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A EXPRESSÃO PLÁSTICA INFANTIL COM ÊNFASE NA HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO
Maria Dolores Ribeiro de Souza1
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB
e-mail: [email protected]
RESUMO: O presente texto busca resgatar alguns aspectos fundamentais da expressão
plástica infantil, procurando entendê-la enquanto instrumento pedagógico na educação de
crianças de dois a seis anos, dentro do contexto da educação no Brasil. Analisaremos a
importância do desenho e da pintura para os vários aspectos do desenvolvimento infantil, com
os pressupostos teóricos da perspectiva sócio-histórica de Lev Vygotsky e da abordagem
psicológica da arte de Rudolf Arnheim e Viktor Lowenfeld.
Palavras-chave: desenho; pintura; educação infantil; arte-educação
THE CHILD PLASTIC EXPRESSION AND HISTORY OF EDUCATION
ABSTRACT: The present text intends to search for some fundamental aspects of the child
plastic expression, showing how much important it is and comprehending this kind of
expression like a pedagogical instrument in children education from two to six years old, in
the context of the education of Brazil. We will analyx the importance of drawing and painting
to the various aspects of children development. Based on the theoretical principles of the
social and historic perspective of Lev Vygotsky and from the Psychology of Art of Rudolf
Arnheim and Viktor Lowenfeld.
Key-words: drawing; painting; child education; art education.
A EXPRESSÃO PLÁSTICA INFANTIL COM ÊNFASE NA HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO
Maria Dolores Ribeiro de Souza
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB
Neste artigo, pretendemos fazer algumas considerações sobre o universo da arte e da
cultura tal como ele se apresenta do ponto de vista da elaboração de uma arte-educação
voltada para o desenvolvimento integral e harmônico da criança. Sabendo que, geralmente, a
escola de educação infantil considera os primeiros desenhos das crianças como algo sem
sentido – apenas rabiscos – e, por isso, não fornece nem tempo nem materiais necessários para
o desenvolvimento dessa linguagem, mas, segundo teorias recentes, a expressão plástica
infantil (desenho, pintura, modelagem, dobradura, entre outros) não é visto como um produto
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Pedagoga, Aluna do Curso de Especialização: Educação, Cultura e Memória.
Integrante do Grupo de Pesquisa: Fundamentos da Educação do Museu Pedagógico da UESB.
.
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final da criança a ser analisado, interpretado. Ele é considerado como processo, como uma
travessia acompanhada por adultos atentos.
A expressão plástica na educação traz à tona um dos temas que se tem procurado
discutir, hoje, sobre a forma de difundir e produzir conhecimento no âmbito da educação
infantil, de maneira que não se perca a visão de totalidade no que se refere a outros temas de
grande valia para o desenvolvimento integral e harmônico das crianças, aspecto este
imprescindível no processo de ensino-aprendizagem. E os estágios sucessivos de
desenvolvimento mental da criança são evidenciados na sua forma mais pura e mais completa
na arte infantil. Pinturas e esculturas de qualquer estilo possuem propriedades que não podem
ser explicadas como simples modificações da matéria-prima perceptiva recebida por meio dos
sentidos. Por não ter a criança desenvolvido, ainda, a habilidade motora e visual adequadas,
não conseguirá traçar linhas com um lápis ou um e pincel. As crianças não se limitam a
representar o que supõem que vejam, a atividade mental diferente da percepção deve intervir.
O estudo das relações entre História, Cultura e Educação facilita a compreensão de
como se constituiu a história da educação brasileira e, por meio da analise de alguns dos
tópicos de políticas educacionais mais relevantes, pretendemos construir um quadro teórico
das diversas linguagens artísticas e da influencia destas linguagens sobre a educação
institucionalizada, especialmente no que se refere à arte-educação. Para pesquisar o assunto
temos como referências principais - Rudolf Arnheim, Viktor Lowenfeld e Vygostsk - O
primeiro, por aplicar os princípios e as novas interpretações da Psicologia moderna ao estudo
da Arte; descreve o processo visual que se desenvolve quando as pessoas criam - ou
observam - obras nos diferentes campos das Artes e explica como a visão organiza o universo
visual de conformidade com definidas leis psicológicas. O segundo, por abordar em sua obra A criança e sua arte - que a atividade artística é privilégio de todas as crianças, independente
de serem bem dotadas, tornando-se um maravilhoso meio de expressão, que propicia o
desenvolvimento de forma bem ajustada e mais feliz Em outra obra do mesmo autor - O
Desenvolvimento da Capacidade Criadora - Viktor Lowenfeld, em co-autoria com Lambert
Brittain, introduz o estímulo à espontaneidade da criação artística e o último, por tratar da
cultura e da arte procurando compreender a criança enquanto o sujeito histórico social que,
interagindo com outros sujeitos e com a cultura subjacente, desenvolve sua aprendizagem e se
expressa culturalmente por meio da arte.
Arnheim
Alguns teóricos se detiveram na conceituação e na correlação entre arte e educação,
como Arnheim2, para quem as mudanças ocorridas no mundo da produção fizeram sentir seus
efeitos em todos os domínios da cultura. A noção de arte vem se transformando ao longo da
história, modificando as técnicas das artes e agindo sobre a própria invenção. Segundo este
teórico, “A teoria intelectualista afirma que os desenhos de crianças, bem como outra arte em
estágios iniciais, derivam-se de uma fonte não visual, isto é, de conceitos ‘abstratos’. O termo
abstrato tem como objetivo definir o conhecimento não perceptivo”. O autor fala que há uma
interação efetiva do tato e da visão em todos os estágios do desenvolvimento humano:
A vida mental das crianças é intimamente ligada à sua experiência sensória.
