas de bem-estar social, em especial a habitação. Para os
países de industrialização tardia, houve dificuldades na consolidação
de uma política abrangente a todos os indivíduos da sociedade, uma
vez que se restringia esse direito à classe formalmente empregada.
Na segunda parte do artigo, analisa-se mais especificamente a
promoção da política habitacional como política de bem-estar social
nos dois períodos de maior institucionalização e registro de unidades
1 - Por socioecológicas a autora refere-se às difíceis condições sociais e sanitárias
disponíveis aos moradores das periferias.
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habitacionais construídas. O primeiro compreende o Regime Militar
(1964-1985), cujo aparato institucional tinha o setor privado como
principal parceiro do governo nesta política. O segundo momento
corresponde ao período atual (2003-2012), quando se mantém a
parceria entre o setor público com o privado, mas se desarticula a
casa própria do espaço urbano.
Questionamos, na terceira parte do artigo, a real função da
política habitacional como provedora de bem-estar social. Dada a
especificidade do bem provido (a casa própria) e a intrínseca relação
desenvolvida entre o setor público e o setor privado ao longo das
décadas, a moradia se aproxima, na maior parte dos casos, de uma
solução econômica e não necessariamente de desenvolvimento
social.
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2 A SEGURIDADE SOCIAL, AS POLÍTICAS SOCIAIS E
O PAPEL DO ESTADO
A organização do espaço urbano tem sido área de interesse dos
estudos que tratam do acesso à terra, da moradia, da mobilidade, da
infraestrutura, da participação social e até mesmo da consolidação
política das metrópoles como organização política autônoma
(LEFÈVRE, 2009; MARICATO, 2011). Todas essas questões afloraram
com o desenvolvimento das atividades industriais, do comércio e mais
recentemente dos serviços, acumulando riquezas e condicionando as
relações sociais e de trabalho nas cidades.
A aplicação da lógica liberal considera que há um funcionamento
perfeito na distribuição desta riqueza a partir da relação de troca
entre os que ofertam o capital e os que ofertam o trabalho. Mas,
com a primeira grande crise econômica mundial na década de 30,
a intervenção do Estado na economia é discutida em duas frentes:
como regulador das ações de troca no mercado; e como ator
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Entre a produção habitacional estatal e as moradias precárias: uma análise da popularização da
casa própria no Brasil
que busca diminuir as desigualdades estruturais produzidas pelo
desenvolvimento socioeconômico.
Os países precursores desse debate são as economias avançadas
(principalmente os da Europa Ocidental) que, com o término
da Segunda Guerra Mundial, em 1945, iniciam um processo de
“reconstrução econômica, moral e política” (ESPING-ANDERSEN,
1995, p.73), conhecido como welfare state (em português, estado de
bem-estar social). Segundo o autor, abandonam-se as ideias liberais
anteriores a favor de uma visão de ganhos para a cidadania, justiça
social, solidariedade e universalismo. A partir de então, está-se
argumentando a favor de políticas sociais que harmonizem o modo
de produção capitalista às condições de vida do principal participante
desta estrutura: o trabalhador (GOMES, 2006).
O direito à educação, ao trabalho, à saúde, à aposentadoria, e
demais serviços necessários ao bem-estar do cidadão compõem os
chamados direitos sociais (CARVALHO, 2011). A maneira pela qual o
Estado interfere para a garantia destes é o que chamamos de política
social (HÖFLING, 2001). Tal estratégia em direção ao investimento em
capital humano tem tanto o objetivo de evitar pressões sociais, bem
como promover projetos nacionais de desenvolvimento econômico
(ESPING-ANDERSEN, 1995; GOMES, 2006).
Este novo esteio ideológico não se consolidou de maneira uniforme
ao redor do mundo. Diferentes concepções de como coletivizar a
assistência aos indivíduos podem ser pensadas a partir de um
contínuo; em um extremo, pensa-se numa versão tímida de bens e
serviços a partir do mínimo necessário para a regulação e manutenção
da ordem social. No outro extremo, parte-se para a total cobertura
de proteção social nas situações de marginalidade e pobreza (SOUZA
E CARNEIRO, 2007).
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Este artigo chama atenção para algumas considerações a respeito
dessa discussão. Em primeiro lugar, é necessário ter em mente que
a natureza da política social é fator fundamental para se caracterizar
a interferência do Estado como promotor de políticas de bem-estar
social. Há diferentes tipos de bens e serviços a serem oferecidos
aos cidadãos, no sentido de torná-los de uso coletivo ou privado, de
atendimento universal ou focado a certas faixas de renda. O principal
determinante para tal é a relação entre o setor público e o setor
privado.
136
Tomando como estudo de caso as políticas urbanas, mais
especificamente a habitacional, é possível ter distintas formas de
articulação entre o Estado e os agentes privados (notadamente, o
setor de construção civil e bancos privados). Isto ocorre devido às
diversas etapas que compõem a natureza desse setor, em que vale
citar: a produção da unidade habitacional; o financiamento desta;
o acesso à moradia; e o consumo do beneficiário final (o cidadão)
(ARRETCHE, 1990).
O segundo ponto dinamizador de debates na provisão de políticas
sociais e de bem-estar social é a interferência do Estado. Na área de
habitação, há dois modelos paradigmáticos implementados durante
o welfare state: o caso sueco e o caso norte-americano. Em relação
ao modelo do país escandinavo, o Estado considerou que o direito à
moradia era direito de todos os cidadãos. Para isso, era necessário
que o Estado atuasse de forma a reduzir o impacto da renda, o
que foi atingido em duas etapas do processo. No que se refere à
produção de unidades habitacionais, foram realizados contratos
diretamente com agências estatais para a construção dessas novas
unidades (ARRETCHE, 1990).
Em relação à promoção imobiliária, as agências públicas, sociedades
habitacionais sem fins lucrativos, e cooperativas habitacionais
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Entre a produção habitacional estatal e as moradias precárias: uma análise da popularização da
casa própria no Brasil
assumiram diretamente esta tarefa. Os dois fatores estratégicos
para garantir que não houvesse “boicote” por parte dos promotores
privados foram: a) a garantia do acesso ao financiamento via
regulação pública do mercado imobiliário; e b) a garantia da terra
urbana disponível mediante desapropriação (ARRETCHE, 1990).
O caso norte-americano é caracterizado como um modelo liberal,
pois a intervenção do Estado se limitou a ações regulatórias via
estruturação do modo de operação do sistema habitacional, mas
sem interferência direta do Estado nas relações de compra, venda
ou financiamento (ARRETCHE, 1990). Assim, as condições para o
financiamento habitacional se deram via associações de poupança
e empréstimo privadas. A política social de habitação, no sentido de
provisão para as famílias consideradas de mais baixa renda, atuou
principalmente através de subsídios para a produção das unidades
habitacionais produzidas pelo setor privado, de forma a estimular a
participação desse setor (ARRETCHE, 1990).
Nesta relação entre o setor público e privado, ao considerar a América
Latina e mais especificamente o Brasil, muitos autores argumentam
que não houve a consolidação de um sistema de bem-estar social, a
não ser por ações pontuadas em algumas áreas de políticas públicas
(ESPING-ANDERSEN, 1995; GOMES, 2006; MELLO, 2007). O principal
fator está nos mecanismos institucionais altamente protecionistas
nos países latino-americanos, uma vez que o Estado atuava como o
principal empreendedor não só do bem-estar social, mas também do
desenvolvimento econômico (ESPING-ANDERSEN,1995).
O controle do Estado no Brasil se dava nos meios de produção e
nas relações de trabalho, ao manter domínio sobre os movimentos
trabalhistas e promover políticas associadas aos interesses nacionais
do Estado aliado à incipiente burguesia (GOMES, 2006). Isto significa
que houve uma submissão dos direitos sociais à lógica da produção:
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a busca pelo crescimento econômico não se compatibilizou com o
processo de desenvolvimento social, lógica esta inversa a dos países
precursores do welfare state.
O problema para a realização da lógica do “Estado empreendedor”
está no fato de que as políticas sociais no Brasil, entre as décadas
de 1930 a 1980, eram promovidas via utilização dos recursos
dos fundos de aposentadoria compulsória dos trabalhadores
urbanos formalmente empregados, em que se encaixa a área de
habitação (BONDUKI, 2004). Isso significa dizer que a mão de obra
desempregada, de baixa renda ou os trabalhadores rurais valiamse da lógica da provisão informal de serviços sociais. No caso da
habitação, para este mesmo período, é visível a expansão das
moradias precárias e o aumento do número e a extensão das favelas
nas grandes cidades.
138
Preconiza-se, na política de bem-estar social, a garantia das condições
básicas de vida dos trabalhadores, estejam eles empregados ou
não (HÖFLING, 2001). No caso brasileiro, ainda que se almejasse
uma política de abrangência universal, a lógica de desenvolvimento
social no Brasil promovida pelo Estado valia-se do trabalhador
formalmente empregado como principal fonte de recursos para seus
investimentos. Isso significa que se partiu da exclusão de grande
parte de sua população (GOMES, 2006). A construção visualizada
pelo Estado para o combate a esse problema será apresentada na
seção a seguir.
3 A PROVISÃO DA POLÍTICA HABITACIONAL
Desde 1891, o Brasil organiza-se como uma república de regime
presidencialista e federalista. O princípio federativo atribui uma
divisão das atividades do governo entre um poder central e um
poder subnacional (ou constituinte), em que cada um deles possui
autonomia para tomar a decisão final sobre, no mínimo, alguma
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Entre a produção habitacional estatal e as moradias precárias: uma análise da popularização da
casa própria no Brasil
atividade específica (RIKER, 1975). De 1891 a 1987, o país possui
um Governo Federal e os Governos Estaduais como as unidades
subnacionais. A partir da promulgação da Constituição Federal de
1988, mantêm-se os governos estaduais e cria-se um novo ente
federado, o município.
No entanto, entre os anos de 1964 a 1985, o federalismo brasileiro
foi interrompido pelo golpe militar que anulou na prática a
autonomia dos governos estaduais como entes federados, além de
restringir os direitos políticos dos cidadãos. Assim, toda a formulação
e planejamento de políticas e diretrizes se davam no Governo
Federal, caracterizando uma gestão altamente centralizadora e não
participativa.
Durante este período, o setor habitacional enfrentava graves
problemas devido à falta de unidades habitacionais disponíveis no
mercado (SANTOS, 1999). Dois fatores explicam essa demanda. Em
primeiro lugar, as políticas anteriores atuaram de forma ineficiente,
seja na produção de novas unidades habitacionais, seja na regulação
do setor imobiliário de aluguéis (MARICATO, 1987; SANTOS, 1999)23.
Em segundo lugar, o Regime Militar é um momento importante para
a industrialização brasileira, pois nunca se havia verificado taxas de
crescimento tão altas - em torno de 10% ao ano (MELLO, 2007).
O aumento da produção industrial, vivenciada em proporção nunca
antes vista no país, atrai grande fluxo migratório da população para
as cidades. No entanto, a ausência de oferta de moradias associada
aos baixos salários e ao desemprego de muitos novos habitantes os
impede de estabelecer moradia, e a opção é habitações precárias,
cujo aglomerado viria a se chamar de favelas (MARICATO, 2011).
2 - Para mais informações sobre o período habitacional pré-Regime Militar, ver
Bonduki (1994).
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Como resultado, o governo entende que esta é uma área prioritária de
investimento social. No entanto, um dos principais desafios era saber
como atuar, considerando os principais problemas já verificados nas
décadas anteriores e que permaneciam sem solução: a concentração
do problema nas famílias com até três salários mínimos; o difícil
acesso destas famílias ao mercado imobiliário de aluguéis; o difícil
acesso dessa parcela da população à terra urbanizada; e o baixo
poder aquisitivo e de financiamento dessa faixa de renda (SANTOS,
1999).
140
Desde a década de 1940, a concepção de atendimento público é
através da casa própria, pois era histórico o problema dos aluguéis:
devido à falta de regulação e livre atuação do mercado, o alto valor
cobrado pelos empreendedores imobiliários não era acessível aos
trabalhadores de mais baixa renda (BONDUKI, 2004). A solução
encontrada pelos próprios cidadãos gerou a expansão dos cortiços habitação irregular precursora das atuais favelas -, caracterizada não
só pelas moradias precárias (em acomodação e infraestrutura), mas
também à irregularidade da terra (BONDUKI, 2004).
A expansão desse tipo de moradia começa a trazer, dentre outros
fatores, problemas para a saúde pública. Por isso, o governo vê
como alternativa a conscientização de um novo tipo de moradia:
a casa própria que, além de representar um alto valor agregado,
trazia status social ao trabalhador (BONDUKI, 2004; NASCIMENTO,
TOSTES, 2011). O governo militar dá suporte a essa ideia, pois se
acreditava que através da promoção de políticas conservadoras
(como o direito à propriedade) ter-se-ia apoio popular ao regime
(GOMES, 2006; MELLO, 2007).
Assim, houve pesada intervenção governamental no sentido de
criar um forte aparato financeiro e institucional; um sistema que
possibilitasse o acesso à casa própria através do crédito habitacional
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Entre a produção habitacional estatal e as moradias precárias: uma análise da popularização da
casa própria no Brasil
(ARRETCHE, 1990). Para tanto, o setor público seria o financiador e
gestor dos recursos, atuaria na regulação do sistema, e seria também
o planejador do tipo de construção a ser empreendida. Cabia ao setor
privado a construção propriamente dita das unidades habitacionais,
bem como a venda destas ao consumidor final.
