Salas de Guerra 1
GESTÃO EM OPERAÇÕES
SALAS DE GUERRA
Hermano Roberto Thiry-Cherques*
Mestre em Filosofia e Doutor em Engenharia e Pesquisador na University of Maryland, College Park e na EBAP-FGV.
E-mail: [email protected]
Leonardo Graziadei da Costa
Oficial de Carreira, Engenheiro Militar do Exército Brasileiro e Pesquisador
E-mail: [email protected]
RESUMO
Este artigo trata da tecnologia de salas de guerra aplicada à gestão e negócios. Discute a capacidade de gerenciamento do fluxo de dados e de tomada de decisões das
salas de guerra tanto análogas como digitais. Ênfase especial é dada aos procedimentos de análise de risco e de oportunidades. Também são considerados os sistemas de
suporte a decisão, análise de cenários, visualização de informações e tempo de resposta.
ABSTRACT
This paper deals with war-room technology applied to business day-to-day challenges. It discusses analog and digital war-room aptitude, designed to help organization flow data and decision-making. Authors emphasize threats prevention and opportunities grasp proceedings. Decision-support systems, scenario analysis, data
visualizing and reaction time are also considered.
PALAVRAS-CHAVE
Crise, oportunidade, competitividade, decisão.
KEY WORD
Crisis, opportunity, competitiveness, decision.
Hermano Cherques – LeonardoGraziadei - 1108
2
O filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard conta a história de um anão que vigiava
uma princesa. Um belo dia o anão adormeceu e quando acordou deu-se conta de que
a princesa havia fugido. Imediatamente ele calçou sua bota de sete léguas, dessas que
os anões que vigiam princesas costumam ter, e deu dois passos gigantescos. Com isso, ultrapassou a princesa em fuga, tão rapidamente que não pode vê-la. A princesa,
no seu passinho de menina, foi viver a sua vida. O anão, sempre em alta velocidade,
continua vagando pelo mundo à sua procura.
À diferença do anão de Kierkegaard, os executivos da economia digital começam a
se dar conta de que de nada adianta uma bota de sete de léguas se você não sabe aonde ir. De que o problema não é alcançar a princesa, mas saber onde ela está. De que,
com queria outro filósofo - esse brasileiro – se você cochilar, o cachimbo cai.
E o cachimbo de muita gente anda caindo por aí. Gerentes ancorados em estruturas
de informação que privilegiam o tamanho, datadas dos anos oitenta, ou que privilegiam a velocidade, dos recentemente finados anos noventa; gerentes embotados pela
catadupa de informações do novo século, estão se queimando com o próprio cachimbo. Outros já despertaram para a economia embarcada em eletrônica. Trabalham com
estruturas de informação que aliam presteza à vigília permanente: as Salas de Situação, Salas de Crise ou, como deveriam continuar a ser denominadas, Salas de Guerra.
As Salas de Guerra nada têm de novo. Todos nós já as vimos, senão pessoalmente,
pelo menos em algum filme ou seriado de televisão. Os mais experientes se lembrarão do emocionante que foi acompanhar as decisões dos estrategistas da Batalha da
Inglaterra em mapas cheios de miniaturas movidas por louras inglesinhas em uniforme, enquanto David Niven derrotava toda a Luftwaffe sem despentear o bigodinho.
Os que não são desse tempo, certamente conhecem salas de guerra modernas,
abarrotadas de monitores, das que aparecem nos filmes de combate virtuais ou as
menos bélicas, do centro de controle de Houston, da NASA. O que há de novo nisso
tudo é a utilização das Salas de Guerra na administração e nos negócios.
As empresas dos setores mais dinamicos da economia estão montando centros como
esses porque, queiramos ou não, a expressão “guerra comercial” deixou de ser uma
figura de linguagem e passou a retratar uma realidade irretorquível: a da
competitividade para valer.
Nem só por isso a denominação original de Sala de Guerra é mais apropriada do que
a de Sala de Crise ou de Sala de Situação. Não se trata só de enfrentar crises ou de
analisar para prevenir, mas também, e talvez principalmente, de não deixar passar as
oportunidades.