Para a mente jovem as coisas são como parecem, como soam, como se
movimentam, como cheiram. Se a mente das crianças contém quaisquer
conceitos não perceptivos, devem ser muito poucos, e sua influência na
representação pictórica pode quando muito ser desprezível (ARNHEIM
(2002, p. 156)).
2
ARNHEIM, Rudolf. Arte & percepção visual: Uma Psicologia da Visão Criadora. São Paulo, Pioneira
Thomson Learning, 2002.
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As crianças desenham o que vêem, mas vêem mais do que desenham. Todavia, elas
podem se representar por meio de círculos, ovais e linhas retas. Podem fazê-lo não por ser isto
tudo o que vê, e não por ser incapaz de produzir um desenho mais fiel, mas porque o simples
desenho preenche todas as condições que espera encontrar em um retrato.
No começo, ela faz rabiscos e está interessada nas sensações que o ato de desenhar lhe
proporciona. Gosta de ver os seus rabiscos aparecendo no papel, mas, depois disso surgem os
primeiros símbolos. No início, ela desenha símbolos simples como sol, bola, peixes e, em
seqüência, ela começa a articular esses símbolos entre si em um espaço bidimensional, em um
papel, na parede, na areia ou em outras superfícies. Então, surgem no desenho pessoas dentro
de casa, ou um menino chutando bola, uma menina descendo em um escorregador. Nesse
momento, a criança passa a imaginar que pode desenhar tudo que passa pela sua cabeça.
Coisas que existem e coisas que não existem.
No momento seguinte, a criança descobre que precisa desenhar todos os objetos para
representá-los. Ela quer desenhar as coisas do jeito que ela vê, começa a demonstrar algumas
regras de representação de espaços; sabe que há muitas formas eficazes de desenhar. Nos
desenhos infantis o círculo é a primeira forma organizada que emerge dos rabiscos, mais ou
menos sem controle.3 Segundo a lei de diferenciação o desenvolvimento orgânico sempre
procede do simples para o complexo. Nas suas palavras Arnheim nos fala:
Devemos, também, mencionar que não há nenhuma relação fixa entre a idade de uma
criança e o estágio de seus desenhos. Da mesma forma que as crianças da mesma idade
cronológica variam na assim chamada idade mental, também seus desenhos refletem
variações individuais em proporção ao crescimento artístico (idem, p. 180).
Diferentemente de Viktor Lowenfeld que estabelece relação entre o desenho e a
idade cronológica da criança, Arnheim percebe que existem estágios diferentes para a
produção plástica, conforme o desenvolvimento artístico. Logo, crianças na mesma idade
poderão apresentar trabalhos em proporções diferentes.
Vicktor Lowenfeld
Viktor Lowenfeld preconiza que a criança contemple uma situação, que se figure participando
ativamente desta, e a represente através do desenho, da pintura e da modelagem, sem a
preocupação de fazer algo técnico, ou correto. Quanto mais a criança adquirir vivência de si
mesma e da sua circunstância, tanto mais desenvolverá, por meio da experiência artística, o
senso de independência, liberdade e democracia, o impulso criador, a maturidade emocional e
intelectual, a personalidade nos múltiplos aspectos. A criação artística torna-se uma abertura
capaz de conduzir até à compreensão da mente infantil, tanto quanto as diversas formas de
exploração do mundo interior.
Para este autor, a criança possui seu mundo próprio e, quanto mais depressa a
ajudarmos a compreendê-lo, sem lhe impormos nossos padrões de adulto, mais rapidamente
ela se desenvolverá. Ela expressa em sua arte seu nível de desenvolvimento, que não pode ser
alterado ou “corrigido” por meio de uma análise superficial. Ao ouvir uma criança dizer que
“não sabe desenhar”, podemos estar certos de que houve algum tipo de interferência em sua
vida. Está perda de esperança nos seus próprios meios de expressão pode ser um indício de
que a criança se fechou em seu próprio eu.
A expressão artística da criança é apenas uma documentação de sua personalidade.
[...] Tudo quanto pudermos fazer para estimular a criança no uso sensível dos seus
olhos, ouvidos, dedos e do corpo inteiro servirá para enriquecer sua reserva de
experiências e a ajudará em sua expressão artística (LOWENFELD, 1976, p. 108).
3
ARNHEIM , op. cit. , p. 165.
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A arte está repleta de tesouros de contextura, de excitações geradas por formas e
contornos, de abundância de cores, podendo a criança encontrar júbilo, nessas experiências. A
expressão plástica infantil não visa a produzir artistas. Sua finalidade consiste antes em servir
à criança como importante ajuda ao seu desenvolvimento, sem se preocupar com o fato de ser
agradável ao gosto do adulto. A educação artística é a única disciplina que verdadeiramente se
concentra no desenvolvimento de experiências sensoriais. O importante, portanto, na
educação artística é o produto final subordinado ao espírito criador; o processo da criança ─
seu pensamento, os seus sentimentos, as suas percepções, em suma, as suas reações ao
ambiente. Lowenfeld acredita que num sistema bem equilibrado, em que o desenvolvimento
do ser integral é realçado, o pensamento, o sentimento e a percepção do indivíduo devem ser
igualmente desenvolvidos, a fim de que possa desabrochar toda a sua capacidade criadora em
potencial.
