MARIA CRISTINA DOS SANTOS PEIXOTO
CENÁRIOS DE EDUCAÇÃO ATRAVÉS DA ARTE: BORDANDO
LINGUAGENS CRIATIVAS NA FORMAÇÃO DE
EDUCADORES (AS)
Tese apresentada ao Programa de PósGraduação da Faculdade de Educação da
Universidade Federal Fluminense para a
obtenção do título de doutor, sob a
orientação da Prof. Dra. Mary Rangel
Área de Concentração: Cotidiano Escolar
NITERÓI – RJ
2006
2
MARIA CRISTINA DOS SANTOS PEIXOTO
CENÁRIOS DE EDUCAÇÃO ATRAVÉS DA ARTE: BORDANDO
LINGUAGENS CRIATIVAS NA FORMAÇÃO DE
EDUCADORES (AS)
Tese apresentada ao Programa de PósGraduação da Faculdade de Educação da
Universidade Federal Fluminense para a
obtenção do título de doutor, sob a
orientação da Prof. Dra. Mary Rangel
Área de Concentração: Cotidiano Escolar
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
Professora Doutora Mary Rangel
Universidade Federal Fluminense
Orientadora
_______________________________________________
Professor Doutor António Freire
Universidade Fernando Pessoa
Porto – Portugal
_______________________________________________
Marise Rocha
Universidade Federal de São João Del Rey
________________________________________________
José Maurício Alvarez
Universidade Federal Fluminense
________________________________________________
Lia Ciomar Faria
Universidade Estadual do Estado do Rio de Janeiro
3
DEDICATÓRIA
Aos jovens, hoje professores, que tiveram a coragem de abrir a “porta” da Oficina:
Despertando o Ser, e, comigo, voaram nas asas da criatividade vivendo e convivendo,
poeticamente, com as artes, no cotidiano de nossa escola pública.
A vocês:
Aline de Abreu Fonseca
Ayliane de Lima Furtado
Ana Flávia Nascimento de Carvalho
Ana Paula Silva
Adriana Castro
Beatriz Ribeiro da Silva
Clara Emídio Gomes da Silva
Débora Natália Schiff Salomon
Fernanda Danielle Silva
Gizele da Conceição Silva
Izabella Fernanda Silva Marques
Josiane Barci
João Roberto Casanova de Souza
Kelly Guimarães
Luciana da Silva Goudinho
Madelene de Mattos
Maria da Conceição Figueira
Maria Oliveira da Costa
Mariana Gomes Gouveia
Patrícia Ceia Araújo
Priscila Locatelli
Priscila Silva Fernandes
Sandra Albano
Suellen Fonseca da Silva
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AGRADECIMENTOS
Solidariedade a gente não agradece, se alegra.
Herbert de Souza (Betinho)
Tive a oportunidade de vivenciar encontros com pessoas que muito me iluminaram
com suas presenças. Dentre todas com quem temos compartilhado de suas formas criativas de
inventar a vida, permitindo-nos continuar a largar a nossa visão/escuta existencial e espiritual,
quero com o coração e a mente, agradecer especialmente a Walter e Marina, meus pais, os
quais, hoje, os sinto com a sensibilidade do meu coração. Ela, mãe-fada, que com a
sensibilidade das mãos, a tudo transformava, ensinando-me a alquimia da cozinha e a magia
dos bordados...
Também a
Paulo, esposo paciente, nestas três décadas de comunhão de nossas vidas.
Luciene, Ana Carolina, Felipe, Frederico, filhos dedicados, que sempre torceram pela minha
trajetória como educadora.
Graziela, nora dedicada, que em muitos momentos, salvou-me das tiranias do “velho”
computador.
Milena, neta querida, que já ensaia os seus passos nas artes.
Maria, amiga fiel, com a arte do açúcar e do sal da terra nos alimenta diariamente.
Mary Rangel, minha orientadora que tem a capacidade de acreditar nas potencialidades de
cada um dos seus educandos.
Balina Bello Lima, que na década de 1980 instigou-me a trançar os fios das artes à minha
prática pedagógica.
Darci Cardoso e Maria Alice Baptista, irmãos no trabalho voluntário, com quem aprendi as
“artes de fazer” e, juntos, temos sido “arteiros”.
Rosane Lima Palhano e Lúcia Moisés, amigas e educadoras que, competentemente, foram
artesãs nesta tessitura, enlaçando fios, cortando-os, dando nós e pontos cheios, quando
necessário.
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Aos professores doutores: António Freire, Luigi Bordin, José Maurício Alvarez, Lia Faria,
Carmen Perez, que solidária e competentemente aceitaram o convite de interlocução com esta
tese.
Aqueles que os olhos não vêem, mas que o coração sente...
A luz divina do meu eu interior.
Ao Cristo, que de braços abertos, me fortalece.
A todos, o meu eterno carinho.
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RESUMO
Esta tese pretende mostrar uma pesquisa qualitativa com a arte, através de uma abordagem
integral, em diferentes linguagens expressivas. Foi realizada com a participação de jovens, do
Curso de Formação de Professores, no Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho,
Niterói, RJ, quando se construíram ambiências, em uma Oficina de Criação. A pesquisa
pretendeu a ampliação da consciência dos educandos, ao incluir, no processo de construção do
conhecimento, o corpo, a imaginação, a intuição, o sonho, o lúdico e o prazer. O educando foi
instigado a expressar, através das imagens - corporal, cênica, plástica, musical - e da palavra,
a sua subjetividade, através das categorias: auto-conhecimento, criatividade e a solidariedade.
Como suporte teórico buscou-se as contribuições de Morin, Baumman, Sennet, entre outros,
e, sobre o processo de criação, Ostrower, Read, Teixeira, Mendes, Vygotsky - com sua visão
sócio-histórica. A metodologia orientou-se pela análise de conteúdo – Bardin, Trivinös - além
das pistas oferecidas por Certeau e Ginzburg. Buscaram-se cenários de “arteducação”
comprometidos com uma formação mais plena do educador.
PALAVRAS-CHAVES: educação pela arte - múltiplas linguagens - formação de
professores.
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ABSTRACT
This thesis - Sceneries of education through art: composing creative languages in teachers´
education - intends to show a qualitative research with art through a complete approach in
different meaningful languages. The work was conducted with students of Instituto de
Educação Professor Ismael Coutinho for teachers’ education course in the town of Niterói,
state of Rio de Janeiro. Different kinds of environment were formed in our art workshop. The
research intended to enlarge the students´ consciousness, since it includes the body,
imagination, intuition, dream, playful activities and pleasure in the process of building
knowledge. The students were encouraged to express their subjectivity through corporal,
scenic, plastic, musical, images, and through words. Self-knowledge, solidarity, and creativity
were encouraged to be achieved. The theorical background was based upon books and words
of Morin, Baumman, Sennet, among others, and about the process of creation. The work was
based upon Ostrower, Read, Teixeira, Mendes and Vygotsky with his social historical view.
The methodology was conducted through analysis of content – Bardin, Trivinõs, besides
teachings of Certeau and Ginzburg. Sceneries of “arteducation” engaged with a more
complete form of teachers´ education were searched for.
Key- Words: education through art – multiple languages – teachers’ education
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Résumé (Sommaire)
Cette thèse prétend montrer une recherche qualificative avec l’art, à travers d’un regard
integral, en utilisant des différentes langages expressives.
Elle a été realizée avec la participation de jeunnes du Cours de Formation de Professeurs, à
l’Institut de L’Education Professeur Ismael Coutinho, à Niterói – Rio de Janeiro, quand il a
été construit « des ambiances » dans un Atelier de Création.
La recherche a pretendue l’élargissement de la conscience des étudiants (élèves), en ajoutant,
dans le process de constrution de la connaissance, du corps, de l’imagination, de l’intuition,
du rève, du ludique et du plaisir.
L’élève (L’etudiant) a été incité à s’exprimer, à travers les images – corporelle, scénique,
plastique, musicale – et la parole, sa subjectivité, par des categories: l’autoconnaissance, la
créativité et la solidarité.
Comme support thèorique on a cherché les contribuitions de Morin, Baumman, Sennet, parmi
d’autres; et, sur le processus de création, Ostrower, Read, Teixeira, Mendes, Vygotsky – avec
sa vision socio-historique.
La méthodologie a été orientée par l’analyse du contenu – Bardin, Trivinös – au delà des
pistes offertées par Certeau et Ginzurg. On a cherché des scénarios de « l’art-education »
engagés dans une formation plus complete de l’educateur.
LES MOTS-CLÉS: Education par l’art - Plusieurs langages -Formation de professeurs
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO : PREPARANDO A PALETA PARA ESTA
TESSITURA/PINTURA: A PROPOSTA E OS
OBJETIVOS _______________________________12
1ª CENA: BUSCANDO CAMINHOS ONDE BATE MAIS FORTE O
CORAÇÃO________________________________________20
2 ª CENA: DEFININDO CORES NA PALETA: EDUCAÇÃO, ARTE E
VIVÊNCIA/EXPERIÊNCIA__________________________38
3 ª CENA: NA TELA, AS CORES QUE NOS ENREDAM : DAS CRISES,
AOS FIOS DA COMPLEXIDADE_____________________60
4 ª CENA: NAS MÃOS A PALETA. OS PÉS NO CHÃO DA ESCOLA
________________________________________________ 99
5ª CENA: COLORINDO A PALETA COM OS EDUCADORES
ARTISTAS_______________________________________111
6ª CENA: AS CORES NA PALETA VÃO SE TOCANDO,
ENVOLVENDO-SE UMAS AS OUTRAS, DEFININDO
NOVOS TONS: A METODOLOGIA__________________144
7ª CENA: AS TINTAS COLORIDAS DAS AMBIÊNCIAS________ 157
8ª CENA:CORES E FIOS NA TRAMA DA VIDA: POR UMA
CONCLUSÃO ____________________________________294
9ª CENA: LIMPANDO A PALETA PARA NOVAS E COLORIDAS
CRIAÇÕES______________________________________307
REFERÊNCIAS__________________________________________308
10
ANEXOS______________________________________________318
1- Imagens_________________________________________ 319
2- Proposta Pedagógica – Objetivos______________________322
3- Questionários_____________________________________327
11
INTRODUÇÃO: PREPARANDO A PALETA PARA ESTA TESSITURA E
PINTURA: A PROPOSTA E OS OBJETIVOS
Oficina de Criação: Despertando o Ser – Educandas do Curso de
Formação de Professores - IEPIC – Niterói – RJ – 2004
Proposta de vivência: Tecelagem – após contação da história:
A moça tecelã - Maria Colasanti
12
Proposta de vivência: Modelagem coletiva em argila
IEPIC - 2003
“Toda boa história é, está claro, uma imagem e
uma idéia, e, quanto mais elas estiverem
entremeadas melhor terá sido a solução do
problema.” Henry James, Guy de Maupassant1.
Estas imagens ilustram o objeto da presente pesquisa – Cenários de Educação
através da arte: bordando linguagens criativas na formação de educadores (as). Tais
imagens são capazes de narrar histórias vividas, representando símbolos e mensagens, sobre
momentos de um fazer pedagógico comprometido com o processo de criação de jovens,
futuros (as) educadores (as), realizado no Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho –
Niterói, RJ.
Minha atuação como educadora e formadora de professores há trinta anos, autorizame, neste momento histórico, marcado por profundas contradições, pela fragmentação do
1
Epígrafe contida em: MANGUEL, Alberto. Lendo Imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo:
Companhia das Letras, 2001, p.16.
13
conhecimento e do próprio ser humano, a penetrar nos complexos embates teórico-práticos
vivenciados na formação de professores.
Tal realidade leva-me a perceber que a ciência tem se baseado na própria exclusão do
ser humano (MORIN,1999), somando-se à exclusão do corpo, do afeto, ao desconectar o
pensamento do sentimento, a objetividade da subjetividade humana no processo de
aprendizagem.
Mergulhada nessas reflexões, constato o lugar periférico da arte - educação na
instituição-escola e a necessidade de articular a arte aos meus fazeres pedagógicos,
compreendendo a sua importância - um dispositivo para uma aprendizagem vivencial e
criativa de si mesma e do outro.
Nesta perspectiva, entendo que, mais do que o empobrecimento da vivência da arte no
cotidiano escolar, é o olhar simplificador/redutor sobre o processo de criação, que não tem
colaborado com o rompimento da fragmentação existente, sem viabilizar uma aprendizagem
cheia de sentidos e significados.
A atualidade exige uma formação de professores menos fragmentada, que vá em
direção à inteireza e à complexidade do ser humano, permitindo romper com as polaridades
que, há séculos, foram impostas pela racionalidade, ainda presente, e a necessidade de se
pensar a escola como um espaço potencial de criação de saberes humanos – sociais, éticos,
lógicos, corpóreos, estéticos e culturais.
Motivada por estudos teóricos que refletem sobre mudanças paradigmáticas e sobre a
arte, e, portanto, comprometida com práticas pedagógicas criativas no cotidiano no/do
espaço/tempo, que se propõe a formar educadores, tenho trabalhado no sentido de que a arte
seja um instrumento educativo, justificando a relevância da pesquisa cujos seguintes
objetivos a nortearão:
•
Elaborar uma Proposta Pedagógica de vivências em arte, em uma visão sóciohistórica, através da Oficina de criação, tendo o cotidiano do Instituto de Educação
Professor Ismael Coutinho – Niterói, RJ, como locus da investigação.
14
•
Acompanhar o processo de formação de educadores, que se compõem de jovens,
através das vivências em arte, em suas múltiplas linguagens, através de uma
abordagem integral de arte.
•
Verificar de que maneira a vivência criativa através de diferentes formas de
linguagens / imagens possibilitará a constituição dos sujeitos, servindo como
elementos mediadores na formação do ser humano, em sua relação com o outro.
•
Investigar, se as experiências/ambiências em arte são capazes de facilitar uma visão
mais complexa e consciente dos jovens sobre si mesmos, tendo em vista o autoconhecimento, como uma das aprendizagens fundamentais, uma vez que também é
conhecimento.
Para que estes objetivos tenham o alcance desejado, trago a 1ª Cena: Buscando
caminhos onde bate mais forte o coração2, quando as primeiras cores da paleta de minha
trajetória foram capazes de tonalizar indagações/ inquietações que se transformaram em
práticas pedagógicas criativas – alicerces das minhas artes de fazer.
A 2ª Cena: Definindo cores na paleta: Educação, Arte e Vivência/Experiência,
teço considerações sobre esses conceitos, sem tratá-los de uma forma fechada e acabada. A
partir daí, esclareço na 3ª Cena: Na tela, as cores que nos enredam: das crises, aos fios da
complexidade, através da crise multidimensional que nos acomete, a crise ético-político que
vem atingindo, entre outros, as concepções de Democracia e Cidadania, influenciando o
cotidiano na formação de educadores (as). Nessa cena, incluo a análise feita por Edgar Morin
sobre o paradigma da Complexidade, na tentativa de clarificar a crise da razão hoje instalada,
justificando a necessidade de novas práticas pedagógicas comprometidas com uma razão que
se operacionalize juntamente com o sensível do ser humano.
Prosseguindo esta teia /construção, arriscarei desatar alguns nós, quando novas
cores/fios, pontos “cheios”, se re-trançam, fortalecendo a tecelagem/pintura desenhada na 4ª
Cena: Nas mãos, a paleta. Os pés, no chão da escola... Nessa etapa do estudo, soma-se o
olhar sobre o cotidiano escolar na formação de educadores, espaço cotidiano de limitações e
possibilidades. Já na 5ª Cena: Colorindo a paleta com teorias de educadores artistas,
incluo os fios da “prata da casa”: Anísio Teixeira e Durmeval Trigueiro Mendes – suas artes
2
Recorri ao poeta-cantor Gonzaguinha em Caminhos do Coração.
15
de dizer / fazer. Nesse momento, dedico o meu olhar de como a arte, enquanto expressão mais
forte da originalidade do ser, encontra-se situada/contextualizada através das suas
contribuições teóricas e vivenciais, além da tentativa de revisitar as décadas de 1960 e 1970,
que representam anos importantes da História da Educação Brasileira,
precisando ser
recuperados.
Dialogar com esses dois brasileiros, filósofos-educadores, não representa resgatá-los à
presença para memorizar o passado, mas, trazer essas presenças capazes de gerar intervenções
a respeito do nosso objeto de estudo que é a educação pela arte no curso de formação de
professores (as). Tais presenças vêm reforçar, ainda mais, a crença que “a prata da casa”
sempre poderá nos dessedentar com novas respostas e frutos saborosos!
A partir de suas contribuições teóricas, ressalto: quais as possíveis pistas/saídas na
perspectiva histórica escolar, para o ensino de arte, no momento atual?
Com a idéia, As cores na paleta vão se tocando, envolvendo-se umas as outras,
definindo novos tons, traço a 6ª Cena, quando desenho um caminho, através da opção
metodológica da pesquisa, sem esquecer que, muitas vezes, a vivência com arte, não permitia
uma solução pré-programada, legitimando que todo trabalho tem uma realidade complexa, de
acordo com Morin (2000, p.194).
A opção metodológica encontra ressonâncias nas reflexões de Bardin (1977), Triviños
(1990) e Carlo Ginzburg (1989). Este último, com o paradigma indiciário, vem ensinar como
apurar os nossos olhares.
Nos vários autores cujos pensamentos se inscrevem na recorrência teórica desta
pesquisa, observo a convergência de perspectivas. Verifico, mais uma vez, a dimensão do
alcance e a pluralidade da arte.
A 7ª Cena: As tintas coloridas das ambiências... as multicoloridas artes de fazer
de educadores, esclareço sobre as diferentes ambiências que foram realizadas, os seus
respectivos objetivos, os diferentes tipos de linguagens vivenciadas e os materiais
expressivos, além das análises das produções criativas dos participantes, através das imagens
16
plásticas produzidas, dos seus escritos e das suas falas, puxando e entrelaçando fios/nós, que
se cruzaram com os aportes teóricos sugeridos.
Compartilho as narrativas escritas nos diários de bordo dos educandos;
narrativas/diálogos sobre observações feitas, entrelaçando-as às imagens tecidas durante as
ambiências. Assim, os fios das categorias – auto-conhecimento, criatividade, solidariedade –
tingiram esta tessitura. Foram pontos e nós convidando a laçadas que deram forma, cor e
movimento à pesquisa.
Como culminância das vivências, analiso a construção coletiva de uma multicolorida
tapeçaria.
Dessa forma, investiguei/narrei/dialoguei sobre como eles foram construindo e
expressando seus mundos, através das formas de expressividades criadas pelos jovens, suas
percepções, seus processos de conhecer, de representar e de trabalhar seu auto-conhecimento,
sua criatividade, através da sensibilidade, e da construção da solidariedade. Tudo isso
constitui uma tentativa de verificar o resgate da arte, da vivência criadora, como forma
geradora de educação no curso de formação de professores. Sem esquecer que os olhares e
escutas foram se entrelaçando às vozes e aos diálogos instigantes com teóricos da arte.
Na 8ª Cena: Cores e fios na trama da vida: por uma conclusão provisória,
arrematamos esta tese, abrindo-a para novas indagações.
Na 9ª Cena: Limpando a paleta para novas e coloridas criações... deixo um convite
para que cada leitor registre as suas impressões.
Na Introdução e na 1ª Cena desses cenários, decidi, propositalmente, a escrita na
primeira pessoa do singular, revelando as trajetórias de uma subjetividade que, apesar de
expressar a busca de uma identidade profissional, ética e solidária, não se constituiu una, mas
profundamente marcada pelo entrelaçamento de uma polifonia de vozes, cores, representando
muitos Outros que compartilharam e compartilham dessa tessitura. Assim, a partir da 2ª
Cena, o Nós, surge como uma presença certa do outro e de muitos outros, no compartilhar de
pensamentos/idéias, alimentados por sentimentos/emoções.
17
A intenção de escrever - lembrando que a escrita está relacionada a tecer, a fiar e a
bordar - este estudo como se fosse um tecido, uma tessitura de fios coloridos que se enlaçam,
entrelaçando-se em diferentes tipos de pontos e nós, vem da marca que trago na alma - a
minha condição de ser mulher e mãe. Fico com Bárbara Koltuv (1990) em sua obra - A Tecelã
- “Uma mulher é uma experiência e uma energia feminina que tece, que é tecida, que é
desfeita e que se movimenta” (p.113). Vejo a arte como a presença do feminino no mundo.
Enfim, caminhar de mãos dadas com a arte não é uma forma de resgatar esta energia feminina
que a dominância patriarcal tenta banir?
Ao arrematar esta Introdução, sinto que a opção deste tecer através de Cenas, vem da
própria palavra cotidiano, que construiu sua visibilidade para o mundo contemporâneo, ao
entrar em cena revestida pelo épico, por máscaras, por vestimentas e por cenários. As cenas
mostram, também, a necessidade em dar suavidade e oxigênio à construção, permitindo um
caráter mais dinâmico, de um tecido/construção que busca se fazer de forma criativa, com
musicalidade e cheia de cores, apesar de, muitas vezes, apresentar-se de maneira linear. Em
cada abertura da cena algo pode nos surpreender, pois, afinal, pesquiso sobre a arte, sobre o
cotidiano, sobre a coragem de criar.
Assim, voltando à epígrafe que iniciou esta Introdução, as Cenas nos sugerem que
algo será narrado e que imagens surgirão, pois: “quanto mais elas estiverem entremeadas
melhor terá sido a solução do problema” (MANGUEL, 2001, p.16).
18
1ª CENA: BUSCANDO CAMINHOS ONDE BATE MAIS FORTE O
CORAÇÃO
“Todo conhecimento começa pela curiosidade”
(Paulo Freire)
A elaboração de uma tese é sempre um exercício de busca de “verdades” que, em
momentos de crises de certezas, nos requer “des-construir” muitos esquemas de pensamentos
que nos enquadraram em parâmetros homogeneizadores, limitando-nos à visão sobre o “bom
ou mau”, o “bem ou mal”, o “certo ou errado”, padrões de pensamento, de sentimentos e de
ações, que vêm cristalizando a nossa mente dualista, frente às questões que nos situam no
mundo. Com que instrumentais é possível romper/transgredir esse pensar/sentir e seus
conseqüentes fazeres?
Somam-se a essas incertezas momentos de tensão que ocorrem no ato de escrituras.
Palavras se desarrumam na mente e no papel, fazendo-me decidir por alguns caminhos,
obrigando-me a abrir mão de outros que, talvez, também, fossem interessantes. Mas, como
busco os caminhos onde bate mais forte o coração, acredito que minhas perdas serão
compensadas pela curiosidade, defendida por Freire e pelo cotidiano que alimenta os saberes
e as artes de fazer.
Voltando à epígrafe escolhida para iniciar o diálogo, ela me inspira a necessidade da
curiosidade, como compromisso primeiro em toda a construção do conhecimento. Então,
tomada pela curiosidade freireana, lanço os meus primeiros desafios na realização deste
trabalho:
19
•
Como dar conta deste estudo teórico-prático sem perder a sensibilidade e
simplicidade que caracteriza o meu fazer/ ser?
Entendo que ser educadora é nunca perder a sensibilidade – cognitiva e a
simplicidade, sem deixar de viver a complexidade, que o saber/ fazer pedagógicos
exigem, para que no “miudinho” do cotidiano escolar, saiba olhar fundo no olho de
meninos, meninas, jovens, homens, mulheres, idosos, idosas e auscultar-lhes o que
lhes falta, na tentativa de que, sabendo ver a si mesmos, também sejam capazes de ver
o outro, enquanto alguém que pensa, mas também sente, emociona-se, que tem muitas
alegrias e, também, muitas dores. Para mim, a falta não é somente a falta do pão
(fome material), mas, acima de tudo, a falta (fome) da beleza que existe na busca do
saber de si, do outro e de muitos outros. É bom lembrar que a palavra - Homem –
significa humus, terra fértil. Também sinto que ser educador é fazer com que
palavras que estejam dormindo nos educandos acordem em busca de vida, vida mais
plena e mais digna.
•
Como seguir os rituais acadêmicos na área do cotidiano que, por sua
complexidade, apresentam-se unos, múltiplos, dispersos, exigindo, muitas
vezes, a ruptura com a linearidade, ainda presente nas pesquisas? Não estamos
vivendo uma crise da razão?
•
Como não ficar presa às “verdades” que me constituem sobre a Educação pela
arte, de modo a facilitar com que portas/janelas se abram para receber novos
ventos?
Aprofundando as minhas inquietações, ainda em companhia de Freire (1985a),
que insiste em colocar a Pedagogia da Pergunta como a única forma de Educação
Criativa, capaz de estimular a capacidade humana de assombrar-se e de resolver seus
problemas existenciais (p.52), arrisco-me a tomar novamente a palavra e argumento,
indagando:
•
Se o conhecimento que priorizo neste estudo teórico-prático é sobre a arte, o
que ela significa para o espaço escolar de formação de professores e qual o
lugar da arte, enquanto conhecimento/ linguagem / expressão?
20
•
Como preparar educandos, futuros educadores, para os grandes enfrentamentos
do milênio com um instrumental baseado praticamente em referenciais
cognitivos, se a realidade presente exige que o processo educativo e o
educando sejam vistos em sua inteireza?
•
Como se apropriar de um conhecimento pela via exclusiva do ponto de vista
racional?
•
O momento presente não estaria exigindo o aprofundamento de metodologias
mais integradoras?
•
Sobre a curiosidade, qual o seu papel na sociedade capitalista, caracterizada,
entre tantas outras questões, pela globalização da produção cultural?
Assim, mergulhada3 em muitas dúvidas e algumas certezas, afinal preciso encontrar
caminhos, ponho-me a problematizar a respeito da Educação pela arte no processo de
formação de professores, entendendo que um problema de pesquisa exige desconstruções e
novos olhares em relação a conceitos e a teorias. Acrescento, com a ajuda do paradigma da
complexidade, que se estamos mergulhados em um mar de incertezas, as nossas interrogações
não têm um único trajeto mais correto, “é preciso começar por todos os lados ao mesmo
tempo. Toda grande criação, na área da vida, parece-nos logicamente impossível antes e às
vezes até depois do seu aparecimento.” (MORIN,1999, p.26).
Considerando que é preciso começar por todos os lados ao mesmo tempo e movida por
esta intenção/sentimento, faço, neste momento, a opção em relembrar os meus primeiros
contatos com a arte.
Lembro-me que desde os meus cinco anos (minha memória não consegue capturar o
período anterior), sempre vivi com as artes. Em tudo, buscava trazer movimento: na
exploração do meu corpo, nas brincadeiras de amarelinha, nas árvores que teimosamente
tentava subir, nos desenhos coloridos que minhas mãos arriscavam traçar.
Meu corpo bailava e a vida pulsava intensamente.
3
Tomamos emprestado a Lefèvre (1983), a palavra “mergulhar”, no sentido que, mergulhar no cotidiano
implica numa mudança de postura necessária a um projeto bem mais ambicioso, que é o de mudar a vida.
21
Um dia, apesar do corpo já estar um pouco aprisionado, espreitei, fascinada, as
paredes coloridas e cheias de movimento do Centro Educacional de Niterói, uma Fundação,
cujos ideais se materializavam na figura sensível, competente e ímpar da Educadora Myrthes
De Luca Wenzel. Naquele momento, nascia em mim, a certeza que somente as cores, o
movimento pulsante poderiam dar-me sentido à Vida.
Sem condições financeiras de estudar nessa Instituição, tive que deixar, de um lado,
meus sonhos e desejos coloridos, e do outro, vi-me enclausurada em grades curriculares,
uniformes, punições. Os traços/linhas dos meus cadernos, que esperavam os pincéis e tintas
coloridas, por fim, terminavam, inevitavelmente, no preto e branco das linhas dos meus
inúmeros cadernos. Era a Vida que tentava se fazer congelada/ paralisada!...
As lindas caixas de lápis de cor, cujos cheiros/aromas, ainda hoje, o meu corpo
respira, ficavam na pasta grávida de cadernos/ livros, ansiando para que, sobrando algum
tempo, pudessem trazer vida/ cor às alvas linhas traçadas/ trançadas.
Afinal, tentavam me fazer esquecer que era alguém criativa! Mas, como diz Certeau
(1994) existem táticas e astúcias dos sujeitos, chamados praticantes, que vão na contramão do
hegemônico, e, na impossibilidade de viver as artes plásticas - arriscava-me criativamente na
arte da poesia.
Quando me fiz professora, no miudinho do cotidiano sentido/ vertido de minha
prática, a arte era minha cúmplice. Tornei-me uma “arteira4”, tecelã de mim mesma, quando,
silenciosa e delicadamente, ia alinhavando minhas práticas, com pontos de “alinhavo”, pontos
“cheios”, pontos “paris”, sem faltar os pontos “de trás”, e, tonalizando com cores brilhantes e
movimento o meu fazer criativo que, amorosamente, foi se sacralizando no meu encontro com
o outro.
Era a arte banhando até as entranhas de mim mesma, como água de banho, água de
cheiro acariciando e tomando conta de todo o meu ser.
4
Considero-me uma “arteira”, no sentido de que fiz alguns cursos em Arte. Diplomei-me em piano, freqüentei
aulas de ballet clássico, dança flamenga, dança do vente, participei de oficina de cerâmica, oficina de pintura em
tecido, aulas de canto, desenho e, há nove anos atuo, nas artes plásticas, participando de exposições (RJ e SP).
22
Assim, a arte, com a minha permissão, junto a tantos medos, muitas incertezas e outras
coragens, foi saindo pelos meus poros, influenciando, profundamente, as minhas práticas
pedagógicas cheias de constantes interrogações.
Como educadora, trilhando trajetórias, muitas vezes, tão adversas, áridas, puramente
racionais, destituídas de sentidos era impossível caminhar sem a arte, pois lhes faltavam a
própria vida, faltava “alma”, aquele “algo” que nos afeta, emociona e que não se esquece
porque pulsa.
A minha inquietação quanto à força educativa da arte no processo de aprendizagem me
fez entrar em contato com a Ampla Didática5, quando ousei construir uma Didática para a
Educação de Valores, no Ensino Fundamental, alicerçada nos suportes teóricos defendidos
por Jean Piaget e Lawrence Kohlberg.
Nesse momento, já defendia a necessidade da vivência e da criação, no processo de
apropriação de um saber com sabor, que veio fundamentar teoricamente a minha Dissertação
de Mestrado – “Educação Moral: um desafio...” (PEIXOTO, l984).
Para superação das problemáticas cotidianas, precisava colocar-me como verdadeira
alquimista, buscando, acima de tudo, acreditar nas próprias teorias, realimentando-as na
prática pedagógica, sempre com o olhar atento e uma escuta sensível, articulando-a às teorias,
numa trajetória cheia de idas e vindas, “fazendo e desfazendo”.
Na tentativa de diminuir as tensões vividas, recuperando a mim mesma através de
decisões tomadas na prática pedagógica, e, conseqüentemente, na relação professora
/educandos, fui buscando soluções múltiplas, abrindo espaços mais fortalecidos, para que a
arte pudesse conviver mais de perto nas aulas/encontros pedagógicos, indo em busca de novas
linguagens expressivas da arte, quando, por meio de vivências oportunizávamos com que a
criação, aliadas à paixão de conhecer, de sentir/saborear o saber, os educandos pudessem
construir conhecimentos mais “coloridos” e comprometidos com uma aprendizagem
significativa, e, conseqüentemente, menos fragmentada.
5
A Ampla Didática foi defendida pela professora Balina Bello Lima, em sua Tese de Livre Docência, pela
Universidade Federal Fluminense. Propõe uma Didática com o “recheio” da dimensão criativa.
23
Assim, continuávamos a inventar o cotidiano de minhas práticas, como “arteira” do
fazer, no dizer de Certeau (1994), ainda, através de táticas e astúcias sutis, reconfigurando,
silenciosamente, saberes e resistindo à conformação imposta.
Era através desse caminhar, quando se somavam medo, coragem e ousadia, que
percebia a necessidade de buscar novas abordagens que alicerçassem a ressignificação do
fazer, propiciando que os educandos, nas salas de aula, sentissem-se inteiros, com olhos
interessados nas propostas oferecidas e na construção de conceitos. Essa foi especialmente a
minha prática como professora de História, quando conteúdos eram transformados em
vivências prazerosas, resgatando um ensino de História “como um carro alegre cheio de um
povo contente”, no dizer do poeta (Chico Buarque)6.
Quantas vezes, as aulas de História transcendiam os rituais de textos, falas, imagens,
cores, sons e, como um verdadeiro processo alquímico, misturavam-se a pedaços de cravos,
canelas, noz moscada, pimenta, que com seus cheiros/aromas fortes e quentes, convidavam
cada um (a) a viver com todos os seus sentidos, ou melhor, com o seu corpo inteiro, um pouco
de um período histórico, caracterizado pelo comércio das “especiarias”. A este processo fui
chamando de uma prática vivencial, que irei, posteriormente, definir.
Tornar conteúdos em vivências que oportunizassem a cada educando entrar em
contato mais profundo com o seu processo criador, foi transformando o meu saber/fazer, ou
seja, as minhas aulas em “oficinas perceptivas”, na qual as riquezas das elaborações
expressivas e imaginativas dos educandos interagem com os encaminhamentos oferecidos
pelo professor.
Volto, agora, a narrar um outro momento, quando realizei uma vivência com alunos do
2º ciclo do Ensino Fundamental, na Escola Municipal Francisco Portugal Neves (Niterói–RJ).
Nessa oportunidade, junto aos educandos, construímos conceitos específicos sobre o
“Descobrimento do Brasil”.
6
Música do cubano Pablo Milanes, versão Chico Buarque de Hollanda, 1978.
24
Após uma conversa diagnóstica sobre os conceitos que já tinham sido formulados
sobre o “Descobrimento”, lembrando que eram alunos de 10 a 12 anos, entramos em contato
com as imagens produzidas pelo filme “1492 – A conquista do Paraíso”7.
Assistimos uma parte do mesmo, para que percebessem o momento histórico da
Europa, ao final do século XV, a viagem e a tecnologia da época, o que possibilitou a
construção das caravelas, a bússola, o quadrante, além da reflexão do papel de Colombo e dos
habitantes da América, que viviam tempos históricos diferentes. Partimos, então, para uma
reflexão sobre Portugal, Cabral, as naus e os índios brasileiros.
Em momento posterior, vivenciamos uma prática de harmonização pessoal, através da
respiração e um relaxamento, com música de fundo, ouvimos Vangelis, da trilha sonora do
próprio filme, para que pudessem entrar no túnel do tempo e vivenciar, por meio da
imaginação, esse tempo/espaço histórico, ou seja, a chegada dos portugueses nas terras
brasileiras.
O relaxamento proporcionou que os educandos escolhessem o personagem com o qual
se identificavam e que gostariam de expressar.
Fomos aos livros para que pudessem observar as ilustrações dos mesmos, através de
diversos autores e fontes, incluindo figuras ilustrativas da época.
Esses momentos foram coroados de ansiedade, intensa participação, proporcionando
espaço para que verdadeiramente sentissem ser os sujeitos dessa história.
Convidados a esse tipo de vivência, os educandos passaram por momentos de trocas
de idéias, de indecisões e desconfianças, características dessa fase da vida. Mas, ao mesmo
tempo, percebíamos olhos que brilhavam, mãos que tocavam num gesto de escolha, sorrisos
que se abriam ao descobrirem o que gostariam de representar.
Chegamos a uma outra etapa, um pequeno trabalho corporal, e posteriormente, cada
um foi fotografado individualmente, quando orientei que o importante era a expressão do
7
Filme de Ridley Scott, 1999, USA.
25
rosto, o olhar, o sorriso ou a seriedade, dependendo de como gostaria de trabalhar o seu
personagem escolhido.
Nesse momento, a expectativa diante da possibilidade de serem fotografados, do
identificar-se, algo tão importante para o resgate de nossa identidade histórica.
Após a revelação das fotos e da alegria de mirar-se, levantamos a proposta de que
recortassem o seu rosto e então, montassem cenas individuais ou coletivas, que retratassem
este momento histórico do “Descobrimento”, a partir da opção que já tinham feito do seu
personagem.
Esta fase da proposta desdobrou-se em algumas aulas e foram coroadas de muito
prazer e alegria, quando mãos se colocaram a recortar, a colar, a criar formas, tudo isso
recheado com muitas cores e decisões que precisavam ser tomadas.
Com a minha escuta e observação atentas, pude perceber a dificuldade de uma aluna
em recortar o seu rosto, recortando-o tanto que, estragou-o, tendo que substituí-lo por um
outro, 3 x 4 e em preto e branco. Não era nosso objetivo aprofundar as causas de sua
dificuldade, o fato de vivenciá-la, por si só, já representava uma oportunidade para seu autoconhecimento, o que nos leva a refletir sobre o quanto de conteúdos internos devem ter vindo
à tona nessa vivência, as suas questões mais íntimas de identificação, de auto-estima, e a
oportunidade de transcendê-la, por não ter se omitido de participar, trazendo de casa, um
outro retrato seu.
A aprendizagem teórico-vivencial sugerida nesta proposta, não excluiu a dialética
existente entre a ação – reflexão – ação, porém ampliou o conceito de “práxis”, que apresenta
uma ação social e racional, para abrir-se às vivências, enquanto uma dimensão profundamente
subjetiva, uma vez que busca caminhos que levam á transformação interior, sem perder a
dimensão do coletivo.
O processo de criatividade e imaginação, que exige processos mentais e afetivos,
transbordava entre os educandos. Uma jovem, ao recortar o seu rosto, igualmente destacou o
de uma colega que também tinha saído em sua foto e, brilhantemente, aproveitou-a, para que
26
na sua representação plástica fosse ela sua filha, uma indiazinha presa no suporte que usam os
índios para carregarem seus filhos nas costas (Anexo 1).
São representações que extrapolam o texto e o contexto estudado! São conteúdos
simbólicos, verdadeiros jornais vivos de nosso inconsciente, que, ao serem construídos, fazem
descobrir suas próprias potencialidades. São vontades interiores que se manifestam como
formas, gerando a produção da arte.
E, assim, as mãos foram construindo, desenhando, colorindo, tecendo suas histórias,
até chegarmos à elaboração do texto escrito, quando falas transformavam-se em textos,
surgindo a expressão do vivido, de conceitos já construídos e outros a serem forjados,
refletindo um pouco do cotidiano de confrontos entre índios, donos da terra, do colonizador
português, mesclado por suas próprias vivências significativas, em que alegrias e dores
buscam canais para expressarem-se.
A vivência oportunizou o encontro com um saber histórico cheio de sabor, pois, um
saber que se fez amoroso, no espaço do sentir consigo e com o outro, um espaço que incluiu a
subjetividade, o corpo, o coração, a razão, a imaginação, a intuição e a criatividade.
Além disso, foi possível, através da conexão com a sua fonte criadora interior, buscar,
ressignificar seu processo de aprender, em toda sua inteireza, uma vez que, ao criar, se dá
forma, e, ao se dar forma, a vida adquire sentido.
Tocada por tais idéias e sentimentos, volto-me aos debates sobre Formação - Profissão
docente na atualidade, que se têm revelado através de profundas contradições sobre os
caminhos/descaminhos traçados, não somente pela legislação vigente, mas, sobretudo, por
práticas repetidoras/mecanizadas/descoloridas que se forjam no “chão da escola”, pela
descaracterização sofrida no trabalho docente, mobilizando-nos a lançar um olhar
crítico/criativo e uma escuta sensível às problemáticas do cotidiano escolar, no qual me
encontro imersa.
O problema principal, a que me dedico nesta pesquisa, surge das constatações vividas
nas escolas públicas e privadas – Ensino Fundamental e Médio – como docente, como excoordenadora pedagógica da área de História, como ex-diretora de uma Escola Municipal de
27
Niterói (RJ), e, nos últimos oito anos, como docente no Curso de Formação de Professores
(Ensino Médio) e no Curso Normal Superior, além da participação como educadora8 em um
trabalho comunitário.
Com o olhar atento nestes espaços de intervenções, por onde, cotidianamente “farejo”,
fui percebendo, muitas vezes, no Curso de formação de professores, a presença da crise
multidimensional que têm refletido na simplificação/fragmentação da realidade escolar.
Simplificação esta imposta por uma racionalidade fechada, originando práticas desarticuladas
na formação integral do futuro educador, além, dos seus fazeres encontrarem-se engessados
em “grades curriculares”. Sobre estas questões, Alves (2000) sustenta que a inadequação da
prática pedagógica não tem garantido qualidade no fazer pedagógico, o que fica caracterizado,
por exemplo, na desmotivação de professores e educandos que não vêem perspectivas em
suas produções.
A realidade do Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho, no qual atuo junto ao
Curso de Formação de Professores, reflete o quadro acima. No segundo ano pedagógico, a
“grade curricular“, que pretende, como o próprio nome diz, aprisionar os saberes, reduzindoos, é composta de treze disciplinas que não se articulam, sem compor uma orquestra criativa.
Alves e Garcia (2000, p.84-85), atravessando as fronteiras da fragmentação do
conhecimento, registram que:
É comum ouvir alunos do curso de formação de
professores afirmarem não saber o que fazer com a
filosofia, a sociologia, a psicologia, a antropologia ou a
economia que estudaram nos primeiros períodos do
curso. Para eles são fragmentos de um conhecimento
desarticulado que não lhes parece ter qualquer sentido,
pois não os ajuda a compreender o real.
3
Participo há 15 anos, como educadora e facilitadora de Oficinas de Criação, em uma Comunidade formada por
uma classe social desfavorecida, às margens da lagoa de Piratininga (Niterói /RJ). Iniciamos este trabalho junta a
um pequeno grupo de amigos, quando às sombras de um pé de jamelão, encontrávamos com crianças, jovens,
adultos e avós, para aprendermos a tocar carinhosamente a mãe Terra através da argila e, com outros materiais,
expressar idéias e emoções.
28
Esta questão provoca um distanciamento no que se refere aos reais objetivos da
formação do professor, do Ensino Fundamental, quando se percebe que o espaço da
subjetividade, da escuta e da fala que poderiam trazer o sentido e a busca de novos caminhos
criativos em sua formação, encontram-se acorrentado nas “grades” orientadoras dos
currículos. Dessa forma, a escola tem se apresentado, quase sempre, de forma massificadora,
adestrando educandos com os seus corpos geralmente imobilizados em cadeiras enfileiradas,
olhando para a “nuca” do outro, escutando falar de conteúdos que não podem ver, ouvir,
pegar, cheirar, degustar, amar ou odiar. Presenciamos uma prática pedagógica que exclui o
corpo na aprendizagem, o afeto, a emoção, a imaginação, enfim, exclui o significado da
própria vida, nutrindo o desprazer dos educandos quanto ao desejo de aprender, a falta de
sentido e significado de conteúdos que não se articulam com a vida.
Quantas vezes, conteúdos de artes são trabalhados de forma apenas intelectual, não
atingindo o sensível? O fazer criativo não estaria sempre vencido pela cognição?
A legitimidade da presença da arte, nos espaços escolares, deu-se a partir da Lei
5692/71, que, apesar da sua fundamentação humanista, paradoxalmente, ocorreu em um
momento caracterizado pela Pedagogia Tecnicista, impossibilitando um fazer criador em uma
concepção mais plena, comprometida com a construção de educandos mais inteiros e
sensíveis.
Observamos que, geralmente, a Educação Artística enfoca objetivos de maneira muito
geral, tornando-se uma disciplina pulverizada por tópicos, técnicas, “produtos” artísticos que
empobrecem o verdadeiro sentido do ensino de arte, e, no que diz respeito aos espaços de
ensinar e aprender no Ensino Médio, tais contradições se agudizam ainda mais.
No contexto destas reflexões, trago a análise de Araújo (2003) em seu trabalho Vitrines de concreto na Cidade: juventude e grafite em São Gonçalo - quando sinaliza que há
uma forte tendência, que perpassa a quase totalidade dos grafiteiros, no sentido de desvincular
a instituição escolar do aprendizado e do exercício dessa manifestação pictórica. Tal
realidade, vem reafirmar que a arte, no cotidiano do espaço escolar, encontra dificuldades em
se articular com os interesses, com os desejos, com as expressões de vida dos (as) próprios
(as) jovens.
29
Quantos olhares não foram capazes de perceber as necessidades, os interesses e as
potencialidades de jovens, que, se tivessem sido auscultados, teriam dado chance à
instituição-escola para exercer a sua legítima função educativa!
Por sua vez, educadores que trabalham com a arte, normalmente, apontam problemas
enfrentados nos espaços escolares, quanto ao seu ensino e à sua aprendizagem: por um lado,
chamo de aspecto endógeno - o bloqueio da expressão em diferentes linguagens, de grande
parte de educandos que não acreditam no seu potencial de criação, porque tiveram poucas
oportunidades de vivências criativas, em função da presença de modelos estereotipados; por
outro lado, o aspecto exógeno, as dificuldades na organização de atividades em função do
tempo exíguo de aulas, a quase inexistência de atividades culturais extra-escolares, a falta de
sala de aula adequada, além da falta de material específico.
Na realidade, geralmente, o ensino de arte, no curso de formação, vem se restringindo
ao aprendizado de técnicas, que acontecem por meio de aulas espremidas entre disciplinas
que, em geral, são consideradas mais sérias, não tendo um espaço de ambiências, próprio para
a criação, reafirmando o seu lugar periférico no currículo e nas escolas.
Sabemos que o domínio da técnica é fundamental para a execução de qualquer
trabalho, no entanto, o problema surge quando a técnica se transforma em um fim em si
mesmo, quando a expressão e a iniciativa dos alunos são relegadas a segundo plano, passando
a atividade a ser mecânica e desprovida de sentido.
Entendo, no entanto, que o cotidiano trança sentidos, além, do desejo sincero que, em
minhas aulas/encontros, a vida pulsasse através dos olhos brilhantes dos educandos, das
educandas.
Como era surpreendente a minha chegada em sala, com um simples saco de fantasias,
muitas delas até vencidas pelo tempo! Aquela conhecida frase, “puxa, você veio hoje?”, que,
muitas vezes, como professores, ouvimos e ficamos desanimados, transformavam-se, nessas
aulas-oficinas, em verdadeiros gritos – “Pessoal, Cristina chegou!” .
Movida por estas narrativas, cheias de vida, trago o depoimento de um educando que
participou de uma aprendizagem vivencial no ensino de História, na década de 1980, no
30
Colégio Paulo Assis Ribeiro, Niterói, RJ, quando em um encontro por acaso, (no sentido
moriniano, a ordem pode nascer da desordem, tendo o acaso um papel na organização e na
evolução - Pena-Vega, 2003, p.156), em 2004, os ex-educandos Jorge Wallace Bretas e
Cristiane foram capazes de reconhecer-me e relataram:
Você era uma professora de História que usava a arte em
suas aulas; fotografava o que encenávamos, para que
depois, escrevêssemos sobre as imagens. Outras vezes,
você sugeria um relaxamento, deitados no chão, e, depois,
propunha viagens imaginárias.
Lembro-me, diz Wallace, que as suas aulas despertaram a
minha curiosidade. naquela época comecei a visitar a
biblioteca da escola e li um livro, acho que foi sobre a
Viagem de Marco Pólo (2005).
É importante registrar que Jorge Wallace está cursando o Curso de Graduação em
licenciatura em História, no UNILASALLE (Instituto Superior de Ensino La Salle – RJ).
Nas observações sobre o processo pedagógico, percebo que o que fica realmente como
aprendizagem no educando e, em sua memória, é, principalmente, originário da emoção,
daquilo que foi significativo no aprender. Isso é mais difícil, quando a razão encontra-se
descolada de sentimento, sendo necessário, então, transcender a lógica do ensinar-aprender,
lançando-se em uma “operação de caça”, no dizer de Certeau (1994) no “incerto”, complexo,
múltiplo e colorido universo da emoção e do afeto.
Era a arte que já pulsava nas aulas, cuja presença atestava a possibilidade de um
ensinar/aprender mais significativo. Muitas vezes, a arte me assaltava sem pedir licença e,
quando percebia, já tinha feito propostas um tanto ousadas aos educandos. Surpreendia-me, ao
ver, os seus olhos brilhantes e fixos aos meus.
31
Talvez, a cumplicidade com a arte fosse um “pretexto” para um diálogo sincero e
íntimo, o tão esperado diálogo em nossas salas de aulas, pois, nesses momentos, havia a
escuta, a fala, o compartilhar de idéias e materiais, a presença certa de dúvidas, conflitos
(serei capaz de fazer?), mas, sobretudo, de sorrisos e da alegria.
Dessa forma, cuidadosamente novos saberes e olhares iam sendo incorporados à
minha prática, novos diálogos com outros campos do saber, outras formas de linguagens, que
não somente a escrita, o verbal, mas, também os símbolos, as imagens, o corpo, os gestos, na
tentativa do rompimento do silêncio e na busca da expressão da inteireza humana,
permitindo-me repensar a Educação e, mais diretamente, o meu fazer pedagógico. Muitas
vezes, rompendo com o ideário mecanicista vigente nas escolas nas quais atuava/atuo, ideário
este que nos tem engessado através de ações pedagógicas fragmentadas e, portanto,
distanciadas de nós mesmos e do outro, contribuindo para a separação entre sujeito/objeto,
conteúdo/forma, razão/emoção.
Ao longo desses últimos quinze anos, foram incorporadas a este estudo teóricoprático, novas experiências, através de Cursos em Arte-Educação, Teatro na Educação9,
Trabalhos Corporais10, Formação em Arte-Terapia11, cujos objetivos se propunham somar às
experiências racionais e lógicas, outras dimensões do aprender. O aprofundamento das novas
abordagens leva-me a reafirmar a necessidade de uma pesquisa tendo como locus a formação
de professores.
Mais do que buscar um trabalho prático e aliá-lo a algumas teorias, a pesquisa sobre a
arte e a formação de professores, aqui proposta, objetiva aprofundar as bases teóricas que lhe
dão suporte. Em sua relação dialética, pretende trazer luz à própria prática, que pode se
enriquecer indo ao encontro de caminhos intuitivos, produto das tessituras expressivas que,
coletivamente, juntos aos educandos, vamos criando.
9
Participei do Curso Introdutório do Teatro do Oprimido Augusto Boal, RJ, 1997.
Participei, durante seis meses, do Curso de Dança Criativa, método Alexander, com a professora Karla Relvas,
RJ.
11
Além de vivências em Brasília, no Centro de Criação (Pirenópolis), com Susan Bello, e um curso de um mês,
em Janeiro de 2000, em Barcelona sobre Art y Vida. Também concluí os Cursos: Formação em Arte-terapia, na
Clínica Pomar e o Pós-Graduação em Arte –Terapia, na Universidade Cândido Mendes-RJ, durante os anos de
1997 a 1999.
10
32
Dessa forma, entendo que novos fundamentos teóricos, metodológicos e práticos
necessitavam ser estudados, por formadores de professores, articulados às vivências e saberes
dos educandos; assim, também, verifiquei se uma Proposta Pedagógica reflexiva / criativa,
para os cursos de formação de professores, a partir de oficina de criação que designei de
“Espaço Vivencial: Despertando o Ser”, poderia atuar como mediadora na formação de uma
consciência mais ampla e ética do educador, frente ao seu mundo (interior e exterior),
colaborando na abertura das fronteiras escolares para a interação/socialização do futuro
educador no meio ambiente em que vive/atua.
Enfim, as vivências pretenderam oportunizar que o futuro educador entrasse em
contato com a sua subjetividade, suas linguagens e expressões primeiras, que reencontrasse o
seu caminho próprio e construísse novos saberes necessários à sua formação, resgatando o
sentido originário da palavra saber, que significa saborear, mediado por atividades
expressivas, em interlocução com diferentes abordagens (corporal, cênica, plástica, poética,
musical), que integrem as quatro funções psíquicas do Ser (pensamento, sentimento, sensação
e intuição). Tais funções poderiam possibilitar que criação e vida se articulassem e se
completassem, através da inclusão do educando como ator social do seu próprio processo.
Portanto, poderiam vivenciar, consciente e sensivelmente, a sua complexidade, além da
possibilidade de uma melhor percepção do outro, do seu companheiro de trajetória, abrindo-se
para um processo de socialização pautado em relações solidárias, cooperativas e amorosas.
Para tanto, se fez necessário trazer a definição de Educação, Arte e Vivências como
elementos basilares do tecido/pintura que apresentei.
Na tessitura teórica, entrelaçaram-se os fios dos estudos sobre a crise multidimensional
e paradigmática, instalada hoje na sociedade, colocando em risco a construção de uma
cidadania comprometida realmente com o ser humano, principalmente, a partir do olhar de
Harvey (1992), Sennet (2000), Geertz (1978,2001), Baumann (1999,2001), Bobbio
(1990,1992), Linhares (2000), que foram acrescidos à reflexão do paradigma da
complexidade, analisado, principalmente, por Edgar Morin (1999, 2000 a, b,c, 2003 a,b) e
Boaventura de Souza Santos (2000). Destacadamente, fui juntando as laçadas teóricas sobre a
arte, em suas diferentes formas de linguagens, enquanto um dispositivo de aprendizagem de si
mesmo e do outro. Tais laçadas foram se colorindo com as idéias sensíveis de artistas
33
educadores como Anísio Teixeira (1970,1971,1994), Augusto Rodrigues (19701972),
Durmeval Trigueiro Mendes (!968,1969,1972,1973,1987,1994), Fayga Ostrower (1983,1987),
Peixoto (1997,1999,2003), Campos (2003). Outros se somaram como: Henri Lefèbvre
(1983,1991), Vygotsky (1999 a, b, 2003), Pareyson (1997), Byington (1996), Herbert Head
(2001), Ernst Fischer (1976), Ortega y Gasset (2002,2005).
Fios foram se enlaçando - os do cotidiano - a partir de Pais (2001), com a sua
sociologia do cotidiano, Certeau (1994,1998), Garcia (2000), Alves e Oliveira (2001).
Somando-se a esses, os fios dos estudos sobre Juventude, uma vez que os sujeitos da pesquisa
são jovens e, em suas criações, trazem suas formas de ressignificar suas existências. Para
tanto, dialoguei com Carrano (1997, 2003) Sposito (1997, 2003), Abramo (1997), Peralva
(1997), Pais (2003) e Melucci (1997), que têm evidenciado as dificuldades de definição dessa
categoria, em função dos seus diferentes “âmbitos” das investigações.
Também outros diálogos derem suporte a essa tessitura, como os de Freire (1985,
1987) Linhares (2003), Taylor (2003), Larrosa (2002).
Muitos outros fios/nós se somaram a esses, ao longo desses cenários, como desenhos
de um todo que formaram as cenas; sem faltar nessa tessitura / pintura, as laçadas criativas
que ornamentaram o centro (se entendemos que há um centro), tecidas pelas mãos operosas
dos (as) jovens, principais parceiros (as) desta pesquisa, que com arte / poesia, preparavam-se
para serem educadores (as).
Como nos diz Taylor (2003, p.59), “o ser humano para continuar ser autenticamente
humano, deve habitar o mundo como poeta”.
Esta foi a minha tentativa, fazer o exercício de investigar a possibilidade de unir a
razão/emoção, o objetivo/subjetivo, o pensar/fazer, pois pressinto, com Gonzaguinha, em
Caminhos do Coração:
34
É tão bonito quando a gente pisa firme nessas linhas que
estão nas palmas de nossas mãos.
É tão bonito quando a gente vai á vida
Nos caminhos onde bate, bem mais forte o coração...
35
2ª CENA: DEFININDO AS CORES NA PALETA: EDUCAÇÃO,
ARTE E VIVÊNCIAS/EXPERIÊNCIAS
Isto sabemos.
Todas as coisas estão ligadas
como o sangue
que une uma família...
Tudo o que aconteceu com a
Terra, aconteceu com os
filhos da Terra.
O homem não tece a teia da
vida;
ele é apenas um fio.
Tudo o que faz à teia,
ele faz a si mesmo.
Ted Perry12
As reflexões trazidas na epígrafe nos fazem pensar que ao definir Educação, Arte e
Vivência, não há o intuito de reduzir essas áreas do conhecimento, provocando a
fragmentação tão questionada. Entendemos que cada área, representa os fios da teia do
próprio saber/fazer pedagógicos, uma vez que, fazem parte de um mesmo todo.
12
Epígrafe contida no livro: CAPRA, Fritjop. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas
vivos .São Paulo: Cultrix,1996.