São dois binômios – ameaças-oportunidades / informações-decisões – que vêm
regendo o mundo da economia digitalizada. Um mundo complexo, que merece
aproximação cuidadosa e algum rigor. Um mundo em que se trabalha ao som do
intenso ruido de fundo das análises superficiais e da contra-informação. Se reparmos
bem no que acontece nas empresas, veremos que os discursos monoteticos da
literatura técnica e o padrão Internet, de informações rarefeitas e coloridas, estão o
mais das vezes descolados dos fatos (e colados na venda de serviços). Por exemplo,
está longe de ser verdade, como se tem dito e escrito, que a quantidade e a velocidade
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da informação foram superadas pela qualidade. Isso depende do setor, depende da
empresa, depende do momento e de outras variáveis, como a aptidão para digerir o
que se sabe e a capacidade de dar resposta adequada aos desafios do cotidiano. Para
certos setores e em determinadas ocasiões vale a sutileza dos bits em marcha
triunfante. Para outros setores e ocasiões, vale mesmo o grito, muita propaganda e
preços baixos. Tudo depende, e o bom executivo, hoje como dantes, é aquele que
sabe operar com base no incerto e mal sabido.
Para que serve
Uma Sala de Guerra serve justamente para isso: apoiar quem deve dar resposta
simultânea a inúmeras situaçoes de categorias diversas, baseando-se em informações
precárias.
Tomemos o seguinte cenário, documentado em uma empresa de São Paulo às vésperas do Natal, mas que se aplica a qualquer empresa em qualquer época: você está em
meio a uma quarta feira de engarrafamentos colossais. Amanha é feriado. Os seus
clientes agem de um jeito que nada tem a ver com as previsões das pesquisas (caríssimas) que você mandou fazer. O show-room está com problemas de armazenagem.
O melhor cliente do seu pior concorrente telefona perguntando se você tem condições de suprir uma falha de entrega. Os rótulos das embalagens vieram com o logotipo invertido. Dois consultores, que você mesmo contratou, estão espiando tudo o que
você faz. Desde o começo da semana anotam tudo, como se você fosse um sapo sendo dissecado. Os caminhões estão atulhando o pátio da fábrica porque não têm mercadoria para embarcar. O cliente potencial telefona de novo. Alguém na produção informa que o problema da fábrica é que o “burrinho-do-semieixo-da-retroesteiraacavalou-capaz-até-de-estar quebrado-a-gente-dá-um-jeito-mas-leva-tempo”. Os telefones não param de tocar, inclusive com uma outra chamada do cliente potencial.
Agora já um quase ex-futuro cliente. Entra um empregado dizendo que não recebe
ordem de mulher. De casa ligam dizendo que está saindo fumaça do Boris (você leva
um tempão para adivinhar que deve ser do boiler e não do filho chato da vizinha idem). As ações das empresas do seu setor subiram, ninguém sabe porquê. Os consultores continuam tomando notas, o que dá nos nervos. Por falar em nervos, mais da
metade das mulheres da empresa parecem estar com tremendas TPMs. O cliente liga
de novo e pergunta como é que é? A bola está contigo. É fechar o negócio, e ver se
dá para cumprir depois, ou perdê-lo e nunca mais conseguir apagar o sorriso simpático da cara do concorrente. Você tem meia hora para decidir.
Uma Sala de Guerra serve para essas ocasiões. Se elas forem raras, a Sala é um luxo.
Se forem freqüentes, ela pode ser inestimável. A Sala é um instrumento auxiliar de
deliberação. Não uma versão ornamentada dos centros de planificação e de controle
convencionais. Seu foco não está na coleta e processamento da informação, mas na
qualificação do julgamento e no encurtamento do tempo de reação.
Os determinantes da viabilidade econômica de uma Sala de Guerra são o volume de
informações e o tempo de resposta requerido. Os dois fatores considerados em conjunto. Setores há em que se trabalha com grande quantidade de informações, mas
com tempo suficiente para tratamento e reflexão antes das decisões. Em outros, o
passo de decisão é muito acelerado, mas as informações necessárias ou são poucas ou
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já vêm processadas. A combinação que justifica a montagem de uma Sala articula os
fatores volume máximo/tempo mínimo.
