Banco do Brasil apresenta e patrocina
ACESSIBILIDADE
CCBB EDUCATIVO 2011
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ACESSÍVEL PARA QUEM?
:: EDUCAÇÃO E MULTISSENSORIALIDADE
:: ALTERIDADE E EXPERIMENTAÇÃO
:: ARTE, ACESSO, PARTICIPAÇÃO
:: A MÚSICA NA PELE
:: DINAMISMO
::
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O
s encontros Práticas e Reflexões com Educadores, desenvolvidos
pelo CCBB Educativo, tem o intuito de contribuir com os
professores e educadores na discussão dos mais variados
desafios enfrentados em sala de aula. Nesta edição, as atividades têm
como foco o debate sobre a Acessibilidade.
De tamanha amplitude e complexidade, a Acessibilidade é tema que
vem sendo abordado nos mais diversos campos da sociedade:
educacional, empresarial, político, cultural, da saúde, entre outros. É
uma questão que impacta diretamente um dos direitos primordiais do
cidadão: o direito de ir e vir, com segurança e autonomia, a partir do
qual tantos outros são decorrentes.
Com mais esse encontro, o CCBB espera colaborar para o
aprofundamento das discussões sobre o tema e para a criação de
instrumentos e estratégias de mediação que contribuam cada vez
mais para a educação e formação do cidadão.
Centro Cultural Banco do Brasil
ACESSÍVEL
PARA QUEM?
por Tatiana Henrique
Alice abriu a porta e viu que dava para uma pequena passagem, não muito maior que
um buraco de rato: ela ajoelhou-se e avistou o mais adorável jardim que jamais vira.
Como ela gostaria de sair daquela sala escura e passear por entre aqueles canteiros de
flores viçosas e aquelas fontes geladas... mas ela nem mesmo conseguiria fazer passar
sua cabeça pela porta; 'e mesmo que a minha cabeça passasse', pensou a pobre Alice,
teria pouca utilidade sem meus ombros. Oh! como eu desejo poder encolher como um
telescópio. Eu acho que poderia, se ao menos soubesse como começar.
Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll
Ilustração para Alice no País das Maravilhas,
de John Tenniel, 1865.
Datam dos anos 80 do século XX, as primeiras conversas em solo brasileiro sobre a
necessidade de revisitação de espaços e objetos, a fim de que estes se colocassem à
disposição de uso por todas as pessoas, o que se convencionou chamar de acessibilidade*.
Em 1981, acontece o Ano Internacional de Atenção à Pessoa Portadora de Deficiência,
efeméride em que se inicia a redação de leis e decretos que estabelecem uma nova ordem
nacional. Cerca de 30% da população residente na cidade de São Paulo possui algum tipo de
deficiência – dados do IBGE, do censo 2000! – o que mostra o quão emergencial era a
transformação dos aparelhos da cidade, para que esses cidadãos pudessem sair da
invisibilidade e ser integrados à população total.
Ainda em São Paulo, a partir de 91, quando é sancionada a lei de acessibilidade a estádios
esportivos, são redigidos inúmeros outros documentos legais, na tentativa insistente e
incansável de fazer com que todos os espaços, urbanos e internos, abriguem a maior
diversidade de pessoas.
É natural associar a palavra acessibilidade a uma relação mais direta com a luta das pessoas
com deficiência. Aqui, propomos que esse debate seja (é) ampliado a muitos públicos. Uma
definição básica deste termo é:
*s.f. Qualidade do que é acessível, do que tem acesso. Facilidade, possibilidade na aquisição, na aproximação: a
acessibilidade de um emprego. Fonte: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
Se algum lugar, de algum modo, faz com que você não se sinta bem-vindo, qual é a sua
reação? Você se lembra de alguma situação em que se viu impedido de ter acesso a alguém
ou algo? Qual foi o motivo? A distância, a língua, a sinalização, o preço, a altura, a largura, a
luminosidade, o tamanho da fonte do texto, o olhar das pessoas?