36
Assim, vamos tecer alguns conceitos/categorias para que o diálogo que desejamos
fazer alcance a clareza desejável, e. assim, partilhar essa urdidura com interlocutores que
comigo a tecem/tecerão.
•
As cores da Educação
Partimos da compreensão etimológica do termo educar, que vem do latim ex –
ducere, conduzir para fora, significando encorajar o desenvolvimento e a expressão das
qualidades únicas de cada pessoa, implicando, dessa forma, uma parceria, um caminhar junto,
diálogos, troca de olhares e de experiências, escutas sensíveis e manifestações das relações
entre humanos e mundos.
Entretanto, de acordo com Yunes (1997), a Educação, por muitos séculos se manteve
como instrumento de domesticação e adaptação dos indivíduos aos papéis sociais que lhes
foram reservados pelos sistemas, exigindo, atualmente, uma visão complexa que articule a
construção de um sujeito a sua singularidade e a sua solidariedade (p.2-4).
A concepção de Educação que trazemos se apóia na questão de um processo complexo
e, por isso, não é passível de definições lineares. Com esse olhar, reafirmamos o conceito de
Educação, enquanto um ato criador - criar é dar a vida. Assim, através do criar, o qual é
mediado pela linguagem, pelo diálogo e por imagens, se poderá chegar à complexidade do
Ser. No processo de vivência desta complexidade o Ser poderá construir uma consciência de
si mesmo e do mundo que o cerca, reafirmando sua identidade cultural, tendo em vista a
constante mutação em que se constitui a consciência humana.
Nesta trilha de pensamento, Durmeval Trigueiro Mendes (1973) esclarece que a
Educação que é criatividade, não pode ser uma especialização, nem ser vista exclusivamente
no âmbito da racionalidade científica e técnica, mas educação como condição própria do
homem, reafirmando o valor do indivíduo como fonte primária de criatividade (p.232-234).
Acrescentamos que Educação é um fenômeno social múltiplo, envolvendo os
processos de formação do ser humano, que ocorrem em espaços/tempos diversos, em função
de formas específicas de pensar e agir que os caracteriza, sustentando-se no respeito à
liberdade de expressão.
37
Também Paulo Freire, em suas obras: A educação como prática da liberdade (1979) e
A importância do ato de ler (1985), como em tantas outras obras13, nos instiga a pensar a
educação enquanto um ato político. Paulo Freire entende o homem como um ser inacabado,
sendo este ponto, uma das suas teses básicas sobre a Educação - o homem sujeito da
Educação.
Dessa forma, a educação deverá instigar e criar situações para que o ser humano
construa atitudes reflexivas e conscientizadoras, através de ações comprometidas com o
contexto sócio-cultural em seu entorno, percebendo-se como construtor de sua própria
história.
O momento presente tem exigido uma busca permanente por um entendimento mais
aprofundado da realidade em que vivemos. Nesse sentido, uma educação que permita a
construção da inteireza possível do ser, deverá provocar o des-ancorar do fragmentário e do
mecânico, que ainda persistem em nossas teias do pensar/agir, em nossas teorias e nossas
premissas.
Herbert Read, teórico com quem dialogamos sobre a arte, sinaliza que os objetivos da
Educação, deverão estar pautados “em uma concepção libertária da democracia, só podendo
ser o de desenvolver, juntamente com a singularidade, a consciência social ou reciprocidade
do indivíduo” (2001, p.6).
O desenvolvimento da singularidade, segundo o autor, é um dos pontos fundamentais
da Educação, pois, a capacidade de ser único, de se ter maneiras únicas de falar, de expressar
a mente e a emoção, de ver e de inventar, constituem um valor inestimável para a
humanidade, uma vez que propõe que:
O objetivo geral da educação seja propiciar o
crescimento do que é individual em cada ser humano, ao
mesmo tempo em que harmoniza a individualidade assim
desenvolvida com a unidade orgânica do grupo social ao
qual o indivíduo pertence (Ibid , p.9).
13
Sugiro, para maiores estudos sobre a extensão das obras de Paulo Freire, a leitura do Dicionário de
Educadores no Brasil: da colônia aos dias atuais. RJ: UFRJ & Brasília: INEP,2002.p.893-899.
38
Surge, assim, a Educação como incentivadora do crescimento, sendo que este só se
torna aparente na expressão, através de signos e símbolos audíveis ou visíveis. Portanto, para
o autor, “a educação pode ser definida como o cultivo dos modos de expressão – é ensinar as
crianças, jovens e adultos a produzir sons, imagens, movimentos, ferramentas e utensílios”
(Ibid., p.12).
Em direção a este mote, Read sugere que o objetivo da educação consiste no
desenvolvimento de qualidades genéricas de discernimento e sensibilidade, fundamentais até
mesmo para a matemática ou a geografia, instigando-nos a perceber a preocupação com a
dimensão integral da educação.
Ainda na perspectiva de uma Educação comprometida com uma totalidade possível,
que situe a Educação frente aos desafios e incertezas de nosso tempo, trazemos Edgar Morin
(2000), quando em suas recorrências, propõe saberes necessários para à Educação do futuro.
Nesse sentido, a Educação deverá criar situações para que o educando aprenda sobre os
métodos que permitam estabelecer as relações mútuas e as influências recíprocas entre as
partes e o todo em um mundo complexo.
Continuando com Morin, o primordial para todo o processo de Educação deveria ser a
construção de um ser humano consciente sobre a sua condição humana, enquanto ser uno,
múltiplo, ético, enquanto um ser de compreensão. Para tanto, a Educação deveria voltar-se
para complexa reforma do pensamento humano.
Educar para este século exige ver a realidade em sua unidade e multiplicidade,
percebendo-a como um todo, como um holus, permitindo, sobretudo, uma relação de
consciência com a realidade, uma vez que é facilitada a consciência de algo, quando se tem
uma certa visão da totalidade.
Neste sentido, educar é caminhar para a totalidade, implicando numa unidade interna
dentro de cada um de nós.
39
Assim, educar o educador é permitir que ele/ela se sinta incluso como sujeito humano,
permitindo-o viver seu processo de globalização no âmbito da interioridade e da subjetividade
humana, atualizando toda a sua potencialidade.
Enfim, a educação deve ser pensada e praticada como um processo contínuo de ação
– reflexão – ação que permitirá o ser humano construir-se continuamente, na sua relação inter
e intrapessoal, desenvolvendo-se nas dimensões física, biológica, psíquica, cultural, social,
histórica, ética e espiritual.
•
As cores da Arte
Buscamos, neste momento, trazer a compreensão que fomos construindo sobre arte,
sabendo que tentar conceituá-la é uma tarefa bastante complexa. Vários autores têm tentado
defini-la e o nosso esforço será articular algumas de suas reflexões.
A arte é a linguagem natural da humanidade e representa um caminho de
conhecimento da realidade humana (OSTROWER, 1998, p.25-26). Assim, ela se faz
presente, juntamente com a Ciência, desde as primeiras manifestações humanas, nascendo há
cerca de trinta mil anos, apresentando-se como elemento mediador das interações humanas,
quando o ancestral humano, o homem de Cro-Magnon, dá um impulso em sua inteligência e
passa a ser capaz de utilizar a sua imaginação e a sua habilidade de criar imagens esculpidas e
pintadas. Ao manipular cores, formas, gestos espaços, sons, silêncios, movimentos, luzes vai
representando ambições, sonhos e valores de sua cultura; tudo isso, antes de saber escrever
com a intenção de dar sentido a algo, de comunicar-se com os outros, de interpretar o mundo
em que vivia pela linguagem da arte.
Entre os 25.000 anos e os últimos 1400 anos, a história da arte não é uma evolução do
primitivo para o sofisticado, nem do simples para o complexo, mas uma história das formas
variadas que a imaginação assumiu na pintura, na escultura e na arquitetura.
Ao percorrermos a história, percebemos que todos somos criadores, tendo esse poder
gerador dentro de nós, pronto para ser acessado e, assim, fecundar nosso tempo segundo as
nossas próprias potencialidades criativas.
40
No entanto, o homem, em função do seu mundo, poderá apresentar dificuldades em
acessar tais potencialidades, e nesse sentido, tomamos emprestadas, as palavras de Fischer
(2002), que afirma ser a arte necessária, à medida que a vida do homem se torna mais
complexa e mecanizada, mais dividida em interesses e classes, esquecida do espírito coletivo.
Acrescenta que a função da arte é refundir esse homem, torná-lo de novo e são (p.8),
concluindo, que a arte é o meio indispensável para a união do indivíduo como o todo (p.13).
Etimologicamente, a palavra arte, que em sua origem latina vem de ars, corresponde
ao termo grego techne, técnica, tendo como significado toda espécie de atividade do homem
submetida a regras. Assim, temos o sentido lato, correspondendo a uma habilidade, saber
fazer; e o sentido estrito, como ofício e ciência.
Todavia, disse Picasso certa vez, “A arte não é a aplicação de uma regra de beleza,
mas aquilo que o instinto e o cérebro podem conceber além de qualquer regra” (Coleção
Arte nos Séculos, 1969).
Não existe apenas uma definição sobre o que é arte. Sabemos que a idéia de arte é
construída socialmente, com base em referências históricas, através de teorias e outras
referências sobre a formação escolar e os contextos sócio-culturais. Alguns entendem a arte
sendo ao mesmo tempo, uma atividade, uma forma de expressão e um campo de conhecimento.
(Apud. Peixoto, 2003, p.36).
Somamos a estas reflexões, as contribuições de Pareyson (1997) ao entender a arte
como fazer, como conhecer ou como exprimir. Tais concepções, segundo o autor, ora se
contrapõem e se excluem umas as outras, ora, pelo contrário, aliam-se e se combinam de
várias maneiras, como se pode perceber na trajetória da história da arte na humanidade.
A arte, enquanto fazer, não pode ser vista somente no sentido de executar, pois, várias
atividades humanas têm seu lado executivo e realizativo. Assim, não basta o fazer, para se
definir a arte. Faz-se preciso entendê-la também como invenção. “Ela é um tal fazer que,
enquanto faz, inventa o por fazer e o modo de fazer” (PAREYSON, 1997, p.21-22), sendo
uma atividade que, de forma simultânea e inseparável, articula execução e invenção. Ainda, o
autor acrescenta que a arte é, portanto, um fazer em que o aspecto realizativo é
particularmente intensificado, unido a um aspecto inventivo.
41
Sendo assim, no fazer criativo podem-se articular uma produção, um trabalho e uma
construção, representando a expressão de uma cultura e de sentimentos; uma interpretação;
um conhecimento do mundo.
Confrontamos tais reflexões, com o dizer de Mendes (1972), que com as suas
recorrentes análises sobre a arte, revela-nos: “A Arte é a expressão mais forte de originalidade
de cada cultura. A arte é o fazer que se confunde com o ser, o fazer que é criação, criação do
próprio ser” (p.1).
Sendo assim, a concepção de arte que ora apresentamos, poderá auxiliar na
fundamentação de uma proposta de ensino e aprendizagem que se direciona para uma
articulação do fazer, do representar e do exprimir.
Portanto, o fazer artístico através da criação, representa uma forma de mobilização de
ações que resultam em construções de formas novas, a partir da natureza e da cultura, sendo,
também, resultado de expressões imaginativas, provenientes de sínteses emocionais e
cognitivas.
Ortega Y Gasset (1883-1955), pensador espanhol, filósofo, jornalista e ativista
político, dedicou parte de suas reflexões, de uma forma irreverente, aos estudos no campo das
artes, ao escrever sobre a desumanização da arte, um ensaio publicado em 1925.
Os seus apontamentos representam, para esse estudo, uma tentativa de olharmos em
direção a História da arte, ampliando a nossa capacidade de entendimento.
Dessa forma, no primeiro quartel do século passado, envolvido pela fecundidade de
uma sociologia da arte, o autor discutia como a arte artística não era inteligível por todos,
utilizando-se de recursos que não se apresentavam genericamente humanos (2005, p.25).
Embora seja impossível uma arte pura, não há dúvida
alguma de que cabe uma tendência à purificação da arte.
Essa tendência levará a uma eliminação progressiva dos
elementos humanos, demasiadamente humanos, que
dominavam na produção romântica e naturalista E, nesse
42
processo, chegar-se-á a um ponto em que o conteúdo
humano da obra será tão escasso que quase não se verá.
Então teremos um objeto que só pode ser percebido por
quem possua esse dom peculiar da sensibilidade artística.
Seria uma arte para artistas, e não para a massa dos
homens... (Ibid., p.29).
Assim, a arte artística apresentava-se como uma nova arte, que nascia naquele
momento histórico. Um novo estilo que se caracterizava pela desumanização da arte; pela
possibilidade de se evitar as formas vivas; pelo entendimento que a obra de arte é apenas uma
obra de arte; pela possibilidade de considerar a arte como um jogo; por sua apresentação
irônica; além da arte ser vivenciada sem o compromisso com a transcendência (Ibid., p.31).
Frente a este quadro, o autor assevera que, dessa forma, surge a possibilidade de uma
nova sensibilidade estética, caracterizada por sua pluralidade. Tal sensibilidade estética não se
dá apenas nos criadores de arte, mas, também, nas pessoas que são apenas o público, ou seja,
as pessoas capazes de perceber valores artísticos.
Em direção a esse mote, a nova arte permitiu com que o ser humano criador pudesse se
descomprometer com a realidade percebida, ousando ir contra ela, ou seja, sendo capaz de
deformá-la, de desumanizá-la.
Percebemos que as contribuições orteguianas sustentadas no início do século passado
e caracterizadas por uma forte carga de sensibilidade e ousadia, representam a possibilidade
de ampliação dos cristalizados olhares humanos, frente aos divergentes sentidos que a arte,
historicamente, foi construindo.
Não é este olhar, que nós educadores deveremos ter, se desejamos que a arte
ressignifique as ações humanas?
Lembramos, mais uma vez, de Paulo Freire (1985a), ao enfatizar a importância da
criatividade na formação do homem:
43
Na verdade, quanto mais se ‘embrutece’ a capacidade
inventiva e criadora do educando, tanto mais ele é
apenas disciplinado para receber ‘respostas’ a
perguntas que não foram feitas (p.53).
Trazemos mais um interlocutor para esta tessitura - Herbert Read, inglês e profundo
estudioso sobre a arte e a educação do século XX (1893-1968). Este autor defende a tese do
valor da arte como meio educativo (p.15), acreditando, juntamente com Platão, que “a arte
deve ser a base da educação” (p.1), traz um olhar filosófico e psicológico em seus estudos
sobre o tema e a compreende sobre dois pilares: um princípio da forma, oriunda do mundo
orgânico e do aspecto objetivo universal de todas as obras de arte, e um princípio de criação
peculiar à mente humana, que impele o homem a criar e a apreciar a criação de símbolos,
fantasias e mitos que assumem uma existência objetiva universalmente válida apenas em
virtude do princípio da forma. Nessa perspectiva, a forma é uma função da percepção e a
criação é uma função da imaginação. Essas duas atividades mentais exaurem, em sua
interação dialética, todos os aspectos psíquicos da experiência estética, além de incluir outros
aspectos como os biológicos, os sociais e os educacionais (p.36).
Read (2001) considera que sua tese não é original, uma vez que tem sua origem nas
reflexões filosóficas de Platão, sobre a arte, muitos séculos atrás, as quais, segundo ele, nunca
foram levadas a sério por seus seguidores, que não as tornaram exeqüíveis.
Uma vez que as questões basilares desta pesquisa referem-se à vivência da arte no
Curso de Formação de professores, que se compõem de jovens, são importantes as
contribuições de Read, sobre as modificações dos modos estéticos de expressão que podem
ocorrer durante a fase da adolescência.
O autor admite que, normalmente, uma profunda mudança ocorre na criança por
volta dos 11 anos de idade, mudança nos processos mentais, que têm efeitos profundos em
seus modos de expressão, ocasionando, quase sempre, o desuso desses modos estéticos de
expressão, sem contar as mudanças de natureza psicológica, que, também, ocorrem nessa
fase.
44
Mas pressupor que os modos de expressão visuais ou
plásticos (imagistas) são conseqüentemente eliminados,
significa incorrer em petição de princípio. Eles podem
exibir uma tendência a desaparecer, mas, talvez, seja
essa tendência que nossos métodos educacionais
deveriam se opor, preservando não apenas a funções da
imaginação, mas, também, a unidade de
percepção,
mais necessariamente essencial: não apenas o
intercâmbio continuamente vitalizador entre a mente e
os eventos concretos do mundo natural, mas, também,
a contínua alimentação da psique do indivíduo a partir
dos níveis mais profundos da mente (READ, 2001,
p.184).
O autor, ainda acrescenta que, se a arte é tão variada quanto a natureza humana, pode
ser preservado um modo de expressão estética por todos os indivíduos após os 11 anos de
idade, bem como durante toda a adolescência em geral e além dela – se estamos preparados
para sacrificar, até certo ponto, aquela devoção exclusiva à aprendizagem dos modos
lógicos de pensamento que caracterizam nosso atual sistema educacional (p.185).
A arte da criança declina depois da idade de 11anos
porque é atacada por todos os lados – não apenas
excluída dos currículos, mas, também, da mente, pelas
atividades lógicas que chamamos de aritmética e
geometria, física e química, história e geografia, e até a
literatura da maneira como é ensinada. O preço que
pagamos pela distorção da mente adolescente é
altíssimo: uma civilização de objetos hediondos e seres
humanos disformes, de mentes doentes e lares infelizes,
de sociedades divididas e equipadas, com armas de
destruição em massa. Alimentamos esses processos de
dissolução com nosso conhecimento e nossa ciência,
com nossas invenções e descobertas, e nosso sistema
educacional tenta manter-se no ritmo do holocausto;
mas as atividades criativas que poderiam sanar a mente
e tornar belo nosso meio ambiente, unir o homem com a
natureza e nações, nós as descartamos como se fossem
fúteis, irrelevantes e vazias (Ibid., p.185).
45
Tais reflexões sustentadas teoricamente há mais de meio século, vêm reafirmar os
objetivos defendidos por esta pesquisa que propõe estimular os (as) jovens a desafiarem
suas mentes e seus sentimentos, no sentido de exercitarem criativa e plenamente suas
formas únicas e singulares de expressão.
Os fios da tessitura desenvolvida por Read, posteriormente, ampliar-se-ão,
entrelaçando-se às linguagens expressivas criativas dos educandos, na medida em que as suas
reflexões teóricas iluminam questões como: a criatividade; a relação entre a arte e o intelecto;
a expressão como comunicação e como uma atividade social.
Na trilha de Read, situa-se Viktor Lowenfeld (1970), afirmando que o processo
educativo deverá ter, como parte mais importante, o desenvolvimento da sensibilidade
perceptual, pois quanto maior for a oportunidade para desenvolver uma crescente
sensibilidade e maior conscientização de todos os sentidos, maior será também a oportunidade
de aprendizagem.
Os autores com os quais começamos a enlaçar os fios da arte vêm ressaltar a estreita
relação entre arte, educação, aprendizagem, ou seja, o valor pedagógico da arte no sentido de
conhecimento, de expressão de sentimentos/emoções, de comunicação, de sensibilidade
perceptual, de interação do homem com o seu mundo, além do seu potencial para a criação.
Buscamos ressonâncias com Ostrower (1987, p.224), artista e educadora, ao dedicar os
seus estudos teóricos e práticos a respeito da Criatividade e Processos de Criação, admite que
todos os seres nascem com potencialidades sensíveis, e nos convida a pensar que:
A capacidade de criar formas expressivas contém um
forte componente afetivo. Para criar, é preciso dar-se de
corpo e alma, integrar a matéria em questão, identificarse com ela a fim de poder sondar as possibilidades de
configurá-la em no desdobramentos formais.
A autora ainda acrescenta que: “o potencial criador elabora-se nos múltiplos níveis do
ser sensível-cultural-consciente do homem, e se faz presente nos múltiplos caminhos em que o
homem procura captar-se e configurar as realidades da vida”.
46
Para Ostrower a arte é uma necessidade espiritual do ser humano, tendo como prova
disso o fato irrefutável de todas as culturas na história da humanidade, desde os tempos mais
longínquos até a atualidade, terem criado obras de arte, em pintura, em escultura, em música,
em dança como forma de expressão da essencial realidade de seu viver.
As formas de arte representam a única via de
acesso a este mundo interior de sentimentos,
reflexões e valores de vida, a única maneira de
expressá-los e também de comunicá-los aos outros.
E sempre as pessoas entenderam perfeitamente o que
lhes fora comunicado através da arte (Ibid. p.25).
Estabelecemos diálogos com Vygotsky (1999; 2001, 2003b) por representar um
fecundo interlocutor em nossas reflexões sobre a arte, sustentando que a atividade criadora é
toda realização de algo novo, tratando-se de reflexos de algum objeto do mundo exterior, de
determinadas construções do cérebro ou dos sentimentos que vivem e se manifestam no
próprio ser humano (2001, p.7).
Além destas reflexões, Vygotsky, em sua obra - Psicologia da Arte (2001, p, 321)
enfatiza que:
Não é por acaso que, desde a Antiguidade, a arte tem
sido considerada como um meio e um recurso da
educação, isto é, como certa modificação duradoura do
nosso comportamento e do nosso organismo. Tudo de
que trata esse capítulo – todo o valor aplicado da arte,
acaba por reduzir-se ao seu efeito educativo, e todos os
autores que percebem uma afinidade entre a pedagogia
e a arte, e, vêem inesperadamente o seu pensamento
confirmado pela análise psicológica.
.
47
Percebemos o sentido educativo da arte e a prática a ela relacionada sugerido pelo
autor em seus estudos, o qual sustenta que a arte é trabalho do pensamento, mas de um
pensamento emocional inteiramente específico, considerando que ainda não foi elucidado
devidamente Uma vez que nos limitamos somente à análise dos processos que ocorrem na
consciência, dificilmente encontraremos respostas para as questões mais fundamentais da
psicologia da arte. Não saberemos em que consiste a essência da emoção, que, para ser
entendida, precisa ir além do consciente (p.57).
Não é necessária uma perspicácia psicológica especial
para perceber que as causas mais imediatas do efeito
artístico estão ocultas no inconsciente, e que só
penetrando nesse campo conseguiremos estudar de perto
os problemas da arte (Ibid., p.81).
Dessa forma, além de Vygotsky (1988, 1999, 2001, 2003 a, 2003 b) fortalecemo-nos
em Baquero (1998), quando estes dois teóricos refletem sobre a linguagem, como
constituidora do sujeito, ou seja, a arte potencializando a linguagem como instrumento do
pensamento. Afirmam que, quando o indivíduo se apropria da cultura e da linguagem, ele se
auto-organiza, uma vez que elas são dinâmicas, possuem movimento e não se cristalizam.
De acordo com Vygotsky (2001), a arte, como forma de expressão da linguagem,14
tem a função de signo15, fazendo a mediação do homem com o mundo e servindo como
instrumento de transformação e de desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. A
arte pode clarear o pensamento, reorganizando internamente o ser humano, pois na construção
de seu espaço interno, é possível a criação de uma consciência de si, o que, posteriormente,
também foi sustentado por Mendes (1972;1973).
14
Vygotsky entende a linguagem enquanto um signo mediador e transformador por excelência.
É um instrumento psicológico, com materialidade simbólica, com função de desenvolvimento e tem marca
cultural. É um meio de comunicação, de conexão de certas funções psíquicas de caráter social. É um meio de
união das funções em nós mesmos, além de ter uma função representativa.
15
48
Vygotsky (2001), ao defender a concepção histórico-cultural de desenvolvimento e
aprendizagem, sustenta que, além da função de comunicação, a linguagem é constitutiva do
pensamento - à medida que o torna signo - exercendo a função mediadora entre sujeito e
objeto, organizando a realidade, a ação e o comportamento humanos. Nesse enfoque,
Vygotsky atribui importância à linguagem no processo de internalização, que, por sua vez,
cria a consciência.
Assim, a linguagem parece desempenhar o duplo papel em: reconstruir internamente
os Processos Psicológicos Superiores (PPS) e identificar-se como instrumento de mediação na
interiorização deles.
Neste ponto, retomamos Ostrower (1996) que em seus estudos a respeito dos
processos de criação, sustenta que a sensibilidade variável de cada um, na estrutura única de
uma individualidade juntamente com a imaginação e a linguagem adquirem formas pessoais e
subjetivas. “Daí, não se conclui que a linguagem em si seja subjetiva. Ela é objetivada como
ordenação essencial de uma materialidade. Essa objetivação da linguagem pela matéria
constitui um referencial básico para a comunicação (p.37)”.
No diálogo que trazemos de Vygosky e Ostrower sobre a questão da linguagem,
inferimos que a mediação defendida por Vygotsky, far-se-ia através da objetivação da
linguagem pela matéria, ou seja, a matéria objetivando a linguagem.
Sobre o seu estudo específico a respeito da psicologia da arte, Vygotsky (2001)
afirma que “a arte é apenas uma linguagem do sentimento que temos de avaliar em função do
que dizemos sobre ela” (p.304). Além disso, há vários sentidos da arte, tais como: o
psicológico, o social e o pedagógico. O primeiro compreende a relação entre os estados de
sentimento, de emoção, de inconsciência e de consciência do homem, afetados pela
apreciação ou pela realização de alguma obra de arte. Em relação ao sentido social da arte,
afirma que a arte é o social em nós, ressaltando que “o social existe até onde há apenas um
homem e as suas emoções pessoais” (p.315), afirmando que, quando a arte mexe com as
emoções mais íntimas do indivíduo o seu efeito é social nos sentimentos humanos. Em
relação ao sentido pedagógico da arte, mostra que a crítica da obra de arte tem força social
basilar, e sua função consiste em servir de mecanismo transmissor entre arte e sociedade
(p.321).
49
O nosso interlocutor russo, ao se referir às atividades mentais, focaliza que:
O cérebro humano não se limita a ser um órgão capaz
de conservar ou reproduzir nossas experiências
passadas, é também um órgão combinador, criador,
capaz de reelaborar e criar com elementos de
experiências passadas novas normas e planejamentos...
É precisamente a atividade criadora do homem que o faz
um ser projetado para o futuro, um ser que contribui no
criar e que modifica seu presente (VYGOTSKY, 2003,
p.9).
Sobre a relação da imaginação com a realidade, Vygotsky (2003), em sua obra - La
imaginación y el arte em la Infância - traz quatro formas que articulam a atividade
imaginadora com a realidade. A primeira forma “consiste no fato de que toda elocubração
se compõe sempre de elementos tomados da realidade, ou seja, extraídos da experiência
anterior”. Assim, a imaginação sempre vem da experiência, constrói-se com materiais
tomados do mundo real, podendo criar novos graus de combinações, mesclando elementos
reais, combinando imagens da fantasia (Ibid., p.17).
A segunda das formas de vinculação entre a função imaginativa e a realidade, é
considerada mais complexa. Se no primeiro caso a imaginação se apóia na experiência, no
segundo caso é a experiência que se apóia na fantasia, pois, se não se imaginar, por
exemplo, o quadro da Revolução Francesa ou do deserto de Saara, não se poderia de forma
alguma criar a imagem desses quadros, segundo Vygotsky.
Seguindo este raciocínio, a terceira das formas é o enlace emocional que se
manifesta de duas maneiras: por um lado, todo sentimento, toda emoção tende a
manifestar-se em determinadas imagens concordantes com ela, como se a emoção pudesse
eleger impressões, idéias, imagens congruentes com o estado de ânimo que nos dominasse
naquele instante.
50
E, por último, a quarta das formas de relação entre fantasia e realidade, consiste em
que o edifício erigido pela fantasia pode representar algo completamente novo, não
existente na experiência do homem, nem semelhante a nenhum outro objeto real, como é o
caso das invenções. Resultado da imaginação combinatória do homem, sendo, que esta
forma, não se ajusta a nenhum modelo existente na natureza.
Dessa forma, entendendo que o cérebro é um órgão criador capaz de possibilitar com
que o ser humano, em suas atividades de criação, invente o futuro, Vygotsky (2001, p.325)
ainda sublinha:
É provável que os futuros estudos mostrem que o ato
artístico não é um ato místico celestial da nossa alma,
mas um ato tão real quanto todos os outros
movimentos do nosso ser, só que, por sua
complexidade, superior a todos os demais.
A citação vygotskyana nos estimula para um futuro que acreditamos já se constrói nos
espaços escolares, (e por que não, em espaços educativos em geral?) - a materialização de
práticas reais e de profundidade, que lancem mão da arte, em suas diferentes linguagens
expressivas, de maneira significativa e articulada a um pensar complexo, possibilitando
atingir as nossas raízes e as nossas asas enquanto seres humanos.
Para arrematar as nossas reflexões sobre a arte, não poderíamos deixar de iluminar
essa tessitura com o olhar antropológico trazido por Clifford Geertz. Este autor sustenta que é
difícil falar de arte, uma vez que ela parece existir em um mundo próprio, que o discurso não
pode alcançar, mesmo quando se trata das artes literárias, que utilizam algo concreto como a
palavra. (GEERTZ, 2001, p.142).
A ‘arte’, diz meu dicionário, que por sinal é
apropriadamente medíocre, é ‘a produção consciente, ou
51
arranjo de cores, formas, movimentos, sons ou outros
elementos de uma forma que toca o sentido de beleza’,
uma maneira de expressar que parece sugerir que os
homens nascem com o poder de apreciar, como nascem
com o poder de entender piadas e só precisam que se
lhes dê ocasiões para exercitar esse poder (Ibid., p.178).
Em seus ensaios sobre a antropologia interpretativa, estimula-nos a pensar a respeito
da arte como manifestação de sentidos e significados que as coisas têm para a vida a seu
redor.
Para Geertz o processo de atribuir à produção de arte um significado cultural é sempre
um processo local, e, além disso, tentar sentir o processo de produção da arte é explorar uma
sensibilidade, que é, essencialmente, uma formação coletiva, “e as bases de tal formação são
tão amplas e tão profundas como a própria vida social” (2001, p.149).
Os discursos sobre arte que não sejam meramente
técnicos ou espiritualizações do técnico – ou pelo menos
a maioria deles – têm, como uma e suas funções
principais, buscar um lugar para a arte no contexto das
demais expressões dos objetivos humanos, e dos modelos
de vida a que essas expressões, em seu conjunto, dão
sustentação. (Ibid., p.146).
Entendemos que, esse olhar antropológico sustentado por Geertz, enfatizando a
dinâmica e força dos saberes e práticas locais, vem ao encontro da nossa proposta de pesquisa
sobre a arte, no cotidiano da formação de educadores, pois consideramos que a força da
expressão estética existe em cada ser, não se reduzindo a apenas um pequeno grupo de
“eleitos”.
52
•
As cores da Vivência/Experiência
Entre idas/ vindas, entre fazeres/des-fazeres em um compasso/ritmo que vai da
educação à arte e da arte à educação, fios vão costurando ambiências, tecendo detalhes,
colorindo o pano de fundo da Oficina de criação. Mas, criar ambiências nos lembra Vivências,
nos lembra Experiências.
Entendemos Vivência, como um saber do todo através da experiência das partes que
possibilitem encontros com o próprio potencial, considerando o ser em suas múltiplas formas
de expressão. Uma vivência ou uma experiência possibilita um aprendizado circular,
integrando as funções psíquicas: pensamento, sentimento, sensação e intuição, articulados em
um todo expressivo do ser. Elas favorecem a inclusão do sujeito no processo de globalização
de sua interiorização/exteriorização, proporcionando tomar consciência do todo, possível,
através da ação, ou seja, um perceber-se em ação.
Assim, incluímos as considerações de Larrosa (2002), na tentativa de ampliar a idéia
de Experiência, sem cair na sedução por definições, que poderão, de forma um tanto
cartesiana e linear, aprisionar a idéia que nos move.
Pensar no significado da experiência, leva-nos a diferenciá-la de experimentação. Para
tanto, Larrosa16poderá ser um aliado nas reflexões/instigações.
Segundo esse autor, experiência, em espanhol, é “o que nos passa”. Em português,
experiência é “o que nos acontece”, assim, pode ser o que nos passa, o que nos acontece e
também o que nos toca. Continuando sua análise, distingue experiência de informação, sendo
que, ao contrário, a informação não deixa lugar para a experiência, é quase uma antiexperiência. Por outro lado, sustenta que por excesso de opinião, a experiência tem se tornado
rara, também por falta de tempo e pelo excesso de trabalho.
Sobre tal questão, Ostrower (1987) complementa que o nível de especializações que o
trabalho capitalista exige na atualidade, através de sua tecnologia, do adestramento técnico,
secundarizando no indivíduo a sua sensibilidade e a inteligência espontânea do seu fazer, têm
16
LARROSA, Jorge Bondía. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. RJ: Revista Brasileira de
Educação. Jan/ Fev/ Mar/Abr, n.19, 2002.
53
comprometido o aspecto imaginativo da criação humana – a superespecialização carece de
qualificações criativas, excluindo do viver o vivenciar (p.38-39).
Assim, torna-se relevante diferenciar experiência de experimentação. Herdamos da
ciência moderna, sustentada pelo paradigma cartesiano, a conversão da experiência enquanto
método objetivo, como um experimento, um caminho seguro e previsível, o que Larrosa
(2002, p.28) adverte: “A experiência já não é o que nos acontece e o modo como lhe
atribuímos ou não um sentido, mas o modo como o mundo nos mostra sua cara legível”.
Esse autor ainda traz ricas diferenciações entre experimento e experiência, quando
acrescenta que um experimento é genérico, sua lógica produz acordo, consenso,
homogeneidade, além de ser repetível, preditível e previsível, enquanto a experiência é
singular, sua lógica produz diferença, heterogeneidade, pluralidade, sendo irrepetível e dotada
de uma dimensão de incerteza que não pode ser reduzida.
Enfim:
a experiência não é um caminho até um objetivo
previsto, até uma meta que se conhece de antemão,
uma abertura para o desconhecido, para o que não
se pode antecipar nem ‘pré-ver’ nem ‘pre-dizer’
(Ibid., p.28).
As reflexões sustentadas por Larrosa possibilitam um fecundo diálogo sobre a questão
das Vivências com arte.
Assim, entendemos que uma Vivência Pedagógica, ou dizendo de outra forma, uma
Pedagogia Vivencial17, representa aquilo que nos toca e, para que sejamos tocados, se faz
necessário que seja algo criativo que, articule todos os nossos sentidos, através de linguagens
expressivas, e, também, unifique nossas funções psíquicas: pensamento, sentimento, sensação
e intuição.
17
Para maior aprofundamento ver BYINGTON, Carlos Amadeu B. Pedagogia simbólica: a construção amorosa
do conhecimento de ser. RJ: Record: Rosa dos Ventos, 1996.
54
Outrossim, uma vivência pedagógica se traduz em imprevisibilidade, singularidade,
originalidade, pluralidade, diferença, inclusão, incerteza, permitindo abertura para o
inusitado/desconhecido, para aquilo que, muitas vezes, nossos olhos não são capazes de ver.
Para tanto, exige uma lógica diferente a que estamos acostumados. Precisamos de ousadia, de
criatividade para romper com o tempo cronológico, cartesiano e com os espaços excludentes
que nos impõem lógicas reducionistas, pois, acreditamos com Ostrower (1987) que criar
representa uma intensificação do viver, um vivenciar-se no fazer (p.28).
Enfim, a partir da compreensão e da prática aguçada acerca do valor das vivências
pedagógicas, sustentamos a nossa tese - será possível trazer, para o espaço escolar, uma vida
pulsante, um pulsar de práticas que, pela sua poesia, valha a pena ser vivida?!
Foram as minhas próprias vivências com a arte, que me possibilitaram ir às raízes que
me entrelaçaram nas artes de fazer, ressignificando o meu existir pedagógico, permitindo-me
sempre muitas indagações: Por que a busca por experiências divergentes, plurais, abertas para
o desconhecido, indo além daquilo que os meus olhos vêem?
Dizendo de outra maneira, por que sou movida pelo processo de criar que possibilita
abrir os meus canais de sensibilidade e o dos educandos?
Voltando à epígrafe, dessa 2ª Cena, ainda argumento: Tudo isso, não representa o
sentimento de que somos um fio criativo, nesta grande teia que se chama Vida?
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3ª CENA: NA TELA, AS CORES QUE NOS ENREDAM: DAS
CRISES, AOS FIOS DA COMPLEXIDADE
Como o futuro é absolutamente incerto, é
preciso pensar com a incerteza, mas não a
incerteza absoluta, porque navegamos num
oceano de incerteza através de arquipélagos
de certezas locais (MORIN, 1999).
Trazer uma citação de Edgar Morin (1999), como epígrafe para esse 3º cenário, não
significa perder de vista as categorias conflito /contradição que, como educadora, de olho na
realidade social, instiga-me à busca de caminhos que problematizem questões desafiadoras e
comprometidas com discussões do ser humano, principalmente em um momento em que a
lógica capitalista o tem reduzido ao mínimo.
•
Algumas cores não luminosas da crise
Pretendemos aqui, inicialmente, alguns matizes do momento atual, através da
análise do contexto em que estamos imersos, que, conseqüentemente, têm influenciado a
todos nós educadores que visceralmente estamos mergulhados no cotidiano da escola
brasileira.
As reflexões que nos assaltam, fruto da crise multidimensional que nos constrange,
sugerem-nos indagar: que formas de pensar, sentir e agir, ou seja, que produções de
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subjetividades estão sendo construídas por essa sociedade, cuja lógica se encontra instalada
no paradigma hegemônico que, em nome do capital, tem esquecido do próprio ser humano,
ou melhor, quando este tem sido reduzido a um mero cliente?
Para nós educadores, frente aos cotidianos, a tarefa não tem se apresentado de modo
fácil. Sabemos que a história se constrói dialeticamente, entre permanentes avanços e
recuos. Acreditamos que encontraremos saídas/pistas, se abrirmos mão dos trilhos
dogmáticos impostos, buscando novas trilhas, no coletivo e em solidariedade com o outro,
nosso companheiro de jornada.
A sociedade atual, marcada pelos ditames do capital, tem estimulado a criação de
valores e virtudes descartáveis/diversificadas, o planejamento e ganhos de curto prazo, a
capacidade de se movimentar com rapidez em respostas às mudanças do mercado ou do
planejamento, além da perda de perspectiva futura:
A dinâmica de uma sociedade do ‘descarte’ (...)
começou a ficar evidente durante os anos 60. Ela
significa mais do que jogar fora bens produzidos,
criando um monumental problema sobre o que fazer
com o lixo; significa também ser capaz de atirar fora
valores, estilos de vida, relacionamentos saudáveis,
apego às coisas, etc. (...). Por intermédio desses
mecanismos (altamente eficazes da perspectiva da
aceleração do giro de bens de consumo) as pessoas
foram forçadas a lidar com a descartabilidade, a
novidade, as perspectivas da absolencência
instantânea (HARVEY, 1992, p.258).
Nesse clima ideológico, são construídos novos sistemas de signos e imagens, que
surgem com o objetivo de manipular o gosto e a opinião de pessoas que são destituídas de
um senso crítico apurado. As imagens tornam-se mercadorias, transformando-se em
sistemas de produção e comercialização, que refletem uma verdadeira tirania de imagens,
através de uma acumulação de espetáculos a serem consumidos sem critério valorativo. Se
por um lado produzem-se imagens efêmeras, por outro, produzem-se para o povo, imagens
estáveis cercadas de autoridade e poder. Acrescenta, ainda, Harvey:
57
A imagem se torna importantíssima na concorrência,
não somente em torno do reconhecimento da marca,
como em termos de diversas associações com esta
‘respeitabilidade, qualidade, prestígio, confiabilidade e
inovação’. A competição no mercado da construção de
imagens passa a ser um aspecto vital da concorrência
entre as empresas. O sucesso é tão claramente lucrativo
que o investimento da construção da imagem
(patrocínio das artes, exposições, produções televisivas
e novos prédios, bem como marketing direto) se torna
tão importante quanto o investimento em novas fábricas
e maquinarias (Ibid., p.260).
Produz-se uma subjetividade, na qual o importante não é nem o Ser nem somente o
Ter, mas o Parecer Ter, valorizando a performance, e a vida passa a significar o adquirir
uma imagem competente, confiável, pós-moderna através da compra de um sistema de
signos, como etiquetas de moda, marcas de carro, discursos e saberes “progressistas”, entre
tantas outras imagens criadas. Assim, cria-se a desconstrução, afirmando a imagem pela
imagem, e a sua produção especializa-se na aceleração do tempo e do espaço que se reduz,
tornando-se ínfimo e efêmero. Tempo e espaço desaparecem como dimensões significativas
para os seres humanos, entrelaçando-se no mesmo espaço e no mesmo tempo diferentes
mundos, mesmo que dentro de uma precariedade.
Os espaços urbanos se constroem como uma pluralidade de estilos múltiplos e
diversificados que coexistem, interpenetram-se e colidem, e as cidades passam a ser signos e
imagens, na qual tudo é fragmentado, instantâneo e volátil.
As reflexões nos fazem deduzir que, foi no plano ético, que as conseqüências foram
mais profundamente perversas, atingindo o ser humano, as suas relações sociais, a sua
integridade e a sua dignidade.
Reafirmando estas proposições em seu diagnóstico sobre a contemporaneidade,
Richard Sennett (2000), ao analisar as conseqüências do sistema econômico para a formação
ética, argumenta que o ambiente de trabalho moderno traz a corrosão do caráter humano.
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Aponta que a experiência do tempo é a marca maior do novo capitalismo, superando,
inclusive, a questão das novas tecnologias.
Segundo o autor, ¨o curto prazo¨ é a nova maneira de organizar o tempo.
A
expectativa de retorno rápido dos investimentos caracteriza, não apenas o setor financeiro,
mas, sobretudo, os investimentos subjetivos. Sennett analisa, especialmente, o mundo do
trabalho, mas parece justo e adequado expandir suas idéias para o campo da educação, no
qual, hoje, impera aquilo que é passageiro, efêmero, descartável. Como se situa a formação
inicial e continuada dos profissionais de ensino dentro desta lógica que impera o “curto
prazo”? Quais os reais objetivos dessas formações? A quem elas servem e têm servido?
Ainda, segundo Sennett, a categoria flexibilidade se sustenta na insegurança, fazendo
com que o indivíduo ceda diante das novas formas de pressão/opressão que se exercem
sobre ele. Valores como fidelidade, compromisso e confiança, que eram a espinha dorsal
dos relacionamentos organizacionais, cedem lugar ao individualismo, a competição e
conflitos de várias ordens. O trabalho já não existe para servir à família, ao contrário, o
afasta dela, conseqüência natural da vida flexível, descartável, do “ficar sem compromisso”,
das relações superficiais definidas pelas regras de mercado, da lei da oferta e da procura,
que muda ferozmente. As constantes mudanças põem em risco valores éticos e morais, pois
não há certo ou errado, não há parâmetro para conduzir o trabalho de forma correta.
O mais cruel de tudo é tornar os trabalhadores descartáveis, uma vez que as relações
não têm necessariamente que criar vínculos. Percebemos que essa flexibilidade
caracterizada por formas alternativas de trabalho descartável atingiu até mesmo o espaço
universitário, enquanto lócus de ensino, pesquisa e extensão.
Esses são os labirintos do capital que, no seu limite, penetram pelos caminhos da
violência direta e da fragmentação do ser humano.
Nesta linha de argumentações, acrescentamos, no sentido de ampliar e responder às
questões instigantes referendadas por Richard Sennet, as interlocuções de Sygmunt Baumam,
de origem polaca, professor emérito de sociologia das Universidades de Leeds e de Varsóvia.
Este autor tem orientado suas reflexões para áreas de estudo como: Modernidade, PósModernidade e Globalização, temas que, mundialmente, são vivenciados por todos nós.
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Sobre a questão da Modernidade, Bauman analisa como ocorreu a passagem da
chamada Modernidade “sólida”, na perspectiva da teoria clássica, para a nova Modernidade
“líquida”, característica da contemporaneidade. Tal transição muda profundamente o
significado de categorias como: emancipação, individualidade, tempo/espaço, trabalho e
comunidade.
Este autor sustenta que a Modernidade pesada ou sólida era impregnada da tendência
ao totalitarismo, sendo inimiga da contingência, da variedade, da ambigüidade, da
idiossincrasia.
Entre os principais ícones dessa modernidade estavam a
fábrica fordista, que reduzia as atividades humanas a
movimentos simples, rotineiros e predeterminados, a
serem obedientes e mecanicamente seguidos, sem
envolver as faculdades mentais e excluindo toda
espontaneidade e iniciativa individual
(BAUMAN, 2001, p.33-34).
No entanto, de uma forma travestida de nova, a modernidade vai assumindo uma outra
feição, de condensada passa à fluida/ líquida, não deixando, no fundo, de ser moderna, ao
manter sua característica compulsiva, obsessiva e incompleta de modernização, a sua
insaciável sede de destruição criativa, que em nome de maior produtividade e competitividade
é capaz de reduzir e de desmantelar (Ibid., p.36).
Se a modernidade original era pesada no alto, a
modernidade de hoje é leve no alto, tendo se livrado dos
seus deveres ‘emancipatórios’, exceto o dever de ceder a
questão da emancipação às camadas média e inferior, às
quais foi relegada a maior parte do peso da
modernização contínua (Ibid., p.38).
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Bauman acrescenta que duas características fazem a nossa modernidade atual
apresentar-se de forma nova e diferente. A primeira característica diz respeito à descrença
sobre a possibilidade da sociedade chegar a um estado futuro de perfeição, de justiça, de
ordem, de satisfação das necessidades humanas e a segunda é a desregulamentação e
privatização das tarefas e deveres modernizantes, colocando no indivíduo a plena
responsabilidade pelo seu aperfeiçoamento e por sua própria vida, ficando cada um entregue a
si mesmo.
A partir de tal lógica, ser moderno, hoje, significa a capacidade de mover-se
continuamente em busca de uma insaciável satisfação que, por sua vez, é impossível de ser
atingida porque está sempre no futuro.
Tal reflexão nos estimula a pensar que a lógica posta não tem permitido o ser humano
viver, potencialmente, o tempo presente, que representa a sede do corpo, do pulsar, da
respiração – lugar da CRIAÇÃO.
Lançar-se no movimento acelerado da modernidade faz desconectar o ser humano do
seu corpo, das suas reais sensações, projetando indivíduos ansiosos por um futuro – lugar de
PROJETOS NÃO REALIZADOS.
Projetados para um futuro, a compulsão por escolhas torna-se um vício e os indivíduos
consumidores se vêm diante de um mundo com infinitas possibilidades, destruindo a
capacidade de se chegar à satisfação.
Retomando os fios sobre individualidade, o mesmo autor complementa que a
apresentação dos membros como indivíduos é a marca registrada da sociedade moderna.
A sociedade moderna existe em sua atividade incessante
de ‘individualização’, assim como as atividades dos
indivíduos consistem na reformulação e renegociação
diárias da rede de entrelaçamentos chamada
‘sociedade’. Nenhum dos dois parceiros fica parado por
muito tempo. E assim o significado da ‘individualização’
muda, assumindo sempre novas formas (Ibid., p.39).
61
Assim, a mudança de significado de individualização, sugere, atualmente, novos
entendimentos, apresentando este processo como uma história em curso e infindável, em lugar
de um destino predeterminado. Para o autor, a individualização consiste em transformar a
identidade humana de um “dado” em uma “tarefa” e encarregar os atores da responsabilidade
de realizar essa tarefa e das conseqüências de sua realização. Nessa ótica, os seres humanos
não nascem em suas identidades, precisam tornar-se o que já se é.
Frente à construção de uma individualização cuja responsabilidade única se colocava
nas mãos do próprio indivíduo, cabe apenas a ele conformar-se, de imitar, de seguir o padrão,
de não se desviar da norma.
De acordo com estas reflexões, os estamentos, lugares pertencidos por hereditariedade,
passam a ser substituídos pelas classes, como objetivo de pertencimento fabricado, devendo,
também, ser buscado e renovado continuamente, reforçando a premissa que ser moderno,
significa mover-se constantemente.
Pode-se dizer que a divisão em classes (ou em gênero)
foi um resultado secundário do acesso desigual aos
recursos necessários para tornar a auto-afirmação
eficaz... As pessoas com menos recursos e, portanto, com
menos escolhas, tinham que compensar suas fraquezas
individuais pela ‘força do número’ – cerrando fileiras e
partindo para a ação coletiva... O ‘coletivismo’ foi a
primeira opção de estratégia para aqueles situados na
ponta receptora da individualização mas incapazes de se
auto-afirmar enquanto indivíduos se limitados a seus
próprios recursos individuais claramente inadequados
(Ibid.,p.41- 42) .
Arrematando estas questões, Bauman argumenta que, tanto no estágio leve quanto no
fluido, a individualização é uma fatalidade, não uma escolha, podendo a auto-suficiência de o
indivíduo ser outra ilusão.
62
Desta forma, entendemos que a individualização tem sido construída historicamente,
por forças poderosas que, teimosamente, reduzem a capacidade de pensar a complexidade
vivida, além de fomentarem o não conhecimento e compreensão do ser humano, quanto à sua
própria condição primeira - SER HUMANO.
Como driblar uma sociedade cuja maneira de moldar seus membros é ditada
primeiramente e acima de tudo pelo dever de desempenhar o papel de consumidores? “A
norma que mossa sociedade coloca para seus membros é a da capacidade e vontade de
desempenhar esse papel” (BAUMAN, 1999, p.88). E, ainda acrescenta:
O dilema sobre o qual mais se cogita hoje em dia é se é
necessário consumir para viver ou se o homem vive para
poder consumir. Isto é, se ainda somos capazes e
sentimos a necessidade de distinguir aquele que vive
daquele que consome (Ibid., p.88-89).
Neste viés, a satisfação do consumidor deveria ser instantânea e isso em um duplo
sentido: deveria satisfazer de imediato, sem exigências de habilidades; e deveria esta
satisfação, terminar “num abrir e fechar de olhos”, ou seja, no momento em que o tempo
necessário para o consumo tivesse terminado. E esse tempo deveria ser reduzido ao mínimo.
Bauman discute sobre duas condições humanas: sermos, na realidade, indivíduos de
jure ou de facto. O primeiro significa não ter ninguém a quem culpar pela própria miséria,
significa não procurar as causas das próprias derrotas senão na própria indolência e preguiça,
tendo como o único remédio tentar sempre com determinação. Sobre a segunda condição, de
sermos indivíduos de facto, esta nos levaria a ganhar controle sobre nossos destinos e tomar
as decisões que, em verdade, desejamos. O autor adverte que há um grande abismo entre essas
duas condições, que contaminam a vida dos indivíduos contemporâneos.
Uma vez que as causas das contradições e sofrimentos humanos encontram-se
descoladas do contexto social e reduzidas à individualidade, buscam-se soluções imaginárias,
nas quais os indivíduos atemorizados possam pendurar coletivamente os seus temores. Daí
63
vivermos um tempo dos cadeados, das grades, dos arames farpados, dos condomínios
fechados, dos playgrounds.
Neste ponto de nossa tessitura, buscamos fazer interlocução com Bauman, quanto a
indagações que pontuam o estudo, relativas ao imediatismo/ instantaneidade das vontades/
ações humanas, à insegurança na/da existência e à precariedade das relações afetivas, que têm
marcado de maneira profunda a vida contemporânea de crianças, jovens e adultos da chamada
da modernidade líquida.
Quanto ao imediatismo e à vida instantânea, experimentados de forma ampla na
atualidade, o autor sublinha que as noções de tempo/espaço se flexibilizaram a tal ponto, que
vivemos um tempo que se acelera abruptamente e um espaço que a cada dia se comprime,
apesar não ser mais um obstáculo à vida humana.
O
espaço
tornou-se
‘processado/centrado/organizado/normatizado’ e, acima
de tudo, emancipado das restrições naturais do corpo
humano. Foram, portanto, a capacidade técnica, a sua
velocidade de ação e o seu custo de utilização que a partir
de então ‘organizaram o espaço’... Planejado, o espaço
moderno tinha que ser rígido, sólido, permanente e
inegociável... Sobre esse espaço planejado, territorialurbano-arquitetônico, impôs-se um terceiro espaço
cibernético do mundo humano com o advento da rede
mundial de informática... Doravante, as pessoas não
podem ser separadas por obstáculos físicos ou distâncias
temporais (BAUMAN, 1999, p.24).
Fizeram-nos acreditar que este espaço cibernético impunha a não separação física
entre as pessoas, e que a não distância temporal fosse verdadeira. No entanto, é possível
perceber, frente à proposta da globalização, que grande parte das pessoas sente-se separadas
por obstáculos físicos e temporais.
Dessa forma, a anulação tecnológica das distâncias temporais/espaciais tende a
polarizá-las, em vez de homogeneizar a condição humana, emancipa alguns e confina uma
64
grande parte da sociedade do seu significado e da sua capacidade de doar identidade.(ibid.,
p.25)
Nesta linha de argumentação, nos reportamos à realidade da maioria das escolas
públicas brasileiras, que se encontra distante desse espaço tecnicamente organizado, nos
moldes do espaço cibernético. Sem tal atrativo técnico, dentre desta lógica, o espaço passa a
não ter significado, tornando-se um espaço impotente.
Frente a estas provocações, colocadas pela modernidade fluida, vale indagar: Por que
não aproveitar as brechas, que a falta tecnológica impõe aos espaços escolares, para
potencializar o que a escola tem de mais valioso – O SER HUMANO?
Voltando a questão do imediatismo/ instantaneísmo, Bauman sustenta que no mundo
dos consumidores, a satisfação de quereres voláteis e perecíveis com data de validade, não
dura muito, pois, as possibilidades materiais são infinitas e sedutoras, sendo preciso mover-se,
ou melhor, correr permanentemente em busca de novos objetos para o prazer, busca de novos
exemplos e receitas de vida, projetados para a obsolência imediata.
Assim, fazem-nos acreditar, por um lado, que a felicidade depende unicamente da
competência pessoal de cada um, e, por outro lado, que somos pessoalmente incompetentes
ou não tão competentes como deveríamos e poderíamos ser, se nos esforçássemos mais.
Há muitas áreas em que precisamos ser mais
competentes, e cada uma delas requer uma ‘compra’.
‘Vamos às compras’ pelas habilidades necessárias a
nosso sustento e pelos meios de convencer nossos
possíveis empregadores de que as temos; pelo tipo de
imagem que gostaríamos de vestir e por modos de fazer
com que os outros acreditem que somos o que vestimos;
por maneiras de fazer novos amigos que queremos e de
nos desfazer dos que não mais queremos; pelos meios de
extrair mais satisfação do amor e pelos meios de evitar
nossa ‘dependência’ do parceiro amado ou amante;
pelos modos de obter o amor do amado e o modo menos
custoso de acabar com uma união quando o amor
desapareceu e a relação deixou de agradar; pelo melhor
65
meio de poupar dinheiro para um futuro incerto e o
modo mais conveniente de gastar dinheiro antes de
ganhá-lo (BAUMAN, 2001, p.87-88).
Na linha desta ótica, a escolha racional na era da instantaneidade significa buscar a
gratificação evitando as conseqüências e as responsabilidades que elas podem gerar
(Ibid.,p.148). Assim, na falta de segurança em longo prazo, a “satisfação instantânea” parece
uma estratégia razoável (Ibid., p.185).
Além das questões pontuadas pelo autor, há que considerar que a Globalização tem
sido um paradoxo. Ela tem favorecido com que os mais ricos, economicamente, ganhem
dinheiro mais rápido, deixando de lado ou marginalizando dois terços da população mundial.
A Globalização, com a preocupante polarização do mundo, tem arrastado as economias para a
produção do efêmero, do volátil e do precário e, por sua vez, a indústria atual tem funcionado
cada vez mais para a produção de atrações e tentações humanas.
Dessa forma, tem-se assistido os habitantes locais ficarem excluídos da participação
econômica e social, enquanto experiências emancipatórias.
No mundo globalizante e localizante, a sociedade de consumo é uma sociedade
estratificada. Cada um se situa em função do seu grau de mobilidade, que vai depender de
onde se encontre entre os que estão embaixo ou entre os que situam encima.
Os mundos sedimentados nos dois pólos, no alto e no pé
da nova hierarquia da mobilidade, diferem
acentuadamente; também se tornam cada vez mais
incomunicáveis entre si. Para o Primeiro Mundo, o
mundo dos globalmente móveis, o espaço perdeu sua
qualidade restritiva e é facilmente transposto tanto na
sua versão ‘real’ como na versão ‘virtual’. Para o
segundo mundo, o da ‘localidade amarrada’, daqueles
impedidos de se mover e assim fadados a suportar
passivamente qualquer mudança que afete a localidade
onde estão presos, o espaço real está se fechando
rapidamente (BAUMAN, 1999, p.96).