Ênfases
Até quase o fim dos anos setenta a vida econômica era mais simples. Os alvos dos
executivos eram fixos e conhecidos. Era como atirar em um coelho parado a cinqüenta metros de distancia. Difícil, mas com treino e sorte a coisa ia. Nos anos oitenta, os
alvos se tornaram móveis. Os coelhos deram para correr para todos os lados. Foi
quando os gerentes começaram, realmente, a trabalhar com informação processada.
Nos anos noventa, não só os alvos eram móveis, mas os executivos tiveram que decidir em movimento. Você tinha que acertar o coelho de cima de um jipe andando.
Agora a coisa ficou um pouco mais complicada. Os coelhos continuam os mesmos,
mas você está montado em um camelo em disparada. E o risco de acertar no próprio
pé é inerente à impossibilidade de esperar o mundo parar de rodar para atirar em alguma coisa que não se mova. Se você ficar pensando muito, o mercado some na sua
frente, os coelhos fogem, a princesa desaparece e o cachimbo cai.
As ênfases mudaram. Do tratamento de dados para o descarte seletivo de informação.
Da quantidade de informação para a qualidade do conhecimento. Do aviso para a
resposta. Em uma Sala de Guerra o que se quer é saber a parte que nos afeta de tudo
que está acontecendo. Isto significa definir a informação que interessa para decisão e
descartar o resto. O que é simples de dizer mas requer a superação de uma série de
traços culturais arraigados nas empresas. Por exemplo, a questão do que é descartável
e o que é essencial. Descartáveis são as teorias, as experiências, o felling que nada
tem a ver com julgamento e resposta. Essenciais são as teorias, experiências, o felling
que ajudam a decidir e agir. E isso, claro, varia de momento para momento e de organização para organização.
São situações similares a de desembaraçar um rolo de barbante usando uma luva de
boxe. E rápido porque o mercado não espera. As Salas de Guerra ajudam a tirar a luva, mas não desembaraçam nada sozinhas. Os modelos operacionais das Salas, como
os que exemplificamos nos diagramas, já atingiram um padrão razoável de confiabilidade. Mas o modelo intelectual, o espírito de cada uma, é único e intransmissível.
Existem sistemas estabelecidos para coletar e tratar informação. Até filtros de busca
recorrente estão sendo usados com êxito. Mas as decisões de para onde olhar, do que
descartar e de como agir, ainda dependem, e não há como não dependerem, da inteligência [intelegire = interleitura] e do instinto [in stinguere = espicaçado por dentro].
De que consiste
Basicamente, uma Sala reúne, em um mesmo espaço físico, pessoal qualificado e elementos de tecnologia de telecomunicações e de informação, informática, logística,
sistema de inteligência e ferramentas de comando e controle para dar suporte à tomada de decisão e a gestão em tempo real (just-in-time management). Esses componentes são estruturados em uma rede constituída por Células de Trabalho, em interação
continuada entre si e com as outras células. As ferramentas e técnicas utilizadas para
essa interação são tecnologias multimídia e de ‘groupware’[programas aplicativos
(softwares) cujo objetivo é auxiliar grupos de pessoas trabalhando cooperativamen-
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te]. O objetivo é o compartilhamento, via visualização e interação da informação e do
entendimento produzidos.
As Salas integram as funções de data mining; recuperação automatizada de textos;
surveys; pesquisa; descoberta; ferramentas de visualização; análise de cenários; e simulações de jogos de negócios. Estão associadas à um intenso esforço focado em um
Diagrama - 1 - Sala de Guerra
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Consultores
determinado objetivo-reação, em que as informações e o entendimento produzidos
impactam a tomada de decisão e as necessidades de ação. Tudo isso voltado para duas questões entrelaçadas, com intervalo de resposta minimizado: i) o que está acontecendo? ii) o que fazer?
