DESSALINIZAÇÃO DAS ÁGUAS MARINHAS E SUBTERRÂNEAS ATRAVÉS
DA COLUNA DE POTÊNCIA HIDRÁULICA:
O uso inteligente de um recurso questionavelmente renovável
Nicole Dall‟Accua Lopes
Resumo: Este artigo mostra uma solução para a dessalinização da água através de
energia renovável, que proporciona inclusive um rendimento maior do que os métodos
convencionais. Denominada "coluna de dessalinização", o sistema tem seu processo
gerado a partir das energias eólica e potencial gravitacional, e possuí um consumo de
energia 70% inferior ao de outras técnicas.
Palavras-chave: água; energia; dessalinização.
1 Introdução
Pelo senso comum é bem sabido que a aproximação humana dos próximos
séculos tem sido diretamente proporcional à escassez da água potável. Apesar de
abundante e “renovável‟‟, a água potável corresponde a menos de 1% de toda a água
disponível no mundo.
Segundo SAN JUAN (2000),
A escassez da água, seja quantitativa ou qualitativa, tem sido constante
preocupação ao longo da história da humanidade, porém, a partir da
última década do século XX, este problema ficou mais evidenciado
devido ao crescimento populacional, à melhoria das condições de vida,
o que demanda mais água, e à importância que os meios de
comunicação têm dado ao tema, permitindo sua divulgação em todos os
âmbitos.
A distribuição desigual 1 , a ausência de regulação e educação social para o
consumo da água e o crescimento populacional são algumas das razões para a escassez
qualitativa (principalmente) da água. Essas inquietações geraram — e continuam
gerando — resultados negativos que carecem de alternativas para amenizar a situação
atual. Uma das possíveis soluções viáveis e efetivas é a coluna de dessalinização,
processo que utiliza de energias renováveis. A questão agora ultrapassa a mera
educação para o desenvolvimento sustentável: converteu-se em necessidade.
1
RIBEIRO, Wagner Costa. Geografia política da água. Annablume Editora, 2008.
2 O projeto
Na tentativa de aproveitar mundialmente a água não-potável, predominante,
buscou-se técnicas de dessalinização dessa substância que compõe aproximadamente
98% da água terrestre.
Idealizada por um grupo de pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade
de São Paulo, a alternativa não só é uma configuração dos sistemas atuais de
dessalinização; o modelo físico é também uma alternativa à geração de energia elétrica,
trabalhando com o uso da energia eólica e energia potencial gravitacional.
2.1 O sistema e seus processos
Sistema mecânico que incrementa o método da osmose reversa, a “coluna de
dessalinização”, assim denominada por Juvenal Rocha Dias (líder do projeto), é mais
uma alternativa renovável, acessível e sustentável aos métodos convencionais.
Fig 1.: Coluna de Potência Hidráulica. Unidade do sistema que possibilita a transformação de energia
do vento em fluxo de água de alta pressão.
O modelo físico é baseado em um filtro que consiste em uma membrana que
trabalha através da osmose reversa. A coluna faz o bombeamento de água salgada,
realizado com a energia do vento (ver item 2.2.1), para o reservatório. A energia do
vento é transformada em energia potencial gravitacional, provida do armazenamento de
água em um reservatório alto (ver item 2.2.2). A coluna de potência hidráulica utiliza
esta energia para aumentar a pressão, gerando um fluxo de água de alta pressão obtido
através do sistema mecânico constituído por êmbolos especiais, roldanas e contrapesos
com controle hidráulico feito por atuadores e amortecedores. No reservatório, portanto,
o peso da água pressiona um êmbolo, que pressiona o ar contido na camada inferior.
Após a pressão, o ar ainda exerce uma força sobre a camada do reservatório que contém
água, fazendo com que ela se torne potável ao passar pela membrana.
Uma vez que o projeto foca no uso da energia potencial gravitacional, a
viabilidade do projeto depende somente da quantidade de água que será dessalinizada.