Conforme Lowenfeld (1977, p.15), o sistema educacional atual valoriza a
aprendizagem da informação dos fatos. Aprovação ou reprovação, num exame ou curso, a
passagem de ano ou mesmo a permanência na escola depende, em grande parte, da
memorização de certos fragmentos de informação os quais já são conhecidos do professor.
Assim, a função do sistema educacional parece consistir em criar pessoas que possam
armazenar fragmentos de informação e depois possam repeti-los a um sinal dado. As aptidões
de interrogar, de procurar respostas, de descobrir forma e ordem, de repensar, de reestruturar e
encontrar novas relações, são qualidades que não estão, de um modo geral, sendo ensinadas;
de fato, parecem ser menosprezadas em nosso atual sistema educacional. Do pensamento de
Lowenfeld conclui-se que talvez uma das aptidões básicas que deveriam ser ensinadas em
nossas escolas seja a capacidade de procurar e descobrir respostas, em vez de aguardar,
passivamente, as respostas e instruções do professor.
Arte e Criatividade
A arte e a capacidade criadora sempre estiveram intimamente ligadas. A definição de
criatividade depende do ponto de vista de quem a expõe. Com freqüência, os pesquisadores
limitam esse termo à flexibilidade de raciocínio ou fluência de idéias ou, também, pode ser a
capacidade de transmitir novas idéias ou de ver as coisas em novas relações; em alguns casos,
a criatividade é definida como a capacidade de pensar de forma diferente das outras pessoas.
Em geral, considera-se a criatividade como um comportamento produtivo, construtivo, que se
manifesta em ações ou realizações.
Às vezes, estabelece-se confusão entre inteligência e criatividade ou capacidade
criadora. O problema está no fato de a criatividade ser geralmente considerada um atributo
dotado de valor positivo; como a inteligência é altamente valorizada, os dois atributos são
constantemente reunidos. De um modo geral, a criatividade tem muito pouco que ver com o
intelecto. Sabemos, de acordo com as teorias e a observação empírica, que as crianças
desenvolvem idéias imaginativas numa atmosfera que estimula a criatividade. A situação em
sala de aula deve ser suficientemente flexível para permitir que elas tenham liberdade de
expressar suas próprias idéias. Sabemos, também, que este desenvolvimento está subordinado,
melhor dizendo, correlacionado, com as fases de desenvolvimento da vida física, emocional e
psicológica sobre as quais alguns autores também aprofundaram conceitos, como Piaget e
Vigotsky (in: KOHL, 1997), como apresentamos abaixo:
A criança na fase pré-esquemática
A fase pré-esquemática que vai de 4 a 7 anos é o momento quando a criança faz suas
primeiras tentativas de representação, e traça formas definidas, conquanto não pareçam
representações naturais, segundo o conceito do adulto. Comumente, as características dos
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desenhos pré-esquemáticos são resultados da evolução de um conjunto indefinido de linhas
até uma definida configuração representativa. Por meio das formas criadas com movimentos
circulares e longitudinais as crianças representam algo reconhecível, em geral, o primeiro
símbolo criado é um homem. As primeiras tentativas decorrem das garatujas infantis.
Admite-se que a representação ‘cabeça-pés’ feita pela criança nesta fase é o que a
criança, de fato, sabe sobre si mesma, e não uma representação visual do todo. “A cabeça é o
lugar onde se come e se fala”. Piaget (1960) descobriu que crianças de seis anos acreditavam
que o processo de pensar ocorria na boca. As crianças por meio do seu desenho expressam
que os olhos, os ouvidos e o nariz fazem parte da cabeça o centro da atividade sensorial. Ao
adicionar pernas e braços a criança estará dando movimento ao centro o que é, antes de tudo,
uma tentativa para indicar um ser funcional.
As primeiras experiências representativas de um homem, não devem ser consideradas
uma representação imatura, pois, na realidade, um desenho é, principalmente, uma abstração
ou um esquema de uma vasta gama de estímulos complexos e o indício de um processo
mental ordenado.
O Desenvolvimento da criança na Idade pré-escolar
A maioria das crianças de cinco anos está ansiosa por tentar novas tarefas, manipular
matérias e expressar-se. A arte de uma criança é o seu próprio reflexo. Ela aprende, na medida
em que organiza sua experiência. O desenho é uma oportunidade de converter o pensamento
em forma concreta. É importante ativar o conhecimento que a criança tem de si mesma, em
seu ambiente imediato, e desenvolver seu conceito de ambiente, por meio de seu próprio eu
corporal. Para tal motivação, deverá incluir tantos sentidos e tantas experiências sensoriais
quanto sejam possíveis e, também, abranger seus sentimentos e suas percepções.
A arte das crianças, na fase da primeira representação, situa-se bem. Não só os
desenhos e as pinturas da criança registram seus conceitos, seus sentimentos e suas
percepções do meio, como, também, proporcionam ao adulto consciente e sensível o modo de
compreendê-la melhor. Desta forma, o autor considera a arte como um dos componentes
essenciais do desenvolvimento integral da criança.
