ANA CRISTINA DOS SANTOS SIQUEIRA DISCUSSÕES EM TORNO À FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ARTE UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO SÃO PAULO 2010 ANA CRISTINA DOS SANTOS SIQUEIRA DISCUSSÕES EM TORNO À FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ARTE Dissertação apresentada, como exigência parcial para obtenção do Título de Mestre em Educação, na Universidade Cidade de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Potiguara Acácio Pereira. UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO SÃO PAULO 2010 _______________________________ Profº Dr. Potiguara Acácio Pereira _______________________________ Profª Dra. Margarete May Berkenbrock Rosito _______________________________ Profº Dr. Marcos Ferreira Santos Comissão julgadora Dedico este trabalho a minha filha Paloma, meu filho Randre, minha mãe Conceição, minha tia Meire e o querido Dario, que souberam praticar a paciência em situações que por vezes nem entendiam. Agradeço ao meu orientador Professor Dr. Potiguara Pereira, que se revelou um Mestre. Às minhas amigas de trabalho Catarina e Magnolia, que muito me auxiliaram. E ao meu Coordenador Samuel, suavizou minha chegada ao objetivo. cuja compreensão As linguagens hoje fundem-se, misturam-se e contaminam-se. A Arte adentra os campos afins do designer (moda, publicidade e designers gráfico, têxtil, de interiores, de mobiliário, de jóias etc.), do cinema, das trilhas sonoras para o cinema ou jingles, dos videoclipes, da arquitetura, da história em quadrinhos, dos figurinos, da cenografia, da iluminação, do paisagismo etc. (SEE, 2009,8ª s. v. 3, p. 12). RESUMO A presente dissertação tem por objetivo estudar a formação inicial do professor de Arte, no Brasil, a partir das concepções de ensino da Arte, surgidas no século passado (XX) e início deste (XXI), na educação. Busca verificar o processo de regulamentação da disciplina e a formação de professores, que compartimenta seus conteúdos em Artes Visuais, Música, Dança e Teatro, e, cada vez mais, se preocupa com a especialização da linguagem e não com a formação de uma concepção de Arte. Para tanto, tem como procedimento metodológico a análise documental. Faz um histórico breve sobre o ensino da Arte, no Brasil, trata da regulamentação da disciplina e dos cursos de formação de professores de Arte, analisa as influências filosóficas do ensino da Arte e seus desencadeamen tos, na sala de aula, na rede pública estadual de São Paulo, faz referência às propostas curriculares, que impactaram documentos oficiais na rede, e reflete sobre a formação do professor, convergente à concepção do ensino da Arte contemporânea. Os parâmetros teóricos considerados foram o de: Ana Mae Barbosa (1985), (1998), (2002), Mirian Celeste Martins (2007), LDB 5.692 (1971), LDBEN 9.395 (1996), PCN (2001), SEE/CENP/FDE (2006), SEE/CENP/FDE(2008), Lisboa e Kerr (2005), MEC/SESu (1999) Alfredo Bosi (2000), CNE/CP (2001), Gilles Deleuze e Guattari. E também dos documentos que regulamentam o ensino da Arte e a formação de professores na rede pública estadual de São Paulo. Palavras Chave: Formação, Ensino de Arte, Concepção, Educação Abstract This dissertation aims to develop study on initial teacher of Art and on the design of teaching art in the XX and XXI, in education. Seeks to verify the process and rules of discipline and training of teachers, which compartmentalize the content in Visual Arts, Music, Dance and Theatre, and increasingly concerned with the specialization of language and not with the formation of the conception of art. For this methodological procedure is to document analysis and is structured as follows: Chapter I presents a brief history about the teaching of art in Brazil. Chapter II deals with the rules of discipline and training courses for teachers of Art. Chapter III deals with the philosophical influences of the teaching of art and its onset in the classroom, in public schools in São Paulo; curriculum proposals that impacted official documents in the public schools in São Paulo, are in it are considered. Chapter IV emerges from reflection on teacher training, converging to the design of the teaching of contemporary art. Theoretical parameters considered were to: Ana Mae Barbosa (1985), (1998), (2002), Mirian Celeste Martins (2007), LDB 5692 (1971), LDBEN 9395 (1996), NCP (2001), SEE / CENP / FDE (2006), SEE / CENP / FDE (2008), Lisbon and Kerr (2005), MEC / SESu (1999) Alfredo Bosi (2000), CNE / CP (2001), Deleuze and Guattari. Part of the documents regulating the teaching of Art and the training of teachers in public schools in São Paulo. Thus allowing inferences and conclusions about what was said. Keywords: Education, Art Education, Design, Education SUMÁRIO Introdução......................................................................................................10 1. As Artes na Educação Brasileira................................................................14 1.1 As influências do nacionalismo ideológico.................................................30 1.2 A política em defesa do ensino da Arte na escola pública, Por meio da Educação Artística.................................................................33 2. A formação dos professores para o ensino da Arte....................................41 2.1 Sobre a organização do canto orfeônico nas escolas públicas..................44 2.2 Informações sobre a formação do professor de arte..................................51 3. As influências no ensino da Arte na escola: do modernismo à contemporaneidade.......................................................58 3.1 Dewey........................................................................................................61 3.2 Deleuze......................................................................................................67 4. Formação do professor na concepção do ensino da Arte..........................77 4.1 Diretrizes Curriculares................................................................................79 4.2 Professor de Arte.......................................................................................83 Conclusão...................................................................................................94 Referências.................................................................................................97 Anexos......................................................................................................102 INTRODUÇÃO Um rizoma não cessaria de conectar cadeias semióticas, organização de poder,ocorrências que remetem às artes, às ciências, às lutas sociais (DELEUZE e GATTARI, 1995, p. 16). Este trabalho discute a formação inicial do professor de Arte, que atua na escola pública estadual de São Paulo. Uma formação inicial que apresenta deficiências, desde sua implantação, na década de 70. A principal deficiência, talvez, seja, que, no inicio, a formação desses profissionais se deu ministrada por artistas, que não tinham como preocupação organizar a teoria e a prática pedagógica, nem desenvolver a aprendizagem no que diz respeito às linguagens e modalidades artísticas. A necessidade de professores, formados em Arte, nas escolas públicas estaduais, também foi um dos elementos de desqualificação na formação inicial do professor que, por duas décadas, formou às pressas, para atender, exclusivamente, a uma demanda de mercado. A formação do professor de Arte é relativamente recente. Muitos aspectos precisam ser pensados e, conseqüentemente, há muito que fazer. Convém observar que o século XIX ainda se faz presente, ora como algoz, ora como um aliado incondicional. Por isto, muitos equívocos ainda assombram as aulas de ensino da Arte, na Educação Básica. Dentre eles, os trabalhos manuais (artesanatos), não como elemento de processo de criação e conhecimentos artísticos, mas como mera técnica de produção em série e manuseio de materiais para trabalhos que se transformem em, possível, renda ou a idéia de que a aula de Arte é para acalmar, oferecer lazer e servir de prêmio ou castigo. A década de 90 foi significativamente histórica na construção de documentos oficiais, que refletiram mudanças na educação. O nome do curso para a formação de professores da disciplina de Arte, da década de 70 à década de 90, foi “Educação Artística” com habilitação na licenciatura plena para uma linguagem da Arte: “Artes Plásticas”, “Desenho”, “Música” e “Artes Cênicas”, e era dedicados de um a dois anos com currículo nas linguagens/modalidades, citadas na lei 5.692/71 – Artes Cênicas, Música e Artes Plásticas – e de um a dois anos últimos com currículo específico para uma linguagem/modalidade da Arte. Ocorre que desde os últimos anos da década de 90, as universidades estão mudando a nomenclatura, deste curso, para Licenciatura em ‘Artes Visuais’, ‘Música’, ‘Artes Cênicas’ ou ‘Dança’ e com o programa curricular específico na linguagem da nomenclatura do curso. Desde a década de 80, os professores da categoria discutem os princípios da disciplina, o quê e como ensinar Arte na Educação Básica. Em 1992, foi publicada a proposta curricular para o Ensino de Educação Artística 2º Grau – Versão Preliminar – pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, elaborada pela Equipe da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), onde trata da defesa sobre o conhecimento “Arte”, no singular, por ser entendido como um conceito, composto por linguagens e modalidades, que traçam os caminhos da compreensão e interpretação do sensível e subjetivo que compõe a humanidade e sua multiculturalidade: O conhecimento do mundo advém desta forma, de um processo onde o ‘sentir’ e o ‘simbolizar’ se articulam e se completam. Contudo, não há linguagem que explicite e aclare totalmente os sentimentos humanos. (...) só podem se dar através de uma consciência distinta da que se opõe no pensamento racional. Uma ponte que nos leva a conhecer e a expressar os sentimentos é então a Arte (...). Se para estes pensadores o conhecimento reside no sentir, pensar, fazer, construir, compreender, simbolizar, basta-nos mostrar que na Arte, estão presentes sentimento, razão, produção, construção, simbolização, representação de mundo, expressão, para concluirmos que a Arte é conhecimento (SEE, 1992, p 34) A CENP é um órgão da SEE, que se destina ao desenvolvimento dos documentos que regem a prática pedagógica e a formação continuada dos professores. E desde a elaboração da proposta curricular, de 1992, defende o ensino da Arte na educação pública estadual, como área de conhecimento que percorre caminhos para ampliar o contato com a arte por meio da compreensão de suas linguagens, modalidades e estética, rompem as fronteiras das linguagens artísticas percebe e converge para a compreensão da Arte como um todo. O empenho deste órgão na formação continuada dos professores de Educação Artística é o de provocar os professores a trafegarem nas linguagens artísticas. Enfim, na década de 90 se inicia por parte deste órgão a concepção do “Ensino da Arte” nas escolas, com bases no período histórico do termino de 30 anos regidos pela ditadura militar e o ideal de educação libertadora, que concebe o cidadão do mundo, capaz de ler e representar o mundo, respeitando as diversidades culturais e promotor de atitude cidadã na construção dos meios para melhorar e conservar a qualidade de convivência, vislumbrando as transformações sociais e pessoais que instaura o século XXI. Na década de 2000, o Ministério da Educação (MEC) estruturou as Licenciaturas em uma linguagem artística específica “Artes visuais”, “Teatro”, “Música” ou “Dança”, contudo a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE) contratou ou efetivou professores de Arte para trabalhar as quatro linguagens artísticas, na sala de aula, como querem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a Proposta Curricular da SEE de São Paulo, independentemente da formação inicial. Neste momento da história do ensino de Arte nas escolas, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE) elaborou a proposta curricular, a ser implementada na rede no ano de 2008 e sua proposta estruturada e cumprida a partir de 2009. Nesta proposta é oferecido conteúdos e processos de seqüência didática, nas quatro linguagens da Arte. Por conta do exposto, esta pesquisa discutirá a incompatibilidade entre a formação inicial e a formação continuada, dos professores de Educação Artística da rede. Só é possível oferecer formação continuada, para os assuntos conhecidos pelos professores. A questão é desvendar o que melhor atende ao aluno do século XXI, se o professor formado no conceito como um todo ou o especialista em um fragmento do conceito. Capítulo 1 As artes na educação Brasileira Costuma-se pensar a educação do ponto de vista da relação entre a ciência e a técnica ou, às vezes, do ponto de vista da relação entre teoria e prática. Se o par ciência/técnica remete a uma perspectiva positiva e retificadora, o par teoria/prática remete, sobretudo a uma perspectiva política e crítica. De fato, somente nesta última perspectiva tem sentido a palavra “reflexão” e expressões como “reflexão crítica”, “reflexão sobre prática ou não prática”, “reflexão emancipadora” etc (BONDÍA, 2002, p. 20). A história do ensino da Arte no Brasil é recente e está se construindo buscando os caminhos de tratamento da educação escolar. Luta incansavelmente para não perder espaço na grade curricular, contudo seu calvário está na formação inicial dos professores da educação básica. Este trabalho dispõe de breve relato histórico sobre o ensino da Arte, para discorrer sobre os caminhos escolhidos na sua importância e os principais nomes de educadores, que interpretaram (e interpretam) os filósofos John Dewey e Gilles Deleuze, cuja concepção de ensino fundamentada nesses autores influenciou por meio de documentos oficiais o ensino da Arte na rede pública estadual de São Paulo. Ana Mae Barbosa (1985) interpretou John Dewey através dos olhos dos modernistas brasileiros, com o qual montou a história do ensino da Arte no Brasil. E Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque (1999) interpretam Gilles Deleuze construindo a história do ensino pós-moderno da Arte contemporânea. Este capítulo se desdobra com a história do ensino da Arte e, aos olhos de Barbosa, às influências dos modernistas. Seu livro Teoria e Prática de Educação Artística (1985) é a contextura histórica de concepção de ensino da Arte. O percurso histórico não terá aprofundamento, em respeito a toda produção histórica, constituída por Ana Mae Barbosa. Além do que, sua produção é suficiente para as reflexões deste trabalho. Reconheço que há muito a explorar ainda, nas produções acadêmicas sobre a história do ensino da Arte, contudo é um vasto material para outro trabalho mais específico neste tema. Inicio a explanação no Brasil Colônia. O ensino da Arte, no Brasil, entrou pela porta do capricho e do status que manteve a tradição européia de civilidade e dos bons costumes, constituindo no século XIX, a concepção do ensino de adorno. Com o ensino destinado às jovens de alta classe, era sinônimo de nascimento em família abastada ser capaz de fazer uma bonita pintura e delicados objetos de adorno, no período colonial. As escolas católicas no Brasil do século XIX subjugavam a Arte a serviço da educação de moças prendadas, ou seja, tocar piano, fazer perfeitas cópias de paisagem a óleo ou a carvão, bordar com perfeição, por exemplo, eram indicadores de educação refinada e de alta classe. Não existia qualquer espécie de programa de ensino de Arte para meninos. Era a arte de desenhar, de tocar piano e de produzir trabalhos manuais que as moças precisavam aprender para mostrar boa educação, refinamento, status social e angariar um bom casamento. Como os trabalhos manuais, o ensino da música inicia no Brasil com a Companhia de Jesus e mais tarde, nos colégios fundados pelas congregações religiosas católica e protestante, o estudo de música fez parte do currículo escolar, destinado para as elites e em especial a educação feminina nos internatos. Conhecer os consagrados artistas da Europa, reconhecer seus signos, suas especificidades e saber reproduzir como eles, faziam parte da educação de excelência e o reconhecimento da elite de educação refinada. O desenho era tratado como trabalho manual, um conhecimento técnico desvalorizado pela aristocracia, porque os estudos que não estivessem relacionados com a Medicina, a Engenharia e o Direito das Universidades da Europa, não tinham mérito. Como também, os estudantes que não chegassem a terminar seus estudos na Europa não tinham nenhum reconhecimento. Esta atitude aristocrata de negar o conhecimento técnico frustra as primeiras tentativas de implantação do ensino técnico no Brasil do século XIX, como já acontecia nos Estados Unidos. E apesar da necessidade de desenvolvimento técnico para melhorar o cotidiano, só se dava valor ao estudo de Letras, Filosofia e Artes, existente na Europa. D João VI foi o criador das primeiras escolas técnicas e científicas no Brasil, numa tentativa de alavancar o desenvolvimento das profissões liberais e técnicas, estando o desenho entre as últimas opções. Também foi o criador da primeira Academia de Belas Artes, ainda no século XIX, iniciando esse projeto quando trouxe a “Missão Francesa”, que criou em 1816. Somente depois de dez anos começou a funcionar a instituição que seria a nossa primeira Escola de Belas Artes e sua intenção não foi democratizar o ensino da Arte, pois segundo a pesquisadora Barbosa (1985), a Missão Francesa cultuava a beleza e o neo-academismo, atribuindo o sucesso artístico ao dom e os árduos exercícios técnicos; como consequência, o acesso ao conhecimento da Arte se revelava à elite. No Brasil Colônia, não havia dança na escola. As famílias que frequentavam os salões, onde dançavam as modas da Europa, contratavam professores de dança para ensinar a domicílio, nos conta Maria Enamar Ramos (UFERJ) no seu artigo BAILES BRASIL COLÔNIA/IMPÉRIO (2007). No artigo, relata que fazia parte do aprendizado das meninas ler, escrever, fazer trabalhos de agulha e tesoura, gramática portuguesa e francesa, aulas de piano, canto e dança (UFERJ, 2007, p. 66). Os Jesuítas catequizavam os habitantes encontrados nestas terras, em sua descoberta, utilizando-se do teatro, da música e da dança. As décadas de 1870 e 1880 marcam a queda da monarquia no Brasil e, sob as influências do liberalismo americano e o positivismo francês surgem, com a República Velha, novas leis de política educacional e à inclusão do desenho geométrico, para desenvolver a racionalidade (BARBOSA, 1985, p. 43). O desenho geométrico, considerado trabalho manual, era ministrado aos meninos, porque a geometria é base para a Engenharia. Às meninas era destinado o aprendizado de bordado, costura, pintura e artesanato. Renata Marcílio Cândido e Rita de Cassia Gallego (FEUSP) em seu artigo ENGENDRAR TEMPOS E IDENTIDADES: AS FESTAS NO CALENDÁRIO ESCOLAR E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DOS PROFESSORES (1890 – 1930) citam que por volta de 1910 a 1917, na Escola Modelo Caetano de Campos em São Paulo, as comemorações selecionavam cívicas os eram melhores organizadas alunos para por a professores, decoração, os quais conforme a comemoração, dando um aspecto festivo ao ambiente e preparava um programa a ser executado no dia da festa, dividido em duas partes: a primeira inicia com o professor explicando sobre a data e seguindo uma seção cívica composta por discursos, poesia, apresentações teatrais (monólogos ou diálogos), dança e música; a segunda parte, apresentação de trabalho escrito e uma gravura que sintetizava a festa (2003, p. 8). O referido artigo ainda cita que por volta de 1925 muitas críticas surgiram, por meio da imprensa escrita da época, expressando a idéia – a qual ainda se ouve – que a produção criativa, utilizando as linguagens artísticas pelos alunos, toma tempo e inutiliza o aprendizado da escola. Este relato da imprensa é um importante registro sobre o contato dos meninos com as linguagens artísticas na escola. Neste período, a Escola Modelo Caetano de Campos era exclusivamente de meninos; mais uma vez o conceito de arte como elemento dispensável se tornava burburinho entre os tradicionalistas. O desenvolvimento de habilidades artísticas desperdiçava tempo destinado ao conhecimento da língua, do cálculo e da técnica que davam bases para os estudos nas Universidades da Europa. No Brasil República, a dança, quando acontecia na escola, tinha como parceria a Educação Física e sempre voltada para as danças folclóricas. Influência do nacionalismo ideológico dos Modernistas, que defendia a difusão da cultura popular. Por volta da década de trinta, houve incentivo para a exploração das danças populares, por parte do pensamento pedagógico vigente escolanovismo, que tentou trazer para a educação a concepção de Livre Expressão, na qual o aprendizado acontece permeando o cotidiano cultural do aluno. A Escola Nova foi uma idéia americana de John Dewey, que influenciou Anísio Teixeira, levando-o a estudar com o próprio Dewey nos Estados Unidos. A influência de Dewey fez com que Teixeira defendesse a concepção de escola para todos, na qual seu currículo propicie o convívio participativo e colaborativo, desenvolvendo hábitos e ações para o bem comum, além do conhecimento por meio dos conteúdos curriculares. E a livre expressão, originada no expressionismo, teve a idéia de que a Arte não é ensinada, mas expressada. Os introdutores dessa idéia, no Brasil, foram Mario de Andrade e Anita Malfatti. Ambos se empenharam em orientação e pesquisa sobre a expressão e o desenvolvimento cognitivo, contudo houveram equívocos no entendimento da concepção, nos trabalhos em sala de aula. Como não havia um programa de ensino da Dança, como a Música, os alunos traziam para dentro da escola o que conheciam fora dela, em relação às danças. E ainda assim o fazem. O Teatro era considerado uma extensão da literatura e somente era lembrado para as festas de comemorações e, como a Dança, apesar da tentativa, como o Serviço Nacional de Teatro, por exemplo, de formar os professores para trabalhar com os conceitos educacionais do teatro, não há registros de programa de ensino na escola. A constituição de 1934, no artigo 150, dispunha que era competência da União fixar o Plano Nacional de Educação, relativo ao ensino de todos os graus, como também coordenar e fiscalizar sua execução no território nacional. Além disso, constitucionalizou o Conselho Nacional de Educação e atribuiu-lhe a responsabilidade sobre a elaboração do Plano Nacional de Educação para ser aprovado pelo poder legislativo. Tantas manifestações investidas para estruturar e organizar a educação, gerou entendimento pedagógico limitado, como por exemplo, o de Teixeira e Azevedo que entenderam a livre expressão como meio de liberação emocional, influenciados pelas pesquisas psicológicas de Freud e o entendimento norte americano (BARBOSA, 1985, p. 45). Dewey, filósofo norte americano que é a principal influência do pensamento escolanovismo, não foi compreendido na sua teoria sobre a experiência em arte que foi interpretada pelo Movimento da Escola Nova como livre expressão e virou fazer por fazer nas escolas. As décadas de 20, 30 e 40, com Carneiro Leão, Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, foram importantes para o início da construção legal de uma educação institucional, de responsabilidade governamental, gratuita e destinada para todos. Este é o período que nasce a Escola Nova e seus acordos e impasses legais e o processo de elaboração do Plano Nacional de Educação, na década de 40 e com a Constituição de 1946, culminou na Lei 4.024/61de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Todo um evento político, cuja participação de Teixeira em suas tentativas de disseminar a concepção de Dewey sobre educação, tem importante contextualização histórica. Porém, neste trabalho, vamos nos ater nas especificidades e desencadeamentos sobre o ensino da Arte. Em 1948, foi criada a Escolinha de Arte do Brasil, por iniciativa do educador Augusto Rodrigues, no Rio de Janeiro. A idéia foi propiciar um espaço para experienciar a expressão espontânea, cuja vivência já havia ocorrido no ateliê de Anita Malfatti e na Biblioteca Municipal de São Paulo com Mario de Andrade. A Escolinha de Arte do Brasil reuniu profissionais das Artes Plásticas, Teatro e Música interessados em estabelecer as linguagens/modalidades artísticas no processo de educação das crianças na escola pública. Empenharam-se em organizar sequências didáticas para ensinar professores para trabalhar a expressão artística na escola. Mais tarde esses programas tornaram-se currículo para o ensino superior, na formação de professores de Educação Artística. Essa idéia, com Augusto Rodrigues, ganhou fôlego e parceiros da música, da dança, do teatro e se espalhou por várias regiões. E o que a princípio foi destinado à crianças e adolescentes, passou a tratar da formação de professores. Novos horizontes se abriram para outros conceitos de ArteEducação, e o objetivo mais difundido passou a ser o desenvolvimento da capacidade criadora (BARBOSA, 1985, p. 46). Foi um período rico para o ensino da Arte, porque trouxe à tona as discussões sobre um ensino voltado para o desenvolvimento do aluno, com ênfase na criação e no processo individual. As influências do educador Augusto Rodrigues vinham de autores e artistas que defendiam o processo individual e que compreendiam que o conhecimento artístico e a expressão são indissociáveis. No entanto, sem dados expressivos de ocorrências de transformações nas salas de aula. Com a Lei 4.024 de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira de 1961, o canto orfeônico é substituído por Educação Musical e o ensino de Desenho, Desenho Geométrico e Artes Plásticas também fazem parte do cenário escolar. Porém, existiam pouquíssimos cursos de formação de professores para essas aulas e, por conta disso, professores de outras matérias com habilidades para assumirem essas aulas ou artistas e estudantes de conservatórios, escola de belas artes e etc, podiam assumir essas aulas. A Lei 4.024/61, em seu Título VI, capítulo II, no artigo 25, promulga que a escola primária tem por fim o desenvolvimento do raciocínio e das atividades de expressão da criança e sua integração no meio físico e social. Este Título foi todo revogado pela Lei 5.692/71. Na mesma Lei, no Título VII, artigo 38, parágrafo 1, alínea b e incisos IV promulga sobre o Ensino Médio, compreendido nesta época por ensino ginasial e colegial, destinado a adolescentes que terminaram o ensino primário e se submeteram a exame de admissão na primeira série do Ensino Médio, indica que atividades complementares de iniciação artística, compõe as normas de organização anual desta modalidade. A influência dos estudos de Anita Malfatti e Mario de Andrade assegurou a atividade de desenho na escola, apesar de seus equívocos. E a influência da obrigatoriedade do ensino do canto orfeônico, fez com que essa prática continuasse nas escolas. Na década de 60, o Golpe Militar de 64 e a Reforma Universitária de 68 influenciaram diretamente e devastadoramente o ensino da Arte e a formação dos professores. Em 1971, na nova Lei 5.692 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com o título de Educação Artística, a arte foi incluída no currículo escolar como Atividade Educativa a ser trabalhada nas linguagens artísticas: Artes Plásticas, Artes Cênicas e Educação Musical (PCN, 2001, V. 6, p. 28). A Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino de 1º e 2º Graus 5.692 de 11 de Agosto de 1971 – que foi revogada pela Lei 9.394/96 – no seu Capítulo I, Do Ensino de 1º e 2º Graus, Art. 7º Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus, observado quanto a primeira o disposto no Decreto-Lei n. 369, de 12 