A necessidade de criação de um aparato financeiro para a habitação
se justifica pela forma de atendimento desta política pelo governo:
financiar a casa própria sem dar subsídios, com baixas taxas de juros
e alargado período de pagamento. Visando este fim, em 1966 foi
criado o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que agia como uma
captação de poupança de longo prazo voltado para os investimentos
em habitação (SANTOS, 1999). As suas principais fontes de recurso
eram o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE) - um
sistema de poupança voluntário e privado - e o Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço (FGTS), este recém-criado pelo governo e
tinha como fonte de receita “as contribuições compulsórias dos
trabalhadores empregados no setor formal da economia” (SANTOS,
1999, p. 10).
Com o SFH, esperava-se criar uma fonte de financiamento que fosse
estável, de longo prazo e autofinanciada. A estrutura institucional
responsável tanto pelo gerenciamento, normatização e fiscalização
dos recursos do FGTS e das cadernetas de poupança do SBPE, bem
como pela coordenação das atividades habitacionais era o Banco
Nacional de Habitação (BNH), órgão ligado ao Governo Federal
(SANTOS, 1999).
Com a estrutura do SFH, molda-se a atuação da esfera pública e
define-se a atuação dos agentes privados da seguinte forma: Os
recursos do SBPE se voltam para o investimento habitacional de
famílias de classe média e alta (acima de cinco salários mínimos),
propostos por empreendedores ou construtoras privadas que
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também se responsabilizavam pela venda dessas unidades (SANTOS,
1999). Os recursos do FGTS atenderiam às famílias de mais baixa
renda, cujos principais agentes promotores seriam as Companhias
de Habitação (COHAB): agências estatais associadas a empresas
privadas de construção civil (ARRETCHE, 1990; SANTOS, 1999). Neste
caso, o setor público acaba por substituir o setor privado e passa a
atuar como um ator privado: obtinha financiamento junto ao BNH,
produzia as unidades habitacionais, segundo o projeto estipulado
pelo BNH, supervisionava a construção e se responsabilizava pela
venda da unidade habitacional às famílias de baixa renda (SANTOS,
1999).
142
O funcionamento da política habitacional aos moldes do BNH denominada neste artigo como a “política da casa própria” - esteve
em vigência até a metade da década de 1980. A partir de então, o
país enfrenta uma grave crise financeira que atingiu tanto a fonte
de financiamento do BNH, quanto a capacidade de pagamento
dos mutuários - principalmente os de mais baixa renda. Como
consequência, tem-se o fechamento do BNH seguido de um período
de crise financeira e institucional neste setor até o início dos anos
2000 (KLINTOWITZ, 2011).
Ao todo, durante o período de funcionamento do BNH (1964-1986),
o SFH financiou o correspondente a 25% das novas moradias
construídas no país (ARRETCHE, 1990; BONDUKI, 2007), conforme
os dados da tabela a seguir.
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Entre a produção habitacional estatal e as moradias precárias: uma análise da popularização da
casa própria no Brasil
Tabela 1- Nível de intermediação financeira na construção
habitacional no Brasil (1964-1986)
Anos
Novas
unidades
construídas*
(em milhões)
(a)¹
1964-70
2,3**
0,5
17,4
1971-78
5,6
1,5
26,8
1979-80
2,3
1,1
47,8
Novas unidades
(em milhões)
(b)²
financiadas
pelo SFH (em
%) a/b
1979-83
5,1
2,1
41,1
1984-86
2,5
0,2
8,0
1964-86
15,5
4,8
25,8
Fonte: ARRETCHE, 1990, p. 28.
Muitos autores argumentam que o número de unidades habitacionais
construídas não foi suficiente para sanar o déficit habitacional,
principalmente nas faixas de mais baixa renda (CARDOSO, s/d;
BONDUKI, 2007). Ainda, o modelo de habitação às famílias de
baixa renda é alvo de críticas tanto da atuação do poder público
quanto do privado. Ao poder público, critica-se o modelo do projeto
técnico concebido pela COHAB e a falta de infraestrutura urbana dos
conjuntos habitacionais. Ao setor privado, critica-se a localização em
que essas unidades eram construídas: distantes dos centros urbanos.
Passado o período de reestruturação econômica e política que o
Brasil atravessou durante a década de 1990 até o início do ano 2000,
os novos aspectos institucionais da política habitacional têm início
em 2003 e está em implementação atualmente. Assim como na
década de 1960, a questão habitacional tem prioridade na agenda
do governo em busca de soluções que busquem combater o enorme
déficit habitacional ainda existente (BONDUKI, 2009). Para tanto,
em 2003, cria-se o Ministério das Cidades (estrutura executiva
do Governo Federal), cuja organização da pasta e as diretrizes
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habitacionais estão na Secretaria Nacional de Habitação. Em 2004 é
lançado a nova Política Nacional de Habitação (PNH), que define as
estratégias e diretrizes habitacionais que serão alcançadas até 2023.
Tendo em vista o cenário habitacional deixado pela política do BNH,
o PNH traz inovações significativas, pois há quatro grandes eixos de
atuação:
Modelo de financiamento e subsídios [para a produção de unidades
habitacionais]; política urbana e fundiária [políticas voltadas para a
gestão e uso do solo]; desenho institucional [ligado à capacitação
institucional de Governos Estaduais e municípios]; e cadeia produtiva
da construção civil voltada à habitação de interesse social. (BRASIL,
2009, p. 13).
144
Essas demandas eram almejadas por vários analistas do setor, no
sentido de interpretar a questão habitacional como uma questão
mais ampla em termos urbanísticos e de melhor acesso ao espaço
das cidades (CARDOSO, s/d; NASCIMENTO, TOSTES, 2011).
A estrutura financeira voltada para a política habitacional ainda é
composta por praticamente os mesmos atores do período militar.
O SFH continua em funcionamento até o presente momento,
apesar de ter sofrido reestruturação na década de 90. As COHABs
continuam atuando como agências estatais na produção de unidades
habitacionais, e o extinto BNH é realocado para a Caixa Econômica
Federal (CEF), banco público também controlado pelo Governo
Federal.
No entanto, em 2008 tem-se uma nova crise econômica mundial,
iniciada pelo setor imobiliário norte-americano que, ao chegar ao
Brasil, gerou “incertezas e uma paralisia no setor [habitacional],
pego no contrafluxo, pois estava em pleno processo de aceleração da
produção” (BONDUKI, 2009, p.11). Uma das alternativas encontradas
pelo governo brasileiro para contorná-la foi incentivar o mercado
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Entre a produção habitacional estatal e as moradias precárias: uma análise da popularização da
casa própria no Brasil
interno. Um dos diversos setores responsáveis por impulsionar o
crescimento econômico e gerar empregos é a construção civil, que
teve no Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) seu principal
propulsor.
Lançado em 2009, o PMCMV tem como objetivo estimular a produção
e a aquisição de novas unidades habitacionais através da concessão
de subsídios ao financiamento da unidade habitacional, distribuídos
segundo faixas de renda. As metas do programa podem ser mais
bem visualizadas na tabela a seguir.
Tabela 2 - déficit acumulado e as metas do programa minha
casa, minha vida - distribuição do déficit por faixa de renda
(2009)
Renda
Déficit acumulado
Metas do Minha Casa,
Minha Vida
Déficit
Acumulado
Atendido
(em R$)
(em %)
(valor
absoluto,
em mil)
(em %)
(valor
absoluto,
em mil)
(em%)
Até 1.395
91
6.550
40
400
6
1.395 a 2.790
6
430
40
400
93
2.790 a 4.600
3
210
20
200
95
100
7.200
100
1.000
14
Fonte: BONDUKI, 2009, p. 13.
Como pode ser observado, a meta inicial do programa previa a
construção de 1 milhão de unidades, divididas por faixas de renda. O
primeiro grande incentivo do programa está voltado para a produção
via setor privado, com a contratação de empreiteiras e construtoras
que apresentam os projetos à CEF (NASCIMENTO, TOSTES, 2011).
O segundo incentivo dessa política é a aquisição via subsídio total
para as famílias de mais baixa renda (com maior concentração de
déficit habitacional), e subsídio parcial para as famílias entre três a
seis salários mínimos (BONDUKI, 2009). A fonte de recursos para
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os subsídios permanece sendo via FGTS, e a principal estratégia do
governo continua sendo via casa própria. Assim, é possível perceber
que se mantém a lógica de financiamento da casa própria via
recursos federais, com o setor privado responsável pela produção.
As consequências dessas medidas serão discutidas a seguir.
4 A ARTICULAÇÃO DA ECONOMIA E DO BEM-ESTAR
SOCIAL SOB A ÓTICA DA MORADIA
Uma vez apresentada a natureza da área habitacional e a construção
do aparato institucional e financeiro para contornar os problemas
sociais dela inerentes, esta seção busca fazer uma análise da forma
de ação de governo como produtor de resultados ou mudanças
personificadas em políticas sociais.
146
Em primeiro lugar, vale mencionar a opção do poder público em
participar ativamente de, praticamente, todas as etapas do processo
produtivo do setor habitacional (ARRETCHE, 1990). Na função de
agente regulador, havia a forte presença, no controle do governo,
das operações de fluxo de crédito e transações para o setor da
construção civil, além da regulamentação do crédito destinado ao
consumidor final para os recursos do SBPE. No entanto, há quase total
ausência regulatória no tipo de unidade habitacional a ser produzida:
“sequer para tetos/tabelamentos dos preços das mercadorias e
seus componentes, menos ainda sobre a qualidade das unidades
residenciais produzidas” (ARRETCHE, 1990, p. 27).
Como resultado, o setor privado teve ampla liberdade na provisão
do mercado habitacional, o que gera críticas de duas naturezas. A
primeira delas refere-se ao projeto de casa própria, idealizado pelo
governo: este não atende às necessidades dos seus usuários, devido
tanto ao espaço físico quanto ao número de moradores por unidade.
Este problema foi primeiramente apresentado no pós-BNH e se
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Entre a produção habitacional estatal e as moradias precárias: uma análise da popularização da
casa própria no Brasil
faz presente ainda hoje com o programa MCMV (CARDOSO, s/d;
NASCIMENTO, TOSTES, 2011).
O segundo grupo de críticas refere-se ao espaço urbano das cidades.
Sabe-se que, para a produção da unidade habitacional, agrega-se
ao valor final não só os materiais de construção ou a mão de obra,
mas também o valor da terra. Tendo em vista que as unidades
habitacionais produzidas pelo poder público atendem a uma faixa de
renda com menor poder aquisitivo, os terrenos destinados a esse tipo
de construção costumam ser os mais baratos e, consequentemente,
mais afastados dos centros urbanos. Este problema ainda persiste
com o programa MCMV, uma vez que são as construtoras que indicam
o terreno em que serão construídas as unidades habitacionais
(NASCIMENTO, TOSTES, 2011).
Contribui para essas críticas o fato de que a provisão pública à moradia
através da casa própria não se constitui em um bem coletivo, mas
sim o oposto. A peculiaridade desse setor está no fato de que se tem
um bem individual, o que reforça a noção de propriedade privada
(MARICATO, 1987). Ainda, ao divulgar a ideia da casa própria,
é comum associar o direito à moradia com direito à propriedade
(NASCIMENTO, TOSTES, 2011). Constitucionalmente, prevê-se
como direito social o direito à moradia. Ao tratar de propriedade,
está-se fazendo referência ao acesso à terra, e principalmente à
terra urbanizada que não está disponível em todo (e para todos) no
espaço urbano. De fato, persistem muitos desafios para combater
este problema, e estão previstos na nova Política Habitacional de
Habitação, mas não contemplada no programa MCMV.
Assim, a solução colocada em prática contribui, de certa forma, para
a segregação territorial e social dos indivíduos nas cidades, pois se
alocam as famílias de baixa renda nas áreas periféricas, onde são
precários o sistema de transporte e a estrutura urbana como um
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 123-141 | jan/jun 2013
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Walkiria Zambrzycki Dutra
todo (tal como a existência de rede de iluminação e coleta de esgoto
e água) (MARICATO; 1987, 2011).
Em terceiro lugar, vale ressaltar o processo de produção das unidades
habitacionais. O setor privado foi beneficiado pela garantia de
investimento contínuo através da fonte de financiamento público - via
SBPE (década de 60) e historicamente via FGTS - colocando-o como
o principal agente executor da política habitacional brasileira. Este
ator se estruturou em uma rede de agentes que controlavam tanto
a produção quanto o consumo da unidade habitacional (MARICATO,
1987).
148
Enquanto o setor privado provia a casa própria para as famílias
de maior valor aquisitivo, cabia ao setor público a provisão às
famílias de baixa renda. Mas, durante a gestão do BNH, tanto as
construtoras privadas quanto as COHABs não recebiam subsídios
para a produção das unidades habitacionais, de forma que os custos
eram inteiramente repassados ao beneficiário final (ARRETCHE,
1990). Ambos buscavam financiamento junto ao SBPE e ao FGTS,
respectivamente, e recebiam “subsídios creditícios” para pagamento.