A mudança na arte infantil deve resultar de transformações no pensamento, nos
sentimentos e nas percepções da criança. É por meio desse processo que se desenvolvem as
alterações no comportamento ou as mudanças nos padrões de desenvolvimento. Por meio
desse processo, também, é que mudanças significativas ocorrem no próprio produto.
A maioria das crianças que começa a freqüentar a escola se encontra na fase das
primeiras tentativas de representação. Portanto, é imprescindível que esse início nas
experiências artísticas seja significativo. Muitas relações estabelecidas dentro da escola são
ditadas pelos adultos, contudo, a criança não é uma miniatura de adulto nem pensa em termos
adultos. A arte pode proporcionar não só a oportunidade de desenvolvimento em muitas áreas,
mas, também o ensejo de a criança inventar, experimentar, investigar, cometer erros, sentir
medo e aversão, amor e júbilo. Por fim, a criança deve essencialmente, por si mesma, ter
todas essas experiências da vida.
Vygostsky nos ajuda a compreender a importância dos aspectos culturais de cada
sociedade ou, a relevância da função da interação sócio-cultural como elemento constituinte
do desenvolvimento cognitivo infantil e, também, do diálogo e do trabalho coletivo, levando
as crianças para humanização.
Ao longo deste século, assistimos a um crescente movimento pelo conhecimento da
criança em vários campos; desde a consolidação da psicologia e sua opção pelo estudo da
criança até as influências de diversas correntes da psicologia e da psicanálise. A história nos
mostra que a inserção concreta das crianças e os papéis que desempenham variam com as
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formas de organização social e que o significado social e ideológico da criança e o valor
social atribuído à infância têm sido objetos de estudo da sociologia, ajudando a entender que a
dependência da criança em relação ao adulto é fato social e não natural. Por outro lado, este
século assistiu à busca de uma psicologia baseada na história e na sociologia: as idéias de
Vygotsky (KOHL, 1997) mostram esse avanço e revolucionam os estudos da infância. Mas as
crianças e a infância deveriam ocupar muito mais o tempo e o espaço de nossas preocupações,
afinal, se existe uma história humana é porque o homem tem uma infância.
O compromisso com a diversidade cultural tem sido bastante enfatizado pela ArteEducação pós-moderna [...]. Para definir diversidade cultural, alguns falam sobre
multiculturalismo, outros sobre pluriculturalismo (PCNs), e temos ainda o termo mais
apropriado _ Interculturalidade. Enquanto os termos ‘Multicultural’ e ‘Pluricultural’
pressupõem a coexistência e mútuo entendimento de diferentes culturas na mesma sociedade,
o termo ‘Intercultural’ significa a interação entre as diferentes culturas. Esse deveria ser o
objetivo da Arte-Educação interessada no desenvolvimento cultural. Para alcançar tal
objetivo, é necessário que a escola forneça um conhecimento sobre a cultura local, a cultura
de vários grupos que caracterizam a nação e a cultura de outras nações (BARBOSA: 2002, p.
19).
Segundo o psicólogo Vygotsky (1987), a partir de premissas da concepção histórica
cultural, o foco de suas preocupações foi o desenvolvimento do indivíduo e da espécie
humana, como resultado de um processo sócio-histórico. O referencial histórico cultural
apresenta, portanto, uma nova maneira de entender a relação entre sujeito e objeto, no
processo de construção do conhecimento.
Enquanto no referencial construtivista o conhecimento se dá a partir da ação do sujeito
sobre a realidade (sendo o sujeito considerado ativo), para Vygotsky, esse mesmo sujeito não
é apenas ativo, mas interativo, porque constitui conhecimentos e se constitui a partir de
relações interpessoais. É na troca com outros sujeitos que vão se internalizando os
conhecimentos, papéis e funções sociais, permitindo a constituição de conhecimentos e da
própria consciência do sujeito. Desta forma, o sujeito do conhecimento, para Vygotsky
(KOHL, 1997), não é apenas passivo, regulado por forças externas que o vão moldando; não é
somente ativo regulado por forças internas; ele é interativo.
Ao nascer, a criança se integra em uma história e uma cultura. A história e a cultura de
seus antepassados, próximos e distantes e também, indivíduos com quem a criança se
relaciona em outras instituições, como a escola se caracteriza como peça importante na
construção de seu desenvolvimento. Ao longo desta, faz-se presentes: os hábitos, as atitudes,
os valores e a própria linguagem daqueles que interagem com a criança, em seu grupo
familiar. Na perspectiva sócio-histórica e antropológica, a arte é uma atividade social,
humana, que supõe contextos sociais e culturais, a partir dos quais a criança recria a realidade
através da utilização de sistemas simbólicos próprios. Assim, pode-se dizer que, pelas
características apresentadas, a base genética da brincadeira é comum com a da arte.
Denominamos atividade criativa a toda realização humana criada de algo novo. Os
elos reprodutores vinculados com a nossa memória; sua essência reside em os homens
reproduzirem ou repetirem normas de conduta já criadas e elaboradas. A psicologia denomina
imaginação ou fantasia a esta atividade criadora do cérebro humano baseado na combinação,
dando a estas palavras, imaginação e fantasia um sentido distinto a que cientificamente lhes
corresponde. Imaginação ou fantasia igual a irreal. Mas, a imaginação como base de toda
atividade criativa, se manifesta por igual em todos os aspectos da vida cultural possibilitando
a criação artística, científica e técnica.
Os processos criadores se advêm com todo o seu vigor desde a mais tenra infância.