A Sala tem embutida uma capacidade de processamento de informação e produção
de entendimento que permite uma variedade de fontes multipartidas incluídas as obtidas diretamente de pessoas, as textuais, as numéricas, as gráficas, as de mídia, e
formatos de processamento para o uso inter ou intra-organizacional. Essas informações são fundidas com as de outras fontes e exibidas em sincronia. Os displays, as
técnicas de texturização, e as informações adjacentes, enfim tudo que compõe o sistema de visualização e design de informações da Sala, serve a um único propósito: a
intercritica do conhecimento via compartilhamento da informação.
As salas são modeladas em uma estrutura celular autogerida não hierarquizada. São
divididas em áreas separadas, denominadas ‘células’ e ‘seções’. Cada uma destas áreas tem proteções múltiplas contra perdas de qualidade e integridade da informação.
As células são divididas por coleta, análise, disseminação e segurança, mas podem
ser expandidas para domínios particulares ou para aplicações específicas. Em uma
célula central, alimentada pelas células de trabalho através dos sistemas de visualização, têm lugar a análise final das informações – já aqui a sentimento – e a tomada de
decisões.
Em alguns setores econômicos e até para determinadas funções públicas, como, por
exemplo, a função de controle ambiental, já existem padrões operacionais estabelecidos para as salas. Isso ocorre, também, em subsetores de setores mais dinâmicos e
em segmentos das empresas que atuam nesses subsetores. Para algumas empresas
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não tem sentido a montagem de uma Sala que atenda a todas as ramificações internas
e externas do seu negócio. Os custos fixos envolvidos podem inviabilizar um investimento dessa magnitude. Mas para essas mesmas empresas pode ser interessante a
montagem de uma Sala setorial, que atenda só um aspecto do negócio, como a da
comercialização, por exemplo. [ver diagrama 2].
Configuração
Um exame, mesmo superficial, dos diagramas aqui apresentados deixa claro que na
configuração de uma Sala muitas variáveis devem se consideradas. Seria impraticável nesse texto dar uma visão detalhada de todas elas. Por isso, vamos nos deter em
alguns aspectos mais relevantes.
Devido à importância da interação, o ideal é que a Sala ocupe um único espaço físico. Os recursos de telemática disponibilizados ultimamente têm possibilitado a montagem de salas virtuais. Os resultados declarados, embora bons, indicam que dois
problemas ainda não foram inteiramente
solucionados. Um é a da dificuldade em encontrar, a custos suportáveis, pessoal habilitado a operar [e pensar] em ambiente virtual. Outro, é que a velocidade de intercâmbio é prejudicada pelo formalismo inevitável nas comunicações à distância.
Essa observação nos remete às categorias de recursos humanos necessários à operação de uma Sala (que nada têm a ver com um plano de cargos tradicional). São quatro as funções básicas a serem preenchidas:
° apoio e manutenção: compreendendo os profissionais que garantem o funcionamento físico da Sala e dos sistemas de informática e comunicação. A seleção dessas pessoas deve estar focada em gente que trabalhe rápido sobre pressão, que seja capaz de “quebrar galhos” e que tenham iniciativa. Quanto menos hierarquizada for a sala, melhor;
° fontes. São os consultores em áreas e setores específicos, os assessores jurídicos, os veteranos da organização, etc. A seleção deve estar focada em pessoas
capazes de informar objetivamente. Isto é, profissionais que consigam dizer
alguma coisa sem fazer uso de introduções e ressalvas. O que se quer é a informação seca, a margem de erro associada e o risco envolvido. Só. Atenção
especial deve ser dada à seleção de pessoal da área jurídica. Data vênia, ainda
são raros os advogados capazes de dar uma informação sem invocar as musas,
citar leis e jurisprudências e depois arrematar tudo com uma profusão de cláusulas restritivas;
Diagrama - 2 - Sala de Guerra
7
Mercado
Jurídico
e
Regulação
Logística e
Comunicações
Produção e
Administração
°
°
prospectores. São os profissionais capazes de “cavar” [data mining] dados e
informações e descartar o que não interessa. Embora haja treinamento apropriado ao desenvolvimento desse tipo de habilidade, o caráter e a personalidade têm um papel fundamental aqui. A seleção dos candidatos deve ser feita
com base em simulações. Itens como formação, idade, etc devem ser desconsiderados;
decisores. São os profissionais habilitados a destrinçar o que há para ser decidido, destacar o que é critico do que é assessório, separar o que está dentro da
sua alçada e assumir os riscos de decidir. Logicamente, não há treinamento
para isso. A seleção deve estar centrada em pessoas que trabalham bem sobre
pressão continuada. Mas deve-se evitar o risco dos “viciados em adrenalina”,
que têm a tendência de criar crises onde elas não existem.