A sensação de inadequação em ruas e espaços é algo compartilhado por pessoas com
deficiência visual, auditiva, motora, intelectiva, e idosos, crianças, canhotos, obesos, pobres
e estrangeiros. Felizmente já começamos a vislumbrar o dia em que não passar pela catraca
de ônibus, falta de elevadores para cadeirantes, mobiliários e botões muito altos, falta de
sinalização em braille ou inglês ou espanhol vai ser totalmente estranho e incomum.
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Neste aspecto material nasce o conceito de desenho universal, cuja própria expressão já diz
do que se trata: na criação de qualquer objeto ou lugar, é preciso pensar não apenas no
produto em si, mas na diversidade humana que entrará em contato com ele. Para ser um
produto com desenho universal, o espaço ou objeto devem ser construídos tendo em vista as
seguintes características:
Igualitário – portas com sensores que se abram em amplas larguras;
Ÿ
Adaptável – tesouras para canhotos e destros, e adaptadores para pessoas com
Ÿ
deficiência motora;
Óbvio – a sinalização de sanitários;
Ÿ
Conhecido – acrescido de relevo e escrita em braille;
Ÿ
Seguro – elevadores com sensores em alturas diferentes;
Ÿ
Sem esforço – torneiras com sensores ou maçanetas que podem ser abertas com
Ÿ
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o cotovelo;
Abrangente – assentos para obesos e cabines sanitárias para cadeirantes;
Ÿ
É possível aplicar as ideias de desenho universal em todos os locais, até mesmo em casa,
identificando e minimizando a presença de quinas pontiagudas, altura de prateleiras, tapetes
escorregadios. Em locais como centros culturais, pode ser observado nas portas e portões,
elevadores, balcões de atendimento, corrimãos e rampas.
No entanto, a acessibilidade espacial precisa estar acompanhada de outros modos de praticála, pois o valor dos eventos por vezes é um fator determinante no momento da escolha de
eventos. Vale lembrar que a desigualdade socioeconômica e cultural no Brasil se reitera não só
na renda das famílias, mas acaba se refletindo nas programações artísticas disponíveis à
população de classes de baixa renda, devido à inviabilidade de transporte e o custo de
ingressos em geral.
Neste sentido, a escola pode ser um personagem mediador excelente, através de seus
educadores e educandos, que multiplicam o reconhecimento de locais que acolham a
diversidade: em todo núcleo familiar, pode-se encontrar ao menos uma criança, um idoso,
uma pessoa com algum tipo de deficiência ou necessidade especial (momentânea ou não),
uma gestante ou um parente com menor poder aquisitivo. No contato com os espaços
culturais acessíveis, a escola, através desses atores, distribui uma espécie de telescópio de
Alice, não para diminuir as pessoas, mas para aproximá-las de toda a maravilha da urbe.
E já que estamos falando de escola, só para não passar despercebido, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação 9.394/96, em acordo com a Constituição Federal Brasileira (que
estabelece a universalidade do ensino e cultura à sua população), discursa em seu capítulo V
sobre os princípios da educação para pessoas com deficiência. Princípios que seguem em
discussões sobre o seu desenvolvimento, sobre as diferenças entre integração (manutenção
do sistema de educação, adaptando-se à especificidade do educando) e inclusão (em que há
o questionamento de todo o sistema e dos procedimentos pedagógicos em relação a toda
diversidade discente). Na sua escola, como isso acontece?
Vamos pensar juntos: ao falarmos em Educação, já deveriam estar intrínsecos os princípios
inclusivos, seja com relação a questões de deficiência, gênero, etnia ou social, dado que este
é um campo de compartilhamento dos valores humanos sincrônica e diacronicamente.
Contemporaneamente, os museus e centros culturais também compartilham dessas
propriedades. Assim, recai sobre eles um dever duplo: com a adequação de seu espaço físico
– ainda que tombado, uma vez que o patrimônio arquitetônico não pode estar acima do
direito humano – e o acesso aos bens culturais que propagam, dada às suas funções de
guarda e de exibição do acervo ou programações temporárias e de educação.
Esta última função normalmente recai sobre os setores educativos que, através de sua
metodologia pedagógica, possuem estratégias alternativas ao que possa faltar em
exposições, por exemplo.
