ANA CRISTINA DOS SANTOS SIQUEIRA
DISCUSSÕES EM TORNO À FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ARTE
UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2010
ANA CRISTINA DOS SANTOS SIQUEIRA
DISCUSSÕES EM TORNO À FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ARTE
Dissertação apresentada, como exigência
parcial para obtenção do Título de Mestre em
Educação, na Universidade Cidade de São
Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Potiguara
Acácio Pereira.
UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2010
_______________________________
Profº Dr. Potiguara Acácio Pereira
_______________________________
Profª Dra. Margarete May Berkenbrock Rosito
_______________________________
Profº Dr. Marcos Ferreira Santos
Comissão julgadora
Dedico este trabalho a minha filha Paloma, meu filho
Randre, minha mãe Conceição, minha tia Meire e o
querido Dario, que souberam praticar a paciência em
situações que por vezes nem entendiam.
Agradeço ao meu orientador Professor Dr. Potiguara
Pereira, que se revelou um Mestre. Às minhas amigas de
trabalho Catarina e Magnolia, que muito me auxiliaram. E
ao
meu
Coordenador
Samuel,
suavizou minha chegada ao objetivo.
cuja
compreensão
As linguagens hoje fundem-se, misturam-se e
contaminam-se. A Arte adentra os campos afins do
designer (moda, publicidade e designers gráfico, têxtil,
de interiores, de mobiliário, de jóias etc.), do cinema,
das trilhas sonoras para o cinema ou jingles, dos
videoclipes, da arquitetura, da história em quadrinhos,
dos figurinos, da cenografia, da iluminação, do
paisagismo etc. (SEE, 2009,8ª s. v. 3, p. 12).
RESUMO
A presente dissertação tem por objetivo estudar a formação inicial do professor
de Arte, no Brasil, a partir das concepções de ensino da Arte, surgidas no
século passado (XX) e início deste (XXI), na educação. Busca verificar o
processo de regulamentação da disciplina e a formação de professores, que
compartimenta seus conteúdos em Artes Visuais, Música, Dança e Teatro, e,
cada vez mais, se preocupa com a especialização da linguagem e não com a
formação de uma concepção de Arte. Para tanto, tem como procedimento
metodológico a análise documental. Faz um histórico breve sobre o ensino da
Arte, no Brasil, trata da regulamentação da disciplina e dos cursos de formação
de professores de Arte, analisa as influências filosóficas do ensino da Arte e
seus desencadeamen tos, na sala de aula, na rede pública estadual de São
Paulo, faz referência às propostas curriculares, que impactaram documentos
oficiais na rede, e reflete sobre a formação do professor, convergente à
concepção do ensino da Arte contemporânea. Os parâmetros teóricos
considerados foram o de: Ana Mae Barbosa (1985), (1998), (2002), Mirian
Celeste Martins (2007), LDB 5.692 (1971), LDBEN 9.395 (1996), PCN (2001),
SEE/CENP/FDE (2006), SEE/CENP/FDE(2008), Lisboa e Kerr (2005),
MEC/SESu (1999) Alfredo Bosi (2000), CNE/CP (2001), Gilles Deleuze e
Guattari. E também dos documentos que regulamentam o ensino da Arte e a
formação de professores na rede pública estadual de São Paulo.
Palavras Chave: Formação, Ensino de Arte, Concepção, Educação
Abstract
This dissertation aims to develop study on initial teacher of Art and on the
design of teaching art in the XX and XXI, in education.
Seeks to verify the process and rules of discipline and training of
teachers, which compartmentalize the content in Visual Arts, Music, Dance and
Theatre, and increasingly concerned with the specialization of language and not
with the formation of the conception of art.
For this methodological procedure is to document analysis and is
structured as follows: Chapter I presents a brief history about the teaching of art
in Brazil. Chapter II deals with the rules of discipline and training courses for
teachers of Art. Chapter III deals with the philosophical influences of the
teaching of art and its onset in the classroom, in public schools in São Paulo;
curriculum proposals that impacted official documents in the public schools in
São Paulo, are in it are considered. Chapter IV emerges from reflection on
teacher training, converging to the design of the teaching of contemporary art.
Theoretical parameters considered were to: Ana Mae Barbosa (1985),
(1998), (2002), Mirian Celeste Martins (2007), LDB 5692 (1971), LDBEN 9395
(1996), NCP (2001), SEE / CENP / FDE (2006), SEE / CENP / FDE (2008),
Lisbon and Kerr (2005), MEC / SESu (1999) Alfredo Bosi (2000), CNE / CP
(2001), Deleuze and Guattari.
Part of the documents regulating the teaching of Art and the training of
teachers in public schools in São Paulo. Thus allowing inferences and
conclusions about what was said.
Keywords:
Education,
Art
Education,
Design,
Education
SUMÁRIO
Introdução......................................................................................................10
1. As Artes na Educação Brasileira................................................................14
1.1 As influências do nacionalismo ideológico.................................................30
1.2 A política em defesa do ensino da Arte na escola pública,
Por meio da Educação Artística.................................................................33
2. A formação dos professores para o ensino da Arte....................................41
2.1 Sobre a organização do canto orfeônico nas escolas públicas..................44
2.2 Informações sobre a formação do professor de arte..................................51
3. As influências no ensino da Arte na escola:
do modernismo à contemporaneidade.......................................................58
3.1 Dewey........................................................................................................61
3.2 Deleuze......................................................................................................67
4. Formação do professor na concepção do ensino da Arte..........................77
4.1 Diretrizes Curriculares................................................................................79
4.2 Professor de Arte.......................................................................................83
Conclusão...................................................................................................94
Referências.................................................................................................97
Anexos......................................................................................................102
INTRODUÇÃO
Um rizoma não cessaria de conectar cadeias semióticas, organização
de poder,ocorrências que remetem às artes, às ciências, às lutas
sociais (DELEUZE e GATTARI, 1995, p. 16).
Este trabalho discute a formação inicial do professor de Arte, que atua
na escola pública estadual de São Paulo. Uma formação inicial que apresenta
deficiências, desde sua implantação, na década de 70.
A principal deficiência, talvez, seja, que, no inicio, a formação desses
profissionais se deu ministrada por artistas, que não tinham como preocupação
organizar a teoria e a prática pedagógica, nem desenvolver a aprendizagem no
que diz respeito às linguagens e modalidades artísticas.
A necessidade de professores, formados em Arte, nas escolas públicas
estaduais, também foi um dos elementos de desqualificação na formação inicial
do professor que, por duas décadas, formou às pressas, para atender,
exclusivamente, a uma demanda de mercado.
A formação do professor de Arte é relativamente recente. Muitos
aspectos precisam ser pensados e, conseqüentemente, há muito que fazer.
Convém observar que o século XIX ainda se faz presente, ora como algoz, ora
como um aliado incondicional.
Por isto, muitos equívocos ainda assombram as aulas de ensino da Arte,
na Educação Básica. Dentre eles, os trabalhos manuais (artesanatos), não
como elemento de processo de criação e conhecimentos artísticos, mas como
mera técnica de produção em série e manuseio de materiais para trabalhos
que se transformem em, possível, renda ou a idéia de que a aula de Arte é
para acalmar, oferecer lazer e servir de prêmio ou castigo. A década de 90 foi
significativamente histórica na construção de documentos oficiais, que
refletiram mudanças na educação.
O nome do curso para a formação de professores da disciplina de Arte,
da década de 70 à década de 90, foi “Educação Artística” com habilitação na
licenciatura plena para uma linguagem da Arte: “Artes Plásticas”, “Desenho”,
“Música” e “Artes Cênicas”, e era dedicados de um a dois anos com currículo
nas linguagens/modalidades, citadas na lei 5.692/71 – Artes Cênicas, Música e
Artes Plásticas – e de um a dois anos últimos com currículo específico para
uma linguagem/modalidade da Arte.
Ocorre que desde os últimos anos da década de 90, as universidades
estão mudando a nomenclatura, deste curso, para Licenciatura em ‘Artes
Visuais’, ‘Música’, ‘Artes Cênicas’ ou ‘Dança’ e com o programa curricular
específico na linguagem da nomenclatura do curso.
Desde a década de 80, os professores da categoria discutem os
princípios da disciplina, o quê e como ensinar Arte na Educação Básica.
Em 1992, foi publicada a proposta curricular para o Ensino de Educação
Artística 2º Grau – Versão Preliminar – pela Secretaria de Estado da Educação
de São Paulo, elaborada pela Equipe da Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas (CENP), onde trata da defesa sobre o conhecimento “Arte”, no
singular, por ser entendido como um conceito, composto por linguagens e
modalidades, que traçam os caminhos da compreensão e interpretação do
sensível e subjetivo que compõe a humanidade e sua multiculturalidade:
O conhecimento do mundo advém desta forma, de um processo onde
o ‘sentir’ e o ‘simbolizar’ se articulam e se completam. Contudo, não
há linguagem que explicite e aclare totalmente os sentimentos
humanos. (...) só podem se dar através de uma consciência distinta
da que se opõe no pensamento racional. Uma ponte que nos leva a
conhecer e a expressar os sentimentos é então a Arte (...). Se para
estes pensadores o conhecimento reside no sentir, pensar, fazer,
construir, compreender, simbolizar, basta-nos mostrar que na Arte,
estão presentes sentimento, razão, produção, construção,
simbolização, representação de mundo, expressão, para concluirmos
que a Arte é conhecimento (SEE, 1992, p 34)
A CENP é um órgão da SEE, que se destina ao desenvolvimento dos
documentos que regem a prática pedagógica e a formação continuada dos
professores.
E desde a elaboração da proposta curricular, de 1992, defende o ensino
da Arte na educação pública estadual, como área de conhecimento que
percorre caminhos para ampliar o contato com a arte por meio da compreensão
de suas linguagens, modalidades e estética, rompem as fronteiras das
linguagens artísticas percebe e converge para a compreensão da Arte como
um todo.
O empenho deste órgão na formação continuada dos professores de
Educação Artística é o de provocar os professores a trafegarem nas linguagens
artísticas. Enfim, na década de 90 se inicia por parte deste órgão a concepção
do “Ensino da Arte” nas escolas, com bases no período histórico do termino de
30 anos regidos pela ditadura militar e o ideal de educação libertadora, que
concebe o cidadão do mundo, capaz de ler e representar o mundo, respeitando
as diversidades culturais e promotor de atitude cidadã na construção dos meios
para melhorar e conservar a qualidade de convivência, vislumbrando as
transformações sociais e pessoais que instaura o século XXI.
Na década de 2000, o Ministério da Educação (MEC) estruturou as
Licenciaturas em uma linguagem artística específica “Artes visuais”, “Teatro”,
“Música” ou “Dança”, contudo a Secretaria de Estado da Educação de São
Paulo (SEE) contratou ou efetivou professores de Arte para trabalhar as quatro
linguagens artísticas, na sala de aula, como querem os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) e a Proposta Curricular da SEE de São Paulo,
independentemente da formação inicial.
Neste momento da história do ensino de Arte nas escolas, a Secretaria
de Estado da Educação de São Paulo (SEE) elaborou a proposta curricular, a
ser implementada na rede no ano de 2008 e sua proposta estruturada e
cumprida a partir de 2009. Nesta proposta é oferecido conteúdos e processos
de seqüência didática, nas quatro linguagens da Arte.
Por conta do exposto, esta pesquisa discutirá a incompatibilidade entre a
formação inicial e a formação continuada, dos professores de Educação
Artística da rede. Só é possível oferecer formação continuada, para os
assuntos conhecidos pelos professores. A questão é desvendar o que melhor
atende ao aluno do século XXI, se o professor formado no conceito como um
todo ou o especialista em um fragmento do conceito.
Capítulo 1
As artes na educação Brasileira
Costuma-se pensar a educação do ponto de vista da relação entre a
ciência e a técnica ou, às vezes, do ponto de vista da relação entre
teoria e prática. Se o par ciência/técnica remete a uma perspectiva
positiva e retificadora, o par teoria/prática remete, sobretudo a uma
perspectiva política e crítica. De fato, somente nesta última
perspectiva tem sentido a palavra “reflexão” e expressões como
“reflexão crítica”, “reflexão sobre prática ou não prática”, “reflexão
emancipadora” etc (BONDÍA, 2002, p. 20).
A história do ensino da Arte no Brasil é recente e está se construindo
buscando os caminhos de tratamento da educação escolar.
Luta incansavelmente para não perder espaço na grade curricular,
contudo seu calvário está na formação inicial dos professores da educação
básica.
Este trabalho dispõe de breve relato histórico sobre o ensino da Arte,
para discorrer sobre os caminhos escolhidos na sua importância e os principais
nomes de educadores, que interpretaram (e interpretam) os filósofos John
Dewey e Gilles Deleuze, cuja concepção de ensino fundamentada nesses
autores influenciou por meio de documentos oficiais o ensino da Arte na rede
pública estadual de São Paulo.
Ana Mae Barbosa (1985) interpretou John Dewey através dos olhos dos
modernistas brasileiros, com o qual montou a história do ensino da Arte no
Brasil. E Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque (1999) interpretam Gilles
Deleuze construindo a história do ensino pós-moderno da Arte contemporânea.
Este capítulo se desdobra com a história do ensino da Arte e, aos olhos
de Barbosa, às influências dos modernistas. Seu livro Teoria e Prática de
Educação Artística (1985) é a contextura histórica de concepção de ensino da
Arte.
O percurso histórico não terá aprofundamento, em respeito a toda
produção histórica, constituída por Ana Mae Barbosa. Além do que, sua
produção é suficiente para as reflexões deste trabalho.
Reconheço que há muito a explorar ainda, nas produções acadêmicas
sobre a história do ensino da Arte, contudo é um vasto material para outro
trabalho mais específico neste tema.
Inicio a explanação no Brasil Colônia. O ensino da Arte, no Brasil, entrou
pela porta do capricho e do status que manteve a tradição européia de
civilidade e dos bons costumes, constituindo no século XIX, a concepção do
ensino de adorno. Com o ensino destinado às jovens de alta classe, era
sinônimo de nascimento em família abastada ser capaz de fazer uma bonita
pintura e delicados objetos de adorno, no período colonial.
As escolas católicas no Brasil do século XIX subjugavam a Arte a
serviço da educação de moças prendadas, ou seja, tocar piano, fazer perfeitas
cópias de paisagem a óleo ou a carvão, bordar com perfeição, por exemplo,
eram indicadores de educação refinada e de alta classe. Não existia qualquer
espécie de programa de ensino de Arte para meninos.
Era a arte de desenhar, de tocar piano e de produzir trabalhos manuais
que as moças precisavam aprender para mostrar boa educação, refinamento,
status social e angariar um bom casamento.
Como os trabalhos manuais, o ensino da música inicia no Brasil com a
Companhia de Jesus e mais tarde, nos colégios fundados pelas congregações
religiosas católica e protestante, o estudo de música fez parte do currículo
escolar, destinado para as elites e em especial a educação feminina nos
internatos.
Conhecer os consagrados artistas da Europa, reconhecer seus signos,
suas especificidades e saber reproduzir como eles, faziam parte da educação
de excelência e o reconhecimento da elite de educação refinada.
O desenho era tratado como trabalho manual, um conhecimento técnico
desvalorizado pela aristocracia, porque os estudos que não estivessem
relacionados com a Medicina, a Engenharia e o Direito das Universidades da
Europa, não tinham mérito. Como também, os estudantes que não chegassem
a terminar seus estudos na Europa não tinham nenhum reconhecimento.
Esta atitude aristocrata de negar o conhecimento técnico frustra as
primeiras tentativas de implantação do ensino técnico no Brasil do século XIX,
como já acontecia nos Estados Unidos. E apesar da necessidade de
desenvolvimento técnico para melhorar o cotidiano, só se dava valor ao estudo
de Letras, Filosofia e Artes, existente na Europa.
D João VI foi o criador das primeiras escolas técnicas e científicas no
Brasil, numa tentativa de alavancar o desenvolvimento das profissões liberais e
técnicas, estando o desenho entre as últimas opções. Também foi o criador da
primeira Academia de Belas Artes, ainda no século XIX, iniciando esse projeto
quando trouxe a “Missão Francesa”, que criou em 1816.
Somente depois de dez anos começou a funcionar a instituição que seria
a nossa primeira Escola de Belas Artes e sua intenção não foi democratizar o
ensino da Arte, pois segundo a pesquisadora Barbosa (1985), a Missão
Francesa cultuava a beleza e o neo-academismo, atribuindo o sucesso artístico
ao dom e os árduos exercícios técnicos; como consequência, o acesso ao
conhecimento da Arte se revelava à elite.
No Brasil Colônia, não havia dança na escola. As famílias que
frequentavam os salões, onde dançavam as modas da Europa, contratavam
professores de dança para ensinar a domicílio, nos conta Maria Enamar Ramos
(UFERJ) no seu artigo BAILES BRASIL COLÔNIA/IMPÉRIO (2007). No artigo,
relata que
fazia parte do aprendizado das meninas ler, escrever, fazer trabalhos
de agulha e tesoura, gramática portuguesa e francesa, aulas de
piano, canto e dança (UFERJ, 2007, p. 66).
Os Jesuítas catequizavam os habitantes encontrados nestas terras, em
sua descoberta, utilizando-se do teatro, da música e da dança.
As décadas de 1870 e 1880 marcam a queda da monarquia no Brasil e,
sob as influências do liberalismo americano e o positivismo francês surgem,
com a República Velha, novas leis de política educacional e à inclusão do
desenho geométrico, para desenvolver a racionalidade (BARBOSA, 1985, p.
43).
O desenho geométrico, considerado trabalho manual, era ministrado aos
meninos, porque a geometria é base para a Engenharia. Às meninas era
destinado o aprendizado de bordado, costura, pintura e artesanato.
Renata Marcílio Cândido e Rita de Cassia Gallego (FEUSP) em seu
artigo
ENGENDRAR
TEMPOS
E
IDENTIDADES:
AS
FESTAS
NO
CALENDÁRIO ESCOLAR E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A ORGANIZAÇÃO
DO TRABALHO DOS PROFESSORES (1890 – 1930) citam que por volta de
1910 a 1917, na Escola Modelo Caetano de Campos em São Paulo, as
comemorações
selecionavam
cívicas
os
eram
melhores
organizadas
alunos
para
por
a
professores,
decoração,
os
quais
conforme
a
comemoração, dando um aspecto festivo ao ambiente e preparava um
programa a ser executado no dia da festa, dividido em duas partes: a primeira
inicia com o professor explicando sobre a data e seguindo uma seção cívica
composta por discursos, poesia, apresentações teatrais (monólogos ou
diálogos), dança e música; a segunda parte, apresentação de trabalho escrito e
uma gravura que sintetizava a festa (2003, p. 8).
O referido artigo ainda cita que por volta de 1925 muitas críticas
surgiram, por meio da imprensa escrita da época, expressando a idéia – a qual
ainda se ouve – que a produção criativa, utilizando as linguagens artísticas
pelos alunos, toma tempo e inutiliza o aprendizado da escola.
Este relato da imprensa é um importante registro sobre o contato dos
meninos com as linguagens artísticas na escola. Neste período, a Escola
Modelo Caetano de Campos era exclusivamente de meninos; mais uma vez o
conceito de arte como elemento dispensável se tornava burburinho entre os
tradicionalistas. O desenvolvimento de habilidades artísticas desperdiçava
tempo destinado ao conhecimento da língua, do cálculo e da técnica que
davam bases para os estudos nas Universidades da Europa.
No Brasil República, a dança, quando acontecia na escola, tinha como
parceria a Educação Física e sempre voltada para as danças folclóricas.
Influência do nacionalismo ideológico dos Modernistas, que defendia a difusão
da cultura popular.
Por volta da década de trinta, houve incentivo para a exploração das
danças
populares,
por
parte
do
pensamento
pedagógico
vigente
escolanovismo, que tentou trazer para a educação a concepção de Livre
Expressão, na qual o aprendizado acontece permeando o cotidiano cultural do
aluno.
A Escola Nova foi uma idéia americana de John Dewey, que influenciou
Anísio Teixeira, levando-o a estudar com o próprio Dewey nos Estados Unidos.
A influência de Dewey fez com que Teixeira defendesse a concepção de
escola para todos, na qual seu currículo propicie o convívio participativo e
colaborativo, desenvolvendo hábitos e ações para o bem comum, além do
conhecimento por meio dos conteúdos curriculares.
E a livre expressão, originada no expressionismo, teve a idéia de que a
Arte não é ensinada, mas expressada. Os introdutores dessa idéia, no Brasil,
foram Mario de Andrade e Anita Malfatti. Ambos se empenharam em
orientação e pesquisa sobre a expressão e o desenvolvimento cognitivo,
contudo houveram equívocos no entendimento da concepção, nos trabalhos
em sala de aula.
Como não havia um programa de ensino da Dança, como a Música, os
alunos traziam para dentro da escola o que conheciam fora dela, em relação às
danças. E ainda assim o fazem.
O Teatro era considerado uma extensão da literatura e somente era
lembrado para as festas de comemorações e, como a Dança, apesar da
tentativa, como o Serviço Nacional de Teatro, por exemplo, de formar os
professores para trabalhar com os conceitos educacionais do teatro, não há
registros de programa de ensino na escola.
A constituição de 1934, no artigo 150, dispunha que era competência da
União fixar o Plano Nacional de Educação, relativo ao ensino de todos os
graus, como também coordenar e fiscalizar sua execução no território nacional.
Além disso, constitucionalizou o Conselho Nacional de Educação e
atribuiu-lhe a responsabilidade sobre a elaboração do Plano Nacional de
Educação para ser aprovado pelo poder legislativo.
Tantas manifestações investidas para estruturar e organizar a educação,
gerou entendimento pedagógico limitado, como por exemplo, o de Teixeira e
Azevedo que entenderam a livre expressão como meio de liberação emocional,
influenciados pelas pesquisas psicológicas de Freud e o entendimento norte
americano (BARBOSA, 1985, p. 45).
Dewey, filósofo norte americano que é a principal influência do
pensamento escolanovismo, não foi compreendido na sua teoria sobre a
experiência em arte que foi interpretada pelo Movimento da Escola Nova como
livre expressão e virou fazer por fazer nas escolas.
As décadas de 20, 30 e 40, com Carneiro Leão, Fernando de Azevedo e
Anísio Teixeira, foram importantes para o início da construção legal de uma
educação
institucional,
de
responsabilidade
governamental,
gratuita
e
destinada para todos.
Este é o período que nasce a Escola Nova e seus acordos e impasses
legais e o processo de elaboração do Plano Nacional de Educação, na década
de 40 e com a Constituição de 1946, culminou na Lei 4.024/61de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional.
Todo um evento político, cuja participação de Teixeira em suas
tentativas de disseminar a concepção de Dewey sobre educação, tem
importante contextualização histórica. Porém, neste trabalho, vamos nos ater
nas especificidades e desencadeamentos sobre o ensino da Arte.
Em 1948, foi criada a Escolinha de Arte do Brasil, por iniciativa do
educador Augusto Rodrigues, no Rio de Janeiro.
A idéia foi propiciar um espaço para experienciar a expressão
espontânea, cuja vivência já havia ocorrido no ateliê de Anita Malfatti e na
Biblioteca Municipal de São Paulo com Mario de Andrade.
A Escolinha de Arte do Brasil reuniu profissionais das Artes Plásticas,
Teatro e Música interessados em estabelecer as linguagens/modalidades
artísticas no processo de educação das crianças na escola pública.
Empenharam-se em organizar sequências didáticas para ensinar professores
para trabalhar a expressão artística na escola. Mais tarde esses programas
tornaram-se currículo para o ensino superior, na formação de professores de
Educação Artística.
Essa idéia, com Augusto Rodrigues, ganhou fôlego e parceiros da
música, da dança, do teatro e se espalhou por várias regiões. E o que a
princípio foi destinado à crianças e adolescentes, passou a tratar da formação
de professores. Novos horizontes se abriram para outros conceitos de ArteEducação, e o objetivo mais difundido passou a ser o desenvolvimento da
capacidade criadora (BARBOSA, 1985, p. 46).
Foi um período rico para o ensino da Arte, porque trouxe à tona as
discussões sobre um ensino voltado para o desenvolvimento do aluno, com
ênfase na criação e no processo individual.
As influências do educador
Augusto Rodrigues vinham de autores e artistas que defendiam o processo
individual e que compreendiam que o conhecimento artístico e a expressão são
indissociáveis.
No entanto, sem dados expressivos de ocorrências de
transformações nas salas de aula.
Com a Lei 4.024 de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira de 1961,
o canto orfeônico é substituído por Educação Musical e o ensino de Desenho,
Desenho Geométrico e Artes Plásticas também fazem parte do cenário escolar.
Porém, existiam pouquíssimos cursos de formação de professores para essas
aulas e, por conta disso, professores de outras matérias com habilidades para
assumirem essas aulas ou artistas e estudantes de conservatórios, escola de
belas artes e etc, podiam assumir essas aulas.
A Lei 4.024/61, em seu Título VI, capítulo II, no artigo 25, promulga que
a escola primária tem por fim o desenvolvimento do raciocínio e das atividades
de expressão da criança e sua integração no meio físico e social. Este Título
foi todo revogado pela Lei 5.692/71.
Na mesma Lei, no Título VII, artigo 38, parágrafo 1, alínea b e incisos IV
promulga sobre o Ensino Médio, compreendido nesta época por ensino ginasial
e colegial, destinado a adolescentes que terminaram o ensino primário e se
submeteram a exame de admissão na primeira série do Ensino Médio, indica
que atividades complementares de iniciação artística, compõe as normas de
organização anual desta modalidade.
A influência dos estudos de Anita Malfatti e Mario de Andrade assegurou
a atividade de desenho na escola, apesar de seus equívocos. E a influência da
obrigatoriedade do ensino do canto orfeônico, fez com que essa prática
continuasse nas escolas.
Na década de 60, o Golpe Militar de 64 e a Reforma Universitária de 68
influenciaram diretamente e devastadoramente o ensino da Arte e a formação
dos professores.
Em 1971, na nova Lei 5.692 de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, com o título de Educação Artística, a arte foi incluída no currículo
escolar como Atividade Educativa a ser trabalhada nas linguagens artísticas:
Artes Plásticas, Artes Cênicas e Educação Musical (PCN, 2001, V. 6, p. 28).
A Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino de 1º e 2º Graus 5.692 de 11
de Agosto de 1971 – que foi revogada pela Lei 9.394/96 – no seu Capítulo I, Do
Ensino de 1º e 2º Graus, Art. 7º Será obrigatória a inclusão de Educação Moral
e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos
currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus, observado quanto a
primeira o disposto no Decreto-Lei n. 369, de 12 de setembro de 1969.
Aparentemente, essa lei é um passo para definir a matéria Educação
Artística, pois a partir da 5.692/71 ocorre o início dos cursos de formação, em
nível superior do professor de Educação Artística. Contudo, os cursos são
estruturados às pressas para atender a urgência de demanda.
