PROPOSTA DE PLANO DE TRABALHO PARA A
IMPLEMENTAÇÃO DA MORATÓRIA NO DESMATAMENTO
PARA SOJA NO BIOMA AMAZÔNIA
Reunião de entidades da sociedade civil
Brasília, 19 de outubro de 2006
No dia 24 de julho de 2006, a Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos
Vegetais) e Anec (Associação Nacional de Exportadores de Cereais) e suas
associadas anunciaram a adoção de uma moratória de dois anos na comercialização
de soja proveniente de novos desmatamentos no bioma Amazônia. As entidades da
sociedade civil aqui reunidas se comprometeram a trabalhar junto às empresas do
setor da soja, organizações da sociedade civil e o governo para atingir os objetivos da
moratória, bem como buscar governança nas áreas já desmatadas no bioma
Amazônia.
As medidas anunciadas não contemplam todas as demandas das entidades da
sociedade civil envolvidas na série de protestos que antecederam a decisão. Mas o
fato de que as empresas do setor da soja e suas entidades representativas tenham
adotado a moratória demonstra um avanço na consciência ambiental e o
reconhecimento do impacto que a expansão da soja tem sobre a floresta amazônica e
a necessidade de buscar soluções adequadas para proteger esse importante bioma.
Ao sinalizar com a participação das entidades representativas da sociedade civil no
processo de busca de soluções para a governança nas áreas já desmatadas, elas
deram também um sinal positivo de reconhecimento do papel dessas entidades no
encaminhamento do problema.
Abre-se agora um processo de negociação que tem como objetivo dar passos
concretos através de mecanismos de cooperação a serem estabelecidos.
No dia 19 de outubro de 2006, entidades da sociedade civil reuniram-se em Brasília,
para discutir e acordar uma proposta de plano de trabalho comum visando o
estabelecimento imediato de um processo de implementação dos compromissos já
citados.
Esta proposta, gerada naquela reunião, não pretende cobrir toda a complexidade da
questão nem atender a todas as demandas e posicionamentos das organizações
envolvidas. Trata-se, na prática, de um “mapa do caminho” que, devidamente discutido
e aperfeiçoado, poderá garantir o sucesso da moratória.
MAPA DO CAMINHO
A. GRUPO DE TRABALHO
Propõe-se a criação de um Grupo de Trabalho da Soja (GTS), reunindo numa primeira
fase empresas comercializadoras e produtoras e as ONGs e movimentos sociais, para
identificar os problemas, definir medidas necessárias para seu equacionamento e
buscar as soluções necessárias para que os compromissos sejam cumpridos em
prazo adequado.
i.O grupo de trabalho deverá ser pequeno o suficiente para ser operacional, e
necessariamente representativo dos setores envolvidos.
ii.Os representantes do grupo das ONGs e movimento social, indicados por seus
pares, serão os porta vozes e negociadores das propostas definidas conjuntamente
em reuniões periódicas.
iii.O mandato do grupo de trabalho deverá ser pelo menos igual à duração inicial da
moratória.
iv.O grupo de trabalho deve incorporar subgrupos técnicos que subsidiem as tomadas
de decisão. Inicialmente, sugere-se a constituição de um subgrupo técnico dedicado a
MAPEAMENTO e outro dedicado a GOVERNANÇA E LEGISLAÇÃO.
v.As atividades do Grupo de Trabalho devem ser comunicadas regularmente ao
publico e às partes interessadas.
Um dos princípios fundamentais para assegurar o sucesso dessa iniciativa é
assegurar uma transparência nas decisões de modo a manter a confiança entre as
partes envolvidas.
Considera-se, também, necessária a presença de uma terceira parte neutra para
moderar o grupo de trabalho, como por exemplo o Instituto Ethos, organização com
larga experiência na questão de responsabilidade corporativa.
B. MAPEAMENTO
Para a confirmação de origem da soja, considerando-se que ainda não existem
mecanismos independentes, confiáveis e internacionalmente aceitos de certificação
dessa commodity, são necessários MAPAS que orientem o tomador de decisão
(comprador, verificador etc) e o detalhamento da cadeia de custódia da soja, da
floresta ao mercado. Inicialmente identificamos a necessidade de três tipos de mapas
(do bioma amazônico, do desmatamento na data da moratória, das propriedades
rurais produtoras de soja) descritos abaixo. O país tem experiência acumulada em
mapeamento, tanto por órgãos federais e estaduais, quanto por ONGs e empresas
privadas. Parcerias entre esses setores podem acelerar e baratear o processo.