O equipamento utilizado na Sala deve ser compatível com as necessidades e limitações da empresa. Os principais pontos a serem observados são:
° dimensionamento: os equipamentos devem ser suficientes para atender as
demandas previstas. Isto significa, também, que a sua capacidade não deve ultrapassar uma margem de segurança razoável. Equipamentos superdimensionados, além de aumentarem os custos, tendem a apresentar complicações operacionais e de manutenção;
° tecnologia: a tecnologia deve ser ligeiramente mais avançada do que a do setor e a dos outros segmentos da empresa. Tecnologias de ponta, em geral, apresentam riscos de confiabilidade. Tecnologias atrasadas irão ocasionar problemas de compatibilidade e reposição. Lembremos que os generais das legiões romanas já operavam o equivalente às Salas atuais, aliás com bastante eficiência;
° homogeneidade: os equipamentos devem ser compatíveis operacionalmente
[software/hardware], entre si [tipo e marca, computadores com displays, etc.]
e em relação às interfaces da Sala, inclusive à interface dominante no ambiente externo com o qual ela interage;
8
°
°
acessibilidade: o pessoal de apoio deve poder reparar, adaptar e substituir o
equipamento. A aquisição de caixas pretas significa aceitar os riscos de paradas súbitas e, principalmente, de criar uma dependência continuada em relação a fornecedores e consultores;
conversibilidade: o equipamento deve, na medida do possível, ser conversível
para uso em outras funções dentro da empresa. Isso não só diminui o risco associado ao investimento como atenua o problema da rápida obsolescência dos
equipamentos de informática e telemática.
Modo de Usar
Instalada uma crise ou detectada uma oportunidade, a Sala deve responder como uma
entidade una. O seu maior ou menor êxito dependerá da fluidez do sistema informação-decisão, da qualidade técnica do pessoal envolvido e, por quê não?, de um pouco
de sorte. Por mais freqüentes que sejam, as crises são curtas e as oportunidades efêmeras. A krisis grega é o ponto de ajuizamento. Como queria Hipócrates, krisis é o
momento a partir do qual uma doença declina ou mata. Já o ob-portūnus latino é o
instante crucial que separa a decisão feliz de enfunar as velas para entrar no porto da
incompetência de ir se esborrachar lindamente nas pedras. Ambas equivalem ao gopoint, o ponto de não retorno de decolagem dos modernos jatos, e ao nosso modesto
momento do ou-vai-ou-racha. A crise permanente é uma figura de linguagem. A oportunidade paciente, um contra-senso.
Mas a Sala não fica desativada enquanto não acontecem momentos criticos. Ao contrário, a atividade é continua em uma Sala. O que acontece ali pode ser dividido em
dois grupos: ações de capacitação e ações de previsão.
Nem é preciso insistir sobre o truísmo de que o trabalho em equipe carrega uma força
sinérgica insuperável, de que o resultado dos esforços coletivos é maior do que a soma dos esforços individuais, de que a integração operacional potencializa, etc. Tudo
isso é verdade. A atuação em conjunto é o diferencial da Sala em relação aos outros
instrumentos de decisão. O que não se pode esquecer é de que uma Sala opera tanto
em paralelo como em linha. E o velho adágio, que reza que a força da corrente é a do
elo mais fraco, continua perfeitamente atual. Um conjunto tem a força do seu elemento de menor resistência. Em uma Sala esse elemento pode ser alguém menos
preparado na equipe ou um disco rígido estourado. A capacidade da Sala se mede
tanto pela fluidez e qualidade de reação como pela flexibilidade e poder de regeneração ante ao inesperado. E isso só se consegue com muito treino e com simulações
constantes. O que nos remete para o segundo grupo de ações.