de setembro de 1969. Aparentemente, essa lei é um passo para definir a matéria Educação Artística, pois a partir da 5.692/71 ocorre o início dos cursos de formação, em nível superior do professor de Educação Artística. Contudo, os cursos são estruturados às pressas para atender a urgência de demanda. Os conteúdos, as práticas pedagógicas e os embasamentos filosóficos sobre concepção de ensino da Arte passam longe de serem discutidos nesses cursos de formação de professores. Na SEE, após a Lei 5.692/71 foi publicado o Guia Curricular de Educação Artística. Em 1976, a Lei passa a vigorar no Estado de São Paulo e a falta de professores preparados para assumir as aulas, ou atividades educacionais, faz do guia curricular a principal fonte de orientação dos professores e dos livros didáticos. Ocorre que o Guia Curricular de Educação Artística – documento oficial elaborado com a finalidade de orientar o trabalho docente – não explicitava fundamentos teóricos e também não apresentavam uma linha metodológica que discutisse as funções do ensino da arte nas escolas. Como, também, não apresentava fundamentações sobre a importância da arte no currículo escolar, esta atividade ficou solta, sem ancoragem e sem sentido. O guia apresentava um rol de objetivos e atividades de expressão corporal, musical e plástica divididas por faixa-etária (SEE/CENP, 1997, p. 11). Assim sendo, os professores procuravam conforto na desconectada prática dos trabalhos manuais, na transmissão de modelos e técnicas, no canto de hinos cívicos e na aplicação de adornos, fácil de encontrar nos poucos livros didáticos destinado ao ensino da Arte na escola. Estes cursos de formação não atendiam a demanda de professores em São Paulo e com a regulamentação dos cursos de formação de professores em nível superior, nas licenciaturas em Educação Artística de curta duração e a habilitação plena em Artes Plásticas, Cênicas ou Música, fez com que as idéias sobre desenvolvimento da criatividade, expressão, subjetividade, estética e experiência se tornassem assuntos distorcidos e mal compreendidos pelos professores e nos cursos de formação em nível superior, que estruturaram os cursos em técnicas e fazer artístico sem reflexão. Nos anos 80, surgiu o Movimento Arte-Educação com a união da educação e da cultura, ou seja, os professores de Educação Artística (educação) e os profissionais dos equipamentos culturais, que ensinavam dança, música, teatro, arte circense, pintura, etc (cultura) se uniram para discutir o ensino da Arte dentro e fora das escolas. Reuniram profissionais da Arte-Educação do país para discutir novos rumos para o ensino da Arte e reivindicar formação acadêmica coerente com teoria e prática do desenvolvimento da criatividade. Teve início as manifestações contra a formação em Educação Artística, cujo ensino não leva em consideração as discussões pedagógicas sobre a aprendizagem e criatividade, nem organiza encaminhamentos para a melhoria do ensino e aprendizagem em Arte. Neste período a Teoria Triangular de Ana Mae Barbosa, que trata de estudos sobre educação estética, estética do cotidiano e ressalta o encaminhamento pedagógico-artístico que tem por premissa básica a integração do fazer artístico, a apreciação da obra de arte e sua contextualização histórica é difundida no país por meio de projetos como os do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo e o Projeto Arte na Escola da Fundação Iochpe (PCN, 2001, 3ª Ed., v. 6, p. 31). A Teoria Triangular passa a ser o ponto de partida nas discussões sobre formação de professores, ensino de arte nas escolas e arte-educação. Ainda nesta década, em 1983 ocorre a estruturação da CENP, um órgão ligado a SEE, com objetivo de estruturar orientação curricular aos professores, da alfabetização aos conteúdos curriculares das disciplinas. É a configuração de equipe didático/pedagógica para a formação continuada dos professores da rede. No ano de 1986 a primeira Oficina Pedagógica é estruturada na antiga Décima Delegacia de Ensino, atualmente Diretoria de Ensino Leste 2. A idéia de criar a Oficina Pedagógica foi para subsidiar os professores da jurisdição, conforme orientação da legislação e currículo do sistema de ensino estadual de São Paulo. Atualmente, a SEE possui uma Oficina Pedagógica para cada uma das 91 Diretorias de Ensino, no Estado de São Paulo, subordinadas a CENP. Em 1988 ocorre a implantação da jornada única no Ciclo Básico e a inclusão do ensino de Arte e da Educação Física por professor especialista, nas séries iniciais, com objetivo institucional de pôr em contato o professor especialista e o professor das séries iniciais, para dialogar e estruturar planejamento pedagógico e desenvolver trabalho que atendesse aos interesses e necessidades da aprendizagem dos alunos em processo de alfabetização e letramento. Para tanto foi necessário que o professor especialista se conscientizasse da importância do seu trabalho no auxílio ao processo de alfabetização e soubesse refletir sua práxis na ampliação de repertório expressivo/artístico e cultural dos seus alunos. A reflexão da práxis abre as asas do pensamento educador, quando se consegue fazer conexões entre a prática e (ou com) a fundamentação teórica. No dia-a-dia, em tempo real, o outro me ajuda a perceber a pertinência de um processo do ensino e a aprendizagem. Nos livros, em momento atemporal, o outro me ajuda a desvendar o conhecimento perceptivo e os possíveis caminhos de organizar um plano de processo do ensino e a aprendizagem. O programa do Ciclo Básico encerra em 1995 com avaliação negativa do processo, sem atingir o objetivo institucional. Os professores especialistas e os professores das séries iniciais não se entenderam, porque falavam línguas diferentes. O professor de Arte não entendeu nada sobre alfabetização e letramento, além da angústia de não ter experiência e nenhuma referência sobre a faixa-etária dos alunos das séries iniciais. Do outro lado da história, o professor das séries iniciais se sentiu enciumado em dividir a atenção dos alunos com outros adultos, além de não entender nada sobre a proposta dos especialistas. E nem podia entender, pois conforme a resolução, os professores das séries iniciais ficavam de janela – aula vaga – durante as aulas dos especialistas. Foi uma experiência que não trouxe bons momentos a escola, como um todo. A gestão – compreende direção e coordenação – teve que administrar conflitos na relação entre a equipe da escola e conflitos administrativos com a excessiva ausência dos professores especialistas e a desorientação sobre como formar a equipe de professores para atender o objetivo institucional. Poucos casos isolados fizeram história de sucesso neste programa, em todo o Estado de São Paulo. Nos anos 90, a Teoria triangular de Barbosa foi a base dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) em Arte, Barbosa torna-se referência no ensino da Arte em todo o país. Os PCNs mobilizam novas tendências curriculares em Arte, pensam na contemporaneidade e trata a disciplina por Arte, respeitando as reivindicações do Movimento Arte-Educação. Entre 1996 e 2001 o ensino da Arte passou por sufoco intenso, porque o professor de Arte só tinha aulas da 5ª a 8ª série do ensino Fundamental e na 1ª e 2ª série do Ensino Médio. O (a) Diretor (a) da escola escolhia entre 1 e 2 aulas semanais, nas quatro séries finais do ensino fundamental (5ª a 8ª série) e 2 aulas semanais na 1ª série do ensino médio e , raras vezes, na 2ª série do ensino médio. A diminuição do número de aulas desestimulou os professores de Arte contratados a continuar na carreira do magistério e os cursos de licenciatura em Educação Artística ficaram em risco da inexistência. Os professores efetivos da rede eram minoria neste período. A maioria dos professores de Arte eram contratados. O número de professores habilitados neste período não era expressivo, com a diminuição destes, sobravam aulas para os pedagogos, arquitetos e todos profissionais liberais e professores de outras disciplinas que apresentassem histórico dos cursos superiores, com carga horária em disciplinas relacionadas à comunicação, expressão e arte autorizadas por resolução de atribuição de aulas, que são publicadas em Diário Oficial do Estado (DOE) anualmente, antecedendo o processo inicial de atribuição anual. Se o professor habilitado vivenciava o conflito de não se sentir ancorado no ensino e aprendizagem escolar, do distanciamento da fundamentação teórica e, até, da desvalorização na escola, é difícil imaginar a práxis dos outros profissionais, cuja única referência das aulas de arte eram suas próprias vivências, enquanto estudantes do ensino fundamental e médio. A partir de 2002, o ensino de Arte foi contemplado pelas novas regras da grade curricular do ensino fundamental e médio. O ensino da Arte passou a ser obrigatório com duas horas aulas semanais nas quatro séries finais do ensino fundamental e nas primeiras e segundas séries do ensino médio. Em 2003 a SEE/CENP estruturam a implantação do projeto Arte nas Séries Iniciais, com a inclusão do professor especialista de Arte em duas horas aulas semanais nas quatro séries iniciais do ensino fundamental, conforme Resolução SEE 184 de 27/12/2002, determinando que o professor da classe acompanhe e auxilie as aulas dos especialistas, desenvolvendo trabalho que atenda as necessidades de aprendizagem dos alunos de alfabetização e letramento. Para a estruturação desta nova tentativa de ter o professor de Arte – e Educação Física – especialista nas quatro séries iniciais do ensino fundamental I foi pensado, pela CENP, o acompanhamento deste processo. Um ponto relevante do insucesso do programa do Ciclo Básico, pensado pela atual equipe de Arte e Educação Física na CENP, foi a ausência do professor da classe. Por conta disso, a resolução determina que o professor da classe acompanhe as aulas dos especialistas. Além da questão legal, houve a contratação de Artistas, Mestres e Doutores, especialista em Música Yara Caznoc, em Dança Lenira Rengel, em Teatro Flavio Desgranges e em Artes Visuais Edith Derdyk, para elaboração de projetos de trabalho nas linguagens/modalidades, destinados a faixa-etária dos alunos, com acessória de Maria Terezinha Telles Guerra e a equipe de Arte da CENP com Roseli Cassar Ventrella e Maria Alice Lima Garcia. Em orientação centralizada, com todos os professores coordenadores da área de Arte das 90 diretorias de Ensino do Estado de São Paulo (SEE/CENP/FDE, 2006, p. 3). Este processo se tornou o registro oficial O ensino de Arte nas séries inicias – ciclo I em 2006. Contem os projetos elaborados, relatos fundamentados do processo e registro das atividades realizadas por professores de diversas jurisdições. O processo aconteceu da seguinte forma: os professores coordenadores da área de Arte das Diretorias de Ensino, um para cada jurisdição, se reuniam com os especialistas, vivenciavam, discutiam, refletiam, construíam, questionavam e apreendiam a proposta de cada projeto e, cada um na sua jurisdição repassava as orientações, proporcionava, o mais parecido que se conseguia a vivência, discussão, reflexão, construção, questionamento e apreensão da proposta de cada projeto com os professores – dispensados das aulas, em horário de trabalho, para essas orientações, conforme resolução SEE 121/90 (revogada pela resolução 62/2005) – com materiais específicos, construídos, alternativos e nutrição teórica (textos dos especialistas). Todos os professores saíam do encontro com cópia do projeto e algum material de apoio. Os professores voltavam para as classes com a responsabilidade de por em prática a proposta do projeto recebido, apresentar o projeto para a equipe de professores e o Professor Coordenador da escola, em Horário de Trabalho Coletivo (HTPC), para discussão e envolvimento da escola. Diferente do ocorrido no ciclo básico, quando as aulas foram atribuídas aos professores especialistas sem a menor orientação, neste novo projeto os professores tinham encontros periódicos e subsídios para a realização do trabalho em sala de aula. No entanto, os professores ficaram delimitados a refletir, discutir, questionar e se nutrir de fundamentação teórica nos limites das propostas dos projetos e na elaboração teórica destes especialistas. A meu ver, a formação continuada de professores deve promover a autonomia do professor, para construir suas perguntas e saber escolher o caminho das suas respostas. Para isso o encontro com os professores se faz importante e pertinente. Não é um processo que traz resultados imediatos. É um longo caminho de provocação do pensar e ancorar o saber. Estou pontuando, depois de muito refletir sobre Ensinar não é transferir conhecimento (FREIRE, 1996, p. 52) que o objetivo dos encontros com os professores limitou-se ao fazer acontecer cada projeto na escola. Contudo, os encontros periódicos com os professores foi fortificante para a disciplina e abalou a cultura velada do desprezo pelo ensino da Arte nas escolas. O ensino da Arte respira com alívio nessa nova fase, os professores de Arte se sentem estimulados com as novas regras e o expressivo aumento do número de aulas de Arte. O quadro de professores efetivos na rede sofreu pouca alteração, em função do concurso público em 1998. A Resolução SEE 1 de 06/01/2004 altera a 184 e o ensino de Arte nas séries iniciais deixa de ser projeto e passa a caracterizar cargo para o Professor de Educação Básica II (PEB II) de Arte. Acontece um novo concurso público, em 2004, que aprova mais de 6.000 candidatos e todos os aprovados foram convocados para escolha entre 2005 e 2006. E o último concurso público em 2007, que aprovou mais de 3.000 candidatos. Com o aumento do número de aulas de Arte, com a ampliação para as aulas nas quatro séries iniciais do ensino fundamental e o incentivo do programa de formação continuada da SEE e CENP na orientação geral (centralizada) e as Oficinas Pedagógicas na orientação das jurisdições (descentralizada), ocorreu um aumento expressivo de PEB II de Arte, efetivos na rede. De 2003 a 2009 houve um processo gradual de erradicação dos professores de outras disciplinas e profissionais liberais com aulas de Arte atribuídas, no processo de contratação de professores. 1.1 As influências do Nacionalismo Ideológico Nacionalismo: Doutrina política que atribui à nação um valor absoluto, considerando uma determinada nação como superior às outras, valorizando tudo o que é nacional em detrimento do que é estrangeiro (JUPIASSÚ e MARCONDES, 1996, p. 191). O Nacionalismo Ideológico foi uma ‘bandeira’ dos modernistas, com intuito de apresentar o Brasil aos brasileiros e enaltecer a cultura nacional. A partir de 1920, o Brasil foi fortemente influenciado pelas idéias norteamericanas sobre “desenvolvimento do impulso criativo” e através de Anísio Teixeira e Nereu Sampaio, influenciados pelo pensamento de Dewey, começou no Brasil movimento de inclusão da Arte na escola primária como atividade de expressão artística, a “livre expressão” (ROSA, 2005, p. 30). Trata-se da tentativa de fazer acontecer as idéias da “Escola Nova”, que estava sendo discutida nos Estados Unidos e reformando o ensino de Arte nos seus territórios. Mas, a sociedade brasileira não viu com bons olhos esse movimento liderado por artistas irreverentes, modernistas como Mario de Andrade, Heitor Villa-Lobos, Anita Malfatti que intencionavam democratizar a Arte, levando seus conceitos e fazeres para a escola pública. No Brasil, o movimento escolanovista cresceu em intensidade após 1932, quando o Manifesto da Escola Nova, defendendo a adoção de uma pedagogia apropriada às necessidades da industrialização e às exigências democráticas, pregava a universalização da escola pública, única, laica e gratuita como requisito essencial para o progresso e o desenvolvimento do país (PINTO, LEAL e PIMENTEL, 2000, p.19). A democratização da educação defendida por Anísio Teixeira – Secretário de Educação do Distrito Federal no Rio de Janeiro – foi o elo entre os homens da política, no estado de oposição com o estado de situação. Os estudos sobre psicologia e comunismo traçaram as discussões sobre educação como ciência e traz a criança as vistas de ser o centro do processo de aprendizagem, a criança deixa de ser considerada adulto em miniatura e fortalecem as pesquisas sobre aprendizagem, métodos e conteúdos escolares, promovendo a inclusão da criança como sujeito (ROSA, 2005, p. .28). Era uma elite conservadora querendo inovar para progredir, mas sem abandonar suas raízes referenciais. Dewey defendia educação libertadora, um direito a experiência vivida onde habita a razão; contemporâneo de Teixeira, criticava a transmissão de conhecimento como saber ligado a intelectualidade e memória e o fazer ligado as técnicas emergentes do cotidiano. Criticava também, a preocupação da educação tradicional com o futuro, o saber e o fazer agora, para servir ao futuro. A limitação do entendimento ao conceito de Dewey sobre educação, está presente no seu conceito de experiência. O saber, na educação racional – tradicionalista – já está pré-elaborado e pronto para ser transmitido. O conceito de experiência de Dewey defende que o aluno deve participar da construção do conhecimento, seu interesse deve servir como instrumento para esta construção. A passagem da República Velha pra República Nova na década de 30 do século XX estruturou a escola como a conhecemos hoje, com divisão por conteúdo curricular, carga horária, divisão por faixa-etária de alunos e concebeu a escola primária e secundária, com importante marco na Reforma Francisco Campos para o ensino secundário (TENÒRIO, 2009, p. 4). A história do ensino da Arte no período da Escola Nova é contada de forma fragmentada. Conta-se sobre a história do ensino do desenho e da música, separadamente. Como se não acontecessem para os mesmos alunos e nas mesmas escolas. É passível de compreensão que o ensino da música e o ensino das artes plásticas (mais especificamente desenho) sejam contados distintamente. Foram grupos diferentes, com interesses políticos diferentes que elaboraram suas concepções de ensino da Arte. Esta visão da educação se assentava numa convergência entre o pensamento de Durkheim (educação como transmissão da cultura e da tradição) e o de Dewey (educação como construção da experiência social), enriquecida por outras fontes como Marx Weber, Mannheim, Marx (PINTO, LEAL e PIMENTEL, 2000, p. 20). E os artistas, os educadores e os políticos convergiam com o Ideológico Nacional e com as idéias da Escola Nova. Neste período havia um esforço político em enaltecer as tradições nacionais, as cores iluminadas do território brasileiro, o imaginário nacional, as manifestações populares em geral. Com essa idéia o Brasil construiu sua identidade e passou a exportar sua força artística e política. Da segunda metade da década de 40 até a primeira metade da década de 50 a ditadura do governo Vargas se opõe aos liberais, que é o caso dos Pioneiros da Educação Nova e Teixeira e Azevedo, defensores do escolanovismo. Teixeira vai para a Bahia e as práticas nas escolas públicas do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais – locais de ascensão dos ideais liberais – passam a ser tradicionalistas e inacessíveis as idéias da livre expressão da criança. Com a queda de Getulio Vargas, os interesses nas idéias da Escola Nova emergiram novamente e as práticas tradicionais do desenho clássico, o geométrico e o canto decorado de músicas cívicas começam a ser contestados. A Escolinha do Brasil se espalha e se fortalece em convênios estabelecidos com instituições privadas para formação de professores e passa a prestar consultoria para o sistema público de educação. 1.2 A política em defesa do ensino da Arte na escola pública, por meio da Educação Artística Para o ensino da música, Heitor Villa-Lobos foi personalidade muito relevante nas décadas de 30 a 50. Executou um projeto nacionalista, com intuito de oferecer alfabetização musical em massa, nas escolas públicas. Apesar de Villa-Lobos ter sido o principal nome deste período, não se pode deixar de citar que em São Paulo, Carlos Alberto Cardim, João Gomes Júnior e os irmãos Lázaro e Fabiano Lozano são educadores que trabalharam o canto orfeônico, como forma de socialização da música, já na década de 20 (LISBOA e KERR, 2005 p. 3). O projeto de Villa-Lobos teve início no Rio de Janeiro, por meio do Decreto nº 19.890, assinado pelo presidente Getulio Vargas em 18 de abril 1931, tornou o canto orfeônico disciplina obrigatória nos currículos escolares nacionais. Foi posteriormente substituído pela disciplina educação musical, por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 4.024, de 1961. Mario de Andrade e Anita Malfatti, influenciados pelo expressionismo e com interesses na psicanálise freudiana, introduzem a idéia da livre expressão para crianças em São Paulo. Era a idéia que a Arte não pode ser ensinada, mas expressada. Por meio do desenho, foi entendido por muitos que a missão da Arte na Educação era a de promover experiências terapêuticas. Isso movimenta entusiasmados artistas e psicólogos, que foram os grandes divulgadores desses novos conceitos de Arte-Educação, através do desenho. Contudo, na primeira metade do século XX, o desenho foi trabalhado na escola de forma contraria às concepções escolanovista. Foi trabalhado como Desenho Geométrico, Desenho Natural e Desenho Pedagógico com metodologia que centrava no professor os modelos a ser transmitidos aos alunos em um aspecto funcional, imediato, que visava desenvolver habilidades para o mercado de trabalho. Era longe de ser uma experiência estética. No regime republicano de Getulio Vargas, a idéia de democratização da arte foi a oferta de acesso a toda população de alunos de qualquer classe social. E para garantir esse acesso, além de instituir obrigatoriedade do ensino de música, canto orfeônico e o direito da atividade de desenho. No entanto, por questões da política do período, nas escolas públicas o canto orfeônico eram de caráter folclórico, cívico e de exaltação; e o desenho era um trabalho de transmissão de técnicas e modelos. Neste período, Heitor Villa-Lobos defende a música, e o músico, na educação pública brasileira. As ações de Villa-Lobos abrem as portas para que artistas de outras modalidades encontrem os caminhos de enaltecer seus trabalhos, fazendo sobreviver a Arte como importante área da cultura neste país. Villa-Lobos através de seu prestígio como artista, profissional e político desencadeou meios de sobrevivência dos artistas brasileiros, em um período histórico marcado por guerras, recessões e crises financeiras, num lugar onde a cultura nacional estava disposta a esquecer-se da Arte e do artista. O Brasil estava interessado em crescer economicamente investindo em tecnologia imediatista, que melhorasse e resolvesse os anseios da vida cotidiana de forma rápida e eficiente. Para tanto, o artificial da vida moderna torna-se mais cobiçado que o natural, quando nos referimos a alimento, vestimenta, utensílios de uso pessoal, eletrodomésticos, automotivos, tecnologia indústria e escritório, como também a medicina. Neste contexto cultural, Villa-Lobos escreveu um memorial ao Presidente Getúlio Vargas, que foi entregue em 12/02/1932, que consta como anexo desta dissertação, do qual selecionei partes para discorrer análise: ... vem o signatário, por este intermédio, mostrar a Vossa Excelência o quadro horrível em que se encontra o meio artístico brasileiro, sob o ponto de vista da finalidade educativa que deveria ser e ter para os nossos patrícios, não obstante sermos um povo possuidor, incontestavelmente, dos melhores dons da suprema arte. Villa-Lobos demonstra a Vargas sua preocupação com a inatividade profissional dos artistas deste país. Ele comenta sobre os artistas plásticos, artistas do teatro e da dança, da poesia e, principalmente, os músicos. O elo político entre as idéias modernistas e as idéias do positivismo republicano foi o ideológico nacional. Um ímpeto de enaltecer o produto nacional: a cultura, as crenças, a técnica e a indústria nacional. Desenvolvimento era compreendido, pela gestão Vargas, como domínio industrial e tecnológico; com meios imediatistas de saúde pública e desenvolvimento urbano. Contudo, com a influência dos modernistas – liderados por artistas – desde culinária à toda expressão artística tradicional/folclórica, havia interesse político e investimento para divulgação, até mesmo internacional, do produto desta nação. E foi neste contexto que Carmen Miranda foi lançada ao sucesso internacional. Outro trecho importante do memorial, para ser analisado: Peço ainda permissão para lembrar a Vossa Excelência que é incontestavelmente a música, como linguagem universal que melhor poderá fazer a mais eficaz propaganda do Brasil, no estrangeiro, sobretudo se for lançada por elementos genuinamente brasileiros, porque desta forma ficará mais agravada a personalidade nacional, processo este que melhor define uma raça, mesmo que esta seja mista e não tenha tido uma velha tradição. Como homem político Villa-Lobos defendeu a Arte e o Artista, como educador defendeu o ensino obrigatório de música para democratizar em todas as classes sociais e em todo o país a identidade musical nacional. E, por tanto, os músicos como profissionais a serviço da educação. E, por fim: Mostre Vossa Excelência senhor presidente, aos derrotistas mentirosos ou aos pessimistas que vivem não acreditando num milagre da proteção do governo às nossas artes, que Vossa Excelência é de fato lutador consciente e realizador, tornando, incontinenti, numa realidade o Departamento Nacional de Proteção às Artes. E com isto Vossa Excelência terá salvo nossas artes e nossos artistas, que bendirão toda a existência de Vossa Excelência. - Seu humilde patrício. Heitor Villa-Lobos. Desta forma, com o apoio governamental, Villa-Lobos deu seus primeiros passos para criar cursos de música e canto orfeônico, no intuito de instrumentalizar os professores. Pode-se considerá-lo como o precursor – acredito que inconsciente – da Escolinha de Arte do Brasil, como também, de estruturar currículo do ensino da Arte no Brasil, como está no momento. Não por suas idéias e metodologias, mas por seu ímpeto em organização e articulação política. Acredito que Villa-Lobos não teve a intenção de estruturar o currículo do ensino de Arte, no qual o professor tenha formação inicial incompatível com a função de Professor de Arte e a incumbência de trabalhar música, dança teatro e artes visuais – como acontece com o PEB II de Educação Artística na Secretaria de Estado da Educação em São Paulo – contudo o meio encontrado por ele, na estruturação da obrigatoriedade do ensino de música, abriu caminhos para outras modalidades da arte também fixarem importância na formação escolar da educação básica. O programa de formação de professores, estruturado por Villa-Lobos, esbarrou em dificuldades na orientação aos professores, pois o ensino da linguagem musical não é estruturado da mesma forma que nos conservatórios, numa teoria baseada nos aspectos matemáticos da linguagem musical e memorização das peças para o canto orfeônico, como ordena o ensino tradicional. A relação do ensino da música com a metodologia tradicionalista nas escolas públicas foi alvo de críticas, pelos defensores do escolanovismo. A partir de 1948, com a criação da Escolinha de Arte do Brasil, pelo artista e educador Augusto Rodrigues no Rio de Janeiro, novos horizontes se abriram para outros conceitos de Arte-Educação, e o objetivo mais difundido passou a ser o desenvolvimento da capacidade criadora (BARBOSA, 1985, p. 46). Foi um período rico para o ensino da Arte, porque trouxe à tona as discussões sobre um ensino voltado para o desenvolvimento do aluno, com ênfase na criação e no processo individual. As influências do educador Augusto Rodrigues vinham de autores e artistas que defendiam o processo individual e que compreendiam que o conhecimento artístico e a expressão são indissociáveis. No entanto, não dados expressivos de ocorrências de transformações nas salas de aula. Foi importante momento de discussão com os professores em formação, por convênio com as secretarias ou por procura espontânea. A Escolinha de Arte do Brasil reuniu profissionais das Artes Plásticas, Teatro e Música interessados em estabelecer as linguagens/modalidades artísticas no processo de educação das crianças na escola pública. Empenharam-se em organizar sequências didáticas para ensinar professores para trabalhar a expressão artística na escola. Mais tarde esses programas tornaram-se currículo para o ensino superior, na formação de professores de Educação Artística. Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira de 1961, o canto orfeônico é substituído por Educação Musical e o ensino de Desenho, Desenho Geométrico e Artes Plásticas também fazem parte do cenário escolar. Porém, existiam pouquíssimos cursos de formação de professores para essas aulas e, por conta disso, professores de outras matérias com habilidades para assumirem essas aulas ou artistas e estudantes de conservatórios, escola de belas artes e etc, podiam assumir essas aulas. Em 1971, na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com o titulo de Educação Artística, a arte foi incluída no currículo escolar como Atividade Educativa a ser trabalhada nas linguagens artísticas: Artes Plásticas, Artes Cênicas e Educação Musical (PCN, 2001, V. 6, p. 28). No entanto, por se tratar de Atividade somada à falta de formação adequada nas linguagens das Artes Plásticas, das Artes Cênicas e Educação Musical, foi importante empecilho para o entendimento do professor sobre sua função, o quê e como ensinar. Consequentemente houve professores que buscaram conforto nos trabalhos manuais, outros nos livros didáticos inspirados nos documentos oficiais, os quais não orientavam referências teóricas e nem explicitavam fundamentos teóricos/metodológicos. Os cursos de formação Educação Artística, no intuito de atender a demanda desse novo mercado estavam voltados para transmissão de técnicas, sem base conceitual e sem levar em conta a própria história que desencadeou na nova lei. Nos anos 80 surgiu o movimento Arte-Educação que uniu professores de Educação Artística e profissional dos equipamentos culturais, com intuito de rever e propor novos andamentos à ação educativa em Arte (PCN, 2001, V.6, p. 30). Este foi um período de força dos grupos organizados. Com a promulgação da constituição de 1988, as Diretrizes e Bases da Educação precisou ser pensada para atualizar-se no cenário pós-moderno. Em 20 de dezembro de 1996, foi sancionada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, na qual contém os dizeres: O ensino de Arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos (LDB, 1997, 7ª Ed., p. 38). Com fortes influências do movimento modernista, a LDB de 1996 nos traz o conceito de educação básica: educação infantil, ensino fundamental e médio; oferta gratuita, laica, obrigatória e de direito a todos. A introdução do documento nos relata sobre os impedimentos de não se ter atingido, no final do século XX, as metas de alfabetização em massa, continua inatingível a universalização do ensino fundamental, escrito no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (MPEN) no inicio desse século, por conta da falta de valor devida à educação, por parte dos que mais precisam dela (LDB, 1996, 7ª Ed., p. 7). O manifesto escrito em março de 1932, foi assinado por vinte e seis importantes nomes na defesa da Educação Nova deste país, entre esses nomes estão Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, políticos defensores do Movimento Escola Nova. É um documento que registra crítica, por parte dos Pioneiros da Educação Nova, sobre o tratamento arcaico e inadequado destinado a educação, os quais apresentam entender ser um dos pilares do desenvolvimento de um país. (...) se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é possível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais (...) Onde se procura a causa principal (...) é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins de educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação (...) na falta do espírito filosófico e científico, na resolução dos problemas da administração escolar. Esse empirismo grosseiro, que tem presidido ao estudo dos problemas pedagógicos, postos e discutidos numa atmosfera de horizontes estreitos, tem as suas origens na ausência total de uma cultura universitária e na formação meramente literária de nossa cultura (MPEN, 1932). O documento MPEN, em anexo, revelou um plano de reforma educacional, que implicou na obrigatoriedade da educação laica, unificada para todos. É uma proposta que responsabiliza o Estado a oferecer educação gratuita em todos os níveis e estabelecer as diretrizes para todo o território nacional. Na década do século XX que foi sancionada a Nova LDB, a introdução do documento ainda revela que o número de escolas públicas do ensino fundamental oferecia 95% das vagas (p. 7). No entanto, a avaliação – que gerou a Nova LDB – constatou que houve muitos equívocos estruturais no âmbito físico e no currículo. E a Cultura da Repetência reforçava a desvalorização da educação nas famílias mais humildes incitando a atração por abandonar a escola para ajudar no trabalho da família ou ingressar no mercado de trabalho. O processo da história da educação demonstra que, mesmo sujeito a negação, parte-se de primícias a edificação nessa concepção de unidade. No que diz respeito ao ensino da Arte, os documentos oficiais são fundamentais na sua estruturação, contudo é apenas o inicio. CAPÍTULO 2 A formação dos professores para o ensino da Arte A experiência é o que nos passa, o que nos acontece,o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça (BONDÍA, 2002, p. 21). Até a República Nova, eram os artistas que ensinavam Arte. Bastava profissionalizar-se, enquanto artista, ou comprovar habilidades, para ser convidado ou contratado para a atividade da música ou do desenho na sala de aula. Com as ações de Villa-Lobos, para a defesa da Arte e do artista na educação brasileira, a formação do professor precisou ser pensada, para atender aos objetivos educacionais e a própria defesa da importância da Arte na formação cívica e cultural dos cidadãos brasileiros. E para tanto foram criados e organizados cursos de especialização em canto orfeônico para professores, voltados para o ensino dessas linguagens nas escolas. Villa-Lobos se empenhou no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, para socializar o canto orfeônico. Enquanto Diretor de Serviço de Educação Musical e Artística – SEMA – do Departamento de Educação Complementar do Distrito Federal, fundou cursos de aperfeiçoamento e especialização, organizou grandes eventos com apresentações públicas com muitas vozes – incluindo alunos, professores e Militares – e, neste momento, os primeiros registros da inclusão de dança nas escolas, em parceria com Educação Física. Nos programas orfeônicos, difundidos pelo SEMA, uma das atividades culturais organizadas eram os Bailados Artísticos que consistiam num programa em que participavam alunos selecionados das escolas públicas – alunos revelados pelo ensino de educação física e estudantes de desenho que demonstrassem aptidão para a cenografia, com a finalidade de criar bailados com temática essencialmente brasileira. Continuando o empenho da educação musical e artística, por VillaLobos, no ano de 1942, por meio do Decreto-Lei nº 4.993, de 26 de novembro, foi estabelecido o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico (CNCO), criado pelo Ministério da Educação e Saúde. Essa instituição tinha como incumbência formar candidatos ao magistério do canto orfeônico nos estabelecimentos de ensino primário e de grau secundário, estudar e elaborar as diretrizes técnicas gerais que devam presidir ao ensino do canto orfeônico em todo o país, realizar pesquisas visando à restauração ou revivescência das obras de música patriótica que hajam sido no passado expressões legítimas de arte brasileira e bem assim ao recolhimento das formas puras e expressivas de cantos populares do país, no passado e no presente e promover, com a cooperação técnica do Instituto Nacional de Cinema Educativo, a gravação em discos do canto orfeônico do Hino Nacional, do Hino da Independência, do Hino da Proclamação da República, do Hino à Bandeira Nacional e bem assim das músicas patrióticas e populares que devam ser cantadas nos estabelecimentos de ensino do país (VILLA-LOBOS, 1937, p. 22). E aos poucos, o surgimento de cursos em outros Estados subordinados à fiscalização e regulamentação do CNCO, que passaram ao controle do Governo Federal. Já em 1943, em São Paulo, o Instituto Musical São Paulo – sob a direção do Maestro João Batista Julião – mantinha o curso de Canto Orfeônico, equiparado ao modelo CNCO e em 19 é criado, a partir do Instituto Musical São Paulo, o Conservatório Paulista do Canto Orfeônico e o Conservatório Estadual de Canto Orfeônico de São Paulo (CECO) em 1951, criado a partir do Curso de Especialização de Professores de Canto Orfeônico que existia, desde 1949, anexo ao Instituto Caetano de Campos na capital paulista. É no decreto-lei nº 9.494, de 22/07/1946, que promulga a Lei Orgânica do Ensino de Canto Orfeônico (que contém, entre outros, os programas e a grade curricular a ser ministrada no CNCO), que define as diretrizes para preparar os candidatos a ministrar aulas de canto orfeônico nas escolas publicas em âmbito nacional. A Escolinha de Arte do Brasil, criada em 1948 pelo artista e educador Augusto Rodrigues com bases na livre expressão tinha como preocupação em compreender a Arte como expansão da imaginação, criatividade, intuição e inteligência. O processo de trabalho era espontâneo e o papel do professor era de estimulador da atividade. O aluno deveria deixar aflorar o conhecimento, através do material existente. Sendo, sem dúvidas, um trabalho de formação de professores que disseminou uma pratica pedagógica que ainda reconhecemos na escola (ROSA, 2005, p. 33). Além da formação de professores, em canto orfeônico, houve a necessidade de formar profissionais técnicos na área de serviços de cópias, gravação e impressão de música, devido ao aumento da demanda decorrente da expansão dos horizontes da prática orfeônica, percebido e oferecido pelo órgão CNCO, dirigido por Villa-Lobos até o ano de sua morte em 1959. 2.1 Sobre a organização do canto orfeônico nas escolas públicas Villa-Lobos declara: Nas escolas primárias e secundárias, o que se pretende, sob o ponto de vista estético, não é a formação de um músico mas despertar nos educandos, as aptidões naturais, desenvolvê-las abrindo-lhes horizontes novos e apontando-lhes os institutos superiores da arte onde é especializada a cultura (VILLA-LOBOS, 1937, p. 23). O canto orfeônico é uma modalidade francesa de iniciação musical. Sem exigir grande conhecimento de técnica vocal ou estrutura harmônica, é possível conhecer basicamente estrutura sonora, praticar os conhecimentos reunidos ao conjunto de vozes, sem as exigências e especificidades da profissionalização do canto coral. Pode-se observar que o ensino de música nas escolas públicas foi estruturado por legislação, enquanto que a Escolinha de Arte e as demais tentativas de formação de professor, para a inserção da linguagem artística do teatro e desenho na sala de aula para crianças e adolescentes foram iniciativas informais, que buscaram expressão no convencimento dos seus argumentos. O Manifesto Pioneiro da Escola Nova, também conhecido como Manifesto dos Modernista, na primeira metade do século XX, cita plano para: função educacional, processo educativo, reconstrução educacional e formação de professores. Sobre a formação de professores o Manifesto Pioneiro da Escola Nova, conhecido como Manifesto dos Modernistas observa: Se o estado cultural dos adultos é que dá diretrizes à formação da mocidade, não se poderá estabelecer uma função e educação unitária da mocidade, sem que haja unidade cultural naqueles que estão incumbidos de transmiti-las (MPEN, 1932). O Manifesto defende a formação universitária dos professores. Critica sobre os professores universitários que atuam na formação docente não serem do magistério e não conhecerem sobre os problemas didático/pedagógicos na escola. E explicita maus salários dos professores de educação primária. Os elaboradores do Manifesto Pioneiro da Escola Nova avaliam que a escola não pode ser isolada. Pois, por meio da educação se forma a sociedade, portanto a escola tem que fazer parte da sociedade, se relacionar com a família, com outras instituições da comunidade e com empresas, no intuito de fazer parte e estimular o sentimento de pertencimento e valorização da escola. Os próprios modernistas estimularam a permanência de artistas na educação pública, como por exemplo, Anita Malfatti contratada para ministrar aulas de desenho para crianças e os músicos contratados como instrutores de canto orfeônico nos cursos de formação para professores de educação musical. O Serviço Nacional de Teatro, sob a orientação de Orlando Miranda, resolveu contratar especialistas em Teatro Educação para ministrar cursos intensivos, com a colaboração das Secretarias de Educação de diversos Estados. Seguindo os modelos de cursos em desenho e música, tinha o objetivo de oferecer aos professores bases para desenvolverem trabalhos fundamentados nos conceitos de Teatro na Educação, para derrubar a idéia equivocada de montagem de pecinhas ou organização de comemorações cívicas (SLAD, 1978, p. 9). Os cursos foram realizados em muitas partes do Brasil, com programa planejado para sessenta horas e se desenvolvendo e ampliando para mais dois cursos de complementação com sessenta horas cada. Com a Lei 5.692/71, a arte é incluída no currículo com o título de Educação Artística, como atividade educativa. A Lei define que a formação dos professores para esta atividade educativa ocorre em nível superior. Com a regulamentação da formação em nível superior do curso de Licenciatura em Educação Artística de curta ou plena duração, conforme a Lei 5.692/71, utilizou-se os programas dos cursos de formação foram as bases estruturais da matriz curricular do nível superior: CAPÍTULO V Dos Professores e Especialistas Art. 29. A formação de professores e especialistas para o ensino de 1º e 2º graus será feita em níveis que se elevem progressivamente, ajustando-se as diferenças culturais de cada região do País, e com orientação que atenda aos objetivos específicos de cada grau, às características das disciplinas, áreas de estudo ou atividades e às fases de desenvolvimento dos educandos (LDB 5.692/71). Pensar em fases de desenvolvimento dos alunos sob a forte influência da educação tecnicista justifica os equívocos cometidos no entendimento do conceito Arte a favor do desenvolvimento do sujeito, cuja Arte é inerente. O conhecimento, de qualquer componente curricular, é propositor de ordenações internas que se articulam e desenvolve criatividade, raciocínio e ampliam o vocabulário e as referências, pessoais, transformando em instrumentos de formação e transformação do sujeito e o meio em que vive. Saber construir um objeto artesanal ou reproduzir movimentos de uma determinada dança não representa desenvolvimento educacional, pessoal ou profissional. Contudo, conhecer um objeto artesanal, sobre a região onde ele é produzido, o pensamento de quem o produz, o material que a natureza local oferece a tonalidade praticada por conhecimento técnico e o pensamento estrutural que define o objeto como “Artesanato” ou conhecer sobre os movimentos de uma dança regional/étnica, entender como o movimento representa a cultura local, a composição com o figurino e a estrutura sonora e conhecer o pensamento estrutural sobre o movimento cênico desencadeia articulações internas que ampliam repertório e experiência íntima, que auxiliam em escolhas/decisões necessárias para viver como cidadão atuante. A partir da lei 5.692/71, o ensino da Arte nas escolas e a formação dos professores sofreram influências de leis federais, como a Constituição de 1988: Constituição de 1988: CAPÍTULO III DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO Seção I DA EDUCAÇÃO (...) Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais do ensino, garantido, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. (...) Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; (...) Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais (Constituição de 1988). Este texto é uma introdução, para entendermos sobre as regulamentações que influenciaram o ensino de Arte e a formação dos professores de Arte na educação básica. Para tanto a legislação que regulamenta a formação de professores, Lei 5.692/71, orienta o currículo da educação superior. Necessita esclarecer e definir as bases filosóficas, que argumentam as orientações. Em continuidade da lei: Art. 30. Exigir-se-á como formação mínima para o exercício do magistério: a) no ensino de 1º grau, da 1ª à 4ª séries, habilitação específica de 2º grau; b) no ensino de 1º grau, da 1ª à 8ª séries, habilitação específica de grau superior, ao nível de graduação, representada por licenciatura de 1o grau, obtida em curso de curta duração; c) em todo o ensino de 1º e 2º graus, habilitação específica obtida em curso superior de graduação correspondente a licenciatura plena. § 1º Os professores a que se refere a letra "a" poderão lecionar na 5ª e 6ª séries do ensino de 1º grau se a sua habilitação houver sido obtida em quatro séries ou, quando em três, mediante estudos adicionais correspondentes há um ano letivo que incluirão, quando for o caso, formação pedagógica. § 2º Os professores a que se refere a letra "b" poderão alcançar, no exercício do magistério, a 2ª série do ensino de º grau mediante estudos adicionais correspondentes no mínimo há um ano letivo. § 3º Os estudos adicionais referidos aos parágrafos anteriores poderão ser objeto de aproveitamento em cursos ulteriores. Art. 31 As licenciaturas de 1º grau e os estudos adicionais referidos no § 2º do artigo anterior serão ministrados nas universidades e demais instituições que mantenham cursos de duração plena. Parágrafo único. As licenciaturas de 1º grau e os estudos adicionais, de preferência nas comunidades menores, poderão também ser ministradas em faculdades, centros, escolas, institutos e outros tipos de estabelecimentos criados ou adaptados para esse fim, com autorização e reconhecimento na forma da Lei (Lei 5.692 de 1971). Os professores de educação musical, desenho e artes manuais – neste período – não tinham formação nos termos da lei. Passou-se longo período para que os interessados em lecionar, nesta área do conhecimento, na educação concluíssem todo o processo de educação superior. Trata-se do período na nossa história em que chegar a matricular-se em educação superior era para poucos. E mesmo para poucos, quando se trata de formação inicial em Arte, o currículo e seus mestres deixaram muito a desejar, principalmente quando confundiram linguagem artística com formação específica do artista. E por depender da procura dos candidatos neste componente curricular da educação básica, consequentemente, a falta de professores com formação superior, fez-se prever na lei: Art. 34 A admissão de professores e especialistas no ensino oficial de 1º e 2º graus far-se-á por concurso público de provas e títulos, obedecidas para inscrição as exigências de formação constantes desta Lei. Art. 40 Será condição para exercício de magistério ou especialidade pedagógica o registro profissional, em órgão do Ministério da Educação e Cultura, dos titulares sujeitos à formação de grau superior. CAPÍTULO VIII Das Disposições Transitórias Art. 77 Quando a oferta de professores, legalmente habilitados, não bastar para atender às necessidades do ensino, permitir-se-á que lecionem, em caráter suplementar e a título precário: (...) c) no ensino de 2º grau, até a série final, os portadores de diploma relativo à licenciatura de 1º grau. Parágrafo único. Onde e quando persistir a falta real de professores, após a aplicação dos critérios estabelecidos neste artigo, poderão ainda lecionar: (...) c) nas demais séries do ensino de 1º grau e no de 2º grau, candidatos habilitados em exames de suficiência regulados pelo Conselho Federal de Educação e realizados em instituições oficiais de ensino superior indicados pelo mesmo Conselho. Art. 78 Quando a oferta de professores licenciados não bastar para atender às necessidades do ensino, os profissionais diplomados em outros cursos de nível superior poderão ser registrados no Ministério da Educação e Cultura, mediante complementação de seus estudos, na mesma área ou em áreas afins onde se inclua a formação pedagógica, observados os critérios estabelecidos elo Conselho Federal de Educação (Lei 5.692/71). Uma análise do ensino da Arte nas escolas públicas desde o século XX, passando pela regulamentação da disciplina de Educação Artística, a formação de professores e os impasses da contemporaneidade, com conteúdos em Artes Plásticas, Música, Dança e Teatro conforme a Lei 5.692/71 nos revela sobre as tendências em sala de aula da especificidade do assunto em Artes Plásticas, hoje se referindo as Artes Visuais, por conta da formação inicial dos professores, cujo ensino superior cada vez mais se preocupa com a especialização da parte e não a formação do todo. Os estudos científicos, realizados no Brasil, sobre o ensino da Arte nas escolas tem início na ECA –USP São Paulo, com foco nas artes plásticas e história da arte. Creio que por tratar-se de atividades com técnicas definidas passo a passo e a facilidade de transmiti-las para serem executadas individualmente – o mesmo comando – essas práticas do ensino das artes plásticas e história da arte – focado na pintura – passaram a fazer parte da formação inicial dos professores e reproduzida, por estes, nas salas de aula da educação básica. No primeiro ano da formação em Educação Artística, que cursei na década de 90, em Artes Plásticas I no final do primeiro semestre, este curso era anual, a professora ensinou a confeccionar lanternas chinesas, que tradicionalmente são usadas como adorno nas festas juninas. Cursei Educação Artística com Habilitação Plena em Música, no entanto nos dois primeiros anos como professora das séries finais do primeiro grau e o segundo grau eu sentia-me segura apenas para trabalhar Teatro, porque tive um histórico de formação informal neste assunto. Com as 5ª e 6ª séries eu arriscava transmitir técnicas básicas, que aprendi na formação em Educação Artística, como por exemplo confecção de tintas nas cores primárias e confecção de suportes alternativos. Neste caso o objetivo das aulas foi trabalhar a teoria das cores. Tanto mais é possível trabalhar com essa prática no que se refere à criatividade, composição, escolas artísticas, imaginação, estilo, equilíbrio e etc. Contudo, me detive na experiência pessoal da formação inicial. Por ter participado da história, que agora questiono, eu também desconfio da formação continuada conforme as legislações, em anexo, Resolução SEE 121/90, que foi revogada pela resolução 62/05, que dispõe sobre a formação continuada do professor da rede estadual de ensino nas modalidades Orientação Técnica, Curso de Extensão e Curso de Atualização, por órgão central SEE (Secretaria de Estado da Educação) e, ou, por órgão regional OP (Oficina Pedagógica da Diretoria Regional de Ensino), pois conforme publicação de Políticas Educacionais SEE O planejamento do Programa de Formação Continuada definirá prioridades e sistemáticas de capacitação, buscando aliar o trabalho de fundamentação teórica com as vivências efetivas da rede, preferencialmente com momentos de implementação e desenvolvimento de atividades no local de trabalho. A SEE também irá coordenar a produção e distribuição de materiais didáticos e de divulgação pedagógica que sejam fundamentais para o sucesso dos processos de aprendizagem ou que contribuam para explicitar aos educadores aspectos que são vitais ao seu trabalho, como é o caso, por exemplo, de o que ensinar, para que ensinar, como ensinar e como avaliar (SEE, 2006, p. 13). Para ser continuidade da formação inicial, se faz importante que o assunto seja do conhecimento do professor. Algo que foi visto na sua formação inicial e que a formação continuada ofereça as diretrizes do como ser trabalhado, o assunto, no sistema de ensino com objetivo de sucesso da aprendizagem dos alunos. Esta forma de formação continuada se faz presente nas demais matérias do currículo e em alfabetização. No entanto, não é presente no ensino da Arte porque a formação inicial do professor é compartimentada em uma linguagem/modalidade artística. Quando um professor com formação inicial em Artes Visuais, por exemplo, não teve noção de Música, não é possível dar continuidade ao assunto Música, por questões óbvias. A Equipe de Arte da CENP (Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas), órgão da SEE (Secretaria de Estado da Educação de São Paulo), realizou pesquisa nas Diretorias de Ensino do Estado de São Paulo, questionando quantos professores de Educação Artística (Arte) atuavam, em 2006, na sala de aula nos seguimentos: Ciclo I (Ensino Fundamental das quatro séries iniciais), Ciclo II (Ensino Fundamental das quatro séries finais) e Ensino Médio; qual habilitação, em sua formação inicial. As 90 Diretorias de Ensino distribuiu, em forma de questionário, a pesquisa para as escolas de sua jurisdição, recolheu os questionários respondidos pelos 3.880 professores na rede, neste ano, e tabulou os dados transmitindo-os para CENP. O gráfico dos resultados foi este: 2.2 Informações sobre a formação dos professores de Arte da Rede Pública Estadual de São Paulo. (CENP, 2006). O desenho e os trabalhos manuais foram as formas mais procuradas pelos professores, no ensino escolar porque atendia aos interesses de mercado, por conta da história do ensino clássico/tradicional da Arte e, por décadas, foram montando acervo de modelos e técnicas com letras, adornos, geométricos, naturais, esquemáticos, artesanatos e etc. O acervo dessas atividades foi trocado como figurinhas pelos professores e foram parar nos livros didáticos dos anos da ditadura militar. Com a gratuidade do ensino e sua oferta garantida pelo Estado, desde a constituição de 1961, o conhecimento estético artístico passa a compor importância no cenário educacional, por compreender conhecimento cultural humano. Na última década do século passado, o ensino da Arte nas escolas ainda não encontrou terreno firme e incontestável para fixar e progredir enquanto área de conhecimento, na história do ensino. Por ser uma das áreas da cultura é mais que justificada sua permanência no currículo escolar, no entanto somos produtores de uma história que conta a desqualificação do artista na sociedade, no início do século XX, consequentemente o desinteresse por esta área da cultura na formação escolar. O processo histórico da educação brasileira deixou transparecer que o ensino da Arte nas escolas atendia a interesses de desenvolvimento de técnicas e conhecimento da utilização de materiais, de suprir necessidade do mercado e sociocultural, sem discussão sobre cultura, diálogo, criatividade, intuição... Isso é o que menos importa. Com a LEI N. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, algumas revisões foram feitas para a orientação sobre os professores habilitados para o exercício do magistério e os interesses institucionais da educação brasileira, os quais estão registrados no artigo primeiro: Art. 1o A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. § 1o Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e a prática social (9.394/96). As revisões da Lei 5.694/71, que constituem a Lei 9.394/96, são regulamentadas por decretos. Nesta Lei, também está definido os dois níveis da educação básica, nas modalidades: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio e a educação superior. O foco nos processos de ensino/aprendizagem e no desenvolvimento das habilidades e competências, aumenta a necessidade da atenção na formação inicial dos professores e ampliam-se as bases legais na formação continuada, de responsabilidade das instituições educacionais, para compensar as inconformidades da formação inicial, como por exemplo, o conhecimento sobre pedagogia moderna, as relações entre a teoria/prática e os conteúdos específicos da Arte; Arte para as séries inicias; Arte Contemporânea para adolescentes e jovens; intersecção entre as linguagens/modalidades artísticas e o desenvolvimento cultural dos educandos. A Lei continua a prever aproveitamento da formação e experiências anteriores, no caso das licenciaturas. Ou seja, parece ser um estímulo para interessados com formação em outros componentes, do currículo da educação básica, e de outras áreas a interessar-se pela formação na licenciatura em Arte, como se pode observar no seu Artigo 61: Art. 61 A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos: I - a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço; II - aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades(Regulamentado pelo Decreto n. 3276/99). Art. 63 Os institutos superiores de educação manterão: (Regulamentado pelo Decreto n. 3276/99) (...) II - programas de formação pedagógica para portadores de diplomas e educação superior que queiram se dedicar à educação básica; III - programas de educação continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis; (LDB 9.394 de 1996). As diretrizes da educação nacional e a formação de professores estão entrelaçadas e ambos sofrem as influências e conseqüências da história que produz. O ensino da Arte, nesses moldes do trabalho com as quatro linguagens/modalidades da arte, hoje tem amparo legal. Ainda não citei os Parâmetros do Currículo Nacional, que também é documento importante nessa discussão. Vou deixar para a discussão sobre paridades e disparidades das influências filosóficas de Dewey e Deleuze, no ensino da Arte na Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Contudo, mesmo com os processos das políticas públicas para fazer valer a concepção do ensino da Arte nas escolas públicas, é muito difícil a luta contra a idéia do ensino da Arte ser encarado como momento de recreação. E não podemos esquecer que além do despreparo dos professores ha, também, falta de entusiasmo por parte de muitos. Ouso crer, até então, que o desinteresse e o despreparo do professor têm causa na formação inicial, por conta da especialização – muito superficial – em uma linguagem/modalidade artística. Nos livros de história da Arte, das décadas de 80 e 90, pode-se dizer que é inexistente as relações com outras modalidades da arte além das Artes Visuais. Se Arte é inerente ao homem, o artista da imagem, música e artes cênicas foi influenciado pelo mesmo pensamento do período, mesma política, filosofia, mesmo massacre, beleza e descobertas. Além do mais, não se pode deixar de perceber que o pensamento registrado nas artes visuais é o mesmo na dança, música e teatro. Portanto conhecer Arte é conhecer as formas como ela comunica o pensamento que permeia o homem, sempre no presente de quem produz a manifestação artística. Saber ler esse pensamento em uma linguagem/modalidade artística e não saber fazer conexões com as outras, poda o sujeito de ser conhecedor de seu tempo, oferecendo sensação de incapacidade de entender o todo ao seu redor. Dessa forma não se torna competente leitor do mundo que o circunda. A Resolução SEE 121/90 – Secretaria de Estado da Educação de São Paulo – regulamenta a formação continuada dos professores, em efetivo exercício, organizado por órgão centralizado (SEE/CENP/FDE) ou descentralizado (Oficina Pedagógica) na Diretoria de Ensino Regional. Esta Resolução foi revogada pela Resolução SEE 62/05, que mantém a formação continuada dos professores em efetivo exercício e amplia para a promoção de cursos de formação continuada gerenciados pelas Oficinas Pedagógicas, fora do horário de trabalho dos professores, homologado pela CENP com professores. certificação regulamentada para evolução funcional dos O Conselho Estadual de Educação, na Indicação CEE nº 220/01, sobre Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental no Sistema de Ensino do Estado de São Paulo define como princípios: Zelar por medidas que assegurem o acesso ao saber à todos os alunos 1. Valorizar a participação e a inserção infantil e juvenil nas escolas 2. Envolver as famílias no trabalho escolar 3. Promover controle social sobre a qualidade do atendimento educacional A CCE Promulga para que o processo ensino e aprendizagem atenda as orientações legais, com bases na pedagogia e na influência filosófica. Os quais, para serem atendidos, há de se suprir os anseios dos professores, quanto às deficiências da sua formação inicial. Em resumo, este capítulo discorre sobre a história da formação inicial do professor de Arte com bases na legislação. Ao tomar como ponto de partida a Lei 5.692/71, podem-se elencar inconformidades apresentadas por ter professores do Ensino Superior especializados em uma das linguagens artísticas, com programa de formação artística, não docente e sem noção sobre as dificuldades nos processos do ensino da Arte para crianças e adolescentes, por não se ter conhecimento dos estudos pedagógicos sobre didática e metodologia, filosofia da educação, Arte na educação, fases da aprendizagem, organização discente, articulação docente e investigação cientifica. Apresenta inconformidades, também, por oferecer Licenciatura compartimentada, com habilitação em uma linguagem/modalidade artística, desconsiderando seu conhecimento como um todo e estimulando os professores a conformarem-se com modelos copiados e descontextualizados de técnica simplista e somente se conectando com os outros componentes curriculares por meio de decoração ou a serviço de um conteúdo específico que não o seu. No Estado de São Paulo, o professor com formação inicial em uma linguagem/modalidade específica assume o cargo ou é contratado para trabalhar quatro linguagens da Arte – Artes Visuais, Dança, Música e Teatro – conforme orienta os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (1997, p. 42). Na bibliografia destinada para o concurso público de provimento de cargo para Professor de Educação Básica II de Arte, constam autores que discorrem sobre Dança, Teatro, Música e Artes Visuais; sobre a história, as influências, as tendências e as conexões com a educação. No último processo seletivo, para contratação de professores, em 13 de dezembro de 2009, a prova foi dividida em duas partes: questões gerais e específicas. As questões gerais foram formuladas sobre assuntos de autores da Pedagogia e com documentos da legislação e as questões específicas foram formuladas sobre assuntos de autores da Música, da Dança, Teatro e Artes Visuais. E sobre os assuntos da Música, foram formuladas questões com termos conhecidos por baixareis em Música, um vocabulário distante dos docentes de educação básica (2009, p. 14-17). Porém, conforme pesquisa da CENP, citada neste capítulo, 70% dos professores tem formação inicial em Artes visuais, na rede pública estadual de São Paulo. Não creio que, diante dos dados da pesquisa da CENP, os alunos deixarem de ter contato com música, dança e teatro, por conta da deficiência na formação inicial do professor, venha a ser melhor solução. CAPÍTULO 3 As influências no ensino da Arte na escola: do modernismo à contemporaneidade Na medida em que se crê na continuidade entre conhecimento comum e conhecimento científico, procura-se reforçá-la: busca-se considerar a ciência como uma atividade fácil, simples, extremamente acessível, nada mais que um refinamento das atividades do senso comum. Tal perspectiva, por sua vez, tende a ser a divulgação de uma falsa imagem da ciência, capaz de estimular processos de vulgarização excessivamente simplificadores e,por isso mesmo, crivados de equívocos (LOPES, 1996, p. 9). As idéias do Escolanovismo trouxeram à tona o estímulo à expressão artística para crianças e adolescentes, na educação escolar. Anísio Teixeira encantou-se pelos conceitos de John Dewey sobre experiência e educação, quando foi aos Estados Unidos pela primeira vez. Voltou ao Brasil em conflito com os próprios conceitos que defendia enquanto “Diretor Geral da Instrução da Bahia” – 1925-29. Decidiu retornar aos Estados Unidos para ter aulas com Dewey. Ele teve contato com as escolas experimentais de Dewey, com planejamento didático voltado para integração de atividades corporais, manuais e intelectuais e sua concepção de educação libertadora, na idéia concebida de liberdade para viver a vida, se relacionar com outras pessoas e construir conhecimentos da experiência intrínseca do viver e se relacionar. De 1932 a 1935, Anísio Teixeira foi Diretor Geral do Departamento de Educação do Distrito Federal, no Rio de Janeiro – Capital do País na época – e foi nesse período que se interessou pelas idéias dos modernistas, sobre educação, e trouxe Villa-Lobos para desenvolver o trabalho de música na escola, através do canto orfeônico. Deu ouvido e vez para o desenvolvimento do trabalho de desenho na escola e posteriormente na educação infantil, defendido por Mario de Andrade e Anita Malfatti. Abriu as portas das discussões políticas entre grupos opositores e uniu situação e oposição em pró do ideológico nacional. Teixeira, ainda, foi recriador contextual das ideais de Dewey, contudo limitado às suas concepções políticas. Barbosa (2002, p. 64) lamenta o desinteresse de Teixeira pelas concepções de Dewey sobre experiência estética. Essa concepção está ligada a idéia filosófica de Hegel sobre o juízo do sensível; está inter-relacionando a didática do ensino dos saberes escolares com o juízo sobre qual sujeito constitutivo se deseja, para construir o meio social e as relações com o outro na vida. A história da educação brasileira deixou marcas esclarecedoras de que o entendimento de Teixeira passou longe de Hegel, uma vez que o aprendizado técnico utilitário à indústria e ao mercado foi o principal foco. Com influências enraizadas no capitalismo liberal, a sua admiração pelo pensamento de Dewey inevitavelmente o levou a interpretá-lo aproximando-o da concepção industrial, capitalista; onde não encaixa igualdade de oportunidade para todos. No meu entender, a ênfase que dispensou para os trabalhos manuais e os experimentos que pode por em prática fomentando sua interpretação de Dewey sobre integração de atividades corporais, manuais e intelectuais foi um entendimento limitado as suas referências pessoais e formação política de Teixeira. Teixeira vai para a Bahia, em exílio forçado pela ditadura da Gestão de Vargas – 1935 a 1943 – onde fez a reforma da educação baiana. Retorna ao cenário da educação nacional, a convite, para participar da redemocratização do país, onde viveu a fase mais produtiva do seu trabalho – 1946 a 1960. Nesse momento, com maior know-how sobre os experimentos de Dewey nos Estados Unidos e sua concepção sobre educação, Teixeira põe em prática seus conhecimentos, criando a Escola Parque na Bahia e em Brasília; o Instituto Nacional de Pesquisas Pedagógicas, com escolas-laboratório em diferentes regiões do país e a Escola Guatemala (BARBOSA, 2001, p. 63). Essas escolas experimentais foram inspiradas na escola criada por Dewey na Universidade de Chicago, com ensino focado no desenvolvimento de atividades manuais e corporais, para meninos e meninas. Nelas, as atividades desenvolvidas ensinavam carpintaria, culinária, trabalhos de tecelagem entre outras, enriquecendo a experiência vivenciada pelo aluno com a mente e o corpo. John Dewey, pensador americano, participante do movimento pragmatista com Willian James e Charles S. Peirce, escreveu sobre Educação e Experiência e defendeu que a educação é um processo de contínua construção e organização da experiência, pelo qual construímos conhecimentos significativos, ampliamos repertório e com isso nos habilitamos à melhor dirigir o curso da vida. ... O juízo e a inferência, caracterizarão as atividades vitais que implicam a dúvida e a inquirição (inquiry). Para Dewey, a inquirição experimental é fundamentalmente pratica, o que torna deveras perigoso, política e intelectualmente, isolar o conhecimento da ação. Dewey usa essas idéias não somente na teoria da educação, mas também na defesa da democracia (COGNITIO-ESTUDOS,v. 5, n.2, 2008, p. 198) 3.1 Dewey O pensamento deweyiano, que influenciou Teixeira, tem como base a defesa da democracia e a liberdade de pensamento como instrumentos para a maturação emocional e intelectual das crianças. No entanto, apesar de Teixeira ter liderado o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova defendendo educação laica e igualitária e de acesso sem distinção, não conseguiu vencer a idéia elitista de educação secundária ser de acesso restrito. O acesso restrito a educação secundária perdurou até a década de 90, com a reforma educacional da educação básica e a progressão continuada em ciclos. Para melhor entender, a interpretação de Teixeira sobre a concepção de educação de Dewey influenciou o percurso de construção da concepção da educação brasileira até a virada do século XXI. Dewey declarou que o importante é educar a criança como um todo e para o crescimento físico, emocional e intelectual é imprescindível que a criança aprenda realizando tarefas contextualizadas, em seu meio, associado aos conteúdos escolares ensinados. Para este pensador, aprender implica em situações vivenciadas que exige tomada de decisões, argumentação e reflexão pessoal. Será disto que disseminamos o termo situação problema? Compartilhar experiências, para Dewey é o caminho do desenvolvimento do plano do professor. Gerar situações de experimentação, vislumbrar o interesse do aluno, planejar o problema a resolver e compreender ação e reflexão como um todo indivisível e primordial é o perfil daquele que promove o aprendizado. Dewey acreditou que só a inteligência da ao homem a capacidade de modificar o ambiente ao seu redor. Defendeu que experiência e investigação se apresentam como meios confiáveis para o conhecimento e formação de indivíduos capazes de agir criticamente na vida social e reajustar seus valores na medida em que se defrontam com os problemas concretos de sua época. Teixeira organizou uma concepção de educação, que não conseguiu fugir de pertencente ao pensamento liberal, que permeia na transmissão de técnicas por meio de exposição dos procedimentos, para um resultado único, considerado exato e incontestável. Mudar essa concepção de ensino implicaria em desacordos políticos, portanto, nem antes e nem depois de Teixeira, não houve preocupação em refletir sobre os métodos de ensinar, mas em ensinar métodos técnicos. Por mais que Teixeira se esforçasse em por em prática suas idéias experimentais, em âmbito nacional. No caso do ensino da Arte, o Desenho técnico, geométrico, por meio do método clássico rigoroso em ângulos e retas, habilidade necessária na indústria; canto orfeônico, um método de transmitir o cancioneiro nacional; a expressão cênica, um método de expressar o pensamento vigente e controlar a amostragem da cultura nacional. Um ensino da Arte sem preocupação com o desenvolvimento da criatividade, a leitura de si e do mundo ou a formação do sujeito. Nereu Sampaio, considerado um interprete de Dewey no Brasil, defendeu tese, em 1929, fortemente embasada nas idéias de Dewey no capitulo Pensamento e Experiência do livro Educação e Sociedade do autor. Sua defesa foi sobre a idéia de apreciação e gozo estético da natureza como base para o desenvolvimento para a capacidade de desenhar; foi a idéia sobre desenvolvimento da individualidade, por meio da integração com o ambiente, utilizando de método de observação para desenhar (BARBOSA, 1998, p. 25). A idéia sobre matérias úteis e o aprendizado de técnicas industriais e domesticas na escola, desenvolveu a necessidade de instituir métodos de ensino. O imediatismo, por resultados práticos, os modismos, a ausência de produção reflexiva e de parceiros de discussão que permeia a função do docente da educação básica, provocou o equivoco sobre a confusão da crença que metodologia e receituário fossem sinônimos a serviço dos preparos das aulas. As próprias citações de Barbosa sobre Dewey, em seus livros, não transparecem métodos, mas reflexões de Dewey sobre o desenvolvimento da capacidade do sujeito representar a si, a sua volta e o que o envolve. O conceito de Dewey sobre experiência pode ser considerado o foco de suas idéias. Pois a criança experiência uma vivencia e esta lhe desperta reflexões que se apresentam como referências que ajudam a desenvolver maturidade e a capacidade de representar idéias com o corpo, com a voz, com o traço; esta experiência está intrínseca com o pensamento, o movimento e a criatividade. A experiência estética precisa ser significativa para despertar todo esse envolvimento. Não há método técnico para um fim, mas há de se ter um método de conduzir o ensino da Arte com intuito de despertar o envolvimento particular da experiência estética das vivencias no espaço escolar. Fomos arrebatados pela educação tecnicista. E até mesmo na defesa do ensino da Arte, nos perdemos em querer encontrar enquadramento do conceito Arte, no aprendizado de técnicas, estanques, de expressão por meio de materiais. Para o ensino da Arte, na concepção tecnicista, o conhecimento contemplativo e intelectual como também a experiência estética da Arte não há espaço de compreensão, nem função na aprendizagem escolar. Dewey não dissocia educação e sociedade e levanta bandeira sobre a responsabilidade da educação na formação do sujeito. Instiga o arrojo das individualidades para a melhora do meio social. ... uma teoria corresponde aos fatos, quando ela leva aos fatos que são suas conseqüências, pelo intermédio da experiência (...) se trata de construir idéias de conduta. Ao enfatizar a importância da relação entre nossas crenças e nossas ações, o filósofo pragmatista abre as portas do futuro, da possibilidade e da criatividade (COGNITIOESTUDOS,v. 5, n.2, 2008, p. 211). A idéia positivista impregnada na educação crê que mudança social parte do desenvolvimento da racionalidade, pois somente através da razão é possível deter, prever e dar rumo ao progresso social. Fomos assombrados pela idéia do ensino tradicional que compreende o ensino de desenho, música e artes cênicas, na escola, um meio de desenvolvimento técnico que treina o profissional necessário para o mercado de trabalho; a experiência do conhecimento se da na aprendizagem de conteúdos úteis ao mercado industrial. Diferente dessa concepção, a influência principal de Dewey foi, em Teixeira, a idéia de educação unificada, de transformação e desenvolvimento social e econômico por meio da educação. Contudo, pode-se perceber o pensamento de Dewey, nas influências pedagógicas ocorridas na educação escolanovista. No artigo da revista periódica COGNITIO da PUC, o autor escreve que Dewey defendeu o desenvolvimento da função criativa do sujeito. E no decorrer da vida, a capacidade do pensar e mobilizar memórias das experiências vividas, interfere e transforma as ações, por provocar reflexões ( 2008, p. 201). A experiência, para ele, é a construção dos saberes da convivência social e a mobilização dos processos mentais conhecimento físico, mental e emocional. que transforma em A escola precisa se organizar para propiciar vivencias que promovem o conhecimento por meio do movimento corporal, da estética e o pensamento rígido. É o processo de ensino que decide como organizar o despertar do interesse, a percepção da realidade, a liberdade e o conhecimento. A Escola Nova sofreu interferências pela concepção de educação tecnicista, que fortemente ainda paira sobre prática de ensino na escola, e a educação tradicional. Essa concepção dialogava com as idéias do escolanovismo, pois para Dewey a escola não prepara para a vida, é a própria vida. E essa idéia não é compatível a um currículo organizado com conteúdos de matérias desconectadas, compartimentadas e sem relação com o cotidiano do aluno. Para Dewey, o currículo deve ser organizado para se relacionar com o social, a realidade que circunda o aluno e o desenvolvimento intelectual, físico e emocional. Segundo Barbosa, a escola tem a responsabilidade de desenvolver hábitos de ensino e hábitos de aprendizagem (2002, p. 61). Creio que a concepção do pensamento de Dewey encontrou incompatibilidades e, apesar dos fundamentos deweyiano nas discussões brasileira sobre educação, o pensamento cultural – arraigado do classicismo tradicional e o tecnicismo – transformou o ensino da arte em atividade de desenho como atividade complementar às disciplinas da grade curricular e o canto como democratização de uma linguagem universal em uníssono e as artes visuais como elemento de decoração ou reprodução de técnica e as artes cênicas como pesquisa empírica, de fora para dentro da escola, de teatrinhos e dancinhas para apresentações em eventos escolares. Esta é nossa pesada herança, para o fim do século XX. A idéia de preparação para o trabalho e do empenho nas soluções imediatas do coletivo, desde o século XIX, faz resistência ao discurso de educação vocacional de Dewey, cuja experiência estética desenvolve a maturidade para a vida em sociedade e a ocupação profissional. Na década de 80, Ana Mae Barbosa defende o ensino da Arte fundamentada no pensamento deweyiano e o interpreta através dos olhos de SAMPAIO e TEIXEIRA, por meio de suas pesquisas. Apesar de Dewey ser elemento de investigação científica sobre o movimento expressivo do corpo, experiência musical e Experiência e Arte, Barbosa optou por defender o ensino das Artes Visuais, por meio de leitura de imagens. A mim não está claro se sua opção ocorreu por conta de formalização da investigação por recortes específicos e objetivos – conforme a ciência positivista – nas décadas de 80 e 90, ou se por conta das deficiências da formação inicial dos professores. O que está claro, na obra de Barbosa, é que com bases na semiótica as manifestações artísticas podem se transformar em imagens que expressam signos, não verbais, a serem lidos, como um texto verbal. Barbosa desenvolveu a Proposta Triangular para o ensino da Arte, a oferecer história da Arte (ler), leitura da obra (contextualizar) e o fazer artístico (criar). Foi, a princípio, um projeto desenvolvido, enquanto Diretora do MAC/USP – São Paulo – na década de 80. O objetivo do projeto foi aproximar o público das obras artísticas em exposição, ampliando a abrangência para alunos de escola pública e pessoas sem conhecimento sobre Arte. O sucesso desse experimento projetou as idéias de Barbosa sobre o ensino da leitura de obra de Arte nas escolas. A idéias de leitura de obra de Arte nas escolas, entrou nas salas de aula, de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental e o Ensino Médio, rotulado como método de ensino da leitura de imagem, rotulado como Metodologia Triangular, fomentado na época pela autora no livro A imagem no Ensino da Arte. No livro Tópicos Utópicos Barbosa lamenta ter aceitado expressão metodologia e escreve: Hoje, depois de anos de experimentação, estou convencida de que metodologia e construção de cada professor em sua sala de aula e gostaria de ver a expressão Proposta Triangular substituir a prepotente designação Metodologia Triangular (BARBOSA, 1998, p.33). Provocar os professores para construírem metodologia própria, para o ensino da Arte, foi a forma que Barbosa encontrou para despertar vivencias significativas nas aulas de Arte, nas escolas, conforme sua interpretação de Dewey e a pós-modernidade. 