Entre as questões mais importantes da psicologia infantil e da pedagogia figura a capacidade
criadora nas crianças e, fomenta desta capacidade e sua importância para o desenvolvimento e
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maturação das crianças. Desde os primeiros anos da infância encontramos processos criadores
que se refletem, sobretudo em seus jogos.
A imaginação não é vista como um divertimento do cérebro, mas algo que é vital para
compreender a realidade. Experiências humanas permitem a fantasia, quanto maior
conhecimento melhor será a imaginação, tanto da criança quanto do adulto. A atividade
criadora da imaginação se encontra relacionada com a experiência vivida pelo homem. Existe
uma vinculação recíproca entre imaginação e emoção.
É conveniente ressaltar a especial importância de si fomentar a criação artística na
escola, uma vez que Vygotsky nos alerta para a importância da imaginação, fantasia e
criatividade estando elas relacionadas entre si e podendo ser estimuladas por meio das
diversas linguagens artísticas. Concluindo, o homem há de conquistar seu futuro com a ajuda
de sua imaginação criadora, por outro lado, o princípio educativo da pedagogia consistirá em
dirigir a conduta do educando preparando para o desenvolvimento e exercício de sua
imaginação que é uma das principais proezas do processo educativo, portanto, vincular
educação a atividade artística consistirá um elo importante.
Relação entre desenvolvimento e aprendizagem
Enquanto para Piaget a aprendizagem depende do nível de desenvolvimento atingido
pelo sujeito, para Vygotsky, é a aprendizagem que favorece o desenvolvimento das funções
mental: “O aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe
em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis
de acontecer” (KOHL, 1997).
Para entender a relação entre desenvolvimento e aprendizagem, segundo Vygotsky,
torna-se necessária à compreensão do conceito de zona de desenvolvimento proximal.
Segundo este autor, a Psicologia sempre esteve preocupada em detectar o nível de
desenvolvimento real do indivíduo, ou seja, aquele que revela a possibilidade de uma atuação
independente do sujeito. Do mesmo modo, a escola tende a valorizar, ainda hoje, apenas o
nível de desenvolvimento real dos alunos, seja durante as aulas, seja nos momentos de
avaliação. Mas, Vygotsky chama atenção para a existência de um outro nível de
desenvolvimento – o proximal ou potencial – que, tanto quanto o nível real deve ser
considerado na prática pedagógica.
As mais recentes teorias de arte educação vão nesta mesma direção, compreendendo
que o papel do professor muda radicalmente, a partir dessa concepção. Ele não é mais aquele
professor que se coloca como centro do processo, que “ensina” para que os alunos
passivamente aprendam; tão pouco é um organizador de propostas de aprendizagem, que os
alunos deverão desenvolver sem que ele tenha que intervir. Ele é o agente mediador desse
processo. Daí ser importante o papel do educador na arte-educação:
[...] No encontro com a Arte enquanto objeto de conhecimento haverá
sempre a necessidade de um educador sensível, capaz de criar situações em
que, possa ampliar a leitura e a compreensão de homens e mulheres sobre
seu mundo, sua cultura. Capaz, ainda de abrir diálogos internos,
enriquecidos pela socialização dos saberes e das perspectivas pessoais de
cada produtor/fruidor/aprendiz. São vários os mediadores possíveis, mas na
escola, certamente, o educador é o principal deles, cabendo-lhes mediações
pedagógicas profissionais competentes frente à cultura. Uma mediação
sempre será a articulação e não rebaixamento entre as histórias pessoais e
coletivas dos aprendizes de Arte, entrelaçada na teia sócio-histórico cultural
da humanidade nessa área de conhecimento. (BARBOSA, 2002, p. 56).
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Barbosa (2002) afirma que a Arte na Educação como expressão pessoal e como cultura é um
importante instrumento para a identificação cultural e o desenvolvimento individual. Por meio
da Arte é possível desenvolver a percepção, a imaginação, a criatividade, a capacidade crítica,
permitindo ao indivíduo apreender, analisar e mudar a realidade.
É necessário um investimento urgentíssimo na significação da Arte, do artesanato e do
design nas escolas; na continuidade das pesquisas que mostraram caminhos percorridos e a
serem construídos; no artista e no educador juntos e na rejeição da segregação. Ao pensar
numa arte que esteja voltada para a formação integral do ser humano, esta arte não poderá
deixar que a mazela da alienação aprisione o sujeito do conhecimento. “Enquanto o homem e
a natureza não existirem numa sociedade livre, as suas potencialidades reprimidas e
distorcidas só podem ser representadas numa forma alienante” (MARCUSE, 1986, p. 22).
O sentido da arte vai ser dado pelo contexto e pelas informações que o leitor possui.
Ao ver, estamos entrelaçando informações do contexto sócio-cultural, onde a situação
ocorreu, e informações do leitor, seus conhecimentos, suas inferências, sua imaginação.
Assim, o que é descrito não é a situação, o fato, mas a interpretação que o leitor lhe conferiu,
num determinado momento e lugar. O olhar de cada sujeito está impregnado com
experiências anteriores, associações, lembranças, fantasias e interpretações.
Sendo assim, um dos maiores atributos de qualquer atividade criadora é o de nos
tornar mais sensíveis às coisas com que lidamos. Dentro da pré-escola, as linguagens artísticas
podem ser utilizadas como um importante pré-requisito para que os alunos venham a ser
cidadãos co-operantes e prestimosos, além de constituir o equilíbrio necessário entre o
intelecto e as emoções. Admite-se, que a maior contribuição do professor a favor da arte
infantil consiste em não interferir no desenvolvimento natural das crianças; o que, em grande
parte, é feita inadvertidamente.