66
A fotografia trazida pelo autor, ao retratar a dinâmica da sociedade atual, provoca
profundas indagações sobre a formação de jovens, que, vivendo esta cotidianeidade, vêm
construindo uma subjetividade marcada por modos de pensar e de sentir, que se distanciam de
uma construção cidadã e ética, a respeito de si próprio, do outro e do cosmo.
Consideramos o desafio que representa a superação desta problemática, o que nos tem
instigado
a
procurar
trilhas,
através
das
artes,
sensibilizando
os
jovens
a
ampliar sua capacidade de pensar e sentir, no sentido de que ações reflexivas e singulares,
possam fazer um contraponto ao instituído. Sentir-se um produtor/criador e, não apenas, um
consumidor, que seja capaz de adiar, conscientemente, sua satisfação, exige ações e práticas,
bem sabemos, nada fáceis de serem realizadas!
Somam-se aos apelos do consumo, do imediatismo, da instantaneidade e do curto
prazo da modernidade “leve”, à insegurança. Correndo em busca de sensações táteis, visuais
ou olfativas, que chamaríamos de superficiais, os consumidores tentam escapar da agonia
chamada de insegurança. Desejam estar livres do medo, do erro ou da incompetência. Ao
consumirem e ao viverem tais sensações, sentem-se seguros, confiantes. “A admirável virtude
dos objetos que encontram quando vão às compras é que eles trazem consigo (ou parecem
por algum tempo) a promessa de segurança (Ibid. p.96).
Bauman, em sua provocativa análise, ainda discute sobre a precariedade dos laços
afetivos que, pela lógica imposta, pretende substituir a política de vida “até que a morte nos
separe”, por “enquanto durar a satisfação”. Dessa forma, os relacionamentos encontram-se
fadados a serem tratados como coisas, como objetos destinados a serem consumidos como
produtos para satisfazerem aos indivíduos.
Basta lembrar que na era da Internet, podemos nos comunicar em poucos minutos com
pessoas de lugares os mais diversos, repartir a intimidade com estranhos, através de um
simples endereço eletrônico, sem que saibamos nem mesmo onde o nosso interlocutor reside.
Isto nos preserva de viver, intensos e duradouramente, muitos dos nossos sentimentos.
67
Se o laço humano, como todos os outros objetos de
consumo, não é alguma coisa a ser trabalhada com
grande esforço e sacrifício ocasional, mas algo de que se
espera satisfação imediata, instantânea, no momento da
compra – e algo que se rejeita se não satisfizer, a ser
usada apenas enquanto continuar a satisfazer (e nem um
minuto além disso) -, então não faz sentido ‘jogar
dinheiro bom em cima de dinheiro ruim’, tentar cada vez
mais, e menos ainda sofrer com o desconforto e o
embaraço
para
salvar
a
parceria
(Ibid., p.188).
Pessoas inseguras, vivendo a precariedade do processo de globalização, tendem a ver o
mundo como uma grande vitrine de produtos para consumo imediato, fazendo com que os
laços humanos duradouros sejam difíceis de alcançar.“Se a satisfação instantânea é a única
maneira de sufocar o sentimento de insegurança, não há razão evidente para ser tolerante em
relação a alguma coisa ou pessoa que não tenha óbvia relevância para a busca da
satisfação” (Ibid.,p.189).
De acordo com estas premissas, a promessa e a esperança de satisfação, precedem a
necessidade que se promete satisfazer e serão sempre mais intensas e atraentes que as
necessidades efetivas (BAUMAN, 1999, p.90).
O autor salienta que existe uma outra ligação entre o consumo e a desintegração dos
laços humanos. O consumo é uma atividade solitária, mesmo que a realizemos junto com
outros, diferente do caso dos esforços produtivos que exigem uma atividade cooperativa. No
consumo, a cooperação é desnecessária e supérflua.
Frente às questões levantadas por Bauman, vale argumentar: o imediatismo e a
insegurança da modernidade têm sido os responsáveis, entre tantos outros aspectos, pela
precariedade dos laços afetivos? Ou, ao contrário, o não fortalecimento dos laços de
solidariedade e parceria estaria provocando práticas imediatas, instantâneas geradoras da
insegurança entre os indivíduos?
68
Acreditamos que a sociedade, ao secundarizar o fortalecimento de laços solidários, por
não investir de forma sincera e atraente nas necessidades humanas afetivas, tem colaborado
para a formação deste quadro.
Apostamos na capacidade do ser humano de ser solidário e cooperativo, e ficamos
com Wallon: “Somos seres geneticamente sociais”.
As análises feitas por Bauman nos fazem constatar que as atuais políticas obsoletas de
vida, calcadas em aspectos, tais como: o imediatismo, o instantaneísmo, a descontinuidade, a
descartabilidade, a insegurança, a precariedade das relações afetivas, são produtos legítimos
da modernidade líquida, trazendo desconexões ao mundo contemporâneo e influenciando,
sobremaneira, as dinâmicas escolares através dos sujeitos sociais envolvidos.
Sabemos que este quadro tem trazido conseqüências profundas para o sistema
educacional, penalizando principalmente países periféricos como o Brasil e tem ampliado o
nosso olhar de educadora, ao percorrer os caminhos de uma formação-profissão docente
marcada por políticas excludentes, que não reconhecem social e economicamente o docente,
trazendo obstáculos à sua formação/ação. Nesta ótica, muitas indagações têm nos perseguido:
Qual o lugar do educador no contexto social brasileiro? Quem são esses
educadores? Quem, atualmente, busca os cursos de formação? Quais são as agências
formadoras desses profissionais? Quem são os educadores que trabalham nessas agências?
Qual a qualidade do trabalho realizado por tais agências? Que práticas curriculares são
necessárias para uma formação mais plena dos educadores? Quais as possibilidades de
construir alternativas democráticas que viabilizem pensar em uma inclusão do profissional
do ensino para além de uma inclusão patológica, defendida, por Martins (1997).
Entendemos que é impossível pensar /atuar em Educação de forma descolada dos
conflitos econômicos, sociais, culturais, das demarcações político-ideológicas do Estado. A
ideologia neoliberal existente tem justificado/ naturalizado/ampliado os processos de
“exclusão” social e das novas desigualdades que se cristalizam, através de aliadas políticas
69
que as alimentam trazendo, por sua vez, conseqüências perversas para o sistema
educacional, como é possível analisar, através dos dispositivos legais vigentes18.
Além disso, a modernidade tem construído um aparato educacional cuja lógica
capitalista perversa se impõe por meio do controle dos corpos, mentes e afetos, retirando dos
sujeitos sua condição espontânea de ser e impedindo-os da vivência do seu processo natural,
enquanto sujeitos de criação/ produção, muito mais do que seres meramente consumidores.
É possível que sujeitos, marcados por tal lógica, transcendam as formas de expressões
domesticadoras e disciplinadoras que lhe foram impostas?
Na perspectiva de busca de superação desta lógica, pois, afinal, somos seres humanos
e não “coisas obsoletas”, o espaço escolar poderá enfatizar a vivência de linguagens
autênticas, no sentido que elas toquem mais profundamente corpos, mentes e afetos, no que
eles têm de mais natural e espontâneo, sem os artificialismos da modernidade, para que
crianças e jovens sejam capazes de avançar, enquanto sujeitos históricos comprometidos com
escolhas verdadeiramente criativas e conscientes.
As reflexões teóricas que trouxeram uma breve análise dos labirintos das crises e suas
conseqüências no espaço educativo, levam-nos a perceber nos cotidianos escolares nos quais
atuamos que, o “chão da escola”, cujas bases /alicerces foram construídas no contexto sóciopolítico-econômico que lhe serve de pano de fundo, encontra-se arenoso e profundamente
fragmentado, dificultando uma semeadura de profundidade de práticas pedagógicas mais
criativas e conscientizadoras.
Enfim, indo ao encontro destas análises, interrogamos:
18
Atualmente existem três agências formadoras de professores: A formação em nível médio e a formação em
nível superior, que tem sido contemplada pela Graduação em Pedagogia e a Graduação no Curso Normal
Superior (ISEs).
Criou-se, assim, uma rede paralela de formação, a qual tem provocado embates sobre o poder de cada uma
dessas instâncias.
Em agosto de 2000, o Decreto n° 3276/99 que estabelecia a exclusividade do Curso Normal Superior para a
formação de professores foi alterado, pelo Decreto n° 3554/00, permanecendo apenas a “preferência” e não mais
a “exclusividade” neste fazer.
Tudo isso retrata os perversos labirintos do capital, aos quais nos encontramos atrelamos à política neoliberal
imposta.
70
É possível vivenciar uma formação/ação docente em uma perspectiva complexa e
não mecanizada que dê espaço ao fazer criativo enquanto ato educativo, no sentido de
potencializar os (as) educadores (as), em contraponto às práticas pedagógicas repetitivas,
velozes, descontínuas, engessadas e mutiladoras do sujeito?
Neste quadro de indagações, fruto das contradições próprias de uma sociedade
marcada pela desigualdade, em todos os seus âmbitos, na tentativa de não perder o norte,
ficamos com Bourdieu (1998, p.5-11).
Será que não é também por não conhecer a escola em
sua profundidade, por não nos solidarizarmos com ela,
que lhe impomos espelhos desanimadores, infiltrados
com um tipo de fatalismo econômico, que acaba
fortalecendo os nossos adversários e fazendo-nos ora
desesperados, ora desanimados, percebendo-os como
invencíveis?
Na perspectiva de análise conflitante da escola brasileira, que tem sido alimentada
pelos dispositivos legais existentes, além do fatalismo econômico que tenta nos atingir,
existem práticas pedagógicas sensíveis/solidárias/dialógicas que, não obstante, os percalços
vividos, podem ser observadas no cotidiano escolar. Tais práticas ousam distanciar-se das
lógicas definidoras da exclusão, indo, “taticamente” em sua contramão, permitindo
experiências democráticas mais conscientizadoras, desmaterializando apatias, muitas vezes
reinantes, em busca de alimentar sonhos/desejos de aprendizagens significativas.
Neste sentido, a atuação autônoma / reflexiva/ criativa dos (as) professores (as),
articulada à ação-reflexão-ação pedagógica se apresenta como uma opção por um desenho
de um projeto democrático mais pleno, criando espaços para que se percebam autores
/dirigentes, no dizer de Gramsci (1978), através de um processo de participação ativa, tanto
intelectual e social, na ressignificação de novos projetos sociais e educacionais mais
orgânicos que possam dar conta dos desafios, constituindo-se em experiências
profundamente ricas.
71
Não poderia faltar a esta tessitura, quando se fala de um projeto democrático, as
considerações de Bobbio (1992), em sua discussão sobre os direitos humanos:
Direitos do homem, democracia e paz são três
momentos necessários do mesmo movimento histórico:
sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não
há democracia; sem democracia, não existem as
condições mínimas para a solução pacífica dos
conflitos. Em outras palavras, a democracia é a
sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam
cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos
fundamentais; haverá paz estável, uma paz que não
tenha a guerra como alternativa, somente quando
existirem cidadãos não mais apenas deste ou daquele
Estado, mas do mundo (p.1).
Tais reflexões são de um valor inestimável para a construção teórica que tentamos
fazer, uma vez que o autor conjuga três fatores fundamentais, os alicerces desejáveis para
uma vivência responsável e comprometida com um ser humano mais pleno, que são: os
direitos, a democracia e a paz.
Quanto aos direitos humanos, que são aqueles que deveriam pertencer a todos os
homens, Bobbio sustenta que eles são históricos, sujeitos a mudanças constantes. Nascem
em certas circunstâncias, sendo caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades
contra velhos poderes (Ibid., p.5;18).
O autor, ainda aprofunda suas reflexões sobre os fundamentos dos direitos humanos,
uma vez que se apresentam de forma heterogênea, muitas vezes, diversas entre si, e, quando
não incompatíveis, como diz ser possível perceber na própria Declaração Universal dos
Direitos Humanos.
No entanto, considera que o problema mais grave da atualidade, com relação aos
direitos do homem, não significa mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los,
apontando, dessa forma, para um problema em âmbito mais amplo e político. Hoje, a
72
questão aponta na direção de se encontrar qual o modo mais seguro para garanti-los, para
impedir que eles sejam continuamente violados (Ibid., p.25).
Assim sendo, pensar em uma educação de profundidade, que faça com que os nossos
jovens reencontrem a si mesmo, capacitando-os a viverem de forma mais consciente e
plena, deverá favorecer a luta pela garantia de políticas públicas que persigam os seus
direitos.
Para a efetivação desta luta, torna-se necessário, como considera Morin (2000), que
o pensamento se amplie, indo na contramão do pensamento/conhecimento redutor, o qual
alimenta políticas sociais, também redutoras, minando as potencialidades e as liberdades
humanas.
Não há dúvida que somente a partir da inclusão/participação das/nas riquezas
oferecidas pelo conhecimento, construirar-se-à a oportunidade da vivência do processo
democrático, ampliando a capacidade do educador de sentir-se construtor do seu saber/fazer.
O caráter polissêmico da formação - profissão docente nos faz pensar a
possibilidade de construção de uma prática consciente/emancipadora do educador, o que
representa um esforço de superação da perspectiva excludente, para ir além, em busca de
saberes/fazeres docentes que ressignifiquem o seu comprometimento em direção à sua
autonomia, enquanto sujeito histórico do seu processo de existir, o que poderia representar a
possibilidade de incluir novas vivências reflexivas/criativas/sensíveis ao trabalho docente
sempre de olho nos contextos sociais, ainda marcados pela desigualdade social e
seletividade escolar.
Haveria novas tintas, novos pincéis que trouxessem novos coloridos ao “azul e
branco” tão comum, no espaço escolar? As teias multicoloridas da complexidade ao construir
o conhecimento poderiam tomar por base a des-construção dos conhecimentos anteriores, e,
assim, possibilitar a ampliação de pensamentos/ações? Será que as crises conjunturais da
sociedade, em seus âmbitos: social, cultural, político e econômico, não são analisadas, no
dizer de Morin (2000, p.172) de forma abstrata e fragmentada, sem conciliar o lugar das
paixões, dos desejos, da libido, que também fazem parte da economia?
73
•
As cores da Complexidade
A partir deste mote, sem perder as categorias conflito/contradição que entendem o ser
enquanto uma categoria concreta e histórica, trago à cena as contribuições teóricas apontadas
por Edgar Morin sobre complexidade, não no sentido que seja um diálogo que venha
“facilitar” / “suavizar” as contradições educacionais existentes de forma a universalizá-las,
mas buscando em seus aportes trilhas para superação da fragmentação inadequada que nos
acometeu, na tentativa de entendimento da crise atual da razão e as possíveis direções em
busca de uma nova racionalidade que dê conta deste ser em uma dimensão maior.
Sabemos, no entanto, que a perspectiva da complexidade não vem trazer uma resposta
simples, mas um problema ao desafio que enfrentamos.
Edgar Morin é um filósofo e um sociólogo da contemporaneidade que discute sobre o
paradigma da complexidade. Incansável explorador na superação das estruturas deterministas
e fragmentadas do saber, Edgar Morin aos 56 anos, publica, em 1977, o 1º volume do livro O
Método (A natureza da natureza), quando se dedica, durante quinze anos, a completar esta
obra que é composta de mais três volumes: A vida da vida (1980), O conhecimento do
conhecimento (1986), As idéias: habitat, vida, costumes, organização (1991).
Seus textos fazem críticas à ciência, ressaltando sua responsabilidade e seu papel na
sociedade, abrindo espaço para um debate fecundo, crítico/ reflexivo da Filosofia e da
Ciência, para a auto-organização de ambas, além de propor a comunicação entre as ciências,
rompendo com as fronteiras que as separam, para a compreensão da complexidade da
realidade e também para a compreensão da realidade da complexidade.
Sabemos que a humanidade vive momentos críticos. Nos últimos anos o conhecimento
construído e acumulado pelo homem direcionou-se para seu maior bem-estar, no entanto, o
uso inadequado desse mesmo conhecimento tem ameaçado a sobrevivência do cosmo, do
planeta, do próprio homem, trazendo como conseqüência uma crise sem precedentes.
Os efeitos colaterais decorrentes dessa crise fizeram com que o ser humano se
tornasse, de certa forma, uma espécie automatizada, individualizada, egocêntrica, que tem se
distanciado da noção de solidariedade.
74
As problematizações defendidas por Edgar Morin nos remetem à análise deste
contexto atual que reflete tais crises vivenciadas e as possibilidades de sua superação neste
momento histórico, propondo novas oportunidades de conciliação com o cosmo, não a partir
da síntese e da redução, mas da reforma e amplitude do pensamento e das ações, instigandonos a viver/ revelar/ desvelar a realidade em sua complexidade.
A respeito do ser humano, o autor entende que a noção de sujeito compreende uma
definição subjetiva e biológica, simultaneamente, não podendo ser reduzida à uma concepção
nem humanista, nem metafísica, e, tampouco, à uma concepção anti-metafísica, que sugere a
inexistência do sujeito, mas compreende a inseparabilidade de todas elas, o que implica ir
além da noção de indivíduo, sendo percebido como um ser único no seu aspecto subjetivo.
Nesse sentido, define o sujeito de forma ontológica – lógica – organizacional.
Dentro desta linha de argumentação, Morin ao trazer para reflexão o Sujeito, faz uma
análise a respeito do paradigma dominante/hegemônico, que se baseou na exclusão do próprio
sujeito, separando-o do objeto. Reafirma ser imperioso postular o problema da disjunção total
objeto - sujeito, que restringiu o monopólio do sujeito à especulação filosófica e metafísica e
o objeto sendo atributo da ciência.
ignorou-se que as teorias científicas não são o
puro e simples reflexo das realidades objetivas
mas co-produtoras das estruturas do espírito
humano
e
das
condições
sócioculturais do conhecimento”( Ibid.,1999, p.7).
O autor acrescenta que, na atualidade, o retorno do sujeito constitui um problema
fundamental, que está na ordem do dia, uma vez que a ciência atual necessita ter o
compromisso de entender o sujeito social Em o Método III (1986), salienta que é preciso
pensar que o desenvolvimento da “big sciense” leva a um saber anônimo, que não mais é feito
para obedecer à função que foi a do saber durante toda a história da humanidade, a de ser
incorporado nas ciências, nas mentes e nas vidas humanas. O novo saber científico é feito
para ser depositado nos bancos de dados e para ser usado de acordo com os meios e segundo
75
as decisões das potências (p.127). Dito de outro modo, atualmente, a regra se impõe
cegamente, obedecendo-se às máquinas e não se conhecendo para onde vai essa máquina.
Por que chegamos a isso? O diagnóstico foi feito há cinqüenta anos por Husserl numa
famosa conferência sobre a crise da ciência européia. Ele mostrou, então, que houve um
buraco cego no objetivismo científico: era o buraco da consciência de si mesmo (p.127).
Isso nos revela a dificuldade de conhecer cientificamente a ciência que vem crescendo
com o paradoxo desse conhecimento. Por um lado, o progresso inaudito dos conhecimentos
em seus aspectos benéficos, e por outro lado, o progresso incrível da ignorância, com os seus
caracteres nocivos e mortíferos, acrescentados ao progresso crescente dos poderes dos
cientistas na sociedade em relação aos próprios poderes da ciência (p.119).
Essas argumentações vão no sentido contrário ao entendimento que se tem sobre a
questão da racionalidade que deverá apresentar-se aberta, porque a verdadeira racionalidade
supõe sempre que o nosso saber não esteja completo e que algo novo venha modificá-lo
(p.136), sem os preconceitos e ostentações ainda tão comuns aos meios científicos.
Enfim, a quem e a que interesses a ciência estaria servindo?
Sobre o desafio da complexidade, apresentado por Morin, alguns teóricos poderiam
argumentar que a questão da complexidade não se constitui hoje uma novidade, considerando
que desde que o ser social existe, já pressupõe a presença da complexidade, sendo que o
homem pela sua forma simplista de análise, não dá conta de tais questões. A despeito da
posição levantada, desconsiderar as contribuições deste teórico acerca da complexidade
poderia ser um caminho redutor e equivocado, pois, ao se pensar na complexidade,
acreditamos ser possível abrir espaços nos intrincados labirintos da própria existência.
A ciência é, e continua a ser uma aventura. [ ] que
permite , hoje a contestação das suas próprias
estruturas de pensamento. Bronovski dizia que o
conceito da ciência não é nem estático nem eterno,
talvez estejamos num momento crítico em que o
próprio conceito de ciência está a modificar-se
(MORIN, 2000 b, p.26).
76
Na trilha destas questões, Morin pontua que o paradigma dominante sustenta a idéia da
disjunção do sujeito do objeto, da alma do corpo, da existência e da essência, reduzindo o ser
e o saber, sendo que os dois aspectos existentes no ser humano, o aspecto biológico
(encarnado no cérebro) e o aspecto cultural (ligado ao espírito), encontram-se separados, sem
jamais criarem laços, atestando que quanto mais se separam, mais se reduzem. Propõe que
devemos ir do físico ao social e também ao antropológico, porque todo o conhecimento
depende das condições, possibilidades e limites do nosso conhecimento. Sendo assim, é
necessário enraizar o conhecimento físico e biológico numa cultura, numa sociedade, numa
história, numa humanidade.
Vivemos, hoje, uma hiper-especialização (só na Medicina existem por volta de quatro
mil especialidades), cujas especializações não se comunicam umas com as outras, levando os
técnicos especialistas a esquecerem que os grandes problemas humanos são transversais,
multidimensionais e planetários.
Percebemos que a fronteira disciplinar com sua linguagem e com os seus conceitos
que lhes são próprios isola a disciplina em relação às outras e em relação aos problemas que
ultrapassam as disciplinas.
A partir de tais reflexões, Morin sugere o paradigma da complexidade, que se
encontra fundamentado sobre a distinção, sobre a conjunção e a implicação mútua. O cérebro
implica a mente e, reciprocamente, a mente só pode emergir a partir de um cérebro situado no
interior de uma cultura, e, por sua vez, o cérebro só pode ser reconhecido por uma mente
(Morin, 1999).
Assim, o pensamento que é complexo, que é tecido em conjunto, não pode ser linear,
uma vez que integra os modos simplificadores do pensar e, conseqüentemente, nega os
resultados mutiladores e reducionistas, comprometendo-se com a amplificação do saber,
levando à inseparabilidade do conhecimento e da ação, como todo o conhecimento mental,
constrói estratégias para solucionar problemas que nos desafiam pelas incertezas vigentes e
pela incompletude do saber (Método III, p.192).
77
No entanto, o autor reconhece que o pensamento complexo ainda é marginal tanto para
a abordagem científica, epistemológica, quanto para a filosófica, e, por isso, suscita malentendidos fundamentais. Sobre esta questão, em seu livro Ciência com Consciência (2000),
complementa:
O primeiro mal-entendido consiste em conceber a
complexidade
como
receita,
como
resposta
em vez de considerá-la como desafio e como
motivação para pensar.
Acreditamos que a
complexidade deve ser um substituto eficaz da
simplificação, mas que, como a simplificação
vai permitir programar e esclarecer (Ibid., p.176).
Por outro lado, a complexidade pode ser concebida como o inimigo da ordem e da
clareza e, nessas condições, aparece como procura viciosa da obscuridade. Há que se elucidar
que o complexo não é necessariamente o complicado, o imbricado, o confuso, fazendo-nos
lembrar problema e não solução.
O segundo mal-entendido consiste em confundir a complexidade com a completude.
O problema, no entanto, é da incompletude do conhecimento. O pensamento complexo não
luta contra a incompletude, mas sim contra a mutilação. Por exemplo, ao pensar o ser
humano, ao mesmo tempo, enquanto ser físico, biológico, social, cultural, psíquico e
espiritual, é evidente que a complexidade é aquilo que tenta conceber a articulação, a
identidade e a diferença de todos esses aspectos, enquanto o pensamento simplificador separa
esses diferentes aspectos, ou unifica-os por uma redução mutilante (Ibid., p.176).
O pensamento complexo é o pensamento que, armado dos princípios de ordem, leis,
algoritmos, certezas, idéias claras, patrulha no nevoeiro o incerto, o confuso, o indivizível, o
indecisível. (Ibid., p.180)
78
A dificuldade do pensamento complexo é justamente de enfrentar a confusão, a
incerteza e a contradição, e, ao mesmo tempo, ter que conviver com a solidariedade dos
fenômenos existentes em si mesmo.
Ostrower, na obra - Sensibilidade do intelecto (1998) – afirma:
Não há de se confundir complexidade com complicação.
Ao serem complexas, as coisas não se tornam mais
complicadas, e sim, mais específicas em sua
diferenciação, mais verdadeiras. A noção de
complexidade refere-se ao grau de organização de um
fenômeno, físico ou mental, ao modo específico pelo qual
se interligam os componentes, estabelecendo-se em
equilíbrio dinâmico – um equilíbrio ativo, nunca passivo
ou mecânico. Em vez de uma combinação de fatores
aleatórios e desconexos – que sem dúvida seria
complicado -, lidamos com configurações que
apresentam um alto grau de integração coerente. Ao se
relacionarem os diversos componentes e as possíveis
interações em níveis mais elevados e ao tornarem a
totalidade mais diferenciada, também os significados
serão mais sutis e diferenciados (p.197).
Com os suportes teóricos a respeito da complexidade, Izabel Petraglia (2001) salienta
que a complexidade guarda em si as noções de complicação (confusão, desordem) e
completude (solidariedade advinda da necessidade de não se isolar os objetos), aliadas à
noção da incerteza que permite ao ser humano construir consciência do próprio limite, de
saber que não tem limites, jamais podendo abrir mão das incertezas, visto que não há saber
total, que este vai se construindo, não linearmente, mas em espiral, sem se esgotar (p.50).
A autora citada, ao referir-se sobre o termo complexidade, esclarece que este surgiu na
obra de Morin a partir do final dos anos sessenta, advindo da cibernética, da teoria dos
sistemas e do conceito de auto-organização. (Ibid., p.47-48).
A idéia da espiral nos sugere o rompimento com a causalidade linear, a idéia do
princípio da dialógica (diferente da dialética), que propõe juntar os princípios, as idéias e as
noções relativas ao Ser e ao Saber, além de incluir o princípio hologramático. Este princípio
79
ressalta que, uma parte do todo, representa o todo, como uma unidade complexa que contém
quase a totalidade da informação. Não somente a parte está no todo, mas o todo está na parte.
Podemos exemplificar, ao lembrar que a totalidade do nosso patrimônio genético está contida
no interior de cada célula do corpo.
Sobre esta questão já afirmava Blaise Pascal, citado por Morin (2000 b): “eu considero
impossível conhecer o todo se eu não conheço particularmente as partes, como conhecer as
partes se eu não conheço o todo”, ou seja, o todo não se reduz a uma simples soma dos
elementos que constituem as partes, sendo mais do que isto, pois cada parte apresenta sua
especificidade, que, em contato com o outro, modifica as partes e também o todo (p.30).
Essas reflexões nos remetem a alguns conceitos como ordem/ desordem/ organização,
que se encontram presentes no Universo e na sua formação. Ao observarmos o universo, em
sua conjunção ordem-desordem, constatamos a sua própria organização. Assim, a ordem (que
transcende a antiga idéia determinista de estabilidade/ permanência), em função de aspectos
do acaso, desintegra-se, desordenando seu estado original, e, é a partir dessa desordem, que se
inicia o processo de transformação, e o sistema se organiza. É este paradoxo ordem-desordem
que promove a organização.
Isto não quer dizer que a organização se reduza à ordem, ela inclui o binômio ordemdesordem. Sobre a questão do acaso, Morin diz que a desordem vai além da idéia do acaso,
esclarecendo não saber se o acaso é uma desordem objetiva ou fruto da ignorância humana,
sendo, por sua vez, sua natureza incerta.
Não seria este o desafio de todo processo criativo, que representa o próprio processo
de existir e de viver?
A mudança paradigmática que se apresenta, fruto das contribuições morinianas,
sugere uma urgente reforma do pensamento, além de uma ciência que se alie à consciência.
Reafirmando esta assertiva, o autor, em seu livro, Ciência com Consciência (2000), na
contracapa, nos instiga a refletir.
80
As ciências humanas não têm consciência dos
caracteres físicos e biológicos dos fenômenos
humanos. As ciências naturais não têm
consciência da sua inscrição numa história. As
ciências não têm consciência do seu papel na
sociedade. A ciência não tem consciência dos
princípios
ocultos
que
comandam as suas elucidações. As ciências não
têm consciência de que
lhes falta uma
consciência.
Nas discussões sobre os limites da ciência, Morin nos remete aos trabalhos de Popper,
Kuhn, Feyerabend, Lakatos (2000b, p.21), que assinalam como traço comum o fato de
mostrar que as teorias científicas, como os icebergs, têm enorme parte imersa, que não é
científica, que representa a zona cega da ciência, encontrando-se cega para suas atividades,
para o seu papel na sociedade e para suas responsabilidades humanas, sendo, entretanto,
indispensável ao próprio desenvolvimento da ciência.
Nesse sentido, vivemos a simplificação do conhecimento e do ser humano, como
salienta Morin, e, também, o sociólogo português Boaventura de Souza Santos (2000; 2001)
ao referir-se aos dois pilares: regulação e emancipação que apóiam o projeto sócio-cultural da
modernidade e que têm se esgotado na presença de profundos antagonismos. Tais reflexões
nos fazem repensar sobre os limites da ciência, instigando a Sociologia a dedicar seus estudos
e discussões sobre os direitos mínimos de cada cidadão do mundo. Para Santos (2000) cada
um desses pilares constitui-se de três princípios. Ao campo da regulação, pertencem: os
princípios do Estado - apoiados em Hobbes (Leviatã); os princípios do mercado – referente às
idéias de Locke; os princípios da comunidade. Ao campo da emancipação, pertencem as três
lógicas de racionalidade, que são a racionalidade estética-expressiva da arte e da literatura, a
racionalidade moral-prática da ética e do direito e a racionalidade cognitivo-instrumental da
ciência e da técnica.
Sobre esta análise, ressalta Santos (2000) que a construção abstrata dos pilares os torna
infinitos, maximiza-os, tornando problemáticas as tentativas de compatibilidade entre eles, a
81
menos que haja concessões mútuas ou que se firmem compromissos em torno das
divergências surgidas deste entrelaçamento.
Nesta perspectiva, Santos (2001) nos remete a uma de suas perplexidades, diante dos
desafios que são impostos a nós e que, provavelmente, ainda irão nos envolver nos próximos
anos, principalmente, desafios de ordem econômica, como o desemprego, atingindo,
frontalmente, a condição de ser humano. Problema este que, entre outros, caracteriza a
existência de uma Crise do Capital.
Uma outra perplexidade, segundo o autor, diz respeito, à chamada Globalização, que
vem ocorrendo nas últimas décadas, favorecendo a multiplicação de redes planetárias de
comunicação e informação que têm orientado no sentido de naturalização do consumismo no
contexto nacional e mundial. Aliás, hoje, pensa-se no cidadão, como aquele capaz de ser um
consumidor, negando-o o direito de ter suas necessidades básicas garantidas.
Em direção a este mote, Santos (2001) ainda sustenta um terceiro desafio: em
momento que, aparentemente, ocorrem uma revalorização dos indivíduos, em que tantos se
dedicam às análises da vida privada, dos modos e estilos de vida, estes mesmos indivíduos se
transformem em sujeitos menores, “meios sujeitos”, e suas vidas como nunca, tornam-se tão
públicas, devido aos eficientes meios de comunicação, que têm vendido sucesso, fabricando
verdadeiros “simulacros”, de ser-se único.
Um outro aspecto apontado por Santos (2000; 2001) relaciona-se à questão da
Democracia, que segundo o autor, quanto ao conceito de participação, este tem sido atingido
pelo conformismo, pela apatia política, observando-se, atualmente, uma convivência pacífica
entre democracia e neoliberalismo. Assim, os dois pilares, segundo Santos, parecem estar
totalmente esgotados.
O nível de racionalidade cognitiva-instrumental, terreno no qual se alastra uma grande
crise, tem se caracterizado pela falta de ética no campo das pesquisas científicas, tem
provocado injustiças sociais, além do descaso com as questões ecológicas e com a destruição
da qualidade de vida no planeta. Quanto ao nível de racionalidade moral-prática, quatro
dilemas se apresentam: a quase inexistência de valores como a autonomia e a subjetividade
das práticas políticas e do cotidiano; a jurisdificação da vida social, que tem aniquilado o
82
cidadão, dificultando o uso do bom senso ou até mesmo do senso comum, dotando de uma
ética individualista e irresponsável, frente a si mesmo e ao mundo em seu entorno.
Tais questões postas nos fazem concluir que nos encontramos em uma fase de
transição paradigmática entre uma modernidade em crise e diante de um novo paradigma, ou
novos paradigmas que, ainda, não se delinearam claramente, mas que permitem abrir brechas
para soluções que se comprometam com ações mais humanizantes, preocupadas com à
recuperação de valores éticos,
com a sensibilidade das pessoas através da arte, da
solidariedade e com a dignidade da vida.
Santos (2000) propõe que uma nova concepção transformadora jamais se concretizará
enquanto estivermos fora da realidade dos contextos sociais, pois, é nela que devem se
concentrar nossas buscas, e, só a partir dela, será possível transformar a realidade adversa com
que, hoje, nos deparamos.
Com esse olhar, o autor argumenta que surgem alguns sinais de esperança para o
futuro que se delineia, através de concepções avançadas à nova realidade sobre os direitos
humanos, os quais mudam, fundamentalmente, os conceitos de solidariedade e respeito.
Sobre a racionalidade estética-expressiva, Santos (2000) sustenta que, nesse nível,
apresentam-se os sinais do futuro pelo esgotamento da arte e da cultura modernas e pelo
descaso com que a arte, hoje produzida, é contemplada, em contraste com os preços que se
pagam para adquiri-la.
Frente a tais constatações e uma vez que a racionalidade estética expressiva da arte,
apresenta-se como eixo importante deste estudo teórico-prático, iremos, posteriormente,
aprofundar estas considerações recorrendo a teóricos ligados ao processo de criação humana.
Retornando a questão da complexidade com Morin, juntamente com as perspectivas
de transformações apontadas por Santos, verificamos que as mudanças que se apresentam na
sociedade, talvez, sejam oriundas da grande parte imersa da ciência, que não é considerada
científica, representando sua zona cega, mas, que traz em si um potencial para as
transformações, das quais os espaços/ tempos escolares têm, clandestina e marginalmente, se
apropriado
83
Estariam os educadores aproveitando as pistas e os espaços cegos deixados pela
ciência para vivenciarem o desafio da aprendizagem da complexidade do real?
Por iniciativa da Unesco, Edgar Morin foi solicitado a sistematizar um conjunto de
reflexões que servissem como ponto de partida para se repensar a Educação do século XXI, o
que possibilitou a elaboração do seu livro, Os setes saberes necessários à Educação do
Futuro (2000a). As considerações apresentadas são um convite para que nós educadores
possamos repensar os nossos saberes e fazeres, em uma tentativa desafiadora, que nos
possibilite reaprender a reunir a parte e o todo, num movimento de verdadeira globalização do
Ser e do Saber, contextualizados na “Terra- Pátria”.
Segundo o autor, a educação do futuro deve ter como prioridade a ética da
compreensão planetária, ética, enquanto atitudes e práticas transformadoras que revelem/
desvelem a complexidade da realidade. O mesmo autor sugere, enfim, que a Educação seja
pensada em uma perspectiva complexa.
Queremos destacar que a cultura que é veiculada nos tempos/ espaços escolares ainda
se encontra dissociada entre o humano e o científico. Por um lado, a cultura humanista,
defendendo a inteligência geral, revitalizando as obras do passado, incitando à reflexão, e, por
outro, a cultura científica responsável pelo compartilhar entre as disciplinas, valorizando as
obras do presente, suscitando o pensamento consagrado à teoria e não uma reflexão sobre o
destino humano e o seu futuro. O que Morin (1999) acrescenta:
Nossa formação escolar e, mais ainda, a universitária
nos ensina a separar os objetos de seu contexto, as
disciplinas umas das outras não para relacioná-las.
Essa separação e fragmentação das disciplinas é
incapaz de captar o que está tecido em conjunto. O
pensamento que recorta e isola permite aos
especialistas e expertos ter grandes desempenhos em
seus compartimentos, e, assim, cooperar eficazmente
nos setores não complexos do conhecimento,... Mas a
lógica a que obedece... ignora, oculta ou dissolve tudo
que é subjetivo, afetivo, livre e criador ( Ibid., p.11 ).
84
É essa realidade fragmentada, vivenciada no cotidiano escolar, que desejamos
transcender.
Dessa forma, assistimos a própria ciência reconsiderar questões relativas à
subjetividade humana, ao afetivo e à criação, como parâmetros para entendimento mais amplo
do Ser, constituindo problemáticas fundamentais, que estão na ordem do dia. A atitude de
globalizar, sendo uma qualidade fundamental do espírito humano, deverá ser sempre
desenvolvida. Se a ciência clássica excluiu o sujeito, é hora de incluirmos o mesmo sujeito às
novas propostas educacionais.
A construção do conhecimento deverá se dar pela capacidade de se situar toda a
informação em seu contexto e, se possível, no conjunto global no qual se insere, o que implica
em não sofisticar, formalizar e abstrair, e sim, a possibilidade de conceituar e globalizar.
Quanto à prática pedagógica, observa-se que os currículos não têm oferecido um
diálogo entre os saberes que se configuram sem uma visão de conjunto.
Assim, como já anunciamos anteriormente, algumas iniciativas se apresentam como
pistas para a materialização das reformas que se fazem necessárias, uma vez que existem
ciências multidimensionais como a Geografia, que engloba em seus estudos, desde a geologia
até os fenômenos econômicos e sociais, e a História, que abarca a multidimensionalidade das
realidades humanas. Isto posto, argumentamos que a Ecologia científica, as Ciências da Terra,
a Cosmologia já são ciências polidisciplinares que têm por objeto não apenas um setor ou uma
parte, mas um sistema complexo.
Morin sublinha a importância de se pensar em conceitos como interdisciplinaridade,
que tem sido tão insuficiente quanto à ONU para unir as nações, mas que pode ser analisado
como um movimento de troca, de cooperação, tornando-se algo orgânico, sugerindo, também,
que se pense no conceito de polidisciplinaridade que se constitui em uma associação de
disciplinas em torno de um projeto ou de um objeto comum, além do conceito da
transdisciplinaridade, na qual esquemas cognitivos atravessam as disciplinas.
Sobre a questão da transdisciplinaridade, Morin nos provoca, dizendo que a ciência
nunca teria sido ciência se não tivesse sido transdisciplinar.
85
Dentro dessa visão propõe que devemos “ecologizar” as disciplinas, isto é, levar em
conta tudo o que lhe é contextual, aí compreendidas as condições culturais e sociais.
Voltando a questão da aprendizagem da complexidade, a arte, enquanto um
dispositivo educacional, favorece a complexidade nos processos de pensar/fazer humanos.
No âmbito da prática pedagógica é de suma importância que se busque a unidade
multidimensional da realidade vivenciada, articulando as artes à construção dos conceitos/
categorias. Sob tal ótica, Morin (2000 b) argumenta a importância das ciências do imaginário,
pois acredita que as realidades imaginárias são extremamente importantes para o ser humano.
Portanto, a riqueza que, por exemplo, é trazida pela poesia e pela literatura, não
deverão ser vistas como luxo ou ornamento estético, mas como escolas de vida, escolas de
complexidade.
Quando lemos literatura, poesia, quando analisamos uma obra de arte, por exemplo,
aprendemos, compreendemos, percebemos o que as ciências não chegam a dizer, porque
ignoram os sujeitos humanos. É possível descobrir a si mesmo na poesia, nos romances, em
um sonho pessoal, se trabalhados e expressos em uma linguagem artística
Não temos dúvidas quanto às reflexões de Morin (1999), principalmente, ao sustentar
que:
A poesia faz parte da literatura e, ao mesmo tempo,
é mais que a literatura, leva-nos a dimensão da
existência humana. Revela que habitamos a Terra
não só prosaicamente... mas, também, poeticamente,
destinados ao deslumbramento, ao amor, ao êxtase.
Pelo poder da linguagem, a poesia nos põe em
comunicação
com o mistério, que está dizível. As
P
artes
e levam-nos à dimensão estética da existência
(Ibid.,p.26).
86
Sobre a ampliação da dimensão estética da existência, quando se permite que as artes
sejam vivenciadas em nossas vidas, Ostrower (1987), argumenta que:“Einstein, o grande
gênio da física, também tocava violino e fazia filosofia” ( p.40).
Nesta linha de argumentações, a autora, ainda sublinha:
Na verdade, porém, o ser humano não pode ser
considerado em partes, só pode ser considerado como
um todo integrando as partes. Se decerto não cabe
negligenciar as várias contribuições específicas nos
processos criativos, tampouco cabe atribuir função
predominante seja ao inconsciente seja ao consciente. O
ato criador, sempre ato de integração, adquire seu
significado pleno só quando entendido globalmente
(ibid. p.55-57).
Morin (1999), ainda aponta a necessidade de se globalizar e contextualizar o
conhecimento, o que a Psicologia cognitiva já propõe, enfrentando o desafio da complexidade
do real que reside no duplo desafio da religação e da dialética da certeza /incerteza. É preciso
religar o que era considerado como separado e aprender a fazer com que as certezas interajam
historicamente com as incertezas.
Para que se materialize tal reflexão, acreditamos que a dimensão criativa na
aprendizagem poderá contribuir na articulação das partes, tentando integrar o saber na vida,
através da vivência da complexidade e da inteireza, que o ato da criação pode proporcionar.
Quando o Ser cria, pensamento e ação se colocam em movimento; a ação é capaz de provocar
“desordens”, inquietações, impedindo um único pensamento que seja redutor. Contrariamente,
o pensamento é capaz de ampliar o olhar e o sentir de múltiplas formas, favorecendo o contato
com a subjetividade e a inteireza possível, podendo atingir uma consciência ética mais
ampliada sobre o mundo que o cerca.
Esta abordagem que propõe unir as partes e o todo, ressignifica o saber e o fazer, uma
vez que permite que o educador compreenda a teia de relações existentes entre todas as
coisas, para que possa pensar a ciência una e múltipla, simultaneamente, realizando a desejada
reforma do pensamento.
87
Sobre o papel do educador, Morin (1999) defende que a sua missão não deve se
dissolver na profissão, o que acrescenta Platão, quando declara ser fundamental para o
educador ter eros, isto é, ter amor. Amor para com a matéria que se ensina, para com as
pessoas a quem se ensina. “Creio que é ressurreição trinária do amor, da missão e da fé que
se poderá tentar formar os cidadãos do terceiro milênio” (MORIN, 1999).
Pensando nos espaços escolares, a partir das reflexões morinianas, não se pode
reformar uma instituição, se anteriormente as mentes não forem reformuladas, mas se podem
reformar as mentes, ainda que a instituição não seja previamente reformada. Tal assertiva
demonstra uma impossibilidade lógica, mas é desse tipo de impossibilidade que a vida se
nutre. (MORIN,1999, p.15).
Desta forma, a reforma poderá vir através da problematização do Ser humano, da
natureza, do mundo, além de ser preciso problematizar o que traria soluções para os
problemas da ciência, da técnica, do progresso. Devemos argumentar sobre o que
acreditávamos que era a razão e que, amiúde, não era mais do que uma racionalização
abstrata, muitas vezes representada por uma racionalidade doentia que acredita que o real
pode esgotar-se num sistema coerente de idéias, ou seja, o real é mais do que o real e não
pode se fechar, reduzir-se em si mesmo. A complexidade do real representa um convite para
que, juntos, pensemos os caminhos dos cotidianos escolares, frente às trilhas da complexidade
do conhecimento.
Tentando reforçar e clarificar algumas idéias, Morin, em suas argumentações, sugere
a construção de uma ciência que, com consciência, articule aquilo que o ser humano
dissociou.
Para tanto, há necessidade de uma reforma do pensamento, transformando-o em
pensamento complexo que permita o emprego total da inteligência, que entenda o erro, a
fragilidade da verdade, do mistério, do mito, da multidimensionalidade do real, na
concretização de um novo paradigma que rompa com os limites do determinismo e da
simplificação e incorpore o acaso, a probabilidade, o contexto que globaliza, além do
entrelaçamento histórico das certezas com as incertezas, como parâmetros necessários à
compreensão da realidade, sem, no entanto, buscar um princípio unitário, pois isso
representaria uma redução e anularia toda a diversidade.
88
Este é um profundo caminho a ser perseguido, no qual o Ser humano deverá ser visto,
ao mesmo tempo, como sujeito e objeto de sua construção e do mundo. Intuímos que o Ser
humano deverá ser a grande descoberta deste século sabendo que não existem receitas, pois
precisamos lidar com o inusitado, com a incerteza.
A investigação com as artes, em suas diferentes linguagens, poderá ser uma aliada no
sentido de oportunizar vivências complexas e criativas, além de estar contribuindo para o
enfrentamento da crise da razão que se estalou no mundo e em nossas cabeças, alimentada
pelos paradigmas ainda hegemônicos. O ato de criação representa uma tentativa dessa
superação, voltando-se a uma nova racionalidade, sabendo-se do problema dos limites dessa
racionalidade uma vez que, na esfera da realidade, existe uma parcela de irracionalidade.
(PENA-VEGA, 2003, p.106).
É nesta perspectiva, sobre a defesa da dinâmica da complexidade da prática educativa,
que percebemos que a complexidade não se constitui teoria acabada e nem uma verdade
imutável, mas, um campo teórico aberto, amplo, capaz de possibilitar que uma nova lógica de
organização passe a existir.
Investigar o processo criador de jovens, futuros educadores com um olhar moriniano é
aceitar o convite que Morin nos faz para ver o mundo com novos olhos de ver, desafiando a
linearidade imposta, sem saber por onde começar, buscando perceber as vivências criativas,
como um caleidoscópio que, em cada movimento, se cria / recria, em mil formas coloridas,
instigando-nos à grande aventura e magia de viver.
E, para tanto, nada melhor do que mergulhar no cotidiano escolar !
89
4ª CENA: NAS MÃOS, A PALETA. OS PÉS, NO CHÃO DA ESCOLA
“A fonte primeira de todo o conhecimento é o
cotidiano, é o vivido” (PAIS, 2003, p.47).
Quando Pais (2003, p.16), na epígrafe, refere-se ao cotidiano e ao vivido, trazemos o
cotidiano escolar, como locus da complexidade, que deverá ser analisado não somente como
espaço/tempo em que circulam saberes/fazeres, mas, sobretudo, em uma perspectiva
metodológica, como alavanca do conhecimento .
Como capturar na cotidianidade do Curso de Formação de Professores os espaços de
criação com os gestos e os sentidos? Como perceber o fugaz da realidade, os detalhes
criativos que, em uma concepção hegemônica, escapam dos olhares mais sensíveis, ficando à
margem das propostas curriculares dominantes?
Com esse olhar, Lefèbvre (1991, p.19-20) representa um valioso interlocutor, quando
indaga:“Não consistiria ele (o cotidiano) uma primeira esfera de sentido, um domínio no
qual a atividade produtora (criativa) se projeta, precedendo assim criações novas?” .
Em uma via de mão dupla, podemos sugerir que os estudos sobre/do cotidiano abrem
as portas para o pensamento/ação complexo, ou o pensamento complexo se abre para os
estudos do cotidiano.
90
Tomo por mote as reflexões morinianas, ao sustentar que o pensamento científico
disciplinador, com suas concepções quantitativas, não abriu espaço para o cotidiano, uma vez
que trivializou a realidade individual, social e cultural.
Os cotidianos, em uma ótica do paradigma19 da complexidade, são uma fonte de
enigmas a serem revelados/desvelados, em um campo fértil de permanentes surpresas fluidas
e não descoladas do social.Também nos fazem espreitar a realidade que, em sua dinâmica,
pode ser imaginada, descoberta e construída. Apesar dos cotidianos se apresentarem como
rotineiros, regulares, insinuam um caráter de imprevisibilidade, de ingovernabilidade,
navegando por si mesmos, sem bússola (Ibid., p.81). Esta é a sua riqueza!
Escolher a área de pesquisa “no”, “sobre” e “com” o cotidiano escolar, nos faz ser
cúmplice deste cotidiano, que com sua rebeldia, traz manhas e manhãs, como nos cantam os
poetas:
“Conhecer
as
manhas
O
sabor
das
massas
É
preciso
amor
pra
(SATER; TEIXEIRA, 1990)
e
as
manhãs.
e
das
maçãs.
poder
pulsar...”
O sabor das manhãs, porque para os estudos no/sobre/com o cotidiano há sempre uma
nova manhã, uma nova oportunidade, pois o cotidiano é movimento, é rotação (dia e noite),
também, é translação (primavera, verão, outono, inverno), pois, em nosso caso, vivendo
abaixo dos trópicos, com estações tão híbridas, lugares de múltiplas faces e de povos, estas
estações se entrelaçam, colorem-se, mostrando suas astúcias/manhas.
A metáfora das manhãs nos sugere a idéia do tempo, que, no cotidiano, se faz fluido,
contínuo, mas, também, representa um tempo - lentidão, capaz de tecer surpresas, suspiros e
silêncios.
19
Acrescento que paradigmas são estruturas de pensamento que de modo inconsciente comandam nossas ações e
discursos.
91
Continuando com os nossos poetas, aliás, não podemos esquecer que foi a literatura a
responsável pela entrada do cotidiano no pensamento e na consciência (LEFÈBVRE,1991,
p.8), no cotidiano há manhas, porque ele se permite ser indisciplinado, incoerente, incerto,
camuflando-se e iluminando-se. Também é marcado por várias histórias que não são
sincrônicas, embora o cotidiano o seja, pois se vive muitos tempos ao mesmo tempo. Nele,
não existe a linearidade, somente o pulsar, uma vez que:
Uma prática cotidiana abre um espaço próprio
numa ordem imposta, exatamente como faz o
gesto poético que dobra ao seu desejo o uso da
língua comum num reemprego transformante
(CERTEAU, 1998, p.339).
Pensar em um cotidiano e suas práticas em Arte é exercitar uma educação do ver, do
observar, desvelando os tons característicos do próprio cotidiano, o que Lefèbvre (1983, p. 45) sublinha:
Os defensores da cotidianidade têm então uma outra
maneira de olhar o mundo. Eles pretendem fazer surgir
o extraordinário do ordinário, ‘ desenvolver uma
maneira não trivial de ver a trivialidade’. Porém, não
basta apenas olhar mais atentamente as coisas.
Mergulhar no cotidiano implica numa mudança de
postura necessária a um projeto bem mais ambicioso,
que é o de mudar a vida. Só com essa perspectiva
podemos aqui falar de redescobrir o cotidiano ou a vida
cotidiana.... Não basta pretender alcançar o cotidiano,
mas é necessário, para conhecê-lo verdadeiramente,
querer transformá-lo.
Com estas interlocuções, ampliamos a visão de um cotidiano que se faz, não deixando
de influenciar e ser influenciado por um contexto social mais abrangente.
92
Assim, buscamos falar de um cotidiano que, de forma profunda, vivenciamos no
curso de formação de professores, quando expectativas, muitas vezes, recaem sobre nós
educadores, em um momento em que a globalização da economia tem aumentado as nossas
responsabilidades quanto a uma formação mais integral do futuro educador. Em
contrapartida, as condições que nos são oferecidas, em sua maioria, não nos permitem
atender a tais expectativas, ocasionando profundas contradições, sentimentos conflitantes de
menos valia, de auto-limitação e de incompetência, que são escamoteadas e engessadas nas
rotinas das salas de aula, nos planejamentos, nas/os pautas/ diários preenchidas/os...
Partindo da idéia sobre a escola que somos, enquanto professora de uma Instituição
que sempre se orgulhou do fato de ser o Curso Normal mais antigo da América do Sul,
fundado em 1835, observo a precariedade desse espaço. Profissionais qualificados, em sua
maioria, por universidades públicas, mas profundamente desmotivados pelas constantes
desvalorizações dirigidas pelos governos estaduais. Escola sucateada, salas de aulas sujas,
sem nenhum recurso material (inexistência de folha de papel, de máquina copiadora).
Precariedade da biblioteca que se encontra, normalmente, fechada por falta de responsável
pelo seu uso. Ausência de coordenadores pedagógicos e de orientadores educacionais. A
existência de apenas um psicólogo, para quase mil educandos, que tentam se formar em
professores.
Continuando este quadro desolador, educandos desmotivados trazendo dificuldades
na aprendizagem da leitura e escrita, além das lacunas quanto ao processo de construção do
conhecimento. Isso sem falar nas constantes crises de violência/insegurança que nos
assaltam. Não somente a violência instalada pela marginalidade, mas a violência sobre as
indefinições da continuidade do próprio Curso, que, aliás, representa um espaço histórico na
trajetória da formação de professores.
Por que após quase uma década da legislação em vigor, não há interesse do governo
estadual em transformar esse espaço de importância histórica, em um Instituto Superior de
Educação? Ao contrário, temos vivido constantes momentos de constrangimentos.
Lelis (2001) referindo-se a Weber (1997), destaca os problemas que, há décadas, se
arrastam nos espaços das Escolas Normais, como a desarticulação entre os diferentes tipos
de conhecimentos que compõem o currículo, a redução e o esvaziamento das disciplinas de
93
caráter instrumental, a ausência de projetos pedagógicos organicamente construídos pelos
docentes, além dos constantes constrangimentos que nos impõem. Sustenta que os anos
passados em escolas normais bem poderiam ser considerados como “anos descoloridos”, tal
é a falta de glamour da instituição.
No Ensino Médio, as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais, quanto ao
ensino de arte, sustentam uma consistente proposta teórica, que, no entanto, não é possível
ser legitimada na prática pedagógica, em função da sua complexidade, tanto em relação à
efetiva contração de profissionais que atendam às diferentes linguagens expressivas, quanto
às condições físicas das escolas e aos recursos materiais necessários para tal fim.
Nesta perspectiva, dentre os fundamentos dos Parâmetros Curriculares do Ensino
Médio (1998, p.169) destacamos:
Conhecer arte no Ensino Médio significa os alunos
apropriarem-se de saberes culturais e estéticos
inseridos nas práticas de produção e apreciação
artísticas, fundamentais para a formação e o
desempenho social do cidadão... As diretrizes
enunciadas aqui buscam contribuir para o
fortalecimento da experiência sensível e inventiva dos
estudantes, e para o exercício da cidadania e da ética
construtora
de
identidades
artísticas.
Esse
fortalecimento se faz dando continuidade aos
conhecimentos de arte desenvolvidos na educação
infantil e fundamental em música, artes visuais, dança,
e teatro, ampliando saberes para outras
manifestações, como as artes audiovisuais.
Em seguida, percebemos que os PCN, negam-se em articular os embates históricosociais e políticos que a escola brasileira tem passado ao longo de sua existência, ao sustentar
que:
94
Nota-se um descaso de muitos educadores e
organizadores escolares, principalmente no que se
refere à compreensão da Arte como um conhecimento
humano sensível-cognitivo, voltado para um fazer e
apreciar artísticos e estéticos e para uma reflexão sobre
sua história e contextos na sociedade humana (Ibid.,
p.170).
No contexto desta citação, fica-nos a indagação: Quem tem sido responsável pela
formação destes profissionais? Quais são os referenciais e instrumentais que avaliam o
descaso que se diz observar? Quem são estes avaliadores dos educadores de arte? Qual tem
sido a contrapartida dos órgãos responsáveis pela formação de profissionais do Ensino de
arte, para que se viabilizem as propostas?
Prosseguindo na análise, o documento destaca que com a Lei nº 5.692, a arte passa a
ser tratada como experiência de sensibilização, deixando, no entanto, de ser valorizada
como conhecimento humano, histórico na educação escolar. Sendo que a partir de 1987, os
Congressos Nacionais e Internacionais sobre Arte e Educação abrem espaços para
discussões sobre cursos de arte, nas diversas linguagens artísticas, cuja preocupação é que o
conhecimento em Arte seja cada vez mais fortalecido na educação, com qualidade e no
mesmo patamar de igualdade com os demais conhecimentos humanos presentes na escola
básica (p.170-171).