A criação de réplicas táteis para cegos ou pessoas com baixa visão, intérpretes em LIBRAS e
mobiliários rebaixados são apenas o início da abordagem mediativa acessível. Ela só vai se
completar na conversa: o que se percebe ao tocar as réplicas, ao sentir a vibração do som da
videoinstalação, ao ser engolido pela dimensão da instalação, ao passar por debaixo da porta
centenária pela qual passavam os mais ricos da cidade?
Construindo perguntas e respostas, comunicando ideias e sensações, entrelaçando saberes e
habilidades, as ações educativas se tornam inclusivas. A mediação é a acessibilidade,
transmaterial e dialógica, além de leis, decretos, plenamente tornada viva. E que,
principalmente, pode estimular uma fruição mais autônoma e coletiva possível.
É através dessas práticas que o maior fato de inacessibilidade é eliminado: o olhar do outro.
Não bastam documentos escritos e assinados, locais preparados se o aparelho humano não
se abre para acolher a diversidade de público. É preciso abrir os sentidos para aprender
com quem está ao meu lado, independentemente de sua idade, contorno físico ou sistema de
comunicação.
É esse o convite que nós fazemos a você, educador: vivenciar uma experiência acessível.
Seguem as instruções de bordo...
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O artista e designer Roxane Andrès cria vários objetos para
crianças em hospitais, a fim de que elas recriem partes do corpo
ou encarem os materiais típicos desses locais de um modo mais
divertido.
Roxane Andrès
O Conto de intervenção, La Ceinture d´intervention
Exposição Saint Etienne Cité du Designer
CCBB - 2009
Referências disponíveis na internet
Desenho universal: um conceito para todos. De Ana Claudia Carletto e Silvana Cambiaghi.
Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência. Presidência da República; Secretaria Especial de Direitos
Humanos; Coordenadoria Nacional para integração da Pessoa Portadora de Deficiência.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Presidência da República; Casa Civil; Subchefia para Assuntos Jurídicos.
Todas as crianças são bem-vindas à escola. Maria Teresa Eglér Mantoan.
Alice no país das maravilhas. Lewis Carroll.
Substitua o termo normalidade por diversidade. Não se pode mais falar sobre o ser humano,
mas os inúmeros tipos de seres humanos.
Comece a perceber tudo sobre o que conversamos aqui: se coloque em alturas diferentes,
imagine-se com larguras diferentes, com metade do dinheiro que você tem na sua carteira,
falando uma outra língua, feche seus olhos, seus ouvidos.
Passeie pelo CCBB e observe a quantidade de cores e linhas presentes nas pessoas ao seu
redor. Algumas vão se parecer mais ou menos com você, mas nunca serão tão iguais ou tão
diferentes. Exercite sua alteridade.
Seja bem-vindo ao jardim de Alice n
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Lauro Muller
Pintura Abstrata Floresta Tropical, 1994-2006
600 x 500 cm
tinta acrílica sobre tela recortada
Exposição Museu de Arte Moderna
Rio de Janeiro
EDUCAÇÃO
E MULTISSENSORIALIDADE
pelo Grupo de Pesquisa em Acessibilidade
Durante muito tempo, os trabalhos feitos em Artes Visuais, como o próprio termo nos diz,
eram apreendidos através da lógica da visão, devendo os outros quatro sentidos se
comportarem como coadjuvantes. Diziam os gregos, inclusive, que enxergávamos as coisas
devido a uma luz emitida pelos olhos que iluminava os objetos. Ainda hoje, poeticamente se
afirma que os olhos são como portais de nossa alma.
Vamos lembrar também que, por um longo período da história, sofremos uma educação que
procurava minimizar as funções do corpo, evitando, principalmente, os sentidos como o
olfato, o mais primitivo, e o tato, o mais relacional de todos.
Contudo, a relação entre os sentidos sempre esteve presente na Arte, despertando o público
para sensações diversas. Quem vê o desenho de um abacaxi pode salivar porque se lembra do
gosto agridoce da fruta ou imaginar a textura de sua casca e coroa.