B. 1. MAPA DO BIOMA AMAZÔNIA
1.A moratória no desmatamento anunciada pela Abiove e Anec se aplica ao
Bioma Amazônia. Os mapas oficiais desse e dos demais biomas brasileiros estão
à cargo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE)1. Os mapas mais
recentes estão na escala 1:5.000.000.
2.Essa escala dificulta a tomada de decisões necessárias à implementação da
moratória, pois não permite a discriminação criteriosa da fronteira entre biomas, na
escala da propriedade rural.
3.Uma das primeiras atividades desse subgrupo seria avaliar esse problema e
propor alternativas para seu equacionamento, como por exemplo o uso do
mapeamento dos remanescentes dos biomas brasileiros contratados pelo
PROBIO-SBF-MMA, em fase de finalização ou ainda um refinamento dos limites
nas áreas de transição cerrado/floresta.
4.Em conversas iniciais, foi identificado interesse do Banco Mundial em financiar a
finalização desses mapas pelo IBGE.
PROPOSTAS DE AÇÃO:
O GTS designaria responsáveis para, em trabalho junto ao governo federal, ao
IBGE e a fontes de financiamento, garantir uma definição, na escala adequada,
dos limites do Bioma Amazônia.
Prazo: antes do preparo de solo para os primeiros plantios da próxima safra da
soja (Julho de 2007).
Contatos iniciais básicos: MMA/Secretaria de Florestas; IBGE, Banco Mundial.
B.2. MAPAS DO DESMATAMENTO
1.A moratória entrou em vigor a partir da data do compromisso Abiove/Anec, ou
seja, 24 de julho de 2006. Torna-se fundamental, portanto, a existência de mapas
da situação do desmatamento no Bioma Amazônia naquela data (ou em torno de).
Tais mapas ainda não estão disponíveis..
2.O mapa do desmatamento na Amazônia brasileira com base em imagens de
satélite pode ser produzido pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais),
provavelmente ainda em 2006, se recursos adicionais estiverem disponíveis. O
Inpe tem série histórica de desmatamento de agosto a agosto. Seria preciso
completar e refinar os mapas até agosto de 2006, que passariam a ser aceitos
pelos envolvidos como o mapa de referência para a moratória.
3.No IV seminário técnico-científico de análise dos dados de desmatamento na
Amazônia Legal, realizado na sede do Censipam, Brasília, nos dias 17 e 18 de
outubro, o diretor do INPE, Dr. Gilberto Câmara disse que um mapa adequado
poderia ser produzido mediante uma clara definição do demandante.
PROPOSTAS DE AÇÃO:
O GTS designaria responsáveis para, em trabalho junto ao Inpe e outras
instituições que trabalham com o tema, acelerar a produção dos mapas das áreas
desmatadas até agosto de 2006 e identificar fontes de financiamento para garantir
a disponibilização dos mapas, se necessário.
Prazo para a finalização dos mapas: início de 2007.
Contatos iniciais básicos: Inpe, Banco Mundial.
Assegurar que o MMA solicite o mapa ao Inpe.
B.3. MAPAS DAS PROPRIEDADES RURAIS
1
O mapa do IBGE está disponível em
ftp://geoftp.ibge.gov.br/mapas/tematicos/mapas_murais/biomas.pdf.
1.Grande parte das propriedades rurais ainda não têm seus limites registrados nos
órgãos oficiais, o que impossibilita monitorá-las a partir de imagens de satélite ou
outros instrumentos e impede que as traders possam cumprir seu compromisso de
não mais comercializar soja vinda de novos desmatamentos.
2.Logo, é do interesse das próprias traders e empresas consumidoras que os
dados das propriedades sejam disponibilizados por seus proprietários.
3.A produção desses mapas georreferenciados é uma exigência legal ainda não
cumprida por grande parte dos produtores e pelos próprios institutos – como o
Incra – encarregados de fazer valer a norma legal.
4.O Estado do Mato Grosso está bem adiantado nesse processo após tornar
obrigatória, há alguns anos, a apresentação de mapas rurais georreferenciados
por produtores que negociam com a máquina pública. O processo foi interrompido,
mas o governo do estado já se manifestou interessado em retomar a exigência. O
sistema é conhecido como SLAPR – Sistema de Licenciamento Ambiental de
Propriedades Rurais – e deve ser adotado pelo Pará e por Rondônia.
5.Instituições multilaterais como o Banco Mundial e a cooperação internacional
poderiam financiar esses mapas. O governo alemão já nos manifestou seu
interesse. Espera-se que as comercializadoras de soja sinalizem contrapartida aos
recursos levantados pelas organizações da sociedade civil.