A preocupação do nosso estudo teórico-prático não se impõe, nesta perspectiva, que
o conhecimento da arte seja fortalecido na Educação, atingindo o mesmo patamar de outras
áreas do conhecimento. Não percebemos que a questão fundante refira-se a uma hierarquia
de conhecimentos, mas, sobretudo, que a arte seja vivenciada no cotidiano escolar como
um instrumento educativo, como um dispositivo para uma aprendizagem significativa
e criativa sobre os saberes do mundo, sobre os saberes de si (auto-conhecimento, que
também é conhecimento), somando-se aos saberes sobre o outro. Ou seja, a arte seja
vivenciada em uma abordagem integral.
95
Todavia, os PCN ressaltam que existem algumas tentativas de melhoria do trabalho
educativo de arte em escolas médias brasileiras nas últimas décadas, considerando-se
urgentes estudos, pesquisas, discussões, mudanças profundas nos valores, conceitos e
práticas que sustentem a presença da arte e de suas linguagem, com a inclusão de práticas
artísticas em suas diversas interfaces, interconexões e usos de novas tecnologias de
comunicação e informação. Todas estas propostas são levantadas, apesar de não se apontar
o compromisso das instâncias educacionais superiores na operacionalização de práticas
comprometidas com tais objetivos.
Em nosso entender, caso as sugestões não se materializem no “chão da escola”, mais
uma vez, a responsabilidade recairá sobre os ombros dos educadores, engrossando a lista
dos seus descasos!
No que se refere ao Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho – RJ, ao
analisarmos a atual proposta pedagógica relativa à área das artes, observamos que as
diretrizes apontadas nos PCN são, teoricamente, contempladas, como verificamos, nos
principais objetivos que consideramos mais relevantes para o estudo que realizamos:
Experimentar e explorar as possibilidades de cada
linguagem artística;
Compreender e usar a arte como linguagem (busca
pessoal/ coletiva). Articulando a percepção,
imaginação, emoção, investigação, sensibilidade e a
reflexão ao realizar e fruir produções artísticas
individuais e grupais;
Experimentar e conhecer materiais variados;
Instrumentos e procedimentos artísticos diversos;
Reconhecer, diferenciar e saber utilizar como
propriedade diversas técnicas de arte, meios de
comunicação, da imagem (fotográfica, cartaz,
televisão, vídeo, história em quadrinhos);
96
A produção artística visual, em espaços diversos, por
meio de: desenho, pintura, colagem, gravura,
escultura, instalação e outros. (Projeto PedagógicoIEPIC- 2000).
Na análise feita, das diretrizes do Projeto relativas à área de artes, verificamos o
compromisso da Instituição em seguir as orientações pontuadas pelos PCN. Entretanto, na
prática, constatamos tanto na observação feita no/do/sobre o cotidiano escolar, quanto nas
entrevistas com dois professores de artes, que atuam na formação de professores, as inúmeras
dificuldades encontradas por estes profissionais na operacionalização dos objetivos propostos,
a começar pela falta de profissionais das diferentes áreas expressivas, principalmente, no que
se refere à música, dança, teatro, a ausência de espaços e materiais específicos para o trabalho
com as artes, a impossibilidade da freqüência a espaços culturais, em visitas interativas, e,
principalmente, a não articulação das diferentes áreas do conhecimento em projetos
pedagógicos.
Envolvidos pelo mito do progresso, pois, afinal, não podemos formar profissionais
excluídos digitalmente, constatamos, nesse espaço educativo, a construção de um Núcleo
Tecnológico, com inúmeros computadores, ligados à Internet. A atual lógica que se impõe,
sugere que precisamos estar conectados com uma rede, mesmo que o preço seja a perda da
nossa individualidade! E, indagamos: como aprender a solidariedade, tão urgente,
navegando horas a fio em redes virtuais, que não nos possibilitam olhar no olho do
outro?
Frente às inquietações que nos movem, vale refletir: e os espaços para fazer as
conexões mais profundas com as nossas potencialidades, como construí-los, até mesmo,
materialmente?
Há que se considerar, outrossim, a dificuldade do trabalho com arte, sem um
material didático específico, pois, uma prática com a arte, que lance mão, exclusivamente,
de sucatas, mesmo sabendo de sua riqueza, não atingirá a amplitude que o processo de
criação exige.
97
A existência de Projetos que oportunizassem vivências integradoras de linguagens da
arte na escola, poderiam comprometer-se com que, por exemplo, as áreas da arte, da
literatura, da história, que representam disciplinas com forte apelo à religação, pudessem
articular o que tem sido considerado como separado.
Essa seria uma tentativa de que essas áreas fossem vivenciadas com toda a sua
potencialidade, favorecendo a integração dos saberes na Vida e a possibilidade de se habitar
a Vida poeticamente (MORIN, 1999), e, assim, estaríamos ampliando o olhar do educando
favorecendo uma aprendizagem significativa, pois, mais articulada/ inteira e criativa.
No contexto destas constatações, é preciso a conscientização do que nos falta no
espaço/tempo escolar e, urgentemente, encontrar caminhos para pensar sobre práticas
pedagógicas em arte na formação de professores, que favoreçam a articulação entre
saberes/fazeres significativos, permitindo uma formação mais inteira/complexa e inclusiva,
que desperte o educando para a ampliação do seu pensamento, do seu auto-conhecimento,
da sua criatividade, da sua sensibilidade e para a aprendizagem da convivência solidária.
Estes representam enfrentamentos a serem vividos no cotidiano escolar, uma vez que, não se
deverá formar um profissional em “condições mínimas”, ao contrário, deverá se possibilitar
o investimento de uma formação qualificada que instrumentalize o futuro educador para o
exercício de novas práticas transformadoras/ reflexivas/criativas, enfim, éticas e
emancipatórias.
Respaldados no desejo de uma inclusão emancipatória do educador, entendemos ser
fundamental o rompimento com uma formação preocupada puramente com a racionalidade/
competência técnica, indo-se além, levando-o a recuperar a capacidade de pensar com
autonomia sobre a própria prática, refletindo sobre o próprio trabalho, pensando sobre si,
pois, com a sua autoconsciência, vai se fazendo/construindo-se no cotidiano escolar.
Na mesma linha de pensamento, Schõn (1992) complementa que refletir sobre a ação
é pensar sobre o que fazemos e pensar enquanto fazemos algo, o que nos torna
investigadores do próprio fazer. Paiva (2003), ao aprofundar estudos sobre as contribuições
de Schõn (1992), ressalta que o autor distinguiu o conhecimento na ação, a reflexão na ação,
a reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação. Essas dimensões compõem o pensamento
98
prático do profissional, e defendem processos de ensino comprometidos com programas de
formação profissional que garantam a emancipação social dos educadores (p.50-62).
Ao propormos o resgate do educador enquanto ser histórico que se constrói
dialeticamente, buscamos suporte em Gramsci (1978), ao sugerir que se faça um inventário
sobre si mesmo, criticando a concepção de mundo para torná-la unitária e coerente. Para
tanto, assinala que o ponto de partida para a elaboração crítica é a consciência daquilo que
somos realmente, como nos tornamos, nesse processo histórico em que fomos construídos,
enquanto sujeitos. Em outras palavras, se mecanicamente nos foi imposto uma concepção de
mundo é preferível pensar sem consciência crítica, ou é preferível:
Elaborar a própria concepção de mundo de uma
maneira crítica e consciente e, portanto, em ligação com
este próprio trabalho do cérebro, escolher a própria
esfera de atividade, participar ativamente na produção
da história do mundo ser o guia de si mesmo e não
aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da
própria personalidade? (Ibid., p.12).
Neste diálogo, quando enlaçamos vários fios, necessários para uma tessitura robusta
da formação de professores, marcada, ainda, por sua “inclusão patológica”, pela
proletarização do magistério e alimentada por uma formação técnica caracterizada por uma
autonomia parcial, percebemos que precisamos alinhavar este tecido, com os fios criativos
da convivência que poderão ser responsáveis por novas trilhas definidoras de práticas
pedagógicas emancipatórias, enriquecendo, sobremaneira, o cotidiano escolar.
Completamos este diálogo com Maturana (1998) que, nos instiga a pensar no
humano, enquanto a fusão do racional com o emocional e a articulação de seus saberes,
pois, parte da premissa que não é a razão que nos leva à ação, mas a emoção. Acrescenta
que sem a aceitação e respeito por si mesmo não se pode aceitar o outro, como legítimo
outro na convivência, não havendo, dessa forma, o fenômeno social.
99
Ao ressaltarmos o desafio da vivência articulada da razão com a emoção, do objetivo
com o subjetivo, retornamos a Morin (2000 b) - o cotidiano é o espaço da realização do
complexus, onde tudo se entrecruza e entrelaça, sem perda da variedade e da diversidade das
complexidades que o tecem (p.188).
Frente aos profundos embates que vivenciamos talvez esta seja uma importante
pista:
Estou preso à vida e olho os meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles considero a enorme realidade. O
presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos
afastemos muito, vamos de mãos dadas... O tempo é
minha matéria, o tempo presente, Os homens
presentes, a vida presente.
Carlos Drummond de Andrade - Mãos dadas.
100
5ª CENA: COLORINDO A PALETA COM TEORIAS DE EDUCADORES
ARTISTA
“Não se trata de saber o que todo o mundo sabe,
trata-se de como saber e como torná-lo
operacional” (PENA-VEGA, 2003, p.160).
Ao enfatizar estudos de alguns teóricos, com quem dialogamos sobre a arte, o nosso
objetivo é capturar saberes que, somados aos que construímos em nossas trajetórias, ampliem
olhares e direcionem operacionalizações, como sugere a epígrafe, oferecendo-nos, no caso
deste estudo teórico-prático, pistas sobre o processo de criação de futuros educadores.
No entanto, não podemos esquecer como nos salienta Triviños (1994, p.132-133), em
sua análise sobre pesquisa qualitativa, que nesse tipo de investigação, a fundamentação
teórica não existe como um capítulo separado. Ela serve para apoiar, se possível, as idéias que
vão surgindo no desenvolvimento da pesquisa.
Apoiados nessa ótica, não desejando simplificar e tampouco reduzir as contribuições
dos teóricos, decidimos não esgotar as suas reflexões nesse 5° cenário, para que suas idéias
possam retornar como fios dourados, que venham tecer juntos, às análises que,
posteriormente, faremos. Por isso, optamos em iluminar nosso diálogo, resgatando um pouco
da História da Educação Brasileira, que muito nos alimentou as esperanças na década de
1960, representando um importante momento histórico, para a educação de nosso país.
101
Sabemos que o ensino de arte no Brasil tem sido marcado por concepções e,
conseqüentemente, permeado por práticas escolares bastante diversificadas. Entender tais
cenários, remetem-nos à possibilidade de mergulhar nas histórias que, dois educadores
brasileiros nos legaram em suas crenças sobre a arte enquanto uma força educativa na
formação do homem e da mulher brasileiros.
Nesta perspectiva, o estudo nos provoca no sentido de irmos em direção às valiosas
contribuições daqueles que consideramos os “fios da prata da casa”: Anísio Teixeira e
Durmeval Trigueiro Mendes e suas artes de dizer/fazer.
Na tentativa de análise dos pressupostos sustentados por estes dois filósofos e
educadores brasileiros, buscamos gerar intervenções que ampliem as considerações a respeito
da arte, enquanto um dispositivo criativo/educativo na formação do ser humano.
•
Anísio Spínola Teixeira (1900-1971)
“A mais educativa das atividades é a atividade
de criação artística”.
(TEIXEIRA, Anísio,1970)
Sou de uma geração de educadores que cursou uma formação universitária em nível
de graduação e pós-graduação nas décadas de 1970 e 1980, e não recebeu incentivo de ler
Anísio Teixeira. Nesse período, sob forte influência sociológica nas análises do contexto
educacional, Anísio era considerado “escolanovista”, “tecnicista”, “americanista” e “liberal”.
E, como se deu o meu encontro com o professor Anísio?
No final da década de 1980, em momento de tomada de decisão na elaboração dos
planejamentos para um curso de pós-graduação em Educação, cujo módulo se chamava
Inovações em Educação, vislumbrei a possibilidade da opção de trazer Anísio Teixeira para
102
enriquecer o nosso cenário, dentre aqueles comprometidos com a inovação da educação
brasileira.
Assim, junto aos professores com os quais compartilhamos este trabalho, no período
de 1989 a 2001, do Amapá até o Paraná, sempre ficava a satisfação, as inquietações sobre a
trajetória brasileira do tão “ilustre desconhecido”, comprometido com a escola pública, Anísio
Teixeira!
Queremos, dessa forma, fazer jus a sua importante contribuição à educação de nosso
país, considerando a atualidade do seu pensamento em relação à educação pública de
qualidade, a ênfase dada à formação dos educadores, ao valor do fazer criativo na formação
integral do ser humano, além do compromisso com a pesquisa, enquanto área de investigação
acadêmica. Não nos deteremos nas contradições existentes em algumas de suas análises, que
consideramos serem fruto das próprias contradições do momento histórico vivido e da sua
formação, as quais não invalidam, de forma alguma, o seu compromisso com a educação
brasileira.
Enfim, Anísio desafiou a sociedade brasileira com a discussão, ainda necessária, que a
Educação não é privilégio.
Sua trajetória enquanto homem público iniciou-se aos 24 anos, como Inspetor Geral
do Ensino da Bahia, foi criador da Universidade do Distrito Federal (1931), um dos
signatários do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, Diretor do CAPES e do INEP,
participante ativo na elaboração da 1ª LDB, além dos livros que escreveu expressando uma
compreensão profunda da História da sociedade brasileira.
Ressaltamos a importância de Anísio Teixeira no que diz respeito à arte na formação
do ser humano, ao investir em uma das suas mais relevantes iniciativas que foi a construção
do Centro Popular Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador – Bahia, popularmente
chamado de Escola Parque, síntese da proposta de educação pública de tempo integral.
Inaugurado parcialmente em 1950, representou o reflexo de sua proposta maior que era a
valorização do ser humano, como ser ímpar, uma vez que ele via a Educação como uma obra
de vida. A multiplicidade das práticas educativas existentes, através dos oito setores de
trabalho: teatro, biblioteca, educação física, pavilhão de trabalhos, artes plásticas, jornal, rádio
103
e banco econômico, constituíam uma imagem viva em prol dos benefícios da educação
integral, ou seja, um processo educativo que via o ser humano em sua inteireza, em sua
individualidade, mas visando o coletivo. Procurava desenvolver o ser em todos os seus
aspectos de personalidade e buscando ampliar os valores maiores da pessoa humana, como a
liberdade com responsabilidade, pensamento crítico, criativo, senso das artes, a convivência
solidária, o espírito curioso a novas idéias e a capacidade para o trabalho produtivo
(CARVALHO, 1983).
Sob essa perspectiva, Anísio Teixeira define a educação através da arte com uma arte
prática. Ao enfatizar a educação prática buscava conciliar na formação docente a
aprendizagem de métodos de investigação e técnicas de ensino com a reflexão filosófica,
contribuindo para elaborar respostas criativas às situações do cotidiano da sala de aula
(NUNES, 2000, p.19).
Dessa forma, a experiência de educação integral, proposta por Anísio, reunia o ensino
da sala de aula com o que ele chamava de auto-educação.
No discurso de inauguração da Escola Parque, sobre a importância da formação dos
professores, ressalta:
Teremos os professores primários comuns para as
escolas-classe e para a escola-parque, os professores
especializados de música, de dança, de atividade física,
recreação e jogos. Em vez de um pequeno gênio para
tudo, muitos professores diferenciados em dotes e
aptidões para realização da tarefa sem dúvida
extraordinária de formar e educar a infância nos seus
aspectos fundamentais de cultura intelectual, social,
artística e vocacional (ÉBOLI, 1985, p.51).
A Escola Parque tinha como principal objetivo proporcionar um espaço onde
houvesse a vivência da autonomia, da iniciativa, da responsabilidade, da cooperação, da
honestidade, do respeito a si mesmo e aos outros.
104
Sobre essa experiência, a jornalista Yvone Jean, em sua reportagem publicada na
revista Leitura (Jan/1958), em visita ao Pavilhão de Trabalho, que incluía as artes aplicadas,
industriais e plásticas, observou:
Ao penetrarmos no Centro, ao chegarmos a uma espécie
de passarela, dominando o centro de imenso galpão de
uns 100 metros de comprimento, de onde vislumbramos
centenas de crianças muito ativas, cada um soltou um
‘oh’ espantado, encantado, admirado, pois esta não era
uma escola parecida com qualquer outra. A claridade, a
luminosidade, os coloridos e a música que se tocava, nos
colocavam num mundo diferente. Como explicar as
múltiplas atividades de crianças que recebem educação
integral– metade do dia na classe, metade na escolaparque?
Havia
crianças-alfaiates,
sapateiros,
marceneiros, tecelões, pintores, artesãos, manipulando o
sisal, o couro e tudo mais. Oh! Conhecemos muitas
escolas que ensinam aos alunos o aproveitamento de
palha e a tecelagem. O que era diferente era o ambiente
no qual se moviam estes meninos e meninas que olhavam
os visitantes nos olhos, sem complexos, com olhar claro
e seguro e com alegria. .
Eis aí uma fotografia do que era possível ser vivenciado naquele espaço educativo, o
qual acolhia crianças da periferia de Salvador, crianças e adolescentes que tiveram a
oportunidade de compartilhar a arte em toda a sua dimensionalidade. Este texto-fotográfico
nos possibilita viajar em nossa imaginação e percebermos/sentirmos as cores das paletas e
telas, a alegria de corpos soltos no ar, o embalo de músicas e instrumentos, a alegria nas faces
de quem, assumindo o seu fazer/agir, tem a coragem de criar, dando vida à própria vida. O
compromisso, a responsabilidade, a cooperação presentes simbolizam a oportunidade que o
processo criativo proporciona ao conectar o ser consigo mesmo, possibilitando ser tudo o que
se nasceu para ser, uma vez que suas potencialidades estão sendo vivenciadas. É a arte
ressignificando a vida, é a vida pulsando em toda a sua plenitude!
105
Os educandos de nove a quatorze anos escolhiam as técnicas de seu interesse, no ato
da inscrição em turmas, no pavilhão de trabalho que freqüentavam. O desenho era a atividade
fundamental e de relevante importância que todos os alunos realizavam. Observava-se o
entrosamento com a técnica de tapeçaria, um dos pontos altos do trabalho criador, além de
bordados diversos, a confecção de cartazes, máscaras, pinturas de trajes e cenários para o
teatro, além da preparação de convites, avisos, murais, programas de comemorações e
divulgação do movimento dos outros setores.
Nesse contexto criador, as técnicas apropriadas eram: cartonagem, encadernação,
recuperação de livros, artefatos de couro, de metal, de madeira, modelagem, cerâmica,
cestaria, alfaiataria, corte e costura, bordados diversos, confecção de bonecas e bichos,
tapeçaria e tecelagem, que faziam com que cada um entrasse em contato com as suas
potencialidades.
A reflexão sobre tais práticas pedagógicas evidencia que há mais de cinqüenta anos a
proposta da Escola-Parque defendia a possibilidade da vivência do potencial criador humano,
na capacidade do educando expressar-se através de múltiplas linguagens, favorecendo, desse
modo, uma ampla formação geral do indivíduo.
As situações de aprendizagem criadas através dessas atividades, favoreciam a
aprendizagem em grupo, as tomadas de decisões, a ajuda recíproca, o respeito mútuo, a troca
de idéias e do julgamento de sugestões, enfim, a formação da amizade, enquanto um valor
indispensável para a vivência coletiva. A disciplina era flexível, decorrente do próprio
trabalho e das relações com os colegas.
Pelo trabalho, o simples artesão está sabiamente
ensinando os meninos a pensar, a prever, a ter paciência
e tenacidade, a ser responsável e exato. Não existe a
preocupação de se ensinar determinado trabalho, mas,
fundamentalmente, de oferecer oportunidade para se
aprender a trabalhar. Os grupos de meninos, que por ali
passam, adquirem, no mínimo, habilidade em uma
técnica, mas, seguramente, levam algo muito mais
importante: o gosto e o amor pelo trabalho... As técnicas
variadas, enriquecidas constantemente nas alternativas
106
do aprendizado, com sentido educativo, de formação da
personalidade e não com característica ou cunho
profissional (ÉBOLI,1985, p.52-53).
Na verdade, na amplitude desse projeto não poderia faltar a questão da avaliação do
mesmo. Para tal avaliação do aproveitamento dos educandos no Setor do Trabalho eram
observados os seguintes aspectos: Colabora ele (a) no planejamento do trabalho? Compreende
bem as instruções? Participa ativamente das várias fases do trabalho? Aproveita bem o
tempo? Começa logo a trabalhar? Trabalha até encerrar o horário? É digno de confiança e
assume responsabilidade? Está desenvolvendo auto-crítica e senso crítico? Procura descobrir
e corrigir erros? Trabalha bem em grupo? Trabalha bem independentemente? Aceita bem as
decisões do grupo? É cortês e respeita os direitos dos outros? (Ibid., p.64).
Quanto ao setor artístico, que só foi inaugurado em 1963, este se colocava acima da
média das atividades desenvolvidas em outras escolas. Encontrava-se sob a responsabilidade
de profissionais de categoria. Temos, ali, a educação integrada na arte, não o passatempo dos
teatros escolares, tão improvisados e de mau gosto (Ibid. p.70).
Diante desse projeto, Anísio era considerado um visionário e não faltaram críticas ao
seu empenho. Diante dos constantes ataques recebidos justificava-se:“ não se pode fazer
educação barata como não se pode fazer guerra ... não há preço para a sobrevivência (1950).
Tão grande investimento se justificava também pela simplificação por que passava a
escola brasileira, tendo até quatro turnos diários, para atendimento dos alunos. E, sobre essa
questão, ressaltava que os brasileiros depois de 1930, eram todos filhos da improvisação
educacional.
Nós, educadores do início do século XXI, não estamos ainda vivenciando tais
provocações/ distorções dos sistemas de ensino, tanto na rede pública, indo da escola básica
até a Universidade, quanto na rede privada? Acostumamo-nos, por exemplo, à redução do
número de aulas que constam da grade curricular, para que se atenda ao precário número de
professores (as) existentes nas escolas, mesmo sabendo que existe uma longa fila de
concursados à espera de contratação!
107
A proposta de Anísio Teixeira também recebeu severas críticas daqueles que não
aceitaram as suas aproximações com John Dewey, conferindo-lhe pejorativamente o adjetivo
de “americanista”.
No contexto destas reflexões, trazemos as observações apresentadas no livro: Chaves
para ler Anísio Teixeira, quando Stela de Almeida Borges (1990) aponta as críticas que, na
ocasião, eram feitas à Anísio, questionamentos estes, quanto à sua posição liberal. O Jornal O
MOMENTO, em outubro de 1950, ao se referir à inauguração do Centro Educacional
Carneiro Ribeiro, ressalta que o educador teria se utilizado de uma fraseologia requintada de
pseudo-intelectual e volteios de colibri sobre as questões sociais... os seus medos ante o
avanço de revolta das grandes massas brasileiras contra o governo, as classes dominantes
das quais ele é uma espécie de Peter Pan. O jornal ainda acrescenta as palavras que Anísio
defendia: os pilares-Estado, Igreja, Família, e Escola, os pilares da dominação de classe, e que
ele era um representante da classe dominante, defendendo seus interesses (1990, p.164).
Assim, os críticos de sua época sustentam que a sua proposta representava uma escola
a serviço do capitalismo com o objetivo de preparar os jovens para o fascismo. Uma escola
que associa a tipologia de escola ao desenvolvimento urbano-industrial e se apóia numa teoria
educacional – o escolanovismo.
As críticas, a que Borges assinala, ainda continuam:
Se em Anísio Teixeira, o conhecimento capaz de viabilizar
o desenvolvimento da sociedade urbano-industrial,
liberal, progressista, democrática é o conhecimento a
partir da experiência prática, da ação, princípio que
substancia a proposta da escola nova, prática e
experimental, este é um postulado unidirecional,
uniforme, exclusivo. Esta compreensão da ciência
experimental
como
patamar
básico
para
o
desenvolvimento social, não dá conta das multiplicidades
de conhecimento, da pluralidade, de verdades, da
totalidade.
Tomando
a
ciência
como
método seguro de conhecimento, esta posição não reflete
a atividade humana em constante devir, mutável,
histórica, em constante transformação (Ibid., p.171).
108
Além das questões, sustenta que a Escola primária representa uma réplica da
sociedade, uma mini-comunidade que traz em si a concepção de trabalho dividido em Escola Classes para a instrução e Escolas-Parque para a educação (trabalho), as duas espacialmente
separadas. Considera que as práticas educativas propostas atendem a um incipiente
desenvolvimento industrial, que as práticas artesanais, como responsáveis na formação do
homem comum, ao trabalhar com o barro, a madeira, o couro, estariam contribuindo para a
manutenção do trabalho desqualificado para uma sociedade de classes.
Frente a tantas provocações, gostaria de esclarecer que não compartilho dessas idéias,
pois enquadrar determinadas teorias em contextos históricos diferentes, em outras culturas,
em
outros
olhares
e
necessidades,
significa,
contrariamente,
reduzir
a
multiplicidade/pluralidade e a totalidade do conhecimento e do ser humano.
O pressuposto trazido por Eni Orlandi, citado por Chaves (1999, p.87), sustenta a
fundamentação que se faz necessária. Esta autora argumenta que sempre que alguém diz
alguma coisa, o diz de algum lugar da sociedade para um outro alguém, que também se
encontra em algum lugar da sociedade. Isso faz parte da significação. O que nos faz indagar:
De que lugar, falam os críticos? De que lugar falava Anísio Teixeira? De que lugar escreveu o
jornalista para o jornal O MOMENTO? Quais os seus comprometimentos? A serviço de quem
tais idéias foram escritas?
Em que pese às provocações feitas pelo autor, não compartilho do mesmo
entendimento a respeito da categoria experiência, que no caso da proposta da Escola-Parque
representava uma experiência de criação. Não percebo nas atividades práticas sugeridas, a
preocupação com a alienação, com o trabalho produtivo a serviço de um sistema econômico
capitalista, e muito menos, que Anísio representasse o Peter Pan da burguesia nacional.
Afirmar que Anísio aceita as divisões sociais do trabalho, separando o trabalho
intelectual do manual é não ter a compreensão que uma experiência, por ser uma atividade
prática e criativa, não se encontra descolada da reflexão. A arte é entendida como
conhecimento. Quantas decisões são necessárias no ato de criação? Aliás, não tem sentido
109
uma teoria sem prática e, tampouco, uma prática sem uma reflexão teórica. Como se sustenta
a relação dialética entre teoria e prática?
Quanto à separação física dos espaços para as aprendizagens da Escola-Classe e da
Escola-Parque, argumento que estes espaços só estavam separados por uma distância de
aproximadamente quinhentos metros. A separação física não seria necessária em virtude do
volume de atividades e instrumentos que exigiam a convivência com barulhos que poderiam
vir a prejudicar um trabalho intelectual mais rigoroso? Imaginemos a multiplicidade de sons
que coloriam esse espaço: vozes do coral, bandas que se mesclavam com serras elétricas, os
alto-falantes da rádio escolar, somando-se aos ruídos criadores dos tornos.
Não seriam verdadeiras vivências e experiências, no sentido dado por Larrosa, já
anteriormente analisado por nós?
Em nosso entender, tomando por base o referido autor, a partir do diálogo que
fizemos com Larrosa, as práticas pedagógicas vivenciadas pela Escola-Parque não
representaram experimentos em uma visão mecanicista, mas verdadeiras experiências
criadoras capazes de ressignificar e dar sentidos aos fazeres dos educandos.
Neste momento, vamos pedir emprestado e enlaçar mais alguns fios preciosos à nossa
tessitura, que, generosamente, Maria Dolores Coni Campos (2003)20 teceu, com o seu jeito
baiano e singular, ao escrever e receber cartas de arte-educadores e de artistas, que narraram
as suas artes de fazer e criar. Entre tantas sensíveis narrações, trazemos dois depoimentos de
educadores que nas décadas de 1950 e 1960, narram suas vivências na Escola Parque. Entre
elas, a de Célia Pinto Resende (2003)21. Assim, ela nos conta:
20
Conhecer Dolores foi um desses grandes presentes que, de repente, sem esperar recebemos. Estudamos juntas
em uma disciplina oferecida pela Edwiges Zaccur (2002). Enlaçamos conversas, em seu apartamento, sobre
Arte, quando, generosamente, emprestou-me um dos seus valiosos tesouros – diversos números da Revista da
Escolinha de Arte do Brasil. Depois, tivemos o prazer de assistir à apresentação de sua Dissertação de Mestrado:
Encontros ontem: Encontros hoje. Cartas que vão, cartas que vem. Entre na roda você também. (Rio de Janeiro:
UFF,2003)
21
Célia Pinto Rezende é uma professora aposentada do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, mas
especialmente a Escola Parque, em Salvador/Bahia. Nasceu no interior da Bahia e reside, atualmente, em
Salvador.
110
Fui bolsista de Artes Industriais e Desenho na Escola
Parque em 1956. No ano seguinte, concorri a uma vaga
para ensinar na própria escola. Aprovada no teste e
requisitada ao Estado, passei logo a trabalhar. Fiquei,
então, responsável por uma turma da Técnica de
Cerâmica. Todas as turmas que freqüentavam a Escola
eram formadas, levando em conta a preferência e escolha
livre dos alunos. Num ambiente de cooperação e
disciplina flexível, o professor orientava e estimulava,
dando aos alunos oportunidade de criar, de se expressar,
de aprender e se educar livremente. Sem preocupação de
formação profissional. Os alunos chegavam sempre
alegres. Muitos já com idéias do que desejavam fazer com
o barro. No dia de abrir o forno para retirar os trabalhos
queimados, o clima era de alegria, expectativa e
surpresas. Todos participavam. Os alunos participavam
com curiosidade e passaram a observar na redondeza, as
tonalidades diferentes da terra para usarem em seus
trabalhos. Em 1962, fui novamente ao Rio, enviada por D.
Carmem, desta vez para freqüentar cursos na Escolinha
de Arte do Brasil. Foi uma experiência muito importante.
Um leque de informações. Aqui, continuei na Técnica de
Desenho e também com a responsabilidade de orientar a
aplicação dos desenhos das crianças nas Técnicas de
Tapeçaria e Bordados diversos. Um grupo de professores
ficou comigo e outro com Dona Elvira, que orientava um
trabalho mais tradicional. Muitos tapetes da Escola
participaram de exposições e foram muito apreciados por
artistas e críticos. Além do entusiasmo com técnicas do
setor de Trabalho, como Tapeçaria, Bordados etc, havia
também com outros setores, como Recreativo, Teatro,
Dança, com confecção de cenários e adereços, com a
colaboração da Técnica de Madeira e a de Corte e
Costura na confecção dos figurinos. Cartazes e convites
para comemorações e eventos da Escola também eram
feitos ali. Estou contando tudo isto, estendendo-me até
demais, primeiro porque você se interessa e me incentiva,
e segundo para tentar passar a idéia do que representou a
Escola Parque para mim. Ali encontrei ambiente para
realizar os planos
 desejos de crescer
profissionalmente, vivendo, aprendendo, amadurecendo
em todo o sentido (RESENDE, Apud, CAMPOS, 2003,
p.60-64).
111
Desfio uma outra narrativa de Maria Celene de Andrade de Amorim (2003)22,
também, uma das interlocutoras no trabalho de Dolores, que assim nos leva a viajar no
tempo/espaço da Escola Parque:
A história começa com uma seleção para bolsista, porta
de entrada para a formação em nível de teoria e prática
da educação integral concebida por Anísio Teixeira, para
desenvolvimento naquele espaço educativo. Aprovada,
passei nove meses em formação intensiva, tempo de uma
gestação. Passei por diversas técnicas e aprendi, com
grandes mestres e mestras..., a arte de trabalhar com
madeira, modelagem, cerâmica, couro, metal cartonagem,
cestaria, tecelagem e tapeçaria. O curso foi intensivo e
intensivo também foi meu empenho para corresponder à
oportunidade de que desfrutava. Não é todo dia que
alguém tem, em seu currículo, uma composição de
professores como os que propiciaram a minha formação.
Como frutos desses nove meses, saíram muitos recémnascidos apresentados numa valorosa exposição.
Orgulhosamente apresentei à minha família e aos meus
amigos os meus bebezinhos: mesas, jarros, bancos,
bolsas, cestas de vime e de cipó, blusas, sais, candeeiros
de metal, tudo caprichosamente produzido, no ano de
1959. No ano seguinte, em 1960, comecei o meu percurso
como docente da Escola Parque, em modelagem e
cerâmica. Na peça crua trabalhava-se com o baixo
vidrado, o que fazia com que a peça fosse decorada antes
da queima final. Minhas turmas eram freqüentadas por
uma média de dezoito alunos, com duas turmas em cada
turno. Em um turno, eles freqüentavam as Escolas-Classe.
Os alunos eram muito dedicados e faziam trabalhos muito
bonitos, e sem nenhum desperdício de material. O
ambiente era muito bem cuidado. O desenvolvimento
dessas capacidades fazia parte do nosso cotidiano. Das
minhas lembranças desse setor, tem prioridade a história
de Manoel. Nem sempre o mesmo trabalho era iniciado e
concluído pelo mesmo aluno, havia uma participação
mais coletiva. Entretanto, Manoel desenvolvia um ciúme
tal pelo objeto que produzia que deixei que ele o fizesse
sozinho. No dia que o jarro ficou pronto, ele repetia
22
Maria Celene de Andrade de Amorim nasceu na Bahia. Licenciada em Desenho e Plástica pela Escola de
Belas Artes da UFBA. Foi professora da Escola Parque do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, onde atuou
como Diretora (1989).
112
entusiasticamente: É meu, foi eu que fiz sozinho, eu nunca
tinha feito uma coisa sozinho e consegui fazer este jarro
mais bonito de todos. Durante o tempo em que ele
freqüentou os setores de trabalho sempre esteve em
minhas turmas; nunca me abandonou e nem eu a ele,
claro. Passei cinco anos em modelagem e cerâmica.
Durante
esse
período,
aconteceram
coisas
extraordinárias do ponto de vista educativo. Destaco a
interação que ocorria entre modelagem e teatro.
Incentivávamos os alunos a fazerem máscaras e fantoches
de papel jornal. Carlos Petrovich era um dos professores
de teatro do Parque. A partir do momento em que ele viu
aquelas máscaras, passou a freqüentar o setor de
modelagem em companhia de seus estudantes. Este, juntos
aos nossos, com a parceria minha e de Petrô (era assim
que este caro professor era carinhosamente conhecido),
estabeleciam um movimento de produção de máscaras e
fantoches, os quais eram usados nos movimentos teatrais
da escola, que não eram poucos (AMORIN, Apud,
CAMPOS, 2003, p. 65-66).
As expressivas imagens narradas, entre tantas colhidas como flores pela Dolores, vêm
confirmar a dinâmica, o envolvimento e a alegria que banhava a todos, professores e
educandos, nesse grande laboratório criativo, que representou a Escola Parque.
Assim, no percurso de nossas reflexões, sustentamos que uma proposta de educação
integral precisa, acima de tudo, do fazer, ou seja, ver a manualidade como artífice da
formação integral, o que não foi entendido quando da implantação dos Centros Integrado de
Educação Pública (CIEP) no Estado do Rio de Janeiro, na década de 1980, por Darcy Ribeiro,
durante o governo de Leonel Brizola, apesar de terem sido inspirados no projeto de Anísio
Teixeira. Atuei, em um deles, no ano de 1985, quando pude vivenciar profundas
contradições/desafios, marcados pela inexistência de práticas pedagógicas diferenciadas e
articuladas ao fazer, que possibilitassem o processo criador dos educandos que, durante oito
horas, permaneciam naquele espaço escolar. Como planejar o tempo/espaço escolar com um
currículo baseado apenas nas disciplinas do “núcleo comum”, sem a presença de professores
especializados para atividades artísticas, além de instrumentos e materiais específicos?
113
Vale ressaltar que a análise da situação dos CIEPs, fruto das experiências que lá
tivemos, não desmerece a iniciativa ousada do prof. Darcy Ribeiro, juntamente com Leonel
Brizola, naquele momento, Governador do Estado do Rio de Janeiro.
Os problemas sociais e econômicos brasileiros já demonstravam sinais de uma
profunda crise, e a proposta dos Centros Integrados de Educação Pública, na busca de uma
escola pública de qualidade afigurava-se como uma possibilidade de rompimento com o
sistema educacional vigente, apesar, bem sabemos, de alguns equívocos políticos e
pedagógicos.
Voltando aos fios coloridos trançados pela Escola – Parque, em seus vários espaços de
criação, observava-se a convivência alegre entre crianças e jovens do mesmo sexo, como por
exemplo, no teatro, na música nos esportes, nas danças. Provavelmente, em função do tipo de
atividade mais pesada, como, carpintaria, marcenaria, elas fossem indicadas para os meninos.
Além disso, sabe-se que os educandos ficavam dois anos nas oficinas, tendo a possibilidade
de passar por várias delas.
Dessa forma, constatamos, em meados do século passado, a preocupação de Anísio
Teixeira com uma formação integral do educando, com a questão do fazer criativo, o que se
verificava nas diversas entrevistas dadas para o Jornal da Escolinha de Arte do Brasil, que,
naquele momento, já era uma marca nacional, frente aos compromissos de uma Educação
através da arte. As suas formulações teóricas a respeito da vivência do processo criador
representam um contraponto às idéias que tentavam enquadrá-lo como representante das
classes dominantes, interessado pela formação de uma mão de obra barata a serviço do
sistema capitalista.
Entretanto, em que pese tal posicionamento, o interesse de Anísio Teixeira pela Arte
se sustentava nas próprias interlocuções que tinha com Augusto Rodrigues, o criador da
Escolinha de Arte do Brasil. Em entrevista para a Revista Arte e Educação da Escolinha, ano I
– set/ 70, ressalta:
Nem sempre nos lembramos de que a escola era, desde o
século XIX, centros de instrução e, deste modo, é que se
114
fez pública e universal. Escola, como instituição de
educação, no sentido integrativo do termo já é
conceituação nova dos princípios de nosso século. Por
isso mesmo, não havia idéia de arte em escola primária,
mas apenas a de desenho, como treino para sua técnica
(TEIXEIRA, 1970, p.3).
Anísio, ao enfatizar a importância da criação das escolinhas de arte, como uma
inovação pedagógica, compara-as a oásis de sombra e luz em oposição à aridez das escolas
nacionais que chegam a lembrar verdadeiros desertos. Reafirma a importância do conceito
inovador da arte, uma vez que não mais representa uma atividade especial de criaturas
excepcionais, miraculosamente dotadas do poder de “redescobrir” a arte no emaranhado
organizatório da vida racional, homogênea, mecânica, passiva e obrigatória da era de
Gutemberg, mas atividade inerente ao senso humano de vida, que, felizmente, ainda se pode
encontrar nas crianças que não foram completamente deformadas pelos condicionamentos
inevitáveis da instrução morta e fragmentada das escolas convencionais de “retalhos” de
informação, secos e duros como a vegetação habitual das zonas áridas.
Dessa maneira, este autor sublinha que a arte veio a se fazer símbolo da verdadeira
visão do mundo em contraste com a vida racionalizante e mecânica do mundo newtoniano,
representando a forma de expressão do sentimento humano. Ainda sustentando que fazer arte
é excepcional, mas senti-la é comum, geral e universal.
Considera, ainda, que a criança, a despeito das forças de condicionamento da cultura,
consegue escapar a esses condicionamentos, podendo conduzir sua vida a partir de formas
mais livres/criadoras, possibilitando uma existência de criação, de beleza e de arte na
descoberta de suas próprias potencialidades e na realização de si mesma, levando-a se sentir
integrada, consciente, ao incorporar ao seu eu, o seu meio com todas as contradições
existentes, pois, afinal, esta é a própria essência da educação.
Acreditava que Augusto Rodrigues, através da Escolinha de Arte do Brasil:
115
Não estava a proporcionar um “recreio” artístico, mas
estava a educar a criança pela forma mais alta, mais
inteligente e mais reparadora e integrativa, que hoje
possuímos para curar-nos das falsas deformações, que
nos está ou nos irá impor o mundo de valores mortos ou
moribundos de nossa civilização em transição” (Ibid.
p.3).
Conclui sua entrevista dizendo que chegará o dia que a experiência de Augusto
Rodrigues estará presente em todas as realidades escolares brasileiras, que ele estaria a
antecipar o nosso futuro, criando condições para novas mudanças, uma vez que para o artistaeducador, a Educação ou seria criadora ou não seria Educação.
Para nós, distanciados no tempo em que as experiências aconteceram na escola-classe
e escola-parque, ficam as imagens vividas intensamente por professores, educandos e
comunidade, sendo cúmplice dos ambientes as pinturas de Mário Cravo, Caribé, que os
embelezavam. Ali, o educando encontrava todas as condições para desenvolver suas
capacidades e, mais tarde, ser capaz de dignificar, ou dar significado criador a todo tipo de
fazer. Representou o sabor de uma experiência genuinamente brasileira marcada por lutas,
contradições, muitas alegrias criadoras.
•
Outras pinceladas de prata : Durmeval Trigueiro Mendes
(1927-1987)
“A arte diversifica unindo. Não existe Educação,
Sem Arte, sem Criatividade”(MENDES,1972).
Durmeval Trigueiro Mendes foi um educador que, como ele próprio sustentava, tinha
duas paixões intelectuais: a filosofia e a política. A experiência, desde os doze anos de idade,
116
no Seminário, o fez ir ao encontro da filosofia sem, no entanto, limitar-se aos estudos de
Aristóteles e Santo Thomas de Aquino.
Assim, buscou alicerçar seu pensamento em algumas categorias, tais como:
consciência,
sujeito/objeto,
experiência,
interdisciplinaridade,
identidade,
alteridade,
historicidade, alienação e, mais tarde, mais profundamente, práxis, totalidade e vontade
política. Vale ressaltar o seu interesse pela Educação através da Arte23.
Nessa trajetória, desenhada pelo próprio contexto sócio-político, Mendes, ao sair do
exílio que lhe foi imposto pela ditadura militar brasileira, integra o fato político como teoria,
indo mergulhar no concreto das contradições existentes.
Mesmo tendo atuado junto a órgãos governamentais, sua visão contestadora lhe
possibilitou uma abordagem crítica quanto à tecnocracia, colocando-se como inimigo dessa
lógica. Argumentava que o Estado nunca desejou resolver o problema da educação brasileira,
criando o que se poderia chamar de desvio tecnocrático, ou seja, a substituição da política pela
técnica, da participação pela eficiência (um conceito ambíguo). Dessa forma, demonstra ficar
a educação limitada pela técnica e pela instrumentalização, com ênfase no fazer e não no
fazer-fazer. A falácia da tecnocracia seria o remédio para salvar ou resguardar o imobilismo
social e a conservação da estratificação social.
Soma-se a tal imobilismo, a marginalização social, que representa uma das formas de
alienação radical, reduzindo a separação do indivíduo de si mesmo, desintegrando-o de sua
consciência. Assim, frente ao imobilismo social, à marginalização e à alienação, produzido
pelo sistema capitalista brasileiro, que se encontra sustentado pelo regime tecnocrático,
Durmeval Trigueiro Mendes sinaliza a descrença que existe com relação à Educação.
Tentando travar um diálogo entre Anísio Teixeira e Durmeval Trigueiro Mendes, no
que diz respeito à educação brasileira, Anísio Teixeira ressalta, no discurso de inauguração do
Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em 1950, a falta de crença na educação, e, Durmeval
Trigueiro Mendes, posteriormente, declara que as elites dominantes dos países
subdesenvolvidos não crêem na educação em nível democrático, acreditam que o país, para
23
São relevantes os textos dedicados à arte, cultura e educação, divulgados pelo Jornal Arte e Educação,
publicado pela Escolinha de Arte do Brasil.
117
progredir, não precisa da educação do povo, mas do refinamento de suas elites, sendo que um
dos ingredientes dessa ideologia seria o tecnocratismo.
Nesse contexto, sustenta:
O tecnocrata é o demiurgo fácil. Sôfrego dos resultados,
ele procura alcançá-los por todos os meios à mão. A sua
idéia de eficiência é muito mais imediatista que a do
filósofo, ou a do sociólogo, ou a do estadista. Como ele se
caracteriza pela habilidade técnica, isto é, pela
capacidade de fazer, se vem a dispor, igualmente, do
poder, ele mistura os dois poderes, o de fazer com
facilidade com o de impor com facilidade
(MENDES,1994,p.54).
Nessa perspectiva, Mendes acredita que enquanto o filósofo é, por excelência, um
educador, o tecnocrata é um ”antieducador”, uma vez que o educador conhece os ritmos
longos, densos e imprevisíveis que a práxis proporciona e articula para dentro e para fora de
cada homem (Ibid., p.60).
Por sua vez, a política educacional brasileira tem se equivocado em buscar o status de
quantidade em detrimento da qualidade de suas ações educativas. Mudam-se os números, mas
não se mudam as coisas numeradas e, sobre tal questão, constatamos também uma
aproximação com Anísio, quando reflete a respeito dos baixos custos dispensados em
Educação. Esse, por exemplo - como já nos referimos anteriormente, sobre as simplificações
por que passava a educação brasileira, após 1930 - sinalizava que todos nós éramos filhos da
improvisação; o que Mendes advertia era que a tecnocracia buscava obter uma inteligência
política, ou técnica, ou burocrática, a baixo custo, o que nos fazia vivenciar, mais uma vez, a
política das simplificações educacionais.
Se se pode promover uma sociedade com cem mil pessoas
exercendo o papel diretorial, por que educar dez milhões,
118
ou cem milhões, para exercer a democracia? Se o
‘desengrossamento’ do povo, até a limpidez, é tão
dispendioso e ‘incerto’, por que não admitirmos a meiaeducação?(Ibid., p.58)
Constatamos, assim, as aproximações entre esses dois teóricos brasileiros em suas
pertinentes análises e preocupações a respeito da educação brasileira.
Quanto à tecnocracia, o autor sustenta que nada tem contra a técnica, mas repele a
dominação político cultural baseado na usurpação da razão e da cultura.
Em contraponto a essa ótica limitadora e desqualificadora da Educação, Mendes
propõe - uma consciência histórica capaz de articular a Educação ao desenvolvimento. Essa
lógica romperia o processo anterior (tecnocrata), possibilitando unir, qualitativamente todos,
até os limites das possibilidades de cada um e do seu meio. Nessa ótica, acrescenta que: “caso
o desenvolvimento não atinja a consciência, produzirá desníveis, demonstrando o
descompasso em que o país sempre atravessou em relação a um desenvolvimento que
atingisse as consciências” (Ibid., p.54).
Mendes (1968) argumenta em seu texto: “Para uma filosofia da Educação
Fundamental e Média”, sobre as novas funções que se colocam para a Educação, em resposta
às necessidades que a tecnologia e a industrialização vêm forjar, como marcas da
especificidade da sociedade moderna. Destaca a ação de dois fatores: o trabalho e a educação.
Ao longo das transformações ocorridas, o trabalho que, inicialmente, era colocado
do lado oposto da educação, não integrado a outras categorias como a cidadania, o lazer e a
cultura, passa a se constituir parte da educação, e esta do sistema de ação na sociedade. Por
causa da educação, o trabalho se converte em instrumento de promoção humana e social.
As articulações exigidas por um novo tipo de sinergia
social desencadeado pelo processo científico e
industrial, e mais a ascensão progressiva dos níveis de
qualificação técnica e profissional, visam a conferir às
principais instâncias elaboradoras dos ‘modelos de
119
ação’, entre elas a educação, a condição de práxis
criadora e normativa do desenvolvimento. Daí surge o
problema da educação permanente e de sua conexão
com o problema do desenvolvimento (Ibid., p.90).
Nesse sentido, a educação seria o lugar do encontro dos vários subsistemas de ação da
sociedade e, numa perspectiva dinâmica, o instrumento das oposições e complementaridades
entre eles, podendo, ao mesmo tempo, servir como instrumento que possibilite um tipo de
ocupação e também que favoreça a construção de uma consciência crítica sobre a análise
histórica da realidade.
Na verdade, para Mendes (1968) o processo educacional representava um mecanismo
de liberação do ser, com a possibilidade incessante de promoção social humana, que por sua
vez, compreendia quatro dimensões básicas: a cidadania, o lazer, o trabalho e a cultura. Cada
uma delas, com a sua nota distintiva: a dimensão política, a dimensão criativa, a dimensão
social e a dimensão da consciência significante, através da qual se organiza o universo
humano.
Quanto à questão do fazer e da experiência, acrescenta que o fazer do homem é o
seu fazer-se; que o ensino, ainda ligado à educação especulativa e verbal, tem de refazer-se no
todo para fazer-se prático. No fazer incorpora o seu ser, o fazer que é fazer-se, refazendo o
seu entorno e abrindo-se espaço para a sua própria re-criação permanente, permitindo explorar
a inesgotável e in-finita instrumentalidade do Sujeito (Ibid., p.95).
Indo em direção a esse mote, o autor pretende demonstrar que a educação eficiente
é só a educação geral, a qual não tem sido incentivada em função do exagero da tecnocracia.
A Educação geral deverá unir o prático, ligar o agir ao fazer e todo fazer ao agir, mediante
uma práxis integradora do espírito e da matéria, ou melhor, ligada ao ser e à sociedade.
Práxis, enquanto ação do homem pleno, em plena inserção no mundo: ação-pensamento,
fundidos no engajamento social. Se a técnica é o domínio do fazer, este representa o ponto de
encontro entre a matéria e o espírito, o ser e o mundo, a contemplação e a ação (1973, p.229).
120
Mendes conclui que toda práxis tende a basear-se em uma educação geral, e os
espaços educativos poderão não se opor a técnica, mas deverão absorvê-la, ultrapassando-a e
favorecendo a reconstituição histórica de nossa cultura.
Compreendemos que, ao enfatizar a educação geral, como resultado de sua
encarnação pela práxis, o que ocorre através das ciências e da linguagem, este autor vislumbra
a possibilidade de se integrar criativamente os múltiplos saberes e fazeres.
Retomando a questão da consciência - a qual se constitui de relevância para esse
estudo direcionado para uma educação através da arte, no sentido de uma aprendizagem
criativa de si mesmo e do outro - Mendes, ainda acrescenta, que ela é a condição geral da vida
psíquica.
O autor contrapõe a consciência ao processo de internalização, o qual significa uma
consciência passiva, acompanhada pela percepção difusa quanto aos fenômenos culturais,
econômicos e políticos. Nesse tipo de consciência, o indivíduo absorve o social sem reflexão
crítica. Assim, quanto à Pedagogia, muitas vezes utiliza as categorias como “racionalidade”,
“funcionalidade”, “eficiência” para neutralizar o conteúdo cultural e político, servindo para
encobrir as contradições reais da sociedade brasileira. Frente a esse quadro, sublinha o autor a
necessidade de se investir em um projeto de conscientização, em que na formação
profissional, a técnica se constitua em uma práxis autêntica, abrangendo um projeto
existencial global – no fazer que incorpore o ser, possibilitando a sua re-criação permanente
(Ibid., p.17).
Nessa perspectiva, o indivíduo, ao se profissionalizar, se tornaria um elemento ativo
e criador, possuidor de uma consciência crítica e prospectiva.
Neste ponto do nosso estudo, gostaríamos de trazer, para uma maior reflexão, a
questão da categoria experiência.
Para Mendes a experiência é de suma importância, uma vez que o nosso fazer é a
experiência que retorna da percepção e se materializa na criação. Assim, percepção/
concretização/expressão representam reduções do universo ao individual, trajetórias
realizadas pelo processo criativo, na arte e na educação, enquanto conceitos co-extensivos, ao
121
qual já nos referimos anteriormente. E mais: que nosso fazer tem sempre o nível de nossa
experiência. Como o ser é a existência que se assume, a nossa práxis é a nossa criação.
Continuando suas provocações, o autor admite que a educação é criatividade, em que estão
presentes uma existência assumida; a imaginação como força pela qual a existência assume os
objetos, assumindo-se a si mesmo, modificando-os e modificando-se; o nível experiencial,
como linha de integração entre o exterior e o interior, o objetivo e o subjetivo, o ser e o fazer;
o do fazer como artesanato da consciência aperceptiva e operatória; o da dialética entre o agir
e o fazer, sendo o ser o próprio fazer; liberdade (1973, p.231).
Sob essa perspectiva, a educação que é criatividade não pode ser uma especialização,
nem ser vista exclusivamente no âmbito da racionalidade científica e técnica, mas educação
como condição própria do homem, reafirmando o valor do indivíduo como fonte primária de
criatividade (Ibid., 232-234).
Pensando no processo educativo oferecido no ensino fundamental, sugere que os
currículos não deveriam ter um desenho apenas baseado em critérios científicos e técnicos,
uma vez que representa uma opção política e filosófica que vem de um saber mais radical, o
saber dos valores, que estrutura o ser e a cultura do homem na sociedade. Os valores, no
contexto da realidade, foram reduzidos às técnicas, constituindo-se em elementos alienadores
para a formação do ser humano.
Ao sugerir um desenho mais ampliado da ação educativa, enfatiza o espaço para
questões da subjetividade humana articulada com a estrutura do próprio ser, sem que
signifique atender a interesses individuais. Ao contrário, o processo educativo precisa ser
visto com toda a sua dialeticidade, com suas tensões e rupturas, fundindo os interesses
individuais e dos da sociedade.
Corroborando com tais aportes, acrescenta que somente a práxis, enquanto uma ação
eficaz, é capaz de mudar a consciência de cada um e dos outros (1968, p.60). Ao superar a
marginalização / alienação /desintegração de sua consciência, o ser humano reintegra-se e
transforma o seu empenho numa práxis, com uma consciência profunda de sua ação. O seu
pensamento se torna rico em vida e ação, passando a existir através da práxis, ou melhor, o
homem descobre que sua inserção no mundo se faz como práxis – ação dentro e ao longo da
122
qual ele se transforma e transforma o mundo, colhendo nessa inserção a visão de si mesmo
(MENDES, 1969, p.9-18).
Enfim, as contribuições desse autor, aqui apresentadas, nos apontam para a perspectiva
de um fazer pedagógico que se comprometa com uma visão de totalidade que, acima de tudo,
supere a racionalidade técnica instigando novos paradigmas para a sociedade e a escola
brasileira em um fazer comprometido, sobretudo, com a construção da Democracia que será
favorecida com o resgate do potencial criador do ser, com uma formação mais livre e uma
consciência plena de si, do outro e do mundo em seu entorno.
Em que pese os ditames impostos pelo sistema econômico capitalista, que a cada dia se
complexifica criando os labirintos da exclusão social, Mendes nos sugere uma práxis que seja
capaz de mudar o nível de consciência individual e coletiva. Para tanto, nos vislumbra com
uma outra categoria - arte/criatividade - que vem alicerçada nas categorias experiência,
totalidade e consciência, sustentando suas reflexões a respeito da Educação através da arte.
Alguns de seus textos são relevantes para o entendimento da arte-educação, entre
eles: A Arte como processo educativo fundamental (1959), Experiência e criação no campo
artístico (1962), Universidade, teatro e povo (1963), Importância da criatividade na
realização plena do homem adulto e do velho (1971), Em busca de uma consciência original
(1972), Criatividade: a redefinição do papel do indivíduo na sociedade (Jornal do Brasil,
1974), muitos deles escritos para o Jornal da Escolinha de Arte do Brasil. Este fato evidencia
que Mendes tanto quanto Anísio compartilharam, junto a Augusto Rodrigues, da importância
educativa da arte na formação do ser humano.
Ainda para Mendes, arte na educação significa educação em si mesma, ela ressignifica
o ser possibilitando a busca de sua consciência primeira e original; favorece a vivência de
totalidade, ao unir a objetividade do mundo com a sua essência/subjetividade. Por sua vez, o
processo criador só poderá acontecer em um ambiente de experiências, não no sentido da
experimentação, que reduz o conhecimento à simples habilidade prática (CHAVES,1999,
p.95), mas a experiência como ação interativa, estimuladora da participação que permite a
ruptura dos dualismos, comprometendo-se com a totalidade da realidade e com a inteireza
possível do próprio ser.
123
Na verdade, para Mendes (1973, p.238) a arte, enquanto processo criador, não tem o
privilégio da exclusividade, mas sim da exemplaridade, constituindo um modo privilegiado do
fazer humano ligado ao ser, não como essência, mas como existência assumida. Esse assumirse que é realizado pela consciência.