Com o passar do tempo, materiais, suporte e mesmo o papel daquele que usufrui da arte
foram sendo repensados. A própria definição do que é pintura se transformou na atualidade.
Além da tradicional tela, outros suportes passaram a ser utilizados como um pedaço de
alfinete, um prédio e até o próprio corpo. Este processo tornou a Arte mais sinestésica, ou
seja, capaz de ser apreendida através de mais de um dos sentidos. Uma instalação, por
exemplo, proporciona discussões sobre a relação do corpo com o espaço, pode ter cheiros,
cores e muitas vezes só existe no momento em que o espectador se torna sujeito ativo e a
adentra.
Que tal visualizar uma pintura por meio de uma descrição, perceber o desenho de uma
escultura através do tato ou experimentar uma música percebendo sua vibração? Modos não
convencionais de conhecer e interagir com a obra de arte viabilizam a acessibilidade de
pessoas com deficiência e são uma possibilidade instigante para os demais visitantes de uma
exposição. Quando um de nossos sentidos é vedado, ativamos outros canais de percepção, os
quais muitas vezes não utilizamos em toda a sua potência.
A obra de Hélio Oiticica é um bom exemplo de multissensorialidade. O Parangolé faz não só o
espectador contemplar a cor, como também vestir-se dela, ou seja, ser a própria cor. Ele passa
a senti-la pelo movimento dos panos. Wassili Kandinsky, no início do século XX, propôs uma
equação que aproximava a pintura da música. Ele falava do movimento ritmado da
composição, do rufar dos tambores, da pulsação – tudo através das cores.
Lauro Müller toma esse translado como parte de seu processo poético: da pintura para o
espaço, a cor deixa de ser elemento e se torna corpo e volume. Como ele mesmo afirma:
“A principal responsabilidade do artista é criar mundos novos, um campo de expressão humana
através de sua arte, empurrando fronteiras, derrubando limites. Levo isso ao pé da letra: Minhas
cores saem dos quadros, as formas encontram seus próprios espaços”.
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Esses exemplos oferecem um caminho para nós, educadores: perceber que cada obra já
oferece nela mesma as vias de arte-educação inclusiva. Não existe fórmula preestabelecida a
ser aplicada, mas apenas observação. Assim como os artistas, no seu fazer, transformam
ideias ao mesmo tempo em pintura (uma obra de superfície plana) ou em uma instalação
(uma obra espacial), estamos atentos a esse tipo de percepção no trabalho de acessibilidade
em exposições.
É pensando nessas questões que museus, instituições e centros culturais vêm atingindo um
público ampliado. No Setor Educativo do Centro Cultural Banco do Brasil, o Grupo de Pesquisa
em Acessibilidade preocupa-se justamente com isso: o estudo e a elaboração de visitas e
atividades especialmente desenvolvidas para pessoas cegas, com baixa visão, surdas ou com
deficiência intelectual, contando com uma equipe composta de educadores de diversas áreas
do conhecimento e de especialistas em LIBRAS e braille.
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A exposição Expedição Langsdorff, realizada no início de 2010, é um bom exemplo desta
abordagem multissensorial e de como foi possível transpor desafios. Uma vez que se tratava
de uma exposição de cunho histórico, encontravam-se dificuldades bidimensionais –
documentos, aquarelas, gravuras – que precisaram ser transladadas para o universo
tridimensional.
Foram esculpidas placas em alto relevo – as imagens planas contidas nas aquarelas foram
transformadas em objetos. Foi elaborado um folder em braille, e disponibilizadas visitas com
audiodescrição e visita em LIBRAS – esta última, parte de nossa programação permanente.
É sempre importante frisar que esse tipo de cuidado é positivo não apenas para o público com
deficiência, mas para os demais, pois a ação educativa inclusiva não passa despercebida,
torna-se uma intervenção criativa no espaço expositivo, acrescendo percepções a todos os
visitantes.