Como ambos buscavam a solvência financeira, do ponto de vista
dos indivíduos, o tratamento para todas as faixas de renda era
praticamente o mesmo, e as agências (tanto público como privadas)
operavam segundo uma lógica de mercado: ofertar um produto (a
casa própria) para os que podem pagar por ela (ARRETCHE, 1990).
O problema é que tanto as COHABs quanto as famílias de baixa
renda não conseguiram ser atendidas por esse molde, devido às
altas taxas de inadimplência e baixo retorno no rendimento do
financiamento (ARRETCHE, 1990; MARICATO, 1987). Logo, ainda
que com intervenção estatal, a provisão de uma política de bem-estar
social habitacional parece ter sido proposta pelo Estado à população
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 123-141 | jan/jun 2013
Entre a produção habitacional estatal e as moradias precárias: uma análise da popularização da
casa própria no Brasil
assalariada ou com renda própria (via poupança privada) sem buscar
a igualdade no acesso às de baixo poder aquisitivo.
Ao buscar contornar este problema, atualmente o MCMV oferece
subsídio financeiro para o beneficiário final. Mas, antes que se pense
em uma ação estatal voltada para a promoção de uma política social
aos setores mais necessitados, a política de subsídios a famílias de
três a seis salários mínimos parece estar, mais uma vez, beneficiando
o setor privado como fonte de financiamento estável. O valor do
subsídio quase total às famílias de baixa renda é desnecessariamente
elevado, e está aplicado via programa que parece estar desarticulado
dos demais instrumentos da Política Nacional de Habitação (BONDUKI,
2009; NASCIMENTO, TOSTES, 2011).
Uma das interpretações para a perpetuação desses desatinos diria
que a real estratégia da política habitacional é a de desenvolvimento
econômico mais do que uma promoção de bem-estar social (BONDUKI,
2009). O incentivo ao setor privado como agente executor está
intimamente ligado à utilização dessa política social como solução
para crises econômicas. A promoção de subsídios via setor público
mostra que o Estado está, de fato, intervindo na economia, mas não
necessariamente para a promoção do direito à moradia.
5 CONCLUSÃO
A partir da exposição feita ao longo do artigo, a natureza da política
habitacional no Brasil se dá através da promoção de um bem privado,
a casa própria, constantemente associada não só ao direito à moradia,
mas também ao direito à propriedade. Tanto a estrutura do BNH na
década de 1960 quanto a atual política habitacional contam com
uma forte parceria entre o setor público e privado, principalmente
no que se refere à estrutura de incentivos via acesso do crédito
imobiliário e produção de unidades habitacionais. Esta atuação
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 123-141 | jan/jun 2013
149
Walkiria Zambrzycki Dutra
parece ser benéfica não só para os cidadãos, mas também para a
economia brasileira como estratégia de desenvolvimento econômico.
Este seria um dos motivos pelos quais é duvidoso afirmar que a
promoção de uma política de bem-estar social na habitação é
estratégia prioritária do Estado, pois, apesar de sua forte intervenção
na regulação e no incentivo ao acesso à casa própria, o papel
de destaque desta política social está na promoção de políticas
econômicas via aquecimento da construção civil. Assim, parece
ser difícil superar a lógica do “Estado desenvolvimentista”, pois a
intervenção do setor público na produção econômica não só regula as
ações do mercado, como também se insere como parte estruturante
do processo tanto em sua promoção quanto na correção dos erros
que dela são resultados.
150
Historicamente, sedimentou-se no Brasil a lógica de provisão
habitacional que depende inteiramente do poder público na
promoção desta política - com o fornecimento de subsídios e controle
financeiro - e do setor privado para a produção. A popularização
da casa própria como solução mais fomentada para o problema da
moradia para famílias de baixa renda está tão arraigada no Brasil que
seguiu duas trajetórias.
A primeira delas é incentivada pelo setor público e visível na produção
de conjuntos habitacionais, dominada pelo setor privado. Contudo,
esta parceria não impossibilitou a criação de um mercado informal
de moradias, denominado de “autoempreendimento” dos indivíduos,
que se dá de maneira informal e sem apoio do governo. Como
resultado, tem-se o povoamento de favelas e ocupações irregulares
em que, além da característica precária da unidade habitacional, os
cidadãos se veem mal servidos de infraestrutura e equipamentos
sociais (BONDUKI, 2007).
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 123-141 | jan/jun 2013
Entre a produção habitacional estatal e as moradias precárias: uma análise da popularização da
casa própria no Brasil
Estas observações indicam que, apesar dos avanços no número de
unidades habitacionais construídas e aumento das faixas de renda
pelos programas habitacionais de produção, o fomento a soluções
alternativas, tais como programas de urbanização e assentamento
de habitações precárias também seria uma alternativa tão eficiente
quanto a entrega da unidade habitacional construída. Resta chegar
o momento econômico, o cenário político e a visibilidade popular
adequados para tal.
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Recebido: 25/03/2013
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153
FEDERALISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS: indução e cooperação
na formação de consórcios intermunicipais de saúde
Paulo Ricardo Diniz Filho*1
RESUMO
Os consórcios intermunicipais de saúde (CIS) são analisados
em seu processo formativo, especialmente no que se refere ao
processo de seleção dos municípios que farão parte de cada um.
Nessa dinâmica, desempenham papel importante o contexto amplo
do federalismo brasileiro bem como as políticas do governo estadual
de indução à cooperação entre municípios. A configuração territorial
dos CIS de Minas Gerais é analisada a partir de distintos conjuntos
de fatores de influência, tanto no surgimento de tais iniciativas, na
década de 1990, quanto no desenvolvimento mais recente de tais
instituições cooperativas.
Palavras-chave:
Federalismo. Consórcios
Políticas Púbicas.
intermunicipais.
FEDERALISMO Y POLÍTICAS PÚBLICAS: inducción y
cooperación en la formación de consorcios intermunicipales
de salud
RESUMEN
Los consorcios intermunicipales de salud (CIS) son analizados en
su proceso de formación, especialmente en relación con el proceso
de selección de los municipios que serán parte de cada uno. En
esta dinámica, juega un papel importante el contexto más amplio del
federalismo brasileño, así como las políticas del gobierno provincial
para inducir la cooperación entre municipios. La configuración
territorial del CIS de Minas Gerais es analizada desde diferentes
* - Mestre em Ciências Sociais (PUC - Minas). Doutorando em Ciências Sociais (PUC Minas). Professor: Fundação Pedro Leopoldo (FPL)/ Fapam/ Centro Universitário Una.
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155
Paulo Ricardo Diniz Filho
conjuntos de factores de influencia, tanto en la aparición de este tipo
de iniciativas en la década de 1990, como así también en el más
reciente desarrollo de tales instituciones cooperativas.
Palabras
claves:
Federalismo. Consorcios
Políticas públicas.
Intermunicipales.
FEDERALISM AND PUBLIC POLICY: induction and cooperation
in the making of the intermunicipality healthcare consortia
ABSTRACT
156
The intermunicipality healthcare consortia (CIS) are analyzed
according to its formative dynamics, spending special attention to
the process of selection of the municipalities which may take part in
each CIS. In this context, the particular characteristics of Brazilian
federalism play an important role, as well as the State Government’s
induction to cooperation policies. The final configuration of Minas
Gerais’ CIS is studied from the perspective of different sets of factor
of influence, from the first moment of these cooperative institutions in
the 1990s, to the most recent developments in this area.
Keywords: Federalism. Intermunicipality consortia. Public Politics.
1 INTRODUÇÃO
O contexto das políticas públicas no Brasil não pode ser visto de
forma separada dos estudos sobre as características do federalismo
nacional. Questões como planejamento, financiamento, distribuição
e coordenação das funções que compõem as políticas públicas têm
ocupado o topo da agenda das discussões durante as últimas duas
décadas, período ao longo do qual o Brasil tem adotado diferentes
fórmulas de trabalho. A cooperação horizontal tem despontado, a
partir da década de 2000, como uma opção promissora de trabalho,
especialmente por oferecer respostas aos principais dilemas que
afligem os entes mais frágeis da federação brasileira, os municípios.
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 143-183 | jan/jun 2013
Federalismo e políticas públicas: indução e cooperação na formação de
consórcios intermunicipais de saúde
Nesse sentido, as políticas de saúde têm sido pioneiras, por
meio da multiplicação dos Consórcios Intermunicipais de Saúde,
com destaque para a experiência de Minas Gerais. Entretanto, é
preciso compreender a complexidade do ambiente político no qual
se desenvolvem as novas tendências em cooperação federativa
e políticas públicas, especialmente no que se refere ao lastro de
contextos anteriores e, principalmente, da participação de outras
esferas federativas nesse processo. O presente artigo busca, assim,
explorar tais elementos político-federativos que, mesmo provenientes
de outras áreas de políticas públicas e distantes no tempo, exercem
influência capital sobre as experiências inovadoras recentes.
2 O FEDERALISMO COMO INSTÂNCIA POLÍTICA
O presente trabalho, a partir de uma perspectiva mais afeita à
ótica da Ciência Política, define o federalismo como o sistema que,
implantado em países caracterizados por desigualdades internas, tem
por objetivo estabelecer mecanismos permanentes que equacionem
de forma positiva os conflitos próprios de realidades tão complexas.12
Dois tipos ideais de federalismo - consequentemente, estruturas de
mediação de conflitos - se destacam na literatura sobre o assunto: o
“federalismo competitivo” e o “federalismo cooperativo” (ABRUCIO;
COSTA, 1999; CAMARGO, 2001; SPAHN, 2001; OLIVEIRA; LIMA;
VIANA, 2002; COSTA, 2004). O modelo competitivo tem nos EUA
seu maior exemplo, uma vez que, desde sua origem, o federalismo
norte-americano previa um elemento “territorial” em suas estruturas
de controle e limitação do poder central: não apenas aos Poderes
Legislativo e Judiciário federais cabia acompanhar e fiscalizar as
ações do Executivo federal, mas também aos Executivos estaduais.
O alto grau de poder concentrado nos estados-membros faz com
1 - A presente definição se inspira nos conceitos de Alain Gagnon, expostos por
Abrucio e Costa (1999), Kugelmas (2001) e Costa (2004).
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 143-183 | jan/jun 2013
157
Paulo Ricardo Diniz Filho
que a competitividade seja característica da relação entre eles,
uma vez que passam a concorrer na atração de investimentos, de
população (contribuinte), assim como em matéria de eficiência em
gestão pública. As relações no âmbito desse tipo de federalismo são
chamadas “interfederativas”, uma vez que partem do pressuposto
de que há várias partes distintas e independentes no interior do
sistema, e que essas se relacionam (ABRUCIO; COSTA, 1999).
158
Já o “federalismo cooperativo” tem sua maior representação na
República Federal Alemã, que consagrou, em sua Constituição de
1949, o objetivo de que todos os alemães deviam ter condições
semelhantes de vida, onde quer que eles vivessem no país (CAMARGO,
2001; SPAHN, 2001). Dessa forma, tendo sido colocado um objetivo
social e igualitário no “contrato federal” - em contraste com a “defesa
mútua combinada com a preservação das soberanias locais”, que
motivou o modelo americano -, as relações entre os componentes
da federação alemã se dão a partir de linhas diferentes. As relações
entre os estados-membros se dão sob o signo da cooperação,
sendo marcadas por um complexo sistema de transferência de
recursos dos estados mais ricos para os mais pobres. Por isso, o
federalismo cooperativo tem suas relações internas chamadas de
“intrafederativas”, pois ocorrem no interior de um todo compacto,
orgânico - a federação -, envolvendo elementos constitutivos do
sistema que são intimamente ligados entre si.
Ambas as formas de organização federalista acima expostas
apresentam suas desvantagens. A competição tende a isolar os
membros da federação uns dos outros, tornando difícil a cooperação
entre eles: disso decorrem duplicações de esforços, falta de
coordenação, dentre várias outras formas de ineficiência no uso
de recursos públicos (ABRUCIO; COSTA, 1999; VOLDEN, 2005).
Destaque para os fenômenos, tipicamente norte-americanos, do
welfare magnet e do race to the bottom (ABRUCIO; COSTA, 1999).
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 143-183 | jan/jun 2013
Federalismo e políticas públicas: indução e cooperação na formação de
consórcios intermunicipais de saúde
No primeiro, o oferecimento de serviços públicos sociais de boa
qualidade por parte de um ente federado faria com que as pessoas
necessitadas de atendimento em todo o país se mudassem para esse
ente em questão, como se o bom desempenho na área de políticas
socais, por parte de um ator especial, funcionasse como um “imã de
bem-estar”. A atração de populações carentes de outras regiões do
país exigiria o aumento da carga tributária do estado em questão, o
que desencorajaria investimentos nesse estado-membro. A relação
negativa entre gastos sociais e tributação comumente leva os estados
norte-americanos - e não apenas em situação de welfare magnet
- a reduzirem a ajuda que prestam aos cidadãos mais pobres, de
maneira que o governo federal é obrigado a intervir, transferindo
recursos diretamente para a assistência social. Frente à ação federal,
os governos estaduais se veem livres para reduzirem ainda mais seus
gastos sociais, constituindo praticamente uma “corrida” em direção
aos menores níveis de comprometimento social, que caracteriza o
fenômeno race to the bottom (VOLDEN, 2005).