Muitos dos seus estudos articulam-se com o processo e o fazer criativos,
entendendo que a educação é criação e que, por isso, não existe educação sem arte, sem
criatividade, ou dizendo de outra forma, não existe arte na educação, existe arte-educação, a
educação como consciência artesanal, como opus, como identidade do homo faber, do logos
com a tecné.
Nessa ótica, admite que, se a educação tradicional representa uma obra do logos e,
se as décadas de 1960 e 1970 representam a obra da tecné, o futuro deverá representar uma
integração dialética do logos, da técnica e do Eros, este último reconciliando logos e técnica e
transcendendo-os como busca do humano como criação gratuita (Ibid., p.227).
Entende que a técnica, enquanto sustentadora da vida humana, na atualidade, sem a
inspiração da arte poderá ameaçar a existência ao desvalorizar o ser em detrimento dos
interesses da máquina, do lucro, do poder e da dominação. Na categoria da totalidade, vê a
arte como fonte de originalidade, uma vez que diversifica unindo, contrapondo-se ao
nivelamento cultural, pois cada manifestação cultural corresponde a uma faceta do homem e
todas elas reunidas formam a imagem do homem todo.
Assim, contrapõe-se à visão de totalidade como um saber sistêmico, defendendo
uma totalidade dialética, que é radical, forjada na realidade que vai se constituindo,
analisando e criticando a própria totalidade e refazendo-a (MENDES, 1968, p.62-63). A
realidade não se compreende senão como um Todo em evolução dialética, o que acrescenta:
Nós estamos, sabidamente, num mundo dominado
pela Totalidade: como filosofia e ciência, e como
organização social. Poderíamos acrescentar que há,
também, uma oposição entre a utopia e a ideologia da
totalidade. A utopia pressupõe o reencontro incessante
entre o indivíduo, os grupos, as instituições, no sistema
social – e na Subjetividade criadora e ‘instituinte’.
124
Creio que temos de retornar a essa utopia, separando,
nela, o fecundante do alienante – e criar novas formas de
articulação da totalidade, diferentes da articulação
tecnocrática, que realmente não articula nada do que está
por dentro dela, e se limita a criar moldes que
comprimem a complexidade, no plano real e no plano da
consciência (Ibid., p.114-115).
Este autor, assim, alinha-se aos paradigmas emergentes aos quais já nos referimos
que se opõem à fragmentação do conhecimento, do ser humano, do seu pensar e do seu fazer,
quando buscam a unidade da razão convergente. A visão paradigmática, ainda hegemônica, ao
contrário, não colabora com que a vivência criadora, tanto individual quanto social, seja capaz
de unificar na diversidade.
Por outro lado, a unidade proporcionada pela arte une culturas em um sentimento de
simpatia e solidariedade humana, sustentada por uma filosofia da criatividade que propõe um
novo padrão de sociabilidade, através da redefinição do papel do indivíduo na sociedade.
O corpo e a alma da cultura se refletem através da sensibilidade expressa nas primeiras
impressões/experiências das crianças/jovens, impulsionando todas as elaborações posteriores,
até mesmo as do plano científico, consideradas objetivas. Assim, Mendes (1968) ressalta:
Mas o objeto é menos objetivo do que parece, é a
realidade, mas também o modo de olhar a realidade, que
a gente aprende quando abre os olhos ao mundo e
começa a exercer sobre ele a aventura de nossa
criatividade (Ibid., p.1).
E, de uma maneira toda própria, nos faz ver que a arte é o fazer que se confunde com
o ser. O ser se faz fazendo, fazer que é criação e, antes de tudo, fazer que é criação do nosso
próprio ser. Desse modo, enfatiza a importância do fazer criativo na educação, não o fazer
mecânico/tecnicista/convencional que é ensinado, mas o fazer da arte, o fazer de todos os
fazeres, o fazer que é criação, para que neste fazer criativo, recrie a si mesmo.Neste fazer, no
recriar-se, forja-se uma consciência de si por inteiro, contribuindo para a aquisição de uma
125
visão inaugural sobre si mesmo, enquanto sujeito autônomo, construtor de sua própria
história, cheio de coragens para assumir-se.
Nessa perspectiva, Mendes, ao final do seu texto: “Em busca da consciência original”,
dialoga com Bergson sobre a dialética do “eu profundo” e o “eu de superfície”. Considera que
somente o processo de criação que renova o ser e o mundo não se atrelando às convenções,
permite a conquista do “eu profundo”. Bergson (1980, p.88) sublinha:
O nosso eu toca no mundo exterior superficialmente; as
nossas sensações sucessivas, embora apoiando-se umas
nas outras, conservam algo da exterioridade recíproca
que caracteriza objetivamente suas causas; e é por isso
que nossa vida psicológica superficial se desenrola num
meio homogêneo sem que este modo de representação
nos custe um grande esforço. Mas o caráter simbólico na
representação torna-se cada vez mais impressionante
que penetramos mais nas profundezas da consciência: o
eu interior, o que sente e se apaixona, o que delibera e
decide, é uma força cujos estados e modificações se
penetram intimamente, e sofrem uma alteração profunda
quando as separamos uns dos outros para os desenrolar
no espaço.
Para Bergson o homem é o centro de evolução criadora e, Durmeval Trigueiro
Mendes apoiado na idéia bergsoniana do “eu profundo”, enfatiza a importância da consciência
que busca a originalidade do ser, o ser que se constrói fazendo, no fazer que é criação de si
mesmo.
Mendes (1973, p.238) enfatiza a originalidade do ser na criação, ressaltando que a arte
é um instrumento fundamental para a formação do homem livre, estimulando-o à libertação
da sua criação original. Complementa que a nossa liberdade se chama criatividade, que não é
só fruto da razão, mas da existência assumida pelo indivíduo como aventura de sua
consciência interrogativa.
126
No mesmo texto inclui que a criatividade tem o seu lugar, hoje, na sociedade. A arte é
a busca do absoluto no particular, a busca do absoluto no indivíduo e não na esfera do
universal em que ele se perde. Diferentemente do Si mesmo criado por Sócrates, que era
apenas o espelho em que as idéias se miravam, hoje o Si-mesmo é fonte de valores e
essências.
Sentimo-nos esperançosos e otimistas frente às possibilidades que já foram
vivenciadas em nosso país, ao revisitarmos a década de 1960, no que diz respeito ao espaço
da arte na Educação, e, pensamos nas possíveis pistas/saídas na perspectiva histórica escolar,
para o ensino de arte, no momento atual, cujas reflexões sobre as quais nos apoiamos, através
dos diálogos que fizemos com Anísio Teixeira e Durmeval Trigueiro Mendes, nos sirvam
como suporte teórico para pensarmos a História da Educação Brasileira. Esses estudos
alimentam nosso fazer pedagógico alicerçado no processo de criação e representam alicerces
possíveis para a nossa construção, que se propõe perceber/sentir a arte como formadora da
educação e não como mais um instrumento pedagógico, enfim, a arte como forma legítima
da expressão do ser humano.
127
6ª CENA: AS CORES NA PALETA VÃO SE TOCANDO,
ENVOLVENDO-SE UMAS AS OUTRAS, DEFININDO
NOVOS TONS: A METODOLOGIA
“Não tenho caminho novo. Novo é o jeito de caminhar”.
(Thiago de Mello)
Antes de avançar, vamos explicar os procedimentos metodológicos do trabalho.
Pensar em uma “metodologia”, enquanto uma trajetória que favoreça o compartilhar
de dinâmicas do trabalho vivencial desenvolvido na Oficina de criação, constituiu um enorme
desafio frente à necessidade de construir um conhecimento novo, que, por sua vez, implicava
na busca de inventar um novo caminho, algo que, aliás, não é nada fácil, uma vez que nos
ensinaram a idéia de conhecimento como uma verdade. Tal lógica se configurava um tanto
assustadora! Ao “farejar” esta trilha, fui tomada pelo pressentimento de que, talvez, as teorias,
que têm os seus limites, não dessem conta de iluminar o material que originou das criações
dos (as) educandos (as). Como se a teoria não fosse dar conta da própria vida.
Com tudo isso, sentia-me, muitas vezes, paralisada e minhas angústias iam se
transformando em uma única certeza, de que o caminho das inquietações é exaustivo mas,
profundamente, revelador/desvelador, pois, afinal, essa foi uma vivência singular: ser uma
pesquisadora. Também foi viver um tempo/espaço em que tentava unir o prazer dos
estudos/pesquisa e o “desespero” de um tempo/espaço que se esvaía, como água que vai
saindo, derretendo-se pelos dedos afora!
128
Mas, tentando deixar de lado minhas contradições, (se isso for possível!) voltamos a
trazer as dobras da pesquisa, sabendo que a escolha de uma determinada metodologia sugere
uma postura frente à realidade e à prática social, exigindo técnicas/procedimentos condizentes
à postura adotada pelo sujeito.
Assim, uma metodología é o conjunto de decisões a serem tomadas a partir de uma
visão de mundo do sujeito frente ao objeto para a obtenção do conhecimento. (LEME,1989,
p.98).
Nesta perspectiva, elegemos a abordagem qualitativa de pesquisa, buscando priorizar
os aspectos dinâmicos/complexos/subjetivos da natureza humana, o que nos fez procurar nos
encontros vivenciais, facilitar o espaço de escuta atenta do que se tem a dizer e como se
expressa esse dizer.
Esta forma de abordagem qualitativa encontra eco na perspectiva de Lücke e André
(1988), uma vez que prioriza os seguintes aspectos: a pesquisadora permaneceu em contato
direto com os sujeitos da pesquisa futuros educadores, levantando dados em seu ambiente
natural, (no Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho); a maioria das informações veio
através de imagens criadas pelos (as) participantes, além de suas narrações orais e escritas;
deu-se uma atenção especial à opinião dos sujeitos.
Ainda segunda as autoras citadas, a pesquisa possui atributos de um estudo de caso,
uma vez que:
•
teve como objetivo descobrir no desenvolvimento das vivências, os conteúdos que
poderão influenciar o auto-conhecimento dos(as) educando(as), acrescentando, no
decorrer do trabalho, novos aspectos à pesquisa;
•
enfatizou à interpretação das imagens criativas e das narrações orais e escritas,
atendo-se ao contexto em que foram vivenciadas;
•
descreveu o problema pesquisado, levando em consideração várias de suas
dimensões, ou seja, a disposição individual durante as vivências, a participação no
grupo, a transferência do vivenciado para suas situações de vida;
129
•
usou diversos meios para a coleta de dados, através da análise, das imagens plásticas,
poéticas, cênicas, das imagens fotografadas e filmadas, durante as vivências, da
análise dos questionários;
•
expressou os relatos das experiências da pesquisadora no transcorrer da pesquisa.
Tendo como objetivo da pesquisa a expressão da subjetividade dos educandos,
procuramos nos encontros vivenciais, facilitar o espaço de escuta atenta do que se tem a dizer
durante os processos de criação e como tem sido possível aos educandos se expressarem.
No contexto desta reflexão, entendemos que as nossas próprias vivências criativas, que
serão ressaltadas anteriormente, permitiram o encontro, enquanto pesquisadora, com o ato de
criação dos participantes, favorecendo, inicialmente, no trabalho de pesquisa, um olhar mais
livre de conceitos e crenças.
Esta metodologia ainda encontrou-se fundamentada nas idéias da pesquisa-ação, no
sentido dado por, René Barbier (1985, p.156) e Michel Thiollent (1986, p.14). Este último, a
vê como um tipo de pesquisa social, de base empírica, concebida e realizada em estreita
associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo. Propõe um
envolvimento ativo e cooperativo tanto do pesquisador quanto dos participantes, em uma
metodologia dialógica, dinâmica, transformadora que favoreça a descoberta, a flexibilidade,
além da conscientização/ participação crítica dos participantes.
Tal abordagem é considerada como uma forma de experimentação em situação real,
favorecendo com que o pesquisador intervenha conscientemente, mudando alguns aspectos da
situação pelas ações que decidirem aplicar, através da análise da relação entre as observações
que são feitas durante o processo e os fundamentos teóricos do estudo teórico-prático.
Uma abordagem de pesquisa cujo caráter é contrário ao paradigma positivista, que
com sua linearidade impossibilitava/a permanente interrogação, procurava entender que
pesquisar é ter uma interrogação e andar em torno dela, em todos os sentidos, sempre
buscando todas as suas dimensões, buscando cada vez mais sentidos e mais dimensões. O que
Mendes (1973, p.237) sustentava: “O mundo se revigora, em cada interrogação” .
130
Em nosso entendimento, o olhar em todas as direções, supôs um olhar, um fazer em
movimento, (por que não cíclico?), de idas e vindas, de fazer e desfazer, através de diferentes
olhares, como um caleidoscópio que se recriava a cada novo movimento, sugerindo uma
descrição/narração do investigado, e menos a tentativa de reduzi-lo a uma mera explicação.
-Etapas do estudo
1 – Após as reflexões sobre a nossa experiência pedagógica de interlocução com as
linguagens expressivas, partimos para a análise teórica relativa aos conceitos de Educação,
Arte e Vivência, para, em seguida, lançarmos o olhar sobre as crises que nos envolvem,
através das reflexões de educadores comprometidos com as abordagens para uma Educação
Criativa e com a inteireza possível do Ser. Estes representaram o suporte teórico-prático
necessário para que pudéssemos partir para:
2 - Dinamização da Oficina de Criação: Despertando o Ser.
Planejamos atividades expressivas, sob forma de oficina, que ao serem vivenciadas
coletivamente, instigaram o despertar da criatividade, da imaginação, do auto-conhecimento e
da vivência da solidariedade. A oficina aconteceu no Instituto de Educação Professor Ismael
Coutinho, em uma sala adequada para a realização das ambiências, possibilitando o
desenvolvimento do processo de criação de cada participante, no grupo, através do contato
com diferentes linguagens, análise das imagens acessadas e posterior reflexão coletiva.
Entretanto, esse espaço foi emprestado, com a condição de que no futuro, fosse uma
sala que guardasse a memória do IEPIC, o que veio a acontecer no ano de 2005,
impossibilitando a continuidade das vivências, como gostaria que ocorressem. Esse
acontecimento vem mostrar-nos as manhas do cotidiano que com sua complexidade, a cada
momento, nos surpreende, instigando a buscar novas saídas e pistas.
Naquele momento, o sentimento que me tomou foi da força que o passado, que a
memória tem sobre o presente, principalmente se estamos falando da instituição escola. Não
sou desfavorável à intenção da memória, mesmo porque, minha formação primeira foi em
131
História. Mas, indagamos: onde fica o presente, que de alguma forma representa a vida, vida
que pulsa?!.
3- Os praticantes24 da Pesquisa
Os praticantes da pesquisa se compuseram de jovens, sobre cuja categoria chama-se
Juventude, a respeito da qual gostaríamos de ressaltar o nosso entendimento.
Uma vez que estamos mergulhados em uma crise multidimensional, cujos reflexos
têm atingido a própria escola brasileira, crises estas, que são expressas no capital, no
neoliberalismo, na globalização, na produção cultural, influenciando, sobremaneira, as
vivências dos (as) jovens oriundos de segmentos sociais os mais diversos, este fato tem
orientado o nosso pensamento no sentido de pensar em uma concepção de juventudes, na
acepção plural dessa categoria.
Estudiosos acerca da categoria juventude, Sposito (1997), Abramo (1997), Peralva
(1997), Carrano (1997), Melucci (1997) têm evidenciado as dificuldades de definição desta
categoria, em função dos seus diferentes “âmbitos das investigações, apontando para uma
situação” de difícil resolução.
Sposito no seu criterioso trabalho sobre juventude, sustenta que essa categoria encerra
um problema sociológico passível de investigação, uma vez que os jovens são sujeitos
históricos e culturais e suas análises não se encontram descoladas das influências conjunturais
e dos processos sociais em que se movem.
Entretanto, frente às dificuldades de análise, há um reconhecimento sobre a
transitoriedade como característica da definição do jovem.
Ainda, na trilha de Sposito, existem dois grandes blocos de estudos sobre juventude: o
primeiro compreende a juventude como um conjunto social oriundo de uma determinada fase
da vida; o outro bloco analisa a temática, enquanto subsumida no interior de outras dimensões
da vida social.
24
Na visão de Certeau (1994) os sujeitos da pesquisa são considerados praticantes da vida cotidiana.
132
Entendemos, com Sposito (1997), que o termo juventude integra os segmentos da
faixa etária de 15 a 24 anos, defendido pelos critérios demográficos, apesar de tais estudos se
apresentarem, muitas vezes, limitadores. No caso brasileiro há uma tendência à antecipação
do início da vida juvenil para antes dos 15 anos, na medida em que, grande parte do segmento
desfavorecido materialmente é inserida no mercado de trabalho, exigindo certas
características como autonomia e responsabilidade, diferentemente das experiências em países
europeus, que tendem a ampliar este período.
Além das questões suscitadas, a categoria juventude vem expressando os dilemas e
embates característicos da contemporaneidade, sendo que no Brasil, nos últimos anos, tem
crescido o interesse pelos estudos sobre este tema. Abramo (1997, p.25) aponta para o fato de
que o mercado tem lançado produtos específicos para os jovens, como cadernos, programas
na TV, cujos enfoques mais comuns são relacionados à cultura e ao comportamento, através
de músicas, da moda, do estilo de vida, dos ídolos, do esporte e do lazer.
Quanto aos noticiários que veiculam idéias sobre juventude, freqüentemente,
relacionam aos problemas sociais, como à violência, ao crime, à exploração sexual, à
drogadicção, ou, à medidas para erradicar tais problemáticas.
Assim, ainda que políticas governamentais atualmente se preocupem com os jovens,
elas buscam enfrentar os “problemas sociais” que afetam a juventude, tomando os jovens
como problema, sobre os quais é necessário intervir, para salvá-los e reintegrá-los à ordem
social (MELUCCI, 1997, p.26).
Por sua vez, Peralva (1997, p.19) sustenta que, ao ser encarado como um “problema
social”, a imagem da juventude traz ao imaginário adulto um temor, um sentimento de
insegurança, constituindo uma outra dimensão da questão. Não se trata apenas de ser
necessário uma prevenção ou punição, mas, o jovem passa a representar uma ameaça ao
adulto indefeso.
Os programas /ações que tomam essa perspectiva como mote, encarando o jovem
como um problema social, vão em direção ao que lhes falta, distanciando-os de sua dimensão
concreta, de suas potencialidades, sem a percepção dos embates sociais e históricos. Tratá-lo
133
por essa ótica, representa uma das formas favoráveis à continuidade de sua invisibilidade
social sem suas interlocuções.
Argumentamos se não haveria um interesse na manutenção deste estado de coisas, a
desqualificação dos jovens na inserção/ inclusão em questões políticas, educacionais, sociais e
certo temor na participação dos processos sociais em prol da Democracia? (Melucci, 1997;
Peralva, 1997; Carrano (2003).
Frente às representações sociais que lhes são feitas que, muitas vezes, nos impedem de
perceber o jovem em sua situação real, como um ser existente, que tem conhecimentos,
desejos, sonhos, amores e dores.
Corroborando com tais aportes, Abramo (1997) acrescenta que poucos estudos
focalizam o modo como os próprios jovens vivem e elaboram suas situações problemáticas.
Daí, frente ao exposto, pretendíamos inverter a questão: quem são os jovens que
participaram da Oficina? Quais são os seus sonhos, seus medos? De que modo eles se inserem
e interferem, ou não, no social, na escola?
Assim, a pesquisa que realizamos orientou-se no sentido de considerar os jovens como
sujeitos que já são, com os seus conhecimentos, suas percepções e as influências que recebem
do mundo em seu entorno, quando através da Oficina - um espaço de enunciação e expressão
de seus direitos/deveres – viabilizamos a possibilidade de se verem mais inteiros, pela
capacidade de pensarem e expressarem sobre si mesmos.
Isto posto, a presente pesquisa teve como população alvo, jovens educandos, do
segundo e terceiro anos do Curso de Formação de Professores do Instituto de Educação
Professor Ismael Coutinho, Niterói-RJ, local em que atuava/atuo como docente, percorrendo
um caminho de dois anos e meio. No primeiro ano, 2002, houve a participação de onze
jovens, futuras educadoras e um jovem. Nos anos de 2003 e 2004, participaram oito
educandas. Os encontros na Oficina de Criação, Despertando o Ser, aconteceram às
segundas-feiras, com uma duração média de duas horas semanais, perfazendo um total de
setenta vivências.
134
O critério do número de participantes se justificou pelo fato de ser um trabalho
vivencial, devendo oportunizar com que cada um fosse percebido pela facilitadora, em sua
inteireza possível, favorecendo o processo de escuta de sua subjetividade, que incluiu seus
sentimentos, suas emoções, seus medos, suas inseguranças e suas potencialidades.
Os encontros ocorreram em horário diferenciado das disciplinas eletivas e contaram
com a participação de um profissional da área da Psicologia, que, por mudança de residência,
não pôde continuar colaborando na pesquisa.
4 – O corpus da pesquisa
-
o relatório (livro de vivências), nos moldes de diário de campo, para
registro da experiência vivida em cada oficina, tanto dos praticantes,
quanto da facilitadora;
- a produção plástica de imagens dos(as) educandos (as);
-
o registro gravado e escrito das atividades;
-
as entrevistas;
Foram realizadas em grupo, no sentido de troca das percepções sobre as
vivências criativas;
-
os questionários de avaliação das oficinas;
Foram empregados dois questionários, ao final do primeiro ano 2003
e outro em 2004.
-
os registros fotográficos e das filmagens;
-
a observação atenta e continuada.
5 – Plano de análise de dados
Todo o material acumulado foi analisado tanto em suas recorrências como em
diferenças que apresenta, possibilitando fazer a complexidade da vivência proposta.
135
Na análise das imagens, partimos dos escritos dos educandos, relativos a sua própria
criação, articulando-as as suas escritas poéticas, aos registros que foram realizados pela
dinamizadora/pesquisadora, durante as vivências na Oficina, entrelaçando-os aos suportes
teóricos que fundamentaram a pesquisa.
Esta proposta metodológica comprometida com um tecer de imagens, escritos e
teorias, em um primeiro momento, poderia ter se apresentado um pouco ousada, dentro dos
parâmetros hegemônicos que ainda nos “atormentam”, mas, a prática foi possível mostrar que
já vivemos novos tempos/ventos e que viver intensamente é preciso, exigindo ousadia,
coragem e utopias!
Para entendimento dos questionários, organizados através de questões abertas,
utilizamos a análise de conteúdo (Bardin,1977, p.42) que é definido como:
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações
visando obter, por procedimentos, sistemáticos e
objetivos de descrição conteúdo das mensagens,
indicadores (quantitativos ou não) que permitam a
inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção
(variáveis
inferidas)
destas
mensagens.
Esta análise constituiu-se das técnicas de análise do discurso, das relações, da
expressão, da enunciação e da categorial. A palavra está para a análise de conteúdo, assim
com a língua está para a lingüística. Na análise de conteúdo trabalha-se a palavra e suas
significações procurando conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se
debruça (Ibid., p.42-44).
Todas as técnicas de análise de conteúdo possuem as seguintes etapas:
•
descrição: indicação das particularidades do texto;
•
inferência: dedução lógica de conhecimentos, a partir da descrição;
•
interpretação: significação atribuída a essas particularidades.
136
A inferência é a base da especificidade da análise de conteúdo, pois permite ir da
descrição à interpretação de forma controlada e explícita.
As etapas enumeradas anteriormente, organizaram-se em três fases:
1ª) Pré-análise
Esta etapa possuiu as seguintes finalidades:
“A escolha dos documentos a serem submetidos à
análise, a formulação das hipóteses e dos objetivos e a
elaboração de indicadores que fundamentem a
interpretação final” (BARDIN,1977, p.95).
2ª) Exploração do material
Seu objetivo foi codificar os dados textuais obtidos, isto é, transformá-los, de
modo a permitir representar seu conteúdo e/ou suas expressões, para facilitar a compreensão
das particularidades da mensagem. Essas particularidades, geralmente, são usadas como
índices.
Na segunda etapa do método, fizemos a descrição analítica do conteúdo, quando o
material analisado na primeira fase foi submetido a um estudo aprofundado, orientado pelos
problemas formulados e pelo referencial teórico.
3ª) Tratamento dos dados e interpretação.
Na última etapa da análise de conteúdo, foi feita a inferência, isto é, a partir dos
dados observados nas etapas anteriores, deduziu-se elementos que foram além do que está
escrito na mensagem, acerca do emissor, do receptor, da própria mensagem ou do seu meio de
transmissão.
137
Nesta fase de interpretação referencial, a análise alcançou uma maior intensidade,
com a ajuda da reflexão, da intuição, para que se estabelecesse as relações, na busca de
desvendar o conteúdo latente dos dados (TRIVIÑOS, 1990, p.162).
Ampliamos a análise dos dados com a abordagem explicitada por Ginzburg (2003),
com o seu paradigma semiótico ou indiciário, quando nos conduziu a um outro olhar, devido
ao seu interesse pela obra de arte. O autor contrapõe este paradigma, ao das ciências naturais,
propondo a utilização de outros métodos, vistos como pistas traduzidas em sintomas, para
Freud, em indícios para Holmes e em signos pictóricos para Morelli. Incentivando-nos a
apurar os nossos olhares, as pistas/ indícios, muitas vezes, apresentam-se insignificantes, para
o entendimento da realidade, apesar de ter surgido no século XIX, para as ciências humanas,
as suas origens são muito antigas, vindo desde o período do homem caçador.
Mas por trás desse paradigma indiciário ou
divinatório, entrevê-se o gesto talvez mais antigo da
história intelectual do gênero humano: o do caçador
agachado na lama, que escuta as pistas da presa
(Ibid., p.153).
Por milênios o homem aprendeu a interpretar pegadas na lama, galhos quebrados.
Aprendeu a farejar, registrar, interpretar e classificar pistas infinitesimais como fios de barba e
a tomar decisões em função delas. Muitas operações mentais foram sendo constituídas e
transmitidas através de gerações (Ibid., p.151).
Desta forma, os estudos de Ginzburg apresentaram um novo paradigma de apreensão
mais aprofundada da realidade, baseando-se no método morelliano25 de reconhecimento de
pinturas, cujo olhar, detém-se em formas/ pistas, quase sempre, negligenciáveis.
Acreditamos que as vivências em arte, situadas no cotidiano escolar, representaram
para nós pesquisadora, um farejar de sinais, uma vez que as imagens plásticas, escapavam do
crivo defensivo do ego, possibilitando capturar, com maior amplitude e complexidade, através
25
Para maior entendimento sobre o método de Morelli, buscar GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais:
morfologia e história. SP: Companhia das Letras, 1989.
138
do exercício de um olhar mais apurado, os elementos sensíveis da realidade, sendo que estes
também foram expressos através de pequenos gestos, de sutis olhares, ricos em detalhes,
arriscando-nos nessa verdadeira caçada.
Cabe lembrar, ainda, voltando o nosso diálogo com Triviños, que a pesquisa
qualitativa não segue uma seqüência muito rígida. Muitas vezes, a coleta de dados e a análise
dos dados se entrecruzam. As informações recolhidas podem ser interpretadas, gerando a
exigência de novas buscas de dados. Isto é possível acontecer, porque a pesquisadora, ao
iniciar o seu trabalho, não se orienta por hipóteses levantadas a priori, o que ocasiona,
geralmente, mudanças no seu percurso.
E, se o caminho se faz ao caminhar, vamos em busca dos Cenários de arteducação.
139
RESSONÂNCIAS
Quero falar de algumas verdades
Entranhas do ar
Trançados e fios,
De sentimentos que falam,
Que colorem, que se tocam,
E, de flores que se abrem para o segredo do Céu.
Quero falar de profundidades,
Sentidas, vividas,
Vertidas, na troca de olhares,
Na mistura de cores,
Nos suspiros e lágrimas...
Quero falar do silêncio
Das mãos que se abrem para o afeto
Que sonham e reclamam,
Que amassam o barro e,
Milagrosamente dão-lhe Vida,
E, que falam e que se expressam...
Quero falar de VOCÊS,
Corações amorosos e saltitantes,
Que buscam com apetite,
Os brotos tenros da Esperança,
Que pressentem,
Que a Vida é mais do que tudo isso e,
Corajosamente, acreditam
Que é tão bom CRIAR!
Que é tão bom VIVER! ...
Quero falar, falar de VOCÊS!...
140
141
7ª CENA: AS TINTAS COLORIDAS DAS AMBIÊNCIAS
Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo
Com o lápis em torno da mão imitou uma luva
E se faço chover com dois riscos tem um guarda-chuva
Se um pinguinho de tinta cair num pedacinho azul do
papel.
Num instante imagino uma linda gaivota a voar no céu.
(TOQUINHO E VINÍCIUS, Aquarela, 1983).
Propomos abrir esta Cena selecionando as diferentes ambiências que foram
realizadas, os seus objetivos, os tipos de linguagens que entrelaçaram os Encontros, com os
respectivos materiais expressivos vivenciados, representando, incluindo, dessa forma, as três
fases do plano de análise de conteúdo – pré-análise, a exploração do material e a
interpretação (BARDIN, 1977).
Optamos em apresentar esta Cena, não com uma tessitura/pintura de fios lineares
coloridos e soltos, sobre o relato das ambiências, mas, propomo-nos a enlaçar estes fios a
pontos cheios e nós, expressos com muita “alma” e sensibilidade nas imagens, nas
histórias/narrações tecidas pelos sujeitos participantes, sem a preocupação com uma
cronologia dos encontros, na seqüência em que aconteceram.
Esta representa a tentativa de “alinhavar o roteiro” do que foi vivenciado, unindo falas
registros e imagens que o tornam profundamente significativo, pois, dão-lhe vida. Além de
142
lançarmos mão dos suportes teóricos que alicerçaram a pesquisa, iluminamos as categorias
eleitas auto-conhecimento, criatividade e solidariedade com o tratamento dos dados e sua
interpretação, ou seja, com a 3ª etapa da análise do conteúdo – a interpretação.
Chamamos o espaço de - Oficina de Criação - por entendermos que oficina é um local
de trabalho, e que o ser humano elabora seu potencial criador através do trabalho
(OSTROWER, 1996, p.31).
Dessa forma, a Oficina representa um local de um fazer, um fazer que se deseja
criativo, na medida em que convide o corpo a participar, favorecendo a integração corpo e
mente, objetividade e subjetividade, conteúdo e forma, razão e emoção, individual e coletivo,
partes e todo, que permitam construções e des-construções de formas externas, de
pensamentos e de sentimentos, ou seja, um fazer-se e um des-fazer-se contínuos, em um
movimento circular.
Sobre o movimento de percepção externa e interna, Vygotsky (1990) sugere que ele
representa o começo de um processo que serve de base para nossa experiência criativa
(p.128).
Para que a Oficina de Criação tivesse vida e pulsasse no ritmo da própria vida, era
necessário que se criasse um espaço em que pensamentos, sentimentos, emoções, sensações,
intuições, encontrassem campo, para serem estimuladas e vivenciadas, o que exigia, acima de
tudo o cuidar, no sentido dado por Boff (2000). Este cuidado, que, muitas vezes, falta em
muitas de nossas práticas, pressupõe, acima de tudo, o respeito ao Outro, compreendendo-o
como o legítimo Outro, sublinhado por Maturana (1998). O respeito advém da capacidade de
olhar fundo no olho do educando e auscultar-lhe a “alma”, seu nível de compreensão sobre as
coisas do mundo, seus sentimentos, seus sonhos, sua capacidade de criar, dar forma e transformar, além da possibilidade de permitir que o outro fale, expresse-se, critique, opine, ou
seja, participe, intensamente, do seu processo de aprendizagem, aprendendo a aprender,
aprendendo a ser e aprendendo a conviver.
O cuidar se expressou, também, no respeito ao ambiente físico, que em suas dobras se
fazia limpo, perfumado, florido, para que o contato com um pouco da beleza, pudesse apurar
143
todos os sentidos de uma forma mais inteira, a visão junto ao olfato, à audição, ao paladar e ao
tato.
Sobre os sentidos, percebemos que os educandos não têm vivenciado, nas escolas, as
relações sinestésicas (integradoras) com a realidade. Não são estimulados a relacionar o que
vêem com o que ouvem, com o que tocam, com o que provam e cheiram, muito menos a
relacionar o que pensam com o sentem.
Ao favorecer com que os sentidos nas ambiências fossem saboreados, possibilitou-se
uma experiência, no sentido dado por Larrosa (2002), aquilo que nos toca, que nos faz viver
o singular, o plural e a abertura para o desconhecido.
As ambiências foram construídas com este cuidado, dando espaço para o diálogo,
respeitando a escolha de cada um, quanto ao material a ser utilizado, buscando criar
surpresas que despertassem a curiosidade e a imaginação.
A atividade criadora ao dar ênfase à experiência sensível é reforçada pelas palavras de
Vygotsky (2003 a):
Quanto mais veja, ouça e experimente, quanto
mais aprenda e assimile, quanto mais elementos
da realidade disponha em sua experiência, tanto
mais considerável e produtiva será, como as
outras circunstâncias, a atividade
de sua
imaginação (p.18).
A imaginação não se encontra descolada de um pensar, o que Ostrower (1996)
esclarece, o imaginar seria um pensar específico sobre um fazer concreto, por meio da
concretização de uma matéria (p.32). A autora, ainda continua:
144
O pensar específico sobre um fazer concreto vai além
da idéia de uma tarefa a ser executada porque
exeqüível. Os pensamentos e as conjeturas abrangem
eventuais
significados.
Trata-se
de
formas
significativas em vários planos, tanto ao evidenciarem
viabilidades novas da matéria em questão, quanto
pelo que as viabilidades contêm de expressivo, e,
ainda, porque através da matéria assim configurada o
conteúdo expressivo se torna passível de comunicação
(p.33).
De acordo com estes autores, a imaginação requer um espaço estimulador dos
sentidos, provoca uma materialidade significativa, capaz de expressar-se através da forma.
Assim, as ambiências foram sendo tecidas, contextualizando experiências, através de
olhares/ escutas sinceros, nas trocas constantes, criando interações/relações vivas, tonalizando
vozes, colorindo histórias em ritmos e compassos os mais diversos, em uma partilha de idéias,
afetos e solidariedade.
E sobre a ambiência e a sua relação com a solidariedade, Wallon (1956) enlaça fios à
nossa tessitura, ao afirmar:
Já se tomou consciência da solidariedade existente entre
a ambiência e o indivíduo, este não podendo existir sem
aquela, sendo, entretanto, o indivíduo capaz de também
modificar o meio... O porvir da educação se encontra na
disposição desses meios. Nada mais eficaz que a ação
exercida sobre a criança e igualmente sobre o homem,
através do ambiente (p.41).
O compromisso em narrar as ambiências, pensando em uma formação mais inteira e
solidária dos sujeitos da pesquisa, futuros educadores, fez-nos pulsar em direção de uma
abordagem integral em arte comprometida, verdadeiramente, com o ser humano, em seu
145
processo de criação, através de uma visão sócio-histórica na concepção de Vygotsky, que
busque trabalhar as potencialidades dos educandos.
Como professora de Sociologia da Educação do Curso Normal (Ensino Médio), no
Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho, em Niterói – RJ, iniciamos a Oficina de
Criação, com um convite, que esclarecesse o que pretendíamos nesses encontros.
No período de agosto de 2002 a dezembro de 2004, realizamos um total de setenta
encontros, sendo que, cinco encontros aconteceram fora do espaço escolar. Três encontros no
atelier de Cerâmica da artista Keiko Mayama (Itaipu-Niterói), e no atelier de pintura em
tecido da artista Lilyan Guimarães Berlim, (Itaipu-Niterói), além de duas visitas interativas,
ao Centro Cultural do Banco do Brasil (RJ) e ao MAC, Museu de Arte Contemporânea
(Niterói).
Nesta pesquisa não trouxemos para análise, exploração e interpretação todo o material
que foi coletado durante os setenta encontros.
146
O critério para escolha do material se deu, sobretudo, em relação aos encontros que
tiveram maior número de participantes, e, com isso, maior produção de materiais para estudo,
possibilitando um aprofundamento qualitativo dos mesmos.
No anexo 2 apresentamos um roteiro, através dos objetivos, das diferentes atividades
desenvolvidas durante os encontros.
Esclarecemos que, por dificuldades de articulação do projeto de pesquisa com as
atividades curriculares da escola, a freqüência dos educandos aos encontros da Oficina foi
flutuante, pois, tinham que freqüentar os horários dos estágios, sem contar com os problemas
familiares, profissionais, que, muitas vezes, os impediam de permanecer na escola, à tarde,
fora do horário das aulas. Tivemos, assim, nos primeiros quatro meses (Agosto a Dezembro
de 2002) uma média de doze participantes, dentre eles, um do sexo masculino, e, nos anos de
2003 e 2004, uma média de oito participantes.
Houve um retorno de trinta questionários e doze diários de bordo.
•
Abrindo a porta... trouxeste a chave?
Os primeiros encontros tiveram como objetivo abrir os canais da sensibilidade para as
propostas de criação, permitindo-se experienciar o ambiente, aguçando as sensações através
dos sentidos da visão, do tato, do olfato, da audição e do paladar, percebendo o espaço em
seus detalhes, o seu corpo nesse espaço e a presença dos parceiros nessa trajetória.
A primeira vivência aconteceu no dia 12 de agosto de 2002, quando vinte educandos,
na faixa etária de 14 a 21 anos, sendo dezenove mulheres e um homem, todos cursando o 3°
ano do curso de formação de professores, foram surpreendidos, na entrada da sala da Oficina,
com uma Porta de papel, com a inscrição do texto – Interiores- (autor desconhecido),
também, com adaptações, chamado Portas, por Içami Tiba.
147
Portas
Se você abre uma porta, você pode ou não entrar em uma nova sala.
Você pode não entrar e ficar observando a vida. Mas se você vence a
dúvida, o medo e entra, dá um grande passo: nesta sala, vive-se.
Mas, também, tem um preço... São inúmeras outras portas que você
descobre. Às vezes, quebra-se a cara, às vezes curte-se mil e uma.
O GRANDE SEGREDO É SABER QUANDO E QUAL A PORTA
QUE DEVE SER ABERTA.
A VIDA NÃO É RIGOROSA. Ela propicia erros e acertos. Os erros
podem ser transformados em acertos, quando com eles se aprende. Não
existe a segurança do certo e do eterno.
A VIDA É GENEROSA. A cada sala que se vive, se descobre tantas
outras portas.
E a vida enriquece quem se arrisca a abrir novas portas. Ela privilegia
aquele que descobre seus segredos e generosamente oferece afortunadas
postas.
MAS A VIDA PODE SER TAMBÉM DURA E SEVERA, se você não
ultrapassar a porta, terá sempre essa mesma porta pela frente. É a
repetição perante a criação.
É a monotonia monocromática perante a multiplicidade das cores. É a
estagnação da vida...
PARA A VIDA, AS PORTAS NÃO SÃO OBSTÁCULOS, MAS
DIFERENTES PASSAGENS...
Lemos o texto e, como nesta porta havia um buraco aberto com uma fechadura, os
educandos foram estimulados para que olhassem, curiosamente, espreitando os segredos que
na sala habitavam.
148
Provocamos algumas perguntas: Que porta é esta? Que portas fechamos e abrimos?
Que portas maiores e pesadas fechamos? O que nos espera atrás desta porta? O que temos que
abrir dentro de nós? O que anda trancado dentro de nós, bem escondido? Que mundo é esse
dentro de nós que precisamos saborear? Vamos abrir esta porta? Para abri-la, o que
precisamos? Trouxeram a chave? E lemos o poema de Carlos Drummond de Andrade:
Chega mais perto e contempla as palavras. Cada
uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te
pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou
terrível, que lhe deres: Trouxeste a chave?
As ambiências, através das diferentes linguagens expressivas sempre estimularam o
dizer, o tomar a palavra (FREIRE, 1985), a curiosidade, a imaginação, filha da criatividade, a
sensibilidade, a auto-percepção e a solidariedade.
Sempre, após o ver uma imagem, ouvir um poema, fazer uma pintura ou escultura,
tecer imagens em um pano, dançar o corpo no espaço, os participantes eram convidados a
expressar oralmente e/ou pela escrita os seus sentimentos, suas expressões da “alma”,
sugerindo com que mergulhassem na sua viagem lúdica pelos materiais. Suas imagens, falas,
escritos iam fiando figuras, que entrelaçavam imagens e histórias, ilustrando o vivenciado,
deixando a cada encontro fluir a linguagem que apostamos – a linguagem criativa, que vem
149
nutrir nossas reflexões sobre a criatividade, sobre o lugar da poesia na vida, sobre o conhecerse a si mesmo e o outro.
Sobre o ambiente no qual nos acolhia, os participantes foram convidados a olhar
atentamente a sala, percebendo seus detalhes, seus cheiros com os aromas de flores, as
essências do Brasil, como cravo e canela, uma vez que, de acordo com Ostrower (1996), todo
processo de criação exige uma percepção consciente de si mesmo e do ambiente ao seu
entorno. Assim, foram tocando com as mãos o que encontravam, e com seus pés sentindo a
temperatura do chão. Ainda era possível ouvir o som de uma música suave que, com seu
ritmo, os envolvia mais profundamente na ambiência. Todo o seu corpo era convidado a
participar, além de serem solicitados a olharem atentamente nos olhos de suas amigas e do
amigo, parceiros na Oficina, percebendo neles o que ainda não tinham sido capazes de
perceber.
Fazemos, nesse momento, interlocução com Herbert Read (2001), quando afirma que
a percepção e a imaginação são processos mentais básicos, implícitos na arte e na educação.
Por exemplo, a atividade de desenhar ou pintar representa uma forma de atividade mental
(p.239), sendo que a arte deverá ser a base de qualquer técnica educativa, ou seja, a arte
representa o melhor guia para um sistema educacional que tenha alguma preocupação com as
diversidades naturais de temperamento e personalidade (p.183).
Voltando à descrição das ambiências, tapetes coloridos espalhados pelo chão, corpos
neles sentados, um cheiro de limpeza, cortinas nas janelas, ou seja, uma sala cuidadosamente
tratada. Era a primeira vez, que nesta escola, eles tinham a oportunidade de sentarem-se no
chão, através de um ambiente acolhedor.
Perguntamos: O que nos lembra a palavra chave? E, assim, palavras, começaram a
serem “acordadas”: abertura, desafio, porta, portas, fechadura, oportunidade, alegria,
sucesso, possibilidades, ouro, sabedoria, tesouro, encontro, desencontro, caminhos,
parceria...
Conversamos sobre as portas que a vida lhes têm apresentado e qual tipo de Porta
poderá representar as vivências que serão acolhidas neste espaço.
150
Junto a papéis, lápis coloridos, pincéis e tintas, começaram a expressar e a escrever.
Há sempre uma porta a ser aberta e novos
prazeres a serem conhecidos.
(PRISCILLA, 12/08/02).
Desejo poder encontrar uma paz no meu
ser.
Aprender a separar e a conciliar os meus sentimentos.
Adquirir sentimentos que ainda não tenho.
Superar os maus momentos vividos até hoje.
Descobrir novas portas em mim mesma.
Ter concentração para o estudo e o
trabalho.
Observar as pequenas coisas (atenção).
Coragem para abrir as portas da minha vida e ter
discernimento para fechar aquelas que não me servem.
(FABIANA, 12/08/02)
Desejo me descobrir. Desvendar os mistérios do meu
interior. Me conhecer o mais íntimo que puder. Me sentir
mais livre, mais perto de mim mesma. Ser capaz de ser.
Esquecer por alguns instantes as amarguras. Deixar o
meu interior falar, gritar se for preciso. Deixar os meus
medos morrerem para viver o impossível. (KARLA,
12/08/02).
Em meio a tantos problemas, tantas questões mal
resolvidas em que eu me encontro, espero hoje, nesta
porta que foi aberta (onde o meu ser arde de expectativas)
procurar valorizar mais o sentido da vida.
Quero poder ter a capacidade de entender o que é viver,
pois, ultimamente, não tenho conseguido pensar em mim,
tenho tido frustrações e sem tentar descobrir o amanhã.
Não quero mais estar abrindo uma porta com medo, não
quero abrir uma porta pensando como vai ser a outra
porta que irei ter que abrir após esta. Preciso aqui me
desvencilhar desses medos (SUELLEN, 12/08/02).
Surpreenderam-nos estes escritos, elaborados de forma tão transparente, profunda e
sensível, pois este era o nosso primeiro encontro. Através dos escritos, os educandos
revelaram a vontade e a coragem de conhecerem a si mesmos.
151
Tomamos emprestado os escritos de Ginzburg (2003, p.179), que nos auxiliam nesse
exercício de aprender a olhar imagens, fotos, a ler textos, quando esclarece:
Tratam-se de formas de saber tendencialmente mudas, no
sentido de que, como já dissemos, suas regras não se
prestam a ser formalizadas nem ditas. Ninguém aprende o
ofício de conhecedor ou diagnosticador limitando-se a
pôr em prática, regras pré-existentes. Nesse tipo de
conhecimento entram em jogo (diz normalmente)
elementos imponderáveis: faro, golpe de vista e intuição.
Os relatos dos participantes sinalizavam que a pesquisa estaria indo ao encontro dos
anseios dos jovens, que talvez não tivessem tido a oportunidade de vivenciarem uma
aprendizagem de si mesmos, no espaço escolar.
Com Ostrower entendo:
Que os processos de criação representam, na origem,
tentativas de estruturação, de experimentação e controle,
processos produtivos onde o homem se descobre, onde ele
próprio se articula à medida que passa a identificar-se
com a matéria. São transferências simbólicas do homem à
materialidade das coisas e que novamente são
transferidas para si (1996, p.53).
Além dos escritos, imagens foram expressas, da natureza, do sol, de flores, de árvores,
de corações vermelhos, outras simbolizando o desejo de paz, como a de Suellen:
152
.
Em minha análise, a expressão da natureza, representou a necessidade de abrir espaço
interno ao relaxamento, o que foi reforçado em suas falas. A presença dos desenhos de
corações, provavelmente, estava ligada aos seus sentimentos amorosos, aos seus conflitos, tão
comuns nesse período da juventude.
A presença de imagens recorrentes como da natureza (planeta, mar, sol, lua, estrelas,
montanha, peixes, rostos humanos), além dos traçados de casas, de caminhos, de portas, de
barcos, de corações inteiros ou partidos, representam símbolos que transmitem significados
profundos para a vida dos jovens.
O desenho acima sugere que, a jovem ao utilizar o lápis cera, foi capaz de revestir todo
o fundo do papel, retratando a intensidade de sua interioridade psíquica, que, consciente ou
inconscientemente, desejava ser evidenciada.
Também, a escolha do lápis cera poderá evidenciar, pela dureza do material e por ser
facilmente controlável, a sensação de domínio do real, como o desenho nos aponta.
No dizer de Ostrower, em sua obra: A sensibilidade do intelecto (1998), a
expressividade das imagens produzidas pelo ser humano podem configurar a materialidade do
153
mundo, ao retratar paisagens, figuras, objetos. As escolhas feitas pelos educandos de temas
como: sol, lua, estrelas, nuvens, flores, corações estariam representando aspectos produtivos
da vida. Segundo a autora, esta é uma forma de demonstrar a busca pessoal por conquistas,
além de ser uma forma de superação de conflitos íntimos.
Na visão da autora sobre a arte como linguagem, todas as formas artísticas se nos
apresentam como formas de linguagem, e, dentro da especificidade de cada linguagem, as
formas nos comunicam um conteúdo bem profundo.
Pois a arte se refere em última instância à própria
condição humana e a certos questionamentos sobre a
realidade de nosso viver. Ela sempre formula uma visão
de mundo. É neste nível que ocorrem suas indagações e as
tentativas de resposta (1998, p.4).
Voltando ao nosso primeiro encontro, em sua finalização, todos disseram que
voltariam na próxima segunda-feira, e, ainda, registramos a fala de uma delas: “Não senti nem
o tempo passar, pensei que fosse 14:30 minutos e já são 15:30 minutos”.
No segundo encontro, logo de início, uma participante começou a se alongar e, nós,
aproveitamos a “dica” e convidamos todos a fazerem um trabalho corporal. Após, o
aquecimento do corpo, mostramos imagens de pinturas de artistas brasileiros e estrangeiros de
diferentes épocas, tendo como um dos objetivos, promover a apreciação estética destas
imagens. Assim, foram tomando conta do nosso espaço, as pinturas de Di Cavalcanti,
Cândido Portinari, Tarsila do Amaral, Monet, Renoir, Van Gogh, Salvador Dali, Leonardo da
Vinci, Picasso, Cézanne, Goya, Velázquez e outros.
Depois de uma atenta observação, convidamos que escolhessem uma imagem,
instigando-os a falarem do seu momento, de seus interesses e de suas histórias de vida. Era
uma forma criativa de se apresentarem para o grupo.
Uma delas ao escolher uma imagem da Natureza-morta (1890-1894) de Cézanne,
assim se expressou:
“As crianças em roda – de Portinari, me
infância que não tive. Desde cedo
responsabilidades” (FABIANA, 2002).
lembram a
tive muitas
154
Outras, também, relataram:
Cresci com a lembrança de um quadro
parecido com
este, na casa da minha tia. Ele me lembra
tristeza.”(SUELLEN, 2002).
O quadro de Turner – Pescadores em alto-mar (1796)
me mostra o mar. Adoro mar, mas tenho medo, ele é
traiçoeiro.As pessoas são falsas, elas usam máscaras.
Às vezes, uso também máscaras para me proteger.”
(KARLA, 2002).
Que mergulho profundo, no mar de si mesma, a Karla foi capaz de dar, ao fazer a
ligação entre seus três M – mar, medo, máscaras!
Sobre o quadro de Goya – A Família do Duque de Osuña (1788), Renata, disse:
“Gostaria que a família fosse assim.”
A forma de expressão de Renata sobre a família, sugere-nos o processo de mediação
que a arte estaria lhe possibilitando, deixando surgir conteúdos internos, vivências passadas,
que, talvez, ela não pudesse extinguir, mas, com a ajuda da expressão artística, foi-lhe
possível travar uma relação sadia e construtora de paz com o seu pretérito.
Com a imagem O Beijo, Gustav Klim (1907-1908), Madalene disse: gostei do colorido
do casal empolgado. Me lembra amor, união, união das raças. Ela é uma mulher branca e o
cara preto”.
Madalene é uma jovem negra, alta e bonita.
Maria (2002) escolheu a obra do artista flamengo, Robert Campin – Madona
Amamentando (1430): “Gosto desta imagem do contato da mãe com o filho. Não fui
amamentada pela minha mãe. Fui criada por minha tia.”
Sobre suas fragilidades, Débora, assim se expressou, ao escolher a imagem de A
Primavera (1856) de Ingres: “Uma criança forte, um vaso de porcelana. Parece frágil. Eu já
caí algumas vezes e tive de me levantar sozinha”.
155
O que fez Débora relacionar, o vaso de barro carregado pela variante da Vênus
Anadyomènne, de Ingres, com a porcelana frágil que, como ela, é suscetível de quebrar-se?
Suas narrativas iam, “sem pedir licença” enlaçando razão, sentimentos sentidos e
vertidos, que fluíam ao contato com as coloridas imagens. Era o início de uma trajetória que
ainda não tínhamos certeza onde nos levaria.
Uma única certeza nos movia: é preciso afagar a terra, para a semente brotar:“afagar a
terra, conhecer os desejos da terra, cio da terra, propícia estação, e fecundar o chão”
(Milton Nascimento)26.
Assim, por meio das artes de fazer/tecer dos educandos, foram surgindo imagens
vivificadas que se somavam a diálogos, enriquecidos por uma polifonia de vozes que
rompiam os silêncios escolares, dando lugar à PALAVRA, à PALAVRA AUTÊNTICA,
vibrante, tonificada pelos corpos que as materializavam, e, dessa forma construindo espaços
de produção criativa de linguagens, pois, entendemos com Vygotsky (2001), “tudo o que a
arte realiza, ela o faz no nosso corpo e através dele” (p.320).
26
NASCIMENTO. Milton e HOLLANDA, Francisco Buarque de. O cio da terra, 1976.
156
•
Corpos que falam, expressando formas singulares.
Linhares e Trindade (2003) sublinham que há uma concepção de existência humana
que conjuga a materialidade de corpos humanos à ação interventora que inclui as palavras.
Somos corpos, comportamentos, palavras. (p.13-14).
A capacidade de marcar os seus corpos/sentimentos com palavras e com memórias,
demonstrada pelos escritos das vivências com as imagens, traz-nos ressonâncias na melodia
suave do poeta mineiro, Queirós (1991):
Há que se escrever a vida em flauta e vôo como cantam
os pássaros. Buscar na memória a lembrança e a
direção. Ocultar os rastros percorridos para perder-se
no encontro e ninho. Decifrar o alfabeto rabiscado nas
linhas do vento, gravado no fruto maduro, embaraçado
na pena trocada. Como os pássaros, há que se escrever
enquanto é dia e para todos (p.14).
Dessa forma, além das vivências com as artes plásticas, priorizamos os trabalhos
corporais, os relaxamentos, muito apreciados por eles, como foi avaliado, por todos, nos
questionários27 de avaliação e auto-avaliação da Oficina:
A oficina me relaxa. Faz bem. Sem contar que além de
tudo é divertido, não é monótono. Cada dia há algo
diferente, isto é, é muito estimulante. É tudo de bom e
mais um pouco. Faz bem para a alma. Para o coração!
As palavras ditas na hora do relaxamento tocam muito,
trazem tranqüilidade, conforto. São ditas com o
sentimento, aliás, tudo feito aqui foi com sentimento.
O que mais gostei nos encontros foram as massagens em
dupla, porque eu pude realmente sentir o poder que
nossas mãos têm.
27
Deixamos livre a opção do educando se identificar nos questionários.
157
Os relatos trazidos pelas educandas vêm alimentar as teorias relativas à importância
do trabalho corporal para o desenvolvimento do potencial criador do indivíduo e para um
aprofundamento do auto-conhecimento.Corroborando sobre esta questão, Ostrower sublinha
que:
Formando a matéria, ordenando-a, configurando-a,
dominando-a, também o homem vem a se ordenar
interiormente e a dominar-se. Vem a se conhecer um
pouco melhor e a ampliar sua consciência nesse
processo dinâmico em que recria suas potencialidades
essenciais. (1996, p.53).
Observamos que, à medida que os educandos vivenciavam dinâmicas corporais, a sua
criatividade se expandia, emergindo por meio dos movimentos corporais, ampliando, assim, o
seu potencial nos trabalhos plásticos e na poesia.
Sobre o trabalho corporal, a respiração passa a ter um valor importante, representando
um veículo de sintonia profunda com o próprio corpo, como assinala Tarthang Tulku28
(1978):
Porque o respirar indica os ritmos da vida, o modo com
que respiramos assinala a disposição das nossas
energias... Quando a respiração é consistentemente
calma e regular, a energia aumenta e a saúde melhora.
Dormimos melhor. Todo o organismo mental e físico se
equilibra. A mente faz-se lúcida e o corpo alerta e
sensitivo: a audição é mais clara, as cores são mais
vibrantes e é possível saborear melhor os gostos da
experiência... Uma vez que soubermos estabelecer
contacto com a energia da respiração, a respiração se
tornará numa fonte infinita de energias revitalizantes
(p.39).
28
Há dez anos pratico Kum Nye, um sistema de relaxamento psicofísico, originário da tradição tibetana. Esta
técnica foi trazida para o Ocidente pelo médico e lama Tarthang Tulku, autor de uma dezena de livros editados
pela Editora Pensamento e outras.
158
No terceiro encontro, após o trabalho corporal que foi realizado, através de um
relaxamento, ainda, com a intenção de explorar o poder do corpo, sugerimos que observassem
a imagem de uma escultura: O Segredo, de Rodin. Conversamos sobre qual deve ter sido o
porquê deste nome à escultura. Após, o diálogo que provocamos, perguntei quais os segredos
que as mãos guardam?