A mediação cultural tem um importante papel para visitantes com ou sem deficiência, pois vai
muito além da descrição ou das informações sobre as obras. Trata-se de um ato que provoca
reflexões e instiga a participação do visitante de forma autônoma, independente de
conhecimento prévio, contribuindo, assim, para uma experiência significativa. Afinal,
acessibilidade está intimamente ligada ao direito que o indivíduo deve ter: a autonomia de ir,
vir e permanecer. n
Visita Sensorial, CCBB Educativo SP
Foto Gabriela Gil
Conheça um pouco do trabalho desenvolvido no CCBB
Visita Sensorial - com materiais táteis, visa ao atendimento do público cego e com baixa visão, de modo que ele vivencie o espaço e a arquitetura
do prédio de uma maneira diferenciada, valorizando a multissensorialidade. O público poderá tocar o edifício ao mesmo tempo em que um
educador lhe fornece informações e descrições. O público vidente também pode participar da visita, utilizando vendas nos olhos.
Visita em LIBRAS - o educativo conta com três educadores especializados em LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), sendo um deles surdo. Essas
visitas podem abordar tanto a história do prédio quanto as exposições em cartaz. Pessoas ouvintes que são fluentes em LIBRAS também podem
participar.
ALEKSANDR RÓDTCHENKO
Dobrolet. Envergonhe-se, o seu
nome ainda não está presente
em listas de acionistas de
Drobolet. Todo o país está
assistindo esta lista, 1923
Cromo-litogravura, 108 x 71 cm
Legado em 1931, Leningrado
ALTERIDADE
E EXPERIMENTAÇÃO
por Angélica Ferreira
A Ideia...
Como é possível tornar um produto cujo apelo é visual acessível à um pessoa cega? Um
comercial, por exemplo, pode apontar as características de um produto e não dizer seu
nome, nem seu formato. Como um cego poderia comprá-lo? Um filme pode terminar apenas
com uma cena de um beijo, mas sem nenhuma fala. Qual seria o final do filme para uma
pessoa com deficiência visual?
Por meio da audiodescrição, isto é da “tradução” da linguagem visual para a verbal,
podemos tornar acessíveis as informações visuais para essas pessoas.
Na atividade a seguir, propomos essa experiência a você e seu grupo.
Os cartazes russos são um bom exemplo de acessibilidade antes mesmo dessa temática
estar em voga: a utilização de fontes que fossem simples de serem lidas e de imagens que
transmitissem a mensagem para os analfabetos buscavam mostrar o máximo de informação
em um mínimo de espaço. E pra você: é possível perceber a mensagem através das imagens,
mesmo sem conhecer a língua russa?
A Prática...
Para sensibilizar os participantes antes da atividade, você deve vendá-los. Em seguida, passe
uma cena de um filme com poucas falas e muitas imagens ou de um comercial de TV. Eles
conseguiram compreender do que se tratava o filme ou o comercial? O que faltou?
Depois de tirarem as vendas, divida-os em grupos de cinco. Para cada grupo entregue uma
imagem: um edifício, uma pintura, uma fotografia. Nenhum grupo pode ver a imagem do
outro. Converse sobre as imagens e a maneira como as descreveriam à primeira vista. Deixe
que se reúnam, discutam e pesquisem.
Após essa fase, peça que escrevam um roteiro sobre as imagens, tendo em mente que ele
terá a função de descrevê-las a uma pessoa cega.
Você ainda pode apresentar um trecho de filme ou propaganda com audiodescrição
(disponível na internet ).
Essa atividade proporciona a discussão tanto sobre questões de acessibilidade quanto sobre
as informações que são necessárias à compreensão do mundo e, também, da diferença entre
a linguagem verbal e a visual.
E agora: será que seus alunos percebem o mundo de uma maneira diferente? n
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ARTE,
ACESSO, PARTICIPAÇÃO
por Valquíria Prates
Palavras como experiência, participação, interatividade estão marcadas quase que
indissociavelmente na produção de arte contemporânea. São premissas para diversos
trabalhos e para prática de muitos artistas: a obra deve ser ativada em sua potência, ser
acessada.
Pensar no acesso às obras envolve uma perspectiva abrangente, a começar pelas
expectativas de educadores em relação ao público, às obras e aos possíveis relacionamentos
entre ambos.
