1 Desafios da indústria nacional associados à eletrotermia Frederico Miura1 Marilin Mariano dos Santos2 Hirdan Katarina de Medeiros Costa3 Edmilson Moutinho dos Santos 4 Resumo: Este trabalho tem por objetivo apresentar os desafios da indústria nacional em reduzir a eletrotermia em seus processos de fabricação, tendo em vistas as implicações decorrentes do atual modelo energético brasileiro, com aumento da participação de geração termelétrica na matriz energética, como consequência o aumento da tarifa de energia e aumento dos custos de produção. 1 - Eng. Frederico Miura - Aluno especial de mestrado do programa de Pós-Graduação em Energia, IEE – USP Instituto de Energia e Ambiente da USP - Tel.: (11) 9 8565 1026 e-mail [email protected] 2 – Marilin Mariano dos Santos – Instituto Mauá de Tecnologia 3 – Hirdan Katarina de Medeiros Costa – Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (PPGE/USP) 4 – Edmilson Moutinho dos Santos – Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (PPGE/USP) / Escola Politécnica da Universidade de São Paulo 2 1. INTRODUÇÃO No Brasil, a partir do final da década de 1990, observa-se o aumento expressivo da participação da geração termelétrica na matriz energética nacional. À medida que a matriz energética é alterada, com a maior utilização de usinas termelétricas, o planejamento para o uso final da energia elétrica, no que se refere à eletrotermia, deve ser repensado para ampliação do uso direto da energia primária como uso final térmico. Em países com geração predominantemente termelétrica, proveniente do consumo de carvão mineral, gás natural e derivados de petróleo, como Estados Unidos, Reino Unido e Rússia, o padrão de utilização da energia elétrica é destinado para usos mais nobres, visto que, o custo desta energia é mais alto em relação aos países com geração predominantemente hídrica. Nesses países cuja geração de energia elétrica é predominantemente térmica, as fontes primárias de energia, como o gás natural e o carvão, são priorizadas para a geração de calor quando comparada com a utilização da eletricidade para aquecimento. Nessa visão, o gás natural, devido à sua grande faixa de aplicabilidade nos processos de combustão para produção de calor, pode ser utilizado pelos consumidores finais em substituição à energia elétrica. 2. Cenário de geração e consumo de energia elétrica no Brasil De acordo com os dados divulgados pelo último Balanço Energético Nacional (2015), de 2011 a 2014 houve uma redução de 12,8% da geração de energia elétrica por fonte hidráulica, saindo dos 428.333 GWh gerados em 2011 para 373.439 GWh em 2014. Para a geração elétrica por fontes não renováveis, associadas ao consumo de óleos combustíveis, óleo diesel, carvão e gás natural, houve o aumento de aproximadamente três vezes o verificado em 2011, saindo dos 43.820 GWh para 131.127 GWh gerados em 2014. 3 Conforme a Figura 2-1, o perfil de geração elétrica nacional nos últimos dez anos, considerando-se as centrais elétricas do serviço público e centrais autoprodutoras, verifica-se a redução significativa da geração hidráulica e o acréscimo, também significativo, da geração térmica. 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 2005 2006 2007 2008 Hidráulica 2009 2010 Térmica 2011 2012 Nuclear 2013 2014 Eólica Figura 2-1 – Geração elétrica no Brasil - Centrais de serviço público e autoprodutores. Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Balanço Energético Nacional 2015, ano base 2014. A análise da evolução da matriz de geração termelétrica na última década, conforme Figura 2-2, aponta um acréscimo significativo da participação do gás natural e da biomassa. 16% 14% 12% 10% 8% 6% 4% 2% 0% 2005 Biomassa 2006 2007 Gás natural 2008 2009 2010 Óleos combustíveis e diesel 2011 2012 2013 2014 Carvão e outros não renováveis Figura 2-2 – Geração termelétrica no Brasil: Evolução da matriz de geração termelétrica. Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Balanço Energético Nacional 2015, ano base 2014. 