Os conteúdos, as práticas pedagógicas e os embasamentos filosóficos
sobre concepção de ensino da Arte passam longe de serem discutidos nesses
cursos de formação de professores.
Na SEE, após a Lei 5.692/71 foi publicado o Guia Curricular de
Educação Artística. Em 1976, a Lei passa a vigorar no Estado de São Paulo e
a falta de professores preparados para assumir as aulas, ou atividades
educacionais, faz do guia curricular a principal fonte de orientação dos
professores e dos livros didáticos.
Ocorre que o Guia Curricular de Educação Artística – documento oficial
elaborado com a finalidade de orientar o trabalho docente – não explicitava
fundamentos teóricos e também não apresentavam uma linha metodológica
que discutisse as funções do ensino da arte nas escolas.
Como, também, não apresentava fundamentações sobre a importância
da arte no currículo escolar, esta atividade ficou solta, sem ancoragem e sem
sentido.
O guia apresentava um rol de objetivos e atividades de expressão
corporal, musical e plástica divididas por faixa-etária (SEE/CENP, 1997, p. 11).
Assim sendo, os professores procuravam conforto na desconectada
prática dos trabalhos manuais, na transmissão de modelos e técnicas, no canto
de hinos cívicos e na aplicação de adornos, fácil de encontrar nos poucos livros
didáticos destinado ao ensino da Arte na escola.
Estes cursos de formação não atendiam a demanda de professores em
São Paulo e com a regulamentação dos cursos de formação de professores em
nível superior, nas licenciaturas em Educação Artística de curta duração e a
habilitação plena em Artes Plásticas, Cênicas ou Música, fez com que as idéias
sobre desenvolvimento da criatividade, expressão, subjetividade, estética e
experiência se tornassem assuntos distorcidos e mal compreendidos pelos
professores e nos cursos de formação em nível superior, que estruturaram os
cursos em técnicas e fazer artístico sem reflexão.
Nos anos 80, surgiu o Movimento Arte-Educação com a união da
educação e da cultura, ou seja, os professores de Educação Artística
(educação) e os profissionais dos equipamentos culturais, que ensinavam
dança, música, teatro, arte circense, pintura, etc (cultura) se uniram para
discutir o ensino da Arte dentro e fora das escolas.
Reuniram profissionais da Arte-Educação do país para discutir novos
rumos para o ensino da Arte e reivindicar formação acadêmica coerente com
teoria e prática do desenvolvimento da criatividade.
Teve início as manifestações contra a formação em Educação Artística,
cujo ensino não leva em consideração as discussões pedagógicas sobre a
aprendizagem e criatividade, nem organiza encaminhamentos para a melhoria
do ensino e aprendizagem em Arte.
Neste período a Teoria Triangular de Ana Mae Barbosa, que trata de
estudos sobre educação estética, estética do cotidiano e ressalta o
encaminhamento pedagógico-artístico que tem por premissa básica a
integração do fazer artístico, a apreciação da obra de arte e sua
contextualização histórica é difundida no país por meio de projetos como os do
Museu de Arte Contemporânea de São Paulo e o Projeto Arte na Escola da
Fundação Iochpe (PCN, 2001, 3ª Ed., v. 6, p. 31).
A Teoria Triangular passa a ser o ponto de partida nas discussões sobre
formação de professores, ensino de arte nas escolas e arte-educação.
Ainda nesta década, em 1983 ocorre a estruturação da CENP, um órgão
ligado a SEE, com objetivo de estruturar orientação curricular aos professores,
da alfabetização aos conteúdos curriculares das disciplinas. É a configuração
de equipe didático/pedagógica para a formação continuada dos professores da
rede.
No ano de 1986 a primeira Oficina Pedagógica é estruturada na antiga
Décima Delegacia de Ensino, atualmente Diretoria de Ensino Leste 2. A idéia
de criar a Oficina Pedagógica foi para subsidiar os professores da jurisdição,
conforme orientação da legislação e currículo do sistema de ensino estadual de
São Paulo.
Atualmente, a SEE possui uma Oficina Pedagógica para cada uma das
91 Diretorias de Ensino, no Estado de São Paulo, subordinadas a CENP.
Em 1988 ocorre a implantação da jornada única no Ciclo Básico e a
inclusão do ensino de Arte e da Educação Física por professor especialista,
nas séries iniciais, com objetivo institucional de pôr em contato o professor
especialista e o professor das séries iniciais, para dialogar e estruturar
planejamento pedagógico e desenvolver trabalho que atendesse aos interesses
e necessidades da aprendizagem dos alunos em processo de alfabetização e
letramento.
Para tanto foi necessário que o professor especialista se conscientizasse
da importância do seu trabalho no auxílio ao processo de alfabetização e
soubesse refletir sua práxis na ampliação de repertório expressivo/artístico e
cultural dos seus alunos.
A reflexão da práxis abre as asas do pensamento educador, quando se
consegue fazer conexões entre a prática e (ou com) a fundamentação teórica.
No dia-a-dia, em tempo real, o outro me ajuda a perceber a pertinência
de um processo do ensino e a aprendizagem.
Nos livros, em momento atemporal, o outro me ajuda a desvendar o
conhecimento perceptivo e os possíveis caminhos de organizar um plano de
processo do ensino e a aprendizagem.
O programa do Ciclo Básico encerra em 1995 com avaliação negativa do
processo, sem atingir o objetivo institucional.
Os professores especialistas e os professores das séries iniciais não se
entenderam, porque falavam línguas diferentes.
O professor de Arte não entendeu nada sobre alfabetização e
letramento, além da angústia de não ter experiência e nenhuma referência
sobre a faixa-etária dos alunos das séries iniciais.
Do outro lado da história, o professor das séries iniciais se sentiu
enciumado em dividir a atenção dos alunos com outros adultos, além de não
entender nada sobre a proposta dos especialistas. E nem podia entender, pois
conforme a resolução, os professores das séries iniciais ficavam de janela –
aula vaga – durante as aulas dos especialistas.
Foi uma experiência que não trouxe bons momentos a escola, como um
todo. A gestão – compreende direção e coordenação – teve que administrar
conflitos na relação entre a equipe da escola e conflitos administrativos com a
excessiva ausência dos professores especialistas e a desorientação sobre
como formar a equipe de professores para atender o objetivo institucional.
Poucos casos isolados fizeram história de sucesso neste programa, em
todo o Estado de São Paulo.
Nos anos 90, a Teoria triangular de Barbosa foi a base dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) em Arte, Barbosa torna-se referência no ensino
da Arte em todo o país.
Os PCNs mobilizam novas tendências curriculares em Arte, pensam na
contemporaneidade e trata a disciplina por Arte, respeitando as reivindicações
do Movimento Arte-Educação.
Entre 1996 e 2001 o ensino da Arte passou por sufoco intenso, porque o
professor de Arte só tinha aulas da 5ª a 8ª série do ensino Fundamental e na 1ª
e 2ª série do Ensino Médio. O (a) Diretor (a) da escola escolhia entre 1 e 2
aulas semanais, nas quatro séries finais do ensino fundamental (5ª a 8ª série) e
2 aulas semanais na 1ª série do ensino médio e , raras vezes, na 2ª série do
ensino médio.
A diminuição do número de aulas desestimulou os professores de Arte
contratados a continuar na carreira do magistério e os cursos de licenciatura
em Educação Artística ficaram em risco da inexistência.
Os professores efetivos da rede eram minoria neste período. A maioria
dos professores de Arte eram contratados.
O número de professores habilitados neste período não era expressivo,
com a diminuição destes, sobravam aulas para os pedagogos, arquitetos e
todos
profissionais
liberais
e
professores
de
outras
disciplinas
que
apresentassem histórico dos cursos superiores, com carga horária em
disciplinas relacionadas à comunicação, expressão e arte autorizadas por
resolução de atribuição de aulas, que são publicadas em Diário Oficial do
Estado (DOE) anualmente, antecedendo o processo inicial de atribuição anual.
Se o professor habilitado vivenciava o conflito de não se sentir ancorado
no ensino e aprendizagem escolar, do distanciamento da fundamentação
teórica e, até, da desvalorização na escola, é difícil imaginar a práxis dos
outros profissionais, cuja única referência das aulas de arte eram suas próprias
vivências, enquanto estudantes do ensino fundamental e médio.
A partir de 2002, o ensino de Arte foi contemplado pelas novas regras da
grade curricular do ensino fundamental e médio. O ensino da Arte passou a ser
obrigatório com duas horas aulas semanais nas quatro séries finais do ensino
fundamental e nas primeiras e segundas séries do ensino médio.
Em 2003 a SEE/CENP estruturam a implantação do projeto Arte nas
Séries Iniciais, com a inclusão do professor especialista de Arte em duas horas
aulas semanais nas quatro séries iniciais do ensino fundamental, conforme
Resolução SEE 184 de 27/12/2002, determinando que o professor da classe
acompanhe e auxilie as aulas dos especialistas, desenvolvendo trabalho que
atenda as necessidades de aprendizagem dos alunos de alfabetização e
letramento.
Para a estruturação desta nova tentativa de ter o professor de Arte – e
Educação Física – especialista nas quatro séries iniciais do ensino fundamental
I foi pensado, pela CENP, o acompanhamento deste processo.
Um ponto relevante do insucesso do programa do Ciclo Básico, pensado
pela atual equipe de Arte e Educação Física na CENP, foi a ausência do
professor da classe. Por conta disso, a resolução determina que o professor da
classe acompanhe as aulas dos especialistas.
Além da questão legal, houve a contratação de Artistas, Mestres e
Doutores, especialista em Música Yara Caznoc, em Dança Lenira Rengel, em
Teatro Flavio Desgranges e em Artes Visuais Edith Derdyk, para elaboração de
projetos de trabalho nas linguagens/modalidades, destinados a faixa-etária dos
alunos, com acessória de Maria Terezinha Telles Guerra e a equipe de Arte da
CENP com Roseli Cassar Ventrella e Maria Alice Lima Garcia. Em orientação
centralizada, com todos os professores coordenadores da área de Arte das 90
diretorias de Ensino do Estado de São Paulo (SEE/CENP/FDE, 2006, p. 3).
Este processo se tornou o registro oficial O ensino de Arte nas séries
inicias – ciclo I em 2006. Contem os projetos elaborados, relatos
fundamentados do processo e registro das atividades realizadas por
professores de diversas jurisdições.
O processo aconteceu da seguinte forma: os professores coordenadores
da área de Arte das Diretorias de Ensino, um para cada jurisdição, se reuniam
com
os
especialistas,
vivenciavam,
discutiam,
refletiam,
construíam,
questionavam e apreendiam a proposta de cada projeto e, cada um na sua
jurisdição repassava as orientações, proporcionava, o mais parecido que se
conseguia a vivência, discussão, reflexão, construção, questionamento e
apreensão da proposta de cada projeto com os professores – dispensados das
aulas, em horário de trabalho, para essas orientações, conforme resolução
SEE 121/90 (revogada pela resolução 62/2005) – com materiais específicos,
construídos, alternativos e nutrição teórica (textos dos especialistas). Todos os
professores saíam do encontro com cópia do projeto e algum material de apoio.
Os professores voltavam para as classes com a responsabilidade de por
em prática a proposta do projeto recebido, apresentar o projeto para a equipe
de professores e o Professor Coordenador da escola, em Horário de Trabalho
Coletivo (HTPC), para discussão e envolvimento da escola.
Diferente do ocorrido no ciclo básico, quando as aulas foram atribuídas
aos professores especialistas sem a menor orientação, neste novo projeto os
professores tinham encontros periódicos e subsídios para a realização do
trabalho em sala de aula.
No entanto, os professores ficaram delimitados a refletir, discutir,
questionar e se nutrir de fundamentação teórica nos limites das propostas dos
projetos e na elaboração teórica destes especialistas.
A meu ver, a formação continuada de professores deve promover a
autonomia do professor, para construir suas perguntas e saber escolher o
caminho das suas respostas. Para isso o encontro com os professores se faz
importante e pertinente.
Não é um processo que traz resultados imediatos. É um longo caminho
de provocação do pensar e ancorar o saber.
Estou pontuando, depois de muito refletir sobre Ensinar não é transferir
conhecimento (FREIRE, 1996, p. 52) que o objetivo dos encontros com os
professores limitou-se ao fazer acontecer cada projeto na escola.
Contudo, os encontros periódicos com os professores foi fortificante para
a disciplina e abalou a cultura velada do desprezo pelo ensino da Arte nas
escolas.
O ensino da Arte respira com alívio nessa nova fase, os professores de
Arte se sentem estimulados com as novas regras e o expressivo aumento do
número de aulas de Arte.
O quadro de professores efetivos na rede sofreu pouca alteração, em
função do concurso público em 1998.
A Resolução SEE 1 de 06/01/2004 altera a 184 e o ensino de Arte nas
séries iniciais deixa de ser projeto e passa a caracterizar cargo para o
Professor de Educação Básica II (PEB II) de Arte.
Acontece um novo concurso público, em 2004, que aprova mais de
6.000 candidatos e todos os aprovados foram convocados para escolha entre
2005 e 2006. E o último concurso público em 2007, que aprovou mais de 3.000
candidatos.
Com o aumento do número de aulas de Arte, com a ampliação para as
aulas nas quatro séries iniciais do ensino fundamental e o incentivo do
programa de formação continuada da SEE e CENP na orientação geral
(centralizada) e as Oficinas Pedagógicas na orientação das jurisdições
(descentralizada), ocorreu um aumento expressivo de PEB II de Arte, efetivos
na rede.
De 2003 a 2009 houve um processo gradual de erradicação dos
professores de outras disciplinas e profissionais liberais com aulas de Arte
atribuídas, no processo de contratação de professores.
1.1 As influências do Nacionalismo Ideológico
Nacionalismo: Doutrina política que atribui à nação um valor absoluto,
considerando uma determinada nação como superior às outras,
valorizando tudo o que é nacional em detrimento do que é estrangeiro
(JUPIASSÚ e MARCONDES, 1996, p. 191).
O Nacionalismo Ideológico foi uma ‘bandeira’ dos modernistas, com
intuito de apresentar o Brasil aos brasileiros e enaltecer a cultura nacional.
A partir de 1920, o Brasil foi fortemente influenciado pelas idéias norteamericanas sobre “desenvolvimento do impulso criativo” e através de Anísio
Teixeira e Nereu Sampaio, influenciados pelo pensamento de Dewey, começou
no Brasil movimento de inclusão da Arte na escola primária como atividade de
expressão artística, a “livre expressão” (ROSA, 2005, p. 30).
Trata-se da tentativa de fazer acontecer as idéias da “Escola Nova”, que
estava sendo discutida nos Estados Unidos e reformando o ensino de Arte nos
seus territórios. Mas, a sociedade brasileira não viu com bons olhos esse
movimento liderado por artistas irreverentes, modernistas como Mario de
Andrade, Heitor Villa-Lobos, Anita Malfatti que intencionavam democratizar a
Arte, levando seus conceitos e fazeres para a escola pública.
No Brasil, o movimento escolanovista cresceu em intensidade após
1932, quando o Manifesto da Escola Nova, defendendo a adoção de
uma pedagogia apropriada às necessidades da industrialização e às
exigências democráticas, pregava a universalização da escola
pública, única, laica e gratuita como requisito essencial para o
progresso e o desenvolvimento do país (PINTO, LEAL e PIMENTEL,
2000, p.19).
A democratização da educação defendida por Anísio Teixeira –
Secretário de Educação do Distrito Federal no Rio de Janeiro – foi o elo entre
os homens da política, no estado de oposição com o estado de situação. Os
estudos sobre psicologia e comunismo traçaram as discussões sobre educação
como ciência e traz a criança as vistas de ser o centro do processo de
aprendizagem, a criança deixa de ser considerada adulto em miniatura e
fortalecem as pesquisas sobre aprendizagem, métodos e conteúdos escolares,
promovendo a inclusão da criança como sujeito (ROSA, 2005, p. .28).
Era uma elite conservadora querendo inovar para progredir, mas sem
abandonar suas raízes referenciais.
Dewey defendia educação libertadora, um direito a experiência vivida
onde habita a razão; contemporâneo de Teixeira, criticava a transmissão de
conhecimento como saber ligado a intelectualidade e memória e o fazer ligado
as técnicas emergentes do cotidiano. Criticava também, a preocupação da
educação tradicional com o futuro, o saber e o fazer agora, para servir ao
futuro.
A limitação do entendimento ao conceito de Dewey sobre educação,
está presente no seu conceito de experiência.
O saber, na educação racional – tradicionalista – já está pré-elaborado e
pronto para ser transmitido. O conceito de experiência de Dewey defende que
o aluno deve participar da construção do conhecimento, seu interesse deve
servir como instrumento para esta construção.
A passagem da República Velha pra República Nova na década de 30
do século XX estruturou a escola como a conhecemos hoje, com divisão por
conteúdo curricular, carga horária, divisão por faixa-etária de alunos e
concebeu a escola primária e secundária, com importante marco na Reforma
Francisco Campos para o ensino secundário (TENÒRIO, 2009, p. 4).
A história do ensino da Arte no período da Escola Nova é contada de
forma fragmentada. Conta-se sobre a história do ensino do desenho e da
música, separadamente. Como se não acontecessem para os mesmos alunos
e nas mesmas escolas.
É passível de compreensão que o ensino da música e o ensino das artes
plásticas (mais especificamente desenho) sejam contados distintamente.
Foram grupos diferentes, com interesses políticos diferentes que elaboraram
suas concepções de ensino da Arte.
Esta visão da educação se assentava numa convergência entre o
pensamento de Durkheim (educação como transmissão da cultura e
da tradição) e o de Dewey (educação como construção da
experiência social), enriquecida por outras fontes como Marx Weber,
Mannheim, Marx (PINTO, LEAL e PIMENTEL, 2000, p. 20).
E os artistas, os educadores e os políticos convergiam com o Ideológico
Nacional e com as idéias da Escola Nova.
Neste período havia um esforço político em enaltecer as tradições
nacionais, as cores iluminadas do território brasileiro, o imaginário nacional, as
manifestações populares em geral. Com essa idéia o Brasil construiu sua
identidade e passou a exportar sua força artística e política.
Da segunda metade da década de 40 até a primeira metade da década
de 50 a ditadura do governo Vargas se opõe aos liberais, que é o caso dos
Pioneiros da Educação Nova e Teixeira e Azevedo, defensores do
escolanovismo.
Teixeira vai para a Bahia e as práticas nas escolas públicas do Rio de
Janeiro, São Paulo e Minas Gerais – locais de ascensão dos ideais liberais –
passam a ser tradicionalistas e inacessíveis as idéias da livre expressão da
criança.
Com a queda de Getulio Vargas, os interesses nas idéias da Escola
Nova emergiram novamente e as práticas tradicionais do desenho clássico, o
geométrico e o canto decorado de músicas cívicas começam a ser
contestados.
A Escolinha do Brasil se espalha e se fortalece em convênios
estabelecidos com instituições privadas para formação de professores e passa
a prestar consultoria para o sistema público de educação.
1.2 A política em defesa do ensino da Arte na escola pública, por meio da
Educação Artística
Para o ensino da música, Heitor Villa-Lobos foi personalidade muito
relevante nas décadas de 30 a 50. Executou um projeto nacionalista, com
intuito de oferecer alfabetização musical em massa, nas escolas públicas.
Apesar de Villa-Lobos ter sido o principal nome deste período, não se
pode deixar de citar que em São Paulo, Carlos Alberto Cardim, João Gomes
Júnior e os irmãos Lázaro e Fabiano Lozano são educadores que trabalharam
o canto orfeônico, como forma de socialização da música, já na década de 20
(LISBOA e KERR, 2005 p. 3).
O projeto de Villa-Lobos teve início no Rio de Janeiro, por meio do
Decreto nº 19.890, assinado pelo presidente Getulio Vargas em 18 de abril
1931, tornou o canto orfeônico disciplina obrigatória nos currículos escolares
nacionais. Foi posteriormente substituído pela disciplina educação musical, por
meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 4.024, de 1961.
Mario de Andrade e Anita Malfatti, influenciados pelo expressionismo e
com interesses na psicanálise freudiana, introduzem a idéia da livre expressão
para crianças em São Paulo. Era a idéia que a Arte não pode ser ensinada,
mas expressada.
Por meio do desenho, foi entendido por muitos que a missão da Arte na
Educação era a de promover experiências terapêuticas. Isso movimenta
entusiasmados artistas e psicólogos, que foram os grandes divulgadores
desses novos conceitos de Arte-Educação, através do desenho.
Contudo, na primeira metade do século XX, o desenho foi trabalhado na
escola de forma contraria às concepções escolanovista. Foi trabalhado como
Desenho
Geométrico,
Desenho
Natural
e
Desenho
Pedagógico
com
metodologia que centrava no professor os modelos a ser transmitidos aos
alunos em um aspecto funcional, imediato, que visava desenvolver habilidades
para o mercado de trabalho. Era longe de ser uma experiência estética.
No regime republicano de Getulio Vargas, a idéia de democratização da
arte foi a oferta de acesso a toda população de alunos de qualquer classe
social.
E para garantir esse acesso, além de instituir obrigatoriedade do ensino
de música, canto orfeônico e o direito da atividade de desenho. No entanto, por
questões da política do período, nas escolas públicas o canto orfeônico eram
de caráter folclórico, cívico e de exaltação; e o desenho era um trabalho de
transmissão de técnicas e modelos.
Neste período, Heitor Villa-Lobos defende a música, e o músico, na
educação pública brasileira. As ações de Villa-Lobos abrem as portas para que
artistas de outras modalidades encontrem os caminhos de enaltecer seus
trabalhos, fazendo sobreviver a Arte como importante área da cultura neste
país.
Villa-Lobos através de seu prestígio como artista, profissional e político
desencadeou meios de sobrevivência dos artistas brasileiros, em um período
histórico marcado por guerras, recessões e crises financeiras, num lugar onde
a cultura nacional estava disposta a esquecer-se da Arte e do artista.
O Brasil estava interessado em crescer economicamente investindo em
tecnologia imediatista, que melhorasse e resolvesse os anseios da vida
cotidiana de forma rápida e eficiente. Para tanto, o artificial da vida moderna
torna-se mais cobiçado que o natural, quando nos referimos a alimento,
vestimenta,
utensílios
de
uso
pessoal,
eletrodomésticos,
automotivos,
tecnologia indústria e escritório, como também a medicina.
Neste contexto cultural, Villa-Lobos escreveu um memorial ao
Presidente Getúlio Vargas, que foi entregue em 12/02/1932, que consta como
anexo desta dissertação, do qual selecionei partes para discorrer análise:
... vem o signatário, por este intermédio, mostrar a Vossa Excelência
o quadro horrível em que se encontra o meio artístico brasileiro, sob o
ponto de vista da finalidade educativa que deveria ser e ter para os
nossos patrícios, não obstante sermos um povo possuidor,
incontestavelmente, dos melhores dons da suprema arte.
Villa-Lobos demonstra a Vargas sua preocupação com a inatividade
profissional dos artistas deste país. Ele comenta sobre os artistas plásticos,
artistas do teatro e da dança, da poesia e, principalmente, os músicos.
O elo político entre as idéias modernistas e as idéias do positivismo
republicano foi o ideológico nacional. Um ímpeto de enaltecer o produto
nacional: a cultura, as crenças, a técnica e a indústria nacional.
Desenvolvimento era compreendido, pela gestão Vargas, como domínio
industrial e tecnológico; com meios imediatistas de saúde pública e
desenvolvimento urbano. Contudo, com a influência dos modernistas –
liderados
por
artistas
–
desde
culinária
à
toda
expressão
artística
tradicional/folclórica, havia interesse político e investimento para divulgação,
até mesmo internacional, do produto desta nação. E foi neste contexto que
Carmen Miranda foi lançada ao sucesso internacional.
Outro trecho importante do memorial, para ser analisado:
Peço ainda permissão para lembrar a Vossa Excelência que é
incontestavelmente a música, como linguagem universal que melhor
poderá fazer a mais eficaz propaganda do Brasil, no estrangeiro,
sobretudo se for lançada por elementos genuinamente brasileiros,
porque desta forma ficará mais agravada a personalidade nacional,
processo este que melhor define uma raça, mesmo que esta seja
mista e não tenha tido uma velha tradição.
Como homem político Villa-Lobos defendeu a Arte e o Artista, como
educador defendeu o ensino obrigatório de música para democratizar em todas
as classes sociais e em todo o país a identidade musical nacional. E, por tanto,
os músicos como profissionais a serviço da educação.
E, por fim:
Mostre Vossa Excelência senhor presidente, aos derrotistas
mentirosos ou aos pessimistas que vivem não acreditando num
milagre da proteção do governo às nossas artes, que Vossa
Excelência é de fato lutador consciente e realizador, tornando,
incontinenti, numa realidade o Departamento Nacional de Proteção às
Artes. E com isto Vossa Excelência terá salvo nossas artes e nossos
artistas, que bendirão toda a existência de Vossa Excelência. - Seu
humilde patrício. Heitor Villa-Lobos.
Desta forma, com o apoio governamental, Villa-Lobos deu seus
primeiros passos para criar cursos de música e canto orfeônico, no intuito de
instrumentalizar os professores. Pode-se considerá-lo como o precursor –
acredito que inconsciente – da Escolinha de Arte do Brasil, como também, de
estruturar currículo do ensino da Arte no Brasil, como está no momento.
Não por suas idéias e metodologias, mas por seu ímpeto em
organização e articulação política.
Acredito que Villa-Lobos não teve a intenção de estruturar o currículo do
ensino de Arte, no qual o professor tenha formação inicial incompatível com a
função de Professor de Arte e a incumbência de trabalhar música, dança teatro
e artes visuais – como acontece com o PEB II de Educação Artística na
Secretaria de Estado da Educação em São Paulo – contudo o meio encontrado
por ele, na estruturação da obrigatoriedade do ensino de música, abriu
caminhos para outras modalidades da arte também fixarem importância na
formação escolar da educação básica.
O programa de formação de professores, estruturado por Villa-Lobos,
esbarrou em dificuldades na orientação aos professores, pois o ensino da
linguagem musical não é estruturado da mesma forma que nos conservatórios,
numa teoria baseada nos aspectos matemáticos da linguagem musical e
memorização das peças para o canto orfeônico, como ordena o ensino
tradicional.
A relação do ensino da música com a metodologia tradicionalista nas
escolas públicas foi alvo de críticas, pelos defensores do escolanovismo.
A partir de 1948, com a criação da Escolinha de Arte do Brasil, pelo
artista e educador Augusto Rodrigues no Rio de Janeiro, novos horizontes se
abriram para outros conceitos de Arte-Educação, e o objetivo mais difundido
passou a ser o desenvolvimento da capacidade criadora (BARBOSA, 1985, p.