159
LE SECRET - Auguste Rodin – 1909
Marbre - 89x50x41cm
Lembrei, com Boechat (2003):
As mãos da cultura ocidental estão aprisionadas. Urge
libertá-las. Tanto na prática quanto na teoria. As mãos
estão aprisionadas, na cultura e, portanto, em cada um de
nós. Elas foram assim aprisionadas em prol de uma
cultura excessivamente cerebral, pela tirania do
racionalismo sobre a vivência emocional... Vivemos a
fantasia de que toda nossa consciência está no cérebro, o
córtex cerebral, tutor da racionalidade. Como bem
lembrou José Saramago em seu livro ‘A caverna’,
esquecemos que a consciência está, ao contrário do que
muitos pensam, por todo o corpo, em especial na
criatividade das mãos.”(p.7-8).
Assim, pedimos para observarem suas mãos, sentindo sua textura, sua temperatura,
acariciando-as e, depois, experienciando diferentes materiais, convidando-os a libertarem suas
mãos do controle cerebral, no sentido de resgatar a importância que elas tiveram no passado,
160
pois, sabemos que, na sociedade industrial tentam substituí-la, por objetos industriais
produzidos ao infinito, pela repetição infindável.
Sempre buscávamos, após os relaxamentos, facilitar o contato com materiais plásticos
diversificados, como: tipos diferentes de suportes, papéis, com texturas e cores diversas,
caixas, tecidos, etamine, lãs. Junto a lápis coloridos, como lápis cera estaca, pastel oleoso e o
pastel seco; tintas guache e acrílica, pincéis, trinchas, espátulas, esponjas. Também a argila
foi, por várias vezes, utilizada.
Estes materiais, frente às propostas sugeridas, funcionaram como recursos de
expressão para que os educandos, ao vivenciar estas linguagens, fossem estimulados à
criação, à imaginação, ao sentir, ao emocionar-se, à curiosidade, ao auto- conhecimento e à
solidariedade.
Após, a sensibilização com as mãos, dedicamos o encontro à construção do Diário de
Bordo, um caderno, no qual pudessem relatar, através de uma escrita criativa, suas
reflexões, seus sentimentos durante, e/ou, após as vivências. Com o objetivo de proporcionar
uma relação afetiva e amorosa com o seu caderno, sugerimos que ilustrassem, criativamente,
a sua capa, com imagens, figuras, palavras que expressassem o que a Oficina poderia lhes
oferecer em relação a cada um e em relação à convivência que buscaríamos afirmar no grupo.
As escritas poderiam ser desdobradas em outras escritas, até mesmo sobre os sonhos que
lembrassem, após uma noite/dia de sono.
Nesse clima de criação, algumas imagens nasceram...
161
A utilização da técnica da colagem fez com que no ato de colar, vínculos mais firmes
consigo mesmo e com o meio fossem estabelecidos, além de reduzir a ansiedade de se atuar
como um “artista”, criando formas, uma vez que estas já se encontravam disponíveis, em
revistas, jornais ou em outros materiais.
Era necessário, que as vivências possibilitassem aos jovens a afirmação de suas
identidades, e, com esse objetivo, o encontro seguinte, além de uma dinâmica corporal,
favoreceu com que através da leitura do Poema – Receita de dizer o nome (MURRAY,
Roseana,1997, p.14), suas falas pudessem expressar sentimentos e características, em relação
aos seus nomes.
RECEITA de dizer o nome
dizer o nome como se diz
uma
uma pedra
um pedaço de sol
dizer o nome
como se diz um arco-íris
um temporal uma ilha
de água luz e coral
162
Ao dizerem o seu nome, de forma bem enfática29, ouvimos:
Priscila – paciente
Priscila – paz
Isabela – inesquecível
Kelly – querida
Kelly - carinho
Adriana – amiga
Ana Flávia – amiga e
feliz
No Diário de bordo de Priscila, encontrei: “O nome é a essência da vida e
principalmente a fonte de calor da alma cristalina” (02/09/02).
Era a poesia tomando conta de sua vida!
Após, dizerem os seus nomes fizemos uma roda criativa, e, sentados no chão, cada
um foi convidado a ficar no centro e, de olhos fechados, ouvir os participantes chamá-lo pelo
nome, de uma forma diferente, ou seja, com ritmos e entonações diferentes.
Ao avaliarmos as impressões da vivência, verificamos como as diferentes vozes
trouxeram lembranças para cada um, registradas em suas falas:
“ Lembrei a forma como a minha mãe me chama.
“Alguém me chamou de uma forma que me
lembrou como meu pai me chama”
“Fiquei insegura, com medo...
Ficar de olhos fechados e as pessoas me
chamando.
“Lembrei de uma pessoa que me chamava assim”.
“ Gostei, achei divertido”.
29
A dinâmica – Dizendo o nome, vivenciamos no Curso Introdutório, do Teatro do Oprimido de Augusto Boal –
RJ – 1997.
163
O ficar atenta aos sons das pessoas os chamando, não seria uma forma de prestar
atenção aos registros das melodias dos seus próprios ritmos interiores?
Sobre a questão do som, vivenciado durante a dinâmica, é importante ressaltar que
vivemos envoltos em um universo sonoro. Todos os sons possuem um potencial criador que
se transforma em música, e esta, por sua vez, provoca profundas emoções em nós.
Assim, estávamos possibilitando o brincar com os sons, como se brinca com os
diferentes materiais expressivos, permitindo um tatear sonoro na busca de timbres diversos e
experimentando diferentes velocidades dos sons, ou seja, uma forma criativa de explorar o
próprio corpo.
Ainda, buscando pistas e detalhes em seus olhares, gestos, ações e palavras,
observamos que, por várias vezes, as alunas faltavam à aula de 2ª feira de manhã, mas não
deixavam de vir à Oficina, à tarde, principalmente, quando já tínhamos combinado que,
naquele dia, iríamos trabalhar com argila. Por exemplo, Clara, no dia nove de Setembro de
2002, chegou bem animada à tarde e não tinha comparecido pela manhã, ainda trouxe um
texto, por iniciativa própria, para enriquecer o trabalho do dia – FELICIDADE.
Consideramos a pertinência do conteúdo trazido pela educanda, logo no início de
nossos encontros. Ali deixava registrado o intenso desejo que acompanha a humanidade em
todos os tempos - ser feliz.
Este sentimento foi registrado em muitas das quatrocentas fotos, reveladoras de
diferentes momentos dos trabalhos vivenciados. Olhos que brilhavam, frente ao desafio do
novo, da descoberta, rostos que se iluminavam, todas as vezes que percebiam que seriam
fotografados, além das formas diferenciadas e únicas com que se vestiam para os Encontros,
demonstrando descontração, originalidade e criatividade, como sugerem os adereços em suas
cabeças.
164
As suas formas originais de expressão, através das indumentárias, mostram que o
cotidiano escolar não é um espaço somente do rotineiro e disciplinado, mas, um espaço,
também, da “desordem”, dos gestos singulares, das possibilidades ilimitadas. Um espaço da
resistência, da transgressão e da transformação, mesmo sabendo-se que o Instituto de
Educação Ismael Coutinho- RJ tem uma prática rígida com relação ao uso correto do
uniforme.
165
Ainda trazendo o tema – Felicidade - no Encontro do dia dezenove de maio de 2003,
Priscila chegou dizendo: Que bom, pensei que não chegasse o dia de hoje! Kelly relatou:
Sábado pedi a minha mãe para lavar o uniforme, pois, amanhã é 2ª feira e terei Oficina. Me
confundi, estava querendo tanto vir à Oficina, que esqueci que ainda tinha o Domingo! Me
sinto feliz aqui!
Para esse dia tínhamos decidido, coletivamente, que levaria um bolo para
comemorarmos os aniversários do período. Em função do bolo, atrasei-me e reclamaram
pelos dez minutos, que roubei do Encontro.
As imagens, a seguir contam sobre a diversidade de expressões com que os seus
corpos foram capazes de criar. Também, as suas reflexões escritas atestam tal fato:
166
Eu me tornei uma pessoa mais sensível, não tanto quanto
eu gostaria. Me sentia, nos encontros, leve como uma
pluma. Sentia uma enorme sensação de bem estar. A
professora nos mostrou que a arte existe dentro de nós
e é só querer que ela se manifesta (Luara,
Questionário).
Na Oficina cada encontro nos faz soltar a nossa
imaginação, criatividade e assim podemos ampliar
nossos conhecimentos.
Através das vivências, venho despertando mais a minha
curiosidade. Saio satisfeito com a experiência que tive.
Sinto prazer imenso de estar participando desta oficina,
me sinto restaurado e aliviado. É super relaxante e
gostoso.
Nas vivências a música representou um elemento importante, no sentido de facilitar
com que diferentes estados de ânimo, sentimentos e emoções pudessem fluir ou de fora para
dentro, quando os sons provocavam movimentos corporais, capazes de levar a dança ou
quando os educandos ficavam em silêncio, buscando desenvolver sua atenção plena ao
saborear os sons emitidos pelos seus próprios corpos e pelas músicas.
Há que se lembrar que a música representa uma forma muito antiga de comunicação e
expressão. Através da música foi possível observar, durante as vivências, o conforto
proporcionado por ela, facilitando uma comunicação significativa entre os educandos, o que
foi expresso em seus questionários, ao sinalizarem que a música lhe trazia tranqüilidade e
alegria.
Dessa forma, a música, mesmo como fundo da ambiência, representou uma fonte
lúdica e criativa, além de ter favorecido o contato de cada um com sua capacidade de
concentração, a sua percepção auditiva, estimulando à participação individual e nas vivências
grupais.
As imagens a seguir retratam um trabalho de consciência corporal, que culminou com
uma dança criativa, o qual seguiu algumas etapas.
167
Primeiramente, uma etapa de sensibilização, através da respiração, para que entrassem
em contato com o seu corpo, permitindo-se expandi-lo para além do limite do próprio corpo.
Depois, foram convidados a perceberem o ambiente físico da sala e a olharem nos olhos de
cada participante. Passaram, em seguida, a andar de diferentes formas (rápido, lento, na ponta
dos pés, sobre as bordas dos pés, sobre os calcanhares, sobre o dorso dos pés), além, de forma
cansada, alegre, triste, esperançosa. Após, foi solicitado que sentissem os seus pés, no chão,
andando, ao som do pandeiro, em diferentes ritmos (marcha, valsa).
Dando continuidade a dinâmica, diferentes tipos de músicas foram ouvidas (valsa,
xote, forró, samba, romântica), para que dançassem, individualmente ou em duplas,
terminando em um forte abraço grupal. Depois, de olhos fechados, foram convidados a
sentirem os sentimentos que as músicas lhe sugeriam (a ópera Carmem, de Verdi; do filme
Titanic; Enya; Loreena Mc Kennitt). Para terminar esta vivência, colocamos uma música
árabe e, juntamente com véus, filós, colares e óculos, nós sugerimos que se imaginassem
dançando em um deserto árabe.
168
Verificamos que os educandos, quase todos, não quiseram expressar em palavras, em
seu diário de bordo, as suas impressões e sentimentos. Acreditamos que palavras foram ditas e
sentidas através da forte carga emocional que esta vivência proporcionou, afinal, os corpos
falam.
Mesmo assim, encontramos no diário de Luciana, sobre o relaxamento:
Relaxar
Ah! Como é bom!
Esse é um ótimo momento dos nossos encontros...
É quando nos desligamos e tudo, para entrar no lugar
mais calmo que quisermos e imaginar, e, funciona!
(16/09/02).
E, Priscila: “A dança pode mostrar o que realmente existe de puro na alma” (Diário
de bordo,16/09/02).
Era a arte mexendo/ remexendo em suas entranhas, em suas formas singulares de ser, e
de uma forma sensível e perceptível tomando parte significativa de suas vidas.
169
Era o espaço do cotidiano escolar que, apesar de profundamente disciplinador,
passava a conviver com as táticas dos seus praticantes que, astutamente, encontravam meios
diferenciados de se expressarem, como podemos verificar nas imagens a seguir.
Soltando sonhos através de bolas de sabão.
A arte possibilitando encontrar formas diferenciadas de se expressar.
170
Estas imagens nos revelam a possibilidade de um cotidiano menos fragmentado e rico
em movimentos, cores, formas, gritos e coragens, que de alguma forma, estariam indo na
contramão das constatações, feitas por estudiosos sobre o tema Juventude, como Melucci
(1997), argumenta:
Está agora claro que a maneira pela qual os
adolescentes constroem sua experiência é mais e
mais fragmentada. Adolescentes pertencem a uma
pluralidade de redes e de grupos... O passo da
mudança, a pluralidade das participações...
contribuem todos para debilitar os pontos de
referência sobre os quais a identidade era
tradicionalmente construída. A possibilidade de
definir uma biografia contínua torna-se cada vez
mais incerta (Ibid., p.10).
Não estaria a arte favorecendo a reversão do quadro descrito acima?
171
•
Com as mãos nas tintas
A proposta que defendemos de uso das linguagens expressivas em arte, capazes de
estimular o auto-conhecimento, a criatividade e a solidariedade humana, direcionou-se em
busca da abertura dos canais da emoção, dos canais do sensível, para que tais categorias
fossem, em profundidade, vivenciadas.
Para tanto, a linguagem das tintas se apresentou como uma aliada nessa trajetória, por
ser um material essencialmente fluido capaz de proporcionar a manifestação de emoções. No
entanto, essa característica líquida, pode trazer dificuldades no seu controle, provocando
momentos de tensão e momentos de profunda gratificação, como foi possível perceber nas
atividades realizadas com a tinta.
Assim, as vivências com a Pintura Espontânea, objetivaram com que, através da
pintura, imagem e emoção pudessem emergir, estabelecendo uma conexão com o mundo
interior que está, de fato, vivo dentro de cada um, favorecendo o experimentar afetos e
conhecendo-os melhor.
O que se pretendeu com os resultados dos trabalhos plásticos que foram vivenciados,
não foi a análise/avaliação de comportamentos, mas a possibilidade de se revelar, através das
imagens, as potencialidades criadoras e a expressão de outras facetas da inteligência,
existentes em cada ser humano, que o fazem elaborar situações de vida as mais diversas e
adversas.
Neste tipo de pintura, chamada espontânea, as partes desconhecidas emergem na
consciência, dando forma ao mundo exterior, que, muitas vezes, apresenta-se confuso,
favorecendo uma visão mais aberta, capaz de elaborar mudanças, ao reconhecer o seu poder
pessoal, que, aliás, representa o que só ela/ele pode fazer.
Dessa foram, trazemos uma vivência ocorrida no atelier de Lilyan, no trabalho de
pintura no tecido. Depois da secagem do seu tecido, Maria se decepcionou com o resultado da
sua pintura; achou que ela ficou muito escura e, arriscou a penetrar no desconhecido:
172
Meu pequeno monstro
Antes achei que não faria, achei também que não ficaria
legal. Depois vi que era apenas medo de lidar com as
cores, com o novo, com o improviso sem volta. E, pensei:
se a Vida é assim, porque meu tecido não pode ser.
Percebi que ele é diferente, não muito comum, que vai ter
ou/e tem as mesmas qualidades dos outros tecidos. Me
envolver com ele (propomos uma dança com o seu tecido
pintado) só me fez lembrar da frustração de não ter um
tecido perfeito. Nada na vida é perfeito. Me fez lembrar,
também, que sou humana e como todo humano sou
imperfeita. Extravasei emoções. Tenho uma observação a
respeito das cores. Gostaria que o preto saísse mais forte
(21/06/04).
Maria teve a possibilidade de se confrontar com a sua produção criativa, percebendo
suas dificuldades e destrezas com naturalidade.
Maria, conscientemente, começava a experimentar suas artes de “poetar”, na busca de
uma canção da sua inteireza. Por que as tintas tão coloridas da sua pintura foram expressas
como “o meu pequeno monstro” ?
Como bem expressa Vygotsky (2001):
A arte, deste modo, surge inicialmente como o mais forte
instrumento na luta pela existência, e não se pode
admitir nem a idéia de que o seu papel se reduza a
comunicar sentimentos e que ela não implique nenhum
poder sobre esse sentimento (p.310).
173
Nesta ótica, na qual a arte representa um instrumento na luta pela existência, incluímos
as referências de Ostrower (1996):
Para o ser humano, o equilíbrio interno não é um dado
fixo. O equilíbrio é algo que a todo instante precisa ser
reconquistado... No fluir da vida, nos sucessivos eventos
externos e internos que nos mobilizam, cada momento de
estabilidade é imediatamente questionado. Cada
situação que se vive, cada ação física ou psíquica, cada
emoção e cada pensamento desequilibra algum estado
anterior. Introduz um fato novo, acrescenta uma medida
de movimento. Desdobra algo, e nos desdobra em algo
também. Obriga-nos a procurar outro momento ou novo
plano de vivência e ação em que o acréscimo de
movimento possa ser compensado e contrabalançado....
O equilíbrio não anula as forças diferentes... trata-se de
conviver com essas forças...Na forma expressiva, os
elementos complexos da experiência humana não se
descaracterizam, eles se esclarecem a um nível mais
significativo (p.99).
Percebemos nas reflexões da autora, questões pontuais, também levantadas por
Edgar Morin - a arte possibilitando um fazer complexo, ou seja, a vivência da
complexidade, sendo esta, inerente a toda a ação humana. Uma vez que o ato criador é
sempre um ato de integração e não de disjunção, adquire seu significado pleno, somente
174
quando entendido globalmente. O potencial de inteireza que o processo criativo poderá
favorecer sugere a construção de uma maior consciência do ser humano, de identidades
mais plenas, ou, como sustenta Morin, um maior compromisso com a reforma do
pensamento.
Enfim, é a tomada de consciência do educando de suas potencialidades, de seus
pensamentos, sentimentos e sonhos.
Entrelaçamos à tessitura, algumas falas, além das de Maria, sobre o processo de
criação, com a utilização de tinta:“Pintar é libertar o medo ou o desconhecido da alma”
(Priscila, 21/10/02).
PINTAR é um momento em que podemos nos libertar
de tudo e mergulhar nas cores, para expressar
pensamentos, sentimentos, dores, tristezas, solidão,
felicidade, enfim... (Luciana, 2002).
Também Isabella deixou registrado o seu processo de criação ao pintar o seu tecido:
Ao ver o tecido estirado, não soube o que fazer e pensei:
e agora?!!
Fui com o pensamento de colorir de preto, mas acabei
mudando de idéia e aos poucos as cores apareceram e
na minha escuridão, apareceu uma luz rosa inicialmente,
após, amarela, azul, verde e laranja.
Houve um intervalo, de um mês e onze dias para poder
olhar e me envolver em meu tecido, mas, enfim, chegou e
eu pude olhar e ficar feliz com o resultado, que para
uma primeira vez, NOSSAAA!! Ficou lindo!!
Na dança com o pano, fizemos um trabalho em conjunto,
lindo. Dançamos em pé, no chão, deitada, com
coreografias. As mulheres têm um ponto lindo, é o poder
da sensualidade, nós fomos de nossas maneiras sensuais
e atingimos um objetivo, nos descobrir sensualmente,
esquecer um pouco as palavras, e, assim, como eu, usar
o “OLHAR”!!
175
Enfim, fiquei hiper feliz com o resultado, desde o
primeiro contato, até à dança, foi + q d + !! (Isabella,
Diário de bordo, 21/06/04).
No relato de Isabella, observamos os fundamentos de teorias sobre o trabalho com
tecidos, panos, véus, materiais estes, que são capazes de despertar o contato mais íntimo de
cada um consigo mesmo, pois, um tecido é o que nos envolve, estabelecendo uma sensação
prazerosa com a própria pele. Tal experiência foi expressa pela educanda, através do seu
poder feminino e da sua sensualidade o seu escrito demonstra o quanto de prazer esta
vivência foi capaz de proporcionar-lhe.
Também, foi possível verificar nas vivências com a pintura, o poder das cores
possibilitando experimentar esteticamente as suas combinações, provocando surpresas com
suas misturas, remoendo com o interior de cada um, como tão bem foi capaz de fazer Maria.
Muitas vezes, a pintura as assustava, surgindo a busca ansiosa para que as formas
transformassem medos, dores, solidão e felicidade.
Com tintas, pincéis, lápis coloridos e papéis diversos, as categorias autoconhecimento e criatividade mais uma fez se entrelaçam a esta construção, trazendo respostas
seguras às questões que inicialmente a pesquisa se fez: As experiências/ ambiências em arte
são capazes de facilitar uma visão mais complexa e consciente dos jovens sobre si mesmos,
tendo em vista o auto-conhecimento, como uma das aprendizagens fundamentais?
Acrescentamos as palavras de Vygotsky, em Psicologia da arte (2001), quando
sugere:
É evidente que o efeito da arte é bem mais complexo e
diverso, e seja qual for a definição que dela fizermos,
nunca veremos que ela implica algo que difere da
simples transmissão de sentimento... Devemos ver que a
arte parte de determinados sentimentos vitais, mas
realiza certa elaboração desses sentimentos... Pelo visto,
a arte resolve e elabora aspirações extremamente
complexas do organismo (2001, p.309).
176
No processo da pintura em tecido, Ayliane relatou o seu processo de criação:
Eu não sabia como nem começar, mas comecei sentido o
tecido, vendo que vibrações eu sentia com o seu contato.
Me veio na cabeça mil coisas a fazer, foram tantas
idéias, até dei uma olhada em uns livros sobre cultura
egípcia, mas não saiu nada do que imaginava desenhar.
No início eu pensei que fosse desenhar coisas abstratas,
sem sentido, mas ao mesmo tempo fiquei com medo de
não ficar bonita, por isso demorei tanto para começar a
pintar. Comecei com coisas fáceis que eu soubesse
mesmo desenhar, coisas que eu entendesse, então as
flores foram surgindo, com cores vivas e fortes. (Diário
de bordo, maio de 2003).
Pelo sorriso de Ayliane percebe-se o prazer experimentado frente às suas
potencialidades.
Sobre o processo de criação de formas/imagens, Ostrower (1998, p.55), em A
sensibilidade do intelecto, argumenta:
177
Toda criação na arte envolve um processo de
transformação, processo essencialmente dinâmico,
flexível e não-linear. Nunca um somatório. Para dar um
exemplo concreto: ao iniciar a composição de uma
imagem, o artista introduz algum elemento básico,
digamos, algumas linhas (desenho). Imediatamente tais
linhas se relacionam entre si, e também com o conjunto
que formam, ou seja, com o contexto constituído por elas
mesmas. Por sua vez, este contexto confere a cada uma
das linhas componentes uma determinada função
estrutural na composição e, simultaneamente, um
significado correspondente. Mas as coisas vão se
modificando. A cada nova linha, a cada cor, a cada
pincelada que se acrescenta nessa composição, o
contexto se altera (desenho)... Não se trata, portanto, de
um processo quantitativo. Trata-se de um processo de
qualificações mútuas e cambiantes, cujo final – quando?
Como? – não é previsível.
Observamos que este foi o processo vivenciado pelas jovens, durante o processo da
pintura, como, teoricamente, a autora adverte.
Confrontando tais reflexões, trazemos Ortega Y Gasset (2002) que sustenta:
A lei das grandes variações pictóricas é de uma
simplicidade inquietante. Primeiro pintam-se as coisas,
depois, sensações; finalmente, idéias. Isto significa que a
atenção do artista começou fixando-se na realidade
externa; depois, no subjetivo, finalmente, no intrasubjetivo. Estas três estações são três pontos que se
encontram em uma mesma linha (p.117).
Voltando aos relatos escritos sobre a pintura, Ana Flávia descreveu:
No dia 10 de maio fomos à casa de Lylian, uma estilista
muito talentosa e muito carinhosa. No início fiquei meio
preocupada porque sempre tive vontade de ter uma
blusa pintada à mão, mas não tinha comprado o pano,
mas a Lylian me deu um pano que ela tinha. Falando
agora da experiência de ter pintado, foi uma sensação
diferente, pois o fato de não poder errar é meio
178
preocupante, e se houver o erro a tentativa de reacertar
é mais intensa, mas se for obtida com sucesso, a alegria
é logo percebida.
A minha intenção era a de misturar todas as cores
possíveis, dando tonalidades diferentes e criando formas
naturais que dessem uma boa sensação. Porém, acho
que por ser a primeira vez que pintei, chegou uma hora,
que fiquei perdida, pois, não sabia mais dar
continuidade, até conseguir e por fim obtive um bom
resultado.
Ao reencontrar com o pano, foi muito legal, pois pude
ter a satisfação de ter um trabalho meu. (ANA FLÁVIA,
Diário de bordo, junho de 2003).
É importante ressaltar que, em momento algum foi dito que não se poderia errar na
pintura. Este fato demonstra a sua preocupação com os acertos.
Há que se considerar que, por traz da questão do acerto, existe uma tendência, no
ser humano, à busca do belo. Sobre esta questão, sempre expressamos que a noção de belo
deveria refletir o momento de cada um, a expressão verdadeira do desejo próprio de
criação.
179
É importante relembrar que o ideal clássico de beleza foi resultado do vínculo com
a filosofia positivista, cuja ênfase recaía no objeto, enquanto expressão exata da realidade.
Por outro lado, o belo para o ideal moderno voltava-se para a abstração e a representação
expressiva da realidade. Nesta linha de raciocínio, a visão contemporânea sugere que o
critério de beleza seja a capacidade que a forma criada tenha de comunicar-se.
Percebemos que a interiorização de tal trajetória implica profundas reflexões e
vivências, em busca dessa mudança de olhar. Voltando à atividade de pintura do tecido, o
reencontro com o pano deu-se devido ao fato dos tecidos pintados terem ficado no atelier,
para sua secagem.
Pela possibilidade de criação que representou esta vivência, trazemos, ainda,
algumas fotos que marcaram este processo.
Beatriz em seu processo de criação.
Depois, o reencontro sensível com o seu tecido pintado:
180
A alegria verificada durante a dança e na construção da mandala, com as suas criações,
fez-nos constatar como é bom poder expressar, no espaço escolar, através de linguagens, que
não as convencionais, pensamentos e emoções.
181
•
Tecendo os fios da solidariedade, com histórias/contos.
Verificamos nas imagens e relatos que coloriram o cotidiano da pesquisa, as
considerações teóricas de Ostrower (1996), quando ressalta que a criatividade é a própria
sensibilidade, pois o criativo no homem se dá no nível do sensível (p.17).
182
Pensando dialeticamente, a sensibilidade sempre dependerá de uma visão mais global
do ser e da vida, assim como uma visão global dependerá de uma maior sensibilidade da
pessoa.
Tais reflexões nos sugerem que a super-especialização que ora vivemos, carece de
qualificações criativas, além de excluir do viver o vivenciar. (Ibid.,p.39).
Lançando-nos em busca de outras linguagens expressivas, os Contos surgiram,
também, como instrumentos importantes para o auto-conhecimento, a criatividade e a
solidariedade, quando a partir deles era possível realizarem encenações. As histórias tiveram
um lugar especial na Oficina, pois, entendemos com Clarisse Pinkola Estés (1995):
As histórias são bálsamos medicinais. Elas têm uma
força! Não exigem que se faça nada, que se seja nada,
que se aja de nenhum modo – basta que prestemos
atenção. Elas suscitam interesse, tristeza, perguntas,
anseios e compreensões... Se uma história é uma, então
nós somos seu solo. O ato de ouvir uma história nos
permite vivenciá-la como se nós mesmas fôssemos a
heroína que cede diante das dificuldades ou que as
supera no final. Se ouvimos uma história de uma pomba
que afinal encontra seus filhotes, então, por algum
tempo depois, algo fica se movendo por baixo do nosso
próprio peito emplumado... Num sentido muito real,
ficamos impregnados de conhecimento só por termos
dado ouvido ao conto...
As histórias conferem
movimento à nossa vida interior, e isso tem importância
especial nos casos em que a vida interior está assustada,
presa ou encurralada. As histórias lubrificam as
engrenagens, fazem correr a adrenalina, mostram-nos a
saída e, apesar das dificuldades, abrem para nós portas
amplas em paredes anteriormente fechadas, aberturas
que nos levam á terra dos sonhos, que conduzem ao
amor e ao aprendizado, que nos devolvem á nossa
verdadeira vida...” (p.30-36).
As ressonâncias destas palavras fizeram vibrar algumas vivências, quando pedimos
que os participantes trouxessem a sua lembrança, um conto de fadas de sua infância,
183
expressando-o através de uma pintura.Também ouviram a história Vassilissa (tradução de
KUJAWSKI,
1985),
Longas
Colheres
(um
conto
sufi),
O
coração
da
Corali
(GANEM,Eliane,1985), Tantos medos e outras coragens (MYRRAY, Roseana,1997), quando
as expressaram através de encenações, desenhos, falas e escritos.
Por meio da história Coração de Corali, Ana Flávia registrou em seu Diário de bordo:
Parece que hoje eu decifrei o que às vezes tenho sentido,
penso e nada descubro.
Quando eu era da 3ª série ou da 4ª série ouvi esta mesma
história, mas esses “buracos” que o texto menciona,
naquela época, o seu significado não teve tanta
importância, talvez porque a minha realidade era bem
mais simples.Porém, hoje eu dependo de mim para ser
feliz e entender o porque esses buracos aparecem e, até
mesmo, porque existem, e mais ainda tenho que tampálos.
Hoje, entendo esses buracos porque, muitas vezes, já os
senti, por algumas frustrações. É sempre por causa delas
que eles aparecem e são percebidos.
Botei este catavento na pintura e as principais partes da
minha vida, porque não é só uma coisa que me
preocupa, depende do momento que estou, talvez isso
aconteça por eu ser tão inconstante.
(29/09/03).
184
Ana Flávia ao pintar sua imagem com uma moldura preta, disse ser metódica e
organizada. O azul, disse significar a paz, o catavento, representando o movimento que
precisa se permitir na vida. Seria o catavento a imagem/símbolo de sua inconstância?
Ressaltamos que, a cor azul, escolhida como pano de fundo, à imagem do catavento,
simboliza, de acordo com estudos sobre as cores, a função pensamento, também, expressa
no elemento ar.
A partir de tais reflexões podemos inferir como a arte, enquanto expressão de
sentimentos está profundamente ligada à cognição, ou seja, razão e emoção são elementos
inseparáveis do processo de existir humano.
Em outra vivência, com colagem, expressou o seu desejo de voar.
Vale ressaltar que as imagens criadas nas diferentes modalidades expressivas
(pintura, colagem, argila e a consciência corporal), pela flexibilidade que as caracteriza,
foram colaborando no rompimento de comportamentos rígidos, repetitivos e formais, que
têm forjado o ser humano, cristalizando padrões de pensamento e condutas, não mais
desejáveis no momento que nos abrimos a novos paradigmas. .
185
Ainda sobre a história - Coração de Corali - Beatriz escreveu:
O buraco do coração está presente em mim e em ti.
Percebo esse vazio contido, às vezes choro, mas no fim
reflito e sinto que preciso preenchê-lo. Através da
alegria, do amor, da esperança e, principalmente do
gosto de viver.
Essa escuridão existe, mas devemos tentar iluminar,
compreender o que nos impede de acender a chama e de
em cada dia crescer mais e mais. (Diário de bordo,
29/09/03).
Em nosso entender as histórias ajudam a encontrar um significado na vida, através do
auto-conhecimento, uma vez que estimulam a intuição, a imaginação, além de colaborar no
sentido de estimular as funções psíquicas intelectuais e, muitas vezes, tornar claras as
emoções, harmonizando ansiedades e aspirações, identificando dificuldades e sugerindo
soluções simbólicas para os problemas que nos perturbam.
Principalmente, os Contos de Fadas falam de nossas próprias experiências inevitáveis
de abandono, de solidão, de exclusão, retratando os nossos medos, os nossos desejos de
sermos amados, ou seja, nos instigam a pensar nas pressões internas que nos afligem,
oferecendo exemplos de soluções temporárias e permanentes para os impasses prementes. Até
mesmo a dualidade entre bem e mal nos contos, que se apresenta de forma onipresente,
expressa um problema moral, requisitando uma forma criativa para resolvê-lo. Enfim, os
contos falam com outra linguagem, uma linguagem simples, mas ao mesmo tempo difícil e
profunda – a linguagem das imagens.
Hoje dramatizamos a história, As longas colheres, foi
muito divertido, talvez o meu humor não tivesse muito
legal. Mas, apesar disso eu gostei, pois, de todos os
encontros esse foi o que eu tive um contato maior com as
meninas, nos falamos mais, rimos mais, e, como rimos.
Todas nós estávamos fantasiadas e ficamos
engraçadíssimas. Eu estava vestida de caipira na cidade.
Eu gostei muito porque adoro peça e história. No fim, o
186
meu mau humor, ou melhor, no meio, o meu mau humor
já tinha passado (AYLIANE, 07/07/03).
Pudemos verificar que os escritos nos Diários de Bordo, por não serem avaliados e
por não terem chavões, representaram a possibilidade de uma escrita pessoal, cheia de
sentidos, vindo de uma fonte intuitiva e livre, sem censuras, refletindo sinceridade em
sentimentos e emoções, sem a preocupação de agradar aquele que lê.
Hoje tivemos uma surpresa, pois, fizemos uma
dramatização. Foi super interessante, para nos
conhecermos mais um pouco. Tivemos a lição de
sempre ajudarmos os outros, que como qualquer outro
ser, dependemos um dos outros para viver ‘em algumas
ocasiões’. Eu, particularmente, adoro ser servida, já na
hora de servir o outro, eu fico com um pé atrás, pois,
posso me decepcionar. Mas todos nós devemos estar
cientes que podemos sempre ajudar uns aos outros, e
que nada forçado é prazeroso e bom. Lembrando que o
que eu não quero para mim, não desejo para o outro
(IZABELLA, 07/07/03).
187
As narrativas e as imagens mostraram como que, bordando contos, as jovens foram
capazes de aquecer suas almas com alegria.
188
Na busca de indícios e pistas sobre as categorias auto-conhecimento e solidariedade,
ainda, no Conto, As longas colheres, Beatriz relatou:
A dramatização de hoje fez lembrar-me o quanto é
importante se importar com o próximo. Embora eu sinta
uma dificuldade com certas pessoas sei que devo amálas do jeito que são, mas certas atitudes que tomam me
afastam delas. Tento ajudar, mas tão difícil é. O medo de
suas ações me torna incapaz de lhe estender as mãos.
Tento mudar, tento abraçar, mas a covardia inunda meu
ser.
Hoje sinto que devo vencer o medo e o orgulho e ajudar
a se levantar.
A lição que levo e levarei é: sozinha não prosseguirei,
mas junto de ti caminharei.(Diário de bordo,
07/07/2003).
A categoria solidariedade foi percebida, também, através das reflexões de Kelly, em
seu Diário de bordo:
O servir
Quando ajudamos uns aos outros nos realizamos,
melhor através de gestos, palavras, sentimentos, ou até
mesmo de um olhar, pois, se estou sozinha posso
tropeçar, cair no chão e me dificultar a me levantar.
Mas, quando estou com alguém que posso confiar, não
me levantam apenas, não me deixam cair. Porém, não há
ninguém tão inútil que nunca tenha contribuído e que
nunca precise de contribuição. Todos precisam de
alguém, como eu preciso de você!(07/07/2003).
Tal categoria pôde ser observada, não somente durante a construção de imagens
plásticas, mas, também, nas expressões faciais, que marcaram vários momentos das
vivências. É a arte abrindo espaço para dialogicidade, como atestam as fotos:
189
Na construção de um painel coletivo, a partir de rabiscos que se transformaram em
formas – mãos que se encontram, no aprendizado da solidariedade.
.
Também, nas trocas de idéias durante a construção de um trabalho individual,
190
e, na solidariedade vivida durante o trabalho coletivo na Oficina de cerâmica..
Nas imagens construtoras da força da convivência, estimulando o encontro amoroso
com o outro.
191
Trazemos algumas reflexões feitas pelos jovens participantes, nos questionários, que
atestam esta vivência solidária:
Tenho procurado compreender mais as atitudes e
comportamento das pessoas, fico bem mais calma com as
atividades que fazemos.
Os trabalhos em grupo me mostraram que juntos
produzimos mais e melhor.
Em sala de aula era muito tímido, após a Oficina, estou
mais comunicativo entre os meus colegas.
Compreendi que nem sempre é possível realizar um bom
trabalho sozinho.
Tanto
os
trabalhos
de
grupo,
quanto
os
individuais
trazem
grandes
aprendizagens para a minha vida e muitas emoções a
sentir e expressar.
As reflexões durante as vivências foram úteis, pois,
através delas é que pude rever e mudar alguns conceitos
que possuo. (BEATRIZ).
Antes
fechada
da
e
Oficina
eu
tinha
medo
era
de
muito
demonstrar
192
alguns
de
meus
que
por
essa
razão
amigos (MARIA).
sentimentos.
quase
não
Penso
tinha
Acrescentamos a categoria solidariedade às reflexões da teoria moriniana, como
suporte para as análises feitas na pesquisa. Segundo o autor, a única forma de salvaguardar
a liberdade humana é a possibilidade da vivência/ação do sentimento de comunidade e
solidariedade. É a solidariedade que constitui uma sociedade complexa. Assim, um
pensamento que une e não se fragmenta, prolonga-se para o plano da ética, da
solidariedade e da política (2000).
•
Mãos revelando segredos
Entendemos, juntamente com Ostrower (1996), que a criatividade representa um
potencial inerente ao ser humano, sendo a realização desse potencial uma de suas
necessidades e, na tentativa de que a criatividade, aliada à imaginação pudesse contribuir na
construção de um processo educativo mais pleno, verificamos, através da elaboração de uma
caixa para guardar os segredos, como os educandos seriam capazes de vivenciar criativamente
tal dinâmica.
Ao som da música, Segredos (Bia Bedran), mãos foram dobrando, buscando formas,
pintando cores, entrando em contato com os seus segredos, imaginando objetos a serem
cuidadosamente guardados na caixa, como Ayliane registrou:
193
Hoje nós fizemos a nossa caixa de segredos. Eu imaginei
a minha, com a tampa feita com recorte de revistas, com
bonecos, pessoas, comida, figuras diferentes, flores e
brilho. No restante da caixa coloquei mais figuras e
coloquei um papel transparente, uns sacos pequenos para
guardar os meus outros segredos. Coloquei fotos e muitos
bagulhos que eu não consegui identificar (AYLIANE,
Diário de Bordo, 16/06/03).
Kelly na construção de seus segredos
Mãos também se puseram a poetar:
Caixa de segredos
Segredos íntimos
Segredos doces
Segredos angelicais
Segredos e segredos
Apenas mais um segredo
Segredo que conto
Ou não,
Segredo alegre,
Ou não,
Enfim,
São só Segredos!
(PRISCILA, Diário de
bordo, 16/06/2003).
194
Maria, por sua vez, com o seu estilo criativo, resolveu dar um nome a sua caixa: Caixa
de Pandora.
Assim como a caixa de pandora portava segredos e
tesouros, você também carrega os seus.
Mas ao invés de espalhar doenças e maldições pelo
mundo, só guardará lembranças boas e levará a
esperança para quem a abrir.
Guardo em ti além dos meus milhares sentimentos,
coisas especiais que por mais bobas que sejam, não
consigo jogar fora.
Por isso são tão especiais. São coisas minhas, meus
segredos, um pedacinho do meu coração. (Diário de
bordo,16/06/2003).
Acrescento, a sua escrita, uma observação que encontrei em minhas anotações,
sobre a vivência deste dia.
Enquanto Maria construía sua caixa, verbalizou, para as colegas:
Consegui dançar forró, no Sábado. Com este trabalho
aqui estou me soltando mais. Sou muito dura (16/06/03).
Estas intervenções, como tantas outras, que foram registradas, fez-nos verificar
como as situações de criação possibilitavam abrir espaços internos e externos para o
sensível, para a percepção de si mesmo e, conseqüentemente, para as mudanças desejadas
por cada um.
Eram as diferentes portas que, atenciosa e cuidadosamente, começavam a se abrir.
A vivência de construção da caixa de segredos, fez-nos constatar, também, mais
uma vez, com Vygotsky que a atividade de criação está em relação direta com a riqueza e a
variedade de experiências acumuladas pelo homem, o que Ostrower complementa:
195
A criatividade se elabora em nossa capacidade de
selecionar, relacionar e integrar os dados do mundo
externo e interno, de transformá-los com o propósito de
encaminhá-los para um sentido mais completo. Dentro
de nossas possibilidades procuramos alcançar a forma
mais ampla e mais precisa, a mais expressiva. Ao
transformarmos as matérias, agimos, fazemos. São
experiências existenciais – processos de criação – que
nos envolvem na globalidade, em nosso ser sensível, no
ser pensante, no ser atuante. Formar é mesmo fazer. É
experimentar. É lidar com alguma materialidade e, ao
experimentá-la, é configurá-la. Sejam os meios
sensoriais, abstratos ou teóricos, sempre é preciso fazer
(1996, p.69).
E, na possibilidade do fazer criativo, Priscila (Diário de Bordo) simbolizou os seus
conflitos:
O bicho de seis braços
Um personagem cheio de braços. Algo que me impede
de ser feliz. O bicho pequeno é a fé. É como se no
conflito existisse algo pequeno que diz que tudo vai
melhorar (7/04/2003).
196
As imagens, a seguir, traduziram formas/símbolos que povoam o imaginário
feminino, representações mais profundas dos sonhos, dos desejos e da imaginação que as
jovens contaram, enquanto autoras de suas produções.
O desejo desta pesquisa era que cada um pudesse tornar-se autor de suas
expressões e não um ator protagonista.
É bom lembrar que a palavra autor, vem de auctor, aquele que aumenta
(GASSET Y ORTEGA, 2005, p.55).
•
Mãe-Terra: testemunha da criatividade, auto-conhecimento e
solidariedade dos(as) jovens
Imagens amplificadoras30 dos sonhos das jovens, por viverem a experiência da
maternidade.
30
Jung considera importante a técnica de amplificação dos símbolos. O dinamizador ao favorecer o contato do
indivíduo com vários tipos de linguagens expressivas, está possibilitando que se amplifique e aprofunde a
percepção sobre si mesmo, dilatando a consciência de cada um na conquista do SELF.
197
O interesse constatado pelos trabalhos com a argila, conjuntamente, com os estudos a
respeito da função da argila31, demonstra que o homem fez suas primeiras representações com
este material há 40.000 anos, antes de surgirem as pinturas nas cavernas. Esta pasta végetomineral tem preservado a memória artesã da humanidade.
Nas vivências com a argila, sempre, inicialmente, fazíamos um trabalho corporal.
Música de sons de tambores, para que pudessem sentir os pés firmes no chão, como se
estivessem enraizados na terra. Após, de olhos fechados, cada um tinha a oportunidade de
saborear o contato íntimo com a mãe-Terra, sentindo de forma cinestésica sua textura, sua
maciez, sua dureza, sua temperatura. Era a possibilidade de emergir uma outra forma de
conhecer, que não fosse puramente cognitiva, capaz de ampliar a consciência através do
sensorial, remetendo-os a um tempo muito antigo e a um contato primordial.
As necessidades mais variadas são vivenciadas pela flexibilidade e maleabilidade que
a argila proporciona, pois, ela é mole, macia, sensual e faz sujeira, sendo atraente para
qualquer idade. Além do mais, ativa os processos internos mais primários e viscerais,
permitindo, aos educandos, sentirem-se unos, com o seu manuseio.
Oaklander (1980) aponta que a argila aproxima as pessoas de seus sentimentos. Talvez
por causa da sua fluidez, ocorre a união entre o meio e a pessoa que o usa. Freqüentemente ela
aparece penetrar na armadura protetora, nas barreiras que criamos. Pessoas muito distanciadas
31
Para maior aprofundamento ver: ALLESSANDRINI, Cristina Dias. Oficina Criativa e psicopedagógica. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 1996; OAKLANDER, Violet. Descobrindo crianças - a abordagem gestáltica com
crianças e adolescentes. São Paulo: Summus, 1980; GOUVEIA, Álvaro de Pinheiro. Sal da Terra: o uso do barro
em psicoterapia. São Paulo: Summus,1989.
198
do contato com seus sentimentos e que continuamente bloqueiam sua expressão geralmente
estão fora de contato com seus sentidos. A qualidade sensual da argila, muitas vezes, oferece
a essas pessoas uma ponte entre seus sentidos e seus sentimentos (p.85).
Neste sentido, ela pode ser profundamente gratificante, podendo-se viver “tudo”,
metaforicamente, falando, apenas no contato, mexendo nela, pois, ela age como
transformadora de um estado de desencontro para um estado de equilíbrio.
O prazer no manusear o barro se encontrava estampado em seus rostos, no corpo todo
que se comunica, mexendo-se, conversando, sorrindo, inquietando-se, quando a forma não
correspondia ao nível da representação mental, pois, a argila tem o poder de mobilizar a
tomada de decisão. Assim, aquele que esteja inseguro é capaz de superar este estado, ao sentir
o controle da argila sendo transformada, que por sua vez, poderá ser desmanchada facilmente.
Trabalhar com a argila não exige regras definidas para o seu uso, tampouco o certo ou errado,
o belo ou o feio.
Ainda com Oaklander (1980, p.86) o uso da argila fortalece a auto-estima permitindo
experienciar um senso incomparável de si próprio, o que acrescentamos a possibilidade do
auto-conhecimento.
Observando o prazer na atividade, percebemos que a argila ali estava, integrando
razão, sensação, sentimento, intuição, ou seja, funções psíquicas que vivenciadas, fortalecem
a capacidade de fazer, de criar e ampliam a auto-estima, ao sentirem-se mais conscientes e
inteiros.
Assim, em alguns momentos da Oficina, foi possível registrar falas como:
Hoje comecei o curso, trabalhei com argila e fiz
relaxamento. Foi muito bom e relaxante, acalma a
alma. No trabalho com argila fiz uma cesta. Sou uma
cesta de frutos, represento a paz que a natureza nos
traz. A natureza é adorável de se estar em contato. O
cesto é a arte. (BEATRIZ, Diário, 2/6/03)
32
32
Foi interessante notar, que durante todo o período da Oficina, os participantes encontraram seus sentidos
particulares para nomearem esses Encontros: Curso, Oficina, Arte-terapia, terapia. Não seriam as astúcias de
Certeau?
199
Hoje foi um pouco corrido, mas consegui chegar,
tocando firmemente na terra comecei a pensar. O que
fazer? O que criar? Já sei, um vaso de flores com
beiradas parecendo bordadas. Com riscos parecendo
chuviscos. Será que está chorando? Será que precisa de
flores para alegrar ou espalhar encantos no ar, abrir o
coração para amar? Espalhar uma melodia e se inspirar
n’uma poesia, ser feliz, viver sorrindo e se divertindo,
preencher o coração, mergulhar nessa emoção, saber,
poder, pensar, falar, sentir, sorrir, cantar, pular. Pular
de alegria e sonhar com você!
(KELLY, Diário de Bordo, 02/06/03).
Percebemos que o expressar uma imagem e dar-lhe uma voz foi possibilitando com
que cada um aprendesse a descobrir o que já existia em si, como se fosse inventando a si
mesmo, descobrindo caminhos ainda não experimentados. Além disso, entraram em contato
com sensações e texturas que ajudaram a libertar tensões.
Lembramos que a flexibilidade da argila permitiu que se sentissem mais autoconfiantes, fazendo e desfazendo a matéria..
Hoje eu fiz um trabalho muito simples. Talvez o mais
simples de todo o grupo, foi uma cesta de argila que por
fora tinha o meu nome e o nome de Alex. Dentro alguns
objetos feitos também de argila. Esta cesta está tão vazia
quanto meu coração. Eu estou gostando dele, mas não
sei se devo demonstrar e isso me faz sentir vazia.
(ANA FLÁVIA, Diário de Bordo, 02/06/03).
Ainda tivemos algumas falas importantes. Maria, neste dia, deixou registrado: Estou
há doze anos nesta escola, minha primeira e única escola, e nunca tinha trabalhado com
argila!
Em um dos encontros dedicados ao trabalho com argila, Izabella chegou atrasada, pois
estava na aula de adaptação. Falou que, mesmo atrasada, não queria perder a atividade. Ao
observar o seu processo de construção, presenciei Izabella dizer que não sabia fazer nada com
200
a argila. Sugeri, então, que só fosse tocando a mãe -Terra sem compromisso de ter que dar
uma forma.
Assim, além da flor no pote, foi capaz de fazer uma cesta com ovos, e ainda narrou:
Fiz uma flor em um pote. Me sinto presa como esta flor. (IZABELLA, 02/06/03).
Estas narrativas nos revelam, no contato com a argila, o quanto foram capazes de tocar
amorosamente dentro de si e deixar vir à tona suas crianças, seus sonhos juvenis, pinceladas
de seus amores e temores.
Junto a Read (2001) indagamos: Por que o ser humano se desafia em exteriorizar suas
percepções ou sensações? Por que não se satisfaz com uma representação meramente
introspectiva ou imaginativa do objeto ou da sensação?(p.182).
Frente a tais questões e fruto das observações feitas durante a pesquisa, verificamos
que expressão também é comunicação, ou pelo menos, uma tentativa de comunicação, que
implica a intenção de influenciar outras pessoas, o que vem a caracterizá-la, dessa forma,
como sendo uma atividade social.
Visto por esta ótica, uma expressão não considera apenas o indivíduo no seu processo
de existência, mas a relação do indivíduo com o grupo, ou seja, um ser humano que se
constrói historicamente no coletivo.
201
Tendo em vista o cuidado da pesquisa com o social, enquanto espaço vivencial e
potencializador de práticas de solidariedade, que, na atualidade, tornam-se urgentes, e na
tentativa de construção de um contexto escolar mais humanizador e cooperativo, as imagens,
a seguir, mostram uma atividade coletiva, com doze placas de três quilos de argila cada, cuja
avaliação através da observação, análise das fotos e da filmagem revelam a profundidade de
um trabalho conjunto que, na sua realização, exigiu que os corpos se expressassem, somandose a diálogos, a tomadas de decisões, à conciliação de interesses, à brincadeiras e à seriedade,
além da alegria de manusearem o material compartilhado.
202
Depois do relaxamento e de várias experimentações, quando solicitamos que
percebessem, sensoriamente, a textura e a temperatura da argila, observassem os dedos que
são mais ágeis, os sentimentos que brotavam do próprio contato com a terra. Assim, o grupo
foi se dividindo, um grupo de um lado e, o segundo, foi se agrupando no lado oposto.
Primeiramente, fizeram um sapo, que aos poucos foi se transformando em um urso de
frente e de costas. Após muitos diálogos e manuseio da argila, a parte detrás do urso se tornou
a frente de um macaco. As participantes se lambuzaram, tocaram-se e brincaram muito.
Pedimos que trocassem de posições, para que experienciassem outros lados do material,
assim, o macaco recebeu uma gravata borboleta e uma banana nas mãos e o urso, um pote de
mel, que se transformou em uma flor em sua mão.
Em nossa observação, percebemos que a proposta de trabalhar a argila através de um
bloco grande e único favoreceu com que as participantes operassem cognitivamente através
da síntese para que depois, chegassem à análise das partes.
Foi interessante, perceber como ocorreu a decisão coletiva e definitiva, em relação à
modelagem do macaco e do urso, que aconteceu de maneira tão natural e com tanta sutileza,
como se as mãos, substituindo as vozes, conversassem amorosamente entre elas. Também,
observamos que o grupo que se decidiu pela construção do macaco, representava o grupo
mais extrovertido, mais falante e alegre, enquanto o grupo que elaborou o urso, além de terem
trabalhado mais silenciosamente, representavam as jovens mais introvertidas, observadoras,
aquelas que penetravam mais profundamente nas vivências.
Na conclusão da atividade, falaram: Dois animais, machos. Todo mundo tem dois
lados, tudo na vida tem dois lados. Eles têm em comum a vida na selva e a cor. O urso está
apaixonado, com uma flor na mão.
Ao saírem em direção ao corredor, quando foram lavar as mãos, observamos muita
descontração, brincadeira, cada uma tentando sujar a outra, além de muitos risos.
No Encontro seguinte, demos continuidade à atividade. A banana tinha caído das mãos
do macaco, mas decidiram que não iriam refazer e, então, fiamos nossos diálogos sobre a
vivência. Muitos fios foram tecidos com uma polifonia de vozes que se tonalizaram em
203
pensamentos, sentimentos, emoções que foram expressos, na alegria que sentiram ao
construírem a escultura.
Hoje fizemos a pintura do urso e do macaco, cada um
pintou de um jeito, a escultura ficou com várias cores,
ficou bem colorida. É bom trabalhar assim, todo mundo
junto no mesmo trabalho. A união, o compartilhar do
material, no final o ursocaco ficou bem colorido.
(AYLIANE, Diário de bordo, 29/09/2003).
Aproveitamos este relato de Ayliane, para trazer uma de suas reflexões expressas em
um dos questionários de auto-avaliação:
No início dos encontros me sentia um pouco fechada,
quando estava aqui achava que aqui não era o meu
lugar, mas quando eu saía me sentia bem por ter vindo e
sempre queria voltar.
Depois, nos encontros comecei a me sentir um pouco
mais confiante, mais animada para encarar a semana,
mais feliz de bem com a vida. Também pude expressar
em diversos trabalhos um pouco de mim, o que nem
sempre eu deixo transparecer. (AYLIANE, dez/2003)
É possível verificar o quanto os encontros passaram a ter um sentido para Ayliane,
levando-a a perceber o valor do auto-conhecimento, do trabalho de grupo, como foi
demonstrado em seu registro: É bom trabalhar assim, todo mundo junto no mesmo trabalho.
A experiência que temos tido como educadora nos faz perceber que muitas
dificuldades profissionais de relacionamento poderiam ser minimizadas se fossem estimuladas
atividades plásticas grupais com o objetivo de favorecer o compartilhar de materiais, o sentir a
proximidade do corpo do outro, o buscar decisões criativas juntos para o mesmo fim.
Como coordenadora pedagógica, função exercida durante quinze anos, nos âmbitos da
rede pública municipal e privada, defendemos a construção de tais espaços entre professores,
204
pois, entendemos que, muitas vezes, as dificuldades nas trocas de idéias durante a elaboração
de um planejamento didático, por exemplo, poderiam ser previamente vivenciadas e
exploradas através de mãos, de corpos que tivessem a oportunidade de criarem juntos
trabalhos em arte. Quantas dificuldades afetivas poderiam ser trabalhadas no espaço prazeroso
das artes!
Sem perder o fio da meada, com relação ao trabalho de construção do ursocaco, no
dizer de Ayliane, outros fios foram sintetizando, enlaçando-se, entrelaçando, agora na fala de
Ana Flávia (Diário de Bordo, 01/09/03):
O nosso urso e o nosso macaco representam o poder da
fraternidade. Fizemos um MACURSO, dois machos, é o
lado da amizade. Um animal de dupla face.
Cumplicidade. O macaco é espontâneo, brincalhão e o
urso é retraído. Ás vezes, me sinto um pouco urso,
precisando de carinho, de dengo e atenção. Gostei de
ver minhas mãos trabalhando. No início, não acreditei
que fosse dar, certo. Foi um trabalho de grupo. Sobre o
urso, acho que é preciso de confiança para chegar até
ele.
A esta escultura, trouxeram outros fios, novos pontos, pontos cheios, que embelezaram
ainda mais a nossa trama, quando suas mãos, em casa, esculpiram sua vivência, buscando
nela, ainda mais, mergulhar.
Hoje foi um dia especial, trabalhei em grupo. Todos
juntos para um único fim. Fizemos um macaco e um
urso. O macaco é o rei da travessura e da inteligência,
da agilidade e da esperteza. O urso é comilão, fofo que
só ele. Mas, cuidado para não chegar muito perto! Ele
pode atacar! Macaco e urso numa grande jornada. O
macaco leva o alimento, o urso, uma flor para a sua
amada. Mel para adoçar e trazer alegria. Macaco e urso
numa grande sintonia. Um guardando as costas do
205
outro, numa grande e harmônica cumplicidade. Guardo
em meu peito essa moeda, o animal de dupla face –
URSOCACO.
(MARIA DA CONCEIÇÃO, Diário de Bordo, 01/09/03)
Envolvidas às pistas oferecidas pela Maria, lemos no seu Diário de Bordo, na folha
logo a seguir a esta, no mesmo dia desta vivência, quando deixou suas narrativas registradas,
às 21horas e 05 minutos:
Ajudá-me oh! Magnânimo, pois só tu tens a chave da
libertação de minh’alma. Liberta-me com a sua paz.