4 No que se refere à capacidade instalada do parque de geração, conforme Figura 2-3, observa-se o forte crescimento de novos empreendimentos em termoelétricas, incentivado após a crise energética de 2001. MW 100.000 90.000 80.000 70.000 60.000 50.000 40.000 30.000 20.000 10.000 0 Hidráulica Térmica Eólica Nuclear Figura 2-3 – Capacidade instalada - Geração elétrica. Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Balanço Energético Nacional 2015, ano base 2014. Quanto ao consumo, o setor industrial é o maior consumidor de energia elétrica, representando 38,8% do consumo elétrico total. Em segundo lugar está o setor residencial com 24,9% do consumo (BEN, 2015). 3. A eletrotermia no setor industrial e a sua substituição Segundo Costa (2014), a eletrotermia ganhou força no Brasil no início da década de 1980, quando da segunda crise do petróleo. O preço elevado do barril de petróleo somado às grandes quantidades importadas levaram a um aumento significativo da dívida externa do Brasil, fato que desencadeou a busca por alternativas ao uso de derivados de petróleo, culminando no uso intensivo da eletrotermia no setor industrial devido ao excesso de oferta de energia elétrica e aos incentivos econômicos oferecidos pelo governo. A eletrotermia no setor industrial concentra-se principalmente nos processos de aquecimento direto do tipo resistivo, indutivo e a arco elétrico utilizados nos processos de redução, fundição, laminação, lingotamento e tratamento térmico, das indústrias de metais não ferrosos e na indústria de ferro e aço. 5 Na indústria de metais não ferrosos, com destaque para a indústria do alumínio, cerca de 23% do consumo elétrico é destinado para uso térmico. O potencial de substituição da eletrotermia por gás natural é estimado entre 18% a 31% do consumo elétrico para uso térmico (Strapasson, 2003). No setor de ferro e aço a eletrotermia é maior, correspondendo a aproximadamente 70% do consumo elétrico. A estimativa de viabilidade técnica para substituição do consumo elétrico para uso final térmico é de 14% a 27% (Strapasson, 2003). O alto consumo de energia elétrica pela indústria aliado ao aumento significativo da tarifa de energia decorrente do aumento da geração termoelétrica a gás natural traz um novo cenário, que é a reversão da eletrotermia. Ressalta-se que o gás natural pode ser utilizado em substituição à energia elétrica por meio da substituição ou conversão destes equipamentos para a queima de gás natural. Ressalta-se ainda que a utilização do gás natural para a geração termoelétrica é menos eficiente que a utilização deste em processos de combustão direta para aquecimento. Os modelos comerciais mais eficientes de centrais termoelétricas a ciclo combinado a gás natural apresentam rendimento líquido da ordem de 60%1, conforme mostram os dados de performance de três modelos comerciais apresentados na 1 Condição local: 15°C, 1,013 bar e 60% umidade relativa; 6 Tabela 3-1 – Dados de performance de centrais termoelétricas a gás natural em ciclo combinado. Fabricant Potência Net Heat Rate Rendiment Modelo Comercial Arranjo e Líquida (kJ/KWh) o Líquido Alstom2 KA24-2 MS 2x1 680 MW 6.102 59,0% Siemens3 GT6 8000H CS 1x1 SS 1x1 440 MW 6.000 60,0% GE4 S107H 1x1 400 MW 6.000 60,0% Fonte: elaboração própria. Somando à baixa eficiência das centrais termoelétricas, durante o transporte da energia elétrica do ponto de geração ao ponto consumidor, ocorrem perdas associadas à rede básica e à rede de distribuição. Em 2013 as perdas computadas no Sistema Interligado Nacional (SIN) representaram 16,8% do total da carga, conforme mostra Tabela 3-2. Tabela 3-2 – Perdas no Sistema Interligado Nacional. SIN - Sistema Interligado Nacional 2009 2010 2011 2012 2013 Perdas 17,7% 17,2% 16,4% 17,2% 16,8% Fonte: Anuário Estatístico de Energia Elétrica, 2014. Se computadas as perdas e as eficiências térmicas, a energia útil para a indústria de não ferrosos e ferro e aço é equivalente a 30% do aporte energético do gás natural consumido para a geração termoelétrica a gás natural, para tanto foram utilizados os dados de rendimento energético apresentados na Tabela 3-3. 