46).
Foi um período rico para o ensino da Arte, porque trouxe à tona as
discussões sobre um ensino voltado para o desenvolvimento do aluno, com
ênfase na criação e no processo individual.
As influências do educador
Augusto Rodrigues vinham de autores e artistas que defendiam o processo
individual e que compreendiam que o conhecimento artístico e a expressão são
indissociáveis.
No entanto, não dados expressivos de ocorrências de
transformações nas salas de aula.
Foi importante momento de discussão com os professores em formação,
por convênio com as secretarias ou por procura espontânea.
A Escolinha de Arte do Brasil reuniu profissionais das Artes Plásticas,
Teatro e Música interessados em estabelecer as linguagens/modalidades
artísticas no processo de educação das crianças na escola pública.
Empenharam-se em organizar sequências didáticas para ensinar professores
para trabalhar a expressão artística na escola. Mais tarde esses programas
tornaram-se currículo para o ensino superior, na formação de professores de
Educação Artística.
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira de 1961, o
canto orfeônico é substituído por Educação Musical e o ensino de Desenho,
Desenho Geométrico e Artes Plásticas também fazem parte do cenário escolar.
Porém, existiam pouquíssimos cursos de formação de professores para essas
aulas e, por conta disso, professores de outras matérias com habilidades para
assumirem essas aulas ou artistas e estudantes de conservatórios, escola de
belas artes e etc, podiam assumir essas aulas.
Em 1971, na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com
o titulo de Educação Artística, a arte foi incluída no currículo escolar como
Atividade Educativa a ser trabalhada nas linguagens artísticas: Artes Plásticas,
Artes Cênicas e Educação Musical (PCN, 2001, V. 6, p. 28).
No entanto, por se tratar de Atividade somada à falta de formação adequada
nas linguagens das Artes Plásticas, das Artes Cênicas e Educação Musical, foi
importante empecilho para o entendimento do professor sobre sua função, o
quê e como ensinar.
Consequentemente houve professores que buscaram conforto nos
trabalhos manuais, outros nos livros didáticos inspirados nos documentos
oficiais, os quais não orientavam referências teóricas e nem explicitavam
fundamentos teóricos/metodológicos.
Os cursos de formação Educação Artística, no intuito de atender a
demanda desse novo mercado estavam voltados para transmissão de técnicas,
sem base conceitual e sem levar em conta a própria história que desencadeou
na nova lei.
Nos anos 80 surgiu o movimento Arte-Educação que uniu professores
de Educação Artística e profissional dos equipamentos culturais, com intuito de
rever e propor novos andamentos à ação educativa em Arte (PCN, 2001, V.6,
p. 30).
Este foi um período de força dos grupos organizados. Com a
promulgação da constituição de 1988, as Diretrizes e Bases da Educação
precisou ser pensada para atualizar-se no cenário pós-moderno.
Em 20 de dezembro de 1996, foi sancionada a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, na qual contém os dizeres:
O ensino de Arte constituirá componente curricular obrigatório, nos
diversos níveis da educação básica de forma a promover o
desenvolvimento cultural dos alunos (LDB, 1997, 7ª Ed., p. 38).
Com fortes influências do movimento modernista, a LDB de 1996 nos
traz o conceito de educação básica: educação infantil, ensino fundamental e
médio; oferta gratuita, laica, obrigatória e de direito a todos.
A introdução do documento nos relata sobre os impedimentos de não se
ter atingido, no final do século XX, as metas de alfabetização em massa,
continua inatingível a universalização do ensino fundamental, escrito no
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (MPEN) no inicio desse século, por
conta da falta de valor devida à educação, por parte dos que mais precisam
dela (LDB, 1996, 7ª Ed., p. 7).
O manifesto escrito em março de 1932, foi assinado por vinte e seis
importantes nomes na defesa da Educação Nova deste país, entre esses
nomes estão Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, políticos defensores do
Movimento Escola Nova.
É um documento que registra crítica, por parte dos Pioneiros da
Educação Nova, sobre o tratamento arcaico e inadequado destinado a
educação,
os
quais
apresentam
entender
ser
um
dos
pilares
do
desenvolvimento de um país.
(...) se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende
de suas condições econômicas, é possível desenvolver as forças
econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças
culturais (...) Onde se procura a causa principal (...) é na falta, em
quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins de
educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto
técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação (...) na
falta do espírito filosófico e científico, na resolução dos problemas da
administração escolar. Esse empirismo grosseiro, que tem presidido
ao estudo dos problemas pedagógicos, postos e discutidos numa
atmosfera de horizontes estreitos, tem as suas origens na ausência
total de uma cultura universitária e na formação meramente literária
de nossa cultura (MPEN, 1932).
O documento MPEN, em anexo, revelou um plano de reforma
educacional, que implicou na obrigatoriedade da educação laica, unificada para
todos. É uma proposta que responsabiliza o Estado a oferecer educação
gratuita em todos os níveis e estabelecer as diretrizes para todo o território
nacional.
Na década do século XX que foi sancionada a Nova LDB, a introdução
do documento ainda revela que o número de escolas públicas do ensino
fundamental oferecia 95% das vagas (p. 7). No entanto, a avaliação – que
gerou a Nova LDB – constatou que houve muitos equívocos estruturais no
âmbito físico e no currículo. E a Cultura da Repetência reforçava a
desvalorização da educação nas famílias mais humildes incitando a atração por
abandonar a escola para ajudar no trabalho da família ou ingressar no mercado
de trabalho.
O processo da história da educação demonstra que, mesmo sujeito a
negação, parte-se de primícias a edificação nessa concepção de unidade.
No que diz respeito ao ensino da Arte, os documentos oficiais são
fundamentais na sua estruturação, contudo é apenas o inicio.
CAPÍTULO 2
A formação dos professores para o ensino da Arte
A experiência é o que nos passa, o que nos acontece,o que nos toca.
Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia
se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos
acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para
que nada nos aconteça (BONDÍA, 2002, p. 21).
Até a República Nova, eram os artistas que ensinavam Arte. Bastava
profissionalizar-se, enquanto artista, ou comprovar habilidades, para ser
convidado ou contratado para a atividade da música ou do desenho na sala de
aula.
Com as ações de Villa-Lobos, para a defesa da Arte e do artista na
educação brasileira, a formação do professor precisou ser pensada, para
atender aos objetivos educacionais e a própria defesa da importância da Arte
na formação cívica e cultural dos cidadãos brasileiros. E para tanto foram
criados e organizados cursos de especialização em canto orfeônico para
professores, voltados para o ensino dessas linguagens nas escolas.
Villa-Lobos se empenhou no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, para
socializar o canto orfeônico. Enquanto Diretor de Serviço de Educação Musical
e Artística – SEMA – do Departamento de Educação Complementar do Distrito
Federal, fundou cursos de aperfeiçoamento e especialização, organizou
grandes eventos com apresentações públicas com muitas vozes – incluindo
alunos, professores e Militares – e, neste momento, os primeiros registros da
inclusão de dança nas escolas, em parceria com Educação Física.
Nos programas orfeônicos, difundidos pelo SEMA, uma das atividades
culturais organizadas eram os Bailados Artísticos que consistiam num
programa em que participavam alunos selecionados das escolas públicas –
alunos revelados pelo ensino de educação física e estudantes de desenho que
demonstrassem aptidão para a cenografia, com a finalidade de criar bailados
com temática essencialmente brasileira.
Continuando o empenho da educação musical e artística, por VillaLobos, no ano de 1942, por meio do Decreto-Lei nº 4.993, de 26 de novembro,
foi estabelecido o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico (CNCO), criado
pelo Ministério da Educação e Saúde. Essa instituição tinha como incumbência
formar candidatos ao magistério do canto orfeônico nos
estabelecimentos de ensino primário e de grau secundário, estudar e
elaborar as diretrizes técnicas gerais que devam presidir ao ensino do
canto orfeônico em todo o país, realizar pesquisas visando à
restauração ou revivescência das obras de música patriótica que
hajam sido no passado expressões legítimas de arte brasileira e bem
assim ao recolhimento das formas puras e expressivas de cantos
populares do país, no passado e no presente e promover, com a
cooperação técnica do Instituto Nacional de Cinema Educativo, a
gravação em discos do canto orfeônico do Hino Nacional, do Hino da
Independência, do Hino da Proclamação da República, do Hino à
Bandeira Nacional e bem assim das músicas patrióticas e populares
que devam ser cantadas nos estabelecimentos de ensino do país
(VILLA-LOBOS, 1937, p. 22).
E aos poucos, o surgimento de cursos em outros Estados subordinados
à fiscalização e regulamentação do CNCO, que passaram ao controle do
Governo Federal.
Já em 1943, em São Paulo, o Instituto Musical São Paulo – sob a
direção do Maestro João Batista Julião – mantinha o curso de Canto Orfeônico,
equiparado ao modelo CNCO e em 19 é criado, a partir do Instituto Musical
São Paulo, o Conservatório Paulista do Canto Orfeônico e o Conservatório
Estadual de Canto Orfeônico de São Paulo (CECO) em 1951, criado a partir do
Curso de Especialização de Professores de Canto Orfeônico que existia, desde
1949, anexo ao Instituto Caetano de Campos na capital paulista.
É no decreto-lei nº 9.494, de 22/07/1946, que promulga a Lei Orgânica
do Ensino de Canto Orfeônico (que contém, entre outros, os programas e a
grade curricular a ser ministrada no CNCO), que define as diretrizes para
preparar os candidatos a ministrar aulas de canto orfeônico nas escolas
publicas em âmbito nacional.
A Escolinha de Arte do Brasil, criada em 1948 pelo artista e educador
Augusto Rodrigues com bases na livre expressão tinha como preocupação em
compreender a Arte como expansão da imaginação, criatividade, intuição e
inteligência. O processo de trabalho era espontâneo e o papel do professor era
de estimulador da atividade. O aluno deveria deixar aflorar o conhecimento,
através do material existente. Sendo, sem dúvidas, um trabalho de formação
de
professores
que
disseminou
uma
pratica
pedagógica
que
ainda
reconhecemos na escola (ROSA, 2005, p. 33).
Além da formação de professores, em canto orfeônico, houve a
necessidade de formar profissionais técnicos na área de serviços de cópias,
gravação e impressão de música, devido ao aumento da demanda decorrente
da expansão dos horizontes da prática orfeônica, percebido e oferecido pelo
órgão CNCO, dirigido por Villa-Lobos até o ano de sua morte em 1959.
2.1
Sobre a organização do canto orfeônico nas escolas públicas
Villa-Lobos declara:
Nas escolas primárias e secundárias, o que se pretende, sob o ponto
de vista estético, não é a formação de um músico mas despertar nos
educandos, as aptidões naturais, desenvolvê-las abrindo-lhes
horizontes novos e apontando-lhes os institutos superiores da arte
onde é especializada a cultura (VILLA-LOBOS, 1937, p. 23).
O canto orfeônico é uma modalidade francesa de iniciação musical. Sem
exigir grande conhecimento de técnica vocal ou estrutura harmônica, é possível
conhecer basicamente estrutura sonora, praticar os conhecimentos reunidos ao
conjunto de vozes, sem as exigências e especificidades da profissionalização
do canto coral.
Pode-se observar que o ensino de música nas escolas públicas foi
estruturado por legislação, enquanto que a Escolinha de Arte e as demais
tentativas de formação de professor, para a inserção da linguagem artística do
teatro e desenho na sala de aula para crianças e adolescentes foram iniciativas
informais, que buscaram expressão no convencimento dos seus argumentos.
O Manifesto Pioneiro da Escola Nova, também conhecido como
Manifesto dos Modernista, na primeira metade do século XX, cita plano para:
função educacional, processo educativo, reconstrução educacional e formação
de professores.
Sobre a formação de professores o Manifesto Pioneiro da Escola Nova,
conhecido como Manifesto dos Modernistas observa:
Se o estado cultural dos adultos é que dá diretrizes à formação da
mocidade, não se poderá estabelecer uma função e educação
unitária da mocidade, sem que haja unidade cultural naqueles que
estão incumbidos de transmiti-las (MPEN, 1932).
O Manifesto defende a formação universitária dos professores. Critica
sobre os professores universitários que atuam na formação docente não serem
do magistério e não conhecerem sobre os problemas didático/pedagógicos na
escola. E explicita maus salários dos professores de educação primária.
Os elaboradores do Manifesto Pioneiro da Escola Nova avaliam que a
escola não pode ser isolada. Pois, por meio da educação se forma a
sociedade, portanto a escola tem que fazer parte da sociedade, se relacionar
com a família, com outras instituições da comunidade e com empresas, no
intuito de fazer parte e estimular o sentimento de pertencimento e valorização
da escola.
Os próprios modernistas estimularam a permanência de artistas na
educação pública, como por exemplo, Anita Malfatti contratada para ministrar
aulas de desenho para crianças e os músicos contratados como instrutores de
canto orfeônico nos cursos de formação para professores de educação
musical.
O Serviço Nacional de Teatro, sob a orientação de Orlando Miranda,
resolveu contratar especialistas em Teatro Educação para ministrar cursos
intensivos, com a colaboração das Secretarias de Educação de diversos
Estados.
Seguindo os modelos de cursos em desenho e música, tinha o objetivo
de
oferecer
aos
professores
bases
para
desenvolverem
trabalhos
fundamentados nos conceitos de Teatro na Educação, para derrubar a idéia
equivocada de montagem de pecinhas ou organização de comemorações
cívicas (SLAD, 1978, p. 9).
Os cursos foram realizados em muitas partes do Brasil, com programa
planejado para sessenta horas e se desenvolvendo e ampliando para mais dois
cursos de complementação com sessenta horas cada.
Com a Lei 5.692/71, a arte é incluída no currículo com o título de
Educação Artística, como atividade educativa. A Lei define que a formação dos
professores para esta atividade educativa ocorre em nível superior.
Com a regulamentação da formação em nível superior do curso de
Licenciatura em Educação Artística de curta ou plena duração, conforme a Lei
5.692/71, utilizou-se os programas dos cursos de formação foram as bases
estruturais da matriz curricular do nível superior:
CAPÍTULO V
Dos Professores e Especialistas
Art. 29. A formação de professores e especialistas para o ensino de
1º e 2º graus será feita em níveis que se elevem progressivamente,
ajustando-se as diferenças culturais de cada região do País, e
com orientação que atenda aos objetivos específicos de cada grau,
às características das disciplinas, áreas de
estudo
ou
atividades e
às
fases de desenvolvimento dos educandos
(LDB 5.692/71).
Pensar em fases de desenvolvimento dos alunos sob a forte influência
da educação tecnicista justifica os equívocos cometidos no entendimento do
conceito Arte a favor do desenvolvimento do sujeito, cuja Arte é inerente.
O conhecimento, de qualquer componente curricular, é propositor
de ordenações internas que se articulam e desenvolve criatividade, raciocínio e
ampliam o vocabulário e as referências, pessoais, transformando em
instrumentos de formação e transformação do sujeito e o meio em que vive.
Saber construir um objeto artesanal ou reproduzir movimentos de uma
determinada dança não representa desenvolvimento educacional, pessoal ou
profissional. Contudo, conhecer um objeto artesanal, sobre a região onde ele é
produzido, o pensamento de quem o produz, o material que a natureza local
oferece a tonalidade praticada por conhecimento técnico e o pensamento
estrutural que define o objeto como “Artesanato” ou conhecer sobre os
movimentos de uma dança regional/étnica, entender como o movimento
representa a cultura local, a composição com o figurino e a estrutura sonora e
conhecer o pensamento estrutural sobre o movimento cênico desencadeia
articulações internas que ampliam repertório e experiência íntima, que auxiliam
em escolhas/decisões necessárias para viver como cidadão atuante.
A partir da lei 5.692/71, o ensino da Arte nas escolas e a formação dos
professores sofreram influências de leis federais, como a Constituição de 1988:
Constituição de 1988:
CAPÍTULO III
DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO
Seção I
DA EDUCAÇÃO
(...) Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e
da família, será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação
para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes
princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento,
a
arte
e
o
saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e
coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV gratuidade
do
ensino
público
em
estabelecimentos
oficiais;
V - valorização dos profissionais do ensino, garantido, na
forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso
salarial profissional e ingresso
exclusivamente por concurso
público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para
todas
as
instituições
mantidas pela União;
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.
(...) Art. 208. O dever do Estado com a educação será
efetivado
mediante
a
garantia
de:
(...) V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da
pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
(...) Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino
fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e
respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais
(Constituição de 1988).
Este
texto
é
uma
introdução,
para
entendermos
sobre
as
regulamentações que influenciaram o ensino de Arte e a formação dos
professores de Arte na educação básica.
Para tanto a legislação que regulamenta a formação de professores, Lei
5.692/71, orienta o currículo da educação superior. Necessita esclarecer e
definir as bases filosóficas, que argumentam as orientações.
Em continuidade da lei:
Art. 30. Exigir-se-á como formação mínima para o exercício do
magistério:
a) no ensino de 1º grau, da 1ª à 4ª séries, habilitação específica de 2º
grau;
b) no ensino de 1º grau, da 1ª à 8ª séries, habilitação específica de
grau superior, ao nível de graduação, representada por licenciatura
de 1o grau, obtida em curso de curta duração;
c) em todo o ensino de 1º e 2º graus, habilitação específica
obtida em curso superior de graduação correspondente a
licenciatura plena.
§ 1º Os professores a que se refere a letra "a" poderão
lecionar na 5ª e 6ª séries do ensino de 1º grau se a sua
habilitação houver sido obtida em quatro séries ou, quando em
três, mediante estudos adicionais correspondentes há um ano
letivo que incluirão, quando for o caso, formação pedagógica.
§ 2º Os professores a que se refere a letra "b" poderão
alcançar, no exercício do magistério, a 2ª série do ensino de º
grau mediante estudos adicionais correspondentes no mínimo
há um ano letivo.
§ 3º Os estudos adicionais referidos aos parágrafos anteriores
poderão ser objeto de aproveitamento em cursos ulteriores.
Art. 31 As licenciaturas de 1º grau e os estudos adicionais
referidos no § 2º do artigo anterior serão ministrados nas
universidades e demais instituições que mantenham cursos de
duração plena.
Parágrafo único. As licenciaturas de 1º grau e os estudos
adicionais, de preferência nas comunidades menores, poderão
também ser ministradas em faculdades, centros, escolas,
institutos e outros tipos de estabelecimentos criados ou
adaptados para esse fim, com autorização e reconhecimento
na forma da Lei (Lei 5.692 de 1971).
Os professores de educação musical, desenho e artes manuais – neste
período – não tinham formação nos termos da lei.
Passou-se longo período para que os interessados em lecionar, nesta
área do conhecimento, na educação concluíssem todo o processo de
educação superior. Trata-se do período na nossa história em que chegar a
matricular-se em educação superior era para poucos.
E mesmo para poucos, quando se trata de formação inicial em Arte, o
currículo e seus mestres deixaram muito a desejar, principalmente quando
confundiram linguagem artística com formação específica do artista.
E por depender da procura dos candidatos neste componente curricular
da educação básica, consequentemente, a falta de professores com formação
superior, fez-se prever na lei:
Art. 34 A admissão de professores e especialistas no ensino oficial
de 1º e 2º graus far-se-á por concurso público de provas e
títulos, obedecidas para inscrição as exigências de formação
constantes desta Lei.
Art. 40 Será condição para exercício de magistério ou
especialidade pedagógica o registro profissional, em órgão do
Ministério da Educação e Cultura, dos titulares sujeitos à formação
de grau superior.
CAPÍTULO VIII
Das Disposições Transitórias
Art. 77 Quando a oferta de professores, legalmente
habilitados, não bastar para atender às necessidades do ensino,
permitir-se-á que lecionem, em caráter suplementar e a título
precário:
(...) c) no ensino de 2º grau, até a série final, os
portadores de diploma relativo à licenciatura de 1º grau.
Parágrafo único. Onde e quando persistir a falta real de professores,
após a aplicação dos critérios estabelecidos neste artigo,
poderão ainda lecionar:
(...) c) nas demais séries do ensino de 1º grau e no de 2º grau,
candidatos habilitados
em exames de suficiência
regulados pelo Conselho Federal de Educação e
realizados
em instituições oficiais de ensino superior indicados
pelo mesmo Conselho.
Art. 78 Quando a oferta de professores licenciados não bastar para
atender às necessidades do ensino, os profissionais diplomados
em outros cursos de nível superior poderão ser registrados no
Ministério da Educação e Cultura, mediante complementação de
seus estudos, na mesma área ou em áreas afins onde se inclua a
formação pedagógica, observados os critérios estabelecidos elo
Conselho Federal de Educação (Lei 5.692/71).
Uma análise do ensino da Arte nas escolas públicas desde o século XX,
passando pela regulamentação da disciplina de Educação Artística, a formação
de professores e os impasses da contemporaneidade, com conteúdos em Artes
Plásticas, Música, Dança e Teatro conforme a Lei 5.692/71 nos revela sobre as
tendências em sala de aula da especificidade do assunto em Artes Plásticas,
hoje se referindo as Artes Visuais, por conta da formação inicial dos
professores, cujo ensino superior cada vez mais se preocupa com a
especialização da parte e não a formação do todo.
Os estudos científicos, realizados no Brasil, sobre o ensino da Arte nas
escolas tem início na ECA –USP São Paulo, com foco nas artes plásticas e
história da arte.
Creio que por tratar-se de atividades com técnicas definidas passo a
passo e a facilidade de transmiti-las para serem executadas individualmente –
o mesmo comando – essas práticas do ensino das artes plásticas e história da
arte – focado na pintura – passaram a fazer parte da formação inicial dos
professores e reproduzida, por estes, nas salas de aula da educação básica.
No primeiro ano da formação em Educação Artística, que cursei na
década de 90, em Artes Plásticas I no final do primeiro semestre, este curso
era anual, a professora ensinou a confeccionar lanternas chinesas, que
tradicionalmente são usadas como adorno nas festas juninas.
Cursei Educação Artística com Habilitação Plena em Música, no entanto
nos dois primeiros anos como professora das séries finais do primeiro grau e o
segundo grau eu sentia-me segura apenas para trabalhar Teatro, porque tive
um histórico de formação informal neste assunto.
Com as 5ª e 6ª séries eu arriscava transmitir técnicas básicas, que
aprendi na formação em Educação Artística, como por exemplo confecção de
tintas nas cores primárias e confecção de suportes alternativos. Neste caso o
objetivo das aulas foi trabalhar a teoria das cores.
Tanto mais é possível trabalhar com essa prática no que se refere à
criatividade, composição, escolas artísticas, imaginação, estilo, equilíbrio e etc.
Contudo, me detive na experiência pessoal da formação inicial.
Por ter participado da história, que agora questiono, eu também
desconfio da formação continuada conforme as legislações, em anexo,
Resolução SEE 121/90, que foi revogada pela resolução 62/05, que dispõe
sobre a formação continuada do professor da rede estadual de ensino nas
modalidades Orientação Técnica, Curso de Extensão e Curso de Atualização,
por órgão central SEE (Secretaria de Estado da Educação) e, ou, por órgão
regional OP (Oficina Pedagógica da Diretoria Regional de Ensino), pois
conforme publicação de Políticas Educacionais SEE
O planejamento do Programa de Formação Continuada definirá
prioridades e sistemáticas de capacitação, buscando aliar o trabalho
de fundamentação teórica com as vivências efetivas da rede,
preferencialmente
com
momentos
de
implementação
e
desenvolvimento de atividades no local de trabalho. A SEE também
irá coordenar a produção e distribuição de materiais didáticos e de
divulgação pedagógica que sejam fundamentais para o sucesso dos
processos de aprendizagem ou que contribuam para explicitar aos
educadores aspectos que são vitais ao seu trabalho, como é o caso,
por exemplo, de o que ensinar, para que ensinar, como ensinar e
como avaliar (SEE, 2006, p. 13).
Para ser continuidade da formação inicial, se faz importante que o
assunto seja do conhecimento do professor. Algo que foi visto na sua formação
inicial e que a formação continuada ofereça as diretrizes do como ser
trabalhado, o assunto, no sistema de ensino com objetivo de sucesso da
aprendizagem dos alunos.
Esta forma de formação continuada se faz presente nas demais matérias
do currículo e em alfabetização. No entanto, não é presente no ensino da Arte
porque a formação inicial do professor é compartimentada em uma
linguagem/modalidade artística.
Quando um professor com formação inicial em Artes Visuais, por
exemplo, não teve noção de Música, não é possível dar continuidade ao
assunto Música, por questões óbvias.
A Equipe de Arte da CENP (Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas), órgão da SEE (Secretaria de Estado da Educação de São
Paulo), realizou pesquisa nas Diretorias de Ensino do Estado de São Paulo,
questionando quantos professores de Educação Artística (Arte) atuavam, em
2006, na sala de aula nos seguimentos: Ciclo I (Ensino Fundamental das
quatro séries iniciais), Ciclo II (Ensino Fundamental das quatro séries finais) e
Ensino Médio; qual habilitação, em sua formação inicial.
As 90 Diretorias de Ensino distribuiu, em forma de questionário, a
pesquisa para as escolas de sua jurisdição, recolheu os questionários
respondidos pelos 3.880 professores na rede, neste ano, e tabulou os dados
transmitindo-os para CENP. O gráfico dos resultados foi este:
2.2 Informações sobre a formação dos professores de Arte da Rede
Pública Estadual de São Paulo.
(CENP, 2006).
O desenho e os trabalhos manuais foram as formas mais procuradas
pelos professores, no ensino escolar porque atendia aos interesses de
mercado, por conta da história do ensino clássico/tradicional da Arte e, por
décadas, foram montando acervo de modelos e técnicas com letras, adornos,
geométricos, naturais, esquemáticos, artesanatos e etc.
O acervo dessas atividades foi trocado como figurinhas pelos
professores e foram parar nos livros didáticos dos anos da ditadura militar.
Com a gratuidade do ensino e sua oferta garantida pelo Estado, desde a
constituição de 1961, o conhecimento estético artístico passa a compor
importância no cenário educacional, por compreender conhecimento cultural
humano.
Na última década do século passado, o ensino da Arte nas escolas
ainda não encontrou terreno firme e incontestável para fixar e progredir
enquanto área de conhecimento, na história do ensino.
Por ser uma das áreas da cultura é mais que justificada sua
permanência no currículo escolar, no entanto somos produtores de uma
história que conta a desqualificação do artista na sociedade, no início do século
XX, consequentemente o desinteresse por esta área da cultura na formação
escolar.
O processo histórico da educação brasileira deixou transparecer que o
ensino da Arte nas escolas atendia a interesses de desenvolvimento de
técnicas e conhecimento da utilização de materiais, de suprir necessidade do
mercado e sociocultural, sem discussão sobre cultura, diálogo, criatividade,
intuição... Isso é o que menos importa.