Saio dos céus ou do estremecido mundo de minha mente
para mergulhar no inferno da solidão, ou o inferno mais
conhecido como a família, que é o que não tenho. Se
pudesse me dissolveria em gotas de orvalho e iria pra
bem longe, como as terras do Sertão, que certamente
precisariam de mim, ou criaria asas e subiria aos céus
só pra ver a beleza da lua e seu brilho misterioso. Sei
que não posso. Só sou uma mortal, adolescente,
inexperiente cheia de confusões e falsas conclusões. É
só pressionar e pronto!Não paro de relatar através de
letras, palavras e rimas. Sou adolescente, não indolor.
Tome cuidado sou como um cão. Posso ser carinhosa e
fiel, leal, talvez, mas não pisem no meu rabo. Posso
morder vocês.
Assinado: Maria da Conceição Figueira.
Desabafo
de uma adolescente consciente!
Ainda com o olhar atento às escrituras de Maria, naquela mesma noite teve um sonho
e o escreveu no seu Diário de Bordo:
Sonhei que estava no curso (é assim que ela se refere
aos Encontros na Oficina) e que o chão estava todo
molhado, todos estavam calçados menos eu. Então a
professora Cristina queria me emprestar o calçado dela,
foi então que olhei para um canto da sala e vi vários
sapatos. Aí eu disse a ela que eles davam no meu pé,
calcei um deles e acordei.
206
Não temos a pretensão de fazer uma análise psicanalítica sobre os escritos da Maria,
no entanto, é importante registrar como ela tem se apropriado das vivências, ampliando a sua
capacidade de investir em si mesma, através do seu auto-conhecimento, o entendimento da
ausência da família em sua vida, a necessidade de mostrar aos poucos quem ela é, além da
possibilidade de crescer com o próprio grupo.
Trazendo outros fios já tecidos por Maria, é relevante lembrar que no segundo
encontro escolheu como imagem para apresentar-se ao grupo, Madona amamentando, e
expressou que não foi amamentada pela mãe, sendo criada pela tia.
Sobre o seu sonho, gostaria de esclarecer que um dos aspectos que conversamos, logo
no início dos Encontros, foi sobre a necessidade de que, todas às vezes que tivessem um
sonho, o registrasse, porque entendemos que os sonhos representam verdadeiros jornais do
inconsciente, que a escola não tem valorizado, visto que o paradigma racional desconsideraos, por não poderem ser medidos e por não serem passíveis de controle, sem terem valor
especulativo.
Dessa forma, há que se considerar o tempo que a criança e o jovem passam na
instituição escolar sendo que, quase sempre, o rico material dos sonhos não tem sido
valorizado.
Sobre o sonho da Maria, indagamos: que conhecimentos ela tem construído em
relação a si mesma (pés descalços), ao espaço das vivências (chão molhado), a relação
comigo (eu querendo emprestar-lhe o meu calçado) e a relação com o grupo de companheiras
(os vários pés de sapatos, no canto)? Assim, Maria encontrou uma criativa solução para a
questão trazida no sonho, que foi a possibilidade de encontrar a sua própria “saída” (o sapato
que desse em seus pés).
Consideramos que o mais importante foi o aprendizado que ela tem se permitido fazer,
a coragem em expressá-lo, ampliando a sua abertura para o mundo.
207
É bom lembrar que o em sua fala sobre o trabalho coletivo com a argila ela registrou:
“É um animal de dupla face. É a cumplicidade”.
O processo criativo que orientou esta pesquisa caminhou em direção a uma
abordagem reflexiva do processo pessoal de criação, valorizando a historicidade dos
educandos, na busca da abordagem histórico-social, no dizer de Vygotsky.
O grupo não estaria tendo um papel importante em sua construção pessoal,
considerando-se cada elemento do grupo, ou seja, a influência da coletividade no processo de
cada um?
Recordamo-nos das palavras de Karla, também no segundo encontro, quando escolheu
a imagem de Turner, sobre o mar e relacionou-a ao medo e sobre as pessoas que usam
máscaras. Maria não teria se apropriado da idéia da dupla face, com Karla?
Entendemos com a Teoria da Complexidade, já sustentada anteriormente, que tudo
está ligado a tudo, que uns influenciam os outros, até mesmo quando não se deseje, uma vez
que, formamos uma grande teia, a Teia da Vida. Além disso, ao vivenciarem juntos,
momentos de criação, mãos aprendem a se dar, comungando sensibilidades, ampliando a
sincronicidade nos campos simbólicos na busca da relação do nós.
Complementamos com outros escritos:
No trabalho saiu um urso e um macaco, meio a meio.
Tudo começou com as orelhas e o rosto de um sapo,
depois
um
panda
e
finalmente
um
urso e um macaco. O macaco tinha uma banana na
mão, defendendo a sua masculinidade. O macaco se
parece
comigo
pela
sua
astúcia,
ingenuidade e alegria. O urso também é macho e muito
apaixonado e a forma com que resolveu demonstrar o
seu amor é levando uma flor para a sua namorada.
Quando falo em urso me lembro do abraço de urso, eu
adoro dar abraços e também recebê-los. Hoje foi
hilário! O nome (que deu para a escultura) seria
TCHARAM. Não sei porque, mas o que veio a mente foi
esse. (AYLIANE, Diário de Bordo, 01/09/03).
208
No trabalho de hoje fizemos uma escultura de argila, de
um lado saiu um macaco e do outro lado um urso. Para
mim a lição mais forte que foi ver que o trabalho em
grupo realmente pode dar certo, se ambos estiverem de
coração aberto e boa vontade, para que tudo dê certo.
Foi muito legal! (ANA FLÁVIA, Diário de Bordo,
01/09/03).
Urso
=
carência,
atenção,
carinho
Macaco =
alegria, espontaneidade, diversão.
Duas pessoas que se ligam dentro de mim.
(PRISCILA, Diário de Bordo, 01/09/03).
No calor do Encontro, tentando arrematar esta vivência, buscamos entrelaçar novos
fios a este tecido, através de Chevalier e Gheerbrant (1999), no Dicionário de Símbolos.
Assim, encontramos o significado dos símbolos macaco e urso. O sentimento de surpresa nos
contagiou, ao ampliar coletivamente, a nossa capacidade de leitura da escultura.
O macaco é muito conhecido por sua agilidade, seu
dom de imitação, sua comicidade... Na Roda da
Existência tibetana, onde simboliza a consciência, no
sentido pejorativo da palavra; pois, a consciência, do
mundo sensível, pula de galho em galho... A atitude do
macaco, na arte do Extremo Oriente, é muitas vezes de
sabedoria e desprendimento... Entre os astecas e os
maias, o simbolismo do macaco é, de certo modo,
apoliniano. As pessoas nascidas sob o signo do macaco
são peritas nas artes; cantores; oradores; escritores;
escultores; ou são habilidosas, com talento para o
artesanato; ferreiros; oleiros (p. 574).
209
Sobre o símbolo do urso:
O urso é, no mundo céltico, o emblema ou o símbolo da
classe guerreira.... Há, até na Gália, uma deusa Artio
que, simbolicamente, marca ainda mais o caráter
feminino da classe guerreira... No norte do Japão
pensam que o urso é uma divindade das montanhas,
suprema entre todas as outras. A festa do urso tem lugar
em dezembro entre eles...
Ao contrário, o urso é na China um símbolo masculino,
anunciador do nascimento dos meninos, expressão do
yang... Na Sibéria e no Alaska é associado à Lua,
porque desaparece com o inverno e reaparece na
primavera... Na Europa, o sopro misterioso do urso
emana das cavernas. É, pois, uma expressão da
obscuridade, das trevas; na alquimia corresponde ao
negror do primeiro estado da matéria (p. 924).
A ambiência que foi criada para a realização da Oficina, foi capaz de favorecer as
participantes para que pudessem acessar conteúdos internos e vivenciar suas polaridades
conscientes e inconscientes, masculino e feminino, interiorização e exteriorização, integrando
tais polaridades, conscientemente, expressando-as de forma descontraída, alegre e amorosa.
O símbolo criado pelos educandos, o macaco-urso representou para nós pesquisadora,
um marco nessa tessitura, pois, expressou - a tentativa de viver uma possível inteireza – um
dos objetivos a que nos propomos. Além disso, entendemos com Vygotsky, que uma ação
pedagógica que faça frente aos modelos tradicionais de ensino e aprendizagem deverá
enfatizar uma abordagem projetiva que mobilize processos internos de desenvolvimento,
objetivando a realização do que se apresenta como potencialidade.
O que o autor russo sustenta:
Por mais individual que pareça, toda criação encerra
sempre em si um coeficiente social. Nesse sentido não
existem inventos individuais no sentido estrito da
palavra, em todos eles permanece sempre alguma
colaboração anônima (2003, p.38).
210
As reflexões confirmam o quanto o processo de criação humana tem sido marcado
pelo contexto histórico-social, uma vez que toda criação se alimenta de necessidades, de
interesses e das experiências dos indivíduos em seu ambiente social.
Nessa ótica, esta vivência representou, um verdadeiro encontro consigo mesmo e com
o outro, e retomando as palavras de Larrosa (2002), uma experiência é o que nos toca, é algo
singular que produz diferença, pluralidade e que não pode ser reduzida, pois é uma abertura
para o desconhecido. Também favoreceu o resgate da subjetividade humana em sua inteireza
possível, devolvendo a capacidade de encantar-se, de maravilhar-se consigo mesmo e com o
seu companheiro de travessia, devido á abertura presente para a diferença, a pluralidade,
enfim, para uma parceria solidária.
Nossas participantes sentiram-se profundamente recompensadas com sua obra de arte.
Esta escultura, pelo seu tamanho e por sua força devido ao envolvimento do grupo,
representou uma culminância das nossas artes de fazer e, acredito com Rilke, apud De
Bachelard (1988, p.253-254):
“As obras de Arte nascem sempre de quem afrontou o
perigo, de quem foi até o extremo de uma experiência,
até o ponto que nenhum ser humano pode ultrapassar.
Quanto mais longe a levamos, mais nossa, mais pessoal,
mais única se torna uma vida.”
Na tentativa de fazer uma amplificação dos dois símbolos, ainda sobre a escultura,
provocando a imaginação, em um encontro seguinte, sugerimos que escolhessem uma
“palavra poderosa” que sintetizasse o trabalho. Assim, pedimos que escrevessem sua
palavra com o dedo no ar, dando-lhe uma cor, um sabor e um cheiro. Depois, recortaram uma
folha de papel, em forma de um balão de encher, pintaram na cor escolhida e escreveram nele,
a “palavra poderosa”.
211
O nosso desejo era que essas palavras, após, escritas, pudessem, simbolicamente,
serem soltas em seus balões e voar, buscando levar as palavras para outras terras/
corações, que as pudessem habitar.
Nestas narrativas é possível verificar a presença das categorias auto-conhecimento e
criatividade.
•
Um encontro amoroso consigo mesmo: vivendo seus Sonhos
A vivência que designamos – A Viagem - teve como objetivo sensibilizar-se para
entender que a Vida pode ser uma grande viagem de realizações e sonhos, e, que, para
aproveitarmos o máximo de nós mesmos e da Vida, é necessário aprender a nos conhecer e a
solidarizarmos com o Outro.
Esta ambiência exigiu uma preparação e elaboração cuidadosa, na organização e
construção de materiais e na seleção de textos.33
33
Esta vivência, A Viagem, foi, primeiramente, tecida de forma bastante amorosa com dois parceiros nas artes
de fazer, Maria Alice Silva Baptista (educadora) e Darci Cardoso (comunicólogo). Em nossa condição de
arteiros, criamos a vivência com o objetivo de dinamizar treinamentos com educadores no Rio de Janeiro, em
Xerém e Niterói, nos anos de 2001, 2002 e 2003.
212
Antes de entrar na sala, havia um guichê coma a inscrição - A Vida é uma viagem,
leve seus sonhos - quando os participantes escolhiam o desenho de um barco: lancha, navios
Viking e Titanic, barco a remo, pedalinho, bote, jangada, canoa ou bóia.
A sala foi preparada como se fosse um grande mar dos sonhos, azul, com faixas
compridas de pano penduradas, simulando mastros, com figuras e pensamentos de
personagens/ missionários que lutaram pela realização dos seus sonhos, como: Betinho,
Gandhi, Martin Luther King, Charles Chaplin, Madre Teresa de Calcutá, John Lennon,
Cecília Meireles e Clarice Lispector.
213
Nesta sensibilização, além das imagens e frases, incluiu-se a melodia das músicas de
Vangelis, da trilha sonora do Filme: 1492 - A conquista do paraíso (SCOTT, 1999, USA), e,
para completar o mergulho nos sentidos, os educandos saborearam sonhos doces, enfeitados
com pensamentos dos personagens:
“A vida é um sonho, torne-o realidade.”
(Mde Teresa de Calcutá)
“Não sois máquinas! Pessoas é que sois”
(Charles Chaplin)
“Eu tenho ainda um sonho...”
(Martin Luther King)
“Realize o seu próprio sonho. Eu não posso
acordar você. Você é quem pode se acordar”.
(John Lennon)
“Pus meu sonho num navio e o navio em cima do
mar...”(Canção – Cecília Meireles)
“Eu só existo no diálogo”.
(Clarice Lispector)
“A solidariedade a gente não agradece, se
alegra.” (Betinho).
Após esta sensibilização, assistiram a primeira parte do filme: “1492, a conquista do
paraíso”, para que, em seguida, realizassem uma dança criativa, convidando o seu corpo a
plantar os seus sonhos, ao som de Vangelis.
Há que ressaltar, que os trabalhos realizados em círculo facilitam com que
contradições, caso existam, sejam vividas e superadas, com a potência nelas contidas. Início e
fim terminam em um círculo e o seu centro é como se fosse o “colo do mundo”.
Posteriormente, foi realizada uma pintura coletiva sobre os seus sonhos e, finalizamos,
novamente, com um trabalho corporal, tendo como música de fundo, a de Maria Betânia –
Sonho impossível.
214
No Diário de bordo de Ayliane encontramos:
O sonho
Quando nós chegamos tinha guichê com vários tipos de
barcos: de lazer, de turismo, de transporte, de esportes
radicais. Nós escolhemos o nosso para viajar. Nossa!!
Quando entramos na sala tinha vários textos pendurados
em tecidos finos, presos no teto e textos colocados nas
paredes. Ah!, não podia esquecer do sonho que estava
uma delícia Tinha uma mesa com sonhos doces. Escolhi
um de chocolate. Em cada sonho tinha uma mensagem e
a minha foi: “Ninguém morando nas ruas, educação
para todos, favelas urbanizadas e esporte servindo como
integração social”. Sonhos de Betinho.
Acredito que esse seja o sonho não só de Betinho, mas
também de todos nós brasileiros. Quem não gostaria de
não ver mais mendigos nas ruas nem crianças
trabalhando ao invés de estarem na escola. E, sobre as
favelas, gostaria de não mais chamar assim, poderiam
ter uma condição de vida, moradia melhor, mais digna,
esporte para crianças e adultos interagirem na
sociedade.
Já ia esquecendo de mostrar meu barco. Eu acho que
escolhi este barco por que tenho uma vontade grande de
navegar num bote, numa cachoeira ou numa corredeira
bem agitada. Um dia eu realizo o meu sonho, não sei
quando, mas eu chego lá. (Diário de bordo, 14/07/03).
215
Ayliane, em sua sensibilidade, foi capaz de vivenciar uma experiência, na qual os seus
sentidos (tato, paladar, audição, visão) permitiram com que emoção e reflexão caminhassem
juntas. É o fazer sensível aliado ao racional, é a arte como instrumento importante para o
desenvolvimento do indivíduo e da coletividade.
Assim, imagens e falas se enlaçaram dando forma aos seus sonhos. Débora pintou suas
mãos e disse: “Eu sinto, eu realizo. Liberdade”.
Maria pintou estrelas, flor e um coração e disse: “Vida! Ou tenho-te, ou me tens.
Amizade, sinto saudades das amigas da infância. Sonho ser feliz. Sonho, alimento da alma”.
No diário de bordo, também, Maria trouxe mais alguns fios da sua meada:
A vida é uma viagem na qual adoro fazer
expedições por lugares inusitados. Há pouco
viajei para o meu ser e lá encontrei caminhos
onde a minha mente buscava pelos longos
corredores, respostas para minhas perguntas.
Com um barco Viking explorei um enorme
oceano que é o meu pensar. Perigos e revoltas
encontrei, mas tudo se dissolveu no azul dos
belos dizeres a balançar a minha frente (MARIA,
14/07/03).
Com este quadro/ pintura é possível perceber a presença da categoria auto
conhecimento, da imaginação que o barco viking foi capaz de provocar, ampliando a sua
escrita criativa.
Maria, a cada encontro, ia experimentando o poetar, deixando as suas mãos bordar
formas e novas palavras.
Kelly pintou flores e acrescentou: “A vida é feita de sonhos. Basta ter fé, esperança,
paciência e acreditar. Tudo aqui hoje foi muito bom. Aqui me sinto à vontade, na sala de aula
não”.
216
Beatriz pintou um barco, céu e mar. “meus sentimentos foram bons, pude pensar em
meus sonhos, nos meus sonhos impossíveis, soltar de asa delta. Gosto de perigos”.
Beatriz, no seu diário de bordo, teceu:
“Não sois máquinas! Pessoas é que sois!” (Charles
Chaplin). Se entregue ao sonho, lute, sobreviva, pois o
maior passo para a realização do seu interior é
concretizar o sonho que flui em ti. Obstáculos virão,
mas, lembrais que humanos sois, e viva para ser feliz!
(BEATRIZ).
Izabella pintou uma flor grande amarela e, também, grande nuvem azul, e falou:
“Quero ter liberdade de viver a vida. Esta nuvem grande vai levar desejos, objetivos e
amor. Vivo além da vida, pois, vivo além do mar. Meus sentimentos: deixe a onda te levar...”
Ainda falou: “Estou nas nuvens, estou amando!”.
Ayliane desenhou árvores e bonecas e disse: “me senti muito relaxada... Fiquei
pensando muito em alguém... Meus sonhos distantes que irei realizar... Andar em uma
floresta. Entrar em uma floresta, ser perseguida por um animal perigoso: um urso ou um
leão. Quero correr riscos!”.
217
Mais uma vez, “caçamos”, nas falas e nos escritos, a juventude que pulsa, cheia de
amores e a ânsia da busca do novo, do inusitado, do aventurar-se frente aos desafios da vida.
Débora pintou um mar escuro e um barco. “O meu barco vai me levar para algum
lugar que não sei... Me senti em paz no mar...”.
Esta vivência, pela forma de sensibilização nos fez perceber um profundo mergulho
interior em cada participante, quando foi possível observar a seriedade revelada em seus
rostos e corpos. Assim, pela complexidade vivenciada, não foi fácil capturar os seus
resultados, tanto nos diálogos, nos escritos ou mesmo nas imagens produzidas. Acredito que
dentre as categorias analisadas, a sensibilidade e o auto-conhecimento foram os fios da
meada, tecidos neste Encontro.
Foi possível perceber como o sentimento estético se fazia presente em cada linha
traçada, em cada cor escolhida, em cada imagem que se desdobrava, e nas palavras ditas ou
escritas. Iluminando nossa análise, Read, ao revisitar os escritos de Platão assim se refere
sobre o filósofo:
Ele afirmou, como os modernos psicólogos, que toda a
graça do movimento e a harmonia da vida – a própria
disposição moral da alma – são determinadas pelo
sentimento estético: pelo reconhecimento do ritmo e da
harmonia. As mesmas qualidades, afirmou ele. ‘entram
em grande parte na pintura e todas as outras artes, na
tecelagem e no bordado, na arquitetura e em toda a
manufatura de utensílios em geral; e ainda na
constituição de todos os corpos e plantas existentes’
”(READ, 2001, p.67).
Ainda dialogando com Platão, a partir de Read, este afirma que, para Platão, uma
educação estética é a única educação a trazer graça para o corpo e nobreza para a mente, e que
devemos tornar a arte como base da educação, pois, para o filósofo a arte é o único
instrumento capaz de penetrar nos recessos da alma (p.316).
218
Aliás, não foi este também o objetivo da vivência – A Viagem?
•
Com os fios que vêm d´alma
Com o objetivo de aprofundar a categoria criatividade, sugerimos que as educandas,
de olhos fechados, traçassem linhas em uma folha de papel, sem a preocupação de dar uma
forma específica. Em seguida, deveriam olhar atentamente ao traçado e, criativamente, ir
buscando formas, destacando-as e dialogando com elas. Assim, imagens nasceram de traços
que, inicialmente, pareciam nada sugerir.
219
Estas imagens capturadas pelo olhar sensível de Carla (12/05/03), a partir de dos seus
rabiscos de olhos fechados, sugeriram-lhe a seguinte escrita:
A bruxa Meméia gostava de apavorar os
corações apaixonados, com os seus feitiços em
forma de raios que ficavam na montanha perto
do mar, ao ver o pôr do sol.
Eu acho que existe um pontinho de bruxinha
dentro de mim, pois tenho pequenos sinais de
clarividência no decorrer dos meus dias. Ex:
sonhar com a morte do meu pai e no dia seguinte
acontecer a infelicidade.
Izabella, em sua criação, expressou:
220
Asas à imaginação!
Meu desenho não saiu um desenho realmente, mas, sim
formas. Se nós olharmos bem identificamos um E.T.
correndo! E o de baixo é um golfinho pulando!
O E.T. eu me identifico porque vários “ficantes” meus
pareciam uns marcianos!
O golfinho porque eu gosto!
(Izabella,12/05/03).
Por sua vez, Adriana registrou:
Este helicóptero faz parte dos meus sonhos de viajar um
dia para outro país. Pretendo ir para os E.U.A ou para
a França, fazer alguns cursos de aperfeiçoamento
(Adriana, 12/05/03).
221
As imagens e os relatos imaginativos dos educandos, sugerem –nos recuperar
Ostrower (1996), ao referir-se ao processo criativo:
Quando se configura algo e se o define, surgem novas
alternativas. Essa visão nos permite entender que o
processo de criar incorpora um princípio dialético. É um
processo contínuo que se regenera por si mesmo e onde
o ampliar e o delimitar representam aspectos
concomitantes, aspectos que se encontram em oposição e
tensa unificação. A cada etapa, o delimitar participa do
ampliar (p.26).
Ao enlaçarem-se nas linhas de suas imagens construídas, inicialmente, com os olhos
fechados, possibilitando romper com o controle, com a rigidez e dilatando a visão interior,
as educandas iluminaram suas vivências com formas oriundas dos seus inconscientes. São
luzes ampliando o seu processo de consciência, através do auto-conhecimento.
Ainda, em direção a este mote, acrescento as palavras de Ostrower (1998), ao referirse ao acaso, questão, também, sustentada pelo paradigma da complexidade, de Edgar
Morin (2000):
Na elaboração de uma imagem, os acasos representam
uma fonte inesgotável de sugestões, e possíveis formas.
Antes de serem concretizadas, as possibilidades ficam
em aberto. Mas não inteiramente em aberto. Pois, as
sugestões terão que corresponder a certas expectativas
latentes na pessoa – como uma espécie de chave abrindo
uma determinada fechadura. Só então os acasos poderão
se tornar verdadeiras opções, e o artista terá a liberdade
de escolher. Porém, esta liberdade tampouco é irrestrita.
Também ela se apresenta dentro de certas delimitações,
que remetem às mesmas expectativas da pessoa. Ou,
mais precisamente, remetem a certas predisposições
seletivas e ao leque de potencialidades existentes na
pessoa (p.67).
222
E, relembramos Vygotsky sobre a importância de se estimular as experiências dos
educandos na ampliação de suas potencialidades.
Vale retomar Geertz (2001), em sua abordagem antropológica interpretativa, ao
enfatizar o valor da arte enquanto um processo cultural e local. A capacidade do ser humano
expressar-se criativamente, permite iluminar o sentido que as coisas têm para a vida a seu
redor, incluindo, dessa forma uma visão do coletivo.
Nas vivências com as diferentes linguagens criadoras, os jovens puderam ser capazes
de expressar suas maneiras de estar no mundo, de forma singular, própria e visceralmente
local, cabendo a nós educadores, a sensibilidade em perceber em cada gesto, em cada traço,
em cada palavra dita ou não dita, as marcas e o pulsar de vidas, como bem ilustra Geertz
(2001), ao referir-se às gravuras, às esculturas e às linhas que marcam objetos e corpos dos
ioruba.
Tais reflexões, sublinhadas pelo autor, apontam que são inseparáveis os meios
através do qual a arte se expressa e os sentimentos pela vida (Ibid., p.150).
Enfim, pela ótica de Geertz, ao auscultarmos as expressões artísticas dos jovens,
através dos símbolos que forem cuidadosamente criados por eles, símbolos que transmitem
significados e, significados que surgem graças ao uso que fazem deles, estaremos buscando o
lugar que a arte tem em suas vidas.
•
Brincando e criando com a sua criança interior
Um outro fio veio tingir de forma alegre a nossa urdidura, despertando a curiosidade, a
imaginação, a criatividade, a conexão com a sua “alma”, ou seja, a sua potencialidade,
componentes importantes para uma formação de professores, comprometida com
fazeres/saberes menos fragmentados, criativos e significativos. Assim, planejamos a vivência
223
da Praça34, em cujo espaço esteve presente, a Pastelaria Sorriso, o Restaurante Meu
Recado, o Salão de Beleza (manicure) e o Ouve-flor (comunicação com o Além-Mar).
Na entrada do corredor, espalhamos contornos do corpo humano com colagem de
corações, contendo imagens as mais diversas, para serem escolhidas.
34
Esta vivência que chamamos A Praça, assim como A Viagem, foi planejada, conjuntamente, com Maria Alice
Silva Baptista e Darci Cardoso, com o objetivo de treinamento com professores.
224
Esta imagem do coração com fechaduras, Maria
tirou-a do desenho do corpo humano que estava
na parede e colou-a no seu Diário de bordo.
Após, apresentamos um Caldeirão de Nomes, com palavras, figuras de frutas e
legumes, que foram acrescentados aos seus nomes e sobrenomes, quando mexendo e
remexendo o caldeirão pudessem fazer os seus crachás com as palavras que surgissem.
Alguns crachás foram construídos, permitindo brincar com as próprias identidades:
Os educandos foram convidados a brincar na Praça, estimuladas pelas músicas de Bia
Bedran35, principalmente, a música, Quintal, quando nos instiga a “renascer a criança,
moleque levado, saci-pererê, que quer andar solto no mato, mas vive trancado dentro de
você”.
Ao entrar no clima de uma Praça, estimulamos para que experimentassem todos os
seus ambientes, ou seja, transformassem as palavras em brinquedos: servir-se de palavras no
Restaurante Meu Recado, criando um texto; escolher um tipo de pastel na Pastelaria Sorriso e
escrever o seu recheio; escolher as cores para as suas unhas, na Manicure, de acordo com os
sentimentos respectivos; além de mergulhar no Ouve-flor, imaginando uma mensagem ouvida
de além-mar.
Muita alegria foi observada, muita curiosidade e imaginação brotaram da terra de cada
um, na medida que ela era afofada.
35
Bia Bedran, musicista niteroiense que há anos se dedica a compor e fazer músicas para o público infantil .A
música Quintal foi composta em 1987. Entre seus CDs temos: A caixinha de música, Brinquedos Cantados, O
melhor de Bia Bedran. Para melhores informações: www. biabedran.com.br
225
Assim registraram:
Pastel da Ousadia
Infinitas doses de auto-confiança
Uma pitada de cautela
Muito tesão pela vida
Felicidade à gosto
Fé, Paz e Amor (Priscila, 2003)
Pastel de Espera
Ingrediente: 2kg de paciência
uma xícara de sonho
duas colheres (sopa) de silêncio
um litro de amor
cinco colheres (sopa) de amizade
um kg de atenção (Izabella, 18/08/03).
Na vivência da Ouve-flor, Izabella, registrou:
“ Será que estou certa do que ouvi?!...
O que ouvi foi a palavra ACORDAR!
Realmente, eu estou precisando acordar e tomar uma
DECISÃO!
Será que estou certa em dormir, não vou mais chorar, vou
abrir os olhos para o mundo e acordar!
Foi uma fantástica aventura andar por dois dias nesta
Praça. Foi uma satisfação fazer tudo isso.
Fiquei super feliz e tenho certeza que a minha
participação foi enorme” (Diário de Bordo, 18/08/03).
226
Maria escreveu sua mensagem de Ouve-flor:
A mensagem que é um amor. Falei com Marte,
Saturno talvez.
O que ouvi foi: Oi, tudo bem?
Houve interferência, mas não interrompeu a
mensagem que grita muito. Me fez perceber que ainda
há gosto em Viver (Diário de Bordo, 25/08/03).
Uma mensagem do coração foi ouvida por Kelly:
É preciso ter fé, esperança e acreditar, para que todos os
seus sonhos possam se realizar!
Ana Flávia foi capaz de sensibilizar-se e refletir através do som imaginado:
Ao ouvir o som do mar e sentir o perfume que o
acompanha pude analisar que estou no caminho certo e
que, a cada dia, posso contar como um ponto a mais para
a minha vitória completa. Aposte nos seus sonhos! (ANA
FLÁVIA, Diário de Bordo, ago/2003).
227
Aproveitando este relato, salientamos que os escritos nos diários de bordo, logo
após as vivências, favoreceram a percepção da atmosfera da atividade, mesmo que a
linguagem escrita, muitas vezes, sofresse limitações, percebendo-se, nesses escritos, as
marcas das emoções vividas.
Pensamos ser oportuno explicitar que as vivências com as linguagens expressivas,
como as que foram realizadas, permitiram-nos verificar a dimensão da capacidade criativa
de cada um, aliada à possibilidade de reflexão permanente. Constatamos que o fazer arte
não se reduzia apenas ao sensível, mas também ao racional e a um fazer que se
materializava, através de recursos práticos.
Valemo-nos das reflexões de Vygotsky, em a sua teoria histórico-social, que amplia
a visão sobre a prática da vivência com a arte, ao demonstrar o seu valor no
desenvolvimento do indivíduo. A arte, ao transformar sentimentos e pensamentos,
transcende o individual generalizando-se e tornando-se social.
Retornando às atividades desenvolvidas na Praça, Beatriz, na Pastelaria Sorriso
construiu:
Entre todos os recheios, sentimentos, escolhi
o amor, para me conduzir na fritura do
sabor.
Pastel do Amor
Uma xícara de respeito
Mil colheres de sopa de atenção
Duzentos litros de carinho
Quinhentos gramas de alegria.
Uma pitada de paixão.
Modo de Fazer
Leve ao fogo derretido o sonho, junto do
companheirismo e um desejo de viver.
Apimente com idealismo e uma vontade de
crescer.
E, para finalizar salpique tudo de bom.
(BEATRIZ, Diário de Bordo,18/8/2003).
228
Na Manicure, Ana Beatriz pintou o texto:
“ Fui na Manicure escolhi os sentimentos que fluem dentro de mim”.
* Alegria * Decisão * Esperança * Energia
“No Ouve-flor, o ouvir e o cheirar que nos faz
bem.
Ouço o som do mar, ao tentar escutar a palavra que me
quer levar. Escuto as ondas levando meu corpo pra lá e
pra cá; Há poucos dias saudade senti de ti, quis te ver,
levar os problemas pra além do horizonte. Não fui te ver e
acho que o que ouvi foi você a me chamar: Venha
compartilhar comigo as lágrimas que te fazem sentir
cheiro de canela e a paz penetrou em mim. Os sentimentos
se misturam e me pus a pensar, viver e amar. É o que me
move a existir. A canela faz me sentir o interior,
transpassando em mim, um bem que me faz amar e ser
feliz (BEATRIZ, Diário de Bordo, 22/8/2003)”.
229
Na vivência da Praça, no Restaurante Meu Recado, Maria, ao servir-se de palavras
recortadas, construiu seu alimento literário:
Perdido no tempo. Morto de verdadeira falta de você,
por clássicas 24 horas, sem redes de poluição, na linha
de drama da solidão (Diário de Bordo, 18/08/03).
Ao transforma a palavra em brinquedo (“palavra-brinquedo”), ao saborear
imagens/textos, a imaginação brotava como água pura, em nascente de rio.
Vygotsky, neste ponto, pode ser, novamente, um fértil interlocutor em nossas artes
de fazer/tecer.
A Psicologia chama imaginação ou fantasia a esta
atividade criadora do cérebro humano, baseada na
combinação, dando a estas palavras, imaginação e
fantasia, um sentido distinto ao que cientificamente lhes
corresponde. Em sua acepção vulgar somente entende-se
por imaginação ou fantasia o irreal, o que não se ajusta
à realidade e, por tanto, carece de valor prático. Mas,
afinal de contas, a imaginação, como a base de toda
atividade criadora, manifesta-se por igual em todos os
aspectos da vida cultural possibilitando a criação
artística, científica e técnica... Tudo é produto da
imaginação e da criação humana, baseado na
imaginação (VYGOTSKY, 2003 a, p.9-10).
O autor, ainda complementa que para melhor compreensão do mecanismo
psicológico da imaginação e da atividade criadora com ela relacionada, convém explicar o
vínculo existente entre fantasia e realidade na conduta humana. Adverte que considera
errôneo o critério vulgar que traça uma fronteira impenetrável entre fantasia e realidade,
sendo falso contrapô-las entre si, uma vez que entende a imaginação não um divertimento
caprichoso do cérebro, mas como uma função vitalmente necessária (2003 a, p.15).
230
No caso da vivência do Ouve-flor, a experiência de Beatriz foi capaz de envolver o
cheiro da essência de canela, que foi convidada a sentir, ou seja, um dado da realidade,
com a sua imaginação, ao dialogar com ondas, amores, corpo, lágrimas com cheiro de
canela.
No dizer de Vygotsky foi a experiência com o real que instigou com que a
imaginação pudesse fluir. Acrescentamos com suas contribuições:
A atividade criadora da imaginação se encontra em
relação direta com a riqueza e a variedade da
experiência acumulada pelo homem, porque esta
experiência é o material com que se erige o edifício da
fantasia. Quanto mais rica for a experiência humana,
tanto maior será o material de que dispõe a imaginação
(Ibid.,p. 17).
A respeito desta questão, podemos concluir, pedagogicamente, com Vygotsky
sobre a necessidade de ampliar a experiência da criança, do jovem, se queremos
proporcionar-lhes uma base suficientemente sólida para sua atividade criadora.
Assim, sentimentos se manifestam, tanto interna, quanto externamente, em
imagens/impressões/idéias, sabendo-se que as imagens da fantasia servem como linguagem
interna para nossos sentimentos, como foi possível verificar nas produções criativas
vivenciadas na Oficina, o que Vygotsky acrescenta: “Todas as formas da representação
criadora encerram em si elementos afetivos.” (Ibid., p.23). Ou, melhor dizendo,
sentimentos e pensamentos movem a criação humana (Ibid., p.25).
Com os estudos de Vygotsky, constatamos como a função imaginativa constitui um
processo bastante complexo, composta de aspectos que o integram. Dessa forma, toda
atividade imaginativa tem sempre larga história atrás de si. “O que chamamos de criação
representa um catastrófico parto conseqüente de uma gestação” (Ibid., p.31). No início do
processo, encontramos sempre a percepção externa e interna que serve de base a nossa
experiência. Os primeiros pontos de apoio que se encontra para a criação é o que se vê e o
que se olha, acumulando materiais que são usados para construir a fantasia.
231
Sustentados por estes aportes teóricos, foi possível perceber, nas vivências, que
cada convite que os participantes recebiam para ver, para tocar, para sentir, para
experimentar os materiais e o meio ambiente, para elaborar suas trocas com os
companheiros, o processo criativo ia nascendo, em um fluir que somava percepções
internas e externas, mesmo que para alguns representasse momentos de insegurança. Tais
momentos eram sempre recompensados pelo prazer de criar algo, que para ele/ela
representava o não experienciado anteriormente.
Assim, nas Oficinas saboreava-se uma nova forma de expressar-se, uma nova
linguagem, talvez desconhecida na escola. Era o brincar com os sentidos, dando nova
forma às palavras, deixando nascer/ acordar novas possibilidades de significação para as
palavras, para si mesmo, para o mundo, talvez, ainda não experimentadas antes.
O brincar na Praça foi um convite para des-construir a linguagem arbitrária
imposta, permitindo-se poetizar, transformando palavras em brinquedos.
A cada vivência ficava o sabor de que era possível, cada um e o grupo, usar as
próprias palavras, talvez suas linguagens primeiras, deixando fluir uma linguagem, muitas
vezes, considerada subvertida para o espaço escolar comprometido com tantas verdades!
Esta oficina, como a da Viagem, foram lugares da poesia. O poetar de jovens que
moveram sonhos e imaginação, aquecendo palavras, cores, afetos e gestos, na tentativa de
reinventar a própria Vida.
Ainda Vygotsky (2001), ao citar Freud, acrescenta:“O escritor criativo faz o mesmo
que a criança que brinca36.Cria um mundo de fantasia que ele leva muito a sério, isto é, no
qual investe uma grande quantidade de emoção, enquanto mantém uma separação nítida
entre esse mundo e a realidade”. (p.84).
Neste ponto, dialogamos com Faundez e Freire (1985, p.52):
36
Sobre o brincar, Vygotsky se refere aos estudos de Freud, quando este declara: “Seria errado supor que a
criança não leva esse mundo a sério; ao contrário, leva muito a sério, a sua brincadeira e nela despende muita
emoção. A antítese da brincadeira não é o que é sério, mas o que é real”.(VYGOTSKY, 2001, p.84).
232
Quanto ganharia o conhecimento humano, as ciências
humanas e a própria sociedade se a criatividade
encontrasse um espaço livre para se manifestar.
Dizer a palavra verdadeira é transformar o mundo.
Assim, remexidas e instigadas pelo processo de criação, enlaçamo-nos em seus
questionários buscando alguns relatos:
- Na Oficina aprendi a perceber a minha inflexibilidade.
- Estou tentando e conseguindo ser uma pessoa um pouco mais flexível.
Tento ver os dois lados das coisas que acontecem comigo e no mundo.
- Na Oficina vivemos momentos variados, não tem um específico.
Tudo que ocorre na Oficina nos toca de certo modo. É muito bom
vivenciar todos os momentos.Os momentos que passei aqui dentro foram
maravilhosos!
- Eu adoro a Oficina. Faz a gente ficar mais sensível. Se a gente está com um
problemão, antes de ir para a Oficina, quando a gente sai, ele vira um
probleminha. A Oficina é super legal.
- Através desta Oficina tenho oportunidade de refletir sobre minha vida
pessoal e profissional e traçar novas metas de aprimoramento do
conhecimento.
•
Abrindo outras portas
Outros temas também fiaram nossos encontros, como a discussão que foi feita, no dia
seguinte às eleições de 2002, quando trouxeram este conteúdo para o encontro e pensamos
juntos sobre a questão da Cidadania.
Patrícia estava revoltada, pois, questões financeiras a levaram a trabalhar para a
candidata à governadora do Rio de Janeiro em 2003, Rosinha, e, registrou: Não gosto da
Rosinha. Adriana e Ana Paula estavam desesperançadas, pois, nada muda. Clara argumentou
que se tem que dar chance para o PT e, Josiane, não se interessava por política.
Lembramos de Geertz (1978, p.189), nos seus estudos antropológicos a respeito da
ideologia, como um sistema cultural, ao referir-se aos gabaritos formais e culturais que nos
movem e nos organizam. Segundo o autor, os padrões culturais, sejam, religiosos, filosóficos,
estéticos, científicos ou ideológicos, são “programas”que nos engessam, condicionando-nos a
233
determinadas formas padronizadas de pensamentos e ações, em uma construção de modelos
simbólicos.
Entendemos que romper com essas estruturas cognitivas e expressivas exige reflexões
e tomadas de decisões que permitam acima de tudo o diálogo.
Assim, o diálogo, como uma forma criativa de aprendizagem, teve um lugar especial
nas vivências. Com ele fomos tecendo os encontros, com esperanças, medos, dúvidas, mas,
com a certeza que, naquele espaço, era possível dizer o que pensavam, sentiam e sonhavam,
pois, lembramos de Paulo Freire (1987) a nos dizer: “Somente na comunicação tem sentido a
vida humana”, o que acrescentamos: a arte abre portas e janelas para que aconteça o diálogo.
Os temas medo, corpo, sexualidade também foram trazidos e expressos, como relata
uma participante, em seu questionário: “Percebo que a conversa é muito importante e
conversamos muito aqui dentro, sobre todos os assuntos”.
Após a leitura da história de Roseana Murray (1997), Tantos medos e outras coragens,
os educandos expressaram sentimentos, em seus desenhos, e suas falas fiaram:
Medo pode ser paixão, medo de amar ou medo de errar.
Pode ser covardia ou coragem demais. Medo pode ser o
contrário, uma reação oposta do que se espera. Pode ser
apenas a resposta certa na hora exata (MARIA, Diário
de Bordo, 10/11/03).
234
O medo nos traz dor e paciência. A coragem nos traz luz
e segurança. A coragem nos ajuda a suprir os nossos
medos, porém, os dois juntos não são inimigos, um
precisa do outro, não há como se separarem. Se não
fosse assim iríamos expor desnecessariamente a nossa
coragem. (KELLY, 10/11/2003).
Interessante perceber o entendimento de Kelly, quanto à necessidade de rompimento
com o dualismo que, até hoje, marca o pensamento humano. A história contada favoreceu o
pensar divergente, a capacidade de refletir sobre as suas polaridades e a compreensão que é
necessário transpassá-las.
Esta não representa a própria vivência da complexidade?
Juliana enriqueceu esta vivência com uma imagem que se cruzou com suas sensíveis
palavras:
Eu tenho medo de ficar sozinha no mundo. Assim: tenho
medo de que meus pais e meus irmãos morram e eu
tenha que passar por todo esse sofrimento e o pior de
tudo, sem eles. O medo de não ter o amor do pai e da
mãe. Também tenho medo de não encontrar uma pessoa
a quem eu possa amar, construir uma família, ou, então,
de dar o meu amor a uma pessoa que não o merece, ou
seja, medo de não encontrar o meu amor (JULIANA).
235
Lembrando Vygotsky (2003), a produção artística influi em nosso mundo interior, em
nossas idéias e em nossos sentimentos, pois, sentimento e pensamento movem a criação
humana (p.25).
Estas imagens, tanto plásticas quanto verbais e escritas, que ao longo do processo de
criação, os jovens foram, corajosamente, construindo, são as mediações defendidas por
Vygotsky (2001,2003), que ocorrem através da objetivação da linguagem pela matéria, ou
seja, a matéria objetivando a linguagem. Também representam a possibilidade da linguagem
reconstruir internamente os Processos Psicológicos Superiores (PPS). Segundo o autor, é a
arte como forma de expressão da linguagem, como instrumento de transformação, a serviço
do desenvolvimento dos PPS.
Nas vivências, as imagens criadas em suas formas descongeladas, representaram
maneiras de sobrevivência frente aos códigos anônimos, forjados pela contemporaneidade,
vistos como simulacros de credibilidade. Ali foram fiadas suas verdades, mesmo que
provisórias, foram tecidos seus saberes, seus sentimentos, suas intuições, passando a ver
aquilo que, muitas vezes, os olhos ainda não tinham ousado ver. Era o encontro amoroso com
uma materialidade que nascia para dar forma, e dando forma, dava sentido, ressignificando a
si mesmo, o Outro, o mundo em seu entorno.
Nestas Oficinas, as imagens criadas se somavam à oralidade, quando instigávamos a
que dialogassem com elas, dando-lhes Vida, Nome, Sabor, e, como nos lembra Bakhtin
(1992), “antes da pessoa existe a voz”, uma voz que tem cor, nuances, acentos, e, que, anda
tão silenciada.
Se as vozes não se fazem mais ouvir, a não ser dentro dos sistemas escriturísticos, no
dizer de Certeau (2001, p.222), os quais reaparecem de forma travestida, dominada, ou
melhor, domesticada, este não deveria ser o momento de se dar voz aos educandos? Uma voz
emancipadora /significativa /criativa?
As oficinas representaram uma tentativa para que a palavra pudesse circular e
respirar,” Uma cidade respira quando nela existem lugares de palavra” (CERTEAU,1998,
p.338).
236
Nos momentos em que os educandos se encontravam criando, fosse pintando, tecendo,
ou, esculpindo, poetizando, a oralidade ia, cuidadosamente, fiando esta tessitura, como num
vai e vem da agulha no tecido, no pincel que fareja as cores, nas mãos operosas que acariciam
a argila e magicamente a transforma. A comunicação ali se encontrava, como uma “cozinha
de gestos e de palavras, de idéias e de informações, com suas receitas e sutilidades” (Ibid.,
p.339).
Trazendo novamente Paulo Freire (1987), em sua Pedagogia do Oprimido, o autor
sustenta que a palavra é mediada pela ação/reflexão, pois, entende que não é no silêncio que o
homem se faz, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão, colocando-se o diálogo como
uma exigência existencial, como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto
homens. Quando nos deixamos penetrar uns pelos outros, as nossas palavras tornam-se ação.
O intercâmbio do objeto com o sujeito acontece dentro de outra lógica, tentando romper com
o dualismo, ao abrir espaço à interlocução, ao diálogo como mediadores no processo de
criação.
Com Paulo Freire e Faundez solidificou-se a questão da diferença. É justamente a
diferença que nos permite dialogar (FAUNDEZ, 1985, p.116).
Sabemos que os educandos trazem experiências distintas e que é preciso vivê-las
distintamente. E, como são distintas as experiências, uns podem ensinar aos outros, e, uns
podem aprender com os outros. Nós só aprendemos se aceitamos que o diferente está no
Outro. O diálogo só existe quando aceitamos que o Outro é diferente e pode nos dizer algo
que não conhecemos (Ibid., p.36).
Assim, pensa-se na pluralidade, sem perder as identidades, reforçando-se a diferença,
pois, o cotidiano exige que se façam rupturas com o binário eu-outro, sujeito-objeto,
professor-educando, dominado-dominador, dia-noite, sol-lua, feminino-masculino.
Nas conversas que tecemos, quase ao pé do ouvido, que saltam em nossas artes de
fazer, trazemos Taylor (2003), que na trilha freireana, sublinha:
237
Nossa compreensão do mundo, nossa maneira de estar
no mundo, não é condicionada simplesmente por nossos
saberes científicos. A ciência nos ajuda a compreender
os fatos, as coisas, os objetos que nos cercam. Mas ela
só contribui parcialmente para a nossa compreensão de
nós mesmos e dos outros enquanto Sujeitos-atores e
autores da nossa vida. O saber dialogar, pelo qual
consigo compreendê-los, não é uma simples aquisição
científica e sim um saber relacional. O ‘sabercompreender-você’ não pode ser reduzido a um saber
científico porque, atrás da roupagem de nossos
conhecimentos, mesmo daqueles que pretendem ser
factuais, há um cenário que estrutura o significado da
nossa vida e que ultrapassa os limites da ciência
disciplinar”. (p.63-64)
Que saberes reveladores/desveladores do conhecimento do eu, vão sendo construídos
ao se estar em contato com o Outro?
Seriam os saberes lunares, defendidos por Taylor (2003), que na contramão do
paradigma hegemônico propõe que se apreenda a si, ao outro e o mundo com o coração?
É o diálogo enfatizado por Freire, cujos ingredientes são o Amor, a Humildade, a Fé, a
Confiança, a Esperança e o pensamento verdadeiramente crítico (1987, p.79-83).
Nas Oficinas buscou-se que saberes/conceitos fossem transformados em vivências,
através das diferentes linguagens expressivas, articulando os saberes lunares e saberes solares,
aos quais se refere Taylor. O processo de criação instiga o rompimento com a visão binária
que, milenarmente, nos afeta/aflige, indo em direção a uma articulação entre estes dois
saberes, conjugando a objetividade, o verificável, o conceitual, o masculino (guardião do
saber) com os aspectos referentes à subjetividade humana, à imaginação, à intuição, à
criatividade, ao feminino, funções/características psíquicas do ser humano, que, por um longo
tempo foram e, ainda são, banidas/excluídas do cotidiano, chegando, até mesmo, no passado,
a serem queimadas nas fogueiras da “santa” inquisição.
Trabalhar com a arte em uma proposta educativa preocupada com o coletivo é trazer o
sensível, o afeto, o cuidado, a emoção, o prazer e a amorosidade por si mesmo e pelo Outro,
indo, muitas vezes, além do que os olhos vêem, além das palavras, favorecendo com que o
238
educando seja tudo o que nasceu para ser. Completando com as palavras de Freire (1987), “O
respeito à autonomia e a dignidade de cada um é um imperativo ético e não favor que
podemos ou não conceder uns aos outros”.
Assim, os sujeitos criadores-falantes das Oficinas foram estimulados a criar, a pensar
sobre suas criações, a falar e a narrar suas próprias histórias de vidas.
Linhares (2003), perseguindo a saga freireana, comenta:
Entendendo o pensar e o pronunciar-se como ações a
integrar-se nos movimentos da vida, estimulou os
oprimidos a narrar a vida, como uma forma de neles
penetrar para inter (vir), compartilhadamente, Paulo
Freire vitalizou memórias épicas, políticas, culturais
que foram oxigenadas, para abrir espaços a novos
enredos e novos lugares, onde os lugares, onde os
oprimidos, em vez de devedores, pudessem se tornam
credores da vida, da sociedade e da história da qual
precisavam e precisam se apropriar” (p.154).
Aqui encontramos, também, uma aproximação com Certeau (2001), sobre a
importância do ato de falar, ao buscar dar voz às imagens criadas.
Privilegia-se o ato de falar: este opera no campo de um
sistema lingüístico; coloca em jogo uma apropriação, ou
uma reapropriação, ou uma reapropriação, da língua
por locutores; instaura um presente relativo a um
momento e a um lugar; e estabelece um contrato com o
outro (interlocutor) numa rede de lugares de relações
(p.40).
Na Oficina, quase sempre, trabalhando em círculo, nossa rede se construiu, surgindo a
conversação, pois, como Certeau (1998) acrescenta:
239
A oralidade está em toda parte, porque a conversação se
insinua em todo lugar; ela organiza a família e a rua, o
trabalho na empresa e a pesquisa nos laboratórios.
Oceanos de comunicação que se infiltram por toda a
parte e sempre determinantes, mesmo onde o produto
final da atividade apaga todo o traço desta relação com
a oralidade (p.337).
Dar voz, dar a palavra, enquanto ato/operação, pressupôs uma escuta sensível nossa,
enquanto pesquisadora, pois, tudo aquilo que fala, rumoreja, passa, aflora, vem ao nosso
encontro, modificando, muitas vezes a nossa escritura, nos confundindo, nos fazendo tomar
novas trilhas e muitas saídas possíveis.
A arte, em suas diferentes formas de expressão, por não ser linear, desconstruiu muitas
lógicas, abrindo caminhos para o inusitado, para a construção de linguagens instituintes, por
serem transformadoras do si e do mundo ao seu redor.
Na Oficina mergulhamos nas imagens, verdadeiros textos, que despertaram narrativas,
somando-se a palavras grávidas de sentidos, abrindo-se a interações. Palavras que ninguém
podia dizer sozinho, roubando a palavra do Outro, mas, na ambiência/relação criada, foram se
fiando os diálogos, enquanto se encontravam, sentados no chão, na roda criativa, seus corpos,
traduzindo o desejo de uma escuta amorosa e cuidadosa, que, muitas vezes, se atropelava pela
ansiedade do uso da palavra, mas, que, sempre, permitia o direito de todos falarem.
Entendemos que a imagem tem um sentido de memória, ou seja, desperta lembranças.
Um texto pode ficar ultrapassado em sua escritura, enquanto a imagem, devido à possibilidade
de diálogo com o outro, garante o seu lugar no contexto, extrapolando o próprio texto e se
enraizando.
Trazemos, mais uma vez, os fios poéticos de Manoel de Barros (2003): Imagens são
palavras que nos faltaram. Poesia é a ocupação da palavra pela imagem.
240
•
Mãos plasmando máscaras
Com o propósito de instigar o olhar dos participantes da Oficina, levamos algumas
imagens de máscaras verificando o interesse em uma atividade expressiva com este tema.
Assim, refletimos sobre o texto a seguir:
OFICINA
DESPERTANDO O SER
AS MÁSCARAS DESMASCARAM
As máscaras aparecem na História da humanidade desde as épocas mais remotas.
É presumível que o homem primitivo usasse a máscara e a dança em um ritual
mágico, como um elemento catalizador de forças misteriosas.
Na visão da Psicologia, desde pequeninos aprendemos a nos moldar às
expectativas dos pais, dos professores e da sociedade.
Jung37, em seu livro - O Homem Criativo - ressalta que por uma série de razões
adaptativas, por necessidade de segurança e de afeto, vamos selecionando
qualidades e traços, que consideramos desejáveis e mais adequados.
É muito comum vermos pessoas que se comportam de um jeito em casa e de outro
no trabalho, na escola ou com amigos. São duas personas. Há aqueles que
apresentam muitas máscaras, até por falta de uma.
A persona ideal é flexível, permitindo adequação a diferentes situações sociais.
37
JUNG, Carl. O Homem Criativo. São Paulo: FTD, s/d.
241
A persona costuma estar presente em declarações do tipo: “Quem manda aqui
sou eu”, “Eu sou durão”, “Sou inteligente”, “Sou bonita”, “Ninguém gosta de mim
porque sou pobre”, “Sou um azarento”,”Ninguém me ama”.
A persona pode encobrir nossa verdadeira natureza e esconder as
características que não costumam ser aceitas e que tendemos a rejeitar.
Dessa forma, afirma Buchbinder38: “o trabalho com máscaras desmacara. A
máscara, como instrumento de conhecimento profundo, pode revelar e realçar
aspectos da pessoa e da cultura que permaneciam escondidos à espera de poder
se expressar e se integrar à vida para enriquecê-la”.
Junto aos educandos, completamos a reflexão sobre o texto, pontuando que as
máscaras representam roupagens que servem como função adaptativa. O ser humano, ao
sujeitar-se às convenções sociais, adota determinadas máscaras para representar sua
subjetividade.
Envolvidos por estas idéias, realizamos o trabalho criativo, tendo como objetivo que
cada participante pudesse, a partir de uma sensibilização, construir, plasticamente, através de
uma máscara,“a persona”que desejasse potencializar na sua vida.Escolheram pares, e cada um
modelou o rosto do seu parceiro em gesso.
Os resultados deste trabalho foram verificados, através das imagens e dos relatos:
38
BUCHBINDER, Mário. A poética do desmascaramento: os caminhos da cura. São Paulo: Agora, s/d.
242
Tive um grande prazer em fazer a máscara da minha
amiga. Senti uma alegria, mas ao mesmo tempo uma
imensa responsabilidade.
Na hora que ela fez em mim, fiquei inquieta e receosa,
mas logo tentei me acalmar. Depois de pronta senti uma
sensação fantástica de alegria.
Falando francamente, a pintura da máscara foi o que
mexeu no fundo da minha alma. Não consigo descrever
fielmente, mas suspeito que a pintura tem uma relação
muito grande comigo.(BEATRIZ, 09/12/04).
Fazer a máscara em Izabella foi muito bom, pois me
deixou relaxada, além de ter sido engraçado, deu até
para brincar de mímica com ela, pois não dava para ela
fazer nada. Depois eu não fiquei animada para que ela
fizesse em mim. Não sei explicar porque.(AYLIANE,
09/12/04).
A máscara foi o trabalho mais difícil para mim, até hoje,
pois exigiu muito do meu auto-controle e calma. Me
senti mal, podendo apenas mexer meus olhos. É uma
sensação muito estranha. (PRISCILA, 09/12/04).
Os relatos capturados expressaram o processo de construção das máscaras e não o
significado das máscaras para cada um.
243
Não há dúvida de que este tipo de trabalho exige concentração, atenção e tempo para a
sua criação, o que não foi possível, uma vez que tivemos que interromper as atividades, pela
falta de tempo das educandas para participar da oficina, pois, estavam em provas finais. Duas
delas apenas modelaram as suas máscaras e não as pintaram.
Verificamos, assim, que o fator tempo não permitiu que houvesse um aprofundamento
da experiência, uma vez que esta exigia um olhar sensível sobre o processo de existir de cada
um.
Dessa forma, verificamos que, em parte, não foi possível atingir os objetivos a que nos
propomos.
•
Ampliando nossos olhares em direção a outros tempos/espaços
Dando continuidade aos registros de análise da pesquisa, trazemos a avaliação das
visitas que foram realizadas ao Museu de Arte Contemporânea – Niterói, ao atelier de
Cerâmica da artista Keiko e ao Centro Cultural do Banco do Brasil. .
