UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA
CENTRO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO
SOCIOAMBIENTAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS
PLANTAS DO AXÉ E SUA FUNDAMENTAÇÃO RELIGIOSA: um
estudo de caso no terreiro de Umbanda “Caboclo Boiadeiro” (fazenda
Buraco do Boi – Poções/ Bahia)
Célio Silva Meira
ITAPETINGA
2013
CÉLIO SILVA MEIRA
PLANTAS DO AXÉ E SUA FUNDAMENTAÇÃO RELIGIOSA: um
estudo de caso no terreiro de Umbanda “Caboclo Boiadeiro” (fazenda
Buraco do Boi – Poções/ Bahia)
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências Ambientais da
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia,
Campus de Itapetinga, BA, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em Ciências
Ambientais. Área de Concentração em Meio
Ambiente e Desenvolvimento.
Orientadora: Profª. Drª. Marília Seixas Flores de
Oliveira
ITAPETINGA
2013
299.67 Meira, Célio Silva
M451p
Plantas do axé e sua fundamentação religiosa: um estudo de caso no
terreiro de Umbanda “Caboclo Boiadeiro” (fazenda Buraco do Boi –
Poções/ Bahia). / Célio Silva Meira. - Itapetinga: UESB, 2013.
129p.
Dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em
Ciências Ambientais da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia –
UESB – Campus de Itapetinga. Sob a orientação da Profa. D.Sc. Marília
Flores Seixas de Oliveira.
1. Umbanda. 2. Plantas Sagradas. 3. Religião – Afro-brasileira. I.
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Programa de PósGraduação em Ciências Ambientais. II. Oliveira, Marília Flores Seixas
de. III. Título.
CDD(21): 299.67
Catalogação na fonte:
Adalice Gustavo da Silva – CRB/5-535
Bibliotecária – UESB – Campus de Itapetinga-BA
Índice Sistemática para Desdobramento por Assunto:
1 Umbanda
2 Plantas Sagradas
3 Religião – Afro-brasileira
CÉLIO SILVA MEIRA
PLANTAS DO AXÉ E SUA FUNDAMENTAÇÃO RELIGIOSA: um
estudo de caso no terreiro de Umbanda “Caboclo Boiadeiro” (fazenda
Buraco do Boi – Poções/ Bahia)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Campus de Itapetinga, BA, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Ambientais. Área de Concentração
em Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Aprovada em: 13 /03/ 2013.
BANCA EXAMINADORA
Dedico este trabalho de conclusão de
Mestrado, primeiramente, ao nosso grande
Pai da criação na Filosofia africana, Oxalá,
e não menos importante, dedico também a
Exu pela minha saúde, minha fé e minha
perseverança.
A meus pais biológicos Vespasiano
Cangussú Meira e Celina da Silva Meira, in
memoriam, por terem me ensinado valores
que carregarei para sempre, dentre tantos, o
respeito e admiração por um professor; e a
todos aqueles que foram meus educadores,
os meus mais profundos respeitos. Graças a
cada um de vocês, hoje sou um professor.
À minha orientadora Profª. Drª. Marília
Flores Seixas de Oliveira, pela sabedoria e
dedicação com a qual me orientou nesta
dissertação, levando em consideração os
problemas que fazem parte do contexto,
sendo sempre sensível às diversas situações
e entraves que lhes foram apresentadas.
Dedico também a todos os Caboclos que
compõem a nação brasileira, que são os
donos dessa Terra e grandes sábios na arte
de conhecer os segredos das folhas.
Axé!!!!
AGRADECIMENTOS
Foram tantas as pessoas envolvidas, neste trabalho, que eu usaria folhas e mais folhas para
agradecer.
Em primeiro lugar, quero agradecer ao Terreiro de Candomblé - “Caboclo Boiadeiro” pelo
apoio incondicional a este trabalho e, em especial, a Mãe Mesa, Mesô, Neide, Linda que,
em minha opinião, são verdadeiras bibliotecas ambulantes na arte de conhecer os segredos
das ervas que compõem o axé da casa.
Não poderia deixar também de agradecer ao Babalorixá chefe da casa, o Sr. Eurivelton
Pereira Campos e a Mãe Pequena, a Iaquequerê, carinhosamente conhecida por “Mãe
Maria”. A vocês, meu muito obrigado!
Não menos importante, quero também externar meus agradecimentos a todos os filhos e
filhas desta casa, meus irmão no Axé que, de uma forma ou de outra, me foram úteis na
execução desta pesquisa.
À minha orientadora, a queridíssima Professora Drª. Marília Flores Seixas de Oliveira,
pelas boas e proveitosas conversas que tivemos sobre a temática em estudo, o que tornou
este sonho uma realidade possível. A você, meu muito obrigado, Marília.
Ao Programa de Mestrado em Ciências Ambientais e Desenvolvimento da UESB, PPGCA
Campus de Itapetinga, pelo apoio e respeito ao tema que desenvolvi nesta dissertação.
Uma vez que iniciativas como essa sirvam para mostrar que universidade se faz também
fora dos muros da instituição. Obrigado a todos e, em especial, a Naiala (secretária do
Mestrado) que tão carinhosamente me atendia quando dela necessitava.
Ao Professor Dr. Jânio Laurentino dos Santos DG (UESB) Campus – Vitória da
Conquista, por ter sido o primeiro a ler o meu projeto e sugerir valiosas mudanças que
foram fundamentais na melhoria do mesmo e na aprovação para este mestrado.
Não tão menos importante, quero agradecer a todos os meus colegas de trabalho do
Colégio Estadual Dr. Roberto Santos - Poções/Bahia, pelo carinho e respeito a que me têm
e, em especial, as Vices-Diretoras Maria de Fátima, Elizângela e Tânia, cada uma com suas
especificidades, o que as tornam seres ímpares com quem convivo há alguns anos, a todas
o meu muito obrigado de coração.
À Celeste Amorim e a Roney Gusmão, meus amigos de fé, meus irmãos camaradas,
amigos de todas as horas; a vocês, só me resta dizer meu muito obrigado pelos socorros
nas horas difíceis.
A todos os demais amigos que sabem como ninguém e parafraseando Caetano Veloso “a
dor e a delícia de ser o que é”.
Um Axé a todos!!!!
OSSAIM DÁ UMA FOLHA PARA CADA ORIXÁ.
Ossaim, filho de Nanã e irmão de Oxumarê, Euá e Obaluaê, era o senhor
das folhas, da ciência e das ervas, o orixá que conhece o segredo da cura e
o mistério da vida.
Todos os orixás recorriam a Ossaim para curar qualquer moléstia, qualquer
mal do corpo.
Todos dependiam de Ossaim na luta contra a doença. Todos iam à casa de
Ossaim oferecer seus sacrifícios. Em troca Ossaim lhes dava preparados
mágicos: banhos, chás, infusões, pomadas, abô, beberagens.
Curava as dores, as feridas, os sangramentos; as disenterias, os inchaços e
fraturas; curava as pestes, febres, órgãos corrompidos; limpava a pele
purulenta e o sangue pisado; livrava o corpo de todos os males.
Um dia Xangô, que era o deus da justiça, julgou que todos os orixás
deveriam compartilhar o poder de Ossaim, conhecendo o segredo das ervas
e o dom da cura. Xangô sentenciou que Ossaim dividisse suas folhas com
os outros orixás. Xangô então ordenou que Iansã soltasse o vento e
trouxesse ao seu palácio todas as folhas das matas de Ossaim para que
fossem distribuídas aos orixás.
Iansã fez o que Xangô determinara. Gerou um furacão que derrubou as
folhas das plantas e as arrastou pelo ar em direção ao palácio de Xangô.
Ossaim percebeu o que estava acontecendo e gritou: “Euê uassá!”. “as
folhas funcionam!” Ossaim ordenou às folhas que voltassem às suas matas
e as folhas obedeceram às ordens de Ossaim. Quase todas as folhas
retornaram para Ossaim. As que já estavam em poder de Xangô perderam
o axé, perderam o poder de cura.
O orixá-rei, que era um orixá justo, admitiu a vitória de Ossaim. Entendeu
que o poder das folhas deveria ser exclusivo de Ossaim e que assim deveria
permanecer através dos séculos. Ossaim, contudo, deu uma folha para cada
orixá, deu uma euê para cada um deles. Cada folha com seus axés e seus
ofós, que são as cantigas de encantamento, sem as quais as folhas não
funcionam. Ossaim distribuiu as folhas aos orixás para que eles não mais o
invejassem.
Eles também podiam realizar proezas com as ervas, mas os segredos mais
profundos, ele guardou para si. Ossaim não conta seus segredos para
ninguém, Ossaim nem mesmo fala. Fala por ele seu criado Aroni. Os
orixás ficaram gratos a Ossaim e sempre o reverenciam quando usam as
folhas.
(PRANDI, 2001)
RESUMO
Meira, C. S. Plantas do Axé e sua fundamentação religiosa: um estudo de caso no
terreiro de Umbanda “Caboclo Boiadeiro” (Fazenda Buraco do Boi – Poções/ Bahia).
Itapetinga-BA: UESB, 2012. p.129 (Dissertação – Mestrado em Ciências Ambientais e
Desenvolvimento).*
Esta dissertação de mestrado procurou investigar as maneiras pelas quais os terreiros de
Umbanda fazem uso de plantas em seus rituais religiosos, tomando como base o terreiro
“Caboclo Boiadeiro”, localizado na fazenda Buraco do Boi, município de Poções, Bahia.
Para tanto, buscou-se conhecer o processo histórico de implantação desta religião, na
região estudada, compreendendo também a relação religiosa com a natureza, a partir dos
vegetais, uma vez que o uso das folhas sagradas é uma prática recorrente e fundamental em
todos os terreiros. Neste sentido, comprovou-se que a natureza está sempre presente no
cerimonial e que as folhas formam uma força significativa no processo de cuidar do corpo
e do espírito, compreendidos de maneira interligada. Considerando-se também que o uso
de ervas e de outros elementos vegetais na produção de medicamentos e de outras práticas
relacionadas à saúde está muito presente nas comunidades relacionadas a religiões afrobrasileiras. Este estudo de caso procurou entender a relação com as plantas levando em
conta tanto a vinculação religiosa quanto a referente a usos medicinais. A medicina
tradicional e mágica está vinculada aos ritos afro-brasileiros e indígenas, especialmente,
aos de Candomblé e de Umbanda, procurando formas de cura que consideram também
aspectos espirituais, sobrenaturais, no adoecimento, buscando solucionar os males que se
abatem sobre aquelas pessoas a partir de rituais particulares. No levantamento das plantas
localmente utilizadas, considerou-se importante recorrer aos conhecimentos práticos da
Taxionomia Vegetal, de maneira também a contribuir para valorizar este conhecimento
religioso frente ao conhecimento padrão, ampliando, assim, a consciência da importância
das plantas na preservação das religiões de matriz afro-brasileira, como é o caso da
Umbanda. A presença do vegetal está ligada à manutenção do axé-força que move esse
povo e que tem sua religiosidade calcada nas substâncias extraídas das folhas. As religiões
de matrizes africanas têm a natureza como elemento de comunicação com o sagrado (o
Ayiê e o Orum), sendo que as folhas também atuam na comunicação entre homens e
divindades. Para os adeptos dessa religião, os orixás estão intimamente relacionados com
os elementos da natureza. Percebe-se, assim, ao final, o quanto os vegetais são importantes
para a preservação das religiões afro-brasileiras e para a manutenção da sua existência
enquanto elemento da nossa cultura.
Palavras-chave: Umbanda, plantas sagradas, fundamentação religiosa.