Com a LEI N. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, algumas revisões foram feitas para a
orientação sobre os professores habilitados para o exercício do magistério e os
interesses institucionais da educação brasileira, os quais estão registrados no
artigo primeiro:
Art. 1o A educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho,
nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
§ 1o Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve,
predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.
A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e a
prática social (9.394/96).
As revisões da Lei 5.694/71, que constituem a Lei 9.394/96, são
regulamentadas por decretos. Nesta Lei, também está definido os dois níveis
da educação básica, nas modalidades: educação infantil, ensino fundamental
e ensino médio e a educação superior.
O foco nos processos de ensino/aprendizagem e no desenvolvimento
das habilidades e competências, aumenta a necessidade da atenção na
formação inicial dos professores e ampliam-se as bases legais na formação
continuada, de responsabilidade das instituições educacionais, para compensar
as inconformidades da formação inicial, como por exemplo, o conhecimento
sobre pedagogia moderna, as relações entre a teoria/prática e os conteúdos
específicos da Arte; Arte para as séries inicias; Arte Contemporânea para
adolescentes e jovens; intersecção entre as linguagens/modalidades artísticas
e o desenvolvimento cultural dos educandos.
A Lei continua a prever aproveitamento da formação e experiências
anteriores, no caso das licenciaturas. Ou seja, parece ser um estímulo para
interessados com formação em outros componentes, do currículo da educação
básica, e de outras áreas a interessar-se pela formação na licenciatura em
Arte, como se pode observar no seu Artigo 61:
Art. 61 A formação de profissionais da educação, de modo a
atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de
ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do
educando, terá como fundamentos:
I - a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a
capacitação em serviço;
II - aproveitamento da formação e experiências anteriores em
instituições de ensino e outras atividades(Regulamentado pelo
Decreto n. 3276/99).
Art. 63 Os institutos superiores de educação manterão:
(Regulamentado pelo Decreto n. 3276/99)
(...) II - programas de formação pedagógica para
portadores de diplomas e educação superior que queiram se
dedicar à educação básica;
III - programas de educação continuada para os profissionais
de educação dos diversos níveis;
(LDB 9.394 de 1996).
As diretrizes da educação nacional e a formação de professores estão
entrelaçadas e ambos sofrem as influências e conseqüências da história que
produz.
O ensino da Arte, nesses moldes do trabalho com as quatro
linguagens/modalidades da arte, hoje tem amparo legal.
Ainda não citei os Parâmetros do Currículo Nacional, que também é
documento importante nessa discussão. Vou deixar para a discussão sobre
paridades e disparidades das influências filosóficas de Dewey e Deleuze, no
ensino da Arte na Secretaria de Estado da Educação de São Paulo.
Contudo, mesmo com os processos das políticas públicas para fazer
valer a concepção do ensino da Arte nas escolas públicas, é muito difícil a luta
contra a idéia do ensino da Arte ser encarado como momento de recreação. E
não podemos esquecer que além do despreparo dos professores ha, também,
falta de entusiasmo por parte de muitos.
Ouso crer, até então, que o desinteresse e o despreparo do professor
têm causa na formação inicial, por conta da especialização – muito superficial –
em uma linguagem/modalidade artística.
Nos livros de história da Arte, das décadas de 80 e 90, pode-se dizer
que é inexistente as relações com outras modalidades da arte além das Artes
Visuais.
Se Arte é inerente ao homem, o artista da imagem, música e artes
cênicas foi influenciado pelo mesmo pensamento do período, mesma política,
filosofia, mesmo massacre, beleza e descobertas.
Além do mais, não se pode deixar de perceber que o pensamento
registrado nas artes visuais é o mesmo na dança, música e teatro. Portanto
conhecer Arte é conhecer as formas como ela comunica o pensamento que
permeia o homem, sempre no presente de quem produz a manifestação
artística.
Saber ler esse pensamento em uma linguagem/modalidade artística e
não saber fazer conexões com as outras, poda o sujeito de ser conhecedor de
seu tempo, oferecendo sensação de incapacidade de entender o todo ao seu
redor. Dessa forma não se torna competente leitor do mundo que o circunda.
A Resolução SEE 121/90 – Secretaria de Estado da Educação de São
Paulo – regulamenta a formação continuada dos professores, em efetivo
exercício,
organizado
por
órgão
centralizado
(SEE/CENP/FDE)
ou
descentralizado (Oficina Pedagógica) na Diretoria de Ensino Regional.
Esta Resolução foi revogada pela Resolução SEE 62/05, que mantém a
formação continuada dos professores em efetivo exercício e amplia para a
promoção de cursos de formação continuada gerenciados pelas Oficinas
Pedagógicas, fora do horário de trabalho dos professores, homologado pela
CENP
com
professores.
certificação
regulamentada
para
evolução
funcional
dos
O Conselho Estadual de Educação, na Indicação CEE nº 220/01, sobre
Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental no Sistema de Ensino do
Estado de São Paulo define como princípios:
Zelar por medidas que assegurem o acesso ao saber à todos os alunos
1. Valorizar a participação e a inserção infantil e juvenil nas escolas
2. Envolver as famílias no trabalho escolar
3. Promover controle social sobre a qualidade do atendimento educacional
A CCE Promulga para que o processo ensino e aprendizagem atenda as
orientações legais, com bases na pedagogia e na influência filosófica. Os
quais, para serem atendidos, há de se suprir os anseios dos professores,
quanto às deficiências da sua formação inicial.
Em resumo, este capítulo discorre sobre a história da formação inicial do
professor de Arte com bases na legislação.
Ao tomar como ponto de partida a Lei 5.692/71, podem-se elencar
inconformidades apresentadas por ter professores do Ensino Superior
especializados em uma das linguagens artísticas, com programa de formação
artística, não docente e sem noção sobre as dificuldades nos processos do
ensino da Arte para crianças e adolescentes, por não se ter conhecimento dos
estudos pedagógicos sobre didática e metodologia, filosofia da educação, Arte
na educação, fases da aprendizagem, organização discente, articulação
docente e investigação cientifica.
Apresenta
inconformidades,
também,
por
oferecer
Licenciatura
compartimentada, com habilitação em uma linguagem/modalidade artística,
desconsiderando seu conhecimento como um todo e estimulando os
professores a conformarem-se com modelos copiados e descontextualizados
de técnica simplista e somente se conectando com os outros componentes
curriculares por meio de decoração ou a serviço de um conteúdo específico
que não o seu.
No Estado de São Paulo, o professor com formação inicial em uma
linguagem/modalidade específica assume o cargo ou é contratado para
trabalhar quatro linguagens da Arte – Artes Visuais, Dança, Música e Teatro –
conforme orienta os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental (1997, p. 42).
Na bibliografia destinada para o concurso público de provimento de
cargo para Professor de Educação Básica II de Arte, constam autores que
discorrem sobre Dança, Teatro, Música e Artes Visuais; sobre a história, as
influências, as tendências e as conexões com a educação.
No último processo seletivo, para contratação de professores, em 13 de
dezembro de 2009, a prova foi dividida em duas partes: questões gerais e
específicas.
As questões gerais foram formuladas sobre assuntos de autores da
Pedagogia e com documentos da legislação e as questões específicas foram
formuladas sobre assuntos de autores da Música, da Dança, Teatro e Artes
Visuais.
E sobre os assuntos da Música, foram formuladas questões com termos
conhecidos por baixareis em Música, um vocabulário distante dos docentes de
educação básica (2009, p. 14-17).
Porém, conforme pesquisa da CENP, citada neste capítulo, 70% dos
professores tem formação inicial em Artes visuais, na rede pública estadual de
São Paulo.
Não creio que, diante dos dados da pesquisa da CENP, os alunos
deixarem de ter contato com música, dança e teatro, por conta da deficiência
na formação inicial do professor, venha a ser melhor solução.
CAPÍTULO 3
As influências no ensino da Arte na escola: do modernismo à
contemporaneidade
Na medida em que se crê na continuidade entre conhecimento
comum e conhecimento científico, procura-se reforçá-la: busca-se
considerar a ciência como uma atividade fácil, simples, extremamente
acessível, nada mais que um refinamento das atividades do senso
comum. Tal perspectiva, por sua vez, tende a ser a divulgação de
uma falsa imagem da ciência, capaz de estimular processos de
vulgarização excessivamente simplificadores e,por isso mesmo,
crivados de equívocos (LOPES, 1996, p. 9).
As idéias do Escolanovismo trouxeram à tona o estímulo à expressão
artística para crianças e adolescentes, na educação escolar.
Anísio Teixeira encantou-se pelos conceitos de John Dewey sobre
experiência e educação, quando foi aos Estados Unidos pela primeira vez.
Voltou ao Brasil em conflito com os próprios conceitos que defendia enquanto
“Diretor Geral da Instrução da Bahia” – 1925-29. Decidiu retornar aos Estados
Unidos para ter aulas com Dewey.
Ele teve contato com as escolas experimentais de Dewey, com
planejamento didático voltado para integração de atividades corporais, manuais
e intelectuais e sua concepção de educação libertadora, na idéia concebida de
liberdade para viver a vida, se relacionar com outras pessoas e construir
conhecimentos da experiência intrínseca do viver e se relacionar.
De 1932 a 1935, Anísio Teixeira foi Diretor Geral do Departamento de
Educação do Distrito Federal, no Rio de Janeiro – Capital do País na época – e
foi nesse período que se interessou pelas idéias dos modernistas, sobre
educação, e trouxe Villa-Lobos para desenvolver o trabalho de música na
escola, através do canto orfeônico.
Deu ouvido e vez para o desenvolvimento do trabalho de desenho na
escola e posteriormente na educação infantil, defendido por Mario de Andrade
e Anita Malfatti. Abriu as portas das discussões políticas entre grupos
opositores e uniu situação e oposição em pró do ideológico nacional.
Teixeira, ainda, foi recriador contextual das ideais de Dewey, contudo
limitado às suas concepções políticas.
Barbosa (2002, p. 64) lamenta o desinteresse de Teixeira pelas
concepções de Dewey sobre experiência estética. Essa concepção está ligada
a idéia filosófica de Hegel sobre o juízo do sensível; está inter-relacionando a
didática do ensino dos saberes escolares com o juízo sobre qual sujeito
constitutivo se deseja, para construir o meio social e as relações com o outro
na vida.
A história da educação brasileira deixou marcas esclarecedoras de que
o entendimento de Teixeira passou longe de Hegel, uma vez que o
aprendizado técnico utilitário à indústria e ao mercado foi o principal foco.
Com influências enraizadas no capitalismo liberal, a sua admiração pelo
pensamento de Dewey inevitavelmente o levou a interpretá-lo aproximando-o
da concepção industrial, capitalista; onde não encaixa igualdade de
oportunidade para todos.
No meu entender, a ênfase que dispensou para os trabalhos manuais e
os experimentos que pode por em prática fomentando sua interpretação de
Dewey sobre integração de atividades corporais, manuais e intelectuais foi um
entendimento limitado as suas referências pessoais e formação política de
Teixeira.
Teixeira vai para a Bahia, em exílio forçado pela ditadura da Gestão de
Vargas – 1935 a 1943 – onde fez a reforma da educação baiana. Retorna ao
cenário da educação nacional, a convite, para participar da redemocratização
do país, onde viveu a fase mais produtiva do seu trabalho – 1946 a 1960.
Nesse momento, com maior know-how sobre os experimentos de Dewey
nos Estados Unidos e sua concepção sobre educação, Teixeira põe em prática
seus conhecimentos, criando a Escola Parque na Bahia e em Brasília; o
Instituto Nacional de Pesquisas Pedagógicas, com escolas-laboratório em
diferentes regiões do país e a Escola Guatemala (BARBOSA, 2001, p. 63).
Essas escolas experimentais foram inspiradas na escola criada por
Dewey na Universidade de Chicago, com ensino focado no desenvolvimento de
atividades manuais e corporais, para meninos e meninas.
Nelas, as atividades desenvolvidas ensinavam carpintaria, culinária,
trabalhos de tecelagem entre outras, enriquecendo a experiência vivenciada
pelo aluno com a mente e o corpo.
John
Dewey,
pensador
americano,
participante
do
movimento
pragmatista com Willian James e Charles S. Peirce, escreveu sobre Educação
e Experiência e defendeu que a educação é um processo de contínua
construção
e
organização
da
experiência,
pelo
qual
construímos
conhecimentos significativos, ampliamos repertório e com isso nos habilitamos
à melhor dirigir o curso da vida.
... O juízo e a inferência, caracterizarão as atividades vitais que
implicam a dúvida e a inquirição (inquiry). Para Dewey, a inquirição
experimental é fundamentalmente pratica, o que torna deveras
perigoso, política e intelectualmente, isolar o conhecimento da ação.
Dewey usa essas idéias não somente na teoria da educação, mas
também na defesa da democracia (COGNITIO-ESTUDOS,v. 5, n.2,
2008, p. 198)
3.1 Dewey
O pensamento deweyiano, que influenciou Teixeira, tem como base a
defesa da democracia e a liberdade de pensamento como instrumentos para a
maturação emocional e intelectual das crianças. No entanto, apesar de Teixeira
ter liderado o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova defendendo educação
laica e igualitária e de acesso sem distinção, não conseguiu vencer a idéia
elitista de educação secundária ser de acesso restrito.
O acesso restrito a educação secundária perdurou até a década de 90,
com a reforma educacional da educação básica e a progressão continuada em
ciclos.
Para melhor entender, a interpretação de Teixeira sobre a concepção de
educação de Dewey influenciou o percurso de construção da concepção da
educação brasileira até a virada do século XXI.
Dewey declarou que o importante é educar a criança como um todo e
para o crescimento físico, emocional e intelectual é imprescindível que a
criança aprenda realizando tarefas contextualizadas, em seu meio, associado
aos conteúdos escolares ensinados.
Para este pensador, aprender implica em situações vivenciadas que
exige tomada de decisões, argumentação e reflexão pessoal. Será disto que
disseminamos o termo situação problema?
Compartilhar experiências, para Dewey é o caminho do desenvolvimento
do plano do professor. Gerar situações de experimentação, vislumbrar o
interesse do aluno, planejar o problema a resolver e compreender ação e
reflexão como um todo indivisível e primordial é o perfil daquele que promove o
aprendizado.
Dewey acreditou que só a inteligência da ao homem a capacidade de
modificar o ambiente ao seu redor. Defendeu que experiência e investigação se
apresentam como meios confiáveis para o conhecimento e formação de
indivíduos capazes de agir criticamente na vida social e reajustar seus valores
na medida em que se defrontam com os problemas concretos de sua época.
Teixeira organizou uma concepção de educação, que não conseguiu
fugir de pertencente ao pensamento liberal, que permeia na transmissão de
técnicas por meio de exposição dos procedimentos, para um resultado único,
considerado exato e incontestável.
Mudar essa concepção de ensino implicaria em desacordos políticos,
portanto, nem antes e nem depois de Teixeira, não houve preocupação em
refletir sobre os métodos de ensinar, mas em ensinar métodos técnicos. Por
mais que Teixeira se esforçasse em por em prática suas idéias experimentais,
em âmbito nacional.
No caso do ensino da Arte, o Desenho técnico, geométrico, por meio do
método clássico rigoroso em ângulos e retas, habilidade necessária na
indústria; canto orfeônico, um método de transmitir o cancioneiro nacional; a
expressão cênica, um método de expressar o pensamento vigente e controlar a
amostragem da cultura nacional.
Um ensino da Arte sem preocupação com o desenvolvimento da
criatividade, a leitura de si e do mundo ou a formação do sujeito.
Nereu Sampaio, considerado um interprete de Dewey no Brasil,
defendeu tese, em 1929, fortemente embasada nas idéias de Dewey no
capitulo Pensamento e Experiência do livro Educação e Sociedade do autor.
Sua defesa foi sobre a idéia de apreciação e gozo estético da natureza
como base para o desenvolvimento para a capacidade de desenhar; foi a idéia
sobre desenvolvimento da individualidade, por meio da integração com o
ambiente, utilizando de método de observação para desenhar (BARBOSA,
1998, p. 25).
A idéia sobre matérias úteis e o aprendizado de técnicas industriais e
domesticas na escola, desenvolveu a necessidade de instituir métodos de
ensino.
O imediatismo, por resultados práticos, os modismos, a ausência de
produção reflexiva e de parceiros de discussão que permeia a função do
docente da educação básica, provocou o equivoco sobre a confusão da crença
que metodologia e receituário fossem sinônimos a serviço dos preparos das
aulas.
As próprias citações de Barbosa sobre Dewey, em seus livros, não
transparecem métodos, mas reflexões de Dewey sobre o desenvolvimento da
capacidade do sujeito representar a si, a sua volta e o que o envolve.
O conceito de Dewey sobre experiência pode ser considerado o foco de
suas idéias. Pois a criança experiência uma vivencia e esta lhe desperta
reflexões que se apresentam como referências que ajudam a desenvolver
maturidade e a capacidade de representar idéias com o corpo, com a voz, com
o traço; esta experiência está intrínseca com o pensamento, o movimento e a
criatividade.
A experiência estética precisa ser significativa para despertar todo esse
envolvimento. Não há método técnico para um fim, mas há de se ter um
método de conduzir o ensino da Arte com intuito de despertar o envolvimento
particular da experiência estética das vivencias no espaço escolar.
Fomos arrebatados pela educação tecnicista. E até mesmo na defesa do
ensino da Arte, nos perdemos em querer encontrar enquadramento do conceito
Arte, no aprendizado de técnicas, estanques, de expressão por meio de
materiais.
Para o ensino da Arte, na concepção tecnicista, o conhecimento
contemplativo e intelectual como também a experiência estética da Arte não há
espaço de compreensão, nem função na aprendizagem escolar.
Dewey não dissocia educação e sociedade e levanta bandeira sobre a
responsabilidade da educação na formação do sujeito. Instiga o arrojo das
individualidades para a melhora do meio social.
... uma teoria corresponde aos fatos, quando ela leva aos fatos que
são suas conseqüências, pelo intermédio da experiência (...) se trata
de construir idéias de conduta. Ao enfatizar a importância da relação
entre nossas crenças e nossas ações, o filósofo pragmatista abre as
portas do futuro, da possibilidade e da criatividade (COGNITIOESTUDOS,v. 5, n.2, 2008, p. 211).
A idéia positivista impregnada na educação crê que mudança social
parte do desenvolvimento da racionalidade, pois somente através da razão é
possível deter, prever e dar rumo ao progresso social.
Fomos assombrados pela idéia do ensino tradicional que compreende o
ensino de desenho, música e artes cênicas, na escola, um meio de
desenvolvimento técnico que treina o profissional necessário para o mercado
de trabalho; a experiência do conhecimento se da na aprendizagem de
conteúdos úteis ao mercado industrial.
Diferente dessa concepção, a influência principal de Dewey foi, em
Teixeira, a idéia de educação unificada, de transformação e desenvolvimento
social e econômico por meio da educação. Contudo, pode-se perceber o
pensamento de Dewey, nas influências pedagógicas ocorridas na educação
escolanovista.
No artigo da revista periódica COGNITIO da PUC, o autor escreve que
Dewey defendeu o desenvolvimento da função criativa do sujeito. E no decorrer
da vida, a capacidade do pensar e mobilizar memórias das experiências
vividas, interfere e transforma as ações, por provocar reflexões ( 2008, p. 201).
A experiência, para ele, é a construção dos saberes da convivência
social e a mobilização dos
processos mentais
conhecimento físico, mental e emocional.
que transforma em
A escola precisa se organizar para propiciar vivencias que promovem o
conhecimento por meio do movimento corporal, da estética e o pensamento
rígido. É o processo de ensino que decide como organizar o despertar do
interesse, a percepção da realidade, a liberdade e o conhecimento.
A Escola Nova sofreu interferências pela concepção de educação
tecnicista, que fortemente ainda paira sobre prática de ensino na escola, e a
educação tradicional.
Essa concepção dialogava com as idéias do escolanovismo, pois para
Dewey a escola não prepara para a vida, é a própria vida. E essa idéia não é
compatível
a
um
currículo
organizado
com
conteúdos
de
matérias
desconectadas, compartimentadas e sem relação com o cotidiano do aluno.
Para Dewey, o currículo deve ser organizado para se relacionar com o
social, a realidade que circunda o aluno e o desenvolvimento intelectual, físico
e emocional.
Segundo Barbosa, a escola tem a responsabilidade de desenvolver
hábitos de ensino e hábitos de aprendizagem (2002, p. 61).
Creio que a concepção do pensamento de Dewey encontrou
incompatibilidades e, apesar dos fundamentos deweyiano nas discussões
brasileira sobre educação, o pensamento cultural – arraigado do classicismo
tradicional e o tecnicismo – transformou o ensino da arte em atividade de
desenho como atividade complementar às disciplinas da grade curricular e o
canto como democratização de uma linguagem universal em uníssono e as
artes visuais como elemento de decoração ou reprodução de técnica e as artes
cênicas como pesquisa empírica, de fora para dentro da escola, de teatrinhos e
dancinhas para apresentações em eventos escolares. Esta é nossa pesada
herança, para o fim do século XX.
A idéia de preparação para o trabalho e do empenho nas soluções
imediatas do coletivo, desde o século XIX, faz resistência ao discurso de
educação vocacional de Dewey, cuja experiência estética desenvolve a
maturidade para a vida em sociedade e a ocupação profissional.
Na década de 80, Ana Mae Barbosa defende o ensino da Arte
fundamentada no pensamento deweyiano e o interpreta através dos olhos de
SAMPAIO e TEIXEIRA, por meio de suas pesquisas.
Apesar de Dewey ser elemento de investigação científica sobre o
movimento expressivo do corpo, experiência musical e Experiência e Arte,
Barbosa optou por defender o ensino das Artes Visuais, por meio de leitura de
imagens.
A mim não está claro se sua opção ocorreu por conta de formalização da
investigação por recortes específicos e objetivos – conforme a ciência
positivista – nas décadas de 80 e 90, ou se por conta das deficiências da
formação inicial dos professores.
O que está claro, na obra de Barbosa, é que com bases na semiótica as
manifestações artísticas podem se transformar em imagens que expressam
signos, não verbais, a serem lidos, como um texto verbal.
Barbosa desenvolveu a Proposta Triangular para o ensino da Arte, a
oferecer história da Arte (ler), leitura da obra (contextualizar) e o fazer artístico
(criar). Foi, a princípio, um projeto desenvolvido, enquanto Diretora do
MAC/USP – São Paulo – na década de 80. O objetivo do projeto foi aproximar
o público das obras artísticas em exposição, ampliando a abrangência para
alunos de escola pública e pessoas sem conhecimento sobre Arte.
O sucesso desse experimento projetou as idéias de Barbosa sobre o
ensino da leitura de obra de Arte nas escolas.
A idéias de leitura de obra de Arte nas escolas, entrou nas salas de aula,
de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental e o Ensino Médio, rotulado como
método de ensino da leitura de imagem, rotulado como Metodologia Triangular,
fomentado na época pela autora no livro A imagem no Ensino da Arte.
No livro Tópicos Utópicos Barbosa lamenta ter aceitado expressão
metodologia e escreve:
Hoje, depois de anos de experimentação, estou convencida de que
metodologia e construção de cada professor em sua sala de aula e
gostaria de ver a expressão Proposta Triangular substituir a
prepotente designação Metodologia Triangular (BARBOSA, 1998,
p.33).
Provocar os professores para construírem metodologia própria, para o
ensino da Arte, foi a forma que Barbosa encontrou para despertar vivencias
significativas nas aulas de Arte, nas escolas, conforme sua interpretação de
Dewey e a pós-modernidade.
3.2 Deleuze
Na virada do milênio, Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque emergem,
expressivamente, a concepção do ensino da Arte com bases na filosofia de
Gilles Deleuze, sobre Rizoma. Também com influências do pensamento pósmoderno concebem o ensino da Arte por meio dos Territórios da Arte.
São pesquisadoras sobre Didática do Ensino da Arte, elaboradoras da
metodologia de Ensino da Arte do Instituto Arte na Escola e consultoras da
proposta curricular do ensino da Arte, a partir do ano de 2008.
A SEE e a CENP vem discutindo e estruturando a elaboração da nova
proposta curricular, com objetivo de atender as especificidades que surgiram
na contemporaneidade.
Problemas sobre aprendizagem, relação forma-conteúdo da educação
escolar e a preocupação com um currículo comprometido com seu tempo, fez a
SEE constituir equipe, coordenada por Maria Inês Fini – mentora da avaliação
do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) – para elaborar e implementar na
rede estadual de ensino a nova proposta curricular
que tem os seguintes
princípios:
I. Uma escola que também aprende – a concepção de escola que aprende
a ensinar
II. O currículo como espaço de cultura – conexão do currículo à vida
III. As competências como referência – a mobilização dos saberes na
experiência do conhecimento
IV. Prioridade para a competência da leitura e escrita – habilidade e
competência para ler o mundo
V. Articulação das competências para aprender – aprender a continuar
aprendendo
VI. Articulação do mundo com o trabalho – formar cidadão
O conjunto desses princípios forma a estrutura da proposta curricular,
com os seguintes pontos:
• Uma educação a altura dos desafios contemporâneos;
• Compreensão do significado das ciências, das letras e das artes
• A relação entre teoria e prática em cada disciplina do currículo
• As relações entre educação e tecnologia
• A prioridade para o contexto do trabalho
• O contexto do trabalho no Ensino Médio
Sob a concepção de Guiomar Nano de Mello, Lino de Macedo, Luis Carlos
de Menezes, Maria Inês Fini e Ruy Berger (2008) :
A proposta do ensino da Arte, sem desmerecer a teoria triangular de
Barbosa,
inova
na
concepção
de
conexão
das
linguagens/modalidades da arte, mapeados nos territórios da arte, e
conceito e conteúdo gerador do processo de ensino. (SEE, 2008, p.
41)
A composição dos territórios movimenta o pensamento circular em Arte:
I.
Linguagens Artísticas
II.
Processo de Criação
III.
Materialidade
IV.
Forma e Conteúdo
V.
Mediação Cultural
VI.
Patrimônio Cultural
VII.
Saberes Estéticos e Culturais
A partir da obra de Iole de Freitas Estudo para Superfície e linhas,
instalação no Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro), Martins e
Picosque traçaram linhas, na imagem impressa da instalação, que se cruzavam
e revelavam pontos de conexão interligados, dando a idéia de um objeto único.
Elas fizeram relação com o conceito de Rizoma de Deleuze. Trata-se de
uma raiz sem núcleo, com tentáculos que se emaranham em um único objetivo,
que é a sustentação da planta.
Martins e Picosque nomeiam as conexões dos territórios no mapa como
gestalt visual. Partindo da composição do mapa dos territórios da arte é que se
apresentam os conceitos e conteúdos do ensino da Arte.
