@José A. Pacheco/UM/2002 Reforma do ensino secundário
José Augusto Pacheco
Universidade do Minho
Depois de uma proposta de alteração curricular do ensino secundário,
discutida ao longo de três anos e suspensa pelo actual ministro da educação,
eis que surge mais uma reforma. Revisão? Reforma?
Por mais que discutamos os conceitos, o facto é que a revisão curricular
não deixa de ser uma reciclagem de decretos e despachos e que a reforma
exige alterações mais profundas daquelas que agora nos estão a ser
anunciadas.
A reforma do ensino secundário é justificada num documento muito
pobre. Intitula-se “reforma do ensino secundário” e apresenta “linhas
orientadoras da revisão curricular”. É uma reforma ou uma revisão? Ou será
apenas uma reforma da revisão? Ou será confusão terminológica a mais? A
perplexidade pode aumentar quando continuamos a ler: “assumimos
convictamente a necessidade dessa reforma e entendemo-la como um
conjunto de alterações profundas visando a prossecução dos objectivos de
qualificação e de sustentabilidade do ensino secundário e do próprio sistema
educativo (...) Assumimos o risco de mais uma reforma na educação,
convictos da sua inevitabilidade. A alternativa é a resignação decadentista ou
a ilusão de uma revisão envergonhada”.
E perante estas palavras inicia-se o debate. Mas de quê? De uma
revisão ou de uma reforma no ensino secundário? Se fosse uma reforma,
porque o conceito não desaparecerá jamais da agenda política, incluiria um
outro processo de decisão.
Tem faltado ao ensino secundário uma identidade própria. Tem sido a
ponte de passagem para o ensino superior. A terminalidade justifica-se
quando os cursos propostos têm uma lógica interna e quando existe espaço
para a educação geral e para a formação específica.
A “reforma” apresentada tem duas contradições fundamentais: por um
lado, reforça a ideia de um ensino tecnológico, ainda que independente dos
ensinos artístico e profissional, reduzindo o número de cursos do
agrupamento; por outro, aumenta a carga horária na matriz dos cursos
gerais e dos cursos tecnológicos na componente de educação geral,
diminuindo nos mesmos cursos a componente de formação específica.
Propõe-se um ensino secundário mais valorizado na educação geral que na
componente específica. Será esta a natureza do ensino secundário?
Discutir o número de cursos é sempre fonte de conflito. Mais do que a
simples alteração interessa
porquê
das
coisas,
de
a fundamentação. Precisamos de conhecer o
levantar
questões
que
não
sejam
somente
determinadas pela urgência política de apresentar uma reforma. Também a
proposta de cursos tecnológicos carece de uma justificação, principalmente
quando o número de alunos no ensino secundário continuará a diminuir nos
próximos anos (cf. Público, de 23/11/02).
As opções disciplinares são, em parte, justificadas no enquadramento
estratégico e linhas orientadoras.
Estaremos perante uma reforma de agenda política, visível sobretudo
nas intenções dos discursos e dos textos normativos, ou perante uma
reforma efectiva, com a alteração das práticas curriculares? É o risco de
mais uma reforma... sem rumo.
A estratégia de sucesso da “reforma” baseia-se em três palavras centrais
– qualidade, avaliação e responsabilidade - e no imperativo educativo, mas
também social e cultural: “o ensino obrigatório das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC)”.
Todos desejam a qualidade, sabendo-se o quão difícil tem sido
compreender o desajuste entre o investimento financeiro em educação e os
resultados escolares. Precisamos de mudanças reais, sabendo-se que o
problema é complexo e não se resolve de imediato.
Relativamente ao ensino das TIC ninguém duvidará da sua pertinência
curricular. É evidente que as dúvidas começam a surgir quando passam a
ter estatuto de disciplina. O imperativo das TIC é discutível, tal como são
discutíveis os imperativos da Educação Sexual, reclamada pelos alunos, e do
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Desenvolvimento Pessoal e Social, de fracasso tão recente. Trata-se de um
imperativo que merece o benefício da dúvida, porquanto se reconheça que as
TIC não podem ser reduzidas a uma opção meramente disciplinar. É
necessário discuti-las como conteúdo e como método, só depois é que
poderemos perguntar: a carga horária atribuída, no 10º ano, é a mais
adequada? Por que funciona só nesse ano? Não está a sobrecarregar um ano,
que é de transição para os alunos e onde se verifica um elevado abandono
escolar?
A introdução desta nova disciplina, na componente de educação geral,
faz-se em detrimento de uma disciplina da componente de formação
específica. Estamos perante um tabuleiro de xadrez onde as peças são
movimentadas
por
jogadores
que
unicamente
precisam
de
jogar
rapidamente. São os mesmos jogadores que retiram a Área de Projecto dos
10º e 11º anos de escolaridade. Sem justificação. A rapidez do jogo político
nem sempre é coincidente com o equilíbrio do jogo curricular.
Nas disciplinas, podemos falar de programas. Homologados e não
homologados. Existe ou não uma reforma quando há decisões cruciais, como
se tem comprovado para o programa de Português, que são impostas aos
novos
reformadores?
Estamos,
convictamente,
perante
uma
reforma
truncada, uma semi-reforma, uma reforma menor, na medida em que os
programas são ainda o núcleo central de uma mudança curricular.
Sobre
a avaliação, o documento de reforma não apresenta nada de
inovador. As provas globais sempre estiveram a prazo. A sua justificação, a
partir de 1993, já deixava antever que um dia seriam abolidas. Todavia, os
anteriores ministros da educação não tiveram a coragem política de acabar
com as provas globais, sendo, inclusive, uma das peças essenciais do puzzle
da revisão curricular para o ensino secundário.
Deixar às escolas a possibilidade de as realizarem não é uma decisão
que conduza a maior autonomia, apenas dizer-lhes que não vale a pena
continuar com uma avaliação tão criticada pelos alunos.
Reduzir o número de exames é uma medida que recebe uma
generalizada concordância. No entanto, a redução já está prevista em
normativos que têm a assinatura de responsáveis do anterior governo.
Reformar também é manter o que não deve ser mudado. É uma
aprendizagem muito dura para os políticos.
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Para terminar, a reforma do ensino secundário, envergonhada ou não, é
determinada mais por questões orçamentais do que por preocupações
pedagógicas. Se estas existem, precisam de ser bem explicadas, já que
aquelas são por mais evidentes.
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Depois de uma proposta de alterao curricular do ensino secundrio