Já o federalismo cooperativo tende a desagradar seus entes mais
ricos, uma vez que esses são obrigados a custear os entes mais
pobres, dentro de uma lógica que os sobrecarrega de impostos
para “premiar” as administrações menos competentes (ao mesmo
tempo em que “pune” aqueles que são mais competentes na gestão
pública). Além da esfera subnacional, o país como um todo perde
competitividade, ao possuir tributos que inexistem em concorrentes
que adotam o federalismo competitivo (SPAHN, 2001; SPAHN, 2004).
Colocado entre esses dois extremos, o quebecoise23 Alain Gagnon
(ABRUCIO; COSTA, 1999; KUGELMAS, 2001; COSTA, 2004) opta
por ambos, desfazendo uma oposição que marca a literatura sobre
federalismo. Gagnon afirma que deve existir uma “cooperação
2 - Canadense de língua francesa, originário da província de Québec que, por sua vez,
é dotada de status diferenciado dentro da federação canadense.
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 143-183 | jan/jun 2013
159
Paulo Ricardo Diniz Filho
competitiva”, que combine elementos das duas formas de
federalismo em diferentes medidas, a depender da relação e do
problema em questão. Essa discussão perpassará todo o trabalho
aqui desenvolvido, uma vez que tratamos da busca por cooperação
em um ambiente que, segundo Fernando Luiz Abrucio e Valeriano
Mendes Ferreira Costa (1999), não apenas é competitivo como
também, em algumas ocasiões, é marcado por relações predatórias.
3 FEDERALISMO E MUNICIPALISMO NO CONTEXTO
BRASILEIRO
160
Ainda sob a influência política do crescimento da oposição ao
regime militar, configurada pelo pleito estadual de 1982, foi
eleita, em 1986, a Assembleia Nacional Constituinte que elaborou
a Constituição hoje vigente no Brasil. O contexto de escolha dos
deputados constituintes teve grande influência no resultado final
do trabalho desses: uma Constituição que, se para alguns mereceu
a alcunha de “municipalista” e para outros consolidou o poder dos
governadores, certamente serviu para retirar da União muito do
poder que essa tinha acumulado. Aspásia Camargo (2001) aponta
que, pela grande quantidade de atribuições que passaram a ser dos
municípios, o novo ordenamento constitucional brasileiro concentra
poder na esfera municipal da federação. Já Abrucio (1998) - em
argumentação controversa que viria a ser relativizada em trabalhos
seguintes34 - afirma que, exatamente pela pequena quantidade de
atribuições constitucionais exclusivas que a Constituição de 1988
delegou aos estados, esses foram os entes federados que saíram
mais fortalecidos, uma vez que assumiram menos responsabilidades
3 - Do universo de trabalhos de autoria - total ou parcial - de Fernando Luiz Abrucio
que foram consultados para a realização da presente pesquisa, os dois mais antigos
(ABRUCIO, 1998; ABRUCIO; COSTA, 1999) se caracterizam pela ênfase conferida ao
papel dos governadores no contexto federativo brasileiro das três últimas décadas. Os
trabalhos mais recentes (ABRUCIO, 2001; ABRUCIO; SOARES, 2001), por sua vez, já
relativizam o protagonismo da esfera estadual, dedicando mais atenção ao papel dos
municípios na federação brasileira.
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 143-183 | jan/jun 2013
Federalismo e políticas públicas: indução e cooperação na formação de
consórcios intermunicipais de saúde
ao mesmo tempo em que ampliaram sua participação na divisão dos
recursos tributários.
A Constituição Federal de 1988 inaugurou elemento inédito na
história do federalismo mundial: a “federação trina”, que reúne não
apenas União e estados federados, mas também os municípios na
categoria de entes federados. A inclusão dos municípios, de forma
aberta e nominal, no pacto federativo brasileiro é mostra do alto grau
de atenção dedicada pelos constituintes à defesa do poder local.
O ambiente político brasileiro da segunda metade da década de
1980 não apenas associava a centralização de poder na União ao
autoritarismo militar que acabara, mas também era extremamente
propício para a transformação desses conceitos em ações. Nesse
contexto, a celebração de uma “federação trina” é principalmente
um ícone, representante de um período em que se propunha a
descentralização de funções e poderes como panaceia para os
problemas nacionais. Acreditava-se - não sem razão, porém sem
senso de proporção - que a instância de poder municipal, por estar
mais próxima das necessidades diárias da população, teria uma
percepção mais acurada dessas, podendo assim agir com mais eficácia
no desempenho das funções do Estado. As prefeituras, também
por estarem mais próximas da população, seriam mais facilmente
fiscalizadas por essa, o que eliminaria a corrupção associada ao
Governo Federal. Do argumento descentralizante também constava
que os poderes locais seriam capazes de executar políticas públicas
adaptadas à realidade local, uma vez que estariam profundamente
inseridas nela, eliminando assim os custos e inconvenientes
relacionados ao tradicional planejamento centralizado (ARRETCHE,
2003).
De qualquer forma, a argumentação descentralizadora era
praticamente uma unanimidade no cenário político brasileiro durante
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161
Paulo Ricardo Diniz Filho
162
a redemocratização. Diferentes grupos diferiam, no máximo, quanto
à sua justificação, de maneira que alguns preferiam ressaltar
o aumento das qualidades participativas e democratizantes,
enquanto outros destacavam os ganhos de eficiência e eficácia que
adviriam da descentralização do poder do Estado (MELO, 1996).
Ambos deixavam de levar em conta as inúmeras fragilidades que
marcam historicamente os governos locais brasileiros: a baixa
capacidade fiscal era - e permanece sendo - um elemento essencial,
principalmente em se tratando de um “ente federado”, por definição
soberano; a falta de estrutura técnica, que de certa forma era
decorrência da pequena disponibilidade de recursos à qual estava
sujeita a imensa maioria dos municípios brasileiros, mas que também
estava muito ligada ao papel de pequeno destaque atribuído às
prefeituras brasileiras tradicionalmente (ARRETCHE, 2003); a menor
exposição ao controle, já que os municípios são fiscalizados pelos
tribunais de contas dos estados - sempre insuficientes - e por suas
próprias câmaras municipais, representantes mais fracos do Poder
Legislativo brasileiro. Além disso, tal “fiscalização popular” sobre
as prefeituras depende da posse prévia, por parte da população,
de atributos de cidadania e civilidade (PUTNAM, 1996), que ainda
hoje são pouco frequentes nos municípios brasileiros, sobretudo nos
menores e mais carentes. Assim, configurou-se cenário bastante
propício para que se reproduzissem redes de relações clientelísticas,
a partir das administrações municipais que, ao longo dos anos 1990,
não apenas agravaram e multiplicaram alguns problemas do Estado
brasileiro, como também, de certo modo, impediram que a própria
descentralização avançasse mais.
A transferência de várias funções estatais para o âmbito local, assim
como da responsabilidade sobre uma parcela nunca antes atingida por
esse na partilha dos recursos estatais, associou-se às características
da estrutura política dos estados, gerando consequências imprevistas
pelos arquitetos da descentralização. Uma vez que os governadores
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Federalismo e políticas públicas: indução e cooperação na formação de
consórcios intermunicipais de saúde
mantinham relação de controle sobre os deputados eleitos em seus
estados - a partir da forma como liberavam recursos para os “distritos
informais” de cada um desses parlamentares -, eles passavam a
ter, na criação de novos municípios, um elemento multiplicador da
influência sobre as bases locais de poder. A emancipação de um
distrito tornava-o, ao mesmo tempo, titular de significativo poder
decisório e executivo e dependente visceralmente da liberação
de verbas estaduais e federais - complementares aos fundos
constitucionais -, pois sua capacidade arrecadadora e base tributária
costumam ser insuficientes. A onda de criação de novos municípios
no Brasil pós-Constituição de 1988 fez com que aumentasse ainda
mais a proporção de cidades pequenas em nosso território. Segundo
André Simões (2004), as classes de municípios com menos de 5 mil
habitantes, e entre 5 mil e 10 mil habitantes, foram as que mais
ganharam novos membros, crescendo respectivamente 6,4% e
2,2% entre 1991 e 2001, enquanto que a população que vivia nessas
cidades cresceu apenas 0,1% e 0,4% no mesmo período45. Para que
possamos ter uma noção do grau de fragilidade desses novos entes
federados - constitucionalmente soberanos - basta dizer que, em
Minas Gerais (um dos Estados que mais emancipou municípios),
no ano de 1998, os municípios com menos de 20 mil habitantes
tinham em média 72,6% de seus recursos oriundos de transferências
4 - Entre 1991 e 2001, os municípios com populações entre 10 mil e 20 mil habitantes
cresceram 0,6% em quantidade e 1,1% em população; os entre 20 mil e 50 mil
habitantes cresceram 0,4% em número e 1,5% em população; os entre 50 mil e 100
mil habitantes cresceram 0,5% em número e 2,1% em população; os entre 100 mil
e 500 mil habitantes cresceram 1,8% em número de cidades e 2,4% em população
e, finalmente, aqueles com mais de 500 mil habitantes cresceram 2,2% em número
e 1,6% em população (SIMÕES, 2004). Tais números confirmam a tendência de
concentração das emancipações na faixa das menores cidades - menos de 10 mil
habitantes - o que deixa clara a fragmentação do poder político local que Fernando
Luís Abrucio (1998) nos expõe e credita (dentro de sua perspectiva estadualista, já
contextualizada no presente trabalho) ao poder dos governadores do período.
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163
Paulo Ricardo Diniz Filho
(57,4% do FPM e 15,2% do repasse estadual do ICMS), e apenas
4,5% tinha origem na arrecadação tributária própria (RIANI, 2002).56
Não houve estado brasileiro que escapasse a essa dinâmica, de
forma que o Brasil ganhou 1378 novos municípios entre 1988 e
2001, saltando de um total de 4182 para 5560. Minas Gerais, objeto
de interesse particular do presente trabalho, teve um acréscimo de
18,14% (131 novas cidades) em seu total de municípios, passando
de 722 em 1988 para 853 em 200167. Dessa forma, os pequenos
municípios - menos de 20 mil habitantes - passaram de 78% para
81% do total das cidades mineiras (SIMÕES, 2004).
164
Do ponto de vista das políticas públicas - e apesar das transferências
de recursos das outras esferas federativas -, uma grave conseqüência
dessa fragmentação política ocorrida nos Estados foi a pulverização
de recursos, com conseqüente perda de eficiência e qualidade dos
serviços oferecidos:
No âmbito municipal a intensa expansão do número de
municípios, por influência de decisões políticas de cunho localista e
5 - 22,9% das receitas desses municípios têm como origem “outras fontes”. Para
as cidades mineiras com população entre 20 mil e 50 mil habitantes em 1998, a
receita tributária passa a compor 10% do total de recursos disponíveis, enquanto as
transferências perfaziam 61,9% (41,5% FPM e 20,4% ICMS); o grupo das cidades
entre 50 mil e 100 mil habitantes contava com 16,5% da arrecadação própria e 51,6%
de transferências (28,3% FPM e 23,3% ICMS); os municípios com mais de 100 mil
habitantes - exceto Belo Horizonte - arrecadavam 21,1% de seus recursos, e recebiam
42,1% de outras esferas da federação (13,7% FPM e 28,4% ICMS) e, finalmente,
Belo Horizonte, que arrecadava 37,7% de sua receita em 1998, e recebia 16,4% em
forma de transferências (6% FPM e 10,4% ICMS) (RIANI, 2002). O restante deve ser
creditado a “outras” fontes de recursos, não especificadas pelo autor.
6 - Minas Gerais figura como o segundo estado brasileiro que mais criou municípios em números absolutos - entre 1988 e 2001, sendo superado apenas pelo Rio Grande
do Sul (252 novas cidades, crescimento de 103,27%) (SIMÕES, 2004). Podem constar
aqui também, a título de ilustração, os números do Rio Grande do Sul, que passando
de 244 municípios em 1988 para 496 em 2001 (crescimento de 103,27% no número
de cidades), teve sua proporção de pequenas cidades crescendo de 73% para 81%
(SIMÕES, 2004).
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Federalismo e políticas públicas: indução e cooperação na formação de
consórcios intermunicipais de saúde
favorecimento político, gerou pulverização de recursos partilhados
sem alterar o volume total de arrecadação. Certamente, os recursos
do SUS e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) viriam a se
tornar imprescindíveis ainda que não ocorresse a ampliação das
responsabilidades municipais em saúde e educação. Afirma Dain
(2000) que na perspectiva das relações intergovernamentais, a
combinação entre o excesso de fragmentação na instância municipal,
a paralisia induzida nos governos estaduais e o desvio de recursos
da Seguridade Social deu lugar a um desenho institucional de baixa
funcionalidade. (CORDEIRO, 2001, p. 326).
A grande concentração de poder no ente federado municipal,
conjugada com a natureza clientelista das relações entre as cidades e
o governo estadual, contribuiu para criar um cenário tremendamente
infértil para a cooperação intermunicipal (ABRUCIO, 1998). Se as
cidades de uma mesma região do estado compõem um mesmo
“distrito eleitoral informal” - responsável pela eleição de determinado
deputado -, então elas automaticamente têm, ao menos, um grande
motivo para competir: a atração para si dos recursos que esse
deputado - estadual ou federal - conseguir canalizar para a região.