O mapa ajuda a visualizar os territórios da arte como formas móveis
de construção e organização de outro modo de estudo de arte no
contexto escolar. ‘O mapa’ assim, é utilizado como sendo um
desenho, entre muitos outros possíveis, ligado ao conceito de rede,
mostrando uma forma no tempo e espaço de caminhar por trilhas que
trazem paisagens específicas para o estudo das artes visuais, da
música, da dança e do teatro (SEE, 2008, E.M. 1º bim, v. 1, p. 9).
A contemporaneidade nos traz conceitos de Cultura Visual, a valorização
da Arte Pública, Patrimônio Cultural e Cidadão do Mundo.
Sem dúvida o conceito de rizoma, de Deleuze, é uma representação
contemporânea sobre as conexões entre sujeitos e conceitos, que independem
de distancias e sobrepõem fronteiras provocando liberdade e vontade de
conhecer.
Na articulação da cultura e produção, a arte se apresenta hibrida e
conectada a percepção do mundo conectado a várias realidades.
Não há gênero (masculino/feminino), mas sujeitos, que no passado era
homem ou era mulher. Hoje um sujeito pode ser uma e/ou muitas formas.
A obra de arte exposta inter-relaciona linguagens das modalidades
artísticas, expressa com liberdade atemporal, onde o ismo – da pósmodernidade – não dá conta de particularizar mais nada.
Rizoma é um termo emprestado do vocabulário da botânica, que
significa um processo de ramificação aberta, que não tem um centro ou núcleo
e pode expandir-se em varias direções, estabelecer conexões sem apresentar
limites.
O rizoma liga um ponto qualquer a outro ponto qualquer, num sistema
não hierárquico.
Os princípios do rizoma, conforme Martins e Picosque (2007, p. 3) são
assim definidos:
• conexão - qualquer ponto se conecta a outro qualquer
uma ou mais vezes.
• heterogeneidade - qualquer conexão ocorre sem
prejuízo, tudo é possível.
• multiplicidade - não há unidade, há um arranjamento
de linhas que podem até mudar sua natureza ao
conectar-se com outras, contudo não há bloqueios,
mas possibilidades.
• ruptura de hierarquização - não há direção única, nem
priorização de direção; não é possível distinguir inicio
e fim.
• cartografia - pode ser mapeado, apresenta diversas
possibilidades de direções e conexões, mostrando
variação de sentidos (MARTINS e PICOSQUE, 2007,
p. 3).
Foi tomada de empréstimo, a idéia de rizoma, como maneira de
apresentar diversas dimensões de saberes em Arte, oferecendo epistemologia
da Arte no âmbito do contexto escolar, delineando o lugar da Arte e a formação
cultural do sujeito.
Pensar nos saberes e entre os saberes potenciais para aprendizagem
da arte germinou um mapeamento do território Arte & Cultura
projetado numa possível cartografia para aprendizagem da arte e que
se expande na sala de aula através de proposições pedagógicas
(CELESTE e PICOSQUE 2007, p. 3).
No momento, apesar de Dewey ainda permear o pensamento sobre o
ensino da Arte, Deleuze – filosofo da multiplicidade – é interpretado, no Brasil,
e influencia a compreensão da dinâmica hibrida no conceito da Arte
Contemporânea, no ensino.
Dewey, filosofo pragmático e pedagogo norte-americano, escreveu em
1938 “Experiência e Educação” o qual foi interpretado, por Barbosa, como o
experienciar no processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos
programáticos.
Deleuze, filosofo Frances contemporâneo, escreveu em 1980 “Mil
Platôs” – com a idéia sobre Rizoma na introdução – o qual foi interpretado, por
Martins e Picosque, como o relacionar os diversos conhecimentos na escola e
fora dela.
O rizoma não se deixa reconduzir nem ao Uno nem ao Múltiplo (...)
Ele é feito de dimensões, ou antes de direções movediças. Ele não
tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e
transborda (...) o rizoma é feito somente de linhas: linhas de
segmentaridade, de estratificação, como dimensões, mas também
como linhas de fuga ou de desterritorialização, como dimensão
máxima segundo a qual, em seguindo-a, a multiplicidade se
metamorfoseia, mudando de natureza (...) Um Platô está sempre no
meio, nem começo, nem fim. Um rizoma é feito de Platôs (...) platô
significa uma região contínua de intensidades, vibrando sobre ela
mesma, e que se desenvolve evitando toda a orientação sobre um
ponto culminante ou em direção a uma finalidade exterior (DELEUZE
e GUATTARI, 1995, p. 32 e 33).
Neste capitulo, optei por tentar discorrer sobre as influências de Ana
Mae Barbosa, Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque no currículo do ensino
da Arte, na Secretaria de Estado da Educação de São Paulo.
Priorizei como referência a interpretação dessas autoras, sobre Dewey e
Deleuze, para entender os entraves que ocorrem com os professores ao se
depararem com a proposta curricular em relação à rotina das aulas de Arte.
O entendimento do conceito Rizoma e Experiência se misturam com a
idéia positivista de ensinar técnicas úteis, tratadas como conhecimento.
Experiência, para Dewey é a construção do conhecimento significativo
racional, motor e emocional num processo que pode ser planejado e projetado
para a vivência dos assuntos culturais, que circunda o sujeito direta ou
indiretamente.
Rizoma, para Deleuze é a concepção da construção do conhecimento, a
representação das conexões internas, cerebral e ímpar, que o sujeito vivencia
em uma experiência.
A concepção rizomática do ensino da Arte estabelece as conexões entre
os territórios da Arte, numa dinâmica elétrica e infinita das possibilidades de
construção de conhecimento da Arte.
No material produzido, sobre os territórios da Arte, há também a
finalização do assunto e suas conexões por meio do zarpando, que é o espaço
da síntese e também pode ser gancho para outro assunto.
É necessária muita elaboração teórica para desvincular os conceitos da
modernidade e a pós-modernidade, pois é complexo vivificar sobre conexões
do conhecimento entre áreas e entre as elaborações intelectuais e afetivas,
com raízes profundas no exercício do conhecimento compartimentado, do
sujeito sobre técnica.
Barbosa critica os equívocos nas releituras/reproduções de imagens
cometidas nas salas de aula, desconectadas da concepção, viraram técnica em
aula, somando técnica para reprodução de imagem com técnica para utilização
correta de nanquim, guache, hidrocor, lápis e etc.
Martins e Picosque discorrem sobre a concepção Rizomática nos
Territórios da Arte, porém se deparam com a formação inicial do professor
numa parte da concepção Arte. Esforçam-se para conduzir sua concepção
rizomática, por meio das conexões das partes que desenha o todo.
As autoras desenvolveram o Caderno do Aluno, material de apoio a
implementação do currículo, que foi distribuído para as escolas do Estado de
São Paulo, com atividades de registro dos alunos relacionados às proposições
de aprendizagem em Artes Visuais, Dança, Música e Teatro.
A instrução aos professores é para que eles façam as conexões da Arte,
por meio dos Territórios da Arte, com a liberdade de escolher a
linguagem/modalidade em que irá trabalhar o conteúdo indicado.
Em três escolas que visitei, na função de Professora Coordenadora de
Oficina Pedagógica, no final do ano letivo de 2009, tive a oportunidade de
folhear cadernos de seis alunos, de diferentes séries e diferentes professores e
pude concluir que os professores fizeram desses cadernos de registros,
caderno de atividades individuais e corrigiram as atividades com caneta
vermelha, a letra C (certo) esticada
, com carimbos decorativos, caretas
com sorriso desenhado e recados para os alunos de parabéns ou não fez a
lição.
Esse procedimento dos professores demonstra a influência referencial
pessoal, nas práticas das salas de aula, que a formação inicial não deu conta
de conduzir questionamento metodológico com bases nas teorias pedagógicas.
Martins, Picosque, Barbosa, eu e os professores formados, para atuar
no ensino da Arte, tivemos influencias de todos os desencontros e
desentendimentos do ensino da Arte, em toda a nossa formação acadêmica.
Passamos por uma formação em licenciatura curta, na qual havia um
passeio por Artes Visuais, Música, Dança e Teatro, oferecido nos cursos de
educação superior por artistas professores, que não tinham conhecimentos
pedagógicos dos processos de ensino/aprendizagem escolar e que tinham foco
na técnica da produção artística; tudo isso em apenas dois anos.
Com mais um ano de curso sairia com certificado de licenciatura plena
em: Artes Cênicas, Artes Plásticas, Desenho ou Música, onde se intensificava
os conteúdos específicos de uma linguagem/modalidade da Arte sem dar
tempo nem de discutir, digerir, vivenciar processos num ciclo completo de
compreensão, reflexão e construção de conhecimento. Não havia formação
nem de professores e nem de artistas.
No final da década de noventa, houve uma ruptura da nomenclatura do
curso superior de Educação Artística para Habilitação em Artes Visuais, Teatro,
Música ou Dança.
As manifestações dos Arte-Educadores, liderados por Ana Mae Barbosa,
desde a década de oitenta geraram essa mudança na formação inicial dos
professores de Arte, porque defendiam a especialização do ensino das
linguagens/modalidades, pois também estavam influenciados pela ciência
positivista e seu controle da especificação da parte.
O positivismo, que gerou o tecnicismo, foi um pensamento que
influenciou todo o século XX: no início deste século enaltecíamos o artificial; no
meio do século acreditávamos que eliminar a exceção à regra era o caminho
da felicidade homogenia da humanidade; no final do século enaltecemos o
natural; o artificial tornou-se uma arma contra a vida humana e a diversidade
fortalece a multiculturalidade.
No século XXI, quanto à formação inicial dos professores de Arte, a
evidência destas influências foi constatada na pesquisa da CENP/2006.
Compreendo que o percurso histórico da licenciatura em Arte (ou na
linguagem - parte - da Arte), as reflexões sobre as deficiências emergidas de
tempo em tempo conduziram para o formato de hoje. Contudo, sem
desmerecer as conclusões passadas, há muito a refletir. Principalmente, situar
a formação do professor às questões contemporâneas.
Ana Mae Barbosa defendeu o ensino das Artes Visuais com a leitura de
imagens por meio de sua Proposta Triangular. Apesar de ter trabalhado na
construção do documento PCN de Arte, no livro Inquietações no ensino da Arte
(1998, p. 36) explicita seu descontentamento com o contido
interagir com materiais, instrumentos e procedimentos variados em
artes (Artes Visuais, Dança, Música, Teatro), experimentando-os e
conhecendo-os de modo a utilizá-los nos trabalhos pessoais (PCN de
Arte, 1996, p. 40).
A autora defende a formação inicial dos professores em Artes Visuais,
pois estes obterão subsídios para a leitura da imagem.
Se acaso, eu oferecer esta imagem a crianças, adolescentes e jovens da
educação básica, para refletir sobre os elementos não verbais e ler a imagem:
Os conteúdos das Artes Visuais estão contidos nesta imagem, porém
limitar-se nos conteúdos das artes visuais, hoje que se discute arte hibrida,
imagem em movimento complexo e hipertexto, deixa a discussão pobre e
desinteressante aos alunos do século XXI.
Para o professor provocar a leitura desta imagem com competência é
preciso ter noção de expressão cênica, de fenomenologia e cultura de massa e
história do pensamento. Se esta imagem estiver em movimento, como um
vídeo, e com efeito sonoro e/ou musical o professor precisará, também, ter
noções da linguagem musical, gestual, corporal.
Desta forma será possível provocar leitura dos códigos verbais e não
verbais, desafiando o olhar a compreender as possíveis comunicações
concatenadas entre si e com sua percepção.
A concepção da Arte contém história, pensamento e conteúdo artístico
no seu percurso na linha do tempo.
CAPÍTULO 4
Formação do professor na concepção do ensino da Arte
Minha segurança se funda na convicção de que sei algo e de que
ignoro algo a que se junta à certeza de que posso saber melhor o que
já sei e conhecer o que ainda não sei (FREIRE,2006, p. 135).
Sem
desmerecer
as
manifestações
dos
Arte-Educadores,
que
construíram a história do ensino da Arte desde a década de oitenta e fizeram
do ensino da Arte objeto de estudos acadêmicos, é fato que ainda não
chegamos a uma formação inicial que atenda os anseios das concepções pósmodernas sobre ensino/aprendizagem e construção de conhecimento.
Steven Connor, no livro Cultura Pós-Moderna, analisando a concepção
de Jean-François Lyotard sobre pós-modernidade, comenta que a ciência
perde o poder na construção do conhecimento humano e da verdade na
medida em que a ciência se torna uma nuvem de especialismos.
(CONNOR,1993, p. 32).
Enquanto a formação inicial do professor de Arte estiver ligada a
especialismos, dificilmente experienciará reflexão quanto às conexões
possíveis da Arte. Mesmo porque, para experienciar a diversidade de conexões
há de se construir repertório.
A pós-modernidade nasce da modernidade. Artistas como Picasso que,
além das artes plásticas, também escreveu teatro e Kandinsk que, além das
artes plásticas, também foi músico, entre outros tantos artistas, ajudaram a
construir a concepção pós-moderna de construção do conhecimento, onde as
narrativas se entrecruzam na argumentação do contemporâneo. Por que a
formação do professor de Arte tem que ser nos especialismos?
Por que, que as discussões pós-modernas da Arte não conseguem
entrar na escola?
Mirian Celeste Martins foi participante da construção da Proposta de
Educação Artística para o 2º Grau, na SEE em 1992, cujo texto de introdução
defendeu a nomenclatura da matéria Arte, em detrimento a Educação Artística,
no singular por tratar de conceito do todo.
Arte é área de conhecimento, é área da cultura e um todo complexo de
signos e de linguagens.
A atividade artística é inerente ao homem porque é sensível e não
porque é técnica.
Por tanto, atividade sensível desenvolve a linguagem, criatividade,
imaginação, amplia repertório e propicia experiência estética.
Então, atividade artística, na escola, não tem um fim de conhecimento
útil para o sujeito. É a experiência de conectar sentidos, signos dialéticos que
amplia repertório pessoal, do eu para o outro e do outro para o eu.
Aprender a ler o mundo, requer despertar sensibilidade para ler além do
verbal. O ensino da Arte propicia isso.
4.1 Diretrizes Curriculares
O documento Parecer do Conselho Nacional /Conselho Pleno de 2001,
sobre Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena,
faz uma análise pontual da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
nesse assunto e propõe as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação
de Professores da Educação Básica.
Este Conselho Pleno designou Comissão Bicameral composta pelos
Conselheiros Edla Soares, Guiomar Nano de Mello (mentora da proposta
curricular da SEE de São Paulo em 2008), Nélio Bizzo e Raquel Figueiredo
Alessandri Teixeira, da câmera de Educação Básica, e Éfrem Maranhão,
Eunice Durham, José Carlos de Almeida e Silke Weber e como relatora a
conselheira Raquel Figueiredo Alessandri Teixeira. Para promulgar sobre a
concepção de educação do século XXI.
Viramos o século XXI com o desafio de reformar a formação de
professores para transpor estigmas da função e aproximar as instituições
formadoras dos sistemas educacionais, para contemplar características
consideradas, na atualidade, como inerentes à atividade docente, entre as
quais se destacam:
*Orientar e mediar o ensino para a aprendizagem dos alunos;
*Comprometer-se com o sucesso da aprendizagem dos alunos;
*Assumir e saber lidar com a diversidade existente entre os alunos;
*Incentivar atividades de enriquecimento cultural;
*Desenvolver práticas investigativas;
*Elaborar
e
executar
projetos
para
desenvolver
conteúdos
curriculares;
*Utilizar novas metodologias, estratégias e materiais de apoio;
*Desenvolver hábitos de colaboração e trabalho em equipe (CNE/CP
009/2001, p. 4).
A formação de professores em geral deve promover vivências, reflexão e
fundamentação teórica para as ações que envolvem ensino e aprendizagem.
No caso do professor de Arte, deve oferecer conhecimento de Arte
contextualizado em conhecimento do desenvolvimento cognitivo e métodos de
construção dos saberes escolar.
A aproximação das instituições que oferecem curso de licenciatura, para
os professores de Arte, com os sistemas educacionais é evidentemente
importante.
Como se sabe, as instituições de educação superior formam os
professores da educação básica. Portanto, neste caso, a aproximação dos
cursos de licenciatura com a proposta curricular da SEE/SP, poderá ser útil,
quando a instituição superior está comprometida com formação de excelência,
propiciando discussões e reflexões na formação inicial, preparando o
profissional para atuar no campo de trabalho, com os alunos da educação
básica.
Alfredo Bosi, no livro Reflexões sobre a Arte, ao explicar sobre
expressão, nos oferece uma reflexão sobre processo de criação, o qual
podemos remeter ao ensino da Arte:
Em toda a atividade artística impõe-se a presença de uma forte
motivação. As formas expressivas são geradas no bojo de uma
intencionalidade que as torna momento integrante ou resultante do
fato. A dissociação posterior de forma e força interior só se cumpre
historicamente quando os motivos iniciais da união já se apagaram
com a rotina das convenções, o esquecimento, a lima do tempo e a
morte da cultura que os produziu. Nesta hora, o símbolo deve ser
decifrado, e a alegoria, traduzida (BOSI, 2000, p. 52).
Os documentos oficiais, do governo federal e das instituições públicas
de ensino, devem ser assuntos de reflexão nas aulas dos cursos de formação
inicial do professor de Arte.
A Secretaria de Ensino Superior (SESu) do Ministério da Educação
(MEC), nomeou Comissão de Grupo Tarefa especial, que concluiu em 1999 o
documento Subsídios para a elaboração de Diretrizes Curriculares para os
Cursos de Formação de Professores, para o estudo dos cursos de graduação
de formação de professores da educação básica, com a finalidade de subsidiar
o CNE, consolidou a direção da formação para três categorias de carreira
(MEC/SESu, 1999, p.6):
•
Bacharelado acadêmico;
•
Bacharelado profissionalizante;
•
Licenciatura
Assim sendo, a Licenciatura constituiu-se em um projeto específico, o
que exige a definição de currículos próprios da Licenciatura que não se
confunda com o Bacharelado ou com a antiga formação de professores que
ficou caracterizada como o modelo 3 + 1.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 foi o marco
da revisão conceitual sobre educação, dos anos 80 e 90.
A concepção de Educação Básica significa a continuidade articulada
entre educação infantil, ensino fundamental e médio. Essa é uma visão da
educação do sujeito que se constitui num todo de experienciar, refletir e saber
ao longo da vida escolar; e que contribui para vida fora da escola.
...concepção de escola voltada para a construção de uma cidadania
consciente e ativa, que ofereça aos alunos as bases culturais que lhe
permitam identificar e posicionar-se frente às transformações em
curso e incorporar-se na vida produtiva e sócio-política. Reforça-se,
também, a concepção de professor como profissional do ensino que
tem como principal tarefa cuidar da aprendizagem dos alunos,
respeitada a sua diversidade pessoal, social e cultural (MEC/SESu,
1999, p. 9).
A escola não é a única responsável pela educação, no entanto é um
lugar
onde
se
desenvolve
prática
planejada
e
sistemática
de
ensino/aprendizagem e contato com a produção humana de conhecimento/
tecnologia/ cultura.
Para a compreensão dessa concepção de educação, focada na
aprendizagem e na articulação da escola com a família e a comunidade, o perfil
do professor deve transformar-se para acompanhar a sua função neste século.
Esse professor precisará ter referenciais de reflexão e fundamentação
na sua formação inicial.
O Ministério da Educação por meio do Conselho Nacional de Educação,
realizou Parecer nº CNE/CP 009/2001 (p. 12) prevê indicativos legais
importantes para os cursos de formação de professores:
•
Posicionando o professor como aquele que incumbe zelar pela
aprendizagem do aluno – inclusive daqueles com ritmos
diferentes de aprendizagem –, tomando como referência, na
definição de suas responsabilidades profissionais, o direito de
aprender do aluno, o que reforça a responsabilidade do professor
com sucesso na aprendizagem do aluno;
•
Associando o exercício da autonomia do professor, na execução
de um plano de trabalho próprio, ao trabalho coletivo de
elaboração da proposta pedagógica da escola;
•
Ampliando a responsabilidade do professor para além da sala de
aula, colaborando na articulação entre a escola e a comunidade.
Esse documento esclarece o intuito da LDBEN 9.394/96 em constituir a
educação básica como referência principal para a formação dos professores.
Para construir junto com seus futuros alunos experiências
significativas e ensiná-los a relacionar teoria e prática é preciso que a
formação de professores seja orientada por situações equivalentes de
ensino e de aprendizagem (CNE/CP, 009/2001, p. 14).
4.2 Professores de Arte
Historicamente, a formação de professores de Arte precisou atender o
sistema de ensino, porque faltavam professores atuantes. Por conta disso,
houve uma saída legal que foi o aproveitamento de estudos e/ou experiência
comprovada e contratação de professor estudante.
Como ainda não resolvemos de vez este problema, a Lei 9.394/96 nos
artigos 62 e 63 referem-se à criação de Institutos Superiores de Educação
(ISE). A Resolução CNE 01/99, em nome da flexibilização dos cursos de
licenciatura, deixa em aberto a localização dos IES podendo estes estar dentro
ou fora das instituições universitárias.
Desde a década de 70, a formação dos professores de Arte oferece
opções facilitadoras, para atender a necessidade das secretarias municipais e
estaduais de ensino.
Nesta década, a necessidade de formar em quantidade e agilidade, na
licenciatura de curta duração, professores para as aulas de Educação Artística
teve reflexo em aulas desconexas, por conseqüência das deficiências dos
cursos.
Este fato se estendeu por toda a década de 80 e início dos anos 90,
absorvendo no sistema de ensino estadual de São Paulo até mesmo os
estudantes iniciais, dos cursos de licenciatura, como também bacharéis e
profissionais liberais (formados ou estudantes).
Da segunda metade da década de 90 até hoje, o cerco foi-se fechando
para os bacharéis e profissionais liberais, no entanto, enquanto houver
necessidade, os estudantes de licenciatura continuam presentes como
professores; e se os estudantes de licenciatura não atender a demanda de
aulas, os bacharéis, tecnólogos e profissionais liberais tem chances de dar o ar
da graça nas salas de aulas da educação básica.
Com o parecer e a resolução em questão, sobre o ISE, um professor de
qualquer outra matéria, que queira se formar na licenciatura em Arte, por meio
do ISE, que pode oferecer cursos semi-presencias, faz o aproveitamento
curricular da primeira licenciatura, matricula-se no curso com duração de um
ano, com encontros presenciais mensais. Forma-se, assim, o novo professor
de Arte, em dias!
A necessidade de professores para atender demanda das aulas, da
educação básica, é um problema de políticas públicas que reflete
inevitavelmente de forma negativa nas salas de aulas e na produção de
pesquisa sobre ensino da Arte.
Nenhum professor consegue criar, planejar, realizar, gerir e avaliar
situações didáticas eficazes para a aprendizagem e para o
desenvolvimento dos alunos se ele não compreender, com razoável
profundidade e com a necessária adequação à situação escolar, os
conteúdos das áreas do conhecimento que serão objeto de sua
didática, os contextos em que inscrevem e as temáticas transversais
ao currículo escolar (LDBN, 1996, p. 20).
A concatenação teoria/prática pressupõe transposição didática mediada,
reflexão sobre estratégias e procedimentos de ensino, autonomia para escolha
dos conteúdos e das estratégias de ensino – e quando me refiro à escolha
remeto a concepção de professor comprometido com a aprendizagem do aluno
e com a atividade intelectual fundamentada nos referenciais teóricos e vivencia
pessoal, na formação inicial – e o compromisso em propiciar situações de
aprendizagem que desenvolve a competência de articular os saberes e
construir conhecimento.
Para poder escolher há de se ter autonomia. E esta só se conquista com
a ampliação dos referenciais, a qual diferencia um Professor atuante de um
cumpridor do horário de trabalho.
Com a concepção de educação básica, dividida nas modalidades e/ou
etapas: educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de
jovens e adultos do ensino fundamental e médio (EJA), para o professor de
Arte, que atende a todas as etapas, saber trabalhar com seus conteúdos
curriculares respeitando a diversidade, promovida pelas diferentes faixasetárias, é necessário que em sua formação inicial haja reflexão sobre
desenvolvimento e aprendizagem.
Uma situação de aprendizagem eficaz, desenvolvida para crianças das
séries iniciais, pode não apresentar bons resultados nas outras modalidades
e/ou etapas. No entanto, ao conhecer sobre o conteúdo específico da matéria e
sobre as pedagogias, o professor planeja seus objetivos e escolhe suas
estratégias, porque a vivência da construção do conhecimento na formação
inicial faz nascer asas, que eu chamo de autonomia para reconstruir
conhecimento, por meio da mobilização dos saberes adquiridos na escola e
fora dela, desde os cursos da educação básica até a formação acadêmica.
Isto porque construir é diferente de transmitir. Bosi, quando reflete sobre
diversidade na unidade no livro Reflexões sobre a Arte nos auxilia a entender a
diferença entre transmitir e construir conhecimento em Arte.
O papel da linguagem não é exteriorizar ideológico prévio, uno, já
pronto, feito e perfeito. Não. A consciência poética constrói um objeto
semântico, o poema a partir de uma situação já interiorizada, sempre
complexa, e dotada, em geral, de uma “atmosfera” (afetiva, tonal);
mas os seus perfis, os seus aspectos particulares, irão se
diferenciando à medida que o artista sondar a própria memória e der
contorno e relevo à sua intuição (BOSI, 2000, p. 60).
Somos, os professores formados até meados da década de 90, a geração da
transmissão técnica e específica.
Autonomia se conquista com a ampliação e o aprofundamento dos seus
repertórios culturais. Paulo Freire dizia em suas audiências que a liberdade se
conquista por meio da educação.
A formação inicial pode não dar conta de ampliar e aprofundar repertório
cultural, no entanto é o meio que desenvolve asas. Por isso, não pode
acontecer de forma fragmentada.
Curioso, que na primeira parte do parecer Relato, do documento
CNE/CP 009/2001, em Questões a serem enfrentadas na formação dos
professores, no item 3.2.9. Desconsideração das especificidades próprias das
etapas da educação básica e das áreas do conhecimento que compõem o
quadro curricular na educação básica há os seguintes dizeres:
Há ainda a necessidade de se discutir a formação de professores
para algumas áreas de conhecimento desenvolvidas no ensino
fundamental, com Ciências Naturais ou Artes, que pressupõem uma
abordagem equilibrada e articulada de diferentes disciplinas (Biologia,
Física, Química, Astronomia, Geologia etc, no caso das Ciências
Naturais) e diferentes linguagens (da Música, da Dança, das Artes
Visuais, do Teatro, no caso de Arte), que, atualmente, são
ministradas por professores preparados para ensinar apenas uma
dessas disciplinas ou linguagens. A questão a ser enfrentada é a da
definição de qual é a formação necessária para que os professores
dessas áreas possam efetivar as propostas contidas nas diretrizes
curriculares (...) Na formação de professores para as séries finais do
ensino fundamental e para o ensino médio, por força da organização
disciplinar presente nos currículos escolares, predomina uma visão
excessivamente fragmentada do conhecimento (CNE/CP, 2001, p.