*
Orientadora: Marília Flores Seixas de Oliveira, DSc, UESB
ABSTRACT
MEIRA, C. S. Axé plants and their religious reasons: case study in terreiro de
Umbanda “caboclo cowboy” (fazenda Buraco do Boi – Poções/ Bahia). Itapetinga-BA:
UESB, 2012. p.129 (Dissertation – Master’s degree in Environmental Sciences,
Concentration area: Environment and Development).*
This search investigate the ways in which the terreiros de umbanda make use of plants in their
religious rituals, based on the “terreiro Caboclo boiadeiro", located on the farm Buraco do Boi in
Poções City, Bahia. Therefore, we sought to understand the historical process of implementation of
this religion in the studied region, comprising also a religious relationship with nature, because the
use of the leaves is a sacred and fundamental recurring practice in all terreiros. In this sense, it was
shown that nature is always present in the ceremonial and the leaves form a significant force in the
care of body and spirit, understood so interconnected. Considering also that the use of herbal and
other plant in the production of medicines and other health-related practices is very present in the
community related to African-Brazilian religions, this case study tried to understand the
relationship between religion and plants, taking account both the religious ties as related to
medicinal uses. Traditional medicine and magic is tied to rites African-Brazilians and indigenous
peoples, especially those of Candomblé and Umbanda, looking for ways to cure that also consider
the spiritual, supernatural, the illness, seeking to solve the ills that befall those people from of
particular rituals. In the survey of plants used locally, it was considered important to use the
practical knowledge of Plant Taxonomy, so also contributing to value this religious knowledge
against the standard knowledge, thus increasing the awareness of the importance of plants in the
preservation of religions of African-Brazilian, as is the case of Umbanda. The presence of the plant
is linked to maintenance of axé force that moves these people and that is grounded in their religious
substances extracted from the leaves. The African religions have nature as an element of
communication with the sacred (the Ayie and Orum), and that leaves also act in communication
between men and deities. For the followers of this religion, the deities are closely related to the
elements of nature. It is clear, therefore, in the end, how vegetables are important for the
preservation of African-Brazilian religions and the maintenance of its existence as an element of
our culture.
Keywords: Umbanda, sacred plants, religious grounding.
*
Adviser: Marília Flores Seixas de Oliveira, DSc, UESB
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Babalorixá Ulisses, zelador do terreiro Buraco do Boi e filhos de santo............ 74
Figura 2 - Resquício de Mata Atlântica. .............................................................................. 78
Figura 3 - Culto em homenagem às “entidades das folhas”. ............................................... 83
Figura 4 - Rituais da mata: sessão de benzimento ............................................................... 84
Figura 5 - Representação do cotidiano do terreiro Buraco do Boi em dia de festa ............. 87
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11
CAPÍTULO I - LEGADO AFRICANO NO BRASIL, DO CANDOMBLÉ À
UMBANDA: UM ESTUDO DE CASO EM POÇÕES/BAHIA. ....................................... 23
1.1 O legado ......................................................................................................................... 23
1.2 Os terreiros de candomblé no Brasil .............................................................................. 26
1.3 Relação das entidades afro-brasileiras com os elementos da natureza .......................... 29
1.4 O surgimento da Umbanda no Brasil ............................................................................. 31
1.5 A constituição da Umbanda no município de Poções – BA .......................................... 43
1.5.1 Sobre o município de Poções ...................................................................................... 43
1.5.2 Sobre a Umbanda em Poções ..................................................................................... 49
CAPÍTULO II - O USO DAS PLANTAS SAGRADAS NAS RELIGIÕES AFROBRASILEIRAS .................................................................................................................... 54
2.1 O processo de desenvolvimento do capitalismo ............................................................ 54
2.2 Comunidades religiosas de matrizes africanas e meio ambiente ................................... 56
2.3 Plantas sagradas brasileiras e sua relação com o continente africano ........................... 57
2.4 O uso das folhas sagradas e sua fundamentação religiosa nos terreiros de
Umbanda da cidade de Poções – Bahia ............................................................................... 60
CAPÍTULO III - A PERCEPÇÃO AMBIENTAL E O USO DAS FOLHAS
SAGRADAS NO TERREIRO DE CANDOMBLÉ DO BURACO DO BOI ..................... 70
3.1 A relação com a natureza e as plantas sagradas no terreiro do Buraco do Boi ............. 70
3.2 Caracterização do terreiro do Buraco do Boi ................................................................. 73
3.3 Da fundação do terreiro do Buraco do Boi .................................................................... 74
3.4 Área de mata do terreiro e sua representação ambiental pela comunidade religiosa .... 77
3.5 As matas e o culto aos caboclos..................................................................................... 80
3.6 Homenagem aos caboclos: festa na mata ...................................................................... 83
3.7 Religião, música, ervas sagradas e meio ambiente ........................................................ 85
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 92
REFERÊNCIAS................................................................................................................... 99
APÊNDICES ..................................................................................................................... 103
ANEXOS ........................................................................................................................... 126
INTRODUÇÃO
“A religião dos Orixás é a voz da natureza.”
Pierre Fatumbi Verger
Diante do atual processo do capitalismo global científico-tecnológico, que visa
aumentar os mercados e, portanto, os lucros, que é o que de fato move os capitais
produtivos ou especulativos na arena do mercado, as culturas dos povos tradicionais são,
paulatinamente, esquecidas e destruídas. Segundo Milton Santos, em sua obra
Metamorfoses do Espaço Habitado (1988), agora essa expansão apresenta dados novos,
pois pode dispensar a invasão de tropas à ocupação territorial, pode abrir mão, enfim, da
guerra física corporal, como acontecia em outras fases do supracitado sistema. Ainda
segundo o autor, nos tempos atuais a invasão é muito mais silenciosa, sutil e eficaz. Tratase de uma invasão high-tech de mercadorias, capitais, serviços, informações e pessoas. As
novas armas se dão na agilidade e na eficiência dos meios de comunicação e do controle de
dados, informações etc., obtidas através de velozes satélites, da informática, dos telefones
fixos e móveis, dos Boeings e Airbus, dos supernavios petroleiros e graneleiros e dos trens
de alta velocidade etc.
Dentro desse novo modelo expansionista do capital, não há limites e nem respeito para
com a natureza. Ecossistemas inteiros são destruídos em nome do progresso, em nome de
uma pseudo melhoria para a população, que na realidade visa apenas ao lucro de uma
minoria. Os impactos ambientais têm sido catastróficos nas últimas décadas. Assistimos quase
que diariamente pelos mais variados meios de comunicação, a extração de madeiras para fins
comerciais, instalação de projetos agropecuários, a implantação de projetos de mineração, a
construção de usinas hidrelétricas, a propagação de fogo resultante de incêndios etc.
Toda essa ação antrópica incentivada pelo sistema capitalista vem trazendo
consequências danosas para a humanidade. Podemos destacar, dentre tantas: genocídio e
etnocídio de nações indígenas, enchentes e assoreamento de rios, diminuição dos índices
pluviométricos, elevação das temperaturas da Terra, desertificação, proliferação de pragas
e doenças até então nunca presenciadas.
Diante desse panorama nada animador em que estamos amealhados é que nasceu a
pretensão de fazer uma análise das comunidades religiosas de terreiros de candomblé, uma
11
vez que, segundo Costa (2011), esses modelos de comunidade têm uma relação profunda e
íntima com os diferentes ambientes naturais que, na concepção dessas, são considerados
locais sagrados e de contato com seus deuses (chamados de orixás), necessitando do
contato direto com diferentes elementos da natureza para a realização de suas práticas
religiosas diárias.
Este trabalho nasceu do desejo de perceber as maneiras pelas quais os terreiros de
Umbanda da cidade de Poções /BA (localizada a 444 km da capital, Salvador) fazem uso
de certos vegetais e de suas partes, como as raízes, os caules, as flores e, principalmente, as
folhas, em seus rituais, buscando verificar a importância dos mesmos para os adeptos dessa
religião, ressaltando que essa é uma herança da cultura afro-brasileira vivamente presente
em nossas tradições culturais.
Para tanto, resolveu-se começar esta análise pelos terreiros que, por meio de seus
rituais, crenças, convivências e aprendizagens, guardam grande parte do legado cultural
africano e afro-brasileiro como, por exemplo, o conhecimento sobre as plantas - que
possuem axé1 (força) - e sobre sua aplicação nas práticas e rituais sagrados destinados à
cura das pessoas que apresentam os mais diversos problemas, sejam eles sociais, afetivos,
espirituais ou de saúde física ou mental.
Conhecer a história, a importância, os ritos e os cultos que envolvem essas ervas
nas casas de Umbanda serviu para compreender um pouco da história dessa religião e de
seus adeptos, sem reduzi-los a meras superstições.
Na tradição popular da cidade de Poções, como na de outros lugares, ouvia-se
sempre dizer que determinada planta (ou erva) e as suas partes serviam para curar ou
aliviar determinado problema ou dor física ou espiritual. Assim, para alguns membros da
sociedade, sobretudo os ligados à cultura de matriz africana, isto é tido como uma verdade,
por mais que, no percurso do tempo, a educação formal houvesse tentado desmistificar
todo esse aprendizado cultural ou, no mínimo, “cientificá-lo”. Todavia, mesmo tendo
acesso a outros meios de conhecimento, permaneceu aquela ideia de que alguns vegetais
possuem certos poderes “mágicos”, ou seja, a capacidade de ajudar a solucionar
determinadas angústias da sociedade (acalmar, excitar, curar etc.). Mesmo com todas as
1
Força dinâmica das divindades, poder de realização, vitalidade que se individualiza em
determinados objetos, como plantas, símbolos metálicos, pedras ou na cabeça dos iniciados.
(CACCIATORE, 1988)
12
mudanças vindas do pensamento técnico-científico estas atribuições de sentido às folhas e
a seu poder curativo permanecem ainda em atuação.
Ao começar a frequentar e a pesquisar as religiões de matrizes africanas, foi
despertada ainda mais a curiosidade sobre a discussão do poder de cura das ervas, suas
origens, seu cultivo nas casas, seus rituais e utilidades e, principalmente, a sua ligação com
os Orixás2, pois, segundo os membros dessas religiões, cada entidade sagrada possui suas
próprias folhas ou suas árvores sagradas dentro dos terreiros. Desta curiosidade nasceu a
vontade de estudá-las.
De início, foram feitas algumas leituras de autores que abordam a temática, como:
Pierre Verger (2004), Renato Ortiz (1991), Ordep Serra et al. (2002), José Flávio Pessoa de
Barros (2009). Partimos da ideia de que somente a partir de conversas com pessoas ligadas
às religiões afro-brasileiras é que se tornaria possível a compreensão da temática, bem
como encontrar as primeiras respostas para boa parte das interrogações feitas sobre os
aspectos mais gerais que, todavia, ainda são embrionárias diante do tema em questão.
Ao longo do estudo, procurou-se responder às seguintes questões:
- Por que os adeptos das religiões de matrizes africanas utilizam plantas medicinais
e místicas nos seus rituais religiosos?
- Quais as concepções de meio ambiente para os adeptos da Umbanda poçoense?
A Umbanda, religião com misto de elementos diversos, acabou penetrando no
município de Poções por volta da década de 40 do século passado, de acordo com as
informações. Essa religião acoplou em si elementos religiosos e tradições culturais
diversas, existentes pela região. Da Igreja Católica incorporou os santos, com suas datas e
festas comemorativas; da tradição indígena, o culto aos caboclos; da presença negra, o
culto aos orixás e aos Pretos-Velhos, com várias associações também aos santos católicos.
Além, é claro, de outros elementos oriundos de outras culturas e tradições, como, por
exemplo, a Cartomancia3, utilizada por alguns adeptos como prática oracular.
2
Intermediários entre Olorum (Deus) no Orun (céu) e os homens, no Ayê (terra) por intermédio do
seu filho Oxalá (CACCIATORE, 1988).
3
Método de adivinhação que usa cartas como baralho ou tarô. Para prever o futuro e ajudar nas
decisões a serem tomadas (CACCIATORE,1998).
13
Pesquisas
anteriores,
desenvolvidas
durante
curso
de
pós-graduação4,
possibilitaram a constituição de uma visão geral sobre a Umbanda em Poções, bem como a
compreensão de algumas especificidades locais relativas a essa religião e a sua relação
com a natureza. Tais informações sobre a temática motivaram ainda mais o interesse sobre
a investigação da pesquisa que agora é apresentada, buscando compreender, de maneira
mais específica, a relação dessa religião com a natureza e seus elementos e para com o
meio ambiente.