5000 m³ de água, por exemplo, equivale à água utilizada por 10 pessoas ao longo de um
dia, em média. Para isso, o sistema deverá possuir 25 m de altura.
2.2 A energia do sistema
O projeto dispensa a utilização de qualquer eletricidade ou combustíveis para
realizar o bombeamento da água (fase 2 do diagrama da Fig. 2). Apresentados
posteriormente, os sistemas 1 e 2 utilizam de alternativas renováveis para a realização
do processo: cataventos (sistema 1) e aerogeradores (sistema 2). No caso do sistema 1,
foi pensado em um sistema autônomo; para o sistema 2, além da autonomia, buscou-se
dispensar o uso de baterias para acumulação de energia, método convencional nos
sistemas de dessalinização.
Fig. 2: Diagrama simplificando o funcionamento do modelo.
2.2.1 O uso da energia eólica
Para o bombeamento da água, o modelo é dividido em dois sistemas para
adquirir energia eólica. O quadro comparativo dos sistemas (quadro 1) apresenta as
características de ambas as máquinas.
Quadro 1
SISTEMA
COMPONENTE
DESCRIÇÃO
Mais
1
Cataventos tradicionais
simples
e
de
manutenção
menos
especializada. Opera com velocidades de vento
inferiores à velocidade de partida de aerogeradores.
Pode ser situada num local apropriado com maior
2
Aerogeradores
potencial eólico. Caso o sistema seja de grande
porte, não haverá a necessidade de se furar vários
poços (ao contrário do sistema 1).
2.2.1.1 A energia eólica no Brasil
Quanto à localização da turbina eólica, DIAS (2010) vê um possível ponto
negativo para o projeto:
Uma vez que é movido à energia eólica, ele depende das condições dos
ventos, e até mesmo dos requisitos dos cata-ventos, que, por sua vez, devem
ser instalados próximos ao mar ou a fontes de água. Isso não acontece caso
a fonte de energia seja a turbina eólica, de mecanismo diferente do catavento. Há portanto a limitação de espaço, já que quanto mais cata-vento,
mais potência.
Como a energia eólica recorre ao vento como fonte, elementos climáticos
(principalmente a mudança das estações do ano) influenciam na quantidade de energia
adquirida. Se levarmos em conta fatores como o alto potencial eólico brasileiro e seu
índice de aproveitamento, as regiões Nordeste, Sul e Sudeste, em particular, mostram-se
as mais propícias à instalação do sistema, conforme indica a Fig. 3.
Fig. 3: Potencial eólico brasileiro e capacidade instalada. Adap.: AGÊNCIA Nacional de
Energia Elétrica (Aneel). Atlas de energia elétrica no Brasil.
As vantagens da energia eólica sobrepõem os poucos pontos negativos. Entre
elas, vale destacar a redução da quantidade de CO2 no meio ambiente, a nãocontaminação do solo por elementos de contágio no lençol freático, e o uso de uma
fonte renovável. Por outro lado, há inconveniências como os ruídos provenientes do
rotor das turbinas que podem perturbar as populações vizinhas, a deformação da
paisagem natural e o impacto sobre a fauna. Para a instalação de uma usina, portanto,
devem ser analisados tais aspectos socioambientais.
A energia eólica é recurso-chave para a coluna de dessalinização. À vista disso,
se considerarmos uma possível aplicação no Brasil, o sistema se mostra eficiente,
sustentável e viável para ser posto em vigor no país.
2.2.2 O uso da energia potencial gravitacional
A energia potencial gravitacional de baixa pressão (< 0.2 mPa) é convertida em
energia cinética de um fluxo com alta pressão (> 5.5 mPa) no decorrer do processo.
Ep = mgh
Onde Ep é a energia potencial gravitacional, m é a massa de água, g a
aceleração da gravidade na Terra e h a altura do reservatório.