26).
Pressuponho que realmente não há uma definição quanto à formação do
professor de Arte, diante desta reflexão sobre visão fragmentada do
conhecimento, expressada neste trecho do documento.
A Universidade de São Paulo (USP) Leste, referência nacional em
formação e produção acadêmica, oferece desde 2008 o curso de Licenciatura
em Ciências da Natureza. Porque, para estudar ciências necessariamente
passa por disciplinas científicas.
Para estudar Arte, necessariamente passa por linguagens/modalidades
artísticas. Mais uma, vez as reflexões de Bosi nos auxilia para entendermos a
relação do sujeito e a Arte. Consequentemente ilumina a presença da Arte na
educação.
... a arte tem representado, desde a Pré-História, uma atividade
fundamental do ser humano. Atividade que, ao produzir objetos e
suscitar certos estados psíquicos no receptor, não esgota
absolutamente o seu sentido nessas operações. Estas decorrem de
um processo totalizante, que as condiciona: o que nos leva a sondar
o ser da arte enquanto modo específico de os homens entrarem em
relação como universo e consigo mesmos (BOSI, 2001, p. 8)
Se a educação básica pressupõe a integralidade entre as etapas de
educação, então a superação da fragmentação terá que contemplar o todo da
educação básica e da formação do professor de Arte.
Para saber mobilizar saberes é preciso ter os saberes, que são os
referenciais que ampliam o repertório de idéias.
Na segunda parte do parecer CNE/CP de 2001 Voto da Relatora, no
item 1.2. É imprescindível que haja coerência entre a formação oferecida e a
prática esperada do futuro professor traz o conceito de simetria invertida (p.
30), que trata dos referenciais miméticos que os professores reproduzem em
sala de aula.
Isso, provavelmente, explica a observação que fiz, de como alguns
professores de arte, observados em visita à escola, tratam os cadernos dos
alunos – do material referencial da proposta curricular da SEE – e as
marcações que fizeram (de caneta vermelha) sobre as atividades oferecidas
pelo caderno.
O caderno do aluno foi desenvolvido para servir como material de
registro das aulas.
Contém assuntos a serem desenvolvidos nas linguagens: música,
dança, artes visuais e teatro, de escolha do professor qual a ênfase, dentre as
linguagens, ou qual linguagem específica para trabalhar a cada bimestre.
Há a orientação para o professor partir do assunto pautado no caderno
do aluno, fundamentado pelo caderno do professor, que ele previamente
estudou, para viajar pelos territórios da Arte, que autonomamente selecionou.
O assunto do caderno não caracteriza uma atividade, principalmente nos
moldes da escola tecnicista.
É uma espécie de portifólio semi-pronto, onde os alunos vão fazer seus
registros pessoais, das aulas.
Como não há resposta certa ou errada nas reflexões sobre a Arte nos
territórios do mapa rizomático, o caderno serve de mais um instrumento de
troca de informações entre os alunos e o professor, em sala de aula.
São assuntos e proposições para registros que por si só, não conecta e
não amplia conhecimento.
No entanto, o material que deveria servir como meio de registro das
aulas de Arte, tornou-se caderno de atividades para ser realizada na sala de
aula ou como tarefa de casa.
Creio que há semelhanças com a vivência, desses professores, como
alunos no período da educação básica.
O mimes daquele perfil de professor, que lhes agradava a idéia, estava
ancorada nas marcas da caneta vermelha, deixada nos cadernos dos alunos.
Uma das premissas da formação de professor, é sem dúvida emergir
esses mimes e discutir, trazer à luz da reflexão fundamentada nas teorias
pedagógicas. Questionar a postura e as atitudes, antes que eles reproduzam
em sala de aula, um perfil de professor desconectado com as necessidades
contemporâneas da educação.
Se o documento indica que é imprescindível que haja coerência entre a
formação e a função, por que o MEC forma os professores na parte e não no
todo? Como formar rede de significados com os alunos da educação básica, se
o saber é focado e estanque?
Ensinar requer dispor e mobilizar conhecimentos para improvisar, isto
é, agir em situações não previstas, intuir, atribuir valores e fazer
julgamentos que fundamentem a ação da forma mais pertinente e
eficaz possível (CNE/CP, 2001, p. 35).
O professor de Arte não ensina artista, mas sujeitos inter-relacionados
com seu meio. Quanto mais vivências, informações, conhecimentos maior é a
articulação para investigar hipóteses, criar soluções, se articular e saber utilizar
as diferentes linguagens (verbal e não verbal).
Na proposta Curricular – caderno de Arte – na Área de Linguagens,
Códigos e suas Tecnologias, há explicação sobre a linguagem ser um sistema
de representação, para a produção de sentidos e a seguinte idéia:
Mais do que objeto de conhecimento, as linguagens são meios para o
conhecimento. O homem conhece o mundo através de suas
linguagens, de seus símbolos. À medida que ele se torna mais
competente nas diferentes linguagens, torna-se mais capaz de
conhecer a si mesmo, assim como a sua cultura e o mundo em que
vive (SEE, 2008, p. 37).
A proposta curricular do Estado de São Paulo tem como concepção a
articulação das competências para aprender os conteúdos escolares, a
conviver, a saber fazer, a saber ser.
Pressupõe que a escola viabiliza condições do professor gerenciar as
situações de aprendizagem, mediando o conhecimento e o desenvolvimento
autônomo de articular esquemas cerebrais, emocionais e intelectuais para
desenvolver hipóteses, organizar os conteúdos e assuntos a serem utilizados
em diversos momentos, mesmo fora da escola.
Propõe que o professor desenvolva habilidades de mobilizar estratégias
e avaliação contínua, para bem da aprendizagem. Uma educação a altura dos
desafios contemporâneos (SEE, 2008, p. 9).
O grande desafio está parecendo ser a coerência entre a formação do
professor – que o MEC insiste na fragmentação – e a função do ensino da Arte
na SEE/SP na hibrida viagem pelos territórios da Arte.
A LDBEN e a Resolução SEE 62/2005 prevêem a formação continuada
do professor. Por que o professor pode ter contato com diversas linguagens e
modalidades da Arte na formação em serviço e na graduação só há
especialização em uma linguagem/modalidade?
Se Arte é inerente ao sujeito, se ele canta, dança, lê signos gráficos
verbais e não verbais, lê gesto, movimento, forma e som, então não há o que
convença sobre a determinação do curso de Licenciatura na parte e não no
todo.
Com o advento da semiótica, se constituindo num campo intrincado e
heteróclito (SANTAELLA, 1983, p. 14), o lento entendimento dessa ciência
transformou o documento PCN de Arte (1996, p. 40), tão criticado por não
corresponder ao número de aulas das partes da Arte e de professores
formados, num discurso atualizado para o ensino da concepção Arte.
A semiótica discorre sobre a percepção do homem contemporâneo da
linguagem, que segundo esta ciência trata-se de linguagens intrínsecas na
produção de um significado, cuja publicidade utiliza com maestria e entra na
vida dos leitores dos signos verbais e não verbais, simultaneamente, sem
causar prejuízo de juízo do que se quer comunicar.
Por ser um elemento da cultura a Arte deve ter seu espaço preservado
na escola, contudo o entendimento da Arte está fragmentado na cabeça dos
professores
e,
por
conseqüência,
dos
alunos
por
ter
tratamento
compartimentado, ainda com pensamento influenciado pelo tecnicismo
tradicional.
No documento Proposta Curricular do Estado de São Paulo – Arte
(2008, p. 51) consta que o professor de Arte faz conexões no mapa rizomático
dos Territórios da Arte partindo do conhecimento obtido na sua formação
inicial.
Se a formação inicial do professor está na parte – Artes Visuais, Música,
Teatro ou Dança – ele não terá condições de uma provocação rica em leitura
dos
códigos
não
verbais
(música,
dança,
performance,
instalações,
espetáculos teatrais, shows, propagandas, hipertextos midiáticos, etc) e, como
consequência, será pobre o seu discurso verbal provocativo.
Portanto, sou conduzida a deduzir que a insistência legal em formar
professores na linguagem/modalidade artística – parte da Arte – ainda é um
resquício de influência da educação tecnicista/tradicional/positivista liberal do
século XX no Brasil.
Por mais que Martins e Picosque defendam que a formação inicial do
professor não interfere na metodologia rizomática do mapa dos Territórios da
Arte e defendem a formação da parte, nos moldes que se apresentam, os
professores apresentam dificuldades para entender a proposta metodológica
da Arte, por conta das deficiências apresentadas pela formação inicial.
O documento do MEC, na análise em questão, foi o primeiro documento
sobre formação de professores da educação básica, após a LDBEN 9.394/96.
Com bases neste parecer, outros pareceres e resoluções foram
redigidos para regulamentar e fomentar as especificidades da educação
superior, para a formação de professores da educação básica.
O
Parecer
Homologado
CNE/CES
0195/2003,
sobre
Diretrizes
Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Música, Dança, Teatro e
Design, relata que as instituições de ensino superior responderão pelo padrão
de qualidade dos Cursos de Graduação, atendendo as orientações da LDBEN
em vigor, e propõe a substituição do modelo dos currículos mínimos nacionais
por Diretrizes Curriculares Nacionais. Assim, promove a flexibilização dos
currículos dos cursos de graduação.
Quando se tratar de curso de graduação para formação de docentes,
licenciatura plena, deverão ser observadas as normas específicas
relacionadas com essa modalidade de oferta (CNE/CES,2003, p. 3).
Portanto, para cada curso do documento há dois segmentos
norteadores:
•
Diretrizes específicas por curso
•
Diretrizes comuns aos cursos
No curso de Música, em Conteúdos Curriculares (p. 4), encontra-se nos
itens:
I – conteúdos básicos: estudos relacionados com a cultura e as artes...
III – conteúdos teórico-práticos: estudos que permitam a integração
teoria/prática relacionada com o exercício da arte musical e o
desempenho profissional...
No curso de Dança, no mesmo item (p. 5):
I – conteúdos básicos: estudos relacionados com as artes cênicas, a
música...
III – conteúdos teórico-práticos: domínios de técnicas e princípios
informadores da expressão musical (...) desenvolvimentos de atividades
relacionadas com os espaços cênicos, com as artes plásticas (...)
inerentes a produção em dança como expressão da arte e da vida.
E, para finalizar este documento, no curso de Teatro, no mesmo item (p.
7):
I – conteúdos básicos: estudos relacionados com as artes cênicas, a
música, a cultura e a Literatura, sob as diferentes manifestações da vida
e de seus valores...
II – conteúdos específicos: estudos relacionados com a história da arte,
com a estética (...) adequadas à expressão teatral e às formas de
comunicação humana.
Novamente eu tenho dúvida se a defesa do Ministério da Educação, na
fragmentação da Arte em cursos de licenciatura – Artes Visuais, Música, Dança
e Teatro – ocorre por influência da ciência positivista.
Dentre
o
relato
do
documento
há
co-relação
entre
as
linguagens/modalidades, pois um assunto não se pode desconectar de outro.
Portanto a Arte é a área de conhecimento, onde as linguagens
modalidades se relacionam e se interdependem.
Na Resolução 1 de 16/01/2009 que Aprova as Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Artes Visuais e dá outras providências,
trata o ensino das Artes Visuais, como um assunto independente das outras
linguagens/modalidades artísticas, como se as idéias que influenciam a Música
e as Artes Cênicas não fossem as mesmas que influenciam as Artes Visuais.
Aparenta um jogo de junta/separa do que não se pode fragmentar na
cultura e na educação, porque a Arte é inerente ao homem.
Sujeito algum, passará despercebido diante a uma obra de arte. Nem a
incompreensão da razão impede uma experiência estética.
Isso, por si só, explica a importância da Arte na educação e no
desenvolvimento do sujeito.
Essa concepção de ensino da Arte deve compor o currículo da
Licenciatura em Arte.
CONCLUSÃO
Não se trata de conceber prioridade aos temas ostensivamente
sociais. O realismo afirma-se como político no momento em
que o artista vive, com todo o seu empenho intelectual e ético,
a idéia de que arte é conhecimento (BOSI, 2000,p. 48)
A concepção curricular sobre o ensino da Arte, no Estado de São
Paulo, com o mapa rizomático dos territórios da Arte, que inter-relaciona
as linguagens e modalidades em diversas dimensões, permite uma
dinâmica de compreensão da Arte, seu processo de criação, matéria,
saberes estéticos, patrimônio cultural, linguagem, mediação, formaconteúdo e, segundo os mentores da concepção, independente da
especificidade da formação inicial do professor.
Apesar da insistência do Ministério da Educação (MEC) em manter
a estrutura da formação inicial do professor de Arte na especialização da
linguagem
artística,
o
texto
dos
documentos
oficiais
indica
o
conhecimento sobre a cultura em que o aluno está inserido e outras
culturas; estabelecer relação entre a multiplicidade cultural requer
conhecimento amplo sobre as diferentes linguagens e seus códigos –
verbais ou não – de manifestações indissociavelmente artística.
A Arte, como área da cultura, é produção humana em diversas
linguagens e modalidades artísticas, que expressam influências vindas
das mesmas idéias e contam uma única história.
Eu estabeleço relação entre culturas por meio da música, do
movimento corporal, da expressão do traço; tudo ao mesmo tempo ou
com evidências em modalidades específicas. Mas só posso ter noção
dessa distinção se conhecer o todo.
O professor, da Educação Básica, deve ter contato com a Arte e
vivenciar suas linguagens modalidades.
O conhecimento da Arte, como um todo, é à base de sua formação
inicial, uma vez que a licenciatura é diferenciada da formação específica
do artista.
Ser professor de Arte é saber trafegar por essa área da cultura e
reconhecer suas características e seus signos.
A formação inicial está na base de tudo. Evidentemente, faz-se
necessário a formação continuada, pois, a Arte é um eterno estado de
transição das idéias comunicadas principalmente por meios não verbais.
Essa insistência em manter a especificidade dos cursos por
Linguagens/Modalidades
da
Arte,
nas
Licenciaturas,
ocorre
por
resquícios da influência da ciência positivista no Brasil.
A escola contemporânea é um universo onde os processos de
ensino e aprendizagem deveria construir percursos de discussão do
conceito e, já é passada à hora, há que se enaltecer a Arte como área do
conhecimento essencial para a educação básica, por propiciar
movimento, conhecimento corporal, experiência estética, ampliação do
olhar, socialização, percepção de si e do outro, criatividade, diálogos
(verbal e não verbal), história da humanidade, criticidade, reflexão,
experiência, organização pessoal/espacial do corpo, da mente e da
linguagem, leitura de mundo, leitura do homem (e de si), equilíbrio,
conhecimento emocional, estímulo do pensamento lógico, entre outras
qualidades.
Tudo isto por conta de que conhecer a Arte é conhecer as
potencialidades humanas, por conseqüência conhecer o outro e, desta
experiência, poder entender um pouco de si e ser facilitador das relações
do eu para com a escola.
REFERÊNCIAS
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21/11/2009 as 16:30.
ANEXOS
ANEXO I
“APELO AO CHEFE DO GOVERNO
PROVISÓRIO DA REPÚBLICA BRASILEIRA”
No intuito de prestar serviços ativos a seu país, como um entusiasta
patriota que tem a devida obrigação de pôr à disposição das autoridades
administrativas todas as suas funções especializadas, préstimos, profissões, fé
e atividade, comprovadas pelas suas demonstrações públicas de capacidade,
quer em todo o Brasil, quer no estrangeiro, vem o signatário, por este
intermédio por este intermédio, mostrar a Vossa Excelência o quadro horrível
em que se encontra o meio artístico brasileiro, sob o ponto de vista da
finalidade educativa que deveria ser e ter para os nossos patrícios, não
obstante sermos um povo possuidor, incontestavelmente, dos melhores dons
da suprema arte.
O momento, senhor presidente, parece propício para que Vossa
Excelência possa mostrar com a ação e um gesto decisivos, o alto valor com
que Vossa Excelência distingue os nossos artistas e a grande arte no Brasil.
Um e outro se acham em quase completa penúria de um declive fatal,
provocado pelas crises imprevistas e ininterruptas, que têm sacudido o mundo
inteiro após a Grande Guerra.
Era preciso encontrar um meio prático e rápido para suavizar esta
situação, evitar a queda do nosso bom gosto pelas artes e acudir a tempo a
débâcle do nosso nível artístico.
A solução única, acreditamos, foi finalmente encontrada! E nunca digam
os incrédulos que para os grandes males não há remédios... Depois de muito
amadurecer idéias e examinar fatos concretos, aplicados e extraídos de
realidade em realidade, numa observação demorada e justa, resolvemos
formular as sugestões que para endereçar a Vossa Excelência. Possa,
excelentíssimo senhor presidente, com os eloqüentes argumentos aqui
expendidos, ter constantemente presente em sua memória a estatística de
nossos artistas, quase inteiramente desamparados.
Como
vem
de
ser
mostrado
a
Vossa
Excelência,
acham-se
desamparados para mais de 34 mil musicistas profissionais, em todo Brasil,
homens que representam, entretanto, pelos seus valores como artistas, quatro
vezes os valores representativos pessoais, porque assim é tem sido em todos
os países,em todas as épocas, a diferença de valor intelectual de que se
destaca do vulgar esta gente privilegiada. E a arte da pintura? A escultura? A
dança elevada? Esta nem existe entre nós que seja uma afirmação; quanto à
arte da dança elevada, é justamente uma das que o Brasil poderia cultivar com
superioridade sobre os demais países, porque é notória a beleza plástica da
mulher brasileira; a flexibilidade dos nossos atletas; o ritmo singular e obstinado
da nossa música popular; o amor que possuímos pelos livres movimentos
físicos diante da nossa incomparável natureza; e o gosto pela fantasia delirante
demonstrada, sobejamente, na predileção, quase maníaca, pelas festas do
carnaval carioca. E o nosso encantado Teatro Brasileiro? As nossas comédias,
nossas óperas, nossos gêneros originais típicos ou ingênuos? Porque,
felizmente, a arquitetura, a poesia, a literatura, a filosofia, a ciência, a religião
católica, outras seitas, preceitos e doutrinas aplicados ao nosso país, sempre
tem encontrado um pequenino campo de explanação, conquanto que bem
pouco cuidado pelos nossos governos passados. – E a música?
Peço ainda permissão para lembrar a Vossa Excelência que é
incontestavelmente a música, como linguagem universal que melhor poderá
fazer a mais eficaz propaganda do Brasil, no estrangeiro, sobretudo se for
lançada por elementos genuinamente brasileiros, porque desta forma ficará
mais gravada a personalidade nacional, processo este que melhor define uma
raça, mesmo que esta seja mista e não tenha tido uma velha tradição.
De modo que hoje, dia 1º de fevereiro de 1932, espero que Vossa
Excelência irá decidir,com acerto, a verdadeira situação das artes no Brasil.
E então, ou Vossa Excelência será além de grande e benemérito homem
público e estadista arguto, o amigo leal das artes e dos artistas da nossa pátria,
colaborador dum dos maiores monumentos artísticos que o mundo produziu e
que a história universal das artes inscreverá como um de seus capítulos mais
interessantes, ou somente o grande e enérgico chefe do governo provisório da
República brasileira, o ínclito patriota que sacudiu o jugo atroz das rotinas
políticas passadas que pesavam sobre o povo brasileiro cujos filhos são de
Vossa Excelência nesta ascensão.
Mostre Vossa Excelência Senhor presidente, aos derrotistas mentirosos
ou aos pessimistas que vivem não acreditando num milagre da proteção do
governo às nossas artes, que Vossa Excelência é de fato o lutador consciente
e realizador, tornando, incontinenti, uma realidade o Departamento Nacional de
Proteção às Artes.
E com isto Vossa Excelência terá salvo nossas artes e nossos artistas,
que bem dirão toda a existência de Vossa Excelência. Seu humilde patrício.
Heitor Villa-Lobos
ANEXO II
HISTÓRIA
DA
EDUCAÇÃO
NO
BRASIL
PERÍODO
DA
SEGUNDA
REPÚBLICA
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932)
A RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL NO BRASIL - AO POVO E AO
GOVERNO
Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância
e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem
disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução
orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições
econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção,
sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões
à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de
riqueza de uma sociedade. No entanto, se depois de 43 anos de regime
republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil,
se verificará que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais,
que era indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido,
todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de
continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, à
altura das necessidades modernas e das necessidades do país. Tudo
fragmentário e desarticulado. A situação atual, criada pela sucessão periódica
de reformas parciais e freqüentemente arbitrárias, lançadas sem solidez
econômica e sem uma visão global do problema, em todos os seus aspectos,
nos deixa antes a impressão desoladora de construções isoladas, algumas já
em ruína, outras abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em
termos de serem despojadas de seus andaimes...
Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de
inorganização do que de desorganização do aparelho escolar, é na falta, em
quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins de educação
(aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos
científicos aos problemas de educação. Ou, em poucas palavras, na falta de
espírito filosófico e científico, na resolução dos problemas da administração
escolar. Esse empirismo grosseiro, que tem presidido ao estudo dos problemas
pedagógicos, postos e discutidos numa atmosfera de horizontes estreitos, tem
as suas origens na ausência total de uma cultura universitária e na formação
meramente literária de nossa cultura. Nunca chegamos a possuir uma "cultura
própria", nem mesmo uma "cultura geral" que nos convencesse da "existência
de um problema sobre objetivos e fins da educação". Não se podia encontrar,
por isto, unidade e continuidade de pensamento em planos de reformas, nos
quais as instituições escolares, esparsas, não traziam, para atraí-las e orientálas para uma direção, o pólo magnético de uma concepção da vida, nem se
submetiam, na sua organização e no seu funcionamento, a medidas objetivas
com que o tratamento científico dos problemas da administração escolar nos
ajuda a descobrir, à luz dos fins estabelecidos, os processos mais eficazes
para a realização da obra educacional.
Certo, um educador pode bem ser um filósofo e deve ter a sua filosofia de
educação; mas, trabalhando cientificamente nesse terreno, ele deve estar tão
interessado na determinação dos fins de educação, quanto também dos meios
de realizá-los. O físico e o químico não terão necessidade de saber o que está
e se passa além da janela do seu laboratório. Mas o educador, como o
sociólogo, tem necessidade de uma cultura múltipla e bem diversa; as alturas e
as profundidades da vida humana e da vida social não devem estender-se
além do seu raio visual; ele deve ter o conhecimento dos homens e da
sociedade em cada uma de suas fases, para perceber, além do aparente e do
efêmero, "o jogo poderoso das grandes leis que dominam a evolução social", e
a posição que tem a escola, e a função que representa, na diversidade e
pluralidade das forças sociais que cooperam na obra da civilização. Se têm
essa cultura geral, que lhe permite organizar uma doutrina de vida e ampliar o
seu horizonte mental, poderá ver o problema educacional em conjunto, de um
ponto de vista mais largo, para subordinar o problema pedagógico ou dos
métodos ao problema filosófico ou dos fins da educação; se tem um espírito
científico, empregará os métodos comuns a todo gênero de investigação
científica, podendo recorrer a técnicas mais ou menos elaboradas e dominar a
situação, realizando experiências e medindo os resultados de toda e qualquer
modificação nos processos e nas técnicas, que se desenvolveram sob o
impulso dos trabalhos científicos na administração dos serviços escolares.
Movimento de renovação educacional
À luz dessas verdades e sob a inspiração de novos ideais de educação, é
que se gerou, no Brasil, o movimento de reconstrução educacional, com que,
reagindo contra o empirismo dominante, pretendeu um grupo de educadores,
nestes últimos doze anos, transferir do terreno administrativo para os planos
político-sociais a solução dos problemas escolares. Não foram ataques injustos
que abalaram o prestígio das instituições antigas; foram essas instituições
criações artificiais ou deformadas pelo egoísmo e pela rotina, a que serviram
de abrigo, que tornaram inevitáveis os ataques contra elas. De fato, porque os
nossos métodos de educação haviam de continuar a ser tão prodigiosamente
rotineiros, enquanto no México, no Uruguai, na Argentina e no Chile, para só
falar na América espanhola, já se operavam transformações profundas no
aparelho educacional, reorganizado em novas bases e em ordem a finalidades
lucidamente descortinadas? Porque os nossos programas se haviam ainda de
fixar nos quadros de segregação social, em que os encerrou a república, há 43
anos, enquanto nossos meios de locomoção e os processos de indústria
centuplicaram de eficácia, em pouco mais de um quartel de século? Porque a
escola havia de permanecer, entre nós, isolada do ambiente, como uma
instituição enquistada no meio social, sem meios de influir sobre ele, quando,
por toda a parte, rompendo a barreira das tradições, a ação educativa já
desbordava a escola, articulando-se com as outras instituições sociais, para
estender o seu raio de influência e de ação?
Embora, a princípio, sem diretrizes definidas, esse movimento francamente
renovador inaugurou uma série fecunda de combates de idéias, agitando o
ambiente para as primeiras reformas impelidas para urna nova direção.
Multiplicaram-se as associações e iniciativas escolares, em que esses debates
testemunhavam a curiosidade dos espíritos, pondo em circulação novas idéias
e transmitindo aspirações novas com um caloroso entusiasmo. Já se
despertava a consciência de que, para dominar a obra educacional, em toda a
sua extensão, é preciso possuir, em alto grau, o hábito de se prender, sobre
bases sólidas e largas, a um conjunto de idéias abstratas e de princípios
gerais, com que possamos armar um ângulo de observação, para vermos mais
claro e mais longe e desvendarmos, através da complexidade tremenda dos
problemas sociais, horizontes mais vastos. Os trabalhos científicos no ramo da
educação já nos faziam sentir, em toda a sua força reconstrutora, o axioma de
que se pode ser tão científico no estudo e na resolução dos problemas
educativos, como nos da engenharia e das finanças. Não tardaram a surgir, no
Distrito Federal e em três ou quatro Estados as reformas e, com elas, as
realizações, com espírito científico, e inspiradas por um ideal que, modelado à
imagem da vida, já lhe refletia a complexidade. Contra ou a favor, todo o
mundo se agitou. Esse movimento é hoje uma idéia em marcha, apoiando-se
sobre duas forças que se completam: a força das idéias e a irradiação dos
fatos.