Da mesma maneira, as diferentes regiões do estado - que compõem
distintos “distritos eleitorais informais” - tendem a competir entre
si, em busca de investimentos estatais (ABRUCIO; COSTA, 1999).
Como cada município tem a responsabilidade de executar uma ampla
gama de políticas públicas, a tendência verificada em um ambiente
tão complexo foi a do isolamento e da busca de autossuficiência.
Assim, caracterizou-se o fenômeno denominado “municipalismo
autárquico”, combinação de várias forças de escopo nacional, regional
e local, responsável por um dos maiores obstáculos à cooperação
intermunicipal no Brasil (ABRUCIO; SOARES, 2001).
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165
Paulo Ricardo Diniz Filho
166
À medida que as determinações da Constituição de 1988 eram postas
em prática, o processo de redemocratização ia se distanciando no
tempo e a descentralização das políticas públicas foi mostrando sua
verdadeira face, livre da ingenuidade inicial (MELO, 1996). Começaram
a ser buscadas alternativas que ocupassem posições intermediárias
no espectro “centralização/descentralização”. Nesse sentido, a
cooperação horizontal ganhou destaque, porque permite contornar
alguns dos problemas mais graves decorrentes do municipalismo
autárquico, dentre eles a falta de recursos e a ineficácia gerada
pela pequena escala de funcionamento das estruturas municipais
de prestação de serviços públicos (uma vez que a grande maioria
dos municípios brasileiros é de pequeno porte). A cooperação
intermunicipal também oferece a possibilidade de tornar real uma
das propostas originais da descentralização municipalista: o fim - ou
diminuição - da dependência das populações interioranas em relação
à rede de serviços públicos das capitais brasileiras (FARIA; ROCHA,
2004).
4 POLÍTICAS DE SAÚDE
FRAGMENTAÇÃO FEDERATIVA
NO
CONTEXTO
DA
As políticas públicas de saúde no Brasil representam a vanguarda,
em termos da atuação do Estado, ao longo das últimas três décadas.
“Universalização” e “descentralização” tanto já permeavam as
diretrizes orientadoras da saúde pública no Brasil que, um ano antes
da nova Constituição ser promulgada, já era realizada radical reforma
com a estruturação do SUDS (Sistema Único e Descentralizado de
Saúde) (ARRETCHE, 2000). A criação do SUS (Sistema Único de
Saúde) na Constituição de 1988 não incluiu todas as propostas
então em discussão - tanto o é que as competências relativas a cada
esfera da federação não foram especificadas -, mas logrou garantir a
universalização como princípio básico, assim como a descentralização
e a participação popular (ARRETCHE, 2000).
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Federalismo e políticas públicas: indução e cooperação na formação de
consórcios intermunicipais de saúde
Instituído o SUS em 1988, a implementação de seu conceito de
universalização - profundamente inovador, se levarmos em conta o
processo de formação dos direitos sociais que tivemos no Brasil - foi
imediata. Porém, o mesmo não pode ser dito da descentralização
e da participação, que foram implementadas aos poucos, nos anos
seguintes. A descentralização da saúde pública brasileira foi uma
construção própria da década de 1990, tendo sido claramente
marcada pelos acontecimentos políticos desse período. Inicialmente,
deve ser dito que a regulamentação do SUS começou a tomar
forma no ano de 1990, com a aprovação - no âmbito federal das Leis Orgânicas da Saúde: Lei nº 8.080/90, que estabelece as
competências gerenciais das esferas federativas e, de modo geral,
cria a estrutura geral do Sistema; e Lei nº 8.142/90, que define
as formas de financiamento e participação no âmbito do SUS. A
partir daí, coube às “Normas Operacionais Básicas” (NOBs) e às
“Normas Operacionais de Assistência à Saúde” (NOAS) - portarias do
Ministério da Saúde - guiar a construção da nova estrutura normativa
e organizativa do SUS.
As NOBs e NOAS tiveram importância crucial na evolução do SUS,
porque acabaram por determinar os fatores que estimulam - ou
desestimulam - os entes subnacionais a aderir ao processo de
descentralização. Essa estrutura, por sua vez, é determinante
para que os governos subnacionais assumam - ou não - os papéis
para eles previstos, não apenas no caso em questão, como em
qualquer outro projeto de reforma descentralizante do Estado.
Marta Arretche (2000) explica que, em um contexto de relações
federativas democráticas, os entes federados são soberanos, e assim
só podem ser compelidos a qualquer ação por meio de expressa
determinação constitucional. Quando não há clareza constitucional
suficiente para que se possa impor a descentralização - como na
Constituição de 1988 -, a descentralização só pode ocorrer através
da adesão voluntária dos entes federados. Esses atores, por sua vez,
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Paulo Ricardo Diniz Filho
terão sua ação pautada pelos incentivos e obstáculos aos quais estão
submetidos: os custos políticos e financeiros da incorporação de uma
nova responsabilidade são comparados com os possíveis benefícios
que podem advir dessa, de forma que a instância federativa que
deseja promover a transferência de funções pode vir a atuar no
sentido de reduzir os custos e aumentar as vantagens que compõem
essa “equação”78, através de programas específicos de incentivo à
descentralização (ARRETCHE, 2000; VOLDEN, 2005). A existência
de programas de incentivo à descentralização se mostrou, segundo
Marta Arretche (2000), a variável mais decisiva para o sucesso da
descentralização de uma área específica das políticas públicas, uma
vez que essa seria capaz de tornar superáveis outros fatores de
influência, como o nível de riqueza dos entes federados que devem
assumir as políticas descentralizadas, a capacidade de gasto, a
cultura cívica e a estrutura institucional desses atores.
168
Em poucas palavras, baixa capacidade administrativa, grande
heterogeneidade entre cidades e pequena escala da maioria dos
municípios brasileiros eram os principais problemas que marcavam
a saúde descentralizada do Brasil nos últimos anos do século XX e
primeiros do século XXI. Com a NOAS/01, buscou-se enfrentar esses
problemas por meio da valorização do papel dos Governos Estaduais
como atores intermediários, responsáveis pela coordenação dos
municípios, pela organização de sistemas multimunicipais de saúde,
7 - De fato, Craig Volden (2005) trabalha tal perspectiva a partir de equações
matemáticas, cuja base é: U = d q - t² ; onde “U” representa a utilidade obtida
pelo ator em questão ao adotar uma política específica; “d” a demanda pública pelo
“produto” dessa política; “q” a “quantidade” dessa política que se cogita oferecer, e
“t” é o custo de implementação dessa política (no caso, representado pelo nível de
tributação necessário para o custeio dessa). Não é de nosso interesse quantificar
tão precisamente os fatores que levam Estados e Municípios à adesão a políticas
de descentralização, mas um aspecto central do enfoque de Volden (2005) merece
destaque: o fato de que os custos de adesão à política em questão (“t”) crescem em
proporção quadrática, enquanto que os “lucros” (“d q”) crescem em proporção linear.
A ação da União nesse sentido é essencial, principalmente reduzindo os custos dos
governos subnacionais (que caem em proporção maior também).
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Federalismo e políticas públicas: indução e cooperação na formação de
consórcios intermunicipais de saúde
assim como pela realização de tarefas-meio para as quais a maioria dos
municípios se mostrava incapacitada89(LEVCOVITZ; LIMA; MACHADO,
2001; MONNERAT, SENNA; SOUZA, 2002; OLIVEIRA; LIMA; VIANA,
2002). Os governos estaduais, assim, foram instados a elaborar
Planos Diretores de Regionalização (PDRs), dos quais constaria a
divisão do território do estado em macrorregiões, microrregiões e
módulos910 de atenção à saúde, que deveriam ser autossuficientes
nos diversos níveis de complexidade de atendimento determinados
pelo SUS. Dentro de cada uma dessas unidades territoriais, os
municípios deveriam integrar suas estruturas de saúde, coordenando
seu funcionamento cotidiano (SES/MG, 2006). Fica claro, assim, o
caráter “estadualista” da NOAS/01 - pelo poder de organização que
conferiu às SES - assim como o destaque à coordenação entre os
governos locais dado por essa norma.
5 OS CONSÓRCIOS INTERMUNICIPAIS DE SAÚDE EM
MINAS GERAIS
A história do associativismo intermunicipal no Brasil começa em
1960, quando é formado o “Consórcio Intermunicipal de Promoção
Social do Governo de Rio Claro”, ainda hoje existente e sediado na
cidade de Bauru, no interior paulista (ABRUCIO; SOARES, 2001,
CRUZ, 2001). Também no princípio da década de 1960, registram-se
ocorrências de ações cooperativas de âmbito limitado, nos estados
8 - Vale destacar que a política de incentivos à criação de consórcios intermunicipais
de saúde, levada a cabo pelo governo estadual mineiro, data de 1995, precedendo em
seis anos a publicação da NOAS/01. Apesar da diferença de amplitude existente entre
as propostas dos CIS e da NOAS/01 (sendo a Norma Operacional em questão bem
mais abrangente em seus objetivos), é difícil deixar de notar as semelhanças entre
as duas, sobretudo no que tange à perspectiva intermunicipal adotada em ambos os
casos.
9 - De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais, existem hoje
no estado 13 macrorregiões, 75 microrregiões e 280 módulos (SES/MG, 2006). Como
forma de referência, vale aqui expor que a média de municípios por macrorregião de
saúde é de 65,5. Já as microrregiões têm em média 11,3 municípios, e os módulos encarregados da atenção mais imediata e básica - são compostos, em média, por 3
cidades (SES/MG, 2006).
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Paulo Ricardo Diniz Filho
do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina (CARVALHO, 1997-98,
ABRUCIO; SOARES, 2001). Após esse momento inicial, marcado
pela espontaneidade do movimento associativista, as relações
de cooperação entre prefeituras ganham novas características. A
indução por parte das outras esferas da federação passa a ser a
tônica, tanto durante o regime autoritário (especialmente na década
de 1970), quanto durante a transição democrática (década de 1980)
e além, ao longo da década de 1990 (CARVALHO, 1997-98).
170
O ano de 1993 marca o surgimento dos consórcios intermunicipais
de saúde no estado de Minas Gerais. De forma bastante atípica pois não derivam de políticas de descentralização levadas a cabo
por administrações estaduais - foram criados, nesse ano, dois CIS, a
partir de estruturas de saúde pré-existentes e subutilizadas. O caso
pioneiro ocorreu na cidade de Moema, na região do Alto Rio São
Francisco, que contava com um hospital com capacidade bastante
superior à demanda do município, e que, por isso, se encontrava
subutilizado. A Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais
(FCM-MG), buscando proporcionar melhores condições na região
para o desempenho da disciplina de “Internato Rural” por seus
alunos, articula com prefeitos da região a implantação do modelo
de consorciamento intermunicipal, que já havia sido implementado
com sucesso em outras regiões do país (COELHO; VELOSO, 1997).
Assim, ainda em 1993, entra em funcionamento o primeiro consórcio
intermunicipal de saúde de Minas Gerais, o CIS ASF (Consórcio
Intermunicipal de Saúde da Microrregião do Alto Rio São Francisco),
que serve de exemplo para a criação - nesse mesmo ano - do
CIS MARG (na Microrregião do Alto Rio Grande), que fez uso de
condições semelhantes de estrutura pré-existente, e também a partir
de iniciativa da FCM-MG (COELHO; VELOSO, 1997).
Outro momento importante na história dos consórcios intermunicipais
de saúde em Minas Gerais ocorreu quando o governador eleito em
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Federalismo e políticas públicas: indução e cooperação na formação de
consórcios intermunicipais de saúde
1994 nomeou para o cargo de Secretário de Estado de Saúde um
dos diretores da FCM-MG que, envolvido na experiência de criação
do CIS ASF e do CIS MARG, trouxe para o âmbito da administração
estadual o tema da associação intermunicipal na área de saúde.
Começa assim, em 1995, a ser colocada em prática uma política de
fomento à criação de CIS em Minas Gerais, que gerou os números de
criação de consórcios que vemos no Quadro 1 (abaixo):
Quadro 1 - CIS criados em Minas Gerais: ano de criação e
quantidade
Ano
Número de
Número de CIS
Municípios
criados
consorciados
1993
02
48
1994
01
11
1995
28
368
1996
16
160
1997
18
144
1998
04
26
1999
01
19
70
776
TOTAL de CIS em Minas
Fonte: LIMA e PASTRANA, 2000 a, p. 9.
O estado de Minas Gerais chegou a contar com 72 CIS, dos quais 66
haviam sido criados durante a Administração 1995-1998. Relatórios
sobre o tamanho do setor do CIS em Minas Gerais, datados dos anos
de 2000 e 2004 mostraram, respectivamente, 70 e 64 consórcios
intermunicipais de saúde em funcionamento no estado (LIMA;
PASTRANA, 2000a; COSECS, 2004). Isso indica certo recuo do
associativismo intermunicipal, devido à suspensão da política de
incentivo à criação de consórcios, ocorrida na Administração 1999
- 2002.
