A EXISTÊNCIA DE DEUS NO PENSAMENTO DE DESCARTES (2012) 1
BRIXNER, Israel²; ZANARDI, Isis Moraes³; BRESSAN, Loidemar Luiz 4.
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Trabalho Apresentado ao Simpósio de Ensino Pesquisa e Extensão, Santa Maria, RS, Brasil.
Acadêmico do Curso de Filosofia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS,
Brasil e Bolsista do CAPES – PIBID/UNIFRA.
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Acadêmica do Curso de Filosofia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS,
Brasil e Bolsista do CAPES – PIBID/UNIFRA.
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Professor orientador do Curso de Filosofia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa
Maria, RS, Brasil.
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RESUMO
O presente trabalho pretende abordar a questão da existência de Deus, no pensamento do
filósofo moderno Renê Descartes. Utiliza-se, em especial, as duas principais obras de Descartes: O
Discurso do Método e as Meditações. O objetivo é apresentar duas provas da existência de Deus, a
saber, a prova cosmológica e a prova ontológica. Porém, faz-se primeiramente uma abordagem do
próprio método cartesiano e das regras para bem direcionarem o espírito, passando pela consquista
das primeiras verdades e, finalmente, sendo possível apresentar as provas. Pensa-se que seja
necessário utilizar-se do próprio método exposto por Descartes para chegar às provas desejadas. A
metodologia utilizada trata de uma pesquisa bibliográfica nos escritos de Descartes e segue
comentários de Gilson.
Palavras-chave: Deus; Método; Prova cosmológica; Prova ontológica.
1. INTRODUÇÃO
Uma das grandes preocupações do filósofo moderno Renê Descartes era justamente
provar a existência de Deus. As Meditações é considerada a principal obra do filósofo e fica
explicito tal preocupação. Dos seis livros presentes na obra, o terceiro e o quinto
apresentam claramente duas provas da existência de Deus: a prova cosmológica, que trata
da questão da causalidade e como é possível conhecer Deus a partir da ideia de perfeição;
e a prova ontológica, à qual concebo a ideia de Deus de forma a priori.
Um aspecto de suma importância, que será destacado, é o próprio método
cartesiano, ou seja, o caminho que Descartes percorre para chegar à conquista de
verdades, que serão guia e base para fundamentar o conhecimento. O cogito cartesiano, ou
seja, o sujeito, o eu pensante, é o ponto de partida para todo e qualquer conhecimento. A
partir da conquista das primeiras verdades e da determinação da essência do ser pensante,
Descartes parte para a conquista de novas verdades, numa cadeia lógica-argumentativa
que segue seu próprio método e que não mais possa cair sob o aspecto da dúvida.
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2. REGRAS PARA A DIREÇÃO DO ESPÍRITO
Descartes apresenta quatro regras básicas em sua filosofia. As quatro regras,
presentes no seu Discurso do Método, serão guia e referencial para a fundação do
conhecimento. Cito Descartes, sobre as quatro regras: 1- “Jamais acolher alguma coisa
como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal” (DESCARTES, 1973,
p.45). 2- “Dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas
possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las” (Ibidem.). 3- “Conduzir por
ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de
conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais
compostos” (Ibidem.). 4- “Fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão
gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir” (Ibidem.).
As quatro regras são parte fundamental do método cartesiano. Descartes quer
acolher como verdadeiro somente aquilo que lhe é evidente, ou seja, previne-se de qualquer
possibilidade de se enganar, o que se mostra claro no decorrer da pesquisa. Ainda, a
divisão das dificuldades, o processo da ordem dos pensamentos e as enumerações e
revisões que Descartes propõe, é uma fonte de segurança para seu bom senso, de modo
que nada possa afetar sua razão, que nada passe por despercebido, por duvidoso ou
desconhecido. Enfim, certezas indubitáveis somente serão possíveis se tais regras do
método forem bem executadas, servindo para a razão como um filtro, afim de bem conduzir
o pensamento á verdade clara e distinta.
2.1. A DÚVIDA METÓDICA
A base do método cartesiano também é focada na questão da dúvida. Observaremos
os três graus da dúvida destacados por Descartes, que se encontram na “primeira
meditação”.