No que tange à esfera da sua religiosidade, a Umbanda de Poções apresenta um
quadro não muito diferente da maioria da umbanda em outras cidades brasileiras. Tem, na
composição de seus praticantes, uma mescla representativa de pessoas que também
frequentam outras religiões, sendo formada essencialmente por pessoas que se intitulam
católicas, mesmo não sendo praticantes (muitos se intitulam como “católicos não
praticantes”). Há também a presença de protestantes das mais diversas igrejas, bem como
um grupo significativo de espíritas e uma parcela de adeptos filiados, exclusivamente, às
religiões de matizes africanas, sobretudo a Umbanda.
Vale ressaltar que o tipo de Umbanda presente no município difere do modelo
estudado por autores como: Lísias Nogueira Negrão (1996), Renato Ortiz (1991), Maria
Helena Villas Boas Concone (1985) etc. Apesar da Umbanda poçoense ter elementos
característicos do modelo proposto pelos autores acima, acabou assumindo características
peculiares da região em que esta se encontra. Poderíamos até denominá-la de uma
Umbanda Sertaneja, com características e rituais próprios, ou seja, dentro de um contexto
histórico-social local, como, por exemplo, de um candomblé banto5. Porém, este trabalho
não se propõe a uma análise mais detalhada sobre o assunto.
4
Pós Graduação (Lato Sensu) em Antropologia com ênfase em Culturas Afro-Brasileiras, UESB,
2008, “Senhora das noites: das encruzilhadas à constituição da Umbanda em Poções – BA”,
Orientador: Professor Drº João Diógenes Ferreira dos Santos DFCH.
5
Para Olga Gudolle Cacciatore (1998) em Dicionário de Cultos Afro-Brasileiro, define as
principais nações de Candomblé em solo brasileiro, sendo;
Kétu – antigo reino da África Ocidental, vindo grande número de escravos deste para a Bahia,
dando origem aos candomblés mais tradicionais, como Engenho velho (Casa Branca), Opô
Afunjá, Gantois, Ogunjá, etc.
Jeje- Nagô – cultura religiosa formada na Bahia, da união de crenças, costumes etc., dos povos
daomeanos e iorubanos (com predomínio destes), trazidos como escravos para o Brasil.
Banto – grupo linguístico, compreendendo milhões de africanos, com inúmeras línguas e quase
300 dialetos, que correspondia a quase 2/3 da África Negra (Angola e Congo), são os que mais
termos deixaram em nossa linguagem atual e também em nossas expressões culturais.
14
A cidade de Poções tem hoje, em média, 23 terreiros ou “centros” de umbanda,
como costumam ser popularmente chamados. Estão localizados na sua maioria em bairros
afastados do centro da cidade e podem ser divididos em categorias de grandes, médios e
pequenos, tomando como base o número de adeptos, a importância social e o tamanho
geográfico.
Procurou-se, no decorrer da pesquisa, responder aos seguintes objetivos, traçados
ao longo do projeto:
• Analisar as plantas medicinais e religiosas que são utilizadas nos rituais dos terreiros de
Umbanda da cidade de Poções, bem como suas relações com o sagrado, com os orixás,
os caboclos e outras entidades espirituais, tomando como base o Terreiro Buraco do
Boi.
• Catalogar as principais plantas medicinais ou rituais que são utilizadas pelos integrantes
dos terreiros, considerando a família e a espécie, bem como estabelecendo o uso que é
feito de cada uma delas.
• Identificar as entidades sagradas do universo do terreiro a ser pesquisado e suas relações
com determinadas plantas e com a natureza como um todo.
• Investigar a concepção de natureza que aparece a partir do uso de plantas ou ervas pelas
religiões de matrizes africanas, no terreiro do Buraco do Boi.
Para viabilizar o andamento da pesquisa, foi definida a utilização de um recorte no
universo dos terreiros da cidade, optando-se pela seleção do terreiro mais antigo em
funcionamento. Assim, a pesquisa foi desenvolvida tomando como base o Centro de
Umbanda Caboclo Boiadeiro, localizado na Fazenda Buraco do Boi (na BA 262, sentido
Nova Canaã), o terreiro mais antigo de Poções, com mais de meio século de existência.
Apesar de não se poder precisar ao certo a data de fundação do terreiro em que o
estudo se desenvolveu, sabe-se que o Terreiro do Buraco do Boi já tem mais de meio
século de fundação, tendo na figura do Sr. Ulisses Gonçalves Campos (falecido há 14
anos) o seu fundador. Atualmente, a casa é dirigida pelo seu sucessor (e filho biológico), o
Babalorixá Eurivelton Gonçalves Campos.
Nesta pesquisa, procurou-se verificar como essa comunidade de santo faz uso das
ervas ou folhas sagradas em seus rituais diários e de que forma percebe a presença da
natureza na religião, como os cânticos e as rezas evidenciam a simbiose natureza e orixá,
remetendo a seus feitos, que são expressos nas danças e gestos seguidos pelo som dos
15
atabaques, que procuram trazer as entidades em terra para ajudar aqueles que necessitam
aliviar, por meio dos trabalhos desenvolvidos, a dor, seja ela física ou psicológica, dos
mais necessitados. Procurou-se também verificar como a comunidade em estudo trabalha
com o conceito de natureza e de religião e qual a relação estabelecida. Vale ressaltar que o
dito conceito varia de acordo com cada sociedade e com as representações simbólicas e
míticas que são transmitidas de geração em geração e que garantem a sua própria maneira
de interpretar e agir sobre o meio natural, pois, segundo Thompson (2006), o homem e a
natureza, assim como os demais complexos que o cercam, pertencem a um único universo.
O homem sempre se preocupou em desvendar a sociedade que o cerca
(THOMPSON, 1995). Para a sociedade ocidental, a ciência é a melhor forma de se
esclarecer a verdade. Para que a pesquisa ganhe status científico é necessária a escolha de
um método. Como as Ciências Sociais lidam também com a subjetividade, com os valores,
com o universo simbólico e com as relações humanas, escolhemos a abordagem
qualitativa.
Para o seu andamento, foi escolhido o método da Hermenêutica, nascida nos anos
60 do século passado, e tem como referência o antropólogo Clifford Geertz. Seu
descontentamento com a metodologia antropológica, oferecida no início do século XX,
definida por ele como abstrata e distanciada da realidade encontrada no campo, levou-o a
elaborar um novo método de análise para interpretar as sociedades que estudava. A
Hermenêutica foi necessária na análise dos dados, pois é uma metodologia que se preocupa
com uma interpretação profunda dos fatos. Para Geertz (2001, p.15)
O homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo
teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto
não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma
ciência interpretativa, à procura de significados.
Segundo Geertz, em sua obra Nova Luz sobre a Antropologia (2001), todos os
aspectos da sociedade devem ser estudados juntos. Devem-se analisar, dentro de uma
sociedade, quem são, o que fazem e por que razões eles creem que fazem o que fazem. A
sociedade estudada é vista como um texto; ela é o próprio texto escrito, que deve ser
interpretado, em todos os momentos do estudo, por aquele que não vivenciou as
experiências contidas no texto, no caso, o antropólogo. Segundo Thompson (1995, p. 176):
16
O estudo da cultura, no ponto de vista de Geertz, é uma atividade mais
afim com a interpretação de um texto do que com a classificação da flora
e da fauna. Ela requer não tanto a atitude de um analista que busca
classificar e quantificar quanto a sensibilidade de um intérprete que busca
discernir os padrões de significado, discriminar entre gradações de
sentido e tornar inteligível uma forma de vida que já é significativa para
aqueles que a vivem de significados
Com base nessa perspectiva, defendida por Geertz, é que a pesquisa foi iniciada nos
terreiros de Umbanda da cidade de Poções-Bahia, sendo escolhido como base para o
desenvolvimento desta pesquisa o Terreiro de Umbanda Caboclo Boiadeiro, localizado na
Fazenda Buraco do Boi. A escolha desse terreiro para ser desenvolvida a pesquisa, como
dito anteriormente, foi por ser o mais antigo em funcionamento no município, que se tem
noticias, e pelo sentimento de pertença à casa.
Houve, no decorrer na pesquisa, uma convivência com a realidade desse espaço
religioso durante o período de visitação, com o intuito de conhecimento. Desta forma, fezse uma observação mais detalhada acerca dos rituais, suas festas e dos seus afazeres, no
dia-a-dia da casa, conhecendo mais detalhes acerca do uso das folhas e das ervas nos
“rituais da casa”, a que se destinou este estudo como objetivo primordial.
As ciências sociais exigem do pesquisador que compreenda a vida do pesquisado
dentro de seu meio. Para isso, foi feita uma opção pela Hermenêutica de Profundidade
Geertz (2001) que procura compreender o sujeito como parte integrante do processo.
Assim, as formas simbólicas vão desde gestos e falas até ações que, por possuírem
significados, são passíveis de serem compreendidas.
Na investigação social, o objeto investigado é, ao mesmo tempo, objeto quando o
investigamos e/ou o observamos, e sujeito, pois se trata de um campo “pré-interpretado”
em que os indivíduos estão sempre em seu cotidiano, preocupados em compreender a si
mesmos, seu próximo e o mundo que o cerca. Assim, Thompson (1995, p. 359) argumenta
que:
Assim, quando os analistas sociais procuram interpretar uma forma
simbólica, por exemplo, eles estão procurando interpretar um objeto que
pode ser ele mesmo, uma interpretação, e que pode já ter sido
interpretado pelos sujeitos que constroem o campo-objeto, do qual a
forma simbólica é parte. Os analistas estão oferecendo uma interpretação
de uma interpretação, estão re-interpretando um campo pré-interpretado;
e poderá ser importante discutir, como [...] esta re-interpretação está
relacionada a, e como ela poderá ser informada pelas pré-interpretações
17
que existem (ou existiram) entre os sujeitos que constroem o mundo
sócio-histórico.
Nesse contexto, a Hermenêutica defende que o objeto de nossa investigação social
pode ser considerado, ao mesmo tempo, sujeito capaz de compreender, refletir e interferir
em nossas análises e enxerga os sujeitos, formadores do mundo social, enquanto indivíduos
inseridos em tradições históricas, construídas pelos próprios sujeitos, como partes da
história.
Partindo desse princípio, foram buscados, nas entrevistas e nas observações, meios
de reconstrução, interpretação e compreensão das formas simbólicas, ou seja, uma tentativa
de reconstruir no terreiro de Umbanda que compôs a amostragem, o cotidiano dos sujeitos,
o que Thompson (1995, p. 364) chama de “interpretação da doxa”, compreendida como
“uma interpretação das opiniões, crenças e compreensões que são sustentadas e partilhadas
pelas pessoas que constituem o mundo social”. Esse processo é importante porque por
meio da “interpretação da doxa” foi possível analisar as formas simbólicas dentro do
contexto social de seus sujeitos. Contudo, a interpretação da doxa é apenas um ponto de
partida.
A Hermenêutica de Profundidade (HP) é um amplo referencial metodológico que
permite compreender as formas simbólicas em suas especificidades, ou seja, de acordo
com as condições sociais e com contexto histórico que estão inseridas. A HP compreende
três fases: a análise sócio-histórica, a análise formal ou discursiva e a interpretação/reinterpretação, a partir da constatação de que “formas simbólicas não subsistem num vácuo,
elas são produzidas, transmitidas e recebidas em condições sociais e históricas especificas”
(THOMPSON, 1995, p. 366).
Para buscar os dados da pesquisa, também foi utilizado o artifício da entrevista,
uma ferramenta importante que proporcionou o levantamento de vários dados relativos aos
usos das plantas no terreiro de umbanda pesquisado a partir de uma análise das
informações contidas nas falas das pessoas observadas e entrevistadas.