Neste sentido, quando o foco de atuação do mediador é o público com deficiência, algumas
questões merecem uma reflexão ainda mais ampla, considerando de antemão que a
exposição é o lugar onde dois corpos potentes de ativação1 se encontram.
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De um lado está o público: diverso, múltiplo, potente de possibilidades e percepções que se
dão a partir de seu corpo, atuante num movimento ininterrupto na construção de sentidos.
Um corpo que escuta, vê, pensa e sente na medida de suas possibilidades: pode ver com as
mãos, escutar com os olhos, pensar com o sentimento, sentir pensando.
Do outro lado, à espera do encontro, está a obra: plena de sentidos que se manifestam por
meio também de seu corpo, constituído de matéria e conceitos.
No âmbito da educação pela arte, o mediador (seja o professor ou o educador de uma
instituição cultural) é quem presencia este encontro íntimo entre público e obra. Seu papel é
determinante: sua presença pode tornar-se um elemento facilitador ou uma interferência, a
depender justamente do que espera que o outro (o público) experiencie. Em geral, o risco de
obstruir o acesso e a participação do público a um único tipo de experiência válida advém do
fato de tomar como referência um tipo específico de percepção sensorial, cognitiva e sensível,
ignorando que há outras formas de ver, sentir e pensar.
Quando o objetivo é promover o acesso, o mediador deve ampliar seu foco de atuação. Sua
”meta” deve estar na experiência como processo e não como ponto de chegada. Ela é duração,
intercurso, construção de sentidos, individual em primeira instância.
1. Merleau-Ponty, M. (1999). Fenomenologia da percepção. 2 a. Ed. São. Paulo: Martins Fontes. (Texto original
publicado em 1945).
DEWEY, J. A Arte como Experiência. São Paulo, Ed Martins Fontes, 2010. (texto original de 1934).
Guilherme Teixeira
Rolê, 2010
Escultura em madeira, rodas de skate,
rolamentos e lixa
A experiência, lembrando Merleau Ponty (França, 1908-1961), reside no espectador e é
entranhada a partir do conjunto de variáveis que constitui sua singularidade. Desta forma, se
o público não enxerga, não escuta, tem mobilidade reduzida ou qualquer tipo de deficiência
intelectual, é preciso considerar que nada disso constitui um impedimento à vivência de
experiências poderosas e plenas; ao contrário, a arte espera a participação ativa de toda e
qualquer pessoa que se dispuser a ativá-la no encontro.
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Nos últimos 12 anos venho me dedicando às práticas de mediação em diferentes instâncias do
trabalho com arte, em especial à curadoria e à ação educativa em exposições de arte. Grande
parte de meu interesse está justamente na preparação de propostas de mediação acessíveis e
abrangentes, considerando o público num enfoque expandido de interesses e possibilidades.
A ideia não é preparar ações específicas para o público com deficiências, mas sim planejar e
construir 'ambientes' de mediação, que possam acolher qualquer pessoa que queira
experimentar arte. Meu foco de atuação, desta forma, é a preparação do espaço físico da
exposição e de instâncias que mediam as obras: textos escritos, falados, subentendidos ou
explícitos.
Acredito que o mediador deve, em primeira atitude de planejamento, vasculhar a plataforma
da exposição em busca de territórios onde o acesso às obras possa acontecer sem obstruções,
para enfatizar nelas suas ações. Pensar em caminhos de acesso físico, promover soluções
para a visibilidade dos trabalhos e dos textos que mediam a exposição. É justamente a falta de
planejamento para o acesso físico que prejudica, em muito, as condições de desempenho da
pessoa com deficiência no ato de visitar exposições. Mas contar apenas com a acessibilidade
física não é o bastante. Esta é a primeira medida de equiparação de oportunidades; mas, para
promover de fato o acesso, o educador precisa estar atento às suas próprias expectativas,
perceber que o contato com as obras se dá simultaneamente em duas camadas e níveis que
estão no entorno da experiência: no lugar-exposição e na emancipação do público numa
perspectiva mais ampla. E perceber que como mediador, só poderá ser espectador do
encontro entre o público e a obra, um espectador que leva elementos adicionais a este
momento de partilha de sentidos.