3.2 Deleuze Na virada do milênio, Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque emergem, expressivamente, a concepção do ensino da Arte com bases na filosofia de Gilles Deleuze, sobre Rizoma. Também com influências do pensamento pósmoderno concebem o ensino da Arte por meio dos Territórios da Arte. São pesquisadoras sobre Didática do Ensino da Arte, elaboradoras da metodologia de Ensino da Arte do Instituto Arte na Escola e consultoras da proposta curricular do ensino da Arte, a partir do ano de 2008. A SEE e a CENP vem discutindo e estruturando a elaboração da nova proposta curricular, com objetivo de atender as especificidades que surgiram na contemporaneidade. Problemas sobre aprendizagem, relação forma-conteúdo da educação escolar e a preocupação com um currículo comprometido com seu tempo, fez a SEE constituir equipe, coordenada por Maria Inês Fini – mentora da avaliação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) – para elaborar e implementar na rede estadual de ensino a nova proposta curricular que tem os seguintes princípios: I. Uma escola que também aprende – a concepção de escola que aprende a ensinar II. O currículo como espaço de cultura – conexão do currículo à vida III. As competências como referência – a mobilização dos saberes na experiência do conhecimento IV. Prioridade para a competência da leitura e escrita – habilidade e competência para ler o mundo V. Articulação das competências para aprender – aprender a continuar aprendendo VI. Articulação do mundo com o trabalho – formar cidadão O conjunto desses princípios forma a estrutura da proposta curricular, com os seguintes pontos: • Uma educação a altura dos desafios contemporâneos; • Compreensão do significado das ciências, das letras e das artes • A relação entre teoria e prática em cada disciplina do currículo • As relações entre educação e tecnologia • A prioridade para o contexto do trabalho • O contexto do trabalho no Ensino Médio Sob a concepção de Guiomar Nano de Mello, Lino de Macedo, Luis Carlos de Menezes, Maria Inês Fini e Ruy Berger (2008) : A proposta do ensino da Arte, sem desmerecer a teoria triangular de Barbosa, inova na concepção de conexão das linguagens/modalidades da arte, mapeados nos territórios da arte, e conceito e conteúdo gerador do processo de ensino. (SEE, 2008, p. 41) A composição dos territórios movimenta o pensamento circular em Arte: I. Linguagens Artísticas II. Processo de Criação III. Materialidade IV. Forma e Conteúdo V. Mediação Cultural VI. Patrimônio Cultural VII. Saberes Estéticos e Culturais A partir da obra de Iole de Freitas Estudo para Superfície e linhas, instalação no Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro), Martins e Picosque traçaram linhas, na imagem impressa da instalação, que se cruzavam e revelavam pontos de conexão interligados, dando a idéia de um objeto único. Elas fizeram relação com o conceito de Rizoma de Deleuze. Trata-se de uma raiz sem núcleo, com tentáculos que se emaranham em um único objetivo, que é a sustentação da planta. Martins e Picosque nomeiam as conexões dos territórios no mapa como gestalt visual. Partindo da composição do mapa dos territórios da arte é que se apresentam os conceitos e conteúdos do ensino da Arte. O mapa ajuda a visualizar os territórios da arte como formas móveis de construção e organização de outro modo de estudo de arte no contexto escolar. ‘O mapa’ assim, é utilizado como sendo um desenho, entre muitos outros possíveis, ligado ao conceito de rede, mostrando uma forma no tempo e espaço de caminhar por trilhas que trazem paisagens específicas para o estudo das artes visuais, da música, da dança e do teatro (SEE, 2008, E.M. 1º bim, v. 1, p. 9). A contemporaneidade nos traz conceitos de Cultura Visual, a valorização da Arte Pública, Patrimônio Cultural e Cidadão do Mundo. Sem dúvida o conceito de rizoma, de Deleuze, é uma representação contemporânea sobre as conexões entre sujeitos e conceitos, que independem de distancias e sobrepõem fronteiras provocando liberdade e vontade de conhecer. Na articulação da cultura e produção, a arte se apresenta hibrida e conectada a percepção do mundo conectado a várias realidades. Não há gênero (masculino/feminino), mas sujeitos, que no passado era homem ou era mulher. Hoje um sujeito pode ser uma e/ou muitas formas. A obra de arte exposta inter-relaciona linguagens das modalidades artísticas, expressa com liberdade atemporal, onde o ismo – da pósmodernidade – não dá conta de particularizar mais nada. Rizoma é um termo emprestado do vocabulário da botânica, que significa um processo de ramificação aberta, que não tem um centro ou núcleo e pode expandir-se em varias direções, estabelecer conexões sem apresentar limites. O rizoma liga um ponto qualquer a outro ponto qualquer, num sistema não hierárquico. Os princípios do rizoma, conforme Martins e Picosque (2007, p. 3) são assim definidos: • conexão - qualquer ponto se conecta a outro qualquer uma ou mais vezes. • heterogeneidade - qualquer conexão ocorre sem prejuízo, tudo é possível. • multiplicidade - não há unidade, há um arranjamento de linhas que podem até mudar sua natureza ao conectar-se com outras, contudo não há bloqueios, mas possibilidades. • ruptura de hierarquização - não há direção única, nem priorização de direção; não é possível distinguir inicio e fim. • cartografia - pode ser mapeado, apresenta diversas possibilidades de direções e conexões, mostrando variação de sentidos (MARTINS e PICOSQUE, 2007, p. 3). Foi tomada de empréstimo, a idéia de rizoma, como maneira de apresentar diversas dimensões de saberes em Arte, oferecendo epistemologia da Arte no âmbito do contexto escolar, delineando o lugar da Arte e a formação cultural do sujeito. Pensar nos saberes e entre os saberes potenciais para aprendizagem da arte germinou um mapeamento do território Arte & Cultura projetado numa possível cartografia para aprendizagem da arte e que se expande na sala de aula através de proposições pedagógicas (CELESTE e PICOSQUE 2007, p. 3). No momento, apesar de Dewey ainda permear o pensamento sobre o ensino da Arte, Deleuze – filosofo da multiplicidade – é interpretado, no Brasil, e influencia a compreensão da dinâmica hibrida no conceito da Arte Contemporânea, no ensino. Dewey, filosofo pragmático e pedagogo norte-americano, escreveu em 1938 “Experiência e Educação” o qual foi interpretado, por Barbosa, como o experienciar no processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos programáticos. Deleuze, filosofo Frances contemporâneo, escreveu em 1980 “Mil Platôs” – com a idéia sobre Rizoma na introdução – o qual foi interpretado, por Martins e Picosque, como o relacionar os diversos conhecimentos na escola e fora dela. O rizoma não se deixa reconduzir nem ao Uno nem ao Múltiplo (...) Ele é feito de dimensões, ou antes de direções movediças. Ele não tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda (...) o rizoma é feito somente de linhas: linhas de segmentaridade, de estratificação, como dimensões, mas também como linhas de fuga ou de desterritorialização, como dimensão máxima segundo a qual, em seguindo-a, a multiplicidade se metamorfoseia, mudando de natureza (...) Um Platô está sempre no meio, nem começo, nem fim. Um rizoma é feito de Platôs (...) platô significa uma região contínua de intensidades, vibrando sobre ela mesma, e que se desenvolve evitando toda a orientação sobre um ponto culminante ou em direção a uma finalidade exterior (DELEUZE e GUATTARI, 1995, p. 32 e 33). Neste capitulo, optei por tentar discorrer sobre as influências de Ana Mae Barbosa, Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque no currículo do ensino da Arte, na Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Priorizei como referência a interpretação dessas autoras, sobre Dewey e Deleuze, para entender os entraves que ocorrem com os professores ao se depararem com a proposta curricular em relação à rotina das aulas de Arte. O entendimento do conceito Rizoma e Experiência se misturam com a idéia positivista de ensinar técnicas úteis, tratadas como conhecimento. Experiência, para Dewey é a construção do conhecimento significativo racional, motor e emocional num processo que pode ser planejado e projetado para a vivência dos assuntos culturais, que circunda o sujeito direta ou indiretamente. Rizoma, para Deleuze é a concepção da construção do conhecimento, a representação das conexões internas, cerebral e ímpar, que o sujeito vivencia em uma experiência. A concepção rizomática do ensino da Arte estabelece as conexões entre os territórios da Arte, numa dinâmica elétrica e infinita das possibilidades de construção de conhecimento da Arte. No material produzido, sobre os territórios da Arte, há também a finalização do assunto e suas conexões por meio do zarpando, que é o espaço da síntese e também pode ser gancho para outro assunto. É necessária muita elaboração teórica para desvincular os conceitos da modernidade e a pós-modernidade, pois é complexo vivificar sobre conexões do conhecimento entre áreas e entre as elaborações intelectuais e afetivas, com raízes profundas no exercício do conhecimento compartimentado, do sujeito sobre técnica. Barbosa critica os equívocos nas releituras/reproduções de imagens cometidas nas salas de aula, desconectadas da concepção, viraram técnica em aula, somando técnica para reprodução de imagem com técnica para utilização correta de nanquim, guache, hidrocor, lápis e etc. Martins e Picosque discorrem sobre a concepção Rizomática nos Territórios da Arte, porém se deparam com a formação inicial do professor numa parte da concepção Arte. Esforçam-se para conduzir sua concepção rizomática, por meio das conexões das partes que desenha o todo. As autoras desenvolveram o Caderno do Aluno, material de apoio a implementação do currículo, que foi distribuído para as escolas do Estado de São Paulo, com atividades de registro dos alunos relacionados às proposições de aprendizagem em Artes Visuais, Dança, Música e Teatro. A instrução aos professores é para que eles façam as conexões da Arte, por meio dos Territórios da Arte, com a liberdade de escolher a linguagem/modalidade em que irá trabalhar o conteúdo indicado. Em três escolas que visitei, na função de Professora Coordenadora de Oficina Pedagógica, no final do ano letivo de 2009, tive a oportunidade de folhear cadernos de seis alunos, de diferentes séries e diferentes professores e pude concluir que os professores fizeram desses cadernos de registros, caderno de atividades individuais e corrigiram as atividades com caneta vermelha, a letra C (certo) esticada , com carimbos decorativos, caretas com sorriso desenhado e recados para os alunos de parabéns ou não fez a lição. Esse procedimento dos professores demonstra a influência referencial pessoal, nas práticas das salas de aula, que a formação inicial não deu conta de conduzir questionamento metodológico com bases nas teorias pedagógicas. Martins, Picosque, Barbosa, eu e os professores formados, para atuar no ensino da Arte, tivemos influencias de todos os desencontros e desentendimentos do ensino da Arte, em toda a nossa formação acadêmica. Passamos por uma formação em licenciatura curta, na qual havia um passeio por Artes Visuais, Música, Dança e Teatro, oferecido nos cursos de educação superior por artistas professores, que não tinham conhecimentos pedagógicos dos processos de ensino/aprendizagem escolar e que tinham foco na técnica da produção artística; tudo isso em apenas dois anos. Com mais um ano de curso sairia com certificado de licenciatura plena em: Artes Cênicas, Artes Plásticas, Desenho ou Música, onde se intensificava os conteúdos específicos de uma linguagem/modalidade da Arte sem dar tempo nem de discutir, digerir, vivenciar processos num ciclo completo de compreensão, reflexão e construção de conhecimento. Não havia formação nem de professores e nem de artistas. No final da década de noventa, houve uma ruptura da nomenclatura do curso superior de Educação Artística para Habilitação em Artes Visuais, Teatro, Música ou Dança. As manifestações dos Arte-Educadores, liderados por Ana Mae Barbosa, desde a década de oitenta geraram essa mudança na formação inicial dos professores de Arte, porque defendiam a especialização do ensino das linguagens/modalidades, pois também estavam influenciados pela ciência positivista e seu controle da especificação da parte. O positivismo, que gerou o tecnicismo, foi um pensamento que influenciou todo o século XX: no início deste século enaltecíamos o artificial; no meio do século acreditávamos que eliminar a exceção à regra era o caminho da felicidade homogenia da humanidade; no final do século enaltecemos o natural; o artificial tornou-se uma arma contra a vida humana e a diversidade fortalece a multiculturalidade. No século XXI, quanto à formação inicial dos professores de Arte, a evidência destas influências foi constatada na pesquisa da CENP/2006. Compreendo que o percurso histórico da licenciatura em Arte (ou na linguagem - parte - da Arte), as reflexões sobre as deficiências emergidas de tempo em tempo conduziram para o formato de hoje. Contudo, sem desmerecer as conclusões passadas, há muito a refletir. Principalmente, situar a formação do professor às questões contemporâneas. Ana Mae Barbosa defendeu o ensino das Artes Visuais com a leitura de imagens por meio de sua Proposta Triangular. Apesar de ter trabalhado na construção do documento PCN de Arte, no livro Inquietações no ensino da Arte (1998, p. 36) explicita seu descontentamento com o contido interagir com materiais, instrumentos e procedimentos variados em artes (Artes Visuais, Dança, Música, Teatro), experimentando-os e conhecendo-os de modo a utilizá-los nos trabalhos pessoais (PCN de Arte, 1996, p. 40). A autora defende a formação inicial dos professores em Artes Visuais, pois estes obterão subsídios para a leitura da imagem. Se acaso, eu oferecer esta imagem a crianças, adolescentes e jovens da educação básica, para refletir sobre os elementos não verbais e ler a imagem: Os conteúdos das Artes Visuais estão contidos nesta imagem, porém limitar-se nos conteúdos das artes visuais, hoje que se discute arte hibrida, imagem em movimento complexo e hipertexto, deixa a discussão pobre e desinteressante aos alunos do século XXI. Para o professor provocar a leitura desta imagem com competência é preciso ter noção de expressão cênica, de fenomenologia e cultura de massa e história do pensamento. Se esta imagem estiver em movimento, como um vídeo, e com efeito sonoro e/ou musical o professor precisará, também, ter noções da linguagem musical, gestual, corporal. Desta forma será possível provocar leitura dos códigos verbais e não verbais, desafiando o olhar a compreender as possíveis comunicações concatenadas entre si e com sua percepção. A concepção da Arte contém história, pensamento e conteúdo artístico no seu percurso na linha do tempo. CAPÍTULO 4 Formação do professor na concepção do ensino da Arte Minha segurança se funda na convicção de que sei algo e de que ignoro algo a que se junta à certeza de que posso saber melhor o que já sei e conhecer o que ainda não sei (FREIRE,2006, p. 135). Sem desmerecer as manifestações dos Arte-Educadores, que construíram a história do ensino da Arte desde a década de oitenta e fizeram do ensino da Arte objeto de estudos acadêmicos, é fato que ainda não chegamos a uma formação inicial que atenda os anseios das concepções pósmodernas sobre ensino/aprendizagem e construção de conhecimento. Steven Connor, no livro Cultura Pós-Moderna, analisando a concepção de Jean-François Lyotard sobre pós-modernidade, comenta que a ciência perde o poder na construção do conhecimento humano e da verdade na medida em que a ciência se torna uma nuvem de especialismos. (CONNOR,1993, p. 32). Enquanto a formação inicial do professor de Arte estiver ligada a especialismos, dificilmente experienciará reflexão quanto às conexões possíveis da Arte. Mesmo porque, para experienciar a diversidade de conexões há de se construir repertório. A pós-modernidade nasce da modernidade. Artistas como Picasso que, além das artes plásticas, também escreveu teatro e Kandinsk que, além das artes plásticas, também foi músico, entre outros tantos artistas, ajudaram a construir a concepção pós-moderna de construção do conhecimento, onde as narrativas se entrecruzam na argumentação do contemporâneo. Por que a formação do professor de Arte tem que ser nos especialismos? Por que, que as discussões pós-modernas da Arte não conseguem entrar na escola? Mirian Celeste Martins foi participante da construção da Proposta de Educação Artística para o 2º Grau, na SEE em 1992, cujo texto de introdução defendeu a nomenclatura da matéria Arte, em detrimento a Educação Artística, no singular por tratar de conceito do todo. Arte é área de conhecimento, é área da cultura e um todo complexo de signos e de linguagens. A atividade artística é inerente ao homem porque é sensível e não porque é técnica. Por tanto, atividade sensível desenvolve a linguagem, criatividade, imaginação, amplia repertório e propicia experiência estética. Então, atividade artística, na escola, não tem um fim de conhecimento útil para o sujeito. É a experiência de conectar sentidos, signos dialéticos que amplia repertório pessoal, do eu para o outro e do outro para o eu. Aprender a ler o mundo, requer despertar sensibilidade para ler além do verbal. O ensino da Arte propicia isso. 4.1 Diretrizes Curriculares O documento Parecer do Conselho Nacional /Conselho Pleno de 2001, sobre Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena, faz uma análise pontual da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nesse assunto e propõe as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de Professores da Educação Básica. Este Conselho Pleno designou Comissão Bicameral composta pelos Conselheiros Edla Soares, Guiomar Nano de Mello (mentora da proposta curricular da SEE de São Paulo em 2008), Nélio Bizzo e Raquel Figueiredo Alessandri Teixeira, da câmera de Educação Básica, e Éfrem Maranhão, Eunice Durham, José Carlos de Almeida e Silke Weber e como relatora a conselheira Raquel Figueiredo Alessandri Teixeira. Para promulgar sobre a concepção de educação do século XXI. Viramos o século XXI com o desafio de reformar a formação de professores para transpor estigmas da função e aproximar as instituições formadoras dos sistemas educacionais, para contemplar características consideradas, na atualidade, como inerentes à atividade docente, entre as quais se destacam: *Orientar e mediar o ensino para a aprendizagem dos alunos; *Comprometer-se com o sucesso da aprendizagem dos alunos; *Assumir e saber lidar com a diversidade existente entre os alunos; *Incentivar atividades de enriquecimento cultural; *Desenvolver práticas investigativas; *Elaborar e executar projetos para desenvolver conteúdos curriculares; *Utilizar novas metodologias, estratégias e materiais de apoio; *Desenvolver hábitos de colaboração e trabalho em equipe (CNE/CP 009/2001, p. 4). A formação de professores em geral deve promover vivências, reflexão e fundamentação teórica para as ações que envolvem ensino e aprendizagem. No caso do professor de Arte, deve oferecer conhecimento de Arte contextualizado em conhecimento do desenvolvimento cognitivo e métodos de construção dos saberes escolar. A aproximação das instituições que oferecem curso de licenciatura, para os professores de Arte, com os sistemas educacionais é evidentemente importante. Como se sabe, as instituições de educação superior formam os professores da educação básica. Portanto, neste caso, a aproximação dos cursos de licenciatura com a proposta curricular da SEE/SP, poderá ser útil, quando a instituição superior está comprometida com formação de excelência, propiciando discussões e reflexões na formação inicial, preparando o profissional para atuar no campo de trabalho, com os alunos da educação básica. Alfredo Bosi, no livro Reflexões sobre a Arte, ao explicar sobre expressão, nos oferece uma reflexão sobre processo de criação, o qual podemos remeter ao ensino da Arte: Em toda a atividade artística impõe-se a presença de uma forte motivação. As formas expressivas são geradas no bojo de uma intencionalidade que as torna momento integrante ou resultante do fato. A dissociação posterior de forma e força interior só se cumpre historicamente quando os motivos iniciais da união já se apagaram com a rotina das convenções, o esquecimento, a lima do tempo e a morte da cultura que os produziu. Nesta hora, o símbolo deve ser decifrado, e a alegoria, traduzida (BOSI, 2000, p. 52). Os documentos oficiais, do governo federal e das instituições públicas de ensino, devem ser assuntos de reflexão nas aulas dos cursos de formação inicial do professor de Arte. A Secretaria de Ensino Superior (SESu) do Ministério da Educação (MEC), nomeou Comissão de Grupo Tarefa especial, que concluiu em 1999 o documento Subsídios para a elaboração de Diretrizes Curriculares para os Cursos de Formação de Professores, para o estudo dos cursos de graduação de formação de professores da educação básica, com a finalidade de subsidiar o CNE, consolidou a direção da formação para três categorias de carreira (MEC/SESu, 1999, p.6): • Bacharelado acadêmico; • Bacharelado profissionalizante; • Licenciatura Assim sendo, a Licenciatura constituiu-se em um projeto específico, o que exige a definição de currículos próprios da Licenciatura que não se confunda com o Bacharelado ou com a antiga formação de professores que ficou caracterizada como o modelo 3 + 1. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 foi o marco da revisão conceitual sobre educação, dos anos 80 e 90. A concepção de Educação Básica significa a continuidade articulada entre educação infantil, ensino fundamental e médio. Essa é uma visão da educação do sujeito que se constitui num todo de experienciar, refletir e saber ao longo da vida escolar; e que contribui para vida fora da escola. ...concepção de escola voltada para a construção de uma cidadania consciente e ativa, que ofereça aos alunos as bases culturais que lhe permitam identificar e posicionar-se frente às transformações em curso e incorporar-se na vida produtiva e sócio-política. Reforça-se, também, a concepção de professor como profissional do ensino que tem como principal tarefa cuidar da aprendizagem dos alunos, respeitada a sua diversidade pessoal, social e cultural (MEC/SESu, 1999, p. 9). A escola não é a única responsável pela educação, no entanto é um lugar onde se desenvolve prática planejada e sistemática de ensino/aprendizagem e contato com a produção humana de conhecimento/ tecnologia/ cultura. Para a compreensão dessa concepção de educação, focada na aprendizagem e na articulação da escola com a família e a comunidade, o perfil do professor deve transformar-se para acompanhar a sua função neste século. Esse professor precisará ter referenciais de reflexão e fundamentação na sua formação inicial. O Ministério da Educação por meio do Conselho Nacional de Educação, realizou Parecer nº CNE/CP 009/2001 (p. 12) prevê indicativos legais importantes para os cursos de formação de professores: • Posicionando o professor como aquele que incumbe zelar pela aprendizagem do aluno – inclusive daqueles com ritmos diferentes de aprendizagem –, tomando como referência, na definição de suas responsabilidades profissionais, o direito de aprender do aluno, o que reforça a responsabilidade do professor com sucesso na aprendizagem do aluno; • Associando o exercício da autonomia do professor, na execução de um plano de trabalho próprio, ao trabalho coletivo de elaboração da proposta pedagógica da escola; • Ampliando a responsabilidade do professor para além da sala de aula, colaborando na articulação entre a escola e a comunidade. Esse documento esclarece o intuito da LDBEN 9.394/96 em constituir a educação básica como referência principal para a formação dos professores. Para construir junto com seus futuros alunos experiências significativas e ensiná-los a relacionar teoria e prática é preciso que a formação de professores seja orientada por situações equivalentes de ensino e de aprendizagem (CNE/CP, 009/2001, p. 14). 4.2 Professores de Arte Historicamente, a formação de professores de Arte precisou atender o sistema de ensino, porque faltavam professores atuantes. Por conta disso, houve uma saída legal que foi o aproveitamento de estudos e/ou experiência comprovada e contratação de professor estudante. Como ainda não resolvemos de vez este problema, a Lei 9.394/96 nos artigos 62 e 63 referem-se à criação de Institutos Superiores de Educação (ISE). A Resolução CNE 01/99, em nome da flexibilização dos cursos de licenciatura, deixa em aberto a localização dos IES podendo estes estar dentro ou fora das instituições universitárias. Desde a década de 70, a formação dos professores de Arte oferece opções facilitadoras, para atender a necessidade das secretarias municipais e estaduais de ensino. Nesta década, a necessidade de formar em quantidade e agilidade, na licenciatura de curta duração, professores para as aulas de Educação Artística teve reflexo em aulas desconexas, por conseqüência das deficiências dos cursos. Este fato se estendeu por toda a década de 80 e início dos anos 90, absorvendo no sistema de ensino estadual de São Paulo até mesmo os estudantes iniciais, dos cursos de licenciatura, como também bacharéis e profissionais liberais (formados ou estudantes). Da segunda metade da década de 90 até hoje, o cerco foi-se fechando para os bacharéis e profissionais liberais, no entanto, enquanto houver necessidade, os estudantes de licenciatura continuam presentes como professores; e se os estudantes de licenciatura não atender a demanda de aulas, os bacharéis, tecnólogos e profissionais liberais tem chances de dar o ar da graça nas salas de aulas da educação básica. Com o parecer e a resolução em questão, sobre o ISE, um professor de qualquer outra matéria, que queira se formar na licenciatura em Arte, por meio do ISE, que pode oferecer cursos semi-presencias, faz o aproveitamento curricular da primeira licenciatura, matricula-se no curso com duração de um ano, com encontros presenciais mensais. Forma-se, assim, o novo professor de Arte, em dias! A necessidade de professores para atender demanda das aulas, da educação básica, é um problema de políticas públicas que reflete inevitavelmente de forma negativa nas salas de aulas e na produção de pesquisa sobre ensino da Arte. Nenhum professor consegue criar, planejar, realizar, gerir e avaliar situações didáticas eficazes para a aprendizagem e para o desenvolvimento dos alunos se ele não compreender, com razoável profundidade e com a necessária adequação à situação escolar, os conteúdos das áreas do conhecimento que serão objeto de sua didática, os contextos em que inscrevem e as temáticas transversais ao currículo escolar (LDBN, 1996, p. 20). A concatenação teoria/prática pressupõe transposição didática mediada, reflexão sobre estratégias e procedimentos de ensino, autonomia para escolha dos conteúdos e das estratégias de ensino – e quando me refiro à escolha remeto a concepção de professor comprometido com a aprendizagem do aluno e com a atividade intelectual fundamentada nos referenciais teóricos e vivencia pessoal, na formação inicial – e o compromisso em propiciar situações de aprendizagem que desenvolve a competência de articular os saberes e construir conhecimento. Para poder escolher há de se ter autonomia. E esta só se conquista com a ampliação dos referenciais, a qual diferencia um Professor atuante de um cumpridor do horário de trabalho. Com a concepção de educação básica, dividida nas modalidades e/ou etapas: educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos do ensino fundamental e médio (EJA), para o professor de Arte, que atende a todas as etapas, saber trabalhar com seus conteúdos curriculares respeitando a diversidade, promovida pelas diferentes faixasetárias, é necessário que em sua formação inicial haja reflexão sobre desenvolvimento e aprendizagem. Uma situação de aprendizagem eficaz, desenvolvida para crianças das séries iniciais, pode não apresentar bons resultados nas outras modalidades e/ou etapas. No entanto, ao conhecer sobre o conteúdo específico da matéria e sobre as pedagogias, o professor planeja seus objetivos e escolhe suas estratégias, porque a vivência da construção do conhecimento na formação inicial faz nascer asas, que eu chamo de autonomia para reconstruir conhecimento, por meio da mobilização dos saberes adquiridos na escola e fora dela, desde os cursos da educação básica até a formação acadêmica. Isto porque construir é diferente de transmitir. Bosi, quando reflete sobre diversidade na unidade no livro Reflexões sobre a Arte nos auxilia a entender a diferença entre transmitir e construir conhecimento em Arte. O papel da linguagem não é exteriorizar ideológico prévio, uno, já pronto, feito e perfeito. Não. A consciência poética constrói um objeto semântico, o poema a partir de uma situação já interiorizada, sempre complexa, e dotada, em geral, de uma “atmosfera” (afetiva, tonal); mas os seus perfis, os seus aspectos particulares, irão se diferenciando à medida que o artista sondar a própria memória e der contorno e relevo à sua intuição (BOSI, 2000, p. 60). Somos, os professores formados até meados da década de 90, a geração da transmissão técnica e específica. Autonomia se conquista com a ampliação e o aprofundamento dos seus repertórios culturais. Paulo Freire dizia em suas audiências que a liberdade se conquista por meio da educação. A formação inicial pode não dar conta de ampliar e aprofundar repertório cultural, no entanto é o meio que desenvolve asas. Por isso, não pode acontecer de forma fragmentada. Curioso, que na primeira parte do parecer Relato, do documento CNE/CP 009/2001, em Questões a serem enfrentadas na formação dos professores, no item 3.2.9. Desconsideração das especificidades próprias das etapas da educação básica e das áreas do conhecimento que compõem o quadro curricular na educação básica há os seguintes dizeres: Há ainda a necessidade de se discutir a formação de professores para algumas áreas de conhecimento desenvolvidas no ensino fundamental, com Ciências Naturais ou Artes, que pressupõem uma abordagem equilibrada e articulada de diferentes disciplinas (Biologia, Física, Química, Astronomia, Geologia etc, no caso das Ciências Naturais) e diferentes linguagens (da Música, da Dança, das Artes Visuais, do Teatro, no caso de Arte), que, atualmente, são ministradas por professores preparados para ensinar apenas uma dessas disciplinas ou linguagens. A questão a ser enfrentada é a da definição de qual é a formação necessária para que os professores dessas áreas possam efetivar as propostas contidas nas diretrizes curriculares (...) Na formação de professores para as séries finais do ensino fundamental e para o ensino médio, por força da organização disciplinar presente nos currículos escolares, predomina uma visão excessivamente fragmentada do conhecimento (CNE/CP, 2001, p. 26). Pressuponho que realmente não há uma definição quanto à formação do professor de Arte, diante desta reflexão sobre visão fragmentada do conhecimento, expressada neste trecho do documento. A Universidade de São Paulo (USP) Leste, referência nacional em formação e produção acadêmica, oferece desde 2008 o curso de Licenciatura em Ciências da Natureza. Porque, para estudar ciências necessariamente passa por disciplinas científicas. Para estudar Arte, necessariamente passa por linguagens/modalidades artísticas. Mais uma, vez as reflexões de Bosi nos auxilia para entendermos a relação do sujeito e a Arte. Consequentemente ilumina a presença da Arte na educação. ... a arte tem representado, desde a Pré-História, uma atividade fundamental do ser humano. Atividade que, ao produzir objetos e