A influência da Política Educacional brasileira na arte-educação
Tudo o que dissemos anteriormente só pode se consolidar se a prática referendar os
conceitos teóricos e, para isso, são necessárias políticas educacionais que atentem para estes
problemas.
Sabemos que no Brasil, a discussão sobre a importância da arte educação e a preocupação
com a expressão plástica e/ou o desenvolvimento da criatividade e da expressão plástica da
criança, na escola, é assunto novo, Ou melhor: é assunto que ainda não foi resolvido.
Historicamente, o sistema organizado de educação pública no país, a partir da década
de 1920, vê surgir um amplo movimento nacional em defesa da escola pública. O movimento
da Escola Nova apresentava como grande tema à escola pública, universal e gratuita. Ou seja,
uma educação para todos, tendo como grande função um ensino leigo, capaz de formar o
cidadão consciente. Este movimento teria como representante Anísio Teixeira influenciado
pelos ensinamentos de John Dewey, Fernando de Azevedo, Manuel Lourenço Filho e
Francisco Campos. Neste tempo, a ênfase dada ao ensino da arte era mínima.
A partir da década de 1930, os componentes ideológicos passam a ter uma presença
cada vez mais forte na vida política, e a educação seria a arena principal em que o combate
ideológico se daria. A Ideologia dos pioneiros escolanovistas4 vai demonstrar que a sociedade
está em crise e que, para resolvê-la, será necessário uma nova civilização baseada na
experimentação científica (material, social e moral), uma vez que as escolas confessionais
formavam os quadros dirigentes do país, mas não formavam o cientista. Com a Idade
4
Escolanovismo – Tendência educacional dos anos 70 que se contrapõe à escola tradicional, colocando o aluno
no centro do processo educativo. Em relação à arte, valoriza a livre expressão.
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Moderna, especialmente, acentuou-se os princípios do empirismo, racionalismo e positivismo;
negando a ‘ordem revelada’ pela Sagrada Escritura, por meio da Igreja oficial.
Em contraposição à tendência pedagógica tradicional, os assim designados
‘escolanovistas’, vão propor uma escola nova, onde o professor (orientador) passaria a ser o
facilitar do processo de ensino-aprendizagem centrado no aluno. O aluno não é mais
“passivo”, mas, sim, ‘ativo’ no processo. É o centro do processo ensino – aprendizagem. Os
objetivos educacionais obedecem ao desenvolvimento psicológico dos alunos. Ou seja, visam
à auto-realização.
A partir de então, os conteúdos programáticos são selecionados a partir dos interesses
dos alunos. Proporcionando o desenvolvimento de aptidões. A metodologia se caracteriza por
atividades centradas no aluno e, para que melhor aconteça, são realizados trabalhos em
grupos, pesquisas, jogos, exercícios de criatividade, experiências. Na avaliação havia uma
valorização dos aspectos afetivos (atitudes) com ênfase em auto-avaliação. Talvez tenha sido
neste momento que tenha surgido a concepção de arte na escola com a função mais complexa
além da simples prática exercitatória da habilidade artística, iniciando o seu conceito de
coadjuvante do processo integral da aprendizagem.
Pois, observa-se, a partir de então, a idéia de que o aluno educado deixa de ser aquele
que domina o conteúdo, passando a ser o aluno criativo, que ‘aprendeu a aprender’. A escola
passa a ser ‘para todos’, ou seja, democrática. Entretanto, a organização da escola vai
continuar apresentando funções confusas, autoridade disfarçada e a interação entre professor/
aluno na maioria das vezes é uma interação ‘democrática’ (entre aspas), mas apresenta
resquícios de autoritarismo revestidos da filosofia da camaradagem. O ensino da arte, neste
período, não foge à regra geral.
Com a nova tendência, a educação passa a ser um lugar estratégico para atender às
necessidades da industrialização. A Escola Nova vai enfatizar um ensino mais preocupado
com a competência e menos com a capacidade. Segundo Veloso (apud SCHWARTZMAN
1984, p. 57), a ênfase no ensino técnico seria denunciada como um dos fatores da laicização
do ensino. O ministro da Educação e Saúde Gustavo Capanema iria ampliar suas ações por
muitas outras esferas, além da escolar. Havia, por parte dele, a pretensão também de5
desenvolver a alta cultura do país, sua arte, sua música, suas letras. No campo a arte, o
Movimento Modernista, do qual Mário de Andrade foi um dos principais representantes,
buscava uma retomada do nacionalismo brasileiro com ênfase na cultura e na arte.
Ademais, “Em 1934, o ministro Gustavo Capanema havia solicitado de Mário de
Andrade que elaborasse um projeto de lei de proteção às artes no Brasil, que seria o embrião
do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional” (SCHWARTZMAN, 1984, p. 81).
Além disso, havia exaltação da Pátria por meio de seus símbolos, líderes, hinos, sendo, desta
forma, momentos efervescentes, também, para a política e crescimento do catolicismo
tradicional ─ o qual obteve grande apoio no então ministro da Educação e Saúde, portanto o
modernismo passa a ser um movimento com projeto estético e ideológico. Lembramos ou já
observamos em trabalhos escolares da época a ênfase dos professores e alunos na
representação dos símbolos pátrios, principalmente a bandeira nacional, que além de
desenhada, ilustrava os cadernos escolares e as capas das ‘provas finais’.