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Paulo Ricardo Diniz Filho
Dos municípios mineiros consorciados em 2004, 31,0% tinham
população inferior a 5 mil habitantes, 30,7% entre 5 mil e 10 mil
habitantes, 21,2% entre 10 mil e 20 mil habitantes, o que perfaz a
proporção de 82,9% de cidades consideradas “pequenas” no total de
municípios consorciados. Na categoria de cidades “médias” situamse 15,2% dos municípios consorciados, e apenas 1,9% deles podem
ser considerados “grandes”, como pode ser visto no quadro abaixo:
Quadro 2 - Municípios mineiros consorciados segundo a
população
Tamanho da População dos Municípios
Mineiros Consorciados
172
Municípios
(%)
Até 5.000
31,0
5.001 a 10.000
30,7
10.001 a 20.000
21,2
20.001 a 50.000
11,7
50.001 a 100.000
3,5
Mais de 100.001
1,9
1,9
Total
100
100
82,9
15,2
Fonte: Elaboração do autor a partir de COSECS (2004).
Fica clara, assim, a predominância das cidades pequenas no conjunto
dos municípios consorciados em Minas Gerais. Além da contundência
dos números expostos nos quadros acima, temos também o fato de
que, das 15 cidades mineiras que participavam de mais de um CIS
em 2004, 14 eram “pequenas”, e apenas uma era média (COSECS,
2004).
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Federalismo e políticas públicas: indução e cooperação na formação de
consórcios intermunicipais de saúde
6 O PAPEL DO GOVERNO ESTADUAL: indução à
cooperação
Os consórcios intermunicipais de saúde não se constituem como
a primeira experiência de associacionismo intermunicipal em
Minas Gerais. Antes deles, as Associações Microrregionais (AM) de
municípios foram responsáveis por dinâmica bastante semelhante à
que marcou a trajetória dos CIS na década de 1990, caracterizada
por incentivos iniciais oriundos do governo estadual, grande
mobilização dos municípios e, depois, um marcante refluxo no ímpeto
associacionista. A comparação entre a experiência das Associações
Microrregionais e a dos consórcios intermunicipais de saúde se faz
importante, então, não apenas por ambas representarem grandes
exemplos de associacionismo intermunicipal em Minas Gerais, mas
principalmente pela forma como ambas interagiram entre si e com o
governo estadual.
Nesse contexto, destaca-se a formação de Associações
Microrregionais, feita pelo Governo do Estado de Minas Gerais entre
1974 e 1987 (CARVALHO, 1997-98). O Programa de Desenvolvimento
Microrregional (Prodemi), que tinha por objetivo fomentar a criação
de associações de municípios que fizessem parte das mesmas
microrregiões administrativas de Minas Gerais, foi uma das primeiras
iniciativas a serem baseadas no então implantado sistema de divisão
do estado em 37 microrregiões de planejamento, implantado em
1972 (BATELLA; DINIZ, 2005). Essa radical transformação do
aparato administrativo estadual, levada a cabo no início da década
de 1970, se vincula às mudanças ocorridas na mesma direção na
esfera federal de administração e que demonstram claro interesse do
Governo Federal em estabelecer instâncias intermediárias de poder
na federação, que o conectassem diretamente com as administrações
municipais. Assim, o Governo Federal buscava maior efetividade na
realização de suas políticas junto aos municípios, como forma de
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 143-183 | jan/jun 2013
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Paulo Ricardo Diniz Filho
reforçar sua influência junto às prefeituras e ocupar, gradativamente,
um “espaço” no qual sempre prevaleceram as administrações
estaduais (CARVALHO, 1997-98).
O Prodemi logrou estabelecer Associações Microrregionais em
todas as 37 microrregiões administrativas de Minas Gerais1011, mas,
como não preencheu os requisitos qualitativos envolvidos em sua
proposta original - das três linhas de atuação previstas para as
novas Associações Microrregionais, apenas uma se concretizou1112
-, não foi capaz de garantir o aumento da influência que seus
mentores estaduais objetivavam. Assim, foi através das Associações
Microrregionais, uma experiência induzida pelas esferas estadual e
- indiretamente - central da Federação, planejada durante o regime
de exceção, que o associativismo intermunicipal fez sua estreia em
Minas Gerais.
174
Da análise das AMs e dos CIS salta aos olhos um elemento
importantíssimo em termos de associacionismo intermunicipal: a
indução estadual. Principalmente quando se trata de Minas Gerais Estado com histórico de associativismo espontâneo insignificante -, o
estudo das relações de cooperação entre municípios obrigatoriamente
envolve a análise das formas através das quais o governo estadual
incentivou os municípios a cooperarem. Assim, partimos do
pressuposto de que tanto as AMs quanto os CIS são resultantes
de diferentes políticas estaduais de incentivo ao associativismo: a
primeira tendo início na década de 1970; e a segunda, na década
10 - Hoje existem em Minas Gerais 40 Associações Microrregionais em funcionamento.
Esse crescimento se deve ao aumento do número de microrregiões de planejamento
que dividem o território mineiro (ALEMG, 2006).
11 - O Prodemi era composto de três programas, que buscavam treinar o funcionalismo
das administrações municipais, instalar escritórios de engenharia que servissem às
prefeituras (funcionariam no âmbito das Associações Microrregionais) e, por fim,
criar “patrulhas motomecanizadas” (grupos de máquinas pesadas, sobretudo para a
realização de obras públicas) que atendessem às prefeituras que fizessem parte das
Associações Microrregionais. Apenas o último programa citado se concretizou, que
será visto em detalhe ainda no presente capítulo (CARVALHO, 1997-98).
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Federalismo e políticas públicas: indução e cooperação na formação de
consórcios intermunicipais de saúde
de 1990. Ambas as iniciativas estaduais foram interrompidas após
um impulso inicial, tendo os dois tipos de associações que se manter
apenas a partir das contribuições dos municípios e de serviços
prestados. Mesmo sob essas condições adversas, a grande maioria
das AMs e dos CIS sobreviveu, numa clara mostra de que o apoio
estadual - indispensável para o impulso inicial do associativismo não é componente essencial para a sobrevivência da cooperação
intermunicipal. Tendo em mente o que Arretche (2000) e Volden
(2005) expõem a respeito de políticas de indução em federações,
podemos afirmar que a ação estadual atua no sentido de “romper
a inércia” que barra o associativismo, alterando a “equação de
incentivos e obstáculos” que marca o cálculo político dos prefeitos e
tornando menos arriscada a confiança mútua.
Dessa maneira, podemos encarar a política estadual de incentivo à
criação de AMs como o impulso necessário para que o associacionismo
galgasse “o primeiro degrau”, e a política de indução à formação de
CIS representou a ascensão a um “segundo degrau”. Apesar de se
tratar de duas iniciativas aparentemente independentes, acreditamos
que há relação entre as duas, o que levou os CIS a se aproveitarem do
legado associacionista criado pelas AMs. A análise de alguns pontos
especiais da trajetória das Associações Microrregionais é capaz,
ainda, de evidenciar mais detalhes sobre o processo através do qual
o Governo do Estado logra incentivar os municípios à cooperação.
Durante o período de criação das AMs (1974 - 1987), Daniel Penna
(1997) estabelece o ano de 1982 como o fim do período no qual
órgãos estaduais de apoio aos municípios gozavam de prestígio
especial e recursos em abundância dentro da burocracia do Estado
de Minas Gerais. Como consequência, o processo de criação de AMs
enfrentou grandes dificuldades, chegando a ficar mais de um ano sem
estruturar sequer uma nova Associação Microrregional (CARVALHO,
1997-98). Isso se deve, em boa medida, à reforma que o governador
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Paulo Ricardo Diniz Filho
176
Tancredo Neves (1983-1984) empreendeu na estrutura estadual de
relacionamento com os municípios, que retirou bastante poder da
Superintendência de Articulação com os Municípios (SUPAM) por
acreditar que esta se encontrava permeada de influências clientelistas
(PENNA, 1997). Paradoxalmente, data também, desse período, a
elaboração de programas1213que influenciaram fortemente a trajetória
das Associações Microrregionais, dando a essas condições de realizar
funções de importância crucial para os administradores municipais
(sobretudo das pequenas cidades). Um desses programas, o
Promoto, consistia na cessão de máquinas pesadas (agrícolas, mas
principalmente as necessárias à realização de obras de engenharia)
para as associações microrregionais, para que elas as alugassem aos
municípios-membros por valores abaixo dos praticados pelo mercado.
Isso representou um enorme estímulo para que os municípios se
associassem às AMs, tanto que há quem diga que a sobrevivência
das AMs foi devida ao sucesso do Promoto (PRODEMU, 1991c).
Uma importante mudança, ocorrida no período, se deu no âmbito
do programa de associativismo da SUPAM. Inicia-se um processo
de transformação das Associações em prestadoras de serviços de
engenharia, com a criação das Patrulhas Motomecanizadas e dos
escritórios de engenharia. As patrulhas eram constituídas por
máquinas destinadas à abertura e conservação de estradas vicinais,
financiadas pelo Estado e integrantes do patrimônio das Associações.
Os escritórios de engenharia eram uma tentativa de dotar as
Associações de um quadro técnico capaz de desenvolver os projetos
de engenharia necessários à construção das estradas e de obras de
saneamento. Rapidamente esta política transformou as Associações
12 - Programa de Escritório de Engenharia (Proeng), Programa de Treinamento
da Administração Municipal (Ptam) e Programa de Patrulhas Motomecanizadas
(Promoto). O destaque cabe ao Promoto, que atingiu resultados rápidos e duradouros,
uma vez que oferecia serviços que os prefeitos valorizavam - ou seja, de curto prazo
(PRODEMU, 1991c; PENNA, 1997; CARVALHO, 1997-98).
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Federalismo e políticas públicas: indução e cooperação na formação de
consórcios intermunicipais de saúde
em “empresas de conservação de estradas”, tornando essa atividade
o principal motivo de sua existência. Nas palavras de um dirigente da
SUPAM, estas máquinas garantem a sobrevivência das Associações,
pois muitos prefeitos não abandonaram o associativismo devido aos
serviços prestados pelas máquinas.
O projeto de Patrulhas Motomecanizadas parece ter sido uma resposta
ao fraco interesse dos prefeitos na participação em Associações
Microrregionais. No entanto, a sua implantação, efetuada em um
momento de crise do Sistema de Planejamento [Estadual], acabou
por obscurecer a importância do associativismo como forma de
articular o planejamento estadual com o planejamento local. (PENNA,
1997, p. 40).
O Promoto foi, assim, o elemento-chave da política estadual de
indução dos municípios ao associativismo intermunicipal, responsável
pela permanência das AMs ao longo do tempo1314. Em 1991, o governo
estadual ensaiou voltar a apoiar as Associações Microrregionais
através do lançamento do Programa Permanente de Desenvolvimento
Municipal (PRODEMU), que tinha as AMs como peça-chave da
política estadual de relacionamento com os municípios (PENNA,
1997; CARVALHO, 1997-98). Apesar de anunciar o surgimento
de um “novo associacionismo”, o Prodemu pouco fez além de
produzir levantamentos iniciais a respeito da situação em que se
encontravam as AMs no início dos anos 1990 (CARVALHO, 1997-98).
O quadro pintado pelos relatórios do Prodemu mostrava a maioria
das associações microrregionais sem recursos para investimentos
(ou seja, funcionavam apenas para cobrir as próprias despesas)
(PRODEMU, 1991b), e tendo a prestação de serviços às prefeituras
13 - O número total de Mas, em 1987, quando se completou o ciclo de criação dessas,
era de 36 associações (CARVALHO, 1997-98). Hoje existem em funcionamento 40
Associações Microrregionais, fruto de reestruturações feitas na divisão de Minas
Gerais em microrregiões de planejamento (ALEMG, 2006).
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Paulo Ricardo Diniz Filho
como principal fonte de renda (o que mostra que a sobrevivência
das AMs dava-se mais por esforço próprio delas do que pelo zelo
dos prefeitos para com a cooperação intermunicipal) (PRODEMU,
1991c). O destaque ao Promoto também é dado pelos relatórios do
Prodemu, que o descrevem como o único dos programas totalmente
institucionalizado e em funcionamento em todo o Estado (PRODEMU,
1991c).
Uma vez que o Promoto aparece como símbolo máximo da política de
indução estadual à criação de AMs, e que esse se constitui como único
programa de sucesso desse todo (e responsável pela sobrevivência
das Associações), é inevitável a vinculação entre os resultados
obtidos pela política de associativismo intermunicipal e a indução
contida nesta. Em poucas palavras: a cooperação intermunicipal (no
âmbito das AMs) só foi até onde a indução a levou, não avançando
mais.
178
O papel desempenhado pela indução estadual ao associativismo
foi indispensável para a configuração de um cenário propício a
movimentos posteriores de cooperação: o grau de desconfiança
entre os prefeitos - uma variável que permeia a todas as áreas das
políticas públicas - é significativamente menor, quando os atores já
cooperam, do que quando não existe essa prática estabelecida; o
compromisso entre os atores em uma área de atuação tende a servir
de garantia para a cooperação em outros setores; e a estrutura de
cooperação já existente serve de base institucional para a construção
de outras instâncias de associacionismo.