2.3 A osmose reversa
A dessalinização por osmose reversa busca retirar o sal da água salobra e tornála potável por meio da pressão osmótica. Trata-se de um processo em que o solvente,
através de uma membrana semipermeável, passa da solução mais concentrada para a
menos concentrada.
O solvente atravessa espontaneamente até que a altura da solução que esteja
adquirindo esse solvente chegue ao ponto de exercer uma pressão sobre a membrana,
barrando o fluxo contínuo de água. A pressão osmótica da água está em torno de 30atm.
Consequentemente, se excedermos essa marca, provocaremos a osmose reversa.
Entretanto, apesar da água estar finalmente potável, um dos maiores incômodos é o fato
de o outro recipiente ficar sobrecarregado do sal que arrecadou. Segundo (SOARES,
2006):
Independente da eficiência da membrana e da estrutura instalada, o sistema
de osmose reversa produzirá sempre a água potável, mas também a água
residuária (rejeito, salmoura ou concentrado). Considerando-se o poder
poluente do rejeito, altamente salino, deve-se almejar a melhor escolha para
sua destinação, especialmente porque quase sempre os cursos d’água e o
solo são os principais meios para sua disposição. (p. 732)
Para o problema apresentado por (SOARES, 2006), DIAS (2010) argumenta:
“ao idealizar o sistema, pensamos não só na questão dos gases poluentes, mas também
que poderíamos depositar o sal retirado da água. Esse „resto‟ pode ser, por exemplo,
devolvido para o mar de uma forma controlada”.
2.4 Análise do projeto
Quanto aos fins alternativos do projeto mecânico, a orientadora do estudo
FADIGAS (2011) ainda acrescenta uma grande vantagem desse sistema de
dessalinização:
“[...] a partir do uso de filtros apropriados, o sistema pode ser utilizado para a
despoluição de riachos e lagos, ou mesmo como fonte de água para uso na agricultura
ou produção de energia elétrica.”
O projeto, portanto, mostra-se viável técnica e financeiramente, além de
consumir aproximadamente 70% menos de energia quando comparado aos sistemas
convencionais, análise que pode ser feita no quadro 2.
Quadro 2
COLUNA DE DESSALINIZAÇÃO
SISTEMAS CONVENCIONAIS
3 kWh/m³
10 kWh/m³
Durante o estudo, o pesquisador ainda concluiu que diversos materiais podem
ser utilizados com sucesso para a construção do sistema, entre eles baldes, papelão e
concreto. O modelo ideal, entretanto, seria o de aço.
3 Considerações finais
A solução para a dessalinização de águas marinhas e subterrâneas apresentada
neste artigo é, em suma, inteligente. Utilizando fundamentos da mecânica e
termodinâmica prova-se que a materialização da ideia, com raras dificuldades de
adaptação, é tecnicamente viável e ainda benéfica aos ecossistemas.
As limitações do sistema — como a dependência da condição do vento e
localização dos cataventos (próximos de fontes de água) —, têm suas soluções
apresentadas pelo próprio autor. Além de sugerir a turbina eólica como alternativa ao
catavento, DIAS (2010), ao perceber que o sistema poderia ser tornar ineficiente em
razão da dependência ocasionada pela energia eólica, sugeriu a utilização da bomba
Clark, implementação no sistema que reaproveitaria a energia dissipada do sistema, a
qual não foi explorada neste artigo.
Embora o projeto tenha sido pensado e desenvolvido com foco na dessalinização
de águas marinhas e subterrâneas, o modelo apresenta diversas outras aplicações que
não foram exploradas no artigo e que justificariam um possível custo alto de instalação
— apesar do modelo renovável se mostrar economicamente viável. Entre os possíveis
reaproveitamentos do sistema está a despoluição de riachos e lagos, geração de
eletricidade e sistema como fonte de água para a agricultura em meios rurais.