2 Disponível em: http://www.alstom.com/Global/Power/Resources/Documents/Brochures/gaspower-plants-technical-performance.pdf?epslanguage=en-GB>; acessado em 15/06/2015; 3 Disponível em: http://www.energy.siemens.com/br/en/fossil-power-generation/gasturbines/sgt6-8000h.htm#content=Technical%20data>; acessado em 15/06/2015; 4 Disponível em: http://site.geenergy.com/prod_serv/products/tech_docs/en/downloads/ger3574g.pdf>; acessado em 15/06/2015. 7 Tabela 3-3 – Rendimento energético de fornos elétricos. Setor de Aplicação Rendimento Energético Residencial 70,0% Ferro Gusa e Aço 60,0% Ferro Ligas 60,0% Não Ferrosos e Outros Metálicos 60,0% Química 69,0% Alimentos e Bebidas 65,0% Cerâmica 58,0% Outros 55,0% Fonte: Balanço de Energia Útil, 2005. Assim, para os setores de metais não ferrosos e ferro e aço, a energia útil é equivalente a 30% do aporte energético do gás natural consumido para a geração termoelétrica, conforme mostra o diagrama da Figura 3-1. 100% 60% 83,2% Gás natural Geração elétrica Transmissão e distribuição 40% Perdas 16,8% Perdas 60% Eletrotermia: efeito Energia útil Joule 30% 40% Perdas Figura 3-1 – Diagrama de Sankey – Uso final em forno elétrico. Fonte: elaboração própria. Para o caso do rendimento de fornos com combustão direta de combustíveis gasosos, a energia útil é de 52% a 76% do aporte energético primário em função do setor de aplicação, conforme apresentado na Tabela 3-4. 8 Tabela 3-4 – Rendimento energético de fornos a combustível gasoso. Setor de Aplicação Rendimento Energético Residencial Ferro Gusa e Aço Ferro Ligas Não Ferrosos e Outros Metálicos Química Alimentos e Bebidas Cerâmica Outros 58,0% 76,0% 56,0% 60,0% 52,0% 52,0% 55,0% 52,0% Fonte: Balanço de Energia Útil, 2005. Assim, para os setores de metais não ferrosos e ferro e aço, a energia útil com a combustão direta do gás é de 60% e 76%, respectivamente, do aporte energético primário. A Figura 3-2 apresenta os diagramas de transformação para os dois setores. 100% 60% Gás natural Combustão direta Metais não Ferrosos Energia útil 60% Energia útil 76% 40% Perdas 100% 76% Gás natural Combustão direta Ferro e Aço 24% Perdas Figura 3-2 – Diagrama de Sankey – Uso final em forno elétrico. Fonte: elaboração própria. 9 4. Conclusão Em vista das mudanças verificadas ao longo das últimas décadas na matriz energética nacional, com crescimento significativo da participação da geração termoelétrica, seja por fontes fósseis e não fósseis, observa-se um cenário de oportunidades para ganho de eficiência energética através do uso racional da energia elétrica. Nos setores industriais que fazem grande uso da eletrotermia, como o de metais ferrosos e de ferro e gusa, verificou-se o grande potencial de substituição da energia elétrica pela combustão de gás natural por meio da substituição ou conversão dos equipamentos existentes para esta finalidade. Além do ganho global de eficiência energética, essa medida pode adiar o investimento em novos empreendimentos de geração elétrica e, também, pode trazer ganho de competitividade dos setores industriais que fazem uso da eletrotermia por meio da redução dos custos de produção associados ao consumo de energia elétrica para aquecimento. 10 5. Revisão Bibliográfica COSTA, F. C., Gases combustíveis como alternativas à eletrotermia em aquecimento direto e calor de processo no setor industrial brasileiro, VIII Jornada Científica da Associação Brasileira de Estudos em Energia, Rio de Janeiro, 2014. FERNANDES, F., Substituição da eletrotermia por gases combustíveis no setor industrial, tese de doutorado, Programa Interunidade de Pós-Graduação em Energia – EP / FEA / IEE / IF da Universidade de São Paulo – USP, 2008. MME, Ministério de Minas e Energia, Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2014, 2014. MME, Ministério de Minas e Energia, Balanço de Energia Útil BEU, 2005. MME, Ministério de Minas e Energia, Balanço Energético Nacional 2015, 2015. STRAPASSON, A.B., A Energia térmica e o paradoxo da eficiência energética: desafios para um novo modelo de planejamento energético, tese de mestrado, Programa Interunidades de PósGraduação em Energia - EP / FEA / IEE / IF da Universidade de São Paulo – USP, 2004.