Para tanto, foi escolhida a entrevista semiestruturada, que aliou a formulação de
questões prévias, com temas que surgiram no decorrer da discussão (Apêndice A).
Como afirma Montenegro (2003), a entrevista deve ser iniciada por uma conversa
de esclarecimento com o entrevistado, “para que este entenda por que, para que e para
quem ele está relatando suas memórias”. O passo seguinte foi o preenchimento de uma
18
ficha com nome completo, data e local de nascimento, endereço atual e a data em que se
realizou a entrevista. Além disso, foi solicitada, por escrito, a autorização dos entrevistados
para posterior divulgação das informações contidas.
Por trabalhar com a memória oral e para registrá-la através de entrevistas, foi
necessário que a fala do entrevistado fosse respeitada, ouvindo-a com atenção e de maneira
consciente do fato de que o entrevistado não precisaria, necessariamente, atender a
quaisquer expectativas teóricas ou metodológicas. Assim, o entrevistado foi previamente
esclarecido (Apêndice B) e, posteriormente, autorizada a publicação da sua entrevista
(Apêndice C), sendo a pesquisa aprovada pelo Conselho de Ética da UESB (Anexo A).
Como a memória tem um caráter singular e está sempre se reconstruindo, de acordo
com o olhar do presente, foi possível conhecer profundamente a história que está sendo
construída através da memória, para que eu pudesse compreender melhor a fala do
entrevistado e intervir quando necessário.
Os roteiros das entrevistas foram elaborados anteriormente e com questões relativas
aos níveis de conhecimentos e especificidades dos entrevistados do terreiro em estudo,
ressaltando que as entrevistas foram realizadas entre os meses de janeiro a maio de 2012.
Lembrando que, por se tratar de uma entrevista semiestruturada, outras questões surgiram
no decorrer das entrevistas.
A utilização de um caderno de campo, como recurso complementar, também foi usa
do, para que nada se perdesse durante a execução do trabalho, já que a coleta de dados
seguiu com a observação do cotidiano e dos rituais que aconteceram no decorrer da
pesquisa.
Também foi necessário especificar a forma como concebemos os valores de outra
cultura. É importante que os valores do outro tenham uma visibilidade que ultrapasse os
conceitos que foram forjados pela tradição europeia, tida como dominante e “civilizada”,
principalmente quando se trata de algo tão próximo como é a cultura afro-brasileira.
Os recursos metodológicos usados não seguiram regras rígidas, por se tratar de uma
pesquisa qualitativa, em que sua “diversidade e flexibilidade” não pediram regras fixas.
Valorizou-se, assim, no primeiro capítulo, o processo de construção do legado
africano no Brasil, do Candomblé à Umbanda, tomando como base um estudo de caso no
Município de Poções- Bahia, a estruturação dos terreiros de Candomblés, enquanto religião
herdada das tradições africanas e ainda vivamente presente em nossa cultura, o sincretismo
19
enquanto elemento de resistência da religião, como afirma Bastide (2001), uma estratégia
que os negros usavam para poder cultuar seus orixás sem a perseguição dos senhores
brancos que achavam que estes estariam “celebrando a fé cristã segundo seus costumes”.
Foi pesquisado também a relação das entidades afro-brasileiras com o calendário semanal e
também com os elementos da natureza, sendo que cada dia é dedicado a um ou mais
orixás, bem como a relação entre os deuses e os elementos da natureza, ou seja, sem estes a
religião não existiria, pois a mesma depende, essencialmente, de cada um para sua
efetivação e eficácia. O surgimento da Umbanda, em nosso país, deu-se a partir do
processo de industrialização e foi dessa realidade brasileira que surgiu este novo fenômeno
religioso, com suas raízes fundadas nas culturas africanas, europeias e indígenas - a
Umbanda. Foi essa religião, uma mistura de elementos diversos, que acabou penetrando no
município de Poções, por volta da década de 40 do século passado, cerne do segundo
capítulo desta dissertação.
Na pesquisa, investigou-se a relação entre natureza e plantas sagradas brasileiras
dentro dos terreiros de candomblés, buscando discutir o processo de desenvolvimento do
capitalismo, enquanto sistema econômico que mais modelou o espaço geográfico, bem
como os acontecimentos inerentes a cada uma de suas fases evolutivas e mostrando suas
principais consequências para diversos setores da vida humana e, em especial, às
comunidades ditas tradicionais, que estabelecem com o meio ambiente uma relação de
profunda intimidade, pois dependem do mesmo para a sua manutenção e sobrevivência. A
apresentação da forma como essas comunidades, especialmente, as de Umbanda se
estruturam no município de Poções constitui o terceiro capítulo do trabalho.
A percepção ambiental e o uso das folhas sagradas no Terreiro de Candomblé do
Buraco do Boi, o quarto capítulo da dissertação, apresenta alguns aspectos históricos, da
fundação do terreiro, e etnográficos, quando são descritos alguns momentos ritualísticos da
casa com o uso das ervas sagradas. Apresenta-se também de que forma se processa a
relação com a natureza a partir dos trabalhos executados pelo terreiro. Caracterizou-se,
fisiograficamente, uma unidade com resquícios de Mata Atlântica e a importância dessa
para a preservação da natureza nas relações para com o meio ambiente e as plantas sagradas
usadas na casa. Catalogou-se as principais ervas sagradas e medicinais que o terreiro faz
uso, bem como suas relações com os orixás, o uso nos rituais e o nome popular de cada
uma, não deixando de apresentar a nomenclatura científica das mesmas (Apêndice D).
20
A confirmação da teoria de que o homem moderno teve origem na África é um dos
resultados mais recentes da parceria entre genética e arqueologia. De acordo com um
estudo publicado na revista Nature, em 07 de dezembro de 2000, os Homo Sapiens
partiram do continente africano, em algum momento dos últimos 100 mil anos. Dali, eles
seguiram em direção à Europa, Oriente Médio e Ásia e promoveram a expansão para o
resto do mundo.
Do resultado dessa expansão, várias civilizações foram formadas ou sofreram sua
influência. Por isso, é inegável a presença do legado africano na formação cultural de
muitos povos e, em especial, do brasileiro. Conhecer a tradição africana é ter a
oportunidade de aprender e valorizar nossas raízes que, muitas vezes, são esquecidas diante
do mundo globalizado, no qual primamos por uma cultura voltada para os moldes do
sistema capitalista. Uma cultura imediatista e, muitas vezes, descartável, em que os traços
de culturas como a indígena e a africana são deixados em segundo plano e até mesmo
esquecidos. Segundo Oliveira (2007), a civilização ocidental moderna – cujas origens
remetem ao processo de mundialização da cultura europeia deflagrados nos séculos XVI e
XVII - atua sobre as comunidades mais distintas buscando uniformizá-las segundo seu
próprio padrão e interesse. O modelo civilizatório capitalista ocidental tem tentado
silenciar coletividades humanas que se diferenciam do paradigma hegemônico, buscando
reduzir as diversidades (simbólicas, religiosas, culturais) a um padrão único e narcisista,
confrontando e combatendo as demais estruturas socioeconômicas e políticas, impondo-se
à força sobre sociedades em todo o mundo e propondo-se, autoritariamente, como modelo
global (OLIVEIRA, 2007, p. 34).
À medida que o africano integrou-se à sociedade brasileira, tornou-se afrobrasileiro e, mais do que isso, brasileiro. Usamos o termo afro-brasileiro para indicar
produtos das mestiçagens para as quais as principais matrizes são as africanas e as
lusitanas, frequentemente com pitadas de elementos indígenas, sem ignorar que tais
manifestações são, acima de tudo, brasileiras. Essas misturas são muito mais presentes do
que podemos perceber a um primeiro olhar. Além dos traços físicos, talvez seja nas
práticas cotidianas que essa mistura se faz cada vez mais acentuadas. A música, a culinária,
a religiosidade são áreas onde a marca africana está mais evidente entre nós.
No Brasil, as heranças religiosas africanas foram transformadas. Ritos e crenças de
alguns povos misturaram-se com os de outros, resultando neste “caldeirão” cultural que é a
21
sociedade brasileira. Os terreiros que abrigam os candomblés e umbandas são espaços com
muitas características das culturas africanas – seja na arquitetura, nos tipos de plantações e
árvores no entorno das construções, nos altares onde as entidades sobrenaturais recebem
abrigo, alimentos e cuidados cotidianos ou nas formas de festejar. Nos ritos, a presença
africana está ainda mais evidente, como na postura dos corpos, no gestual, na dança em
círculo ao ritmo dos tambores, instrumentos, que tanto aqui em Brasil como em África, são
cercados de cuidados, sendo estes intermediários com o sagrado e, portanto, não podendo
ser tocados por qualquer pessoa ou em qualquer situação. O ritmo acelerado e cada vez
mais implorante que os tambores dão, juntamente, com os cânticos permitem o transe dos
filhos de santo, momento em que as entidades, como nos afirma Roger Bastide (2001),
acaba por abrir os músculos, as vísceras, as cabeças à penetração do deus que se esperou
durante tanto tempo. Cada ritmo permite a incorporação de uma entidade sobrenatural, que
apresenta toques, cores, adereços, roupas, comidas e gestos próprios. Cada terreiro tem
seus orixás protetores etc.
Foi com este pensamento que a pesquisa voltou-se a este universo fascinante e, ao
mesmo tempo, difícil de ser estudado e compreendido, que é um terreiro de umbanda e, em
especial, o Terreiro do Buraco do Boi, no qual foi desenvolvida esta pesquisa. Pesquisar
terreiro de umbanda não é algo fácil, exige tempo, pois a convivência com o babalorixá e
os membros da casa é algo imprescindível. A cosmovisão afro-brasileira está,
principalmente, no dia-a-dia dos terreiros; não basta buscar nos livros, pois eles são um
tanto vagos em se tratando de cultura afro, mas se completam quando entramos em contato
com uma cultura que privilegia a convivência, as experiências, as emoções. Entrar no
universo da filosofia afro é encontrar um mundo de possibilidades, de questionamentos.
A natureza, por si só, ofereceu inúmeras oportunidades de desfrutá-la. Cabe, então,
saber aproveitar da melhor maneira possível, respeitando-a e aos seus recursos, tanto
bióticos como abióticos, respeitando a diversidade sócio-cultural estabelecida e firmada ao
longo dos tempos.
Dessa forma, parece claro que a comunidade em estudo tem uma preocupação com
a sustentabilidade dos recursos naturais, em que preservar é o grande objetivo, sobretudo
para a manutenção das futuras gerações e preservação das tradições religiosas africanas e
afro-brasileiras, hoje tão profundamente arraigadas em nossa cultura.
22
CAPÍTULO I
LEGADO AFRICANO NO BRASIL, DO CANDOMBLÉ À UMBANDA:
UM ESTUDO DE CASO EM POÇÕES/BAHIA
1.1 O legado
É difícil precisar qual foi a época exata em que foram trazidos os primeiros
africanos para as terras brasileiras, segundo Artur Ramos (1946). Para o autor, apesar de já
haver um comércio intenso nas Índias Ocidentais, não havia documentação segura
provando a entrada de negros oriundas da África no Brasil e apenas em 1538 é que se tem
notícia oficial da chegada dos primeiros escravos, num carregamento regular de tráfico
com o objetivo de substituir a mão-de-obra indígena (RAMOS, 1946).
Havia, neste momento da história econômica do Brasil, a necessidade de mão de
obra para trabalhar na monocultura de cana e na produção de açúcar, além dos serviços
domésticos e de “ganho” em todos os pontos do Brasil, principalmente, nas capitais e
cidades costeiras:
Chegou aqui uma aluvião de negros escravos, provindos da Guiné, do
Congo, de São Tomé, da Costa da Mina, mais tarde de Moçambique e de
outros pontos da África. E em todo o século XVI, XVII, XVIII, os negros
africanos aqui entraram (RAMOS, 1946, p. 268).
