O reconhecimento das externalidades positivas do etanol e o papel do setor
sucroenergético no abastecimento de combustíveis leves no Brasil
O setor tem vivenciado uma das maiores crises de sua história. Desde 2010, mais de 80 usinas
já fecharam as portas no País e, como consequência direta, houve uma perda superior a 60 mil
empregos diretos no setor produtivo, além de uma queda de 50% no faturamento das empresas
de bens de capital voltadas para o setor, ocasionando uma perda adicional de mais de 50.000
postos de trabalho.
Face a esta situação altamente crítica, o presente documento tem por objetivo (i) trazer
considerações sobre a recuperação do valor da CIDE aplicado sobre a gasolina de R$ 0,60 por
litro, valor equivalente ao custo social do carbono1, (ii) e, nesse contexto, apresentar cenários
que retratem a perspectiva do setor produtivo em relação à produção futura de etanol no Brasil,
bem como os efeitos indiretos decorrentes dessa ampliação sobre, por exemplo, o número de
empregos, as importações de gasolina e a indústria de base nacional.
1 – CENÁRIOS DE PRODUÇÃO PARA O SETOR SUCROENERGÉTICO
Elaboraram-se dois cenários, os quais retratam o potencial produtivo do setor sucroenergético
até 2030 - ano considerado como o primeiro no horizonte temporal para a implementação e o
cumprimento das ações de mitigação previstas na 21ª Conferência das Partes da Convenção
Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP21).
 Cenário 1 (estagnação): apresenta a produção esperada de etanol em um contexto de
manutenção do status quo, sem a implementação de políticas públicas adicionais que
contemplem uma clara sinalização de incentivos de médio e longo prazos direcionados à
ampliação da produção doméstica do biocombustível. Nesse caso, tem-se a quase
estagnação do cultivo de cana-de-açúcar e uma redução significativa dos benefícios
econômicos, ambientais, sociais e de saúde pública advindos desta atividade;
 Cenário 2 (expansão): retrata um cenário de crescimento da produção nacional de etanol
diante da adoção de políticas efetivas que estimulem o aumento da participação desta
fonte renovável na matriz energética nacional, com destaque para o estabelecimento de
uma CIDE que sobre a gasolina que efetivamente incorpore ao sistema de preço as
externalidades positivas associadas ao uso do etanol combustível.
A Tabela 1 detalha ambos os cenários supracitados.
Tabela 1. Indicadores para os cenários 1 (estagnação) e 2 (expansão).
1
Este valor de R$ 0,60/litro de gasolina foi calculado pelo Agroicone, tomando como base os valores do
custo social do carbono, estimado pela agência ambiental americana – EPA, e a quantidade de CO2
equivalente emitida por litro de gasolina A. Segundo o Banco Mundial, atualmente 13 países já adotam
diferentes formas de taxas de carbono em suas políticas, quais sejam Chile, Costa Rica, Dinamarca, Finlândia,
França, Islândia, Irlanda, Japão, México, Noruega, Suécia Suíça e Reino Unido.
1
Indicadores
Produção de cana-de-açúcar
Milhões de toneladas
Consumo de etanol combustível
Bilhões de litros
2014
Cenário 1
(estagnação) - 2030
Cenário 2
(expansão) - 2030
632
732
1.015
24,7
21,6
50,9
Fonte: elaborado por UNICA.
2 – BENEFÍCIOS SOCIAIS, AMBIENTAIS E ECONÔMICOS ASSOCIADOS À EXPANSÃO DO SETOR
No tocante aos impactos ambientais relativos à mitigação das emissões de gases de efeito estufa
(GEE) resultante das produções de etanol e bioeletricidade estimadas para ambos os cenários
apresentados, teríamos os seguintes resultados:

Cenário 1 (estagnação): as emissões líquidas evitadas pelo setor sucroenergético entre
2015 e 2030 somariam 569 milhões de toneladas de CO2 equivalente;

Cenário 2 (expansão): a redução das emissões de GEE alcançariam 1,14 bilhão de
toneladas de CO2 equivalente no período de 2015 e 2030, como consequência direta do
aumento da participação do etanol e da bioeletricidade na matriz energética brasileira.
Portanto, as emissões adicionais evitadas no cenário expansão em relação àquelas previstas no
contexto de estagnação alcançariam 571 milhões de toneladas de CO2 equivalente. Esse volume,
segundo estimativas do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para 2012, equivale
a cerca de 3 vezes o total emitido pelo uso de combustíveis fósseis no setor de transportes
brasileiro (cerca de 200 milhões de toneladas de CO2 equivalente) e pelo desmatamento de
florestas no país naquele ano (aproximadamente 175 milhões de toneladas de CO2 equivalente).
Para atingir a mesma economia de CO2 ao longo de 20 anos, seria preciso o plantio de 4 bilhões
de árvores nativas2.
Além de reduzir as emissões de GEE, a maior oferta de etanol contribuiria decisivamente para a
redução dos gastos com saúde pública decorrentes de problemas respiratórios e
cardiovasculares associados ao uso de combustíveis fósseis, especialmente nas grandes cidades
do País. Estima-se que o consumo de biocombustível apenas nas oito principais regiões
metropolitanas do Brasil é responsável pela redução de quase 1.400 mortes e mais de 9.000
internações anuais, totalizando uma economia da ordem de R$ 430 milhões por ano para o
sistema de saúde pública e privada3.
2
A correspondência entre emissão evitada e aquela que seria obtida pelo plantio de árvores nativas é estabelecida pelo fator de
7,14 árvores/t de CO2eq (LACERDA, J.S. et al., 2009. Estimativa da biomassa e carbono em áreas restauradas com plantio de essências
nativas. ESALQ/USP).