Para isso, penso que é importante validar de forma enfática as experiências vividas pelo
público com deficiência, acentuar sua autoria de sentidos elaborados para as obras e as
diferentes formas de se relacionar com cada trabalho. Isso pode ser estimulado a partir da
realização de diferentes atividades de mediação, algumas mais práticas como ateliês e
oficinas, outras mais reflexivas como palestras, aulas abertas e seminários, por exemplo.
É na partilha do encontro individual público-obra, presenciado pelo mediador, que ocorrem
estas afirmações de autonomia. O público precisa acreditar que é por estarmos vivos que a
arte existe - e não o contrário - e, desta forma, ter certeza de que suas impressões, ideias e
sentimentos são reais e importantes porque constituem seu relacionamento individual com a
obra. A partir daí, em conversa e troca com o mediador, o público precisa saber que pode ser
livre para concordar ou discordar da mediação da instituição, do curador, do artista e do
próprio educador.
Por isso, como mediadora, fico feliz sempre que presencio o milagre do encontro da vida
com a arte sem restrições de experiência entre estes, que são dois corpos potentes de vida:
uma pessoa (que sente, vive, pensa e vibra) e uma obra (que carrega sentimentos, vida,
pensamentos e também vibra). n
Laurie Anderson
Mesa de Fone de Mão / Handphone Table, 1977
Cortesia da artista e Galeria Sean Kelly, Nova Iorque
Exposição I in U / Eu em Tu Laurie Anderson
Foto Gabriela Gil
CCBB São Paulo, 2010
A
MÚSICA NA PELE
por Rogério José de Souza
Música é uma combinação de sons e silêncio. Neste texto o nosso interesse estará no som
enquanto fenômeno físico produzido quando algo faz o ar se mover. As moléculas de ar vibram e
se chocam umas nas outras, fazendo com que o som se espalhe pelo ar em forma de ondas,
como uma pedra quando atirada em um lago. Podemos chamar esse movimento de vibração.
Percebemos estas vibrações quando nos deparamos com sons muito potentes mecânicos ou da
natureza. Sirenes de ambulâncias, alto-falantes de comícios, turbinas de aviões, trovão, quedas
d'água. Imagine o estrondo das águas nas cataratas do Iguaçú. E não podemos nos esquecer
dos sons que fazem parte do nosso corpo, coração, respiração ou até mesmo da nossa voz.
A ausência de audição não impede que os surdos experimentem as ondas sonoras. É a partir
dessas vibrações que eles encontram várias formas de vivenciar a música. O som é percebido
pelos surdos através do tato que tem a pele, o maior órgão do corpo, como responsável. Neles o
sentido do tato é bem mais apurado do que o dos ouvintes, já que há maior sensibilidade.
Essa forma de “escutar” o som pode ser experimentada na obra Handphone Table, da artista
norte-americana Laurie Anderson. A obra consiste em uma mesa que possui alto-falantes em
seu interior. O som fica contido dentro dela e não se propaga pelo ar, fazendo vibrar sua
superfície. Quando apoiamos os cotovelos sobre a mesa e tapamos os ouvidos com as mãos,
esta vibração é conduzida pelos ossos dos braços e mãos, o que nos permite ouvi-la.
Os surdos dançam? Eles dançam no ritmo? Sim, os surdos percebem o ritmo através da
vibração. Assim trabalha o “Grupo de Dança Surdo Videira” de Fortaleza – é composto de quatro
integrantes e liderado pelo intérprete Nilton Câmara. A sala de ensaio dispõe de aparelho de
som bem potente e um chão de assoalho em madeira, adaptações simples que facilitam a
propagação do som e auxiliam o aluno surdo na percepção das vibrações. Espelhos colaboram
para a consciência corporal.
No Brasil, podemos encontrar vários projetos que visam o desenvolvimento musical dos surdos.