Embora os dados sejam deficientes quanto ao número exato de escravos, as
estimativas variam entre 04 a 18 milhões de africanos que teriam penetrado no Brasil
durante cerca de quatro séculos, nos mais diversos estados. As zonas onde havia maior
número eram Bahia, Sergipe, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, segundo Ramos
(1946), e a escravização dos negros estava sancionada pela Metrópole em leis especiais,
como as Ordenações Afonsinas (século XV), Manuelinas (começo do século XVI) e
Filipinas (publicada em 1603).
Quando foi extinta a escravidão, em 13 de Maio de 1888, houve um movimento por
parte do governo na tentativa de apagar “a mancha negra” da história. Em sua obra A
Aculturação Negra no Brasil (1942), Arthur Ramos diz que o Ministro da Fazenda, Rui
Barbosa, teria mandado queimar os documentos históricos sobre a escravidão, com a
23
intenção de apagar o “maldito estigma do nosso passado escravocrata”, pois, para ele, o
simples fato de destruir as provas poderia acabar também com o passado de humilhação e
de sofrimento vivido pelos africanos aqui no Brasil.
É inegável a contribuição deixada pelo negro em nossa cultura, contribuição que
vai desde aspectos linguísticos, culinários, musicais até aos religiosos, tema abordado neste
trabalho.
Com o fim do trabalho escravo, surgiu a necessidade de integração do negro na
sociedade brasileira de então, porém, era preciso conhecer este elemento que iria se
integrar à sociedade de uma forma diversa. Os primeiros estudos acerca deste grupo, foram
feitos a partir de 1896 pelo então jovem médico baiano Nina Rodrigues (BASTIDE, 2001),
que procurou, em seus textos, descrever o modo de vida dos negros recém libertos e sua
cultura, elaborando análises sobre suas vidas. Porém, uma das falhas encontradas nos
escritos de Nina Rodrigues foi justamente por “considerar o negro como um ser inferior e
incapaz de integração na civilização ocidental” (BASTIDE, 2001, p. 21), atribuindo-lhes
comportamentos culturais ditos “não civilizados”, considerando as condutas do negro
como "impróprias" para uma sociedade construída nos moldes europeus6. Apesar dos
problemas que podem ser percebidos na obra deste autor, Roger Bastide (2001) ressalta
que Nina Rodrigues fez um importante trabalho de registro, destacando o fato de que os
informantes dele pertenciam ao que hoje é considerado o candomblé mais tradicional, mais
puramente africano de sua época.
Outro estudioso dessa temática que merece destaque é Manuel Querino, que
escreveu sobre sua própria gente, pois, sendo ele também um negro baiano, dedicou
estudos sobre a causa negra na Bahia, tendo uma visão oposta à de Nina Rodrigues, com
seus trabalhos não sendo muito reconhecidos na época. Querino apontava, em suas obras, a
importância da contribuição africana à civilização brasileira. Em um de seus livros, A Raça
Africana e seus Costumes na Bahia, afirma que:
O africano foi um grande elemento ou o maior fator da prosperidade
econômica do país, era o braço ativo e nada se perdia do que ele pudesse
produzir. O seu trabalho incessante, não raro, sob o rigor dos açoites,
tornou-se a fonte da fortuna pública a particular. [...] o negro, fruto da
6
Sobre os transes religiosos, por exemplo, Rodrigues, como médico e psiquiátrico, afirmava que:
"Não vi mais que simples manifestações de histeria nos transes místicos e nas crises de possessão
que caracterizam o culto público dos africanos brasileiros" (RODRIGUES, 2001, p. 21).
24
escravidão africana, foi o verdadeiro elemento econômico, criador do
país, e quase o único (QUERINO, 2006, p. 28-29).
Querino (2006) deixa clara a contribuição africana para o enriquecimento do país,
não só no aspecto econômico como também na contribuição cultural, no que tange,
principalmente, à religião quando aborda a mistura das diferentes tribos étnicas em terras
brasileiras, o que ele chama de “Babel africana”, ressaltando que dessa mistura de
costumes nasceram as manifestações religiosas expressas na figura dos candomblés afrobrasileiros de origem jejê-nagô.
Foi na religião que o negro encontrou um dos seus mais importantes instrumentos
de resistência contra a escravidão, o culto aos orixás, deuses de origem africana que, no
Brasil, passaram a ser cultuados nos terreiros de candomblés nas mais diversas regiões do
país, com diferentes nomes e expressões: Candomblés na Bahia, Xangôs em Pernambuco,
Terecô ou Tambor-de-Mina no Maranhão, enfim, vários nomes para uma cultura religiosa
também diversificada, pois realizada a partir de tradições orais. Abrangem, ainda, outras
diversidades, como a representada pela Umbanda, que surge posteriormente.
Como afirma Bastide (2001), é uma África brasileira, sincrética, composta de
negros, brancos e índios, e é dessa mistura que nasce a cultura afro-brasileira, híbrida por
formação e trajetória.
A presença da África também se revela por meio de dimensões eminentemente
sensíveis, nos sons e imagens cotidianas, na arquitetura e nos tipos físicos diversos, e a
religião do candomblé foi a parcela dessa cultura que mais resistência apresentou para que
o negro se fizesse presente e perpetuasse seu legado cultural, constituindo um sistema
harmonioso e coerente de representações coletivas e de gestos rituais. Segundo Bastide
(2001, p. 30), foi no candomblé:
que o negro manteve vivo na sua memória uma África mítica e
guardando na religião seu antepassado, nas cerimônias cada foguete era
sinal que uma divindade veio da África possuir um de seus filhos na terra
do exílio; cada estrela que, repentinamente, cintilava acima das plantas
em germinação indica a quem passa que uma divindade “montou em seu
cavalo”, fazendo-o reviravoltear em torno do poste central, mergulhando
na noite de êxtase.
Assim, na religião, por um momento, confundiam-se África e Brasil. O transe momento em que a divindade espiritual possui seu fiel - faz com que se apague um oceano
25
de distância entre duas realidades díspares e dá ao negro o sentimento de liberdade,
proporcionando a ele entrar em contato com seus deuses e render-lhes homenagens. Era
por meio da religião que um pedaço da África se fazia presente em terras brasileiras. Como
afirma Bastide (2001, p. 45) “o culto aos deuses era como um verdadeiro microcosmo da
terra ancestral”. A religião de origem africana aconteceu, em solo brasileiro, de forma
diferenciada daquelas praticadas em África, havendo reinvenções locais e singulares de
culto à ancestralidade. Enquanto, por exemplo, em suas terras de origem, cada região era
dedicada a um orixá, ou a um ancestral, ou seja, um povo, ou uma tribo cultuava apenas
um único orixá; no Brasil, devido à diversidade cultural do negro, houve junção de várias
entidades em um único espaço religioso. Arthur Ramos (1946) fala, em seu livro Culturas
Negras no Novo Mundo, de uma série de culturas negras sobreviventes no Brasil,
reunindo-as a partir de um modelo baseado em três grandes tipos: a) as chamadas Culturas
Sudanesas, que seriam representadas, principalmente, pelos povos Yorubá, da Nigéria,
com grupos como Nagô, Ijêchá, Eubá, keto, ijebu, além de grupos menores; b) as Culturas
guineanos-sudanesas islamizadas, com os grupos Fulah, Fula, Mandinga, Haussá além
também de grupos menores e c) as Culturas Bantus, representadas pelas inúmeras tribos do
grupo Angola-Congolês e do grupo da Contra-Costa. O autor considera que a cultura dos
Yorubás foi a mais importante para a manutenção dos costumes, dentre as culturas negras
transladadas ao Brasil. Percebe-se que devido à grande diversidade cultural e ao grande
número de escravos que aqui foram aportados, houve uma miscigenação de culturas em
seus mais diversos segmentos. Com isso, Bastide (2001, p.78) afirma que:
No Brasil, porém, a novidade é que o candomblé não é templo de uma
única divindade; é um resumo de toda a África mística. Pode, sem
dúvida, ser votado de preferência para esta ou aquela divindade, mas
efetivamente é a da “cabeça” de seu fundador ou fundadora, mas, apesar
disso, compreende aposentos para todo o conjunto do panteão ioruba,
sendo que, no decorrer das festas, todos os orixás são chamados a
comparecer e dançar e, além do mais, na sua confraria entram filhos e
filhas que pertencem a todos os deuses africanos que ‘baixam”.
1.2 Os terreiros de candomblé no Brasil
Dentro de um terreiro de religião afro-brasileira, independente da nação e da região
em que ele se situe, temos uma síntese de várias regiões de uma África mãe, nas presenças
dos mais diversos orixás ou vodunsis e de seus respectivos "axés". A palavra axé, segundo
26
Bastide (2001), designa, em nagô, a força invisível, a força mágico-sagrada de toda
divindade, de todo ser animado, de todas as coisas. Sem ela não tem candomblé.
Naturalmente, cada terreiro de candomblé, devido a suas especificidades, é
obrigado a adaptar-se ao sítio onde está situado, desde os lugares mais íngremes, como no
alto de uma colina, nas zonas periféricas das cidades, no flanco de uma elevação, até as
dimensões, às vezes, extensas, outras vezes, mais restritas, do terreno que possui. Cada
terreiro possui suas características próprias, embora, algumas lhes são comuns, sobretudo
aqueles que venham a pertencer às nações iorubás. Bastide (2001) descreve como se
estrutura essa realidade espacial, destacando haver, em primeiro lugar, um lugar destinado
aos assentamentos sagrados de pelo menos dois Exus, pois estes são entidades protetoras
da porta de entrada. O Exu é uma entidade da maior importância no candomblé, sendo o
responsável pela comunicação, pelos caminhos, pelas escolhas, por proteger as pessoas,
porém, sua força pode ser usada tanto para o bem como para o mal; logo, é tido também
como a entidade mais controvertida do panteão africano. Sobre ele, Bastide (2001, p. 7879) afirma que:
Vela pelo candomblé abre e fecha-lhe as portas, é de certo modo o
porteiro do local. Não tem temperamento fácil, pelo contrário, é muito
ciumento e até mesmo maldoso; por isso, para impedi-lo de sair, sua casa
é fechada a cadeado, e todo visitante, para que sua cólera não se
desencadeie, deve oferecer-lhe, ao entrar, um presentinho: charuto,
pedaço de fumo de rolo, alguns níqueis.
Além daquele localizado na entrada, o outro está assentado no interior do terreiro e
tem a função de proteger a casa e todos os seus habitantes dos problemas que por ali
venham a existir. Há uma dualidade nessa entidade tipicamente africana e, segundo Prandi
(2001, p. 34), há modificações funcionais na estrutura dos candomblés brasileiros:
Não existe conflito algum entre o Legba do portão e o do aposento. Este
protege todo o terreiro contra qualquer desgraça, principalmente, contra
malefícios. Aquele evita que a desgraça ali penetre; impede as influências
estranhas, enquanto o Legba do aposento garante as pessoas da casa
contra si mesmas.
Ultrapassando o portão e rendidas as devidas homenagens a Exu que o guarda,
deparamo-nos diante de uma síntese de uma aldeia tipicamente africana com as casas e
27
seus devidos assentamentos (símbolos) de todos os orixás ou grupo deles, todos eles
estabelecendo relação com algum elemento da natureza.
As árvores sagradas com suas folhas e demais partes para o uso em banhos,
defumadores etc., constituem uma realidade à parte na vida do terreiro. Uma cozinha
dedicada a fazer as comidas que serão ofertadas aos deuses durante seus rituais, os
aposentos dos filhos e filhas do terreiro, animais que serão oferecidos aos orixás nas
cerimônias, enfim, toda uma vida em pleno movimento a serviço das ordens e dos desejos
dos seres sobrenaturais:
O templo é algo mais do que um pedaço da África transportado para o
outro lado do oceano, é algo mais do que um local consagrado por nele
terem sido enterrados os axés, copiando a união do céu e da terra, ele
auxilia o mundo criado a perdurar, o desdobramento das forças da
natureza, juntamente com a estrutura e as funções da sociedade
(BASTIDE, 2001, p. 89).