O primeiro grau da dúvida trata do argumento do erro dos sentidos. Diz Descartes:
“experimentei algumas vezes que esses sentidos eram enganosos, e é de prudência nunca
se fiar inteiramente em quem já nos enganou uma vez” (Ibidem., p.93-94). Esse argumento
ainda é insuficiente para uma dúvida hiperbólica, pois Descartes percebe que certas
sensações parecem ser verdadeiras e claras. Mas, prefere não dar créditos para nenhum
tipo de sentido, pois pode ser que venham a lhe enganar.
No segundo grau da dúvida, Descartes se utiliza do argumento dos sonhos: “lembrome de ter sido muitas vezes enganado, quando dormia, por semelhantes ilusões” (Ibidem.).
O argumento dos sonhos é interligado com o do erro dos sentidos. Neste, Descartes
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percebe que não pode duvidar “que esteja aqui sentado junto ao fogo, vestido com um
chambre, tendo este papel entre as mãos e outras coisas desta natureza” (DESCARTES,
1973, p. 94). Mas lembra Descartes que, no segundo grau da dúvida, os sonhos muitas
vezes parecem ser tão reias quanto à vigília. A dúvida vai se alastrando, pois o que parecia
ser tão certo, ou seja, o mundo exterior, já é posto em dúvida, justificado pelo argumento
dos sonhos.
No terceiro grau da dúvida, Descartes supõe a existência de um gênio maligno, um
poderoso Deus que seria capaz de enganá-lo. Nas palavras de Descartes, um “certo gênio
maligno, não menos ardiloso e enganador do que poderoso, que empregou toda sua
indústria em enganar-me” (Ibidem.). Sendo que há um gênio maligno, sempre disposto a me
enganar, em que posso acreditar? Possivelmente em nada. Neste momento Descartes
suspende todo e qualquer juízo que até então fizera. As concepções claras e distintas que
até então se apresentavam, não mais podem ser consideradas como existentes, pois o
gênio mau pode me enganar absolutamente em tudo. A dúvida passa a ser generalizada e
universalizada. Até mesmo a racionalidade está posta em xeque. Todos os pensamentos
possíveis provindos da crença e das opiniões são falsos e imaginários.
Percebe-se, pois, que a dúvida é um ponto máximo no método cartesiano. Descartes
quer chegar à verdade e, duvidar das coisas exteriores, parece-lhe ser um ponto importante,
pois percebe que pode ser enganado se assim não proceder. Descartes de modo algum é
cético ao fazer esse processo, pelo contrário, pensa existir uma verdade e que esta é
possível de ser alcançada. Por isso, toma os devidos cuidados para tanto e duvida daquilo
que pensa não ser possível de levá-lo à certeza alguma.
2.2. A CONQUISTA DAS VERDADES
Após duvidar de tudo, Descartes se convence que há uma certeza, a saber, que
duvida. Se ele duvida, também pensa. Ora, um ser que pensa deve existir. Portanto, a
primeira verdade é conquistada, a saber, que pensa e que existe. “Cumpre enfim concluir e
ter por constante que esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira
todas as vezes que a enuncio em meu espírito” (Ibidem., p.100). Falta saber, ainda, qual a
essência dessa existência, deste ser que duvida, que pensa, que existe.
Ciente que existe, Descartes afirma a segunda certeza: “verifico aqui que o
pensamento é um único atributo que me pertence; só ele não pode ser separado de mim”.
(Ibidem., p.101-102). Somente no ato do pensar apreendo minha existência. Isso leva
pensar que a natureza deste ser é o pensamento e nada mais. Pode-se dizer que é uma
alma, uma natureza unicamente pensante, e essa é a determinação da essência do cogito,
do eu penso. Percebe-se, também, que mesmo negando a existência de um corpo e de
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qualquer coisa que seja sensível, não deixa de estar seguro de que é alguma coisa.
Descartes afirma que nada pode ser “senão uma coisa que pensa, isto é, um espírito, um
entendimento ou uma razão” (Ibidem.).