Concluímos, portanto, que a ideia é uma alternativa viável técnica e
economicamente, o que é um ponto positivo para o projeto meio a tantos outros que
exigem de grandes quantidades de energia para funcionar. Através de uma
conscientização mundial sobre o problema atual, o projeto obviamente se tornaria uma
alternativa inteligente para tornar a água em abundância no mundo, enfim, potável, e
assim atenderia às necessidades das diversas regiões do mundo em que a água é
praticamente escassa.
4 Conclusões sobre o tema
Como conclusão, gostaríamos de propor e proporcionar uma pequena reflexão
àqueles que nos leem, a mesma que tivemos no decorrer da pesquisa.
Já decoramos que a quantidade de água potável disponível é inversamente
proporcional ao crescimento da população. Porém, o número de engenheiros, por
exemplo, é diretamente proporcional ao crescimento da população. Logo, quanto mais
pessoas, menos água potável e mais soluções para a escassez de água. Ora, então, por
que nos preocupamos tanto? Será que o problema do planeta é a ausência de soluções e
alternativas?
Existem incontáveis formas (simples e complexas) de fazer o uso inteligente
desse recurso que nos proporciona a vida. Sintetizá-las equilibrando características
como eficiência, simplicidade, sustentabilidade e acessibilidade só fez-nos sentir a
importância humana de estarem em um meio onde o que nos falta não são caminhos,
somente consciência do que há de ser feito.
Se vier a faltar água potável, é da consciência da humanidade que não foi por
mera razão quantitativa. Afinal, é clara a pendência de conscientização e sensibilização
geral de todos em relação à água, um óbvio reflexo da ausência de educação ambiental.
E educação, é um problema exclusivamente humano.
Percebam: somos incentivados fácil e diariamente por tudo o que nos cerca:
música, televisão, religião, livros e seres sociais. Por que a falta de vontade se mostra
ausente no dever de preservar a nossa fonte de vida? E se evoluímos até aqui e nos
tornamos pensantes com o justo propósito de salvar o planeta, ou pelo menos, salvar o
que nos fez vivo?
Teríamos de salvar-nos de nós mesmos.
5 Referências
The United Nations World... 2: Water, a Shared Responsibility. Disponível em:
<http://www.unesco.org/bpi/wwap/press/pdf/wwdr2_chapter_4.pdf>. Acesso em 27 de
julho de 2013 às 15h26min.
Adap.: AGÊNCIA Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Atlas de energia elétrica no
Brasil.
Disponível
em:
<http://www.aneel.gove.br/arquivos/PDF/livro_atlas.pdf>.
Acesso em 1 de agosto de 2013 às 19h47min.
DIAS, J.R. Modelo de transformação de energia eólica num fluxo de água com alta
pressão para dessalinização por osmose reversa ou/e geração de eletricidade. 2010.
Disponível em: <http://bit.ly/12ApM2g>. Acesso em 28 de julho de 2013 às 20h50min.
SAN JUAN, M.; ANTONIO, J. Desalación de aguas salobres y de mar: osmosis
inversa. Mundi Prensa Libros SA, 2000 às 20h20min.
RIBEIRO, W. C. Geografia política da água. Annablume Editora, 2008.
DIAS, J. R. Dessalinização de água por osmose reversa usando energia potencial
gravitacional
e
energia
eólica.
Dissertação
de
Mestrado,
Escola
Politécnica,Universidade de São Paulo, 2004.
Ministério
do
meio
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Energia
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Disponível
<http://www.mma.gov.br/clima/energia/energias-renovaveis/energia-eolica>.
em:
Acesso
em 16 de agosto de 2013 às 01h28min.
AMARANTE, O. A. C.; BROWER, M.; ZACK, J.; SÁ, A. L. Atlas do potencial eólico
brasileiro.
Brasília,
2001.
Disponível
em:
<http://www.cresesb.cepel.br/publicacoes/download/atlas_eolico/Atlas%20do%20Poten
cial%20Eolico%20Brasileiro.pdf>. Acesso em 16 de agosto de 2013 às 20h00min.
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