O Dr. Daniel Lerario fala sobre as pesquisas que devem revolucionar o tratamento da doença e
aumentar a qualidade de vida de quem sofre com o mal
A Organização Mundial de Saúde est ima existirem mais de 346 milhões de pessoas com diabetes no
planeta. No Brasil, os dados apontam que ao menos 10% da população adulta tem a doença e quase
metade desses portadores não sabe disso. Quem avisa é Daniel Lerario, endocrinologista, mestre e
doutor pela Unifesp, ex-consultor do programa de diabetes do Hospital Israelita Albert Einstein. Na
entrevista a seguir, ele conta quais cuidados devem ser tomados para evitar o diabetes tipo 2,
modalidade mais comum do mal, e adianta quais tratamentos devem mudar a forma de lidar com o
problema.
One Health | Qual é a incidência do diabetes no Brasil?
Daniel Lerario | O diabetes mellitus tipo 2 compreende 90% dos casos.
Geralmente aparece depois dos 40 anos. A pessoa é gordinha, está acima
do peso, tem histórico familiar, um pai, mãe ou avô que teve diabetes.
Costuma ter um início lento, sem sintomas, até que os problemas afloram,
já em um estágio avançado da doença. O diabetes tipo 1, antigamente
conhecido como diabetes juvenil, surge de modo abrupto. A pessoa começa
a urinar muito, ter muita sede, emagrecer. Aí descobre uma glicemia muito
alta e passa a precisar tomar insulina para sempre.
OH | Os meios para identificar a doença passaram por aperfeiçoamentos nos últimos anos?
DL | Atualmente temos critérios de diagnóstico muito mais rigorosos. Nos anos 1990, quem tinha glicose
até 140 mg/dl era considerado normal. Hoje, se considera normal quem tem até 100 mg/dl. E para ser
considerada diabetes, é preciso haver 126 mg/dl de glicose no sangue. Foi definido, portanto, o
intervalo entre 100 e 126 mg/dl, que é o estado de pré-diabetes. Assim conseguimos diagnosticar a
doença mais cedo.
OH | O pré-diabético consegue evitar o diabetes?
DL | Criou-se a categoria de pré-diabetes justamente para se evitar o
surgimento da doença. O diabetes é uma doença de caráter evolutivo,
portanto é possível fazer o quadro da pessoa ficar estagnado ou até mesmo
reverter à normalidade, desde que mude os hábitos de alimentação, faça
atividade física e perca peso.
OH | Quem se encontra na faixa de pré-diabetes tem sintomas?
DL | Não. E a própria comunidade médica não estava atenta a isso. Os critérios mais rigorosos ajudam a
alertar os colegas não especialistas. O exame mais usado para identificar o diabetes continua sendo o
de glicemia em jejum, pois é barato e eficiente. Se a pessoa realizou dois exames, e nas duas vezes a
glicemia estava fora do normal, deve procurar um especialista.
OH | Quais são os alimentos que devem ser evitados?
DL | Deve-se não só reduzir o consumo de açúcar, mas diminuir o
consumo de alimentos refinados como um todo. Os alimentos refinados
são pão, biscoitos, bolos. A ingestão de comida gordurosa também deve
ser reduzida. Para evitar o diabetes, primeiro é preciso reduzir o excesso
de peso, depois, retirar da alimentação esses alimentos que
sobrecarregam o pâncreas. Fazendo isso, conseguimos reduzir o
aparecimento do diabetes tipo 2 em pelo menos 70% das pessoas com
pré-diabetes.
OH | De que forma o diabetes está associado à obesidade?
DL | São epidemias paralelas. Hoje as pessoas estão ficando obesas muito precocemente, levando
a uma mudança epidemiológica na manifestação do diabetes tipo 2. O que no passado se
manifestava aos 40 anos, já começa a afetar gente com 30, 20 anos, e até adolescentes. Entre 70%
e 80% dos casos novos de diabetes são explicados pelo excesso de peso. A obesidade, que é a
grande epidemia mundial, foi o que propiciou a epidemia que temos hoje de diabetes. Por isso há
quem já use o termo “diabesidade”, mostrando que elas estão associadas.
“Entre 70% e 80% dos casos novos de diabetes são explicados pelo excesso de peso”
OH | Quais os tratamentos em testes que deverão alterar a forma de
conviver com o diabetes tipo 2?
DL | Por ter relação direta com estilo de vida e obesidade, as possibilidades
mais próximas são os medicamentos. Estamos vendo uma revolução
nessa área. Há dez anos, os medicamentos causavam muitos efeitos
colaterais. Hoje temos diferentes fármacos, que podem ser combinados
para propiciar um bom controle glicêmico. Temos medicamentos em estudo
que podem impedir a destruição das células beta, pois com o diabetes tipo 2
essas células vão morrendo aos poucos
O Victoza, remédio que saiu até em revistas semanais, é interessante porque ao mesmo tempo em que
equilibra o diabetes, ajuda o indivíduo a emagrecer. Outra perspectiva é a cirurgia bariátrica, também
chamada de cirurgia metabólica. Com perda de peso, pode-se equilibrar o diabetes.Dos pacientes com
diabetes tipo 2 que fazem a cirugia, quase 90% deixam de ser diabéticos.
“Dos pacientes com diabetes tipo 2 que fazem a cirugia bariátrica, quase 90% deixam de ser diabéticos”
OH | Sobre o diabetes tipo 1: já é possível ficar sem injeções de insulina?
DL | Ainda não. Mas existem perspectivas, como o transplante de Ilhota a partir de células-tronco. O
diabetes tipo 1 é aquele em que o pâncreas perde completamente a função de produzir insulina.
Aparece devido a uma inflamação nas Ilhotas de Langerhans, onde ficam as células beta que
produzem insulina. O modo de fazer a produção voltar seria repondo essas células. Uma alternativa
seria transplantar o pâncreas inteiro, mas é muito mais sensato transplantar apenas as células
necessárias. Já se faz no mundo todo o transplante de Ilhota a partir de pâncreas de pessoas
saudáveis. O grande problema desse método é a rejeição, pois com o tempo, o sistema imunológico
ataca as células beta novas. Já com as células-tronco, isso deve minimizar.
OH | Como é feito o transplante de Ilhota com células-tronco?
DL | A ideia é pegar células-tronco da pessoa, transformá-las em células beta, e transplantá-las com
uma agulha para a região do fígado. Esse é o futuro, é fantástico, mas ainda é um tratamento em
experimentação. Porém, mesmo a partir de células- tronco, o ataque pode acontecer. Por isso os
pesquisadores estão tentando até encapsular essas células.
OH | E além do transplante?
DL | Outra perspectiva para o diabetes tipo 1 é a chamada bomba de insulina, que é um pâncreas
artificial. É um aparelho externo ao organismo, que fica colado ao corpo como se fosse um curativo.
O usuário a aciona quando precisa, liberando insulina. A bomba mais moderna, chamada bomba de
insulina de circuito fechado, ainda está em fase de testes. Ela é colocada por cirurgia dentro do
corpo do paciente e libera insulina automaticamente, pois conta com um chip capaz de analisar o
nível de glicose no sangue. Ainda não está à venda porque os pesquisadores não conseguiram criar
um sistema que medisse sempre corretamente o nível de glicose e liberasse a quantidade ideal de
insulina todas as vezes.
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Dr Daniel Lerario - Clínica Daniel Lerario