7 CONFORMAÇÃO TERRITORIAL DOS CONSÓRCIOS
INTERMUNICIPAIS DE SAÚDE: efeitos da indução estadual
A relação entre a estrutura operacional das associações já existentes
e a formação de novas associações cooperativas parece estar bem
evidente no caso mineiro. Mesmo se tratando de uma política de
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Federalismo e políticas públicas: indução e cooperação na formação de
consórcios intermunicipais de saúde
indução que não fazia qualquer referência explícita às Associações
Microrregionais, e que colocava pouquíssimas limitações aos
municípios no que tange aos critérios de agregação adotados por
esses, o fomento estadual à criação de consórcios intermunicipais de
saúde gerou, entre 1995 e 1999, uma rede de associações bastante
coincidente com a estrutura de AMs em atividade no estado. De
um total de 40 AMs (ALEMG, 2006) e 64 CIS (COSECS, 2004)
existentes no ano de 2004, temos que: 20 CIS possuíam todos os
seus membros associados a uma mesma AM; 17 CIS tinham todos
os seus membros, que são ligados a AMs, vinculados à mesma
Associação Microrregional; e 10 CIS nos quais mais de 80% dos
membros faziam parte de uma mesma AM. No total, 47 dos 64
CIS (73,43%), existentes em 2004, possuíam bases territoriais que
coincidiam fortemente com as áreas de abrangência de Associações
Microrregionais, o que tem significado bastante forte por se tratarem
de dois tipos de associações de participação voluntária.
A influência exercida pelas AMs na configuração territorial dos
CIS ganha mais peso quando levamos em conta outro fator, de
ordem técnica, que está envolvido na reunião de municípios para
a constituição de consórcios de saúde: a forma de regionalização
adotada pela Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais.
Com o objetivo de racionalizar o funcionamento da estrutura de
saúde presente no estado, a SES/MG divide Minas Gerais em 13
macrorregiões, que por sua vez são compostas de 75 microrregiões,
o que estabelece unidades territoriais autossuficientes em cada um
dos níveis de atenção definidos pelo SUS.
Os municípios das mesmas microrregiões, assim, necessariamente
mantêm relações próximas, uma vez que o funcionamento delas
implica reuniões periódicas entre os secretários municipais de saúde,
além dos contatos decorrentes do trabalho cotidiano. Quando a
Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais levou a cabo sua
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Paulo Ricardo Diniz Filho
180
política de incentivo à criação de CIS - mesmo que não houvesse
nela qualquer elemento que levasse os municípios a se unirem
ao longo das linhas definidoras da macrorregião - os contatos
com os municípios eram feitos através de reuniões nas sedes das
microrregionais de saúde (COELHO e VELOSO, 1997), que contavam
com a presença dos membros delas. Assim, há dois elementos - as
AMs e as microrregiões de saúde - que influíram significativamente
na definição de quais municípios dariam origem a quais CIS, mesmo
não se tratando de elementos constituintes da estratégia estadual
de indução à criação de CIS. O resultado disso foi que, dos 64 CIS
existentes em 2004, 23 eram formados por municípios de uma mesma
microrregião de saúde, assim como 22 tinham mais de 80% de seus
municípios-membros como integrantes da mesma microrregião.
Usando os mesmos critérios aplicados na avaliação das AMs, temos
que 70,31% (45 em 64) dos CIS apresentavam forte correlação com
a estrutura de regionalização adotada pela Secretaria de Estado da
Saúde de Minas Gerais1415.
Dessa forma, podemos concluir que as Associações Microrregionais
(fruto de política de indução, porém em nada relacionadas com a
formação e atividades dos CIS) influíram de forma mais decisiva
na configuração territorial dos consórcios intermunicipais de saúde
do que a divisão funcional do estado em microrregiões de saúde
(que não é fruto de política de indução, porém bastante ligada ao
processo de criação dos CIS). A relação entre as AMs e os CIS era, em
2004, de 73,43% de coincidência entre seus respectivos membros,
enquanto que a relação entre as microrregiões de saúde e os CIS
era de 70,31% de coincidência, números que, vistos isoladamente,
não indicam grande discrepância. Ocorre que, via de regra, as
Associações Microrregionais não desempenharam qualquer papel
14 - A regionalização do território estadual com hierarquização crescente dos serviços
de saúde, princípio organizativo do SUS, é tarefa de atribuição do Governo do Estado.
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Federalismo e políticas públicas: indução e cooperação na formação de
consórcios intermunicipais de saúde
formal na criação dos CIS, pois funcionavam já há bastante tempo
apenas como “prestadoras de serviços” de engenharia, e assim não
deveriam ter influenciado na forma de aglomeração das cidades em
torno dos consórcios que se criavam. Já as microrregiões de saúde
foram o cenário por excelência onde se deu a relação entre municípios
e governo estadual, a interface na qual a política de indução tomou
forma física foi implementada. Era de se esperar que não apenas a
coincidência entre microrregiões de saúde e CIS fosse maior, como
que os consórcios que se formavam seguissem mais as linhas de uma
instância técnica ligada à área da saúde do que as de associações
ligadas a outra área da ação estatal, desprestigiadas pelo governo
estadual, e com recursos orçamentários muito limitados, como são
as AMs.
Levando em conta o exposto acima, podemos ver que os 3,12% de
vantagem, que as AMs levam sobre as microrregiões de saúde no
que tange ao quesito “influência sobre a configuração territorial dos
CIS”, têm um peso muito maior do que a visão fria dos números pode
indicar. As correlações entre CIS e AMs e entre CIS e microrregiões
de saúde ganham mais significado quando fazemos o cruzamento
entre os grupos de membros das Associações Microrregionais e das
microrregiões de saúde. De um total de 40 AMs, apenas duas são
compostas por municípios de uma mesma microrregião de saúde, e
12 têm mais de 80% de seus membros participando de uma mesma
microrregião de saúde; ou seja, 35% das AMs estão fortemente
relacionadas com as microrregiões de saúde. Assim, fica descartada
a hipótese de que uma forte coincidência entre os membros de AMs e
de microrregiões de saúde produzisse também números semelhantes
quando esses dois grupos fossem confrontados, em separado, com
os conjuntos de membros dos CIS.
A política de indução ao associativismo municipal, praticada
nas décadas de 1970 e 1980 através da criação das Associações
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Paulo Ricardo Diniz Filho
182
Microrregionais, teve seus efeitos continuados ao longo do tempo,
a ponto de exercer considerável influência sobre outra política de
indução ao associativismo intermunicipal, a que deu origem aos
CIS mineiros na década de 1990. Por menos apoiada que tivesse
sido, a cooperação intermunicipal, representada pela criação das
AMs, permaneceu no tempo; por mais distante da realidade da
saúde pública que seja o universo das AMs, elas tiveram um papel
mais importante na configuração da nova geração de associações
intermunicipais do que a própria estrutura técnica de funcionamento
do setor de saúde do estado de Minas Gerais. Em poucas palavras, a
indução passada não se “perdeu”, e ajudou na efetivação da indução
mais recente. No contexto do presente trabalho, temos que o efeito
da política de indução está fortemente relacionado às medidas
tomadas pelo governo estadual para incentivar os municípios a se
associarem. Mais especificamente, políticas de indução que são
caracterizadas pela cessão de patrimônio de alto valor - e custo
de manutenção - à instância intermunicipal tendem a fazer efeito
enquanto esse patrimônio permanecer inacessível aos municípios
isoladamente. Em poucas palavras, a política estadual de indução
tem efeito enquanto for atrativo aos municípios o patrimônio cedido
pelo governo estadual à associação criada.
8 UMA NOVA ETAPA NA INDUÇÃO ESTADUAL E SEUS
EFEITOS SOBRE O ASSOCIATIVISMO
Após a indução do Governo Estadual à formação de consórcios
intermunicipais de saúde, na década de 1990, a dinâmica
predominante passa a ser a de consolidação desses enquanto
instância coletiva política e técnica, em um processo de interação
cada vez maior com as forças que predominam no cenário dos
municípios brasileiros. O grande ponto de inflexão a ser considerado
é a retomada, por parte do Governo do Estado, da concessão de
incentivos aos consórcios intermunicipais de saúde a partir do ano de
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Federalismo e políticas públicas: indução e cooperação na formação de
consórcios intermunicipais de saúde
2003. Diferente do período 1995-1998, o novo momento do apoio aos
CIS foi marcado desde o início pela normatização das relações entre
as partes envolvidas (Resolução SES/MG 0353/2003), assim como
pelo planejamento e diversidade das ações implementadas, que
culminaram na formalização do Programa Estadual de Fortalecimento
dos Consórcios Intermunicipais de Saúde em Minas Gerais (PROCIS)
no ano de 2009. Merece destaque, entretanto, o grande volume de
recursos destinado pelo Governo do Estado aos CIS: R$ 10 milhões
em 2003, R$ 18 milhões em 2006, R$ 8 milhões em 2008 e R$ 10
milhões em 2009 (MINAS GERAIS, 2010). À parte da transferência
direta de recursos aos consórcios, eles também foram beneficiados
pela integração ao Sistema Estadual de Transporte Sanitário (SETS),
de forma que 499 microônibus foram transferidos a 49 CIS entre
2005 e 2011(MINAS GERAIS, 2012).
A magnitude de tal estratégia de apoio aos consórcios intermunicipais
exerceu influência significativa sobre a estrutura e o funcionamento
deles. O número total de CIS em funcionamento em Minas Gerais
variou pouco entre 2004 e 2012, passando de 64 para 65 (COSECS
2004 e 2012): foi registrado o encerramento das atividades de cinco
consórcios, assim como a criação de seis novos CIS1516. Em 2004,
havia 694 municípios consorciados em Minas Gerais, enquanto que,
em 2012, esse total passa a ser de 720: foram registrados 103
desligamentos de consórcios, ao passo que 129 adesões de cidades
ocorreram no período1617. Levando em conta que alguns municípios
compõem mais de um consórcio, tendo sido comuns casos de
desligamento e associação a mais de um CIS, o Quadro 3 apresenta
os números relativos à movimentação de municípios envolvidos na
análise:
15 - A extinção e posterior criação de consórcio envolvendo os mesmos municípios foi
considerada, no presente trabalho, apenas como mudança de denominação do CIS.
16 - Desconsiderando as duplas contagens, temos 127 municípios se associando aos
CIS, e 102 se desligando deles.
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Paulo Ricardo Diniz Filho
Quadro 3 - Movimentação de municípios nos CIS mineiros:
2004 - 2012
Ação
Motivo
Destino
Qtde
Buscaram outro CIS
1
Permaneceram sem
CIS
34
Buscaram outro CIS
27
Participavam de dois
CIS, permanecendo
em um deles
8
Permaneceram sem
CIS
33
Primeira
associação
101
101
Já integravam
outro CIS
28
28
Encerramento
do CIS
Saídas
Espontânea
Entradas
184
Total
35
68
129
Fonte: Elaboração do autor a partir de COSECS (2004).
O Quadro 3 acima evidencia o movimento de alternância no conjunto
de municípios mineiros que participam de CIS. A comparação entre
o grupo de cidades que deixaram os consórcios definitivamente e o
grupo de municípios que aderiram aos CIS é esclarecedora: cidades
menores têm progressivamente sido atraídas pelos CIS, enquanto
que aquelas de maiores populações se desligam de tais associações.
Essa tendência, já discutida na análise da formação dos consórcios
mineiros, foi intensificada durante a década de 2000: quatro
municípios com população superior a 100 mil habitantes deixaram os
CIS, enquanto que nenhuma cidade de tal porte passou a integrá-los
entre 2004 e 2012; nove municípios com população entre 50 mil e
100 mil habitantes deixaram os consórcios intermunicipais de saúde,
ao passo que apenas três cidades desse porte se associaram aos
consórcios.
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Federalismo e políticas públicas: indução e cooperação na formação de
consórcios intermunicipais de saúde
O Quadro 4 abaixo apresenta mais detalhes sobre os grupos de
municípios que se desligaram e associaram a CIS entre 2004 e 2012.
Vale lembrar que esse, diferente do Quadro 3, considera apenas o
número de município, excluindo as duplas contagens de cidades que
participam de mais de um consórcio.
Quadro 4 - Médias populacionais e movimentação de
municípios (2004-2012)
Ação
Motivo
Nº mun.
Pop. Média
Entradas
Primeira
associação
99
12.899 hab.
Saídas
definitivas
Migrações
Encerramento
do CIS
33
Espontânea
33
Migração entre
CIS
20.108 hab.
66
28.720 hab.
36.867 hab.
28
9.120 hab.
Fonte: Elaboração do autor a partir de COSECS (2004).
Considerando o conjunto de cidades que se desligou espontaneamente
dos CIS, temos uma média populacional cerca de três vezes superior
à do grupo de novas associadas aos consórcios. Tais dados reforçam
a conclusão de que as menores cidades são as mais prejudicadas
pelos efeitos do “municipalismo autárquico” que marca o federalismo
brasileiro e, assim, as mais dispostas a buscar a cooperação regional.
Dessa forma, apesar de o número de municípios consorciados ter sido
acrescido em 25 cidades, a população atendida recuou a 618.528
habitantes entre 2004 e 2012.