Se o espaço dos terreiros de candomblés nos conduz, assim, a uma geografia
religiosa, do mesmo modo o tempo nos leva ao calendário das festas. Para Roger Bastide
(2001), cada mês, cada dia e talvez a cada hora tenha suas qualidades específicas, suas
virtudes especiais, que os distinguem. O calendário festivo adotado pelo negro nos
candomblés afro- brasileiros difere daqueles que eram usados no continente africano. Aqui
no Brasil, o calendário dos terreiros chocava e ainda choca com o calendário católico, que
o branco colonizador impunha ao negro escravo: "Para poder dançar impunemente a gesta
divina, os negros viam-se obrigados a celebrar seus ritos diante de um altar católico que lhe
servia de máscara ou álibi" (BASTIDE, 2001, p. 89).
Para Bastide (2001), o sincretismo afro religioso ocorreu como uma estratégia que
os negros usavam para poder cultuar seus orixás sem a perseguição dos senhores brancos,
que achavam que estes estariam celebrando a fé cristã segundo seus costumes. Foi assim,
para enganar seus senhores e o sistema religioso hegemônico que cada divindade africana
foi sendo associada e ligada aos santos católicos e as festas africanas se transportaram para
os dias em que se comemoravam esses santos. Logo, o calendário africano foi anexando-se
ao calendário português. Assim os brancos não viam nada de mal no que faziam os negros
de sua propriedade, e esses podiam manter, sem nenhum risco, as cerimônias ancestrais.
Diante disso, muitas festas do calendário afro religioso brasileiro fundiram-se ao
calendário judaico cristão:
28
20 de janeiro - dia de São Sebastião - festa de Obaluaê (Omolu), 23 de
abril – dia de são Jorge – festa de Oxóssi, 24 de junho – dia de São João
Batista – festa de Xangô, 24 de Agosto – dia de São Bartolomeu – festa
de Oxumarê, 04 de Dezembro – dia de Santa Bárbara – festa de Iansã, dia
08 de Dezembro – dia da Imaculada Conceição – festa de Oxum e de
Iemanjá (BASTIDE, 2001, p. 90).
Percebe-se que o calendário comemorativo dos terreiros está intimamente associado
às festas dos santos católicos, bem como as características destes santos e suas histórias
têm uma ligação com as características e histórias dos respectivos orixás ao qual estão
associados.
1.3 Relação das entidades afro-brasileiras com os elementos da natureza
O sistema religioso do candomblé brasileiro funciona também como um sistema
organizador amplo, que relaciona os orixás a outros elementos do mundo, como as cores,
os dias da semana, os atributos sociais, os animais, as plantas, as forças da natureza ou os
elementos da natureza.
Em especial, entre os cancomblés jejes-nagôs, há uma relação entre as divindades e
os dias da semana; com cada dia sendo dedicado a um ou a mais orixás. Esta classificação
é variável, podendo haver diferenças entre tradições distintas. Como exemplo, segue uma
classificação usualmente adotada pelos candomblés tradicionais brasileiros e, em especial,
nos da Bahia, referendada por Bastide (2001): segunda-feira é consagrada a Exú e a
Omolu (sobre isto, o autor dá a seguinte explicação: sendo Exú o deus das “aberturas”, o
intermediário entre as divindades e os humanos, deve forçosamente encontrar aqui em
primeiro lugar; já Omolu, que é tido como o deus da varíola, das doenças da pele, das
epidemias, é, por isso, considerada uma divindade perigosa, a quem é preciso amansar logo
no início da semana); terça-feira é consagrada a Nanâ Burucu (a mais velha das
divindades, conhecida popularmente nos candomblés baianos como a “vovó da Bahia”) e a
Oxumarê (um intermediário entre o céu e a terra que ele reúne por meio de seu longo véu
multicolor, o arco-íris)7; quarta-feira é o dia de Xangô e de Iansã (portanto, o dia é
consagrado à adoração do fogo, que é o elemento representativo destas entidades e além de
serem marido e mulher na mitologia); quinta- feira dedicado a Oxóssi e a Ogum, o
primeiro é tido como o patrono dos caçadores e o segundo dos ferreiros (estão, em
7
Outra explicação e que parece bem mais lógica é a que os dois orixás são divindades daomeanas
incorporadas ao panteão ioruba (mas já incorporadas na África), logo homenageadas juntas.
29
contrapartida, duplamente ligados; primeiro, por serem irmãos e, segundo, por pertencerem
às “divindades do ar livre”); sexta-feira dedicado a Oxalá (Obatalá), filho do grande
Olorum (deus supremo da criação de todas as coisas), intimamente relacionado a Jesus
Cristo no catolicismo; sua ligação vem pelo fato de Cristo ter morrido numa sexta-feira e
ambos serem filhos do pai criador; sábado é o dia de Iemanjá e de Oxum, orixás ligados ao
elemento água, tanto a salgada como a doce; logo, as duas entidades são reunidas num
mesmo culto. Enfim, o domingo é o dia de “todos os orixás” inclusive aqueles não
mencionados anteriormente.
Vale uma ressalva: essa distribuição entre orixás e dias da semana não é uniforme
para todas as nações de candomblé, até mesmo porque, em solo africano, os dias da
semana são diferentes dos nossos, apenas quatro, tendo os escravos de adaptar-se à semana
de sete dias, logo os deuses foram redistribuídos de modo diferente (RAMOS, 1942).
Outra característica das religiões afro-brasileiras é a relação entre os deuses e os
elementos da natureza, ou seja, sem estes a religião não existiria, pois a mesma depende,
essencialmente, de cada um para sua efetivação e eficácia. Temos divindades ligadas à
água (Oxum, Iemanjá, Nanã), à terra (Omolu), ao fogo (Xangô, Iansã), às matas (Oxóssi)
etc. E esta relação se processa a todo o momento, entre religião e natureza. Há uma
simbiose entre todos os elementos, ou seja, o candomblé procura reviver por meio destes
elementos sua estreita ligação com o mundo das coisas do homem e das forças da natureza.
Sendo as religiões afro-brasileiras, ao longo das suas existências, vítimas das mais
diversas formas de perseguição, a princípio pelas autoridades policiais e depois
perseguidos e condenados por algumas religiões judaico-cristãs, repudiados por muitas das
classes ditas cultas, cresceu à margem da cultura oficial brasileira. Assim, enquanto se
resguardavam contra as perseguições, os adeptos das religiões de matriz africana viviam
outra realidade cultural, um modo singular de ver e interpretar a vida e o universo vivido.
Póvoas (2006, p. 214) afirma que:
Todo um modo sui generis de pensar, de interpretar, de agir, curar,
comunicar-se com o sagrado era posto em prática no terreiro, cuja vida
transcorria à margem da civilização branca que, a todo custo, tentava
sufocá-lo.
Até aqui, mostramos um candomblé baseado em princípios africanos, tomando
como referência os modelos Jêjes-nagôs, comumente cultuados em alguns estados
30
brasileiros como Bahia e Rio de Janeiro. Porém, posteriormente, surgiu uma outra forma
de religião não mais tão centrada na matriz africana e sim com um grande sincretismo, com
suas origens baseadas, genuinamente, no Brasil, e, em especial, nas culturas indígenas,
católica e africana dentre outros, a Umbanda.
1.4 O surgimento da Umbanda no Brasil
A cultura africana, em nosso país, sempre foi renegada e vista pelo viés dominante
como uma categoria de cultura diferente, menor, inferior à cultura ocidentalizada, judaicocristã.
Isso não aconteceu apenas quando os negros aqui chegaram e sim em seu próprio
continente, pois desde a África já havia retaliações. Sodré (1942) afirma que isto se deu em
função das reorganizações territoriais e das transformações civilizatórias, substituições de
antigos reinos e impérios por novos dispositivos políticos de natureza estatal, precipitadas
pelas estruturas de tráfico dos escravos montadas pelos povos europeus. Sendo que em
todas as Américas e, em especial, no Brasil, essas mudanças são bem mais fortes e
marcantes, uma vez que o tráfico aqui se deu de forma contundente e cruel, levando os
negros a praticarem clandestinamente os seus ritos, cultuando seus deuses e retomando,
assim, a linha do relacionamento comunitário que eram suas práticas nas suas terras de
origem. Assim, é perceptível haver um jogo com as ambiguidades do sistema colonial
imposto. Segundo Sodré (1942, p. 89), “a cultura negro-brasileira emergia tanto de formas
originárias quanto dos vazios suscitados pelos limites da ordem ideológica vigente”.
A partir da década de 1970, as práticas da cultura negra e, em especial, as religiosas
começam a sair da clandestinidade, entendendo-se esse movimento de afirmação como
algo embrionário, passando tais práticas a serem valorizadas como específicas e
particulares, buscando-se, então, um rompimento com a tradição do sincretismo religioso
entre o candomblé e o catolicismo, sobretudo, na Bahia. Vale ressaltar que fatores de
ordem sócio-histórica contribuíram para que esse rompimento pudesse eclodir. Em sua
obra “A Verdade Seduzida”, Muniz Sodré (1942, p. 100) mostra esse rompimento na
seguinte síntese:
- 1830, Abolição do tráfico negreiro, o que permitiu aos negros um olhar
sobre a sua real situação de marginalizados.
- As revoltas que ultrapassaram as fugas individuais ou coletivas, sendo
que essas ocorreram num momento político em transformação de uma
fase colonial para uma visível independência.
31
- O surgimento dos terreiros, que começam a sair da clandestinidade,
embora sofrendo todas as formas de repressão, tanto de ordem policial,
onde eram comum as invasões e prisões dos seus adeptos por estarem
praticando magia-negra e subvertendo a ordem social que era vista como
a religião que praticava o mal, e adorava o diabo nas suas mais diversas
formas. Pois, diferia do proposto pelo cristianismo ocidentalizado e
enraizado em terras brasileiras.
Todos esses acontecimentos contribuíram de forma decisiva para uma atenuação do
preconceito acerca da cultura negra, no entanto, vale ressaltar que o negro, após sua
“libertação”, passou a sofrer outro tipo de discriminação relacionada à falta de
oportunidade na sociedade.
Neste novo contexto histórico, social e, principalmente, econômico surgido no
Brasil no século XX - provocado, sobretudo, pelo processo de industrialização,
principalmente, no eixo Sul-Sudeste, pelo rápido crescimento da população urbana,
especialmente, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e pela presença de uma
infraestrutura herdada do ciclo do café (capitais acumulados, transportes, energia elétrica
etc.) - começou a haver uma acelerada expansão industrial quase sempre dedicada à
produção de bens de consumo não duráveis, como alimentos, vestuários e calçados
(GARCIA, 2005). A partir desse momento, o Brasil entrou numa nova fase econômica. Tal
realidade não incorporou o grande contingente de recém-libertos da escravidão, sem
trabalho e sem preparo para o mercado que exigia agora uma mão de obra qualificada para
o mundo da indústria. Eles foram jogados, mais uma vez, na marginalidade social, indo
morar às margens das cidades que cresciam vertiginosamente, formando uma parcela
significativa de desempregados e, consequentemente, o início do processo de favelização
brasileira, ou seja, o quadro social dos ex-escravos foi de miséria. Foram abandonados à
“própria sorte”, sem um programa governamental de inserção social. Como aponta Negrão
(1996, p. 44).
A repressão exercida no período imperial foi apenas episódica. Teria sido
o Código Penal do período republicano, datado de 11 de Outubro de
1890, o marco da repressão institucionalizada. Três artigos encadeados
deste código (16,157 e 158) proibiram respectivamente o exercício ilegal
da medicina, a “pratica magia do espiritismo e seus sortilégios”, que se
constituiriam em formas de exploração da credulidade pública e, por
último, o curandeirismo. Estavam criados os instrumentos legais que
possibilitavam a acusação, o enquadramento legal e as penas.
32
Foi a partir dessa realidade brasileira que surgiu um novo fenômeno religioso com
suas raízes fundadas nas culturas africanas, europeias e indígenas - a Umbanda. Segundo
Ortiz (1991, p. 15).