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previsão é a segunda função de uma Sala. O que não quer dizer que seja uma função
secundária. Longe disso. Além do que resolver crises e agarrar oportunidades, o objetivo de uma Sala é o de não permitir que as crises se instalem e que as oportunidades se esfumem no ar. E isso se consegue acompanhando os pontos sensíveis, prevendo eventos potenciais e alertando os segmentos da empresa que podem ser afetados. Mas atenção: trata-se de previsão, não de prevenção. Uma Sala não é e não substitui órgãos de planejamento, de estudos de mercado ou de controle de qualidade.
Muito menos pode tomar o lugar da direção da empresa nem de suas assessorias jurídica, de imprensa, etc. Esses são segmentos de atuação continuada, com responsabilidade de prevenção e correção de rumos. São segmentos com os quais a Sala interaDiagrama 3 - Sala de Guerra Setorial
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ge e que devem ser alertados sobre possíveis crises e oportunidades. O papel da Sala
é o da vigília continuada e o da atuação tópica.
A informação útil para decisão em uma Sala de Guerra é aquela que guarda correlação com as metas imediatas da empresa. Decisões estruturais, mesmo as referidas a
objetivos de curto prazo, são tratadas em outros níveis. O tempo que conta aqui é o
tempo de resposta. Uma Sala destina-se a evitar emergências e a lidar com o inesperado e o imediato. A seqüência critica do esquema decisório característico nessas circunstâncias tem a seguinte configuração:
°
sensoriamento. É a capacidade de detectar o que se passa no ambiente imediato e mediato de atuação da empresa que irá acionar todo o mecanismo de informação/decisão. Estar antenado, voltado para o que pode impactar a empresa é uma habilidade natural – isto é, aparentemente, há pessoas dotadas para
isso – e que se consegue aperfeiçoar com tempo e dedicação. Para quem não
entende do assunto e tem a oportunidade de assistir, por exemplo, a um operador de negócios atuando, a impressão é de que tudo não passa de sorte e
10
°
°
°
°
°
°
°
inspiração súbitas ou de azar associado à irresponsabilidade delirante. Mas
não é assim. Essas pessoas “sentem” as situações. O que a Sala, com todo o
seu aparato faz, é potencializar ao máximo as condições de exercício dessa
habilidade ou desse dom.
alarme. Percebido o sinal de ameaça ou oportunidade, o segundo passo é o de
acionar o que os militares chamam, com propriedade, de ‘dispositivo de alarme’;
captura e filtragem. Esse é outro momento crítico da seqüência de reação. É
quando a capacidade instalada e as habilidades disponíveis, após o alarme inicial, são lançadas a procura de dados [informações brutas] e informações que
possam apoiar a decisão. São três as questões a serem respondidas, quase que
simultaneamente: i)que informações existem? ii)quais interessam? iii)qual a
sua confiabilidade?;
compartilhamento. Messe momento o resultado da filtragem é disposto no sistema de visualização. Outro ponto sensível. A alimentação do sistema tem que
ser administrada de forma a que e possa extrair conclusões válidas. Isto significa que o sistema deve ser alimentado em uma ordem pré-estabelecida e,
principalmente, que não deve ser saturado com informações menos relevantes;
análise cognitiva. Disponibilizadas as informações, tem lugar os processos de
avaliação e julgamento. Outro ponto crítico: os processos de deliberação
compartilhada (Técnicas de Conclaves1), para funcionarem, requerem escolha
e treinamento. Em outras palavras, é preciso eleger as que serão utilizadas e
treinar intensamente a equipe de forma a que se possa trabalhar “de ouvido”;
síntese. as análises cognitivas raramente oferecem uma decisão acabada. A
sua aplicação resulta em alternativas para decisão e no peso ponderável das
escolhas [o risco e o ganho associado a cada alternativa]. Essas alternativas
são expostas, ao lado das informações, no sistema de visualização;
crítica. Aqui estamos no momento que antecede e prepara a decisão. Nesse
ponto, as várias alternativas são comparadas, os riscos e oportunidades são
avaliados. Os resultados são expostos no sistema de visualização que agora
pode ser lido em tem três planos: i) o básico, de informação, ii) o analítico, de
alternativas de decisão e iii) o sintético, de alternativas criticadas e priorizadas;
reação. Esse o momento de não retorno. Aqui simplesmente escolhe-se a melhor das alternativas de ação oferecidas pelo sistema, que pode muito bem ser
a de não fazer nada.