suscitar certos estados psíquicos no receptor, não esgota absolutamente o seu sentido nessas operações. Estas decorrem de um processo totalizante, que as condiciona: o que nos leva a sondar o ser da arte enquanto modo específico de os homens entrarem em relação como universo e consigo mesmos (BOSI, 2001, p. 8) Se a educação básica pressupõe a integralidade entre as etapas de educação, então a superação da fragmentação terá que contemplar o todo da educação básica e da formação do professor de Arte. Para saber mobilizar saberes é preciso ter os saberes, que são os referenciais que ampliam o repertório de idéias. Na segunda parte do parecer CNE/CP de 2001 Voto da Relatora, no item 1.2. É imprescindível que haja coerência entre a formação oferecida e a prática esperada do futuro professor traz o conceito de simetria invertida (p. 30), que trata dos referenciais miméticos que os professores reproduzem em sala de aula. Isso, provavelmente, explica a observação que fiz, de como alguns professores de arte, observados em visita à escola, tratam os cadernos dos alunos – do material referencial da proposta curricular da SEE – e as marcações que fizeram (de caneta vermelha) sobre as atividades oferecidas pelo caderno. O caderno do aluno foi desenvolvido para servir como material de registro das aulas. Contém assuntos a serem desenvolvidos nas linguagens: música, dança, artes visuais e teatro, de escolha do professor qual a ênfase, dentre as linguagens, ou qual linguagem específica para trabalhar a cada bimestre. Há a orientação para o professor partir do assunto pautado no caderno do aluno, fundamentado pelo caderno do professor, que ele previamente estudou, para viajar pelos territórios da Arte, que autonomamente selecionou. O assunto do caderno não caracteriza uma atividade, principalmente nos moldes da escola tecnicista. É uma espécie de portifólio semi-pronto, onde os alunos vão fazer seus registros pessoais, das aulas. Como não há resposta certa ou errada nas reflexões sobre a Arte nos territórios do mapa rizomático, o caderno serve de mais um instrumento de troca de informações entre os alunos e o professor, em sala de aula. São assuntos e proposições para registros que por si só, não conecta e não amplia conhecimento. No entanto, o material que deveria servir como meio de registro das aulas de Arte, tornou-se caderno de atividades para ser realizada na sala de aula ou como tarefa de casa. Creio que há semelhanças com a vivência, desses professores, como alunos no período da educação básica. O mimes daquele perfil de professor, que lhes agradava a idéia, estava ancorada nas marcas da caneta vermelha, deixada nos cadernos dos alunos. Uma das premissas da formação de professor, é sem dúvida emergir esses mimes e discutir, trazer à luz da reflexão fundamentada nas teorias pedagógicas. Questionar a postura e as atitudes, antes que eles reproduzam em sala de aula, um perfil de professor desconectado com as necessidades contemporâneas da educação. Se o documento indica que é imprescindível que haja coerência entre a formação e a função, por que o MEC forma os professores na parte e não no todo? Como formar rede de significados com os alunos da educação básica, se o saber é focado e estanque? Ensinar requer dispor e mobilizar conhecimentos para improvisar, isto é, agir em situações não previstas, intuir, atribuir valores e fazer julgamentos que fundamentem a ação da forma mais pertinente e eficaz possível (CNE/CP, 2001, p. 35). O professor de Arte não ensina artista, mas sujeitos inter-relacionados com seu meio. Quanto mais vivências, informações, conhecimentos maior é a articulação para investigar hipóteses, criar soluções, se articular e saber utilizar as diferentes linguagens (verbal e não verbal). Na proposta Curricular – caderno de Arte – na Área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, há explicação sobre a linguagem ser um sistema de representação, para a produção de sentidos e a seguinte idéia: Mais do que objeto de conhecimento, as linguagens são meios para o conhecimento. O homem conhece o mundo através de suas linguagens, de seus símbolos. À medida que ele se torna mais competente nas diferentes linguagens, torna-se mais capaz de conhecer a si mesmo, assim como a sua cultura e o mundo em que vive (SEE, 2008, p. 37). A proposta curricular do Estado de São Paulo tem como concepção a articulação das competências para aprender os conteúdos escolares, a conviver, a saber fazer, a saber ser. Pressupõe que a escola viabiliza condições do professor gerenciar as situações de aprendizagem, mediando o conhecimento e o desenvolvimento autônomo de articular esquemas cerebrais, emocionais e intelectuais para desenvolver hipóteses, organizar os conteúdos e assuntos a serem utilizados em diversos momentos, mesmo fora da escola. Propõe que o professor desenvolva habilidades de mobilizar estratégias e avaliação contínua, para bem da aprendizagem. Uma educação a altura dos desafios contemporâneos (SEE, 2008, p. 9). O grande desafio está parecendo ser a coerência entre a formação do professor – que o MEC insiste na fragmentação – e a função do ensino da Arte na SEE/SP na hibrida viagem pelos territórios da Arte. A LDBEN e a Resolução SEE 62/2005 prevêem a formação continuada do professor. Por que o professor pode ter contato com diversas linguagens e modalidades da Arte na formação em serviço e na graduação só há especialização em uma linguagem/modalidade? Se Arte é inerente ao sujeito, se ele canta, dança, lê signos gráficos verbais e não verbais, lê gesto, movimento, forma e som, então não há o que convença sobre a determinação do curso de Licenciatura na parte e não no todo. Com o advento da semiótica, se constituindo num campo intrincado e heteróclito (SANTAELLA, 1983, p. 14), o lento entendimento dessa ciência transformou o documento PCN de Arte (1996, p. 40), tão criticado por não corresponder ao número de aulas das partes da Arte e de professores formados, num discurso atualizado para o ensino da concepção Arte. A semiótica discorre sobre a percepção do homem contemporâneo da linguagem, que segundo esta ciência trata-se de linguagens intrínsecas na produção de um significado, cuja publicidade utiliza com maestria e entra na vida dos leitores dos signos verbais e não verbais, simultaneamente, sem causar prejuízo de juízo do que se quer comunicar. Por ser um elemento da cultura a Arte deve ter seu espaço preservado na escola, contudo o entendimento da Arte está fragmentado na cabeça dos professores e, por conseqüência, dos alunos por ter tratamento compartimentado, ainda com pensamento influenciado pelo tecnicismo tradicional. No documento Proposta Curricular do Estado de São Paulo – Arte (2008, p. 51) consta que o professor de Arte faz conexões no mapa rizomático dos Territórios da Arte partindo do conhecimento obtido na sua formação inicial. Se a formação inicial do professor está na parte – Artes Visuais, Música, Teatro ou Dança – ele não terá condições de uma provocação rica em leitura dos códigos não verbais (música, dança, performance, instalações, espetáculos teatrais, shows, propagandas, hipertextos midiáticos, etc) e, como consequência, será pobre o seu discurso verbal provocativo. Portanto, sou conduzida a deduzir que a insistência legal em formar professores na linguagem/modalidade artística – parte da Arte – ainda é um resquício de influência da educação tecnicista/tradicional/positivista liberal do século XX no Brasil. Por mais que Martins e Picosque defendam que a formação inicial do professor não interfere na metodologia rizomática do mapa dos Territórios da Arte e defendem a formação da parte, nos moldes que se apresentam, os professores apresentam dificuldades para entender a proposta metodológica da Arte, por conta das deficiências apresentadas pela formação inicial. O documento do MEC, na análise em questão, foi o primeiro documento sobre formação de professores da educação básica, após a LDBEN 9.394/96. Com bases neste parecer, outros pareceres e resoluções foram redigidos para regulamentar e fomentar as especificidades da educação superior, para a formação de professores da educação básica. O Parecer Homologado CNE/CES 0195/2003, sobre Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Música, Dança, Teatro e Design, relata que as instituições de ensino superior responderão pelo padrão de qualidade dos Cursos de Graduação, atendendo as orientações da LDBEN em vigor, e propõe a substituição do modelo dos currículos mínimos nacionais por Diretrizes Curriculares Nacionais. Assim, promove a flexibilização dos currículos dos cursos de graduação. Quando se tratar de curso de graduação para formação de docentes, licenciatura plena, deverão ser observadas as normas específicas relacionadas com essa modalidade de oferta (CNE/CES,2003, p. 3). Portanto, para cada curso do documento há dois segmentos norteadores: • Diretrizes específicas por curso • Diretrizes comuns aos cursos No curso de Música, em Conteúdos Curriculares (p. 4), encontra-se nos itens: I – conteúdos básicos: estudos relacionados com a cultura e as artes... III – conteúdos teórico-práticos: estudos que permitam a integração teoria/prática relacionada com o exercício da arte musical e o desempenho profissional... No curso de Dança, no mesmo item (p. 5): I – conteúdos básicos: estudos relacionados com as artes cênicas, a música... III – conteúdos teórico-práticos: domínios de técnicas e princípios informadores da expressão musical (...) desenvolvimentos de atividades relacionadas com os espaços cênicos, com as artes plásticas (...) inerentes a produção em dança como expressão da arte e da vida. E, para finalizar este documento, no curso de Teatro, no mesmo item (p. 7): I – conteúdos básicos: estudos relacionados com as artes cênicas, a música, a cultura e a Literatura, sob as diferentes manifestações da vida e de seus valores... II – conteúdos específicos: estudos relacionados com a história da arte, com a estética (...) adequadas à expressão teatral e às formas de comunicação humana. Novamente eu tenho dúvida se a defesa do Ministério da Educação, na fragmentação da Arte em cursos de licenciatura – Artes Visuais, Música, Dança e Teatro – ocorre por influência da ciência positivista. Dentre o relato do documento há co-relação entre as linguagens/modalidades, pois um assunto não se pode desconectar de outro. Portanto a Arte é a área de conhecimento, onde as linguagens modalidades se relacionam e se interdependem. Na Resolução 1 de 16/01/2009 que Aprova as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Artes Visuais e dá outras providências, trata o ensino das Artes Visuais, como um assunto independente das outras linguagens/modalidades artísticas, como se as idéias que influenciam a Música e as Artes Cênicas não fossem as mesmas que influenciam as Artes Visuais. Aparenta um jogo de junta/separa do que não se pode fragmentar na cultura e na educação, porque a Arte é inerente ao homem. Sujeito algum, passará despercebido diante a uma obra de arte. Nem a incompreensão da razão impede uma experiência estética. Isso, por si só, explica a importância da Arte na educação e no desenvolvimento do sujeito. Essa concepção de ensino da Arte deve compor o currículo da Licenciatura em Arte. CONCLUSÃO Não se trata de conceber prioridade aos temas ostensivamente sociais. O realismo afirma-se como político no momento em que o artista vive, com todo o seu empenho intelectual e ético, a idéia de que arte é conhecimento (BOSI, 2000,p. 48) A concepção curricular sobre o ensino da Arte, no Estado de São Paulo, com o mapa rizomático dos territórios da Arte, que inter-relaciona as linguagens e modalidades em diversas dimensões, permite uma dinâmica de compreensão da Arte, seu processo de criação, matéria, saberes estéticos, patrimônio cultural, linguagem, mediação, formaconteúdo e, segundo os mentores da concepção, independente da especificidade da formação inicial do professor. Apesar da insistência do Ministério da Educação (MEC) em manter a estrutura da formação inicial do professor de Arte na especialização da linguagem artística, o texto dos documentos oficiais indica o conhecimento sobre a cultura em que o aluno está inserido e outras culturas; estabelecer relação entre a multiplicidade cultural requer conhecimento amplo sobre as diferentes linguagens e seus códigos – verbais ou não – de manifestações indissociavelmente artística. A Arte, como área da cultura, é produção humana em diversas linguagens e modalidades artísticas, que expressam influências vindas das mesmas idéias e contam uma única história. Eu estabeleço relação entre culturas por meio da música, do movimento corporal, da expressão do traço; tudo ao mesmo tempo ou com evidências em modalidades específicas. Mas só posso ter noção dessa distinção se conhecer o todo. O professor, da Educação Básica, deve ter contato com a Arte e vivenciar suas linguagens modalidades. O conhecimento da Arte, como um todo, é à base de sua formação inicial, uma vez que a licenciatura é diferenciada da formação específica do artista. Ser professor de Arte é saber trafegar por essa área da cultura e reconhecer suas características e seus signos. A formação inicial está na base de tudo. Evidentemente, faz-se necessário a formação continuada, pois, a Arte é um eterno estado de transição das idéias comunicadas principalmente por meios não verbais. Essa insistência em manter a especificidade dos cursos por Linguagens/Modalidades da Arte, nas Licenciaturas, ocorre por resquícios da influência da ciência positivista no Brasil. A escola contemporânea é um universo onde os processos de ensino e aprendizagem deveria construir percursos de discussão do conceito e, já é passada à hora, há que se enaltecer a Arte como área do conhecimento essencial para a educação básica, por propiciar movimento, conhecimento corporal, experiência estética, ampliação do olhar, socialização, percepção de si e do outro, criatividade, diálogos (verbal e não verbal), história da humanidade, criticidade, reflexão, experiência, organização pessoal/espacial do corpo, da mente e da linguagem, leitura de mundo, leitura do homem (e de si), equilíbrio, conhecimento emocional, estímulo do pensamento lógico, entre outras qualidades. Tudo isto por conta de que conhecer a Arte é conhecer as potencialidades humanas, por conseqüência conhecer o outro e, desta experiência, poder entender um pouco de si e ser facilitador das relações do eu para com a escola. 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ANEXOS ANEXO I “APELO AO CHEFE DO GOVERNO PROVISÓRIO DA REPÚBLICA BRASILEIRA” No intuito de prestar serviços ativos a seu país, como um entusiasta patriota que tem a devida obrigação de pôr à disposição das autoridades administrativas todas as suas funções especializadas, préstimos, profissões, fé e atividade, comprovadas pelas suas demonstrações públicas de capacidade, quer em todo o Brasil, quer no estrangeiro, vem o signatário, por este intermédio por este intermédio, mostrar a Vossa Excelência o quadro horrível em que se encontra o meio artístico brasileiro, sob o ponto de vista da finalidade educativa que deveria ser e ter para os nossos patrícios, não obstante sermos um povo possuidor, incontestavelmente, dos melhores dons da suprema arte. O momento, senhor presidente, parece propício para que Vossa Excelência possa mostrar com a ação e um gesto decisivos, o alto valor com que Vossa Excelência distingue os nossos artistas e a grande arte no Brasil. Um e outro se acham em quase completa penúria de um declive fatal, provocado pelas crises imprevistas e ininterruptas, que têm sacudido o mundo inteiro após a Grande Guerra. Era preciso encontrar um meio prático e rápido para suavizar esta situação, evitar a queda do nosso bom gosto pelas artes e acudir a tempo a débâcle do nosso nível artístico. A solução única, acreditamos, foi finalmente encontrada! E nunca digam os incrédulos que para os grandes males não há remédios... Depois de muito amadurecer idéias e examinar fatos concretos, aplicados e extraídos de realidade em realidade, numa observação demorada e justa, resolvemos formular as sugestões que para endereçar a Vossa Excelência. Possa, excelentíssimo senhor presidente, com os eloqüentes argumentos aqui expendidos, ter constantemente presente em sua memória a estatística de nossos artistas, quase inteiramente desamparados. Como vem de ser mostrado a Vossa Excelência, acham-se desamparados para mais de 34 mil musicistas profissionais, em todo Brasil, homens que representam, entretanto, pelos seus valores como artistas, quatro vezes os valores representativos pessoais, porque assim é tem sido em todos os países,em todas as épocas, a diferença de valor intelectual de que se destaca do vulgar esta gente privilegiada. E a arte da pintura? A escultura? A dança elevada? Esta nem existe entre nós que seja uma afirmação; quanto à arte da dança elevada, é justamente uma das que o Brasil poderia cultivar com superioridade sobre os demais países, porque é notória a beleza plástica da mulher brasileira; a flexibilidade dos nossos atletas; o ritmo singular e obstinado da nossa música popular; o amor que possuímos pelos livres movimentos físicos diante da nossa incomparável natureza; e o gosto pela fantasia delirante demonstrada, sobejamente, na predileção, quase maníaca, pelas festas do carnaval carioca. E o nosso encantado Teatro Brasileiro? As nossas comédias, nossas óperas, nossos gêneros originais típicos ou ingênuos? Porque, felizmente, a arquitetura, a poesia, a literatura, a filosofia, a ciência, a religião católica, outras seitas, preceitos e doutrinas aplicados ao nosso país, sempre tem encontrado um pequenino campo de explanação, conquanto que bem pouco cuidado pelos nossos governos passados. – E a música? Peço ainda permissão para lembrar a Vossa Excelência que é incontestavelmente a música, como linguagem universal que melhor poderá fazer a mais eficaz propaganda do Brasil, no estrangeiro, sobretudo se for lançada por elementos genuinamente brasileiros, porque desta forma ficará mais gravada a personalidade nacional, processo este que melhor define uma raça, mesmo que esta seja mista e não tenha tido uma velha tradição. De modo que hoje, dia 1º de fevereiro de 1932, espero que Vossa Excelência irá decidir,com acerto, a verdadeira situação das artes no Brasil. E então, ou Vossa Excelência será além de grande e benemérito homem público e estadista arguto, o amigo leal das artes e dos artistas da nossa pátria, colaborador dum dos maiores monumentos artísticos que o mundo produziu e que a história universal das artes inscreverá como um de seus capítulos mais interessantes, ou somente o grande e enérgico chefe do governo provisório da República brasileira, o ínclito patriota que sacudiu o jugo atroz das rotinas políticas passadas que pesavam sobre o povo brasileiro cujos filhos são de Vossa Excelência nesta ascensão. Mostre Vossa Excelência Senhor presidente, aos derrotistas mentirosos ou aos pessimistas que vivem não acreditando num milagre da proteção do governo às nossas artes, que Vossa Excelência é de fato o lutador consciente e realizador, tornando, incontinenti, uma realidade o Departamento Nacional de Proteção às Artes. E com isto Vossa Excelência terá salvo nossas artes e nossos artistas, que bem dirão toda a existência de Vossa Excelência. Seu humilde patrício. Heitor Villa-Lobos ANEXO II HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL PERÍODO DA SEGUNDA REPÚBLICA O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) A RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL NO BRASIL - AO POVO E AO GOVERNO Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade. No entanto, se depois de 43 anos de regime republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil, se verificará que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das necessidades do país. Tudo fragmentário e desarticulado. A situação atual, criada pela sucessão periódica de reformas parciais e freqüentemente arbitrárias, lançadas sem solidez econômica e sem uma visão global do problema, em todos os seus aspectos, nos deixa antes a impressão desoladora de construções isoladas, algumas já em ruína, outras abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em termos de serem despojadas de seus andaimes... Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de inorganização do que de desorganização do aparelho escolar, é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins de educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação. Ou, em poucas palavras, na falta de espírito filosófico e científico, na resolução dos problemas da administração escolar. Esse empirismo grosseiro, que tem presidido ao estudo dos problemas pedagógicos, postos e discutidos numa atmosfera de horizontes estreitos, tem as suas origens na ausência total de uma cultura universitária e na formação meramente literária de nossa cultura. Nunca chegamos a possuir uma "cultura própria", nem mesmo uma "cultura geral" que nos convencesse da "existência de um problema sobre objetivos e fins da educação". Não se podia encontrar, por isto, unidade e continuidade de pensamento em planos de reformas, nos quais as instituições escolares, esparsas, não traziam, para atraí-las e orientálas para uma direção, o pólo magnético de uma concepção da vida, nem se submetiam, na sua organização e no seu funcionamento, a medidas objetivas com que o tratamento científico dos problemas da administração escolar nos ajuda a descobrir, à luz dos fins estabelecidos, os processos mais eficazes para a realização da obra educacional. Certo, um educador pode bem ser um filósofo e deve ter a sua filosofia de educação; mas, trabalhando cientificamente nesse terreno, ele deve estar tão interessado na determinação dos fins de educação, quanto também dos meios de realizá-los. O físico e o químico não terão necessidade de saber o que está e se passa além da janela do seu laboratório. Mas o educador, como o sociólogo, tem necessidade de uma cultura múltipla e bem diversa; as alturas e as profundidades da vida humana e da vida social não devem estender-se além do seu raio visual; ele deve ter o conhecimento dos homens e da sociedade em cada uma de suas fases, para perceber, além do aparente e do efêmero, "o jogo poderoso das grandes leis que dominam a evolução social", e a posição que tem a escola, e a função que representa, na diversidade e pluralidade das forças sociais que cooperam na obra da civilização. Se têm essa cultura geral, que lhe permite organizar uma doutrina de vida e ampliar o seu horizonte mental, poderá ver o problema educacional em conjunto, de um ponto de vista mais largo, para subordinar o problema pedagógico ou dos métodos ao problema filosófico ou dos fins da educação; se tem um espírito científico, empregará os métodos comuns a todo gênero de investigação científica, podendo recorrer a técnicas mais ou menos elaboradas e dominar a situação, realizando experiências e medindo os resultados de toda e qualquer modificação nos processos e nas técnicas, que se desenvolveram sob o impulso dos trabalhos científicos na administração dos serviços escolares. Movimento de renovação educacional À luz dessas verdades e sob a inspiração de novos ideais de educação, é que se gerou, no Brasil, o movimento de reconstrução educacional, com que, reagindo contra o empirismo dominante, pretendeu um grupo de educadores, nestes últimos doze anos, transferir do terreno administrativo para os planos político-sociais a solução dos problemas escolares. Não foram ataques injustos que abalaram o prestígio das instituições antigas; foram essas instituições criações artificiais ou deformadas pelo egoísmo e pela rotina, a que serviram de abrigo, que tornaram inevitáveis os ataques contra elas. De fato, porque os nossos métodos de educação haviam de continuar a ser tão prodigiosamente rotineiros, enquanto no México, no Uruguai, na Argentina e no Chile, para só falar na América espanhola, já se operavam transformações profundas no aparelho educacional, reorganizado em novas bases e em ordem a finalidades lucidamente descortinadas? Porque os nossos programas se haviam ainda de fixar nos quadros de segregação social, em que os encerrou a república, há 43 anos, enquanto nossos meios de locomoção e os processos de indústria centuplicaram de eficácia, em pouco mais de um quartel de século? Porque a escola havia de permanecer, entre nós, isolada do ambiente, como uma instituição enquistada no meio social, sem meios de influir sobre ele, quando, por toda a parte, rompendo a barreira das tradições, a ação educativa já desbordava a escola, articulando-se com as outras instituições sociais, para estender o seu raio de influência e de ação? Embora, a princípio, sem diretrizes definidas, esse movimento francamente renovador inaugurou uma série fecunda de combates de idéias, agitando o ambiente para as primeiras reformas impelidas para urna nova direção. Multiplicaram-se as associações e iniciativas escolares, em que esses debates testemunhavam a curiosidade dos espíritos, pondo em circulação novas idéias e transmitindo aspirações novas com um caloroso entusiasmo. Já se despertava a consciência de que, para dominar a obra educacional, em toda a sua extensão, é preciso possuir, em alto grau, o hábito de se prender, sobre bases sólidas e largas, a um conjunto de idéias abstratas e de princípios gerais, com que possamos armar um ângulo de observação, para vermos mais claro e mais longe e desvendarmos, através da complexidade tremenda dos problemas sociais, horizontes mais vastos. Os trabalhos científicos no ramo da educação já nos faziam sentir, em toda a sua força reconstrutora, o axioma de que se pode ser tão científico no estudo e na resolução dos problemas educativos, como nos da engenharia e das finanças. Não tardaram a surgir, no Distrito Federal e em três ou quatro Estados as reformas e, com elas, as realizações, com espírito científico, e inspiradas por um ideal que, modelado à imagem da vida, já lhe refletia a complexidade. Contra ou a favor, todo o mundo se agitou. Esse movimento é hoje uma idéia em marcha, apoiando-se sobre duas forças que se completam: a força das idéias e a irradiação dos fatos. Diretrizes que se esclarecem Mas, com essa campanha, de que tivemos a iniciativa e assumimos a responsabilidade, e com a qual se incutira, por todas as formas, no magistério, o espírito novo, o gosto da crítica e do debate e a consciência da necessidade de um aperfeiçoamento constante, ainda não se podia considerar inteiramente aberto o caminho às grandes reformas educacionais. É certo que, com a efervescência intelectual que produziu no professorado, se abriu, de uma vez, a escola a esses ares, a cujo oxigênio se forma a nova geração de educadores e se vivificou o espírito nesse fecundo movimento renovador no campo da educação pública, nos últimos anos. A maioria dos espíritos, tanto da velha como da nova geração ainda se arrastam, porém, sem convicções, através de um labirinto de idéias vagas, fora de seu alcance, e certamente, acima de sua experiência; e, porque manejam palavras, com que já se familiarizaram, imaginam muitos que possuem as idéias claras, o que lhes tira o desejo de adquiri-las... Era preciso, pois, imprimir uma direção cada vez mais firme a esse movimento já agora nacional, que arrastou consigo os educadores de mais destaque, e levá-lo a seu ponto culminante com uma noção clara e definida de suas aspirações e suas responsabilidades. Aos que tomaram posição na vanguarda da campanha de renovação educacional, cabia o dever de formular, em documento público, as bases e diretrizes do movimento que souberam provocar, definindo, perante o público e o governo, a posição que conquistaram e vêm mantendo desde o início das hostilidades contra a escola tradicional. Reformas e a Reforma Se não há país "onde a opinião se divida em