PROPOSTAS DE AÇÃO:
Cada empresa deveria solicitar, como condição para seus contratos de compra,
que os produtores forneçam os mapas de suas propriedades (com
responsabilidade técnica), incluindo a localização das áreas cultivadas, de reserva
legal e de preservação permanente.
Da mesma forma, esses fornecedores deverão fornecer às traders cópias da
documentação de propriedade da terra e, se for o caso, de seu arrendamento;
Caso ainda não os tenha, os documentos que indicam que sua regularização
esteja em processo junto ao órgão fundiário competente.
O GTS designaria responsáveis para, em trabalho junto ao governo Federal, ao
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), os governos de
estados incluídos no bioma Amazônia e as fontes de financiamento, garantir o
cadastro das propriedades rurais com prioridades para as áreas da soja no bioma.
Todas as propriedades devem ser registradas no Incra ou em institutos
estaduais de registro de terras, e corretamente documentadas com imagens de
satélite e mapas georreferenciados, mostrando áreas de uso, reservas legais e
áreas protegidas.
Prazo para a finalização dos mapas nas áreas críticas: antes do plantio da safra
2007-2008.
Dentro de dois anos, cada empresa deveria aceitar como fornecedores apenas
os produtores capazes de provar a legalidade de seus títulos de propriedade.
Fazendeiros teriam dois anos para cumprir essa demanda. Empresas não
comprariam soja dessas fazendas depois do período de graça de dois anos.
C. GOVERNANÇA E LEGISLAÇÃO NAS ÁREAS DESMATADAS
1.Governança significa capacidade de implementação da legislação e respeito às
leis existentes. No caso, implica ter um alto grau de confiança de que o sistema de
monitoramento aqui proposto refletirá a realidade no campo no que diz respeito
aos padrões e exigências adotados.
2.Três pontos são básicos nessa questão: a legalidade da propriedade rural, o
respeito ao Código Florestal Brasileiro e à legislação trabalhista, com garantias de
que mão de obra escrava ou semi-escrava não é utilizada.
3.No Código Florestal constam orientações para a adequação ambiental das
fazendas que não estão de acordo com as exigências legais.
4.Numa primeira etapa, deverá haver flexibilidade nas demandas de adequação
ambiental de pequenos produtores com áreas até 150ha (Pronaf). Mesmo para os
pequenos não haverá flexibilidade para novos desmatamentos.
PROPOSTAS DE AÇÃO:
O GTS designaria responsáveis para, em trabalho junto ao Governo Federal,
produtores rurais e outros envolvidos, identificar como adequar à legislação das
propriedades rurais em áreas já desmatadas dentro das orientações previstas no
Código Florestal.
As empresas comercializadoras já se comprometeram a assinar e cumprir
estritamente o Pacto Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. Esse
compromisso constará dos contratos de compra com fazendeiros, com vigência
imediata.
Cada empresa deve exigir de todos os seus fornecedores de soja cujos limites
de desmatamento estabelecidos pelo Código Florestal tenham sido excedidos a
assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta com o Ministério Público, com o
objetivo de recuperar as áreas de floresta degradadas ou de realizar a
compensação florestal, conforme determina o Código Florestal Brasileiro.
O GTS definiria qual o prazo máximo que os produtores terão para adequar-se à
exigência legal.
Serão buscados mecanismos de apoio a fazendeiros cujas propriedades rurais
não respeitem os limites 20/80 estabelecidos a partir das mudanças no Código
Florestal, mas que foram desmatadas legalmente antes dessas mudanças, para
que eles possam se adequar à legislação.
D.MONITORAMENTO
1.É do interesse das traders e das empresas consumidoras que o sistema seja
capaz de oferecer condições adequadas de monitoramento e de comprovação do
respeito aos compromissos e legislação pertinente por todas as partes envolvidas.
2.Ainda não existe um sistema confiável, independente e internacionalmente aceito
de certificação de origem da soja e de sua adequação à legislação. E ainda
existem muitas dúvidas e controvérsias sobre a possibilidade de se estabelecer, a
curto prazo, um sistema confiável e de baixo custo de certificação para a cultura da
soja.
3.Dessa forma, os mapas descritos acima devem orientar a tomada de decisões.
As empresas deveriam estabelecer sistemas de rastreabilidade de suas cadeias
produtivas, incluindo auditoria externa a fim de garantir controles para a compra de
soja.
4.As empresas deveriam conduzir um programa ativo para informar e educar os
agricultores sobre esses critérios e deixar claro para o setor agrícola que os que
violarem os critérios não serão aceitos como fornecedores.
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CRITÉRIO MÍNIMOS PARA OPERAÇÕES COM SOJA