* *** *
Concluímos com um relato e um comentário sobre o cenário que relatamos no início,
aliás muito simples, se comparado com o que normalmente se enfrenta em uma Sala
de Guerra.
1
(As Técnicas de Conclave mais utilizadas hoje em dia são as de i) desordem experimental, como o
brainstorming; ii) matrizes de inter-relacionamento, como a Matriz de Impactos Cruzados e iii) árvores de sequenciação, como as Árvores de Problemas. A maioria dessas técnicas tem uma longa história, mas nos últimos cinco anos, como resultado da economia digital e da globalização, foi feito um
esforço ponderável de sistematização e foram aperfeiçoados muitos desses instrumentos. Aqui apenas
mencionamos alguns deles. Uma exposição atualizada, mesmo que superficial, sobre esse tema mereceria não apenas um artigo, mas um livro, senão vários volumes.
11
O relato é para satisfazer os que porventura tenham ficado curiosos com o fim da história – verdadeira, diga-se – da situação enfrentada pelo executivo. O que aconteceu
foi que o nosso herói, pressionado, acabou fechando o negocio com o cliente. Até ai
tudo bem. Quem não quer arriscar é melhor mesmo sair do mercado. O problema foi
que ele não conseguiu entregar a mercadoria, e para não deixar todo mundo na mão
nem perder o nome na praça, teve que importar – com prejuízo - de outro estado.
O comentário é sobre como a questão seria tratada se uma Sala estivesse disponível.
Em primeiro lugar, todos os problemas, exceto o do boiler na casa do executivo, seriam detectados antecipadamente, e não comunicados quando já instalados, como foram. O ganho de tempo aqui poderia ser de alguns minutos, como no caso do problema na fábrica, ou de dias, como nos casos das dificuldades no Show-Room e do
aperto do concorrente e do seu cliente. As informações necessárias à decisão teriam
sido mais completas e o tempo disponível para análise, muito maior. O compartilhamento e análise cognitiva teriam evidenciado que um cliente que telefona três vezes
perguntando sobre a disponibilidade de mercadoria, está sem alternativas. Nessas circunstâncias, é claro que teria sido perfeitamente possível negociar prazos. Mesmo
porque o tempo gasto com tentativa de remanejar a produção, acrescido do tempo
gasto com a indecisão do que fazer e do tempo de importação e entrega, teria sido
mais do que suficiente para colocar a fábrica em ordem e proceder a entrega normalmente. Em suma: haveria muito mais alternativas oferecidas a escolha do executivo e com mais tranqüilidade. Os possíveis efeitos teriam sido discutidos, e assim
por diante. Finalmente, o treinamento do executivo teria feito com que a questão prioritária, no caso a ameaça de incêndio em sua casa, fosse resolvido em primeiro lugar. E essa era realmente a questão prioritária. Foi por trabalhar preocupado com um
problema pessoal de equacionamento fácil [um telefonema para o porteiro e dez minutos para receber notícias] que o executivo errou. Também aqui nada de novo. Nos
primórdios da pensamento ocidental, os estóicos já diziam que um dente, se comparado com o resto do corpo e com a força do espírito humano, é uma coisa insignificante, mas que ninguém consegue pensar com dor de dente.
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4ª ed. São Paulo: Atlas, 2000.
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Salas de Guerra 1 Hermano Cherques – LeonardoGraziadei