maior número de cores, e se não se encontra teoria que entre nós não tenha adeptos", segundo já observou Alberto Torres, princípios e idéias não passam, entre nós, de "bandeira de discussão, ornatos de polêmica ou simples meio de êxito pessoal ou político". Ilustrados, as vezes, e eruditos, mas raramente cultos, não assimilamos bastante as idéias para se tornarem um núcleo de convicções ou um sistema de doutrina, capaz de nos impelir à ação em que costumam desencadear-se aqueles "que pensaram sua vida e viveram seu pensamento". A interpenetração profunda que já se estabeleceu, em esforços constantes, entre as nossas idéias e convicções e a nossa vida de educadores, em qualquer setor ou linha de ataque em que tivemos de desenvolver a nossa atividade já denuncia, porém, a fidelidade e o vigor com que caminhamos para a obra de reconstrução educacional, sem estadear a segurança de um triunfo fácil, mas com a serena confiança na vitória definitiva de nossos ideais de educação. Em lugar dessas reformas parciais, que se sucederam, na sua quase totalidade, na estreiteza crônica de tentativas empíricas, o nosso programa concretiza uma nova política educacional, que nos preparará, por etapas, a grande reforma, em que palpitará, com o ritmo acelerado dos organismos novos, o músculo central da estrutura política e social da nação. Em cada uma das reformas anteriores, em que impressiona vivamente a falta de uma visão global do problema educativo, a força inspiradora ou a energia estimulante mudou apenas de forma, dando soluções diferentes aos problemas particulares. Nenhuma antes desse movimento renovador penetrou o âmago da questão, alterando os caracteres gerais e os traços salientes das reformas que o precederam. Nós assistíamos à aurora de uma verdadeira renovação educacional, quando a revolução estalou. Já tínhamos chegado então, na campanha escolar, ao ponto decisivo e climatério, ou se o quiserdes, à linha de divisão das águas. Mas, a educação que, no final de contas, se resume logicamente numa reforma social, não pode, ao menos em grande proporção, realizar-se senão pela ação extensa e intensiva da escola sobre o indivíduo e deste sobre si mesmo nem produzir-se, do ponto de vista das influências exteriores, senão por uma evolução contínua, favorecida e estimulada por todas as forças organizadas de cultura e de educação. As surpresas e os golpes de teatro são impotentes para modificarem o estado psicológico e moral de um povo. É preciso, porém, atacar essa obra, por um plano integral, para que ela não se arrisque um dia a ficar no estado fragmentário, semelhante a essas muralhas pelágicas, inacabadas, cujos blocos enormes, esparsos ao longe sobre o solo, testemunham gigantes que os levantaram, e que a morte surpreendeu antes do cortamento de seus esforços... Finalidades da educação Toda a educação varia sempre em função de uma "concepção da vida", refletindo, em cada época, a filosofia predominante que é determinada, a seu turno, pela estrutura da sociedade. E' evidente que as diferentes camadas e grupos (classes) de uma sociedade dada terão respectivamente opiniões diferentes sobre a "concepção do mundo", que convém fazer adotar ao educando e sobre o que é necessário considerar como "qualidade socialmente útil". O fim da educação não é, como bem observou G. Davy, "desenvolver de maneira anárquica as tendências dominantes do educando; se o mestre intervém para transformar, isto implica nele a representação de um certo ideal à imagem do qual se esforça por modelar os jovens espíritos". Esse ideal e aspiração dos adultos toma-se mesmo mais fácil de apreender exatamente quando assistimos à sua transmissão pela obra educacional, isto é, pelo trabalho a que a sociedade se entrega para educar os seus filhos. A questão primordial das finalidades da educação gira, pois, em torno de uma concepção da vida, de um ideal, a que devem conformar-se os educandos, e que uns consideram abstrato e absoluto, e outros, concreto e relativo, variável no tempo e no espaço. Mas, o exame, num longo olhar para o passado, da evolução da educação através das diferentes civilizações, nos ensina que o "conteúdo real desse ideal" variou sempre de acordo com a estrutura e as tendências sociais da época, extraindo a sua vitalidade, como a sua força inspiradora, da própria natureza da realidade social. Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia de cada época, que lhe define o caráter, rasgando sempre novas perspectivas ao pensamento pedagógico, a educação nova não pode deixar de ser uma reação categórica, intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista, montada para uma concepção vencida. Desprendendo-se dos interesses de classes, a que ela tem servido, a educação perde o "sentido aristológico", para usar a expressão de Ernesto Nelson, deixa de constituir um privilégio determinado pela condição econômica e social do indivíduo, para assumir um "caráter biológico", com que ela se organiza para a coletividade em geral, reconhecendo a todo o indivíduo o direito a ser educado até onde o permitam as suas aptidões naturais, independente de razões de ordem econômica e social. A educação nova, alargando a sua finalidade para além dos limites das classes, assume, com uma feição mais humana, a sua verdadeira função social, preparando-se para formar "a hierarquia democrática" pela "hierarquia das capacidades", recrutadas em todos os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades de educação. Ela tem, por objeto, organizar e desenvolver os meios de ação durável com o fim de "dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma das etapas de seu crescimento", de acordo com uma certa concepção do mundo. A diversidade de conceitos da vida provém, em parte, das diferenças de classes e, em parte, da variedade de conteúdo na noção de "qualidade socialmente útil", conforme o ângulo visual de cada uma das classes ou grupos sociais. A educação nova que, certamente pragmática, se propõe ao fim de servir não aos interesses de classes, mas aos interesses do indivíduo, e que se funda sobre o princípio da vinculação da escola com o meio social, tem o seu ideal condicionado pela vida social atual, mas profundamente humano, de solidariedade, de serviço social e cooperação. A escola tradicional, instalada para uma concepção burguesa, vinha mantendo o indivíduo na sua autonomia isolada e estéril, resultante da doutrina do individualismo libertário, que teve aliás o seu papel na formação das democracias e sem cujo assalto não se teriam quebrado os quadros rígidos da vida social. A escola socializada, reconstituída sobre a base da atividade e da produção, em que se considera o trabalho como a melhor maneira de estudar a realidade em geral (aquisição ativa da cultura) e a melhor maneira de estudar o trabalho em si mesmo, como fundamento da sociedade humana, se organizou para remontar a corrente e restabelecer, entre os homens, o espírito de disciplina, solidariedade e cooperação, por uma profunda obra social que ultrapassa largamente o quadro estreito dos interesses de classes. Valores mutáveis e valores permanentes Mas, por menos que pareça, nessa concepção educacional, cujo embrião já se disse ter-se gerado no seio das usinas e de que se impregnam a carne e o sangue de tudo que seja objeto da ação educativa, não se rompeu nem está a pique de romper-se o equilíbrio entre os valores mutáveis e os valores permanentes da vida humana. Onde, ao contrário, se assegurará melhor esse equilíbrio é no novo sistema de educação, que, longe de se propor a fins particulares de determinados grupos sociais, às tendências ou preocupações de classes, os subordina aos fins fundamentais e gerais que assinala a natureza nas suas funções biológicas. É certo que é preciso fazer homens, antes de fazer instrumentos de produção. Mas, o trabalho que foi sempre a maior escola de formação da personalidade moral, não é apenas o método que realiza o acréscimo da produção social, é o único método susceptível de fazer homens cultivados e úteis sob todos os aspectos. O trabalho, a solidariedade social e a cooperação, em que repousa a ampla utilidade das experiências; a consciência social que nos leva a compreender as necessidades do indivíduo através das da comunidade, e o espírito de justiça, de renúncia e de disciplina, não são, aliás, grandes "valores permanentes" que elevam a alma, enobrecem o coração e fortificam a vontade, dando expressão e valor à vida humana? Um vício das escolas espiritualistas, já o ponderou Jules Simon, é o "desdém pela multidão". Quer-se raciocinar entre si e refletir entre si. Evita de experimentar a sorte de todas as aristocracias que se estiolam no isolamento. Se quer servir à humanidade, é preciso estar em comunhão com ela... Certo, a doutrina de educação, que se apóia no respeito da personalidade humana, considerada não mais como meio, mas como fim em si mesmo, não poderia ser acusada de tentar, com a escola do trabalho, fazer do homem uma máquina, um instrumento exclusivamente apropriado a ganhar o salário e a produzir um resultado material num tempo dado. "A alma tem uma potência de milhões de cavalos, que levanta mais peso do que o vapor. Se todas as verdades matemáticas se perdessem, escreveu Lamartine, defendendo a causa da educação integral, o mundo industrial, o mundo material, sofreria sem duvida um detrimento imenso e um dano irreparável; mas, se o homem perdesse uma só das suas verdades morais, seria o próprio homem, seria a humanidade inteira que pereceria". Mas, a escola socializada não se organizou como um meio essencialmente social senão para transferir do plano da abstração ao da vida escolar em todas as suas manifestações, vivendo-as intensamente, essas virtudes e verdades morais, que contribuem para harmonizar os interesses individuais e os interesses coletivos. "Nós não somos antes homens e depois seres sociais, lembra-nos a voz insuspeita de Paul Bureau; somos seres sociais, por isto mesmo que somos homens, e a verdade está antes em que não há ato, pensamento, desejo, atitude, resolução, que tenham em nós sós seu princípio e seu termo e que realizem em nós somente a totalidade de seus efeitos". O Estado em face da educação a) A educação, uma função essencialmente pública Mas, do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre logicamente para o Estado que o reconhece e o proclama, o dever de considerar a educação, na variedade de seus graus e manifestações, como uma função social e eminentemente pública, que ele é chamado a realizar, com a cooperação de todas as instituições sociais. A educação que é uma das funções de que a família se vem despojando em proveito da sociedade política, rompeu os quadros do comunismo familiar e dos grupos específicos (instituições privadas), para se incorporar definitivamente entre as funções essenciais e primordiais do Estado. Esta restrição progressiva das atribuições da família, - que também deixou de ser "um centro de produção" para ser apenas um "centro de consumo", em face da nova concorrência dos grupos profissionais, nascidos precisamente em vista da proteção de interesses especializados", - fazendo-a perder constantemente em extensão, não lhe tirou a "função específica", dentro do "foco interior", embora cada vez mais estreito, em que ela se confinou. Ela é ainda o "quadro natural que sustenta socialmente o indivíduo, como o meio moral em que se disciplinam as tendências, onde nascem, começam a desenvolver-se e continuam a entreterse as suas aspirações para o ideal". Por isto, o Estado, longe de prescindir da família, deve assentar o trabalho da educação no apoio que ela dá à escola e na colaboração efetiva entre pais e professores, entre os quais, nessa obra profundamente social, tem o dever de restabelecer a confiança e estreitar as relações, associando e pondo a serviço da obra comum essas duas forças sociais - a família e a escola, que operavam de todo indiferentes, senão em direções diversas e ás vezes opostas. b) A questão da escola única Assentado o princípio do direito biológico de cada indivíduo à sua educação integral, cabe evidentemente ao Estado a organização dos meios de o tornar efetivo, por um plano geral de educação, de estrutura orgânica, que torne a escola acessível, em todos os seus graus, aos cidadãos a quem a estrutura social do país mantém em condições de inferioridade econômica para obter o máximo de desenvolvimento de acordo com as suas aptidões vitais. Chega-se, por esta forma, ao princípio da escola para todos, "escola comum ou única", que, tomado a rigor, só não ficará na contingência de sofrer quaisquer restrições, em países em que as reformas pedagógicas estão intimamente ligadas com a reconstrução fundamental das relações sociais. Em nosso regime político, o Estado não poderá, de certo, impedir que, graças à organização de escolas privadas de tipos diferentes, as classes mais privilegiadas assegurem a seus filhos uma educação de classe determinada; mas está no dever indeclinável de não admitir, dentro do sistema escolar do Estado, quaisquer classes ou escolas, a que só tenha acesso uma minoria, por um privilegio exclusivamente econômico. Afastada a idéia do monopólio da educação pelo Estado num país, em que o Estado, pela sua situação financeira não está ainda em condições de assumir a sua responsabilidade exclusiva, e em que, portanto, se torna necessário estimular, sob sua vigilância as instituições privadas idôneas, a "escola única" se entenderá, entre nós, não como "uma conscrição precoce", arrolando, da escola infantil à universidade, todos os brasileiros, e submetendo-os durante o maior tempo possível a uma formação idêntica, para ramificações posteriores em vista de destinos diversos, mas antes como a escola oficial, única, em que todas as crianças, de 7 a 15, todas ao menos que, nessa idade, sejam confiadas pelos pais à escola pública, tenham uma educação comum, igual para todos. c) A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação são outros tantos princípios em que assenta a escola unificada e que decorrem tanto da subordinação à finalidade biológica da educação de todos os fins particulares e parciais (de classes, grupos ou crenças), como do reconhecimento do direito biológico que cada ser humano tem à educação. A laicidade, que coloca o ambiente escolar acima de crenças e disputas religiosas, alheio a todo o dogmatismo sectário, subtrai o educando, respeitando-lhe a integridade da personalidade em formação, à pressão perturbadora da escola quando utilizada como instrumento de propaganda de seitas e doutrinas. A gratuidade extensiva a todas as instituições oficiais de educação é um princípio igualitário que torna a educação, em qualquer de seus graus, acessível não a uma minoria, por um privilégio econômico, mas a todos os cidadãos que tenham vontade e estejam em condições de recebê-la. Aliás o Estado não pode tornar o ensino obrigatório, sem torná-lo gratuito. A obrigatoriedade que, por falta de escolas, ainda não passou do papel, nem em relação ao ensino primário, e se deve estender progressivamente até uma idade conciliável com o trabalho produtor, isto é, até aos 18 anos, é mais necessária ainda "na sociedade moderna em que o industrialismo e o desejo de exploração humana sacrificam e violentam a criança e o jovem", cuja educação é freqüentemente impedida ou mutilada pela ignorância dos pais ou responsáveis e pelas contingências econômicas. A escola unificada não permite ainda, entre alunos de um e outro sexo outras separações que não sejam as que aconselham as suas aptidões psicológicas e profissionais, estabelecendo em todas as instituições "a educação em comum" ou coeducação, que, pondo-os no mesmo pé de igualdade e envolvendo todo o processo educacional, torna mais econômica a organização da obra escolar e mais fácil a sua graduação. A função educacional a) A unidade da função educacional A consciência desses princípios fundamentais da laicidade, gratuidade e obrigatoriedade, consagrados na legislação universal, já penetrou profundamente os espíritos, como condições essenciais à organização de um regime escolar, lançado, em harmonia com os direitos do indivíduo, sobre as bases da unificação do ensino, com todas as suas conseqüências. De fato, se a educação se propõe, antes de tudo, a desenvolver ao máximo a capacidade vital do ser humano, deve ser considerada "uma só" a função educacional, cujos diferentes graus estão destinados a servir às diferentes fases de seu crescimento, "que são partes orgânicas de um todo que biologicamente deve ser levado à sua completa formação". Nenhum outro princípio poderia oferecer ao panorama das instituições escolares perspectivas mais largas, mais salutares e mais fecundas em conseqüências do que esse que decorre logicamente da finalidade biológica da educação. A seleção dos alunos nas suas aptidões naturais, a supressão de instituições criadoras de diferenças sobre base econômica, a incorporação dos estudos do magistério à universidade, a equiparação de mestres e professores em remuneração e trabalho, a correlação e a continuidade do ensino em todos os seus graus e a reação contra tudo que lhe quebra a coerência interna e a unidade vital, constituem o programa de uma política educacional, fundada sobre a aplicação do princípio unificador que modifica profundamente a estrutura intima e a organização dos elementos constitutivos do ensino e dos sistemas escolares. b) A autonomia da função educacional Mas, subordinada a educação pública a interesses transitórios, caprichos pessoais ou apetites de partidos, será impossível ao Estado realizar a imensa tarefa que se propõe da formação integral das novas gerações. Não há sistema escolar cuja unidade e eficácia não estejam constantemente ameaçadas, senão reduzidas e anuladas, quando o Estado não o soube ou não o quis acautelar contra o assalto de poderes estranhos, capazes de impor à educação fins inteiramente contrários aos fins gerais que assinala a natureza em suas funções biológicas. Toda a impotência manifesta do sistema escolar atual e a insuficiência das soluções dadas às questões de caráter educativo não provam senão o desastre irreparável que resulta, para a educação pública, de influencias e intervenções estranhas que conseguiram sujeita-la a seus ideais secundários e interesses subalternos. Dai decorre a necessidade de uma ampla autonomia técnica, administrativa e econômica, com que os técnicos e educadores, que têm a responsabilidade e devem ter, por isto, a direção e administração da função educacional, tenham assegurados os meios materiais para poderem realizá-la. Esses meios, porém, não podem reduzir-se às verbas que, nos orçamentos, são consignadas a esse serviço público e, por isto, sujeitas às crises dos erários do Estado ou às oscilações" do interesse dos governos pela educação. A autonomia econômica não se poderá realizar, a não ser pela instituição de um "fundo especial ou escolar", que, constituído de patrimônios, impostos e rendas próprias, seja administrado e aplicado exclusivamente no desenvolvimento da obra educacional, pelos próprios órgãos do ensino, incumbidos de sua direção. c) A descentralização A organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios do Estado, no espírito da verdadeira comunidade popular e no cuidado da unidade nacional, não implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as condições geográficas do país e a necessidade de adaptação crescente da escola aos interesses e às exigências regionais. Unidade não significa uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade. Por menos que pareça, à primeira vista, não é, pois, na centralização, mas na aplicação da doutrina federativa e descentralizadora, que teremos de buscar o meio de levar a cabo, em toda a República, uma obra metódica e coordenada, de acordo com um plano comum, de completa eficiência, tanto em intensidade como em extensão. À União, na capital, e aos estados, nos seus respectivos territórios, é que deve competir a educação em todos os graus, dentro dos princípios gerais fixados na nova constituição, que deve conter, com a definição de atribuições e deveres, os fundamentos da educação nacional. Ao governo central, pelo Ministério da Educação, caberá vigiar sobre a obediência a esses princípios, fazendo executar as orientações e os rumos gerais da função educacional, estabelecidos na carta constitucional e em leis ordinárias, socorrendo onde haja deficiência de meios, facilitando o intercâmbio pedagógico e cultural dos Estados e intensificando por todas as formas as suas relações espirituais. A unidade educativa, - essa obra imensa que a União terá de realizar sob pena de perecer como nacionalidade, se manifestará então como uma força viva, um espírito comum, um estado de ânimo nacional, nesse regime livre de intercâmbio, solidariedade e cooperação que, levando os Estados a evitar todo desperdício nas suas despesas escolares a fim de produzir os maiores resultados com as menores despesas, abrirá margem a uma sucessão ininterrupta de esforços fecundos em criações e iniciativas. O processo educativo O conceito e os fundamentos da educação nova O desenvolvimento das ciências lançou as bases das doutrinas da nova educação, ajustando à finalidade fundamental e aos ideais que ela deve prosseguir os processos apropriados para realizá-los. A extensão e a riqueza que atualmente alcança por toda a parte o estudo científico e experimental da educação, a libertaram do empirismo, dando-lhe um caráter e um espírito nitidamente científico e organizando, em corpo de doutrina, numa série fecunda de pesquisas e experiências, os princípios da educação nova, pressentidos e às vezes formulados em rasgos de síntese, pela intuição luminosa de seus precursores. A nova doutrina, que não considera a função educacional como uma função de superposição ou de acréscimo, segundo a qual o educando é "modelado exteriormente" (escola tradicional), mas uma função complexa de ações e reações em que o espírito cresce de "dentro para fora", substitui o mecanismo pela vida (atividade funcional) e transfere para a criança e para o respeito de sua personalidade o eixo da escola e o centro de gravidade do problema da educação. Considerando os processos mentais, como "funções vitais" e não como "processos em si mesmos", ela os subordina à vida, como meio de utilizá-la e de satisfazer as suas múltiplas necessidades materiais e espirituais. A escola, vista desse ângulo novo que nos dá o conceito funcional da educação, deve oferecer à criança um meio vivo e natural, "favorável ao intercâmbio de reações e experiências", em que ela, vivendo a sua vida própria, generosa e bela de criança, seja levada "ao trabalho e à ação por meios naturais que a vida suscita quando o trabalho e a ação convém aos seus interesses e às suas necessidades". Nessa nova concepção da escola, que é uma reação contra as tendências exclusivamente passivas, intelectualistas e verbalistas da escola tradicional, a atividade que está na base de todos os seus trabalhos, é a atividade espontânea, alegre e fecunda, dirigida à satisfação das necessidades do próprio indivíduo. Na verdadeira educação funcional deve estar, pois, sempre presente, como elemento essencial e inerente à sua própria natureza, o problema não só da correspondência entre os graus do ensino e as etapas da evolução intelectual fixadas sobre a base dos interesses, como também da adaptação da atividade educativa às necessidades psicobiológicas do momento. O que distingue da escola tradicional a escola nova, não é, de fato, a predominância dos trabalhos de base manual e corporal, mas a presença, em todas as suas atividades, do fator psicobiológico do interesse, que é a primeira condição de uma atividade espontânea e o estímulo constante ao educando (criança, adolescente ou jovem) a buscar todos os recursos ao seu alcance, "graças à força de atração das necessidades profundamente sentidas". É certo que, deslocando-se por esta forma, para a criança e para os seus interesses, móveis e transitórios, a fonte de inspiração das atividades escolares, quebra-se a ordem que apresentavam os programas tradicionais, do ponto de vista da lógica formal dos adultos, para os pôr de acordo com a "lógica psicológica", isto é, com a lógica que se baseia na natureza e no funcionamento do espírito infantil. Mas, para que a escola possa fornecer aos "impulsos interiores a ocasião e o meio de realizar-se", e abrir ao educando à sua energia de observar, experimentar e criar todas as atividades capazes de satisfazê-la, é preciso que ela seja reorganizada como um "mundo natural e social embrionário", um ambiente dinâmico em íntima conexão com a região e a comunidade. A escola que tem sido um aparelho formal e rígido, sem diferenciação regional, inteiramente desintegrado em relação ao meio social, passará a ser um organismo vivo, com uma estrutura social, organizada à maneira de uma comunidade palpitante pelas soluções de seus problemas. Mas, se a escola deve ser uma comunidade em miniatura, e se em toda a comunidade as atividades manuais, motoras ou construtoras "constituem as funções predominantes da vida", é natural que ela inicie os alunos nessas atividades, pondo-os em contato com o ambiente e com a vida ativa que os rodeia, para que eles possam, desta forma, possuí-la, apreciá-la e senti-la de acordo com as aptidões e possibilidades. "A vida da sociedade, observou Paulsen, se modifica em função da sua economia, e a energia individual e coletiva se manifesta pela sua produção material". A escola nova, que tem de obedecer a esta lei, deve ser reorganizada de maneira que o trabalho seja seu elemento formador, favorecendo a expansão das energias criadoras do educando, procurando estimular-lhe o próprio esforço como o elemento mais eficiente em sua educação e preparando-o, com o trabalho em grupos e todas as atividades pedagógicas e sociais, para fazê-lo penetrar na corrente do progresso material e espiritual da sociedade de que proveio e em que vai viver e lutar. Plano de reconstrução educacional a) As linhas gerais do plano Ora, assentada a finalidade da educação e definidos os meios de ação ou processos de que necessita o indivíduo para o seu desenvolvimento integral, ficam fixados os princípios científicos sobre os quais se pode apoiar solidamente um sistema de educação. A aplicação desses princípios importa, como se vê, numa radical transformação da educação pública em todos os seus graus, tanto à luz do novo conceito de educação, como à vista das necessidades nacionais. No plano de reconstrução educacional, de que se esboçam aqui apenas as suas grandes linhas gerais, procuramos, antes de tudo, corrigir o erro capital que apresenta o atual sistema (se é que se pode chamar sistema), caracterizado pela falta de continuidade e articulação do ensino, em seus diversos graus, como se não fossem etapas de um mesmo processo, e cada um dos quais deve ter o seu "fim particular", próprio, dentro da "unidade do fim geral da educação" e dos princípios e métodos comuns a todos os graus e instituições educativas. De fato, o divorcio entre as entidades que mantêm o ensino primário e profissional e as que mantêm o ensino secundário e superior, vai concorrendo insensivelmente, como já observou um dos signatários deste manifesto, "para que se estabeleçam no Brasil, dois sistemas escolares paralelos, fechados em compartimentos estanques e incomunicáveis, diferentes nos seus objetivos culturais e sociais, e, por isto mesmo, instrumentos de estratificação social". A escola primária que se estende sobre as instituições das escolas maternais e dos jardins de infância e constitui o problema fundamental das democracias, deve, pois, articular-se rigorosamente com a educação secundária unificada, que lhe sucede, em terceiro plano, para abrir acesso às escolas ou institutos superiores de especialização profissional ou de altos estudos. Ao espírito novo que já se apoderou