Centro Cultural do Banco do Brasil – Rio de Janeiro
244
Museu de Arte Contemporânea – Niterói – RJ
Foi a primeira vez que eu fui ao MAC. Ao chegarmos lá,
conhecemos Maria, a responsável pelo trabalho
educativo do Museu. Ela nos contou um pouco da
história do museu, nos fez perceber detalhes super legais
e quando entramos no museu fizemos um trabalho com
as obras de arte. Pegamos uma folha e desenhamos as
obras que mais nos chamou atenção. Depois, inventamos
uma história. A que meu grupo imaginou tinha dragão,
asa de borboleta, onça e porta de geladeira. O dragão
representa os problemas que, muitas vezes eu prefiro
não ver, não acreditar. A asa de borboleta, porque eu
gosto de me sentir livre. (AYLIANE, Diário de bordo,
06/11/03).
E, assim, o seu grupo criou:
245
246
Na Oficina de Keiko, também, foram capazes de produzir novos escritos:
A chegada na casa da Keiko foi super-legal, pois, me
diverti muito, conheci belas artes feitas com cerâmica.
Achei muito interessante o vaso que escolhi para saber
mais sobre ele, e, logo quis fazer um também, porém,
não consegui. Mas com as minhas mãos na massa
comecei a modelar, fiz enfeites decorativos, pingentes,
móbilis, etc. Foi muito legal, e quem sabe um dia eu
consiga fazer um vaso. (KELLY, Diário de bordo).
Fomos à casa da Keiko, trabalhar com argila. A
recepção foi ótima, eu nunca tinha ido a um atelier
antes. Quase esqueci de contar sobre a tartaruguinha
que escolhi, assim que chegamos. Era para escolher
dentre várias peças, a que nos identificássemos, e eu
escolhi a tartaruga. Acho que é porque quando estou
triste eu me fecho e também sou bem devagar. Hoje foi
show de bola! (AYLIANE, Diário de bordo, 07/11/03).
A partir desse contato, construíram peças em cerâmica, que foram queimadas no
forno. Esse fato possibilitou uma oportunidade única – participaram, com suas peças, da
exposição em homenagem aos quinze anos de trabalhos da artista.
247
Cartaz da exposição
Peças de cerâmica das jovens na exposição.
248
•
Criando Assemblage39
Esta vivência foi realizada com o objetivo de que cada um construísse uma caixapresente, como uma – assemblage - para dar de presente a um dos amigos da Oficina.
O propósito desta vivência era romper com a idéia compulsiva de consumo, que a
nossa sociedade capitalista nos impõe em comprar, objetos/presentes/saúde, levando a nos
mover, constantemente, na impossibilidade de atingirmos alguma satisfação. E, sobre esta
questão, tomamos emprestado as palavras de Bauman (2001):
O arquétipo dessa corrida particular em que cada
membro de uma sociedade de consumo está correndo... é
a atividade de comprar. Estamos na corrida enquanto
andamos pelas lojas, e não só as lojas ou
supermercados... Vamos às compras na rua, no trabalho
e no lazer, acordados ou em sonhos. O que quer que
façamos e qualquer que seja o nome que atribuímos à
nossa atividade, é como ir às compras (p.87).
Diante do que sofremos, diariamente, tão bem ilustrado pelo autor, decidimos fazer
um sorteio, como se fosse um “amigo oculto”, e, cada educando, deveria fazer o seu presente,
construindo uma assemblage com imagens, objetos que identificassem a sua amiga.
A confecção foi iniciada em seus lares e terminada em dois encontros na oficina.
Como participante do grupo, também sorteei um nome; foi profundamente revelador a
assemblage, com que a nossa amiga oculta Ayliane, cuidadosa e criativamente, nos
presenteou.
39
As assemblages são elaboradas como objeto-símbolos que, de certa forma, abrigam-se dentro de caixas. São
como objetos vivos que procuram representar a realidade construída por uma figuração que, às vezes, chega à
irrealidade do surrealismo. Peças e objetos soltos e idênticos se relacionam e constituem uma das marcas de sua
linguagem, representadas numa série de peças reagrupadas nas mais diversificadas posições, sem perder o rumo
da própria obra. Para maior esclarecimento procurar em: www.portalartes - coisas da arte.htm
249
A sua assemblage representou uma casa de bruxa, com cortinas de pano-xadrez, teias
de aranha feitas de papel e presas no teto, gnomos, caveira, caldeirão, incenso, escada para o
segundo andar.
Avaliamos a originalidade do tema escolhido por ela, que com muita criatividade e um
olhar sensível foi capaz de expressar os mínimos detalhes em sua obra.
250
Há que se destacar a auto-avaliação que ela fez dos encontros com a arte:
Nos encontros me sentia um pouco mais confiante, mais
animada para encarar a semana, mais feliz de bem com
a vida. Também pude expressar em diversos trabalhos
um pouco de mim que nem sempre eu deixo transparecer
(AYLIANE).
Vale também inferir sobre a identificação feita por ela, ao ver-me no papel de bruxa,
de maga. Estaria ela relacionando o processo que, juntas construímos, como um processo
alquímico e de transformações, que tão bem as feiticeiras sabem fazer?
Não tem a arte este papel transformador?
Valho-me das reflexões de Fischer (1976) ao advertir que o artista é o supremo
feiticeiro (p.57).
Na conversa que tivemos, ela apenas verbalizou que sabia que eu gostava de
bruxinhas.
Não estaria ela, também, identificando-se como uma bruxinha?
O seu processo de criatividade nos sugeriu a vivência da própria complexidade da
vida que, hoje, se materializa na dialética existencial, quando tentamos unir as nossas
polaridades, rompendo com a linearidade imposta pela racionalidade, pelo discurso e pela
prática dominante que separaram razão e emoção, o bem do mal, o certo do errado, o feio do
belo, o isto ou aquilo.
A produção criativa da educanda nos fez verificar que a arte, prioritariamente, tem
compromisso com o sensível, com a possibilidade de ousarmos, de rompermos com o que foi
instituído como verdade, nos permitindo vivenciar, de forma sincera, o que temos de mais
precioso - nossas infinitas potencialidades.
251
Quanto ganharia o cotidiano escolar se, como educadores, ao invés de perseguir os
erros dos educandos, sinalizando o que não sabem, dedicássemos nosso tempo/espaço
incentivando-os na vivência de suas reais potencialidades!...
Por que, nós educadores, deixamo-nos contaminar, pelo engessamento de Propostas
Curriculares e dos Parâmetros Curriculares, impedindo-nos, muitas vezes, de nos lançarmos
em vôos mais desafiadores?
•
Tecendo, coletivamente, a teia da vida.
Na tentativa de que as teorias sobre a arte e sobre a criatividade pudessem,
legitimamente, influenciar a nossa prática escolar, na qual nos encontrávamos inseridas,
trazemos mais uma das vivências que ocorreu em 2004, no período de Abril a Outubro.
Dedicamos esses Encontros para que as mãos pudessem, mais profundamente, entrar
em contato com o seu feminino, através de um tecer coletivo de uma Tapeçaria, além da
pintura em tecido. Talvez tivéssemos sido intuídas pela energia que envolvia o grupo, pois,
naquele momento, éramos somente mulheres. João, o único jovem de nossa pesquisa, só pode
participar na 1ª etapa do projeto.
Lembramos que a palavra Tecido, significa trama com textura; que se pode tecer.
Simbolicamente, significa Véus (do latim, velu), aquilo que serve para ocultar alguma coisa
ou fato.
Assim, no embalo da poesia de Marina Colasanti – A Moça Tecelã, criamos uma
ambiência para que os educandos pudessem saborear o contato silencioso com lãs coloridas,
e, juntos, decidissem tecer suas idéias e sonhos sobre: Aonde mora o amor?
252
Suas mãos operosas tocaram, acariciaram as lãs, e, um pouco ainda indecisas, pelo
estranhamento, ao contato com o material, escolheram, cada uma do seu jeito, iniciar a
tecelagem. Ora uma cor, ora outra, com a linha na agulha, iam buscando preencher os espaços
abertos da talagarça. Imagens começaram a surgir: casas, sol, lua, árvores, potes, paisagens,
em uma riqueza de cores que, no vai-e-vem da linha na agulha, iam dando forma, iam dando
sentido.
Dialogamos com Lacerda (2001), na sua instigante leitura: Manual de Tapeçaria:
253
Desenhar pode ser uma forma de prever? Lançar no
papel os desejos, as utopias, pode apressá-los em sua
realização? Ou os desenhos são exercícios de olhos e
corações, acalentando-se em porvir que se estrela no
sonho?(p.161).
Junto às mãos tecelãs, palavras também iam sendo bordadas, narrativas iam nascendo,
como os fios que se entrelaçam, reafirmando que o melhor das vivências/experiências é
instigá-las à relação, pois, a palavra costura os homens e as mulheres na Terra. No dizer de
Cereja40, “o homem é uma ilha cercada de linguagens por todos os lados”. Assim, como
um fio puxando outro, uma idéia puxando outra, uma conversa que puxa outra conversa,
bordando com suas falas cada vez mais autenticidade, mais cores, em uma pluralidade de
vozes, marcadas pela diversidade que as unem.
Ali se encontra o registro, ainda inacabado de muitas memórias de infância, suas
crenças, seus sonhos, que vão alimentando as linguagens. Também, surgem seus medos, medo
de não namorar, de não saber namorar, de não saber ser professora, de não estar conseguindo
atender às expectativas da Igreja, nas aulas de catequese na qual ela colabora, e, também o
medo de não ter alimentação em casa! Aliás, esta conversa foi recorrente, em vários
momentos.
Assim, fomos descobrindo as relações dinâmicas, fortes, vivas, entre palavra e ação,
entre palavra-ação-reflexão (FREIRE, 1985, p.49).
Fui observando e registrando imagens que se costuravam com as palavras.
Izabella ao tecer um coração, desmanchou-o várias vezes. Em uma de suas tentativas
de recomeço verbalizou: “Muita coisa em minha vida precisa ser desfeita e com coragem”.
Como a tapeçaria foi uma construção coletiva, suas vozes se cruzavam, tonalizavamse de sentimentos, de opiniões sobre o trabalho do outro, muitas vezes, provocando
discussões.
40
CEREJA, Willian Roberto, COCHAR, Thereza. Português: linguagens. São Paulo: Atual, 1994.
254
No momento em que Izabella disse sobre a coragem que precisava ter para desfazer
coisas em sua vida, Ayliane provocou-a: _”Não vejo coragem na sua voz, e nem em seu rosto.
Você está com cara de desânimo, de moleza”.
Tais intervenções provocavam, algumas vezes, conflitos que eram superados pela
própria dinâmica dos encontros, uma vez que a proposta do trabalho em grupo, sempre
buscava a soma criativa das diferenças de cada um, o que pôde ser verificado no relato de
Maria, em seu Diário de bordo:
É bom trabalhar em grupo, tecer, mexer com a
imaginação. A gente voa que nem passarinho, quando
borda com o coração! Pena que se prolongou o período
da tecelagem, mas mesmo assim não deixou de ser boa,
a viagem!
A situação vivenciada durante a construção da tapeçaria, através do diálogo ocorrido,
nos fez, mais uma vez, constatar que o criar, além de ter permitido desbloqueios da inibição à
produção, também favoreceu a liberdade afetiva e emocional, demonstrada no diálogo.
Trazemos, também, para avaliação das vivências na Oficina, alguns relatos capturados
nos questionários que ressaltam, que junto a trocas conflituosas, que, aliás, sempre eram bemvindas, a vivência da solidariedade foi uma marca presente nos encontros:
Aprendi a ter paciência com opiniões contrárias a
minha.
Com as atividades na Oficina aprendi que a amizade é
um dos bens mais preciosos que podemos adquirir e
guardar. Os momentos que estivemos juntos terão um
lugarzinho reservado no coração. Aprendi a respeitar o
outro, a ouvir o que cada um tinha para falar, a
perceber a sinceridade nos momentos dos relatos.
Eu tive uma decepção amorosa e o pessoal do grupo me
ajudou bastante.
Pode aprender com o grupo, que se pode mudar de
idéias, de corpo, a forma de pensar e agir, o gosto
musical, estilo. Aprendi que o que não muda é amizade
255
que conquistamos no grupo, mesmo que fiquemos muito
tempo sem nos ver.
Na Oficina aprendi a ser mais serena, simples, ouvinte,
carinhosa, amiga, a ver a vida com outros olhos. Cada
uma das colegas são 1000. Gostei muito de conviver com
elas. Ainda bem que essa Oficina cruzou nossos
caminhos!
(Questionários – 2003 e 2004, sem identificações).
As avaliações das educandas representam fios/nós que foram costurando os encontros
e tecendo a nossa tapeçaria, como Ayliane registrou, em seu Diário de bordo (18/10/04):
Através do fio dei asas à imaginação. Fui a lugares que
nunca estive antes, lugares que sonho estar um dia –
uma casa de madeira de frente para um mar, onde eu
possa ver o por do sol e curtir a natureza.
Ana Flávia mergulhou no seu propósito de auto-conhecimento:
Na tapeçaria que fizemos em grupo teci um lindo
coração rosa com uma flor azul dentro.
Para mim, a flor está representando a “vida” e, o
coração, as coisas boas com que a vida é feita.
Depois, fiz meu nome “Ana Flávia”, que foi para me
representar na tapeçaria, porque sempre que eu escrevo
meu nome é como se eu me visse em um espelho,
reconhecendo todas as minhas características, as boas e
ruins (18/10/04).
Para finalizar nossa tapeçaria, teci uma carinha
sorrindo e para deixar bem claro que participei dessa
arte- tecelagem, deixei escrito o meu nome,
KELLY(18/10/04).
Assim, a tapeçaria foi se fiando, marcando histórias e identidades, em um
tempo/espaço bem próprios.
O tempo, durante o processo, foi se esgarçando, tornando-se mais comprido e lento,
permitindo ser vivenciado em outro ritmo, talvez desconhecido, mas pessoal e, também,
coletivo, em trocas e cumplicidades. Um tempo que se faz bordado em outro compasso,
256
diferindo do tempo produtivo/capitalista, imposto pela mídia em grande velocidade, que teima
em conspirar para que não se entre em contato consigo mesmo, por sua superficialidade,
impedindo com que o fluxo dos sentidos vividos, individual e coletivamente, fossem
saboreados e refeitos, provocando a busca de trilhas que ressignificassem e ampliassem
necessidades, potencializassem sonhos, produzindo desejos que pudessem favorecer suas
intervenções no mundo.
Muitas vezes as mãos decidiam parar, às vezes cansadas, admiravam, roçando o seu
bordado e, algumas, mais ansiosas, des-teciam, como a moça tecelã, arriscando outras formas
/cores, desejando diferentes movimentos, que, únicos, se abriam para novas imagens,
reencontros consigo mesmo, cheios de surpresas.
No entanto, as mãos não paravam de tecer e de bordar palavras, em um tempo que
não era o mesmo lá de fora. Lá dentro, um tempo inteiro, não fragmentado, que não separava
linhas, que dava nós, mas que também os desfazia, desfazendo os próprios nós internos e
externos que surgiam na convivência falante com o Outro, pois suas vozes se entrelaçavam
como os fios, dialogavam e se completavam, se aconselhavam, mas, também, ousavam
divergir porque foram solidárias.
Palavras que inventam a Vida.
Palavras que abrem cadeados,
portas trancadas de Si.
Palavras, águas azuis,
que dormem profundas,
no fundo de cada um.
257
A metáfora da própria vida, que é feita de laços e interações, foi simbolizada com a
construção da tapeçaria, quando ao praticarem o tecer junto, verificamos a vivência da nãofragmentação, o juntar fios, entrelaçando-os, transformando-os em formas, refazendo os
fragmentos internos e os externos e, deixando nascer algo novo, inesperado, pleno, porque
feito no coletivo, na experiência do compartilhar, no calor na solidariedade.
Assim, constatamos que o processo criativo não simplifica nem reduz, mas amplia os
sentidos, o olhar e as possibilidades, pois, estar conectado com a arte é estar conectado com o
pensamento complexo.
É a arte possibilitando uma experiência existencial profunda e, por isso mesma,
intensamente sentida por sujeitos que, apesar dos poucos estímulos que têm recebido dos
espaços educativos, ousam experimentar, criar com os seus corpos, com suas luzes interiores
e com alma, a possibilidade de transgredir, de fazer suas ultrapassagens, afinal, somos um
povo que, culturalmente, transforma em Vida, cada ar que respira.
Um povo que é capaz de olhar no olho do outro, não apenas para assaltar ou matar,
como a mídia tenta, a todos os instantes, nos fazer ver, mas um povo que se expressa de forma
alegre e colorida e sob este sol ardente e luminoso, sabe, curiosamente, usar as suas principais
258
funções psíquicas41: o sentimento e a sensação extrovertidos, no dizer de Jung (1990). Estas
características representam “o nosso código de barra”, a coragem de um povo que, criativa e
solidariamente, sabe transformar a sua dor em flor.
•
Os laços multicoloridos das avaliações
Ao trazermos os laços capazes de arrematar este cenário, avaliamos algumas
dificuldades que tivemos com relação à pesquisa, no Instituto de Educação Professor Ismael
Coutinho.
Primeiramente, pretendíamos que a pesquisa tivesse tido continuidade durante o ano
de 2005, mas, não foi possível devido à falta de sala disponível42, além do impedimento dos
educandos para participarem, uma vez que estariam cursando o último ano do curso
pedagógico. Como não conseguimos com que os professores de prática de ensino
articulassem, na carga horária dos educandos, o trabalho da Oficina, seria inviável para eles
disporem deste horário. Este fato foi enfrentado, durante todo o ano de 2004, com as
constantes ausências dos jovens em nossos encontros.
Além de tais dificuldades, um outro fator que interferiu na parceria que desejávamos ter
realizado junto à escola foi a mudança no processo de escolha de diretores, na rede estadual
de Educação do Estado do Rio de Janeiro, a partir de 2002. Dessa forma, a pesquisa aconteceu
em um período de transição de uma política de eleição de diretores para uma política de
nomeação dos mesmos, o que gerou alguns empecilhos para a continuidade da atuação de
profissionais e para encaminhamentos de projetos da escola.
Não estamos com esta análise desmerecendo o trabalho das duas gestões que atuaram e
atuam nesse período, mas, sinalizamos o quanto a ação pedagógica tem sido prejudicada com
41
Fiz um Curso: A Arte na abordagem Transdiciplinar, pela UNIPAZ - RJ, em Nov/2004, quando, Érica Brandt,
apresentou a cultura de diferentes povos, à luz da Psicologia Análitca (Jung), a partir dos Tipos Psicológicos:
pensamento, sentimento, sensação, intuição.
42
A sala de aula que utilizamos durante os dois anos e meio de atividades da Oficina, já estava designada para
ser o local do acervo da memória do IEPIC. Aos poucos fomos convivendo com móveis e objetos que foram
sendo adquiridos, até que na Semana da Normalista, em Outubro de 2004, solicitaram que tirássemos todo o
nosso material, pois o Museu do IEPIC seria, em breve, inaugurado.
259
os embates de políticas públicas, muitas vezes não comprometidas com as reais necessidades
dos espaços escolares, de seus profissionais e dos educandos, que lá passam grande parte de
suas vidas.
Acreditamos que muitas histórias, talvez, fossem contadas, muitas tintas/ fios
poderiam ter colorido mais a nossa tessitura, além de avaliações de profissionais da escola,
que teriam sido somadas às nossas, mas, apesar de não termos atingido em sua totalidade às
expectativas do resultado da pesquisa, quanto a um maior envolvimento da escola com o
projeto, constatamos que, o processo vivenciado pelos jovens foi profundamente significativo,
como sugerem ainda estas avaliações:
Nas oficinas aprendi a pensar antes de falar.
Em sala de aula era muito tímido, após a Oficina estou
mais comunicativo entre os meus colegas.
É muito bom expressar nossos sentimentos.
Tanto os trabalhos de grupo, quanto os individuais
trazem grandes aprendizagens para a minha vida e
muitas emoções a sentir e expressar.
As reflexões durante as vivências foram úteis, pois,
através delas é que pude rever e mudar alguns conceitos
que possuo (BEATRIZ).
Tomei mais coragem de expressar o que eu sentia. Nos
encontros me sentia bem como se eu estivesse me
libertando de algum sentimento (JOSIANE).
Passei a me valorizar mais. A Oficina me ajudou na
criatividade, na perda da inibição e uma melhor dicção,
pois eu era muito travada, tinha medo de falar e expor
minha opinião (PRISCILA).
Eu acho que a mudança é um processo natural da vida, e
durante esse ano tive muitas mudanças, muitos
processos. Não digo que a Oficina foi a causadora
dessas mudanças, mas digo que a Oficina me ajudou a
aceitar e a encarar de uma forma melhor essas
mudanças (ANA FLÁVIA).
260
As avaliações demonstraram como o trabalho criativo com as artes despertou, o autoconhecimento, ou seja, a aprendizagem de si mesmo, o que ficou evidenciado pela motivação
por novas buscas e transformações pessoal, pelo desenvolvimento de potencialidades, de
autenticidades, de espontaneidades, de auto-estima. Ainda, buscamos indícios, e encontramos
nas falas das educandas: “A Oficina foi uma grande oportunidade de aprender a ser, aprender
a fazer e a viver com” e,“ A Oficina me ajudou, agora, a tentar dar o máximo de mim em
tudo que faço”.
Sobre o aproveitamento das vivências, em seus estágios como professoras,
sinalizaram:
Apliquei um trabalho no estágio sobre auto-estima, que
tirei a idéia daqui. (ANA FLÁVIA)
Durante o estágio, quando dei a minha aula me senti
mais tranqüila, agora ouço mais as pessoas, tenho mais
paciência, procuro relaxar antes de momentos de tensão
para poder me concentrar.
Aprendi a ter mais calma e a me tranqüilizar em meio
aquele caos que é o estágio.
Durante o estágio utilizei com os alunos uns cinco
minutos o relaxamento, porque os alunos vieram muito
agitados da recreação, em seguida iniciei a aula.
Os encontros me ajudaram a valorizar a criatividade dos
alunos durante o estágio (LUARA).
Vale ressaltar, também, o registro de Ana Paula:
As pinturas sem destino, com sentimento são ótimas, eu
me sinto muito bem, me ajudam a esquecer os
problemas, a me sentir em paz e rodeada de pessoas que
ao contar suas experiências, trazem auto-estima para
mim.
261
Sobre o sentir-se bem na pintura espontânea, a ponto de ajudar a esquecer os
problemas, verificamos que, a maioria das avaliações trouxe esta questão, significando, dessa
forma, um aspecto importante para análise.
Primeiramente, poderia se inferir que o esquecimento dos problemas, durante o
trabalho com as atividades expressivas, levaria ao distanciamento dos conflitos. No entanto,
os anos de observação, durante atividades com a arte, aliados às teorias estudadas, permitemnos constatar que o relaxamento favorece um encontro consigo mesmo, a “suspensão” de
conflitos, uma vez que, com uma mente e um corpo relaxados é possível se dar espaço para
que a criatividade se expanda. Aliás, sabemos que nós temos tido a prática de, muitas vezes,
ficarmos presos, mentalmente, remoendo nossos problemas, como se tal atitude ajudasse a
resolvê-los. Abrir espaços no corpo e na mente poderá ser a garantia para as saídas
alternativas que precisamos.
Sendo assim, o objetivo das atividades com arte indica a possibilidade com que a
mente mais centrada, dê espaço para o processo criativo, a ampliação da consciência de si
mesmo, do outro e do mundo em seu entorno. Tal questão foi possível constatar com as autoavaliações de Priscila: Me sinto bem na Oficina, relaxada, leve. Pronta para enfrentar novos
desafios, e de Maria: A Oficina abre caminhos para novas idéias e para maior reflexão dos
fatos.
Mas, entendemos que esse processo é dialético, não sendo relaxado e nem sem
conflitos, como muitas vezes parecia. O que podemos perceber nos relatos a seguir:
No início dos encontros eu me sentia um pouco tensa,
com medo, insegura, porque não gostava de me
expressar (KELLY).
No início me sentia um pouco perdida por ter dificuldade
de me abrir e conversar sobre mim, mas agora está tudo
muito bom (ANA FLÁVIA).
Por outro lado, Maria, sobre esta questão, assim se expressou:
262
Nos encontros eu ficava super à vontade e com liberdade
de falar, pensar, agir e me expressar. O ambiente
propiciava essa circunstância e as pessoas da Oficina
também (MARIA).
Recorremos, para completar nossas reflexões, à pertinente avaliação de Patrícia, sobre
o seu processo de criação e conscientização:
Antes dos encontros era maníaca-depressiva, com laudo
de psiquiatra. Depois com a ajuda dos colegas e da
professora nas Oficinas pude “libertar-me” de todo esse
quadro psicológico.
A auto-avaliação trazida pela jovem merece uma reflexão especial. As atividades de
criação podem colaborar na melhoria de quadros patológicos, como foi demonstrado, por
exemplo, nos estudos de Carl Jung, e, no Brasil pelos trabalhos pioneiros de Nise da Silveira.
A proposta da Oficina não teve o objetivo de se comprometer com a melhoria de quadros
psicológicos, uma vez que orientamos o trabalho com a arte, enquanto um instrumento
educativo. Entretanto, pelos estudos e práticas que temos com a Arteterapia, na visão da
Psicologia Analítica, entendemos que, se a educanda, ao se auto-avaliar, percebe-se “liberta”
de características emocionais perturbadoras, esta percepção, fruto das vivências por ela
usufruídas, representam um passo decisivo, para que possa fazer a superação de seus próprios
limites.
Verificamos que o espaço da Oficina foi capaz de favorecer tais superações, como,
também, ilustra Luara:
A Oficina é um cantinho que nos faz sentir bem e
devemos preservá-lo.
263
Dessa forma, tentando tingir com cores que iluminassem este processo criativo vivido
durante dois anos e meio, pelas vinte jovens e um jovem, elas/ele deixaram uma frase,
inspirados pelas vivências na Oficina:
A mudança é o processo natural da vida.
A vida é uma música.
A paciência pode cultivar uma amizade.
A solidariedade deve ser nossa melhor amiga.
Manter a tranqüilidade e o amor ao próximo é essencial
em nossas vidas.
A paciência, a criatividade e a união são as chaves para
a porta do sucesso.
Aproveite e seja sempre assim, um mar disposto a
aprender e viver, a errar e amar, corrigir e ser feliz.
Uma grande oportunidade de aprender a ser, aprender a
fazer e a viver com.
Viva e sinta, transmita vida e inspire felicidade.
Estas representam frases vividas por todos que, corajosamente, aceitaram abrir as
várias portas, para o que foram instigados.
Assim, conectados a esta última frase, que nos lembra sobre o viver e o sentir, ficamos
com Toquinho e Vinícius, pois, o futuro espera pela gente!
E ali logo em frente a esperar pela gente o futuro está
E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar
Não tem tempo, nem piedade, nem tem hora de chegar
Sem pedir licença muda a nossa vida
Nessa estrada, não nos cabe conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe ao certo onde vai dar
Vamos todos juntos numa passarela de uma aquarela
Que um dia enfim descolorirá.
264
Luciana (2003) cavucando o cesto com panos, fitas, lãs e linhas.
Será que ainda tem algo aqui dentro, que me ajude a INVENTAR?
Tentamos arrematar, se for possível, com o bordado de fios do poeta sul mato-grossense
- Manoel de Barros (1995):
Arte não tem pensa: o olho vê, a
lembrança revê, e a imaginação
transvê.
É preciso transver o mundo.
265
8ª CENA: CORES E FIOS NA TRAMA CRIATIVA DA VIDA: POR UMA
CONCLUSÃO PROVISÓRIA
O homem haverá de conquistar seu futuro com
ajuda de sua imaginação criadora; orientar o
amanhã, com uma conduta baseada no futuro e
partindo desse futuro, é função básica da
imaginação e, por tanto, o princípio educativo do
trabalho pedagógico consistirá em dirigir a
conduta do educando na linha de prepará-lo para
o porvir, já que o desenvolvimento e o exercício
de sua imaginação é uma das principais forças
no processo de sucesso deste fim.
A formação de uma personalidade criadora
projetada em direção ao amanhã se prepara pela
imaginação criadora encarnada no presente
(VYGOTSKY, 2003, p.108).
Escrever é como tecer e como pintar cenas poeticamente. Escolhemos os fios, urdimos
os fios. Decidimos as cores, as tintas, os pincéis. Enlaçamos, puxamos, damos nós, cortamos,
ou misturamos as tintas na paleta e damos as primeiras pinceladas. Apreciamos, continuamos
a fazer/desfazer, até que chega a hora de parar. Nossa tessitura/pintura estaria pronta? Parece
que sempre falta algo, e a sensação que nos envolve é a que prevíamos ao iniciar esta
trajetória, que, talvez, as teorias não dessem conta da riqueza e da profundidade vivida
durante estes dois anos e meio de pesquisa de campo.
Na tentativa de seguir uma lógica complexa, não podemos, ao arrematar a nossa
trama/urdidura sobre os cenários de “arteducação”, cair na sedução por uma conclusão,
266
mesmo provisória, que reduza a um princípio unitário o valor da arte, enquanto um
instrumento educativo. A arte, e o seu conseqüente processo de criação, carrega em si uma
diversidade que torna impossível enquadrá-la em molduras limitadoras.
Esta pesquisa buscou unir suportes teóricos e científicos a vivências criativas em
múltiplas linguagens expressivas, capazes de potencializar a criatividade de jovens. Nosso
esforço foi religar algo que se perdeu ao longo dos séculos – sensibilidade/emoção (matérias
primas da arte e da criatividade) à racionalidade. Assim, tentamos com a pesquisa trazer a luz
da sensibilidade à ciência, em suas teorias sobre a Educação e a Arte.
Nós nos impusemos este desafio na tentativa de superação desse momento histórico
que tem se caracterizado:
•
pela necessidade de rompimento com a concepção limitadora do ser humano e
do conhecimento que tem privilegiado e centralizado a razão em detrimento
das outras funções psíquicas;
•
pela modernidade fluida (BAUMAN, 2002) que tem induzido crianças, jovens
e adultos a destruição de suas identidades, uma vez que, em nome de maior
produtividade e competitividade, o indivíduo tem sido capaz de reduzir-se, de
desmantelar-se, de fragmentar-se;
•
pela sociedade do descarte, do “espetáculo” que tem imposto uma satisfação
mínima
ao
compulsivamente,
indivíduo,
o
indivíduo
enquanto
tem
“consumidor/cliente”.Assim,
vivenciado
estratégias,
que,
propositalmente, o desconectam de si mesmo, incitando-o a uma busca
insaciável/excitante pelo supérfluo e pela diversão.
•
pela urgência do ter que tem destruído a capacidade de viver e de esperar;
•
pelo ritmo de dominar técnicas que tem afastado o indivíduo da consciência do
por quê fazê-las;
•
pelos rituais que foram reprimidos, pela ditadura de signos vazios de
identidade e pela busca por respostas imediatas, que não oferecem espaços para
reflexões;
•
pelos espaços de privacidade que se reduzem, e pelas máquinas que controlam
o indivíduo dia após dia (Sorria, você está sendo filmado!);
267
•
pela sociedade da globalização baseada em uma racionalidade técnica,
competitiva, individualista e coercitiva que tem imposto limites à autonomia e
emancipação do ser humano, no processo de constituição da sua subjetividade,
por não incluir um conteúdo dialógico, auto-reflexivo e crítico, mascarando o
caráter histórico e humano da vida social, e, transformando o homem em um
ser passivo dotado de uma linguagem domesticadora, destituída de criatividade
e desarticulada de um processo de produção de sentidos.
•
pela existência de um ser humano que se vê entregue a si mesmo, em total
abandono;
•
pelo desafio que representa o ser humano, na atualidade, o qual deverá ser a
grande invenção desse século XXI.
Tal quadro, somado as outras questões suscitadas nessa tese, tem deixado a todos nós
educadores profundamente indignados, uma vez que a crise social que tem suas bases no
econômico vem atingindo sobremaneira a escola pública.
A despeito de tal realidade, a pesquisa apontou para uma epistemologia emergente
alicerçada em uma metodologia criativa, construtivista e transdisciplinar43 (MORIN), que
viesse favorecer experiências em arte, de forma mais global e intergrupal.
A possibilidade dos jovens se perceberem sujeitos orgânicos no processo de
construção do conhecimento, através do uso de diversas linguagens, como mediadoras da
constituição do sujeito (VYGOTSKY, 1988, 2001), representou um dos objetivos da
pesquisa, que consideramos tenha sido atingido.
Indo na contramão de suportes teóricos sobre Juventude que ainda apontam uma
essência juvenil, caracterizada por utopias, pela ausência da capacidade de reflexão, além de
falta de empenho de transformação pessoal e social, os dados coletados na pesquisa sugeriram
que se trabalharmos em direção ao potencial juvenil, negando-se trilhar os caminhos de suas
limitações, poderemos estar dando um salto significativo em busca de propostas pedagógicas
que ressignifiquem o ser e o fazer juvenis no espaço escolar.
43
Morin (1999) sugere que o problema atual não consiste no “fazer transdisciplinar”, mas “que transdisciplinar é
preciso fazer”, pois o saber existe para ser refletido, meditado, discutido, criticado e não para ser amarzenado em
bancos informacionais e computado por instâncias anônimas e superiores aos indivíduos ( p.38).
268
Dessa forma, o nosso olhar durante a pesquisa ateve-se ao jovem enquanto
potencialidade, com a possibilidade de sua inserção consciente e criativa na sociedade, e não
percebidos no que lhes faltava, ou, enquanto um problema social que precisasse ser
enfrentado, como, ainda, as políticas públicas se pautam, no dizer de Carrano (2003), Melucci
(1997) e Peralva (1997).
Fomos em busca de jovens em uma situação real, enquanto seres concretos
possuidores de conhecimentos, de desejos, de sonhos, de amores e de dores, tendo como
preocupação, em cada experiência com a arte, como foram elaborando suas situações de vida
pessoal e escolar, seus problemas, seus conflitos e suas formas criativas/expressivas de
sobrevivência, como Fischer (1976) aponta, sobre o valor da arte, enquanto um instrumento
mágico, como uma arma da coletividade. A arte elevando o homem da fragmentação a um
estado de ser total e íntegro (p.57).
O espaço potencial que designamos – Oficina: despertando o Ser – materializou-se
como um espaço de fortalecimento e ampliação de conhecimentos já existentes, instigando
com que novos conhecimentos fossem descobertos e, buscando transgredir conteúdos
disciplinares, instituídos nos currículos escolares, tecendo saberes que se moveram na
complexidade do contexto escolar.
Quantas vezes, as escolhas de tintas, pincéis, suportes diversos, além do toque na
argila, o vestir-se com fantasias, misturavam-se à complexidade de uma polifonia de vozes
que fiavam/confiavam diálogos sobre a vida e a morte, sobre preconceitos e política, ou sobre
estratégias para conquistar amores.
Nesses momentos, também traziam os fios das memórias das histórias de família que
tonalizaram/tingiram essa trama de saberes e sabores, comprovando a teoria que a criatividade
é um fazer que se faz na coletividade e que o futuro aponta em direção de personalidades que
se construam criativamente, como sustenta Vygotsky (2003), na epígrafe desta 8ª Cena.
Dessa forma, a Oficina de criatividade foi sendo tecida enquanto um território
“sagrado” de criação, de celebração, do feminino e de reencantamento de si mesmo, do outro
e da vida, ao permitir com que cada um pudesse criar suas próprias possibilidades de fazer e
de ser, recuperando o prazer de aprender e a autonomia no exercício do pensamento e do
269
sentimento, favorecendo a confiança, a segurança, a clareza dos próprios limites, permitindo
com que cada um percebesse o estar se re-criando de forma consciente e prazerosa.
Retomando Mendes (1972), a arte é o fazer que se confunde com o ser, o fazer que é
criação, criação do próprio ser.
Ao referir-se ao espaço de criação, como um espaço de vivência da polaridade
feminina no humano, a pesquisa se propôs, em sua essência, fecundar o feminino no cotidiano
escolar que, apesar da maciça presença das mulheres, na função educacional, as instituições
ainda encontram-se profundamente marcadas pelos ditames e pelo controle patriarcal, que têm
sido tão característicos de sociedades como a nossa.
Há que se ressaltar que a força do feminino está gravada na história da arte da
humanidade, desde quando mãos femininas tocaram o barro e o transformaram em imagens
simbólicas, também, ao afofar a terra inventando a agricultura, ou quando se apropriaram do
processo amoroso do fiar, criando objetos, imagens, mas, principalmente, criando muitas
histórias, histórias de vida, que ainda pulsam dentro de cada um de nós...
Com estas preocupações, as ambiências trouxeram luz ao ato de criação, em sua
função estética, poética e social, construindo-se como antídoto das práticas pedagógicas em
arte, muitas vezes, limitadoras e silenciadas, que são fruto de concepções a-críticas e ahistóricas do mundo e do ser humano.
Com a vivência da criatividade/sensibilidade, o universo da subjetividade – espaço
de liberdade e encontro, de cada um com o seu eu mais profundo – favoreceu o acesso dos
jovens às suas motivações, suas percepções e formas primeiras de expressão, dilatando a
conexão de cada um consigo mesmo e com o social, possibilitando a vivência da
complexidade.
Através das falas, dos trabalhos corporais e das imagens plásticas foi possível verificar
como cada participante acalentou a possibilidade de perceber a sua inteireza possível.
Verificamos, também, como as vivências favoreceram o resgate de valores essenciais
aos jovens, como o respeito e o cuidado com o outro, muitas vezes observado nos encontros,
tanto nas expressões corporais quanto nos diálogos.
270
Além disso, à medida que os jovens foram capazes de apreciar o seu desenvolvimento
durante o processo de criação, aprendendo a lidar, a vivenciar e a incorporar os resultados de
suas sensações, foram se conscientizando de conteúdos psíquicos ainda não percebidos,
capacitando-se, internamente, a valorizarem a sua estima, ao demonstrarem estar de bem
consigo mesmo, e nascendo, conseqüentemente, o sentimento de solidariedade e de inclusão
em seu meio.
Entendendo a arte enquanto linguagem, em uma visão interacionista: sujeito – mundo
– outro, recorremos a Vygotsky verificando que o potencial de criatividade dos educandos foi
capaz de aflorar a partir do contato com o companheiro de atividades, e, que a internalização,
possibilitada pela linguagem, ampliou a tomada de consciência de cada um sobre si mesmo.
Com Vygotsky apreendemos que o processo de formação e desenvolvimento da
consciência humana, como forma de refletir a realidade, está vinculado às atividades do
homem, com suas inter-relações sociais e com a linguagem. Assim, os conhecimentos são
objetivados na linguagem, sendo esta, condição necessária à formação da consciência.
Podemos inferir, que nesta ótica, a consciência, assim como a personalidade humana, é
uma construção social e histórica, não é algo inato, mas fruto do desenvolvimento cultural.
Com essa pesquisa, constatamos que quanto mais estímulos de linguagens os jovens
vivenciaram, mais condições para tomada e ampliação de consciência foram possíveis cada
um atingir.
Assim, a pesquisa possibilitou com que o uso criativo e libertador da linguagem, fosse
organizando a realidade, a ação e o comportamento dos educandos, uma vez que tal
abordagem buscou o sensível e reflexivo de cada jovem sobre o seu processo de criação, e,
por basear-se em uma visão sócio-histórica, quanto às linguagens expressivas e quanto às
formas de fazer a arte, valorizou, acima de tudo, a historicidade dos educandos, através do
potencial de cada um, espaço esse, onde reside o sensível, o criativo, a inteireza que leva à
consciência plena.
Dessa forma, a pesquisa enfatizou que potencialidades específicas, para a formação de
educadores, fossem estimuladas: a criatividade, o auto-conhecimento, a postura investigativa
271
no fazer, a autonomia no pensar, no dizer, no agir, além da solidariedade, que ao ser
vivenciada, contribuiu para um projeto de escola e de sociedade mais humanizada, que acene
para novos paradigmas de inclusão e de uma verdadeira sociabilidade, comprometida com a
emancipação do homem pela compreensão da sua complexidade, pois, entendemos com
Morin (2002, p.18):
A única maneira de salvaguardar a liberdade é que
liberdade é que haja o sentimento vivido de comunidade e
solidariedade, no interior de cada membro, e é isso que
dá uma realidade de existência a uma sociedade
complexa. Portanto, a solidariedade é constituinte desta
sociedade. O pensamento que une o modo de
conhecimento se prolonga para o plano da ética, da
solidariedade e da política. Há uma ética da
complexidade que é uma ética de compreensão.
As reflexões que estamos fiando, no momento de arremate dessa tessitura, vão se
encaminhando em busca de algumas sínteses abertas, que permitam que muitas perguntas
ainda sejam feitas, sobre a arte na educação. Assim, como cada fio foi se entrelaçando e
trazendo mais consistência a esse tecido/pintura, fomos inferindo que a proposta pedagógica
de vivências em arte, foi alicerçada, sobretudo, na educação em valores humanos, através:
•
da inclusão do sujeito, com todo o seu potencial criador;
•
da proposta da formação complexa de educadores, em busca de uma nova
racionalidade, que inclua sentimentos e emoções, pois o pensamento complexo é
um pensamento que pratica o abraço e se prolonga na ética da solidariedade
(MORIN);
•
da arte como instrumento educativo e expressão mais forte da originalidade do
ser humano;
•
da criação de ambiências capazes de instigar a criatividade dos jovens, em
propostas tanto individuais quanto coletivas;
•
da aprendizagem significativa de si mesmo (auto-conhecimento), como princípio
fundamental para o paradigma da complexidade;
272
•
das vivências nas múltiplas linguagens expressivas, abrindo portas ao diálogo,
este como mediador na construção da solidariedade;
•
do sentir e do afeto como bases para uma educação de valores humanos.
A tentativa de sustentar a pesquisa nos alicerces da ética humana surgiu pela própria
dinâmica em que se apresenta o cotidiano escolar, atravessado por fluidez, por contradições,
mas, que a despeito de sua fragmentação, sua rotina e sua mesmice, foi capaz de abrir portas e
janelas ao encantamento da arte, do lúdico e da poesia, pois, verificamos que com a arte, o
cotidiano escolar pulsou mais fortemente, como a própria vida.
Neste ponto, não poderíamos deixar de trazer os fios coloridos de Freinet, pois,
acreditamos que suas idéias estiveram presentes durante toda esta trama. Assim,
compartilhamos do seu sonho de educação:
É provável que nos digam que não temos de formar
sonhadores, mas homens práticos, capazes desde cedo de
cavar a terra ou fixar uma cavilha; mas sabemos também
que temos mais necessidade ainda de homens que saibam
esquecer à beira do caminho da vida, a maçã que tinham
nas mãos, para partirem como pesquisadores
desinteressados em busca do ideal.
Tenha cuidado para não desperdiçar, na criança, os bens
inestimáveis cujo esplendor nunca mais conhecerá
(FREINET, 1988, p.20-21).
Para que não continuemos a desperdiçar as potencialidades dos educandos, sentimos
que o chão de nossas escolas precisa ser fecundado com arte e com utopias e, que nesse
espaço, privilegiado de descobertas, cada criança, cada jovem e cada adulto aprenda a ter fé
em si mesmo e, corajosa, criativa e coletivamente, tome da PALAVRA e diga:
Tenho palavras em mim buscando canal,
Estão roucas e duras,
Comprimidas há tanto tempo,
Perderam o sentido,
Apenas querem explodir.
(Carlos Drummond de Andrade)
273
Foi assim que Izabella deixou explodir seus sonhos por um ano mais feliz.
Fiéis a nossa função de educadora “arteira”, e voltados para uma abordagem integral
da arte, nossas palavras finais, sobre Cenários da Educação através da arte, bordando
linguagens criativas na formação de educadores (as), não poderiam deixar de ser para as
nossas crianças, nossos jovens, enfim, para a nossa escola, que necessita criar espaços, nos
quais os educandos vivam as potencialidades do seu ser e, de posse de suas próprias
conquistas e confiantes em suas múltiplas possibilidades de criar, possam ter a coragem de se
expressarem e, como crisálidas, passarem pela grande metamorfose, que a vida os convida –
encontrar no vôo da criatividade a sua própria força.
274
9ª CENA: LIMPANDO A PALETA PARA NOVAS E COLORIDAS
CRIAÇÕES...
Romper as portas trancadas por mim,
E assim minhas mãos saberão dos meus
pés. E assim renascer, e assim renascer.
Gilberto Gil
A você que compartilhou desta tessitura, buscando compreender as minhas laçadas...
A você que entrelaçou as minhas palavras nas suas, unindo os fios do seu silêncio no
abraço/laço entre texto e leitor...
A você que juntamente comigo foi capaz de desvendar algumas “verdades”sobre a
“arteducação”, convido-o (a), neste momento, a não trancar os seus sentidos para um repouso
e, sim, tomar da palavra, da tinta e das cores...
É hora de entrar em cena, pois, enfim, é a sua vez de criar...
275
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282
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YUNES, Eliana. Construção do sujeito: singularidade e solidariedade. Rio de Janeiro: texto
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284
ANEXO 1 - IMAGENS
285
286
ANEXO 2 - PROPOSTA PEDAGÓGICA DE VIVÊNCIAS EM ARTE
Planejamento – 1ª Etapa
Período: 12 de agosto a 13 de dezembro de 2002
Dia/Hora: 2ª feiras – 13h às 16h
Total de Encontros: 13
Número de participantes inscritos: 20
Freqüentadores assíduos: 12
Objetivos das vivências -Ao final de cada vivência o educando deverá ser capaz de:
¾ refletir sobre o texto: A porta;
¾ apresentar-se, criativamente, para os colegas e para a dinamizadora;
¾ identificar-se com imagens de pinturas clássicas;
¾ participar das dinâmicas corporais, individuais e em grupo (relaxamentos,
aquecimentos, expressões corporais);
¾ experimentar os diversos sons de sua própria voz;
¾ elaborar, criativamente, o seu diário de bordo;
¾ expressar os sentimentos vividos durante as vivências;
¾ expressar suas idéias frente às questões sociais e políticas;
¾ expressar, criativamente, suas idéias e seus sentimentos através da atividade dos
rabiscos e da pintura;
¾ expressar, plasticamente, seu conto preferido da infância:
¾ fazer sua escrita criativa, no diário de bordo;
¾ expressar plasticamente, por escrito e oralmente o texto: Deixando ir;
¾ dramatizar, em grupo, o conto: Vassilissa;
¾ dialogar sobre como se sente na escola ( IEPIC);
¾ criar símbolos com a argila que o identifiquem;
¾ expressar, através da pintura, a sua trajetória na Oficina;
¾ bordar, em pequenos panos, imagens/formas, individualmente, que representem o ano
de 2002;
¾ construir um painel coletivo com os panos bordados,
¾ perceber, através da escrita e da oralidade, o seu processo de auto-conhecimento;
¾ vivenciar situações solidárias, através de trabalhos coletivos com a pintura e a
colagem;
287
Observação:
Estas vivências não foram planejadas previamente. Elas foram sendo construídas a partir
da relação que fomos estabelecendo com o grupo, sentindo suas necessidades, seus interesses.
A discussão política que travamos no dia 07 de outubro de 2002, por exemplo, foi fruto
dos resultados das eleições, quando tivemos a oportunidade de abrir espaço para debatermos
sobre cidadania.
2ª Etapa
Período: 07 de abril44 a 08 de dezembro de 2003
Dia/ Hora: 2ª feiras – 13h às 16h
Total de encontros: 33
Número de participantes: até julho – 15
agosto a dezembro – 9
Objetivos das vivências:
Além dos traçados na 1ª etapa, tivemos:
¾ dialogar sobre sexualidade;
¾ expressar, através da pintura, o poema de Drummond – O homem, as viagens;
¾ expressar-se, corporalmente, através de uma música com som de tambores;
¾ vivenciar, através da construção de uma caixa, os seus segredos;
¾ dramatizar, em grupo, o conto sufi: As longas colheres;
¾ participar da vivência - A viagem;
¾ expressar, plasticamente, através da ambiência criada, A viagem, os seus sonhos;
¾ participar, brincando, durante a vivência – A praça;
¾ expressar-se através da escrita criativa;
¾ brincar com a sua imaginação;
¾ construir, coletivamente, uma escultura com a argila;
¾ sintetizar, através da criação de balões de papéis, a vivência da argila;
¾ dramatizar, em grupo, situações imaginadas;
¾ refletir sobre os temas morte e vida;
¾ expressar, plasticamente, a história: O coração de Corali;
44
Só foi possível o reinício no mês de abril, pois a escola estava em greve de seus profissionais.
288
¾ escrever, em seu diário de bordo, os seus sentimentos sobre a história;
¾ participar, coletivamente, em círculo, de um trabalho corporal que expresse os
movimentos do coração;
¾ fazer uma colagem sobre a história: Vermelhinho;
¾ expressar, através da escrita, os seus sonhos de conhecer o mundo;
¾ compartilhar, no grupo, os seus sonhos;
¾ pintar, coletivamente, a escultura;
¾ participar da vivência sobre os seus medos e suas coragens, a partir da história:
Tantos medos e outras coragens;
¾ expressar, plasticamente, os seus medos;
¾ escrever sobre os seus medos;
¾ participar da visita ao MAC, em Niterói;
¾ participar, em grupo, da proposta pedagógica oferecida pelo museu, relativa à
exposição, através da imaginação e criatividade;
¾ participar da visita a uma Oficina de cerâmica;
¾ construir objetos de cerâmica, durante a visita à Oficina;
¾ pintar as peças feitas de cerâmica;
¾ participar, com suas peças de cerâmica, da exposição da ceramista;
¾ participar da exposição no Centro Cultural do Banco do Brasil – África;
¾ responder ao questionário de auto-avaliação da Oficina de Criação;
¾ expressar, através da pintura e da colagem em panos, os seus desejos para 2004.
Observação:
O número de participantes diminuiu este ano, pois os vinte educandos da 1ª etapa, ao
passarem para o 3º ano do curso pedagógico, não tiveram disponibilidade de horário,
devido às aulas práticas do estágio.
289
3ª Etapa
Período: 5 de abril a 9 de dezembro de 2004
Dia/Hora: 2ª feiras: 13h às 16h
Total de Encontros: 25
Número de participantes: 8
Observação:
No ano de 2004, os oito participantes se encontravam no 3º ano do curso pedagógico,
e, por já estarem participando da Oficina, desde 2003, não consideramos conveniente
ao andamento da pesquisa, a entrada de novos jovens.
Objetivos:
¾ construir, plasticamente, uma mandala, representando etapas de sua vida;
¾ refletir sobre o que é ser professora?;
¾ participar da visita a uma Oficina de pintura em tecido;
¾ experienciar a pintura no tecido;
¾ escrever sobre a experiência de pintar no tecido;
¾ visualizar fotos tiradas durante as vivências;
¾ dialogar sobre os momentos vividos na Oficina, através das fotos;
¾ dançar com os seu tecido pintado;
¾ fazer uma mandala coletiva com os tecidos pintados;
¾ participar do relaxamento, para a leitura da história: A moça tecelã;
¾ participar da vivência de encontro com fios e lãs;
¾ tecer, coletivamente, a tapeçaria;
¾ participar das comemorações dos aniversários;
¾ escrever, criativamente, sobre a tapeçaria;
¾ refletir sobre o texto: As máscaras desmascaram;
¾ modelar uma máscara no colega;
¾ pintar a persona, que mais lhe agrada em si mesmo;
¾ escrever sobre a sua máscara;
Observação:
A vivência de criação da tapeçaria aconteceu durante dez encontros.
290
ANEXO 3 – QUESTIONÁRIOS
QUESTINÁRIOS DE AUTO-AVALIAÇÃO DA OFICINA
“DESPERTANDO O SER”
Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho
Oficina “Despertando o Ser”
“Dinamizadora: Profa: Maria Cristina dos Santos Peixoto
Caro(a) aluno(a)
A Oficina “Despertando o Ser” permitiu com que nos encontrássemos
durante 15 encontros, de Agosto à Dezembro de 2002, e, teve como objetivo
despertar a sua sensibilidade, o seu auto-conhecimento, a sua criatividade e a
possibilidade de aprender a conviver de forma mais solidária com os seus amigos,
em sua formação enquanto educador(a).
Por isso, gostaria que você se auto-avaliasse escrevendo como os nossos
Encontros foram capazes de exercer uma maior percepção de si mesmo(a).
Nesse sentido, convido-o(a) a dar uma espiada dentro de você,
respondendo, amorosamente, as questões a seguir:
!ª) Percebeu alguma mudança em você, desde o início dos encontros até
o momento presente? Exemplifique.
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
291
2ªComo você se sentia nos encontros? Exemplifique.
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
3ª)Algumas situações vivenciadas lhe trouxeram dúvidas/ conflitos?
Exemplifique:
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
4ª)O que você menos gostou em nossos Encontros? (dinâmica, material).
Por quê ?
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
5ªO que mais você gostou em nossos Encontros? (dinâmica, material).
Por quê?
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
292
6ª)Como foi a sua relação com a dinamizadora? Explique.
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
7ª)Como foi a sua relação com os companheiros (as) durante os encontros?
Explique.
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
8ª) Relacione por ordem de preferência ( 1 a 11) as atividades mais
apreciadas por você:
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
) argila
) pintura com guache
) pintura com lápis de cor ou de cera
) colagem
) elaboração da capa do Diário de Bordo
) relaxamentos
) trabalhos corporais
) dramatização/ encenação
) trabalho com tecido
) dança
) conto de fadas
9ª) Você teve em algum momento um sentimento de cuidado com o espaço
onde realizamos os Encontros? Quando e como?
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
293
10ª)As reflexões ocorridas durante as vivências foram úteis em outras
situações na escola e/ou fora dela? Explique.
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
11ª) De que forma a Oficina influenciou em sua atuação nos estágios?
Explique.
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
12ª) Dentre as expectativas dos Encontros, coloque + ou – nos aspectos
vivenciados por você:
abcdefghijklmno-
( ) criatividade
( ) valorização pessoal
( ) sensibilidade
( ) curiosidade
( ) solidariedade durante as atividades na Oficina
( ) relaxamento corporal
( ) alegria
( ) tristeza
( ) reflexão
( ) iniciativa
( ) equilíbrio emocional
( ) cooperação em sala de aula
( ) atenção com as coisas e pessoas
( ) auto-conhecimento
( ) aceitação de seus limites
Justifique os itens que foram menos vivenciados.
294
Quais foram as dificuldades encontradas por você, para freqüentar os
nossos encontros?
____________________________________________________________
____________________________________________________
14ª) Caso não esteja participando, este ano, de nossos Encontros, justifique
os seus motivos.
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
15ª) Sintetize, em uma frase, o que representou a Oficina “Despertando o
Ser”, para sua formação enquanto educador (a)?
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho
295
Oficina “Despertando o Ser”
“Dinamizadora: Profa: Maria Cristina dos Santos Peixoto
Caro(a) professor(a)
Desde o ano de 2002 estamos desenvolvendo a Oficina Despertando o
Ser, com alguns dos nossos educandos, do Curso de Formação de Professores no
IEPIC.
Esta Oficina faz parte da Pesquisa que desenvolvo no Doutorado em
Educação, na UFF, e tem como objetivo possibilitar com que os futuros (as)
educadores(as), entrando em contato com a Arte, no processo de criação,
através de suas diferentes atividades expressivas, possam desenvolver sua
criatividade, curiosidade, imaginação, auto-conhecimento e solidariedade,
favorecendo uma formação mais consciente sobre si mesmo e sobre o mundo em
seu entorno.
Nesse sentido, como você trabalha na área da Prática de Ensino, um
espaço tão significativo para a formação de nossos educandos, preciso que
responda, dentro das suas possibilidades, às questões a seguir, direcionando sua
atenção para alguns aspectos/categorias, como: criatividade, imaginação,
sensibilidade, auto-conhecimento e solidariedade.
1º) Há quanto tempo trabalha na Prática de Ensino?
________________________________________________________
2ºComo os educandos chegam ao momento da Prática de Ensino, em relação
às categorias levantadas? O que eles trazem e o que lhes faltam?
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
296
Com relação aos educandos que participaram da Oficina no ano de 2002, gostaria
que avaliasse cada um deles, de acordo com as categorias destacadas:
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
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____________________________________________________________
____________________________________________________________
Download

maria cristina dos santos peixoto