3 Saldiva, P. et al. Combustíveis para frota leve: cenários de mudança no perfil de consumo etanol/ gasolina e impacto epidemiológico
estimado em saúde. Mimeo. 2014.
2
Em termos de geração de empregos, o crescimento esperado do setor produtivo no cenário de
expansão promoveria a criação de quase 250 mil novos postos de trabalho diretos na
comparação com o cenário de preservação do status quo, além de gerar aproximadamente 500
mil empregos indiretos adicionais em toda a cadeia sucroenergética até 2030.
A ampliação da capacidade produtiva instalada prevista no cenário de expansão exigiria
investimentos da ordem de US$ 40 bilhões até 2030, com efeito multiplicador significativo sobre
a indústria de base voltada ao setor sucroenergético e ativação do mercado de fatores associado
à essa indústria.
A expansão da produção de etanol no Brasil também reduziria sensivelmente a importação de
gasolina para o atendimento da demanda doméstica. Em um contexto de estagnação da
produção sucroenergética, o volume importado de gasolina pelo país, que em 2014 somou 2,18
bilhões de litros, superariam 27 bilhões de litros anuais em 2030 ou 46% do consumo interno.
No acumulado entre 2015 e 2030, o volume atingiria 240 bilhões de litros.
Esses valores se reduzem sensivelmente caso o crescimento da produção de etanol projetada
no cenário de expansão se concretize. Nessa situação, a importação acumulada de gasolina
entre 2015 e 2030 seria 95 bilhões de litros inferior ao valor projetado para o cenário de
manutenção do status quo. Essa redução, valorada a partir dos preços internacionais estimados
pela Agência de Energia Americana4, representaria um déficit evitado superior a US$ 45 bilhões
à balança comercial do país, com menor exposição externa da economia brasileira, maior
segurança ao abastecimento doméstico e necessidade reduzida de investimentos em
infraestrutura para a importação do derivado5. A imposição de uma CIDE da ordem de R$ 0,60
sobre a gasolina também poderia gerar um ganho adicional potencial de quase US$ 40 bilhões
associado ao aumento no valor das exportações de açúcar no período 2015-2030.
Por fim, o estabelecimento de um adequado valor para a CIDE sobre a gasolina elevaria
substancialmente a arrecadação federal e, adicionalmente, permitiria um aumento da
arrecadação de Estados e municípios decorrente do maior repasse deste tributo e da ampliação
dos valores recolhidos para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Caso a Intervenção de Domínio Econômico (CIDE) sobre a gasolina A fosse elevada para R$
0,60/l, a arrecadação federal, considerando os volumes previstos para consumo em 2016,
atingiria aproximadamente R$ 17 bilhões anuais (aumento de quase a R$ 15 bilhões em
relação ao valor atual, dos quais mais de 4 bilhões destinados a estados e municípios), com
ampliação do recolhimento de ICMS nos estados superando R$ 5,0 bilhões por ano. O impacto
4
U.S. Energy Information Administration (EIA) - www.eia.gov
5
Não há trabalhos públicos que mensurem os investimentos necessários no Brasil para viabilizar a infraestrutura voltada à
importação de volumes crescentes de gasolina. A saber, segundo informações da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP), somente a construção de uma nova refinaria no País exigiria atualmente investimentos da ordem de US$ 40
bilhões.
3
inflacionário direto associado à medida atingiria cerca de 0,84 ponto percentual sobre o índice
oficial.
A Tabela 2 sintetiza os benefícios sociais, ambientais e econômicos associados à expansão
potencial da indústria sucroenergética, detalhados ao longo do presente documento.
Tabela 2. Benefícios associados à expansão do setor sucroenergético.
Indicadores
Variação
Investimento para ampliação da capacidade produtiva²
- 571 milhões ton. CO2 eq.
+ 750 mil
40 US$ bilhões
Redução da importação de gasolina 2015-2030¹
- 95 bilhões litros ~ 45 US$ bilhões
Redução das emissões¹
Geração de empregos (diretos e indiretos)¹
Impactos da aplicação da CIDE de 0,60 R$/litro de gasolina A
Aumento anual da arrecadação tributo federal (CIDE)³ ~ 15,0 R$ bilhões
Aumento anual da arrecadação de ICMS³
Impacto sobre a inflação (IPCA)4
~ 5,5 R$ bilhões
até 0,84 ponto percentual
¹Resultado líquido (variação) comparando o resultado do cenário de expansão relativamente aquele obtido para o contexto de es tagnação. Valores
acumulados para o período de 2015-2030. ²Resultado líquido (variação) comparando o resultado do cenário de expansão relativamente à situação
corrente do setor sucroenergético. Valores acumulados para o período de 2015-2030. ³Estimativa calculada a partir do consumo previstos para 2015,
dos preços atualmente observados no mercado nacional e da alíquota média de ICMS para o mercado brasileiro. 4Estimativa de impacto inflacionário
calculada tomando-se a estrutura de formação de preços da gasolina e os valores médios para o mercado brasileiro vigentes em maio de 2015. Os
resultados compreendem apenas o impacto direto decorrente do aumento de preço na bomba da gasolina e do etanol hidratado
3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de um acordo no âmbito da COP21 que estabeleça metas de redução das emissões para
o Brasil, torna-se latente a importância de políticas públicas que promovam a competitividade
do etanol, em especial quando se considera o potencial de mitigação do renovável e os
benefícios econômicos e sociais associados a um novo ciclo de expansão da indústria
sucroenergética.
Nesse contexto, a instituição de um tributo sobre a gasolina, em níveis adequados para valorar
os efeitos nocivos causados à sociedade pelo consumo deste combustível fóssil se configura
como medida essencial para a correção dessa falha de mercado, que desestimula investimentos
em energias limpas e renováveis.
4
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