O nascimento da religião umbandista coincide justamente com a
consolidação de uma sociedade urbano-industrial e de classes. A um
movimento de transformação social correspondente um movimento de
mudança cultural, isto é, as crenças e práticas afro-brasileiras se
modificam tomando um novo significado dentro do conjunto da
sociedade global brasileira. Nesta dialética entre social e cultural,
observamos que o social desempenha um papel determinante.
Foi na primeira década do século XX que se teve as primeiras notícias sobre as
casas dessa religião genuinamente brasileira que consegue agregar elementos das três
religiões da nossa matriz étnica: do índio, traz o culto aos caboclos e aos espíritos dos
antepassados; dos africanos, o culto aos orixás, aos ancestrais; do europeu, a presença do
espiritismo como meio de comunicação com os mortos. Dessa síntese, tem-se os primeiros
cultos da Umbanda. Uma religião que traz uma mistura de outras religiões, um pouco de
cada coisa, como atesta Prandi (1991, p. 49):
A Umbanda que nasce retrabalha os elementos religiosos incorporados à
cultura brasileira por um estamento negro que se dilui e se mistura no
refazimento de classes numa cidade que, capital federal, é branca, mesmo
quando proletária, culturalmente européia, que valoriza a organização
burocrática da qual vive boa parte da população residente, que premia o
conhecimento pelo aprendizado escolar em detrimento da tradição oral, e
que já aceitou o Kardecismo como religião, pelo menos entre setores
importante fora da igreja católica.
Ainda segundo o autor, foi no Rio de Janeiro que surgiu o primeiro centro de
umbanda:
É no Rio de Janeiro, meados de 1920, que é fundado o primeiro centro de
umbanda, que teria sido como dissidência de um Kardecismo que
rejeitava a presença de guias negros e caboclos, considerados pelos
kardecistas mais ortodoxos como espíritos inferiores (PRANDI, 1991, p.
50).
A Umbanda relaciona-se assim, desde o início, a práticas religiosas de diversas
origens, incluindo o espiritismo Kardecista de origem europeia que, ao chegar ao Brasil,
acabou se envolvendo com as religiões afro-brasileiras a ponto de se confundir com as
33
mesmas. Como afirma Berkenbrock (1997, p. 143) “O espiritismo tanto influenciou em
muitos aspectos as religiões afro-brasileiras, como também estas influenciaram fortemente
o espiritismo praticado no Brasil”.
Assim, as primeiras ideias espíritas chegaram ao Brasil e começaram rapidamente a
se espalhar na metade do século passado e se dividiram entre aqueles que assumiram o
espiritismo como uma ciência (ou como uma filosofia religiosa) e aqueles que assumiram
e praticaram o espiritismo como uma religião. O referido autor afirma que:
Surgiram, assim, no Brasil duas espécies de espiritismo: um é o
espiritismo de intelectuais, médicos, engenheiros, quer dizer da pequena
burguesia. Neste nível o espiritismo quer ser entendido como ciências de
experiências e entendimento dos fenômenos paranormais e
parapsicológicos. O outro espiritismo é o do povo-branco, em sua
maioria, que tem uma expansão muito maior e no qual se prega o
evangelho de Allan Kardec (BERKENBROCK, 1997, p. 143).
Já Negrão (1996, p. 57) diz que:
O “alto” Espiritismo seria, portanto, a religião protegida pelo Estado,
culto semelhante aos demais e livre, inspirado nos nobres princípios da
caridade, envolvendo pessoas instruídas de elevada condição social. O
“baixo” Espiritismo seria a prática de “sortilégios”, de feitiçaria e
curandeirismo enquadráveis no Código penal, despido de moralidade e
motivado por interesses escusos, envolvendo pessoas desclassificadas
socialmente e ignorantes. É óbvio que as práticas mágico-religiosas de
origem negra enquadravam-se dentro desta última categoria.
Percebe-se que o espiritismo se bifurca em duas grandes linhas no Brasil: uma
formada por intelectuais, que acabou tendo um caráter mais de curiosidade científica
investigativa e outra voltada para o público, para o popular, principalmente, para a
população de baixa renda, sem grandes conhecimentos científicos, dotada de conhecimento
e cultura popular.
É nessa classe social formada por descendentes de escravos ou trabalhadores
oriundos do fluxo migratório rural-urbano que começa a surgir os que vão compor os
seguidores dessa doutrina, o chamado “espiritismo dos pobres e oprimidos”
(BERKENBROCK, 1997, p. 145). O espiritismo reagiu às necessidades deste povo,
pregando e praticando, sobretudo, uma moral da solidariedade e do amor. Neste caminho,
cada qual deve encontrar sua felicidade. As boas obras contribuem para a realização seja
nesta vida, seja numa outra, quando da reencarnação do espírito. O espiritismo cumpre
34
assim – segundo Bastide (1989, p. 146), “uma função tríplice na sociedade brasileira:
combate às doenças, combate à miséria, defesa de uma moral da caridade”.
Esta forma de espiritismo popular, como religião dos pobres e dos “sem ajuda”, é
que entrou em contato no Brasil com as religiões afro-brasileiras. Neste contexto religioso,
o espiritismo foi reinterpretado recebendo claramente uma conotação afro-brasileira. Foi,
muitas vezes, pejorativamente, chamado de “baixo-espiritismo”. Segundo Berkenbrock
(1997, p. 146).
Os espíritos desencarnados são aqui interpretados e classificados dentro
da lógica das religiões afro-brasileiras. Não são apenas então espíritos de
pessoas que morreram num passado próximo, mas também espíritos
cósmicos, espíritos dos antepassados. Os espíritos são classificados em
duas linhas: a linha dos índios (também chamados de caboclos) e a linha
dos africanos.
Se, por um lado, esta nova corrente religiosa significou para os negros e mestiços
uma espécie de valorização diante dos brancos, pois a existência de espíritos com os quais
podem entrar em contato e na qual os negros sempre haviam acreditado é agora
“comprovada” pelo espiritismo dos brancos; por outro, esta nova corrente religiosa projeta
para o mundo espiritual a divisão entre os dois blocos populacionais. Não são espíritos
quaisquer e sim espíritos de índios e de africanos, mantendo estes as mesmas funções do
espiritismo tradicional, ou seja, dando conselhos e ajudando a quem precisa e, às vezes,
pedindo também.
Outro segmento religioso que muito influenciou a Umbanda foi, sem sombra de
dúvida, o Candomblé de origem africana. Embora essa influência não tenha se dado de
imediato, a Umbanda se juntou também com o cristianismo (evidência presente na figura
de nomes de santos da igreja católica) como uma forma de processar seu culto. Era e ainda
é comum nomes de santos católicos para batizar as casas de Umbanda, como pode ser visto
nos exemplos mostrados por Seraceni (2008, p. 98): “Tenda Nossa Senhora da Guia, Nossa
Senhora da Conceição, Santa Bárbara, São Pedro, São Jorge, São Jerônimo etc.”. Para os
adeptos desta nova religião, tais denominações tanto ampliavam a aceitação por parte da
sociedade, e os nomes dos santos católicos serviam também para disfarçar e possibilitar
mais aceitação da presença da Umbanda entre uma maioria católica, que é o caso da
população do Brasil. Segundo Negrão (1996, p. 67), “era comum e ainda é pessoas ligadas
35
a outras religiões e, sobretudo, a católica frequentarem a Umbanda, ou seja, pairar sobre os
dois mundo 'lá e cá'".
Como foi dito anteriormente, logo após a abolição da escravatura no Brasil, os
negros ficaram mais uma vez excluídos do contexto social e econômico da sociedade de
então. Estes começam um movimento de se organizar em grupos, sobretudo na zona
urbana do Estado do Rio de Janeiro, como mostra Berkenbrock (1997, p. 148):
Quando depois da abolição da escravatura os negros começaram a
organizar-se em grupos – do ponto de vista religioso - marcados pela
cultura banta. Eram africanos e seus descendentes advindos, sobretudo de
Angola, Moçambique e Congo. As formas de expressão religiosa destes
grupos eram no início uma continuidade simplificada das expressões
religiosas dos bantos africanos.
Percebe-se, na citação acima, que os afrodescendentes já tinham diversas formas de
organização religiosa próprias, posteriormente mescladas também aos praticantes da
Umbanda. É daí que se tem a junção dos elementos de origem africana na nova religião, ou
seja, o culto aos Orixás.
Vale ressaltar que a Umbanda recebeu outros nomes anteriormente, tais como
“Cabula”, “Macumba”, nome este que a tornou conhecida em todo o Brasil
(BERKENBROCK, 1997).
Paulatinamente, a tradição iorubá começou a influenciar os grupos da então
chamada Macumba e os espíritos bantos foram sendo substituídos pelos orixás iorubás.
Segundo Berkenbrock (1997), a introdução dos Orixás não influenciou de forma decisiva
uma mudança significativa ao culto da Macumba/Umbanda senão apenas o nome das
entidades invocadas, pois a base estrutural do culto continuou a mesma. Houve uma
relação de troca entre Macumba/Umbanda e o Candomblé no que se refere ao aspecto da
aceitação social. A Umbanda foi mais bem aceita socialmente do que o Candomblé; ela
serviu para que a sociedade visse os Orixás e seus cultos com outros olhos e, por sua vez, a
Umbanda adquiriu muitos dos seus conhecimentos e formas de cultuar as entidades com os
adeptos do Candomblé. Logo, a nova religião é a síntese de três elementos: o candomblé, o
espiritismo a o cristianismo, como aponta Prandi (1991, p. 49).
Mantém-se o rito cantado e dançado dos candomblés, bem como um
panteão simplificado de orixás, já, porém havia muitos anos sincretizados
com santos católicos, reproduzindo-se, portanto, um calendário litúrgico
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que segue o da Igreja Católica, publicizando-se as festas ao compasso
deste calendário.
O nome Macumba acabou sendo substituído pelo nome Umbanda, cada vez mais, e
a primeira expressão passou a ir ganhando um significado pejorativo, atribuindo-se
significados "ruins".
Dentro da linha umbandista surgiram outras linhas e variantes como a Quimbanda e
a Embanda. Segundo Ramos (1946, p.10) “Estas palavras são variações do mesmo termo
básico Kimbanda, denominação para o sacerdote em Angola e Congo”. Com o tempo, os
nomes Umbanda e Quimbanda prevaleceram em nossa cultura; os adeptos da primeira
acusam os da segunda de pertenceram uma linhagem de baixos espíritos e praticarem o que
eles chamam de magia negra e tem como objetivo principal a prática do mal. Com isso, a
nova religião instalou-se e começou a se espalhar por outras regiões brasileiras, sobretudo
no Sul, acolhendo para si uma série de elementos de outras religiões, ou seja, a Umbanda,
que, segundo Linares (2008), foi bebendo em todas as fontes religiosas brasileiras.
Das várias literaturas lidas e discutidas, dentre aquelas que conceituam a Umbanda,
algumas chamaram atenção, como: a obra de Alexandre Cumino (2011) História da
Umbanda: uma religião brasileira, texto que também se discute a complexidade em
definir uma religião, sobretudo uma religião que ainda está em formação e que elementos
oriundos de outras culturas são, ainda, muito vivos e perceptíveis, o que faz transparecer
uma simples mistura de fatores diversos. Arthur Ramos já afirmava em sua obra O negro
Brasileiro (2001), que não existe religião pura nem na essência nem na forma, nenhuma
outra teve origem diferente. Novas religiões nascem da necessidade de atribuir novos
significados a antigos símbolos, trazendo valores que passam a dar um novo sentido a
nossas vidas. Dessa forma, a Umbanda renova a interpretação para símbolos diversos,
produzindo um novo significado; daí uma nova religião na qual antigos símbolos e novos
valores se acomodam, assumindo uma identidade única (CUMINO, 2011).