As ações modernistas ampliam sua atuação também, por meio das propagandas, o
cinema como um meio de comunicação que atingisse as massas e, logo se pensaria no cinema
pedagógico, a ser implantado nas escolas, como auxiliar para as disciplinas do programa
curricular. Em 1938, Capanema propõe a criação de uma estação radiodifusora educativa,
mantendo, assim, um controle sobre todas as escolas por meio da programação exibida,
pensando que a música também teria, ao lado do rádio e do cinema, um papel central neste
5
SCHWARTZMAN, Simon. 1984, p. 57 Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra, 1984.
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esforço educativo e de mobilização, onde a linha divisória entre cultura e a propaganda
tornava-se tão difícil de estabelecer. Novamente recorremos à memória para os hinos pátrios
que eram cantados nos recreios e nas ‘paradas’ cívicas.
A concepção de arte e de ensino de arte, no país, é fruto de um processo histórico, cuja
origem data de nossa colonização. Perpassando todo o processo histórico até os dias atuais.
No entanto, a grande renovação metodológica no campo da arte se deve ao movimento de arte
moderna de 1922, pois, se por um lado, o patriotismo e a educação dos sentimentos cívicos
era algo apregoado por Mário de Andrade (para ele, deveria se estudar o folclore musical
brasileiro, propagar a música como elemento de cultura cívica e desenvolver a música erudita
nacional), por outro lado, com o Modernismo apareciam, também, novas técnicas artísticas
que permitiam de modo mais livre o desenvolvimento da criatividade, e além das ‘faixas
decorativas’, do desenho copiado e ampliado, de natureza realista, começam a surgir
colagens, abstrações, estilizações e composições mais criativas, bem ao gosto do
Modernismo.
Destarte, observamos que, dentro do sistema capitalista, as políticas educacionais
tornam-se instrumento político-econômico que visa disciplinar, instrumentalizar e
profissionalizar a futura força de trabalho, ainda não absorvida pelo mercado de trabalho.
Estas funções se desdobram nas escolas e nas práticas escolares e a arte passa a ser um dos
agentes influenciadores. Desta forma, também percebemos que o currículo introduzido nas
escolas ao longo da história da educação, relacionado com as linguagens artísticas quando não
existia, era fragmentado, sem reflexão, interpretação e criatividade; favorecendo o
fortalecimento da política para o mercado, quando enfatiza as competências e as habilidades.
A produção cultural brasileira hoje deve sua atividade basicamente às leis de incentivo
fiscal federal, estadual e municipal. Nos anos 70-80, do século XX, a responsabilidade maior
pelo suporte a produção cultural era dos poderes públicos, por meio de políticas culturais mais
efetivas. No entanto, o governo de Fernando Collor de Mello veio definitivamente colocar um
fim a esse período, com a destruição promovida nas instituições federais responsáveis pelo
patrimônio histórico e artístico nacional e pela ação cultural e artística. Esse movimento teve
repercussão sensível nas esferas estaduais e municipais. 6
Em 1971, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a arte é incluída no
currículo escolar com o título de Educação Artística, mas é considerada ‘ atividade educativa’
e não disciplina (PCNs, 2001, p.28). Entre os anos 70 e 80 houve um deslocamento dos
antigos professores de Artes Plásticas, Desenho, Música, Artes Industriais, Artes Cênicas, os
recém-formados em Educação Artística e estudantes de belas-artes poderiam ministrar
disciplina em qualquer área das linguagens artísticas. A tendência passou a ser a diminuição
da qualidade, com aulas de atividades expressivas e espontâneas, muitas vezes ministradas
por professores que não possuíam a competência para tal, apenas com o intuito de
preenchimento de carga horária.
Como já foi dito, a valorização da arte como produto estético, ou melhor, o
reconhecimento dos valores estéticos da arte infantil ligado ao seu espontaneismo somente
teve lugar com a introdução da cultura brasileira às correntes expressionistas, futurista e
dadaísta da arte contemporânea, por meio da Semana de Arte Moderna de 1922, em São
Paulo. Entre os modernistas brasileiros, Anita Malfatti e Mário de Andrade iriam
desempenhar atividades de grande importância para a valoração estética da arte infantil e para
a introdução de novos métodos de ensino de arte baseados no ‘deixar fazer’ que explorava e
valorizava o expressionismo e espontaneismo da criança. Sob a direção de Mário de Andrade
repercutem os artigos e as atividades, que conduzem às investigações sobre a arte da criança
6
BOTELHO, Isaura. Pesquisadora e Coordenadora de Difusão do Centro de Estudos da Metrópole no Cebrap.
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no Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, e introduzem o curso de História da
Arte, na Universidade do Rio de Janeiro.