Diretrizes que se esclarecem
Mas, com essa campanha, de que tivemos a iniciativa e assumimos a
responsabilidade, e com a qual se incutira, por todas as formas, no magistério,
o espírito novo, o gosto da crítica e do debate e a consciência da necessidade
de um aperfeiçoamento constante, ainda não se podia considerar inteiramente
aberto o caminho às grandes reformas educacionais. É certo que, com a
efervescência intelectual que produziu no professorado, se abriu, de uma vez,
a escola a esses ares, a cujo oxigênio se forma a nova geração de educadores
e se vivificou o espírito nesse fecundo movimento renovador no campo da
educação pública, nos últimos anos. A maioria dos espíritos, tanto da velha
como da nova geração ainda se arrastam, porém, sem convicções, através de
um labirinto de idéias vagas, fora de seu alcance, e certamente, acima de sua
experiência; e, porque manejam palavras, com que já se familiarizaram,
imaginam muitos que possuem as idéias claras, o que lhes tira o desejo de
adquiri-las... Era preciso, pois, imprimir uma direção cada vez mais firme a
esse movimento já agora nacional, que arrastou consigo os educadores de
mais destaque, e levá-lo a seu ponto culminante com uma noção clara e
definida de suas aspirações e suas responsabilidades. Aos que tomaram
posição na vanguarda da campanha de renovação educacional, cabia o dever
de formular, em documento público, as bases e diretrizes do movimento que
souberam provocar, definindo, perante o público e o governo, a posição que
conquistaram e vêm mantendo desde o início das hostilidades contra a escola
tradicional.
Reformas e a Reforma
Se não há país "onde a opinião se divida em maior número de cores, e se
não se encontra teoria que entre nós não tenha adeptos", segundo já observou
Alberto Torres, princípios e idéias não passam, entre nós, de "bandeira de
discussão, ornatos de polêmica ou simples meio de êxito pessoal ou político".
Ilustrados, as vezes, e eruditos, mas raramente cultos, não assimilamos
bastante as idéias para se tornarem um núcleo de convicções ou um sistema
de doutrina, capaz de nos impelir à ação em que costumam desencadear-se
aqueles
"que
pensaram
sua
vida
e
viveram
seu
pensamento".
A
interpenetração profunda que já se estabeleceu, em esforços constantes, entre
as nossas idéias e convicções e a nossa vida de educadores, em qualquer
setor ou linha de ataque em que tivemos de desenvolver a nossa atividade já
denuncia, porém, a fidelidade e o vigor com que caminhamos para a obra de
reconstrução educacional, sem estadear a segurança de um triunfo fácil, mas
com a serena confiança na vitória definitiva de nossos ideais de educação. Em
lugar dessas reformas parciais, que se sucederam, na sua quase totalidade, na
estreiteza crônica de tentativas empíricas, o nosso programa concretiza uma
nova política educacional, que nos preparará, por etapas, a grande reforma, em
que palpitará, com o ritmo acelerado dos organismos novos, o músculo central
da estrutura política e social da nação.
Em cada uma das reformas anteriores, em que impressiona vivamente a
falta de uma visão global do problema educativo, a força inspiradora ou a
energia estimulante mudou apenas de forma, dando soluções diferentes aos
problemas particulares. Nenhuma antes desse movimento renovador penetrou
o âmago da questão, alterando os caracteres gerais e os traços salientes das
reformas que o precederam. Nós assistíamos à aurora de uma verdadeira
renovação educacional, quando a revolução estalou. Já tínhamos chegado
então, na campanha escolar, ao ponto decisivo e climatério, ou se o quiserdes,
à linha de divisão das águas. Mas, a educação que, no final de contas, se
resume logicamente numa reforma social, não pode, ao menos em grande
proporção, realizar-se senão pela ação extensa e intensiva da escola sobre o
indivíduo e deste sobre si mesmo nem produzir-se, do ponto de vista das
influências exteriores, senão por uma evolução contínua, favorecida e
estimulada por todas as forças organizadas de cultura e de educação. As
surpresas e os golpes de teatro são impotentes para modificarem o estado
psicológico e moral de um povo. É preciso, porém, atacar essa obra, por um
plano integral, para que ela não se arrisque um dia a ficar no estado
fragmentário, semelhante a essas muralhas pelágicas, inacabadas, cujos
blocos enormes, esparsos ao longe sobre o solo, testemunham gigantes que
os levantaram, e que a morte surpreendeu antes do cortamento de seus
esforços...
Finalidades da educação
Toda a educação varia sempre em função de uma "concepção da vida",
refletindo, em cada época, a filosofia predominante que é determinada, a seu
turno, pela estrutura da sociedade. E' evidente que as diferentes camadas e
grupos (classes) de uma sociedade dada terão respectivamente opiniões
diferentes sobre a "concepção do mundo", que convém fazer adotar ao
educando e sobre o que é necessário considerar como "qualidade socialmente
útil". O fim da educação não é, como bem observou G. Davy, "desenvolver de
maneira anárquica as tendências dominantes do educando; se o mestre
intervém para transformar, isto implica nele a representação de um certo ideal
à imagem do qual se esforça por modelar os jovens espíritos". Esse ideal e
aspiração dos adultos toma-se mesmo mais fácil de apreender exatamente
quando assistimos à sua transmissão pela obra educacional, isto é, pelo
trabalho a que a sociedade se entrega para educar os seus filhos. A questão
primordial das finalidades da educação gira, pois, em torno de uma concepção
da vida, de um ideal, a que devem conformar-se os educandos, e que uns
consideram abstrato e absoluto, e outros, concreto e relativo, variável no tempo
e no espaço. Mas, o exame, num longo olhar para o passado, da evolução da
educação através das diferentes civilizações, nos ensina que o "conteúdo real
desse ideal" variou sempre de acordo com a estrutura e as tendências sociais
da época, extraindo a sua vitalidade, como a sua força inspiradora, da própria
natureza da realidade social.
Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia de cada época,
que lhe define o caráter, rasgando sempre novas perspectivas ao pensamento
pedagógico, a educação nova não pode deixar de ser uma reação categórica,
intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional,
artificial e verbalista, montada para uma concepção vencida. Desprendendo-se
dos interesses de classes, a que ela tem servido, a educação perde o "sentido
aristológico", para usar a expressão de Ernesto Nelson, deixa de constituir um
privilégio determinado pela condição econômica e social do indivíduo, para
assumir um "caráter biológico", com que ela se organiza para a coletividade em
geral, reconhecendo a todo o indivíduo o direito a ser educado até onde o
permitam as suas aptidões naturais, independente de razões de ordem
econômica e social. A educação nova, alargando a sua finalidade para além
dos limites das classes, assume, com uma feição mais humana, a sua
verdadeira função social, preparando-se para formar "a hierarquia democrática"
pela "hierarquia das capacidades", recrutadas em todos os grupos sociais, a
que se abrem as mesmas oportunidades de educação. Ela tem, por objeto,
organizar e desenvolver os meios de ação durável com o fim de "dirigir o
desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma das etapas de
seu crescimento", de acordo com uma certa concepção do mundo.
A diversidade de conceitos da vida provém, em parte, das diferenças de
classes e, em parte, da variedade de conteúdo na noção de "qualidade
socialmente útil", conforme o ângulo visual de cada uma das classes ou grupos
sociais. A educação nova que, certamente pragmática, se propõe ao fim de
servir não aos interesses de classes, mas aos interesses do indivíduo, e que se
funda sobre o princípio da vinculação da escola com o meio social, tem o seu
ideal condicionado pela vida social atual, mas profundamente humano, de
solidariedade, de serviço social e cooperação. A escola tradicional, instalada
para uma concepção burguesa, vinha mantendo o indivíduo na sua autonomia
isolada e estéril, resultante da doutrina do individualismo libertário, que teve
aliás o seu papel na formação das democracias e sem cujo assalto não se
teriam quebrado os quadros rígidos da vida social. A escola socializada,
reconstituída sobre a base da atividade e da produção, em que se considera o
trabalho como a melhor maneira de estudar a realidade em geral (aquisição
ativa da cultura) e a melhor maneira de estudar o trabalho em si mesmo, como
fundamento da sociedade humana, se organizou para remontar a corrente e
restabelecer, entre os homens, o espírito de disciplina, solidariedade e
cooperação, por uma profunda obra social que ultrapassa largamente o quadro
estreito dos interesses de classes.
Valores mutáveis e valores permanentes
Mas, por menos que pareça, nessa concepção educacional, cujo embrião já
se disse ter-se gerado no seio das usinas e de que se impregnam a carne e o
sangue de tudo que seja objeto da ação educativa, não se rompeu nem está a
pique de romper-se o equilíbrio entre os valores mutáveis e os valores
permanentes da vida humana. Onde, ao contrário, se assegurará melhor esse
equilíbrio é no novo sistema de educação, que, longe de se propor a fins
particulares de determinados grupos sociais, às tendências ou preocupações
de classes, os subordina aos fins fundamentais e gerais que assinala a
natureza nas suas funções biológicas. É certo que é preciso fazer homens,
antes de fazer instrumentos de produção. Mas, o trabalho que foi sempre a
maior escola de formação da personalidade moral, não é apenas o método que
realiza o acréscimo da produção social, é o único método susceptível de fazer
homens cultivados e úteis sob todos os aspectos. O trabalho, a solidariedade
social e a cooperação, em que repousa a ampla utilidade das experiências; a
consciência social que nos leva a compreender as necessidades do indivíduo
através das da comunidade, e o espírito de justiça, de renúncia e de disciplina,
não são, aliás, grandes "valores permanentes" que elevam a alma, enobrecem
o coração e fortificam a vontade, dando expressão e valor à vida humana? Um
vício das escolas espiritualistas, já o ponderou Jules Simon, é o "desdém pela
multidão". Quer-se raciocinar entre si e refletir entre si. Evita de experimentar a
sorte de todas as aristocracias que se estiolam no isolamento. Se quer servir à
humanidade, é preciso estar em comunhão com ela...
Certo, a doutrina de educação, que se apóia no respeito da personalidade
humana, considerada não mais como meio, mas como fim em si mesmo, não
poderia ser acusada de tentar, com a escola do trabalho, fazer do homem uma
máquina, um instrumento exclusivamente apropriado a ganhar o salário e a
produzir um resultado material num tempo dado. "A alma tem uma potência de
milhões de cavalos, que levanta mais peso do que o vapor. Se todas as
verdades matemáticas se perdessem, escreveu Lamartine, defendendo a
causa da educação integral, o mundo industrial, o mundo material, sofreria sem
duvida um detrimento imenso e um dano irreparável; mas, se o homem
perdesse uma só das suas verdades morais, seria o próprio homem, seria a
humanidade inteira que pereceria". Mas, a escola socializada não se organizou
como um meio essencialmente social senão para transferir do plano da
abstração ao da vida escolar em todas as suas manifestações, vivendo-as
intensamente, essas virtudes e verdades morais, que contribuem para
harmonizar os interesses individuais e os interesses coletivos. "Nós não somos
antes homens e depois seres sociais, lembra-nos a voz insuspeita de Paul
Bureau; somos seres sociais, por isto mesmo que somos homens, e a verdade
está antes em que não há ato, pensamento, desejo, atitude, resolução, que
tenham em nós sós seu princípio e seu termo e que realizem em nós somente
a totalidade de seus efeitos".
O Estado em face da educação
a) A educação, uma função essencialmente pública
Mas, do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre
logicamente para o Estado que o reconhece e o proclama, o dever de
considerar a educação, na variedade de seus graus e manifestações, como
uma função social e eminentemente pública, que ele é chamado a realizar, com
a cooperação de todas as instituições sociais. A educação que é uma das
funções de que a família se vem despojando em proveito da sociedade política,
rompeu os quadros do comunismo familiar e dos grupos específicos
(instituições privadas), para se incorporar definitivamente entre as funções
essenciais e primordiais do Estado. Esta restrição progressiva das atribuições
da família, - que também deixou de ser "um centro de produção" para ser
apenas um "centro de consumo", em face da nova concorrência dos grupos
profissionais, nascidos precisamente em vista da proteção de interesses
especializados", - fazendo-a perder constantemente em extensão, não lhe tirou
a "função específica", dentro do "foco interior", embora cada vez mais estreito,
em que ela se confinou. Ela é ainda o "quadro natural que sustenta
socialmente o indivíduo, como o meio moral em que se disciplinam as
tendências, onde nascem, começam a desenvolver-se e continuam a entreterse as suas aspirações para o ideal". Por isto, o Estado, longe de prescindir da
família, deve assentar o trabalho da educação no apoio que ela dá à escola e
na colaboração efetiva entre pais e professores, entre os quais, nessa obra
profundamente social, tem o dever de restabelecer a confiança e estreitar as
relações, associando e pondo a serviço da obra comum essas duas forças
sociais - a família e a escola, que operavam de todo indiferentes, senão em
direções diversas e ás vezes opostas.
b) A questão da escola única
Assentado o princípio do direito biológico de cada indivíduo à sua educação
integral, cabe evidentemente ao Estado a organização dos meios de o tornar
efetivo, por um plano geral de educação, de estrutura orgânica, que torne a
escola acessível, em todos os seus graus, aos cidadãos a quem a estrutura
social do país mantém em condições de inferioridade econômica para obter o
máximo de desenvolvimento de acordo com as suas aptidões vitais. Chega-se,
por esta forma, ao princípio da escola para todos, "escola comum ou única",
que, tomado a rigor, só não ficará na contingência de sofrer quaisquer
restrições, em países em que as reformas pedagógicas estão intimamente
ligadas com a reconstrução fundamental das relações sociais. Em nosso
regime político, o Estado não poderá, de certo, impedir que, graças à
organização de escolas privadas de tipos diferentes, as classes mais
privilegiadas assegurem a seus filhos uma educação de classe determinada;
mas está no dever indeclinável de não admitir, dentro do sistema escolar do
Estado, quaisquer classes ou escolas, a que só tenha acesso uma minoria, por
um privilegio exclusivamente econômico. Afastada a idéia do monopólio da
educação pelo Estado num país, em que o Estado, pela sua situação financeira
não está ainda em condições de assumir a sua responsabilidade exclusiva, e
em que, portanto, se torna necessário estimular, sob sua vigilância as
instituições privadas idôneas, a "escola única" se entenderá, entre nós, não
como "uma conscrição precoce", arrolando, da escola infantil à universidade,
todos os brasileiros, e submetendo-os durante o maior tempo possível a uma
formação idêntica, para ramificações posteriores em vista de destinos diversos,
mas antes como a escola oficial, única, em que todas as crianças, de 7 a 15,
todas ao menos que, nessa idade, sejam confiadas pelos pais à escola pública,
tenham uma educação comum, igual para todos.
c) A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação
A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação são outros tantos
princípios em que assenta a escola unificada e que decorrem tanto da
subordinação à finalidade biológica da educação de todos os fins particulares e
parciais (de classes, grupos ou crenças), como do reconhecimento do direito
biológico que cada ser humano tem à educação. A laicidade, que coloca o
ambiente escolar acima de crenças e disputas religiosas, alheio a todo o
dogmatismo sectário, subtrai o educando, respeitando-lhe a integridade da
personalidade em formação, à pressão perturbadora da escola quando
utilizada como instrumento de propaganda de seitas e doutrinas. A gratuidade
extensiva a todas as instituições oficiais de educação é um princípio igualitário
que torna a educação, em qualquer de seus graus, acessível não a uma
minoria, por um privilégio econômico, mas a todos os cidadãos que tenham
vontade e estejam em condições de recebê-la. Aliás o Estado não pode tornar
o ensino obrigatório, sem torná-lo gratuito. A obrigatoriedade que, por falta de
escolas, ainda não passou do papel, nem em relação ao ensino primário, e se
deve estender progressivamente até uma idade conciliável com o trabalho
produtor, isto é, até aos 18 anos, é mais necessária ainda "na sociedade
moderna em que o industrialismo e o desejo de exploração humana sacrificam
e violentam a criança e o jovem", cuja educação é freqüentemente impedida ou
mutilada pela ignorância dos pais ou responsáveis e pelas contingências
econômicas. A escola unificada não permite ainda, entre alunos de um e outro
sexo outras separações que não sejam as que aconselham as suas aptidões
psicológicas e profissionais, estabelecendo em todas as instituições "a
educação em comum" ou coeducação, que, pondo-os no mesmo pé de
igualdade e envolvendo todo o processo educacional, torna mais econômica a
organização da obra escolar e mais fácil a sua graduação.
A função educacional
a) A unidade da função educacional
A consciência desses princípios fundamentais da laicidade, gratuidade e
obrigatoriedade,
consagrados
na
legislação
universal,
já
penetrou
profundamente os espíritos, como condições essenciais à organização de um
regime escolar, lançado, em harmonia com os direitos do indivíduo, sobre as
bases da unificação do ensino, com todas as suas conseqüências. De fato, se
a educação se propõe, antes de tudo, a desenvolver ao máximo a capacidade
vital do ser humano, deve ser considerada "uma só" a função educacional,
cujos diferentes graus estão destinados a servir às diferentes fases de seu
crescimento, "que são partes orgânicas de um todo que biologicamente deve
ser levado à sua completa formação". Nenhum outro princípio poderia oferecer
ao panorama das instituições escolares perspectivas mais largas, mais
salutares e mais fecundas em conseqüências do que esse que decorre
logicamente da finalidade biológica da educação. A seleção dos alunos nas
suas aptidões naturais, a supressão de instituições criadoras de diferenças
sobre base econômica, a incorporação dos estudos do magistério à
universidade, a equiparação de mestres e professores em remuneração e
trabalho, a correlação e a continuidade do ensino em todos os seus graus e a
reação contra tudo que lhe quebra a coerência interna e a unidade vital,
constituem o programa de uma política educacional, fundada sobre a aplicação
do princípio unificador que modifica profundamente a estrutura intima e a
organização dos elementos constitutivos do ensino e dos sistemas escolares.
b) A autonomia da função educacional
Mas, subordinada a educação pública a interesses transitórios, caprichos
pessoais ou apetites de partidos, será impossível ao Estado realizar a imensa
tarefa que se propõe da formação integral das novas gerações. Não há sistema
escolar cuja unidade e eficácia não estejam constantemente ameaçadas,
senão reduzidas e anuladas, quando o Estado não o soube ou não o quis
acautelar contra o assalto de poderes estranhos, capazes de impor à educação
fins inteiramente contrários aos fins gerais que assinala a natureza em suas
funções biológicas. Toda a impotência manifesta do sistema escolar atual e a
insuficiência das soluções dadas às questões de caráter educativo não provam
senão o desastre irreparável que resulta, para a educação pública, de
influencias e intervenções estranhas que conseguiram sujeita-la a seus ideais
secundários e interesses subalternos. Dai decorre a necessidade de uma
ampla autonomia técnica, administrativa e econômica, com que os técnicos e
educadores, que têm a responsabilidade e devem ter, por isto, a direção e
administração da função educacional, tenham assegurados os meios materiais
para poderem realizá-la. Esses meios, porém, não podem reduzir-se às verbas
que, nos orçamentos, são consignadas a esse serviço público e, por isto,
sujeitas às crises dos erários do Estado ou às oscilações" do interesse dos
governos pela educação. A autonomia econômica não se poderá realizar, a
não ser pela instituição de um "fundo especial ou escolar", que, constituído de
patrimônios, impostos e rendas próprias, seja administrado e aplicado
exclusivamente no desenvolvimento da obra educacional, pelos próprios
órgãos do ensino, incumbidos de sua direção.
c) A descentralização
A organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios
do Estado, no espírito da verdadeira comunidade popular e no cuidado da
unidade nacional, não implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se
opõem as condições geográficas do país e a necessidade de adaptação
crescente da escola aos interesses e às exigências regionais. Unidade não
significa uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade. Por menos que
pareça, à primeira vista, não é, pois, na centralização, mas na aplicação da
doutrina federativa e descentralizadora, que teremos de buscar o meio de levar
a cabo, em toda a República, uma obra metódica e coordenada, de acordo com
um plano comum, de completa eficiência, tanto em intensidade como em
extensão. À União, na capital, e aos estados, nos seus respectivos territórios, é
que deve competir a educação em todos os graus, dentro dos princípios gerais
fixados na nova constituição, que deve conter, com a definição de atribuições e
deveres, os fundamentos da educação nacional. Ao governo central, pelo
Ministério da Educação, caberá vigiar sobre a obediência a esses princípios,
fazendo executar as orientações e os rumos gerais da função educacional,
estabelecidos na carta constitucional e em leis ordinárias, socorrendo onde
haja deficiência de meios, facilitando o intercâmbio pedagógico e cultural dos
Estados e intensificando por todas as formas as suas relações espirituais. A
unidade educativa, - essa obra imensa que a União terá de realizar sob pena
de perecer como nacionalidade, se manifestará então como uma força viva, um
espírito comum, um estado de ânimo nacional, nesse regime livre de
intercâmbio, solidariedade e cooperação que, levando os Estados a evitar todo
desperdício nas suas despesas escolares a fim de produzir os maiores
resultados com as menores despesas, abrirá margem a uma sucessão
ininterrupta de esforços fecundos em criações e iniciativas.
O processo educativo
O conceito e os fundamentos da educação nova
O desenvolvimento das ciências lançou as bases das doutrinas da nova
educação, ajustando à finalidade fundamental e aos ideais que ela deve
prosseguir os processos apropriados para realizá-los. A extensão e a riqueza
que atualmente alcança por toda a parte o estudo científico e experimental da
educação, a libertaram do empirismo, dando-lhe um caráter e um espírito
nitidamente científico e organizando, em corpo de doutrina, numa série fecunda
de pesquisas e experiências, os princípios da educação nova, pressentidos e
às vezes formulados em rasgos de síntese, pela intuição luminosa de seus
precursores. A nova doutrina, que não considera a função educacional como
uma função de superposição ou de acréscimo, segundo a qual o educando é
"modelado exteriormente" (escola tradicional), mas uma função complexa de
ações e reações em que o espírito cresce de "dentro para fora", substitui o
mecanismo pela vida (atividade funcional) e transfere para a criança e para o
respeito de sua personalidade o eixo da escola e o centro de gravidade do
problema da educação. Considerando os processos mentais, como "funções
vitais" e não como "processos em si mesmos", ela os subordina à vida, como
meio de utilizá-la e de satisfazer as suas múltiplas necessidades materiais e
espirituais. A escola, vista desse ângulo novo que nos dá o conceito funcional
da educação, deve oferecer à criança um meio vivo e natural, "favorável ao
intercâmbio de reações e experiências", em que ela, vivendo a sua vida
própria, generosa e bela de criança, seja levada "ao trabalho e à ação por
meios naturais que a vida suscita quando o trabalho e a ação convém aos seus
interesses e às suas necessidades".
Nessa nova concepção da escola, que é uma reação contra as tendências
exclusivamente passivas, intelectualistas e verbalistas da escola tradicional, a
atividade que está na base de todos os seus trabalhos, é a atividade
espontânea, alegre e fecunda, dirigida à satisfação das necessidades do
próprio indivíduo. Na verdadeira educação funcional deve estar, pois, sempre
presente, como elemento essencial e inerente à sua própria natureza, o
problema não só da correspondência entre os graus do ensino e as etapas da
evolução intelectual fixadas sobre a base dos interesses, como também da
adaptação da atividade educativa às necessidades psicobiológicas do
momento. O que distingue da escola tradicional a escola nova, não é, de fato, a
predominância dos trabalhos de base manual e corporal, mas a presença, em
todas as suas atividades, do fator psicobiológico do interesse, que é a primeira
condição de uma atividade espontânea e o estímulo constante ao educando
(criança, adolescente ou jovem) a buscar todos os recursos ao seu alcance,
"graças à força de atração das necessidades profundamente sentidas". É certo
que, deslocando-se por esta forma, para a criança e para os seus interesses,
móveis e transitórios, a fonte de inspiração das atividades escolares, quebra-se
a ordem que apresentavam os programas tradicionais, do ponto de vista da
lógica formal dos adultos, para os pôr de acordo com a "lógica psicológica", isto
é, com a lógica que se baseia na natureza e no funcionamento do espírito
infantil.
Mas, para que a escola possa fornecer aos "impulsos interiores a ocasião e
o meio de realizar-se", e abrir ao educando à sua energia de observar,
experimentar e criar todas as atividades capazes de satisfazê-la, é preciso que
ela seja reorganizada como um "mundo natural e social embrionário", um
ambiente dinâmico em íntima conexão com a região e a comunidade. A escola
que tem sido um aparelho formal e rígido, sem diferenciação regional,
inteiramente desintegrado em relação ao meio social, passará a ser um
organismo vivo, com uma estrutura social, organizada à maneira de uma
comunidade palpitante pelas soluções de seus problemas. Mas, se a escola
deve ser uma comunidade em miniatura, e se em toda a comunidade as
atividades manuais, motoras ou construtoras "constituem as funções
predominantes da vida", é natural que ela inicie os alunos nessas atividades,
pondo-os em contato com o ambiente e com a vida ativa que os rodeia, para
que eles possam, desta forma, possuí-la, apreciá-la e senti-la de acordo com
as aptidões e possibilidades. "A vida da sociedade, observou Paulsen, se
modifica em função da sua economia, e a energia individual e coletiva se
manifesta pela sua produção material". A escola nova, que tem de obedecer a
esta lei, deve ser reorganizada de maneira que o trabalho seja seu elemento
formador, favorecendo a expansão das energias criadoras do educando,
procurando estimular-lhe o próprio esforço como o elemento mais eficiente em
sua educação e preparando-o, com o trabalho em grupos e todas as atividades
pedagógicas e sociais, para fazê-lo penetrar na corrente do progresso material
e espiritual da sociedade de que proveio e em que vai viver e lutar.
Plano de reconstrução educacional
a) As linhas gerais do plano
Ora, assentada a finalidade da educação e definidos os meios de ação ou
processos de que necessita o indivíduo para o seu desenvolvimento integral,
ficam fixados os princípios científicos sobre os quais se pode apoiar
solidamente um sistema de educação. A aplicação desses princípios importa,
como se vê, numa radical transformação da educação pública em todos os
seus graus, tanto à luz do novo conceito de educação, como à vista das
necessidades nacionais. No plano de reconstrução educacional, de que se
esboçam aqui apenas as suas grandes linhas gerais, procuramos, antes de
tudo, corrigir o erro capital que apresenta o atual sistema (se é que se pode
chamar sistema), caracterizado pela falta de continuidade e articulação do
ensino, em seus diversos graus, como se não fossem etapas de um mesmo
processo, e cada um dos quais deve ter o seu "fim particular", próprio, dentro
da "unidade do fim geral da educação" e dos princípios e métodos comuns a
todos os graus e instituições educativas. De fato, o divorcio entre as entidades
que mantêm o ensino primário e profissional e as que mantêm o ensino
secundário e superior, vai concorrendo insensivelmente, como já observou um
dos signatários deste manifesto, "para que se estabeleçam no Brasil, dois
sistemas escolares paralelos, fechados em compartimentos estanques e
incomunicáveis, diferentes nos seus objetivos culturais e sociais, e, por isto
mesmo, instrumentos de estratificação social".