A partir do total de 65 consórcios intermunicipais em funcionamento
em 2012 (COSECS, 2012), temos que 6 foram criados entre 2004
e 2012, 15 mantiveram o mesmo número de membros, 19 tiveram
reduzido o número de associados, e 25 tiveram aumento em seu
grupo de municípios associados. Contribuíram para tal resultado,
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Paulo Ricardo Diniz Filho
principalmente, os 99 municípios que se consorciaram pela primeira
vez, mas merece destaque o grupo de 28 cidades que migraram de
um CIS para outro, assim como os oito municípios que, fazendo parte
de dois consórcios em 2004, optaram por permanecer em apenas um
deles. É sobre as características técnicas1718 dos consórcios envolvidos
nas trocas desses 36 municípios que trata o Quadro 5, abaixo:
Quadro 5 - Características técnicas dos consórcios escolhidos
e preteridos pelos municípios mineiros
Características do consórcio escolhido em relação ao preterido
186
Relação
Serviços
oferecidos
Equipamentos
disponíveis
Municípios
participantes
Clínica
Mais
14
18
19
10
Menos
4
7
17
4
Igual
-
3
2
17
Fonte: Elaboração do autor a partir de COSECS (2004).
Apesar de o Quadro 5 apresentar algumas preferências claras no
processo de escolha dos municípios - como aquela por CIS que
oferecem maior variedade de serviços - é preciso levar em conta
as características de cada consórcio como um todo. Por exemplo,
a posse de equipamentos de saúde próprios, assim como a
administração de uma clínica exclusiva do CIS não aparecem como
fatores destacados na preferência dos municípios, mesmo sendo
esses elementos intrinsecamente relacionados com a oferta de
serviços que o consórcio disponibiliza a seus municípios membros. O
porte do CIS também se coloca como fator indiferente no processo
de seleção das administrações municipais, da mesma forma que a
17 - Não há disponibilidade de todos os tipos de informação para todos os consórcios
(COSECS, 2012), de forma que só foram realizadas comparações nos casos em que
havia dados suficientes.
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Federalismo e políticas públicas: indução e cooperação na formação de
consórcios intermunicipais de saúde
transferência de recursos estaduais aos CIS, exposta no Quadro 6,
abaixo:
Quadro 6 - Influência das transferências de recursos para
CIS sobre as escolhas dos municípios (2004-2012)
Transferência de recursos do Governo Estadual a CIS escolhidos
e preteridos por municípios que optaram entre dois consórcios
Ambos
29
Apenas o CIS escolhido
2
Apenas o CIS preterido
2
Fonte: Elaboração do autor a partir de COSECS (2004).
Os resultados do Quadro 6 refletem a amplitude da política estadual
de incentivo aos CIS, iniciada em 2003, e que transferiu recursos a
60 dos 65 consórcios intermunicipais de saúde existentes em 2012
(COSECS, 2012). Pode-se considerar, assim, o efeito da indução
à cooperação como uma influência ampla, porém genérica, não
tendendo a fortalecer qualquer CIS em detrimento dos demais.
Uma vez que tanto critérios de ordem técnica quanto financeira não
apresentaram resultados consistentes ao influenciar a escolha dos
municípios por consórcios intermunicipais de saúde, resta analisar a
seara dos fatores políticos. Como já visto no presente trabalho, as
Associações Microrregionais (AMs) foram decisivas no processo de
formação dos CIS mineiros, fazendo com que eles assumissem uma
conformação territorial muito próxima à das AMs. Devido ao poder
que tais instituições possuem para aglutinar a coordenar a ação dos
municípios - fruto de políticas de indução à cooperação, realizadas
desde a década de 1970 pelo Governo do Estado - foi natural que
as AMs influenciassem o processo de agrupamento das cidades em
torno de novas instâncias coletivas, os consórcios intermunicipais de
saúde. O Quadro 7, abaixo, mostra o grau de coincidência territorial
Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VI | Nº 11 | P. 143-183 | jan/jun 2013
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existente entre os CIS e as Associações Microrregionais em 2004 e
em 2012:
Quadro 7 - Ocorrência de forte coincidência entre bases
territoriais1819 dos consórcios (2004 - 2012)
Ocorrência de forte coincidência entre as bases territoriais (em
% do total de CIS)
Envolvidos
2004
2012
CIS e de AMs
73,43
81,50
70,31
66,15
CIS e microrregiões de
saúde (SES/MG)
Fonte: Elaboração do autor a partir de COSECS (2004).
188
Fica evidente a intensificação da influência das Associações
Microrregionais sobre os consórcios intermunicipais de saúde, de
acordo com o que indica o Quadro 7, acima: a forte coincidência
territorial entre CIS e AMs, que em 2004 acontecia em 73,43% dos
consórcios, passou a ser verificada em 81,50% dos CIS em 2012.
Vê-se, assim, que foi a influência das Associações Microrregionais
a grande força direcionadora da adesão de novas cidades aos
consórcios e, principalmente, da migração de municípios entre
consórcios distintos. É lógico supor que a recente injeção de
recursos do Governo Estadual nos CIS teve, assim, as AMs como
atores intermediários de destaque, pois foi exatamente essa ação de
indução que reforçou ainda mais a coincidência entre os grupos de
membros de CIS e de AMs.
18 - A coincidência entre as bases territoriais é considerada forte em três ocasiões:
quando todos os membros do CIS participam da mesma AM; quando todos os membros
do CIS que fazem parte de Associações Microrregionais, são membros de uma mesma
AM; e quando mais de 80% dos membros do CIS ligados a AMs estão associados a
uma mesma Associação Microrregional. Como as Microrregiões de Saúde da SES/MG
independem de filiação, considera-se forte a coincidência territorial quando mais de
80% dos membros do CIS participam de uma mesma Microrregião de Saúde.
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Federalismo e políticas públicas: indução e cooperação na formação de
consórcios intermunicipais de saúde
Interessante comparar também, a partir da análise do Quadro 7,
a coincidência entre a composição dos Consórcios Intermunicipais
de Saúde e a divisão territorial realizada pela Secretaria de Estado
da Saúde de Minas Gerais (SES/MG, 2006) para organizar o
funcionamento do SUS no estado. A forte coincidência territorial
entre CIS e microrregiões de saúde, que em 2004 era verificada em
70,31% dos consórcios, passa a ocorrer em apenas 66,15% dos
CIS existentes em 2012; isso indica um aumento do descompasso
- ao menos, na esfera formal - entre o associativismo municipal e
a organização básica da saúde pública em Minas Gerais. A força
de atração das Associações Microrregionais supera, em muito, a
influência exercida pelo próprio sistema de financiamento regular da
saúde pública brasileira.
O papel das Associações Microrregionais - como concentradoras do
impulso indutor à cooperação, concedido pelo Governo do Estado
e, por isso, dotadas de protagonismo nas relações intermunicipais pode ser ainda mais profundamente analisado. Por exemplo, dentre
os 99 municípios que aderiram a consórcios intermunicipais de saúde
entre 2004 e 2012, 74 são membros regulares de AMs; 63 dessas
cidades optaram por fazer parte de CIS que têm forte coincidência
territorial com a Associação Microrregional da qual são membros.
Assim, a indução ao cooperativismo, fornecida pelo Governo do
Estado, é captada pelas AMs, que a utilizam na atração de municípios
para suas esferas de influência. Essa tendência aparece também no
Quadro 8, abaixo, no qual é analisado o grupo de 36 municípios1920
que optaram entre dois CIS entre 2004 e 2012, seja por meio de
migração, seja pela escolha de permanecer em apenas um dos dois
consórcios dos quais participavam.
19 - Desse total, 11 não faziam parte de qualquer AM, tendo sido 25 analisados no
Quadro 8.
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Paulo Ricardo Diniz Filho
Quadro 8 - Municípios que escolheram entre dois CIS, de
acordo com suas AMs de origem (2004 - 2012)
Foi para CIS
Deixou CIS
AM da qual
fazia parte
era maioria
AM da qual
fazia parte
era minoria
Não havia
predominância
de uma AM
AM da qual
fazia parte era
maioria
10
1
2
AM da qual
fazia parte era
minoria
3
1
4
Não havia
predominância
de uma AM
2
-
2
Fonte: Elaboração do autor a partir de COSECS (2004).
190
Percebe-se, a partir do Quadro 8, que a maior parte dos municípios
opta por migrar - ou permanecer - para consórcios nos quais a
Associação Microrregional da qual ele faz parte é majoritária2021. Assim,
os associados de uma AM buscam-se mutuamente, replicando as
relações internas dessa instância no âmbito do consórcio. Tal critério
de seleção coincide, então, com aquele utilizado pelos municípios
que se consorciaram pela primeira vez entre 2004 e 2012, o que
reforça o papel das Associações Microrregionais no contexto das
relações entre os municípios mineiros.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compreensão da indução à cooperação, assim como de seus
efeitos ao longo do tempo, é crucial para que se consiga trabalhar
as políticas públicas no âmbito da federação brasileira. O cenário
20 - A AM detém a maioria dos membros do consórcio em qualquer das três hipóteses:
quando todos os membros do CIS são seus associados; quando todos os membros do
CIS que participam de AM são seus associados; quando mais de 80% dos membros
do CIS que participam de AM são seus associados.
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Federalismo e políticas públicas: indução e cooperação na formação de
consórcios intermunicipais de saúde
municipalista, de fragmentação na execução de boa parte das políticas
públicas básicas, obriga à adoção de mecanismos institucionais de
racionalização do uso de recursos e de estruturas públicas. Porém, a
autonomia do ente municipal não pode ser sacrificada em favor de
uma pretensa eficiência técnica advinda dos estados federados e da
União. É preciso buscar a conciliação entre os extremos históricos de
centralização e descentralização do federalismo brasileiro, e naquilo
que toca à execução das políticas públicas, essa busca é essencial
para a qualidade de vida dos cidadãos.
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Recebido: 25/03/2013
Aprovado: 18/06/2013
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PONTO DE VISTA
PUNTO DE VISTA
O MESTRE SEMPRE PRESENTE
Antônio Eduardo de Noronha Amabile*
Em março de 2013 nossa sociedade sofreu um duro golpe do destino. Despedimo-nos de um dos mais proeminentes professores de
políticas públicas de nosso estado: Luis Aureliano Gama de Andrade.
O professor Luis Aureliano era um filósofo. Sua capacidade de analisar a relação entre Estado e sociedade transcendia a parcialidade,
o envolvimento, a paixão. Cientificamente, ele traçava os caminhos
do raciocínio com idas e vindas, curvas e retas, tal qual fazem os rios
do estado que o acolheu com tanto carinho e que empobreceu agora
com a sua partida.
1
198
De uma distância muito segura das questões a serem enfrentadas,
apresentava argumentos com vida própria. A mim e a muitos ensinou a decompor a realidade para compreendê-la melhor e este,
indubitavelmente, foi um dos tesouros que ele foi capaz de compartilhar. Não raro, lembrava que era preciso profundidade e temperança
para avançar e enfrentar os desafios mais marcantes da sociedade
contemporânea.
Este impetuoso filósofo concluiu, nos idos da década de 70, o mestrado em Políticas Públicas e o Doutorado em Ciência Política, ambos
na Universidade de Michigan. Com os norte-americanos foi capaz,
conforme ele mesmo relatava, de compreender melhor o complexo
ideário nacional no enfrentamento das questões de ordem pública.
Com uma visão ímpar sobre a Administração Pública – sua tese tratava de tecnocracia e desenvolvimento em Minas Gerais, retornou
* Graduação em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro e em Direito pela
Universidade Federal de Minas Gerais. Mestrado em Administração Pública com Ênfase
em Gestão Econômica pela FJP. Professor da Faculdade de Políticas Públicas “Tancredo
Neves”/ UEMG.
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O mestre sempre presente
ainda mais capaz de descortinar a maneira como percebemos problemas e soluções, como as ideologias dirigem as ações governamentais e como são formuladas as estratégias que as materializam
nos complexos arranjos institucionais. “Leia Huntington”, ele dizia
reiteradamente. Chegava a ler trechos da obra que mantinha em seu
descomunal acervo pessoal.
Sua vida profissional foi rica, dinâmica e produtiva. Além de professor na UFMG, foi consultor de várias instituições, além de Diretor e
Presidente da Fundação João Pinheiro. Nesse período, reestruturou
a Escola de Governo, modernizando-a de forma que fosse capaz de
apresentar aos que lá estudavam e estudariam, eu inclusive, os principais debates e ferramentas que deveriam estar à disposição dos
administradores públicos mineiros. Nessa forja, o artífice preparou
uma geração para o confronto de visões e opiniões técnicas e políticas, a serem conduzidas em ambiente aberto e pluralista, com
respeito ao diverso e à divergência. “O bom governo surge desse
exercício da cidadania”, era sua lição.
Atuou ainda junto à Organização dos Estados Americanos, ao Banco
Mundial e ao Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais. Sobre este
último era um expert, uma vez que desde os tempos de doutorado o
estudava. No BDMG, a sua palavra incendiava e emudecia reuniões.
O professor Luis Aureliano integrava o Conselho Editorial Nacional da
Revista Perspectivas em Políticas Públicas desde o seu primeiro número, lançado em 2008. Foi também, em vários momentos, um colaborador da Faculdade de Políticas Públicas Tancredo Neves – FaPP,
tendo ministrado várias disciplinas nos diversos cursos de pós-graduação que a Unidade Acadêmica oferece. Seu legado se perpetuará
por seus inúmeros discípulos!
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artigos de atualização, artigos de revisão, ensaios, resenhas, relatos
de experiências, depoimentos e entrevistas.
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de, pelo menos, dois especialistas no tema abordado, integrantes do
Conselho Editorial, sendo garantido o anonimato tantos dos autores
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final é de responsabilidade do Comitê Editorial da Revista. A aceitação
dos textos implica automaticamente a cessão dos direitos autorais
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202
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