Já a pintora Anita Malfatti, na condição de professora de arte de criança e jovens em
seu atelier na Escola Americana em São Paulo, inova métodos e concepções de arte infantil,
por intermédio do professor como expectador da arte da criança, responsável pela preservação
de ingênua e autêntica expressão. Na educação, essa efervescência também acontece,
surgindo intelectuais e educadores que empreendem debates e planos de reforma para a
recuperação do ‘atraso’ brasileiro. Destacam intelectuais como: Fernando de Azevedo, Osório
César, Flávio de Carvalho, interessados na produção artística das crianças, em seus processos
mentais e em seu mundo imaginativo, mas na maioria das vezes estes ideais não se
concretizam de forma clara nas leis educacionais nem no desdobramento cotidiano das salas
de aulas. E na maioria das vezes os professores não acompanham as políticas da sua classe,
executam suas tarefas de maneira mecânica, utilizando a arte apenas com forma de
preenchimento do tempo ocioso do aluno e continuam a conduzir as atividades pedagógicas
mais aos moldes da escola tradicional do que da escola renovada.
Mesmo assim, repercutem no Brasil as idéias dos autores americanos John Dewey (a
partir de 1990), e Viktor Lowenfeld (1939), e do autor inglês Herbert Read (1943), que
influenciam mudanças nos trabalhos de arte dos professores brasileiros. Dewey contribui com
a função educativa da experiência, cujo centro não é o conteúdo de ensino nem o professor,
mas sim, o aluno, em constante crescimento. Lowenfeld e Brittain (1977) referem-se à arte
como meio para compreender o desenvolvimento da criança, em suas diferentes fases, como
forma de desenvolvimento de sua consciência estética e criadora. Já Read (1977), em sua
teoria de uma educação pela arte discute a questão do objetivo da educação, cuja base deve
residir na liberdade individual e na integração do indivíduo na sociedade.
O pensamento de Read valoriza a arte infantil e a concepção de arte baseada na
expressão e na liberdade criadora. Essa concepção é aceita e divulgada, mais tarde, por
Augusto Rodrigues (1958), servindo de inspiração para a criação da Escolinha de Arte do
Brasil, como experiência pioneira e movimento integrador das atividades artísticas, e
possibilitando à criança uma expressão global e valorizando a arte como expressão da própria
vida.
Considerações conclusivas
O ensino da arte chega ao final da década de 1970 sem ter os mecanismos precisos e
necessários de implantação e sustentação, repetindo, em parte, a LDB/61: que a ênfase estava
no aspecto técnico dos instrumentos artísticos. Sendo assim, a arte era considerada área de
iniciação ao trabalho no primeiro grau e habilitação profissional no segundo grau. Conforme
os PCNs, em 1971, pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), a arte é
incluída no currículo escolar com o título de Educação Artística, mas é considerada ‘atividade
educativa’ e não como ‘disciplina’.
Assistimos a uma ausência de conhecimento teórico e prático da educação e da Arte e
de sua função pedagógica na escola. Não mais se pretende desenvolver apenas uma vaga
sensibilidade nos alunos por meio da Arte, mas, também, se aspira influir positivamente no
desenvolvimento cultural dos estudantes pelo ensino e aprendizagem da Arte. Não obstante, a
partir do final dos anos 80, o ensino de arte na escola, especialmente na área de Artes
Plásticas, tem procurado contemplar a produção do aluno, a leitura desta produção e de outras
imagens e a contextualização dos trabalhos. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte
estas três formas de conhecer Arte são denominadas de: produção, fruição e reflexão.
(PILLAR, 2002, p. 72).
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Ainda que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96), no artigo 26,
refira-se ao ensino da arte como componente curricular obrigatório nos diversos níveis da
educação básica, a trajetória do ensino da arte no contexto da educação brasileira mostra-se
muito conturbada, pois houve uma supervalorização das disciplinas consideradas básicas, a
exemplo de letras e ciências exatas. Quando o ensino da arte passou a ter um caráter
obrigatório no currículo, foi transmitida de forma tradicional, com ênfase em padrões de
estética. Nas últimas décadas, desde a promulgação da Lei 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, pesquisadores, órgãos educacionais, legisladores e profissionais da
arte-educação vêm produzindo debates e proposições, muitos dos quais se constituíram em
textos normativos e prescritivos que traduzem as concepções e tensões que perpassam esse
campo.
Apesar de todo descontentamento, a pesquisa de Barbosa (1991) aponta para o
desenvolvimento da criatividade como primeiro objetivo do ensino da arte. Segundo a autora,
o conceito de criatividade é espontaneidade, autoliberação e originalidade. Em outra pesquisa,
Susana Vieira da Cunha (1988), constata que o significado de arte para os professores é:
intuição e emoção e, como resultado, pensam eles que “arte-educadores não precisam pensar”
e que “arte é só fazer”, excluindo toda e qualquer possibilidade de observação, reflexão e
compreensão da arte.
Contudo, a arte como qualquer área do conhecimento tem um domínio, uma linguagem e uma
história. É por isso mesmo, um campo de estudo específico e não uma mera atividade auxiliar
e / ou recreativa. É pela arte que temos a representação simbólica dos traços espirituais,
materiais, intelectuais e emocionais que caracterizam uma sociedade ou um grupo social ou
seu modo de vida, seu sistema de valores, suas tradições e suas crenças.
Concluímos, finalmente, enfatizamos a necessidade de políticas para o ensino de arte
nas escolas, de uma melhor capacitação e conscientização dos professores, considerando que
a arte trabalhada nas escolas deve enfatizar a inter-relação entre o fazer, a leitura da obra de
Arte e a contextualização histórica, social, antropológica e os aspectos estéticos da obra. Pois,
só um saber consciente e informado torna possível a utilização da arte na escola, integrada aos
outros saberes, para uma otimização do processo ensino-aprendizagem.
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