do ensino primário não se poderia, porém, subtrair a escola secundária, em que se apresentam, colocadas no mesmo nível, a educação chamada "profissional" (de preferência manual ou mecânica) e a educação humanística ou científica (de preponderância intelectual), sobre uma base comum de três anos. A escola secundária deixará de ser assim a velha escola de "um grupo social", destinada a adaptar todas as inteligências a uma forma rígida de educação, para ser um aparelho flexível e vivo, organizado para ministrar a cultura geral e satisfazer às necessidades práticas de adaptação à variedade dos grupos sociais. É o mesmo princípio que faz alargar o campo educativo das Universidades, em que, ao lado das escolas destinadas ao preparo para as profissões chamadas "liberais", se devem introduzir, no sistema, as escolas de cultura especializada, para as profissões industriais e mercantis, propulsoras de nossa riqueza econômica e industrial. Mas esse princípio, dilatando o campo das universidades, para adaptá-las à variedade e às necessidades dos grupos sociais, tão longe está de lhes restringir a função cultural que tende a elevar constantemente as escolas de formação profissional, achegando-as às suas próprias fontes de renovação e agrupando-as em torno dos grandes núcleos de criação livre, de pesquisa científica e de cultura desinteressada. A instrução pública não tem sido, entre nós, na justa observação de Alberto Torres, senão um "sistema de canais de êxodo da mocidade do campo para as cidades e da produção para o parasitismo". É preciso, para reagir contra esses males, já tão lucidamente apontados, pôr em via de solução o problema educacional das massas rurais e do elemento trabalhador da cidade e dos centros industriais já pela extensão da escola do trabalho educativo e da escola do trabalho profissional, baseada no exercício normal do trabalho em cooperação, já pela adaptação crescente dessas escolas (primária e secundária profissional) às necessidades regionais e às profissões e indústrias dominantes no meio. A nova política educacional rompendo, de um lado, contra a formação excessivamente literária de nossa cultura, para lhe dar um caráter científico e técnico, e contra esse espírito de desintegração da escola, em relação ao meio social, impõe reformas profundas, orientadas no sentido da produção e procura reforçar, por todos os meios, a intenção e o valor social da escola, sem negar a arte, a literatura e os valores culturais. A arte e a literatura tem efetivamente uma significação social, profunda e múltipla; a aproximação dos homens, a sua organização em uma coletividade unânime, a difusão de tais ou quais idéias sociais, de uma maneira "imaginada", e, portanto, eficaz, a extensão do raio visual do homem e o valor moral e educativo conferem certamente à arte uma enorme importância social. Mas, se, à medida que a riqueza do homem aumenta, o alimento ocupa um lugar cada vez mais fraco, os produtores intelectuais não passam para o primeiro plano senão quando as sociedades se organizam em sólidas bases econômicas. b) O ponto nevrálgico da questão A estrutura do plano educacional corresponde, na hierarquia de suas instituições escolares (escola infantil ou pré-primária; primária; secundária e superior ou universitária) aos quatro grandes períodos que apresenta o desenvolvimento natural do ser humano. É uma reforma integral da organização e dos métodos de toda a educação nacional, dentro do mesmo espírito que substitui o conceito estático do ensino por um conceito dinâmico, fazendo um apelo, dos jardins de infância à Universidade, não à receptividade mas à atividade criadora do aluno. A partir da escola infantil (4 a 6 anos) à Universidade, com escala pela educação primária (7 a 12) e pela secundária (l2 a 18 anos), a "continuação ininterrupta de esforços criadores" deve levar à formação da personalidade integral do aluno e ao desenvolvimento de sua faculdade produtora e de seu poder criador, pela aplicação, na escola, para a aquisição ativa de conhecimentos, dos mesmos métodos (observação, pesquisa, e experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações científicas. A escola secundária, unificada para se evitar o divórcio entre os trabalhadores manuais e intelectuais, terá uma sólida base comum de cultura geral (3 anos), para a posterior bifurcação (dos 15 aos 18), em seção de preponderância intelectual (com os 3 ciclos de humanidades modernas; ciências físicas e matemáticas; e ciências químicas e biológicas), e em seção de preferência manual, ramificada por sua vez, em ciclos, escolas ou cursos destinados à preparação às atividades profissionais, decorrentes da extração de matérias primas (escolas agrícolas, de mineração e de pesca) da elaboração das matérias primas (industriais e profissionais) e da distribuição dos produtos elaborados (transportes, comunicações e comércio). Mas, montada, na sua estrutura tradicional, para a classe média (burguesia), enquanto a escola primária servia à classe popular, como se tivesse uma finalidade em si mesma, a escola secundária ou do 3º grau não forma apenas o reduto dos interesses de classe, que criaram e mantêm o dualismo dos sistemas escolares. É ainda nesse campo educativo que se levanta a controvérsia sobre o sentido de cultura geral e se põe o problema relativo à escolha do momento em que a matéria do ensino deve diversificar-se em ramos iniciais de especialização. Não admira, por isto, que a escola secundária seja, nas reformas escolares, o ponto nevrálgico da questão. Ora, a solução dada, neste plano, ao problema do ensino secundário, levantando os obstáculos opostos pela escola tradicional à interpenetração das classes sociais, se inspira na necessidade de adaptar essa educação à diversidade nascente de gostos e à variedade crescente de aptidões que a observação psicológica registra nos adolescentes e que "representam as únicas forças capazes de arrastar o espírito dos jovens à cultura superior". A escola do passado, com seu esforço inútil de abarcar a soma geral de conhecimentos, descurou a própria formação do espírito e a função que lhe cabia de conduzir o adolescente ao limiar das profissões e da vida. Sobre a base de uma cultura geral comum, em que importará menos a quantidade ou qualidade das matérias do que o "método de sua aquisição", a escola moderna estabelece para isto, depois dos 15 anos, o ponto em que o ensino se diversifica, para se adaptar já à diversidade crescente de aptidões e de gostos, já à variedade de formas de atividade social. c) O conceito moderno de Universidade e o problema universitário no Brasil A educação superior que tem estado, no Brasil, exclusivamente a serviço das profissões "liberais" (engenharia, medicina e direito), não pode evidentemente erigir-se à altura de uma educação universitária, sem alargar para horizontes científicos e culturais a sua finalidade estritamente profissional e sem abrir os seus quadros rígidos à formação de todas as profissões que exijam conhecimentos científicos, elevando-as a todas a nível superior e tornando-se, pela flexibilidade de sua organização, acessível a todas. Ao lado das faculdades profissionais existentes, reorganizadas em novas bases, impõese a criação simultânea ou sucessiva, em cada quadro universitário, de faculdades de ciências sociais e econômicas; de ciências matemáticas, físicas e naturais, e de filosofia e letras que, atendendo à variedade de tipos mentais e das necessidades sociais, deverão abrir às universidades que se criarem ou se reorganizarem, um campo cada vez mais vasto de investigações científicas. A educação superior ou universitária, a partir dos 18 anos, inteiramente gratuita como as demais, deve tender, de fato, não somente à formação profissional e técnica, no seu máximo desenvolvimento, como à formação de pesquisadores, em todos os ramos de conhecimentos humanos. Ela deve ser organizada de maneira que possa desempenhar a tríplice função que lhe cabe de elaboradora ou criadora de ciência (investigação), docente ou transmissora de conhecimentos (ciência feita) e de vulgarizadora ou popularizadora, pelas instituições de extensão universitária, das ciências e das artes. No entanto, com ser a pesquisa, na expressão de Coulter, o "sistema nervoso da Universidade", que estimula e domina qualquer outra função; com ser esse espírito de profundidade e universalidade, que imprime à educação superior um caráter universitário, pondo-a em condições de contribuir para o aperfeiçoamento constante do saber humano, a nossa educação superior nunca ultrapassou os limites e as ambições de formação profissional, a que se propõem as escolas de engenharia, de medicina e direito. Nessas instituições, organizadas antes para uma função docente, a ciência está inteiramente subordinada à arte ou à técnica da profissão a que servem, com o cuidado da aplicação imediata e próxima, de uma direção utilitária em vista de uma função pública ou de uma carreira privada. Ora, se, entre nós, vingam facilmente todas as fórmulas e frases feitas; se a nossa ilustração, mais variada e mais vasta do que no império, é hoje, na frase de Alberto Torres, "mais vaga, fluida, sem assento, incapaz de habilitar os espíritos a formar juízos e incapaz de lhes inspirar atos", é porque a nossa geração, além de perder a base de uma educação secundária sólida, posto que exclusivamente literária, se deixou infiltrar desse espírito enciclopédico em que o pensamento ganha em extensão o que perde em profundidade; em que da observação e da experiência, em que devia exercitar-se, se deslocou o pensamento para o hedonismo intelectual e para a ciência feita, e em que, finalmente, o período criador cede o lugar à erudição, e essa mesma quase sempre, entre nós, aparente e sem substância, dissimulando sob a superfície, às vezes brilhante, a absoluta falta de solidez de conhecimentos. Nessa superficialidade de cultura, fácil e apressada, de autodidatas, cujas opiniões se mantêm prisioneiras de sistemas ou se matizam das tonalidades das mais variadas doutrinas, se tem de buscar as causas profundas da estreiteza e da flutuação dos espíritos e da indisciplina mental, quase anárquica, que revelamos em face de todos os problemas. Nem a primeira geração nascida com a república, no seu esforço heróico para adquirir a posse de si mesma, elevando-se acima de seu meio, conseguiu libertar-se de todos os males educativos de que se viciou a sua formação. A organização de Universidades é, pois, tanto mais necessária e urgente quanto mais pensarmos que só com essas instituições, a que cabe criar e difundir ideais políticos, sociais, morais e estéticos, é que podemos obter esse intensivo espírito comum, nas aspirações, nos ideais e nas lutas, esse "estado de ânimo nacional", capaz de dar força, eficácia e coerência à ação dos homens, sejam quais forem as divergências que possa estabelecer entre eles a diversidade de pontos de vista na solução dos problemas brasileiros. É a universidade, no conjunto de suas instituições de alta cultura, prepostas ao estudo científico dos grandes problemas nacionais, que nos dará os meios de combater a facilidade de tudo admitir; o ceticismo de nada escolher nem julgar; a falta de crítica, por falta de espírito de síntese; a indiferença ou a neutralidade no terreno das idéias; a ignorância "da mais humana de todas as operações intelectuais, que é a de tomar partido", e a tendência e o espírito fácil de substituir os princípios (ainda que provisórios) pelo paradoxo e pelo humor, esses recursos desesperados. d) O problema dos melhores De fato, a Universidade, que se encontra no ápice de todas as instituições educativas, está destinada, nas sociedades modernas a desenvolver um papel cada vez mais importante na formação das elites de pensadores, sábios, cientistas, técnicos, e educadores, de que elas precisam para o estudo e solução de suas questões científicas, morais, intelectuais, políticas e econômicas. Se o problema fundamental das democracias é a educação das massas populares, os melhores e os mais capazes, por seleção, devem formar o vértice de uma pirâmide de base imensa. Certamente, o novo conceito de educação repele as elites formadas artificialmente "por diferenciação econômica" ou sob o critério da independência econômica, que não é nem pode ser hoje elemento necessário para fazer parte delas. A primeira condição para que uma elite desempenhe a sua missão e cumpra o seu dever é de ser "inteiramente aberta" e não somente de admitir todas as capacidades novas, como também de rejeitar implacavelmente de seu seio todos os indivíduos que não desempenham a função social que lhes é atribuída no interesse da coletividade. Mas, não há sociedade alguma que possa prescindir desse órgão especial e tanto mais perfeitas serão as sociedades quanto mais pesquisada e selecionada for a sua elite, quanto maior for a riqueza e a variedade de homens, de valor cultural substantivo, necessários para enfrentar a variedade dos problemas que põe a complexidade das sociedades modernas. Essa seleção que se deve processar não "por diferenciação econômica", mas "pela diferenciação de todas as capacidades", favorecida pela educação, mediante a ação biológica e funcional, não pode, não diremos completar-se, mas nem sequer realizar-se senão pela obra universitária que, elevando ao máximo o desenvolvimento dos indivíduos dentro de suas aptidões naturais e selecionando os mais capazes, lhes dá bastante força para exercer influência efetiva na sociedade e afetar, dessa forma, a consciência social. A unidade de formação de professores e a unidade de espírito Ora, dessa elite deve fazer parte evidentemente o professorado de todos os graus, ao qual, escolhido como sendo um corpo de eleição, para uma função pública da mais alta importância, não se dá, nem nunca se deu no Brasil, a educação que uma elite pode e deve receber. A maior parte dele, entre nós, é recrutada em todas as carreiras, sem qualquer preparação profissional, como os professores do ensino secundário e os do ensino superior (engenharia, medicina, direito, etc.), entre os profissionais dessas carreiras, que receberam, uns e outros, do secundário a sua educação geral. O magistério primário, preparado em escolas especiais (escolas normais), de caráter mais propedêutico, e, as vezes misto, com seus cursos geral e de especialização profissional, não recebe, por via de regra, nesses estabelecimentos, de nível secundário, nem uma sólida preparação pedagógica, nem a educação geral em que ela deve basear-se. A preparação dos professores, como se vê, é tratada entre nós, de maneira diferente, quando não é inteiramente descuidada, como se a função educacional, de todas as funções públicas a mais importante, fosse a única para cujo exercício não houvesse necessidade de qualquer preparação profissional. Todos os professores, de todos os graus, cuja preparação geral se adquirirá nos estabelecimentos de ensino secundário, devem, no entanto, formar o seu espírito pedagógico, conjuntamente, nos cursos universitários, em faculdades ou escolas normais, elevadas ao nível superior e incorporadas às universidades. A tradição das hierarquias docentes, baseadas na diferenciação dos graus de ensino, e que a linguagem fixou em denominações diferentes (mestre, professor e catedrático), é inteiramente contrária ao princípio da unidade da função educacional, que, aplicado, às funções docentes, importa na incorporação dos estudos do magistério às universidades, e, portanto, na libertação espiritual e econômica do professor, mediante uma formação e remuneração equivalentes que lhe permitam manter, com a eficiência no trabalho, a dignidade e o prestígio indispensáveis aos educadores. A formação universitária dos professores não é somente uma necessidade da função educativa, mas o único meio de, elevando-lhes em verticalidade a cultura, e abrindo-lhes a vida sobre todos os horizontes, estabelecer, entre todos, para a realização da obra educacional, uma compreensão recíproca, uma vida sentimental comum e um vigoroso espírito comum nas aspirações e nos ideais. Se o estado cultural dos adultos é que dá as diretrizes à formação da mocidade, não se poderá estabelecer uma função e educação unitária da mocidade, sem que haja unidade cultural naqueles que estão incumbidos de transmiti-la. Nós não temos o feiticismo mas o princípio da unidade, que reconhecemos não ser possível senão quando se criou esse "espírito", esse "ideal comum", pela unificação, para todos os graus do ensino, da formação do magistério, que elevaria o valor dos estudos, em todos os graus, imprimiria mais lógica e harmonia às instituições, e corrigiria, tanto quanto humanamente possível, as injustiças da situação atual. Os professores de ensino primário e secundário, assim formados, em escolas ou cursos universitários, sobre a base de uma educação geral comum, dada em estabelecimentos de educação secundária, não fariam senão um só corpo com os do ensino superior, preparando a fusão sincera e cordial de todas as forças vivas do magistério. Entre os diversos graus do ensino, que guardariam a sua função específica, se estabeleceriam contatos estreitos que permitiriam as passagens de um ao outro nos momentos precisos, descobrindo as superioridade em gérmen, pondo-as em destaque e assegurando, de um ponto a outro dos estudos, a unidade do espírito sobre a base da unidade de formação dos professores. O papel da escola na vida e a sua função social Mas, ao mesmo tempo em que os progressos da psicologia aplicada à criança começaram a dar à educação bases científicas, os estudos sociológicos, definindo a posição da escola em face da vida, nos trouxeram uma consciência mais nítida da sua função social e da estreiteza relativa de seu círculo de ação. Compreende-se, à luz desses estudos, que a escola, campo específico de educação, não é um elemento estranho à sociedade humana, um elemento separado, mas "uma instituição social", um órgão feliz e vivo, no conjunto das instituições necessárias à vida, o lugar onde vivem a criança, a adolescência e a mocidade, de conformidade com os interesses e as alegrias profundas de sua natureza. A educação, porém, não se faz somente pela escola, cuja ação é favorecida ou contrariada, ampliada ou reduzida pelo jogo de forças inumeráveis que concorrem ao movimento das sociedades modernas. Numerosas e variadíssimas, são, de fato, as influências que formam o homem através da existência. "Há a herança que a escola da espécie, como já se escreveu; a família que é a escola dos pais; o ambiente social que é a escola da comunidade, e a maior de todas as escolas, a vida, com todos os seus imponderáveis e forças incalculáveis". Compreender, então, para empregar a imagem de C. Bouglé, que, na sociedade, a "zona luminosa é singularmente mais estreita que a zona de sombra; os pequenos focos de ação consciente que são as escolas, não são senão pontos na noite, e a noite que as cerca não é vazia, mas cheia e tanto mais inquietante; não é o silêncio e a imobilidade do deserto, mas o frêmito de uma floresta povoada". Dessa concepção positiva da escola, como uma instituição social, limitada, na sua ação educativa, pela pluralidade e diversidade das forças que concorrem ao movimento das sociedades, resulta a necessidade de reorganizá-la, como um organismo maleável e vivo, aparelhado de um sistema de instituições susceptíveis de lhe alargar os limites e o raio de ação. As instituições periescolares e postescolares, de caráter educativo ou de assistência social, devem ser incorporadas em todos os sistemas de organização escolar para corrigirem essa insuficiência social, cada vez maior, das instituições educacionais. Essas instituições de educação e cultura, dos jardins de infância às escolas superiores, não exercem a ação intensa, larga e fecunda que são chamadas a desenvolver e não podem exercer senão por esse conjunto sistemático de medidas de projeção social da obra educativa além dos muros escolares. Cada escola, seja qual for o seu grau, dos jardins às universidades, deve, pois, reunir em tomo de si as famílias dos alunos, estimulando e aproveitando as iniciativas dos pais em favor da educação; constituindo sociedades de ex-alunos que mantenham relação constante com as escolas; utilizando, em seu proveito, os valiosos e múltiplos elementos materiais e espirituais da coletividade e despertando e desenvolvendo o poder de iniciativa e o espírito de cooperação social entre os pais, os professores, a imprensa e todas as demais instituições diretamente interessadas na obra da educação. Pois, é impossível realizar-se em intensidade e extensão, uma sólida obra educacional, sem se rasgarem à escola aberturas no maior numero possível de direções e sem se multiplicarem os pontos de apoio de que ela precisa, para se desenvolver, recorrendo a comunidade como à fonte que lhes há de proporcionar todos os elementos necessários para elevar as condições materiais e espirituais das escolas. A consciência do verdadeiro papel da escola na sociedade impõe o dever de concentrar a ofensiva educacional sobre os núcleos sociais, como a família, os agrupamentos profissionais e a imprensa, para que o esforço da escola se possa realizar em convergência, numa obra solidária, com as outras instituições da comunidade. Mas, além de atrair para a obra comum as instituições que são destinadas, no sistema social geral, a fortificar-se mutuamente, a escola deve utilizar, em seu proveito, com a maior amplitude possível, todos os recursos formidáveis, como a imprensa, o disco, o cinema e o rádio, com que a ciência, multiplicando-lhe a eficácia, acudiu à obra de educação e cultura e que assumem, em face das condições geográficas e da extensão territorial do país, uma importância capital. À escola antiga, presumida da importância do seu papel e fechada no seu exclusivismo acanhado e estéril, sem o indispensável complemento e concurso de todas as outras instituições sociais, se sucederá a escola moderna aparelhada de todos os recursos para estender e fecundar a sua ação na solidariedade com o meio social, em que então, e só então, se tornará capaz de influir, transformando-se num centro poderoso de criação, atração e irradiação de todas as forças e atividades educativas. A democracia, - um programa de longos deveres Não alimentamos, de certo, ilusões sobre as dificuldades de toda a ordem que apresenta um plano de reconstrução educacional de tão grande alcance e de tão vastas proporções. Mas, temos, com a consciência profunda de uma por uma dessas dificuldades, a disposição obstinada de enfrentá-las, dispostos, como estamos, na defesa de nossos ideais educacionais, para as existências mais agitadas, mais rudes e mais fecundas em realidades, que um homem tenha vivido desde que há homens, aspirações e lutas. O próprio espírito que o informa de uma nova política educacional, com sentido unitário e de bases científicas, e que seria, em outros países, a maior fonte de seu prestígio, tornará esse plano suspeito aos olhos dos que, sob o pretexto e em nome do nacionalismo, persistem em manter a educação, no terreno de uma política empírica, à margem das correntes renovadoras de seu tempo. De mais, se os problemas de educação devem ser resolvidos de maneira científica, e se a ciência não tem pátria, nem varia, nos seus princípios, com os climas e as latitudes, a obra de educação deve ter, em toda a parte, uma "unidade fundamental", dentro da variedade de sistemas resultantes da adaptação a novos ambientes dessas idéias e aspirações que, sendo estruturalmente científicas e humanas, têm um caráter universal. É preciso, certamente, tempo para que as camadas mais profundas do magistério e da sociedade em geral sejam tocadas pelas doutrinas novas e seja esse contato bastante penetrante e fecundo para lhe modificar os pontos de vista e as atitudes em face do problema educacional, e para nos permitir as conquistas em globo ou por partes de todas as grandes aspirações que constituem a substância de uma nova política de educação. Os obstáculos acumulados, porém, não nos abateram ainda nem poderão abater-nos a resolução firme de trabalhar pela reconstrução educacional no Brasil. Nós temos uma missão a cumprir: insensíveis à indiferença e à hostilidade, em luta aberta contra preconceitos e prevenções enraizadas, caminharemos progressivamente para o termo de nossa tarefa, sem abandonarmos o terreno das realidades, mas sem perdermos de vista os nossos ideais de reconstrução do Brasil, na base de uma educação inteiramente nova. A hora crítica e decisiva que vivemos, não nos permite hesitar um momento diante da tremenda tarefa que nos impõe a consciência, cada vez mais viva da necessidade de nos prepararmos para enfrentarmos com o evangelho da nova geração, a complexidade trágica dos problemas postos pelas sociedades modernas. "Não devemos submeter o nosso espírito. Devemos, antes de tudo proporcionar-nos um espírito firme e seguro; chegar a ser sérios em todas as coisas, e não continuar a viver frivolamente e como envoltos em bruma; devemos formar-nos princípios fixos e inabaláveis que sirvam para regular, de um modo firme, todos os nossos pensamentos e todas as nossas ações; vida e pensamento devem ser em nós outros de uma só peça e formar um todo penetrante e sólido. Devemos, em uma palavra, adquirir um caráter, e refletir, pelo movimento de nossas próprias idéias, sobre os grandes acontecimentos de nossos dias, sua relação conosco e o que podemos esperar deles. É preciso formar uma opinião clara e penetrante e responder a esses problemas sim ou não de um modo decidido e inabalável". Essas palavras tão oportunas, que agora lembramos, escreveu-as Fichte há mais de um século, apontando à Alemanha, depois da derrota de Iena, o caminho de sua salvação pela obra educacional, em um daqueles famosos "discursos à nação alemã", pronunciados de sua cátedra, enquanto sob as janelas da Universidade, pelas ruas de Berlim, ressoavam os tambores franceses... Não são, de fato, senão as fortes convicções e a plena posse de si mesmos que fazem os grandes homens e os grandes povos. Toda a profunda renovação dos princípios que orientam a marcha dos povos precisa acompanhar-se de fundas transformações no regime educacional: as únicas revoluções fecundas são as que se fazem ou se consolidam pela educação, e é só pela educação que a doutrina democrática, utilizada como um princípio de desagregação moral e de indisciplina, poderá transformar-se numa fonte de esforço moral, de energia criadora, de solidariedade social e de espírito de cooperação. "O ideal da democracia que, - escrevia Gustave Belot em 1919, parecia mecanismo político, torna-se princípio de vida moral e social, e o que parecia coisa feita e realizada revelou-se como um caminho a seguir e como um programa de longos deveres". Mas, de todos os deveres que incumbem ao Estado, o que exige maior capacidade de dedicação e justifica maior soma de sacrifícios; aquele com que não é possível transigir sem a perda irreparável de algumas gerações; aquele em cujo cumprimento os erros praticados se projetam mais longe nas suas conseqüências, agravando-se à medida que recuam no tempo; o dever mais alto, mais penoso e mais grave é, de certo, o da educação que, dando ao povo a consciência de si mesmo e de seus destinos e a força para afirmar-se e realizá-los, entretém, cultiva e perpetua a identidade da consciência nacional, na sua comunhão íntima com a consciência humana. Fernando de Azevedo Afranio Peixoto A. de Sampaio Doria Anísio Spinola Teixeira M. Bergstrom Lourenço Filho Roquette Pinto J. G. Frota Pessôa Julio de Mesquita Filho Raul Briquet Mario Casassanta C. Delgado de Carvalho A. Ferreira de Almeida Jr. J. P. Fontenelle Roldão Lopes de Barros Noemy M. da Silveira Hermes Lima Attilio Vivacqua Francisco Venancio Filho Paulo Maranhão Cecilia Meirelles Edgar Sussekind de Mendonça Armanda Alvaro Alberto Garcia de Rezende Nobrega da Cunha Paschoal Lemme Raul Gomes.