No projeto “Música do Silêncio”, a percussão trabalha a sensibilização dos sons. Os alunos
começam a tocar logo na primeira aula com instrumentos mais graves, como o treme-terra,
utilizado em escolas de samba, para que o corpo sinta as vibrações. Conforme evoluem,
recebem instrumentos mais difíceis. Gestos e semblantes fazem parte da regência. Os surdos
produzem música.
O som pode ser considerado uma experiência de todo o corpo. Lembre-se que o tato é toda
sensação gerada pelo toque de algo na pele. Ele é instintivo, não racional, tanto que é o primeiro
sentido desenvolvido no feto, que reage ao estímulo dentro do útero. Sinta as vibrações ao seu
redor, o som de uma bateria de escola de samba, as badaladas dos sinos de uma igreja, a
reverberação em um show de música. Perceba como estes sons chegam até seu corpo, qual o
ritmo, a direção e a intensidade deles. Você vai descobrir que as possibilidades de sentir o som
vão além dos nossos ouvidos. n
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DINAMISMO
por Patrícia Marchesoni Quilici
É possível perceber movimento numa obra estática? Na obra ao lado, além do
bater das asas das aves, há ainda a sugestão de uma linha diagonal, que vai
da parte de baixo do lado direito à parte de cima do lado esquerdo,
enfatizando o vôo dos pássaros ganhando altitude.
Não é só em superfícies bidimensionais, porém, que podemos ver desenhos. A
natureza nos brinda com vários exemplos, e a migração de aves é um deles.
Um de seus traços mais comuns no céu é formado por duas fileiras diagonais
de pássaros, culminando numa ponta como uma seta.
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Este complexo fenômeno é cercado de mistério e fascinação. Como pode uma
frágil ave viajar milhares de quilômetros, durante semanas, enfrentando
diversos perigos? O instinto de sobrevivência faz com que estes “viajantes”
dupliquem seu peso e reduzam seus órgãos para a enorme quantidade de
energia que será despendida. Tudo isso para dar continuidade à vida.
Como obra de Arte Contemporânea, “Migração” não tem intenção de
representar uma cena da natureza, mesmo porque a própria se faz presente
através do fogo. As formas são feitas com pólvora queimada, criando uma
transformação irreversível no suporte de madeira. Transformação é, afinal, o
resultado da junção da natureza mais o tempo, e o artista trata disso não só
conceitualmente, mas também literalmente.
É através dos ciclos que a ação do tempo se faz na natureza, como no caso da
migração dos pássaros: acasalamento, ida, permanência e volta. Se os ciclos
de vida são transitórios, pode até mesmo a ação do fogo, a princípio
irreversível, ser reconstruída? n
Wanderlei Lopes
Migração, 2008
pólvora queimada sobre madeira
150 x 70 cm (tríptico)
cortesia Galeria Virgílio
PATROCÍNIO
Cristiane Leal dos Santos
Angélica Ferreira
Aparecida da Cruz
Eduardo Leite
Felipe Tognolli
Filippe Lyra
Gabriela Gil
Melissa Rudalov
Pedro Nunez
Regiane Teixeira
Rogério de Souza
Carlos Grahamhill
Dalila Mendonça
Ilda Andrade
Isadora Borges
Maryana Lemos
Ricardo Ferri
Yasmim Machado
EDIÇÃO
Daniela Chindler
PROJETO GRÁFICO
André Ferreira Lima
Alexandre Diniz
Patrícia Marchesoni Quilici
CONSULTOR
EM
ACESSIBILIDADE
Carla Valezin
Capa
Roxane Andrès
A fábrica de corações (La Fabrique de Coeurs)
Exposição Saint Etienne Cité du Designer
CCBB - 2009
Diego Ruiz
Patrícia Miike
Rua Álvares Penteado, 112
Centro SP
Próximo às estações Sé e São Bento
do Metrô
Informações
(11) 3113-3651 / 3113-3652
bb.com.br/cultura
Agendamento de grupos
(11) 3113-3649
Recomendação etária
a partir de 5 anos
SAC
0800 729 0722
Ouvidoria BB
0800 729 5678
Deficiente auditivo ou de fala
0800 729 0088
Realização
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