Tendo a certeza de que sou uma coisa unicamente pensante, uma alma, pode-se
afirmar que há uma distinção entre alma e corpo. Na segunda e na sexta meditação,
Descartes faz essa distinção. Há uma certeza clara e distinta: que há pensamento. Mas,
quanto aos corpos e às coisas sensíveis, nada é certo. Isso prova que a existência do
pensamento independe do corpo, portanto devem ser distintos. Descartes destaca sobre a
natureza do espírito humano, e afirma que é mais fácil conhecer o espírito do que o corpo.
Através do exemplo da cera, na “segunda meditação”, mostra como as coisas sensíveis se
transformam facilmente e enganam nosso pensamento. Descartes percebe que a cera e os
demais objetos sensíveis podem ser conhecidos mais facilmente pelo espírito e não pelos
sentidos.
É exatamente na “sexta meditação”, que ele faz uma real distinção entre corpo e
alma. Descartes diz que o corpo “é apenas uma coisa extensa e que não pensa, é certo que
este eu, isto é, minha alma, pela qual eu sou o que sou, é inteira e verdadeiramente distinta
de meu corpo e que ela pode ser ou existir sem ele” (Ibidem., p.142). Nesse momento
Descartes, definitivamente, está convencido que a existência da alma independe do corpo, e
que este é largamente distinto da alma.
Até o momento, pode-se afirmar a existência do eu, e a certeza de um existente
pensante. Descartes irá mostrar que a existência desse eu pensante implicará na certeza da
existência de Deus. A prova cosmológica cartesiana está ligada ao princípio de causalidade.
3. PROVA COSMOLÓGICA DA EXISTÊNCIA DE DEUS
O que permitiu que eu aprendesse a minha existência foi um ato de dúvida. Gilson
salienta que “para saber que duvidava, era preciso que eu tivesse a ideia do que faltava ao
meu conhecimento para que fosse uma certeza perfeita; discernia então o imperfeito do
perfeito” (In DESCARTES, 2009, p. XVIII). Sabe-se, portanto, que eu tenho a ideia do
perfeito e que este existe. Ora, é evidente, portanto, que a ideia do perfeito tenha uma
causa, e é mais evidente ainda que essa causa não seja eu mesmo, pois a certeza da
minha existência deu-se a partir da dúvida, ou seja, de algo imperfeito. Somente um ser
perfeito pode ser a causa de minha ideia de perfeição. Sabe-se que Deus é um ser perfeito,
“uma substância infinita, eterna, imutável, independente, onisciente, onipotente e pela qual
eu próprio e todas as coisas que são foram criadas e produzidas” (DESCARTES, 1973,
p.115). Assim, Deus existe indubitavelmente, e essa certeza é comprovada pela imperfeição
da dúvida e pela ideia de perfeição que possuo. Descartes, no resumo da terceira meditação
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afirma que “é impossível que a ideia de Deus que em nós existe não tenha o próprio Deus
por sua causa” (Ibidem., p.89). Portanto, o efeito, que é a ideia de perfeição, tem a causa
que é Deus, que existe.
É importante destacar, neste momento, conforme Gilson alerta, “que o homem pode
crer-se inapto a apreender a verdade enquanto não sabe que Deus existe” (In
DESCARTES, 2009, p. XIX), pois pode que o gênio maligno esteja a enganá-lo. Porém,
sabendo que a causa da ideia do perfeito que está em nós é a própria perfeição, ou seja,
Deus, a hipótese de ser enganado por esse gênio, até mesmo nas coisas mais evidentes,
acaba.
3.1. PROVA ONTOLÓGICA DA EXISTÊNCIA DE DEUS
Descartes inicia a “quinta meditação” abordando a natureza das verdades
matemáticas, afirmando que “elas possuem suas naturezas verdadeiras e imutáveis”
(DESCARTES, 1973, p.132). Da mesma maneira que as verdades matemáticas são inatas,
pergunta-se se não pode “tirar disto um argumento e uma prova demonstrativa da existência
de Deus?” (Ibidem.).