A escola primária que se estende sobre as instituições das escolas
maternais e dos jardins de infância e constitui o problema fundamental das
democracias, deve, pois, articular-se rigorosamente com a educação
secundária unificada, que lhe sucede, em terceiro plano, para abrir acesso às
escolas ou institutos superiores de especialização profissional ou de altos
estudos. Ao espírito novo que já se apoderou do ensino primário não se
poderia, porém, subtrair a escola secundária, em que se apresentam,
colocadas no mesmo nível, a educação chamada "profissional" (de preferência
manual
ou
mecânica)
e
a
educação
humanística
ou
científica
(de
preponderância intelectual), sobre uma base comum de três anos. A escola
secundária deixará de ser assim a velha escola de "um grupo social", destinada
a adaptar todas as inteligências a uma forma rígida de educação, para ser um
aparelho flexível e vivo, organizado para ministrar a cultura geral e satisfazer às
necessidades práticas de adaptação à variedade dos grupos sociais. É o
mesmo princípio que faz alargar o campo educativo das Universidades, em
que, ao lado das escolas destinadas ao preparo para as profissões chamadas
"liberais", se devem introduzir, no sistema, as escolas de cultura especializada,
para as profissões industriais e mercantis, propulsoras de nossa riqueza
econômica e industrial. Mas esse princípio, dilatando o campo das
universidades, para adaptá-las à variedade e às necessidades dos grupos
sociais, tão longe está de lhes restringir a função cultural que tende a elevar
constantemente as escolas de formação profissional, achegando-as às suas
próprias fontes de renovação e agrupando-as em torno dos grandes núcleos de
criação livre, de pesquisa científica e de cultura desinteressada.
A instrução pública não tem sido, entre nós, na justa observação de Alberto
Torres, senão um "sistema de canais de êxodo da mocidade do campo para as
cidades e da produção para o parasitismo". É preciso, para reagir contra esses
males, já tão lucidamente apontados, pôr em via de solução o problema
educacional das massas rurais e do elemento trabalhador da cidade e dos
centros industriais já pela extensão da escola do trabalho educativo e da escola
do trabalho profissional, baseada no exercício normal do trabalho em
cooperação, já pela adaptação crescente dessas escolas (primária e
secundária profissional) às necessidades regionais e às profissões e indústrias
dominantes no meio. A nova política educacional rompendo, de um lado, contra
a formação excessivamente literária de nossa cultura, para lhe dar um caráter
científico e técnico, e contra esse espírito de desintegração da escola, em
relação ao meio social, impõe reformas profundas, orientadas no sentido da
produção e procura reforçar, por todos os meios, a intenção e o valor social da
escola, sem negar a arte, a literatura e os valores culturais. A arte e a literatura
tem efetivamente uma significação social, profunda e múltipla; a aproximação
dos homens, a sua organização em uma coletividade unânime, a difusão de
tais ou quais idéias sociais, de uma maneira "imaginada", e, portanto, eficaz, a
extensão do raio visual do homem e o valor moral e educativo conferem
certamente à arte uma enorme importância social. Mas, se, à medida que a
riqueza do homem aumenta, o alimento ocupa um lugar cada vez mais fraco,
os produtores intelectuais não passam para o primeiro plano senão quando as
sociedades se organizam em sólidas bases econômicas.
b) O ponto nevrálgico da questão
A estrutura do plano educacional corresponde, na hierarquia de suas
instituições escolares (escola infantil ou pré-primária; primária; secundária e
superior ou universitária) aos quatro grandes períodos que apresenta o
desenvolvimento natural do ser humano. É uma reforma integral da
organização e dos métodos de toda a educação nacional, dentro do mesmo
espírito que substitui o conceito estático do ensino por um conceito dinâmico,
fazendo um apelo, dos jardins de infância à Universidade, não à receptividade
mas à atividade criadora do aluno. A partir da escola infantil (4 a 6 anos) à
Universidade, com escala pela educação primária (7 a 12) e pela secundária (l2
a 18 anos), a "continuação ininterrupta de esforços criadores" deve levar à
formação da personalidade integral do aluno e ao desenvolvimento de sua
faculdade produtora e de seu poder criador, pela aplicação, na escola, para a
aquisição ativa de conhecimentos, dos mesmos métodos (observação,
pesquisa, e experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações
científicas. A escola secundária, unificada para se evitar o divórcio entre os
trabalhadores manuais e intelectuais, terá uma sólida base comum de cultura
geral (3 anos), para a posterior bifurcação (dos 15 aos 18), em seção de
preponderância intelectual (com os 3 ciclos de humanidades modernas;
ciências físicas e matemáticas; e ciências químicas e biológicas), e em seção
de preferência manual, ramificada por sua vez, em ciclos, escolas ou cursos
destinados à preparação às atividades profissionais, decorrentes da extração
de matérias primas (escolas agrícolas, de mineração e de pesca) da
elaboração das matérias primas (industriais e profissionais) e da distribuição
dos produtos elaborados (transportes, comunicações e comércio).
Mas, montada, na sua estrutura tradicional, para a classe média
(burguesia), enquanto a escola primária servia à classe popular, como se
tivesse uma finalidade em si mesma, a escola secundária ou do 3º grau não
forma apenas o reduto dos interesses de classe, que criaram e mantêm o
dualismo dos sistemas escolares. É ainda nesse campo educativo que se
levanta a controvérsia sobre o sentido de cultura geral e se põe o problema
relativo à escolha do momento em que a matéria do ensino deve diversificar-se
em ramos iniciais de especialização. Não admira, por isto, que a escola
secundária seja, nas reformas escolares, o ponto nevrálgico da questão. Ora, a
solução dada, neste plano, ao problema do ensino secundário, levantando os
obstáculos opostos pela escola tradicional à interpenetração das classes
sociais, se inspira na necessidade de adaptar essa educação à diversidade
nascente de gostos e à variedade crescente de aptidões que a observação
psicológica registra nos adolescentes e que "representam as únicas forças
capazes de arrastar o espírito dos jovens à cultura superior". A escola do
passado, com seu esforço inútil de abarcar a soma geral de conhecimentos,
descurou a própria formação do espírito e a função que lhe cabia de conduzir o
adolescente ao limiar das profissões e da vida. Sobre a base de uma cultura
geral comum, em que importará menos a quantidade ou qualidade das
matérias do que o "método de sua aquisição", a escola moderna estabelece
para isto, depois dos 15 anos, o ponto em que o ensino se diversifica, para se
adaptar já à diversidade crescente de aptidões e de gostos, já à variedade de
formas de atividade social.
c) O conceito moderno de Universidade e o problema universitário no
Brasil
A educação superior que tem estado, no Brasil, exclusivamente a serviço
das profissões "liberais" (engenharia,
medicina
e
direito),
não
pode
evidentemente erigir-se à altura de uma educação universitária, sem alargar
para horizontes científicos e culturais a sua finalidade estritamente profissional
e sem abrir os seus quadros rígidos à formação de todas as profissões que
exijam conhecimentos científicos, elevando-as a todas a nível superior e
tornando-se, pela flexibilidade de sua organização, acessível a todas. Ao lado
das faculdades profissionais existentes, reorganizadas em novas bases, impõese a criação simultânea ou sucessiva, em cada quadro universitário, de
faculdades de ciências sociais e econômicas; de ciências matemáticas, físicas
e naturais, e de filosofia e letras que, atendendo à variedade de tipos mentais e
das necessidades sociais, deverão abrir às universidades que se criarem ou se
reorganizarem, um campo cada vez mais vasto de investigações científicas. A
educação superior ou universitária, a partir dos 18 anos, inteiramente gratuita
como as demais, deve tender, de fato, não somente à formação profissional e
técnica, no seu máximo desenvolvimento, como à formação de pesquisadores,
em todos os ramos de conhecimentos humanos. Ela deve ser organizada de
maneira que possa desempenhar a tríplice função que lhe cabe de elaboradora
ou
criadora
de
ciência
(investigação),
docente
ou
transmissora
de
conhecimentos (ciência feita) e de vulgarizadora ou popularizadora, pelas
instituições de extensão universitária, das ciências e das artes.
No entanto, com ser a pesquisa, na expressão de Coulter, o "sistema
nervoso da Universidade", que estimula e domina qualquer outra função; com
ser esse espírito de profundidade e universalidade, que imprime à educação
superior um caráter universitário, pondo-a em condições de contribuir para o
aperfeiçoamento constante do saber humano, a nossa educação superior
nunca ultrapassou os limites e as ambições de formação profissional, a que se
propõem as escolas de engenharia, de medicina e direito. Nessas instituições,
organizadas antes para uma função docente, a ciência está inteiramente
subordinada à arte ou à técnica da profissão a que servem, com o cuidado da
aplicação imediata e próxima, de uma direção utilitária em vista de uma função
pública ou de uma carreira privada. Ora, se, entre nós, vingam facilmente todas
as fórmulas e frases feitas; se a nossa ilustração, mais variada e mais vasta do
que no império, é hoje, na frase de Alberto Torres, "mais vaga, fluida, sem
assento, incapaz de habilitar os espíritos a formar juízos e incapaz de lhes
inspirar atos", é porque a nossa geração, além de perder a base de uma
educação secundária sólida, posto que exclusivamente literária, se deixou
infiltrar desse espírito enciclopédico em que o pensamento ganha em extensão
o que perde em profundidade; em que da observação e da experiência, em que
devia exercitar-se, se deslocou o pensamento para o hedonismo intelectual e
para a ciência feita, e em que, finalmente, o período criador cede o lugar à
erudição, e essa mesma quase sempre, entre nós, aparente e sem substância,
dissimulando sob a superfície, às vezes brilhante, a absoluta falta de solidez de
conhecimentos.
Nessa superficialidade de cultura, fácil e apressada, de autodidatas, cujas
opiniões se mantêm prisioneiras de sistemas ou se matizam das tonalidades
das mais variadas doutrinas, se tem de buscar as causas profundas da
estreiteza e da flutuação dos espíritos e da indisciplina mental, quase
anárquica, que revelamos em face de todos os problemas. Nem a primeira
geração nascida com a república, no seu esforço heróico para adquirir a posse
de si mesma, elevando-se acima de seu meio, conseguiu libertar-se de todos
os males educativos de que se viciou a sua formação. A organização de
Universidades é, pois, tanto mais necessária e urgente quanto mais pensarmos
que só com essas instituições, a que cabe criar e difundir ideais políticos,
sociais, morais e estéticos, é que podemos obter esse intensivo espírito
comum, nas aspirações, nos ideais e nas lutas, esse "estado de ânimo
nacional", capaz de dar força, eficácia e coerência à ação dos homens, sejam
quais forem as divergências que possa estabelecer entre eles a diversidade de
pontos de vista na solução dos problemas brasileiros. É a universidade, no
conjunto de suas instituições de alta cultura, prepostas ao estudo científico dos
grandes problemas nacionais, que nos dará os meios de combater a facilidade
de tudo admitir; o ceticismo de nada escolher nem julgar; a falta de crítica, por
falta de espírito de síntese; a indiferença ou a neutralidade no terreno das
idéias; a ignorância "da mais humana de todas as operações intelectuais, que é
a de tomar partido", e a tendência e o espírito fácil de substituir os princípios
(ainda que provisórios) pelo paradoxo e pelo humor, esses recursos
desesperados.
d) O problema dos melhores
De fato, a Universidade, que se encontra no ápice de todas as instituições
educativas, está destinada, nas sociedades modernas a desenvolver um papel
cada vez mais importante na formação das elites de pensadores, sábios,
cientistas, técnicos, e educadores, de que elas precisam para o estudo e
solução de suas questões científicas, morais, intelectuais, políticas e
econômicas. Se o problema fundamental das democracias é a educação das
massas populares, os melhores e os mais capazes, por seleção, devem formar
o vértice de uma pirâmide de base imensa. Certamente, o novo conceito de
educação repele as elites formadas artificialmente "por diferenciação
econômica" ou sob o critério da independência econômica, que não é nem
pode ser hoje elemento necessário para fazer parte delas. A primeira condição
para que uma elite desempenhe a sua missão e cumpra o seu dever é de ser
"inteiramente aberta" e não somente de admitir todas as capacidades novas,
como também de rejeitar implacavelmente de seu seio todos os indivíduos que
não desempenham a função social que lhes é atribuída no interesse da
coletividade. Mas, não há sociedade alguma que possa prescindir desse órgão
especial e tanto mais perfeitas serão as sociedades quanto mais pesquisada e
selecionada for a sua elite, quanto maior for a riqueza e a variedade de
homens, de valor cultural substantivo, necessários para enfrentar a variedade
dos problemas que põe a complexidade das sociedades modernas. Essa
seleção que se deve processar não "por diferenciação econômica", mas "pela
diferenciação de todas as capacidades", favorecida pela educação, mediante a
ação biológica e funcional, não pode, não diremos completar-se, mas nem
sequer realizar-se senão pela obra universitária que, elevando ao máximo o
desenvolvimento dos indivíduos dentro de suas aptidões naturais e
selecionando os mais capazes, lhes dá bastante força para exercer influência
efetiva na sociedade e afetar, dessa forma, a consciência social.
A unidade de formação de professores e a unidade de espírito
Ora, dessa elite deve fazer parte evidentemente o professorado de todos os
graus, ao qual, escolhido como sendo um corpo de eleição, para uma função
pública da mais alta importância, não se dá, nem nunca se deu no Brasil, a
educação que uma elite pode e deve receber. A maior parte dele, entre nós, é
recrutada em todas as carreiras, sem qualquer preparação profissional, como
os professores do ensino secundário e os do ensino superior (engenharia,
medicina, direito, etc.), entre os profissionais dessas carreiras, que receberam,
uns e outros, do secundário a sua educação geral. O magistério primário,
preparado em escolas especiais (escolas normais), de caráter mais
propedêutico, e, as vezes misto, com seus cursos geral e de especialização
profissional, não recebe, por via de regra, nesses estabelecimentos, de nível
secundário, nem uma sólida preparação pedagógica, nem a educação geral em
que ela deve basear-se. A preparação dos professores, como se vê, é tratada
entre nós, de maneira diferente, quando não é inteiramente descuidada, como
se a função educacional, de todas as funções públicas a mais importante, fosse
a única para cujo exercício não houvesse necessidade de qualquer preparação
profissional. Todos os professores, de todos os graus, cuja preparação geral se
adquirirá nos estabelecimentos de ensino secundário, devem, no entanto,
formar o seu espírito pedagógico, conjuntamente, nos cursos universitários, em
faculdades ou escolas normais, elevadas ao nível superior e incorporadas às
universidades. A tradição das hierarquias docentes, baseadas na diferenciação
dos graus de ensino, e que a linguagem fixou em denominações diferentes
(mestre, professor e catedrático), é inteiramente contrária ao princípio da
unidade da função educacional, que, aplicado, às funções docentes, importa na
incorporação dos estudos do magistério às universidades, e, portanto, na
libertação espiritual e econômica do professor, mediante uma formação e
remuneração equivalentes que lhe permitam manter, com a eficiência no
trabalho, a dignidade e o prestígio indispensáveis aos educadores.
A formação universitária dos professores não é somente uma necessidade
da função educativa, mas o único meio de, elevando-lhes em verticalidade a
cultura, e abrindo-lhes a vida sobre todos os horizontes, estabelecer, entre
todos, para a realização da obra educacional, uma compreensão recíproca,
uma vida sentimental comum e um vigoroso espírito comum nas aspirações e
nos ideais. Se o estado cultural dos adultos é que dá as diretrizes à formação
da mocidade, não se poderá estabelecer uma função e educação unitária da
mocidade, sem que haja unidade cultural naqueles que estão incumbidos de
transmiti-la. Nós não temos o feiticismo mas o princípio da unidade, que
reconhecemos não ser possível senão quando se criou esse "espírito", esse
"ideal comum", pela unificação, para todos os graus do ensino, da formação do
magistério, que elevaria o valor dos estudos, em todos os graus, imprimiria
mais lógica e harmonia às instituições, e corrigiria, tanto quanto humanamente
possível, as injustiças da situação atual. Os professores de ensino primário e
secundário, assim formados, em escolas ou cursos universitários, sobre a base
de uma educação geral comum, dada em estabelecimentos de educação
secundária, não fariam senão um só corpo com os do ensino superior,
preparando a fusão sincera e cordial de todas as forças vivas do magistério.
Entre os diversos graus do ensino, que guardariam a sua função específica, se
estabeleceriam contatos estreitos que permitiriam as passagens de um ao
outro nos momentos precisos, descobrindo as superioridade em gérmen,
pondo-as em destaque e assegurando, de um ponto a outro dos estudos, a
unidade do espírito sobre a base da unidade de formação dos professores.
O papel da escola na vida e a sua função social
Mas, ao mesmo tempo em que os progressos da psicologia aplicada à
criança começaram a dar à educação bases científicas, os estudos
sociológicos, definindo a posição da escola em face da vida, nos trouxeram
uma consciência mais nítida da sua função social e da estreiteza relativa de
seu círculo de ação. Compreende-se, à luz desses estudos, que a escola,
campo específico de educação, não é um elemento estranho à sociedade
humana, um elemento separado, mas "uma instituição social", um órgão feliz e
vivo, no conjunto das instituições necessárias à vida, o lugar onde vivem a
criança, a adolescência e a mocidade, de conformidade com os interesses e as
alegrias profundas de sua natureza. A educação, porém, não se faz somente
pela escola, cuja ação é favorecida ou contrariada, ampliada ou reduzida pelo
jogo de forças inumeráveis que concorrem ao movimento das sociedades
modernas. Numerosas e variadíssimas, são, de fato, as influências que formam
o homem através da existência. "Há a herança que a escola da espécie, como
já se escreveu; a família que é a escola dos pais; o ambiente social que é a
escola da comunidade, e a maior de todas as escolas, a vida, com todos os
seus imponderáveis e forças incalculáveis". Compreender, então, para
empregar a imagem de C. Bouglé, que, na sociedade, a "zona luminosa é
singularmente mais estreita que a zona de sombra; os pequenos focos de ação
consciente que são as escolas, não são senão pontos na noite, e a noite que
as cerca não é vazia, mas cheia e tanto mais inquietante; não é o silêncio e a
imobilidade do deserto, mas o frêmito de uma floresta povoada".
Dessa concepção positiva da escola, como uma instituição social, limitada,
na sua ação educativa, pela pluralidade e diversidade das forças que
concorrem ao movimento das sociedades, resulta a necessidade de
reorganizá-la, como um organismo maleável e vivo, aparelhado de um sistema
de instituições susceptíveis de lhe alargar os limites e o raio de ação. As
instituições periescolares e postescolares, de caráter educativo ou de
assistência social, devem ser incorporadas em todos os sistemas de
organização escolar para corrigirem essa insuficiência social, cada vez maior,
das instituições educacionais. Essas instituições de educação e cultura, dos
jardins de infância às escolas superiores, não exercem a ação intensa, larga e
fecunda que são chamadas a desenvolver e não podem exercer senão por
esse conjunto sistemático de medidas de projeção social da obra educativa
além dos muros escolares. Cada escola, seja qual for o seu grau, dos jardins
às universidades, deve, pois, reunir em tomo de si as famílias dos alunos,
estimulando e aproveitando as iniciativas dos pais em favor da educação;
constituindo sociedades de ex-alunos que mantenham relação constante com
as escolas; utilizando, em seu proveito, os valiosos e múltiplos elementos
materiais e espirituais da coletividade e despertando e desenvolvendo o poder
de iniciativa e o espírito de cooperação social entre os pais, os professores, a
imprensa e todas as demais instituições diretamente interessadas na obra da
educação.
Pois, é impossível realizar-se em intensidade e extensão, uma sólida obra
educacional, sem se rasgarem à escola aberturas no maior numero possível de
direções e sem se multiplicarem os pontos de apoio de que ela precisa, para se
desenvolver, recorrendo a comunidade como à fonte que lhes há de
proporcionar todos os elementos necessários para elevar as condições
materiais e espirituais das escolas. A consciência do verdadeiro papel da
escola na sociedade impõe o dever de concentrar a ofensiva educacional sobre
os núcleos sociais, como a família, os agrupamentos profissionais e a
imprensa, para que o esforço da escola se possa realizar em convergência,
numa obra solidária, com as outras instituições da comunidade. Mas, além de
atrair para a obra comum as instituições que são destinadas, no sistema social
geral, a fortificar-se mutuamente, a escola deve utilizar, em seu proveito, com a
maior amplitude possível, todos os recursos formidáveis, como a imprensa, o
disco, o cinema e o rádio, com que a ciência, multiplicando-lhe a eficácia,
acudiu à obra de educação e cultura e que assumem, em face das condições
geográficas e da extensão territorial do país, uma importância capital. À escola
antiga, presumida da importância do seu papel e fechada no seu exclusivismo
acanhado e estéril, sem o indispensável complemento e concurso de todas as
outras instituições sociais, se sucederá a escola moderna aparelhada de todos
os recursos para estender e fecundar a sua ação na solidariedade com o meio
social, em que então, e só então, se tornará capaz de influir, transformando-se
num centro poderoso de criação, atração e irradiação de todas as forças e
atividades educativas.
A democracia, - um programa de longos deveres
Não alimentamos, de certo, ilusões sobre as dificuldades de toda a ordem
que apresenta um plano de reconstrução educacional de tão grande alcance e
de tão vastas proporções. Mas, temos, com a consciência profunda de uma por
uma dessas dificuldades, a disposição obstinada de enfrentá-las, dispostos,
como estamos, na defesa de nossos ideais educacionais, para as existências
mais agitadas, mais rudes e mais fecundas em realidades, que um homem
tenha vivido desde que há homens, aspirações e lutas. O próprio espírito que o
informa de uma nova política educacional, com sentido unitário e de bases
científicas, e que seria, em outros países, a maior fonte de seu prestígio,
tornará esse plano suspeito aos olhos dos que, sob o pretexto e em nome do
nacionalismo, persistem em manter a educação, no terreno de uma política
empírica, à margem das correntes renovadoras de seu tempo. De mais, se os
problemas de educação devem ser resolvidos de maneira científica, e se a
ciência não tem pátria, nem varia, nos seus princípios, com os climas e as
latitudes, a obra de educação deve ter, em toda a parte, uma "unidade
fundamental", dentro da variedade de sistemas resultantes da adaptação a
novos ambientes dessas idéias e aspirações que, sendo estruturalmente
científicas e humanas, têm um caráter universal. É preciso, certamente, tempo
para que as camadas mais profundas do magistério e da sociedade em geral
sejam tocadas pelas doutrinas novas e seja esse contato bastante penetrante e
fecundo para lhe modificar os pontos de vista e as atitudes em face do
problema educacional, e para nos permitir as conquistas em globo ou por
partes de todas as grandes aspirações que constituem a substância de uma
nova política de educação.
Os obstáculos acumulados, porém, não nos abateram ainda nem poderão
abater-nos a resolução firme de trabalhar pela reconstrução educacional no
Brasil. Nós temos uma missão a cumprir: insensíveis à indiferença e à
hostilidade, em luta aberta contra preconceitos e prevenções enraizadas,
caminharemos progressivamente para o termo de nossa tarefa, sem
abandonarmos o terreno das realidades, mas sem perdermos de vista os
nossos ideais de reconstrução do Brasil, na base de uma educação
inteiramente nova. A hora crítica e decisiva que vivemos, não nos permite
hesitar um momento diante da tremenda tarefa que nos impõe a consciência,
cada vez mais viva da necessidade de nos prepararmos para enfrentarmos
com o evangelho da nova geração, a complexidade trágica dos problemas
postos pelas sociedades modernas. "Não devemos submeter o nosso espírito.
Devemos, antes de tudo proporcionar-nos um espírito firme e seguro; chegar a
ser sérios em todas as coisas, e não continuar a viver frivolamente e como
envoltos em bruma; devemos formar-nos princípios fixos e inabaláveis que
sirvam para regular, de um modo firme, todos os nossos pensamentos e todas
as nossas ações; vida e pensamento devem ser em nós outros de uma só peça
e formar um todo penetrante e sólido. Devemos, em uma palavra, adquirir um
caráter, e refletir, pelo movimento de nossas próprias idéias, sobre os grandes
acontecimentos de nossos dias, sua relação conosco e o que podemos esperar
deles. É preciso formar uma opinião clara e penetrante e responder a esses
problemas sim ou não de um modo decidido e inabalável".
Essas palavras tão oportunas, que agora lembramos, escreveu-as Fichte
há mais de um século, apontando à Alemanha, depois da derrota de Iena, o
caminho de sua salvação pela obra educacional, em um daqueles famosos
"discursos à nação alemã", pronunciados de sua cátedra, enquanto sob as
janelas da Universidade, pelas ruas de Berlim, ressoavam os tambores
franceses... Não são, de fato, senão as fortes convicções e a plena posse de si
mesmos que fazem os grandes homens e os grandes povos. Toda a profunda
renovação dos princípios que orientam a marcha dos povos precisa
acompanhar-se de fundas transformações no regime educacional: as únicas
revoluções fecundas são as que se fazem ou se consolidam pela educação, e
é só pela educação que a doutrina democrática, utilizada como um princípio de
desagregação moral e de indisciplina, poderá transformar-se numa fonte de
esforço moral, de energia criadora, de solidariedade social e de espírito de
cooperação. "O ideal da democracia que, - escrevia Gustave Belot em 1919, parecia mecanismo político, torna-se princípio de vida moral e social, e o que
parecia coisa feita e realizada revelou-se como um caminho a seguir e como
um programa de longos deveres". Mas, de todos os deveres que incumbem ao
Estado, o que exige maior capacidade de dedicação e justifica maior soma de
sacrifícios; aquele com que não é possível transigir sem a perda irreparável de
algumas gerações; aquele em cujo cumprimento os erros praticados se
projetam mais longe nas suas conseqüências, agravando-se à medida que
recuam no tempo; o dever mais alto, mais penoso e mais grave é, de certo, o
da educação que, dando ao povo a consciência de si mesmo e de seus
destinos e a força para afirmar-se e realizá-los, entretém, cultiva e perpetua a
identidade da consciência nacional, na sua comunhão íntima com a
consciência humana.
Fernando de Azevedo
Afranio Peixoto
A. de Sampaio Doria
Anísio Spinola Teixeira
M. Bergstrom Lourenço Filho
Roquette Pinto
J. G. Frota Pessôa
Julio de Mesquita Filho
Raul Briquet
Mario Casassanta
C. Delgado de Carvalho
A. Ferreira de Almeida Jr.
J. P. Fontenelle
Roldão Lopes de Barros
Noemy M. da Silveira
Hermes Lima
Attilio Vivacqua
Francisco Venancio Filho
Paulo Maranhão
Cecilia Meirelles
Edgar Sussekind de Mendonça
Armanda Alvaro Alberto
Garcia de Rezende
Nobrega da Cunha
Paschoal Lemme
Raul Gomes.
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ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do