É importante deixar claro que Descartes admite três classes de ideias, a saber: as
ideias inatas, que nascem e estão em mim mesmo; as ideias adventícias, que vem de fora
de mim e remetem a coisas diferentes de mim mesmo; e as ideias factícias, que são
formuladas em mim, construídas dentro de mim.
Há, portanto, dentro de mim uma ideia inata de Deus, Este que é “uma substância
infinita, eterna, imutável, independente, onisciente, onipotente e pela qual eu próprio e todas
as coisas que são foram criadas e produzidas” (Ibidem., p.115).
Da mesma forma que possuo verdades matemáticas inatas, apreendo Deus, de
forma a priori, somente através do conceito. Sobre as figuras geométricas, o pensamento
atribui aquilo que conhece e que pertence a tais figuras, “cuja verdade se revela com tanta
evidência” (Ibidem., p.131). Da mesma forma, se examinarmos um ser perfeito, ou seja,
Deus, a existência lhe será necessária. Gilson conclui que “seria contraditório, com efeito,
pensar o ser soberanamente perfeito como privado de perfeição que é a existência; logo,
Deus existe” (In DESCARTES, 2009, p. XXIII).
A prova ontológica, portanto, se dá quando examino a ideia inata que tenho de Deus,
a ideia de sua perfeição, e passo, necessariamente, a atribuir existência a essa ideia
objetiva que é Deus. Gilson atesta que o argumento é só a comprovação da mais inelutável
evidência: não é meu pensamento que pretende tornar necessária a existência de Deus, é a
existência de Deus que impõe a meu pensamento sua própria necessidade. (Ibidem., p.
XXIII).
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4. METODOLOGIA
Desenvolve-se uma pesquisa bibliográfica nas obras de René Descartes, em
especial sobre o Discurso do Método e as Meditações, seguido de alguns comentadores.
Foi feito um levantamento dos textos necessários para tratar sobre as provas da existência
de Deus em Descartes, a fim de captar as ideias mais importantes e desenvolvê-las. Dar-seá a continuação da escrita do trabalho final de graduação, assim como a correções e
modificações necessárias, mediante o acompanhamento do orientador.
O método de pesquisa é um estudo do próprio método cartesiano, entrando nas
cadeias argumentativas das Meditações. Em outras palavras, tentaremos explicar as provas
da existência de Deus de Descartes a partir do seu método próprio.
5. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Obteve-se como resultados ou discussões, a partir do sistema filosófico de
Descartes, certezas e verdades indubitáveis acerca daquilo que se pode conhecer. Além
disso, o principal objetivo foi contemplado a partir dos argumentos cartesianos: a certeza da
existência de Deus.
6. CONCLUSÃO
O estudo mostrou que é possível provar a existência de Deus a partir de um método
específico. O método que Descartes utilizou em sua filosofia permitiu uma busca por
verdades claras e distintas, indubitáveis. Uma vez consquistada uma verdade, seguida pelas
regras do método, é impossível desta ser posta novamente em dúvida. Assim, o
conhecimento se fundamenta e se consolida com a filosofia cartesiana.
Provar a existência de Deus sempre foi um grande problema filosófico, e Descartes o
encara com muita seriedade e determinação. Parece-ce que tanto a prova cosmológica
como a ontológica são apresentadas de modo coerente, do ponto de vista filosófico e são
apresentadas com clareza e distinção. Sabe-se também, que esta discussão já mostrava-se
forte antes de Descartes, no período medieval, e que se consolida com seus escritos. Tais
provas serão questionadas por seus contemporâneos, mas de modo algum deixaram de ser
relavantes e de trazer noções novas para a Filosofia.
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REFERÊNCIAS
DESCARTES, René. Discurso do Método. Tradução de J. Guinsburg e B. P. Júnior. Coleção Os
Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
______. Discurso do Método. Introdução, análise e notas Étienne Gilson. Tradução de Maria
Ermantina de Almeida Prado Galvão; Tradução das notas de Andréa Stahel M. da Silva; Tradução da
introdução e da análise de Homero Santiago. 4.ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.
______. Meditações. Tradução de J. Guinsburg e B. P. Júnior. Coleção Os Pensadores. São Paulo:
Abril Cultural, 1973.
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a existência de deus no pensamento de descartes