Já autores como Lísias Nogueira Negrão (1996) e Maria Helena Vilas Boas
Concone (1985), afirmam que a Umbanda “é um sistema religioso estruturalmente aberto”
o que acaba, de certa forma, justificando essa diversidade de formas. Para eles, a Umbanda
está em constante construção, transformação e adaptação e esse entendimento é
profundamente necessário para uma melhor compreensão da mesma.
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Quando se discute a diversidade de formas da Umbanda, faz-se necessário
recorrermos à obra de Alexandre Cumino (2011), quando ele fala de Umbanda, devido à
pluralidade cultural sofrida por essa religião. Vejamos: a) Umbanda Branca, com menos
influência negra, mais europeia que afro, ou seja, mais espírita Kardecista b) Umbanda
Pura, seria uma espécie da religião mais “desafricanizada” e “orientalizada”; c) Umbanda
Popular, para o autor seria uma espécie de Umbanda sem muito conhecimento de causa,
valendo apenas o que é dito e ensinado de forma direta pelos espíritos no ato ritualístico; d)
Umbanda Esotérica ou Iniciática, forma de praticar a Umbanda, baseada nos estudos dos
fundamentos ocultos, conhecidos apenas dos antigos sacerdotes egípcios, hindus, maias,
incas, astecas etc.; e) Umbanda Trançada, Mista e Omolocô tem como influência maior os
cultos de Nação ou do Candomblé brasileiro, combinando os fundamentos e os preceitos
oriundos das culturas africanas com as entidades de Umbanda; muitos chamam essa
variação de Umbanda de “Umbandomblé”; f) Umbanda de Caboclo, variação da
Umbanda com forte influência da cultura indígena; g) Umbanda de Jurema, combinação
de elementos das culturas indígenas com a cultura católica, somando a valores da magia
europeia e pouco das culturas africanas; h) Umbandaime é uma das linhas de Umbanda que
sofre influência do Santo Daime (religião originária da Amazônia) e, por último, o que o
autor chama de Umbanda Eclética, mistura de todas as ramificações anteriores, um pouco
de cada uma. É da mistura de tipos variados que formou a Umbanda na localidade em
estudo.
Na Umbanda, todos são bem vindos, todos os elementos são respeitados e
cultuados. Ela consegue agregar, sem nenhum preconceito, as mais diferentes formas de
culto às mais diversas entidades. Talvez seja por isso que a Umbanda tanto cresceu no
Brasil e ganhou um número incrivelmente grande de adeptos desde o seu surgimento até
hoje. Sua expansão foi muito rápida, ao contrário de outras religiões afro-brasileiras, como
o Candomblé, que ficou mais ligado às tradições africanas, enquanto que a Umbanda abriu
suas portas à nova realidade social e econômica do Brasil. Para Linares (2008, p. 47) “ela
conta hoje com mais de 40 milhões de adeptos só no Brasil”.
Assim, diversos fatores contribuíram para o rápido crescimento da Umbanda no
Brasil. Para Berkenbrock (1997, p. 152), estão relacionados a situações como:
Oferta na área curativa e caritativa;
A forma simples do culto;
Sua adaptação às condições do público;
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A forma de organização das comunidades;
A possibilidade de participar diretamente de experiências religiosas.
Um outro fator importante e característico da Umbanda foi o fato dela ser uma
religião, essencialmente, urbana, típica das periferias das grandes cidades, como Rio de
Janeiro e São Paulo; logo, não teve dificuldade de adaptação no processo de urbanização
ocorrido no Brasil naquele período dos anos 30, 40 e 50, juntamente com a industrialização
do país (NEGRÃO, 1996).
Em se tratando de outras religiões, a Umbanda ainda é embrionária em nossa
cultura religiosa, com apenas cem anos (LINARES, 2008), pois ainda não tem uma forma
de organização em si, ainda há uma pluralidade muito grande de ideias e ensinamentos, ou
seja, falta-lhe uma unidade doutrinal, ainda está à procura, embora consiga ter três pontos
básicos muito bem seguros: a fé num ser supremo, a crença na existência de espíritos e
entidade, a crença na possibilidade de contato entre os espíritos e pessoas e a no
desenvolvimento do espírito e na reencarnação (NEGRÃO, 1996).
Quando se trata da crença em espíritos e entidades, mostra-se um excepcional
sincretismo, acreditando-se tanto nas entidades de origem africanas e indígenas (orixás e
caboclos) como nos santos da igreja católica. Esses espíritos são divididos em dois grupos
no culto da Umbanda: os chamados espíritos de luz tidos como “evoluídos” e que “só
fazem o bem”, e os chamados espíritos “sem luz” que só “praticam o mal” (bruxaria) para
as pessoas, embora ela recorra a todos (BERKENBROCK, 1997). E são comumente
chamados de direita e esquerda, ou seja, o bem o e mal; esses dois termos são muito usuais
nos terreiros de Umbanda. Também é usual a divisão em “linhas” que, por sua vez, se
dividem em “falanges” ou “legiões”; cada linha compondo-se de sete falanges. No
contatado com os espíritos, acreditam que estes fazem tanto o bem às pessoas, ajudando e
aconselhando, como existem espíritos que servem para fazer o mal também atrapalhar e
fechar os caminhos dos indivíduos. Mais uma vez o conceito de bem e mal caminham
paralelos na corrente umbandista. Acreditam também que os espíritos passam por um grau
de evolução até chegar a um nível de superioridade, como é o caso dos Orixás, os santos
católicos, os pretos-velhos, entre outros, tidos como espíritos evoluídos.
No que se refere à organização dos cultos de uma casa de Umbanda, é importante
frisar que, embora cada uma se processe de uma forma, de acordo com suas
especificidades, lembra bastante os moldes de uma casa de candomblé com seus rituais,
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uma vez que esta influenciou a Umbanda, no geral acontece da seguinte forma: preparação,
invocação e incorporação das entidades, consultas aos espíritos incorporados nos seus
médiuns, despedidas e encerramentos dos trabalhos. Vejamos cada um desses atos. A
preparação consiste na saudação ao altar, onde estão as imagens de santos católicos
misturadas com as imagens de caboclos e encantados (uma observação importante nas
casas de Umbanda é essa mesclagem de imagens, onde todos convivem juntos num mesmo
altar, essa simbologia retrata bastante a questão do sincretismo da Umbanda o que, no
geral, não se vê numa casa de Candomblé).
Por isso, mais uma vez, a Umbanda conseguiu juntar em si elementos díspares em
seus cultos, acolhendo desde elementos de origem africana até mesmo grupos com
influência oriental ou esotérica, como a linhagem da cultura cigana, utilizando-se de rituais
como defumação, entoação de cantos ou orações.
Depois disso, há a “invocação” e a “incorporação” dos espíritos, no pai ou mãe de
santo da casa e nos filhos que recebem entidades; essa invocação é feita por meio de
cânticos para cada entidade, pois cada uma delas possui as suas músicas, os seus “pontos”
como são chamados na religião, uso de atabaques ou tambores, embora existam casas que
não fazem o uso de instrumentos. Também se usa agogô, pandeiros, cuíca e em alguns
casos específicos sanfona, zabumba ou outros instrumentos. Depois que os espíritos
"baixaram" - como se diz na linguagem popular -, isto é, incorporarem-se aos fiéis, dá-se
início a fase seguinte, que é a de consultas. Os convidados e demais pessoas presentes têm
a oportunidade de se consultarem com as entidades que estão incorporadas em seus
“aparelhos” (é comum chamar as pessoas que recebem as entidades de aparelho). Depois
das consultas, os espíritos são despedidos, encerrando-se, assim, também, a situação de
transe. Ao final do culto, podem ser ditas palavras de agradecimentos aos presentes,
orações ou cantos.
Hierarquicamente, uma casa de Umbanda é composta da seguinte maneira: à frente
está o pai-de-santo, conhecido também como zelador ou babalorixá quando é homem, ou
quando se trata de uma mulher à frente da casa, é a mãe-de-santo, também conhecida como
zeladora ou ialorixá (nomes de origem iorubá). Outras personalidades também se
destacam, como o pai pequeno ou a mãe pequena, que assumem o papel de pai ou mãe de
santo na ausência do pai maior. Depois desse grau de hierarquia estão os médiuns, isto é,
as pessoas que incorporam as entidades durante o culto. Num grau abaixo estão os
40
ajudantes, especializados em diversas funções, como ajudar os médiuns, escrever e
interpretar as receitas ditadas pelas entidades durante o transe, cuidar da música, dos
instrumentos musicais e da manutenção da ordem e do respeito na casa, vendo quem entra
e quem sai do barracão, que é o local onde acontecem as festas ou sessões.
Para se chagar a um grau de hierarquia dentro de uma casa de Umbanda faz-se
necessário todo um processo iniciático, que vai desde o desenvolvimento da mediunidade,
consistindo na capacidade de incorporação de uma entidade até a interpretação dos
significados de forma correta, com uma gradual aprendizagem dos termos religiosos dos
rituais e de outros elementos. Berkenbrock (1997, p. 159) afirma que:
Além disso, aprende-se durante a iniciação a ordem do culto, a teologia,
termos religiosos e a obrigações. A iniciação na Umbanda não é, porém,
organizada de forma unitária e sua duração, forma, conteúdo e ritual
podem variar muito de casa para casa.
Percebe-se, com isso, que cada casa de Umbanda processa seu culto de uma
maneira particular. Uma vez que elas são os resultados das sínteses de diversas religiões
numa só, tanto a variação quanto a especificidade são esperadas. Assim, cada casa costuma
efetuar seu culto de forma diversificada, tendendo mais a uma ou a outra linhagem, que
pode ser mais indígena, mais afro ou mais católica. A Umbanda possui uma incrível
capacidade de incorporar elementos diversos e retrabalhá-los e as integrar em seu próprio
culto de maneira particular a cada casa.
Diante disso, resta-nos uma pergunta: que identidade afinal tem a Umbanda? Não
se pode afirmar que seja católica pelo fato de ter absorvido elementos do catolicismo, e
nem que seja de matriz africana, porque não absorveu elementos somente desta e nem tão
pouco indígena ou espírita. Simplesmente não é possível classificar a Umbanda dentre
destes outros modelos, mas, sendo uma das religiões de origem também afro-brasileira,
com tradição baseada na oralidade, pode apresentar modalidades múltiplas. Conseguiu
absorver elementos diversos de cada religião, embora não tenha assumido uma identidade
única com nenhuma dessas correntes religiosas.
Berkenbrock (1997) afirma que a identidade das religiões afro-brasileiras não pode
ser definida a partir de fora, ou seja, de um modelo religioso pré-definido. Esta identidade
poderá ser definida a partir de dentro dos seus adeptos. Neste sentido, a identidade
religiosa é marcadamente contextual, social e histórica, podendo ser variável.
41
Segundo Roger Bastide (1989), o fim da escravidão não significou o fim dos
sofrimentos dos negros, que entraram em uma nova fase de preconceito e discriminação na
então sociedade europeizada brasileira. Quando eram escravos e sofriam todos os tipos de
castigos e humilhação, ainda estavam unidos por elos que eram a senzala e seus senhores.
Com a abolição, tais elos acabaram-se e eles foram jogados a toda sorte; um dos elementos
que os manteve unidos foi a religião, mesmo assim com certa dificuldades, devido aos
preconceitos e a valorização dos modelos religiosos das elites.
Sodré (1942, p. 230) afirma que:
para o colonizador português, os rituais dos negros no Brasil foram
sempre práticas de feitiçaria, e essa palavra expurgadas suas vibrações
pejorativas, é acertada. O engano é supor, como se reflete ainda hoje nos
dicionários, que o feiticeiro é aquele que fascina, encanta ou seduz por
meio de uma “verdade” maléfica.
Os negros perderam muito da sua identidade cultural com a abolição. Foi nesta
procura de identidade que a religião desempenhou um papel muito importante; ela reuniu,
novamente, aqueles que a escravidão havia se encarregado de dispersar, além de fornecer
critérios para interpretar o mundo, a vida e a morte. Os terreiros eram pontos de refúgio e
de apoio. A antiga identidade foi ali, de certa forma, preservada. Sodré (1942, p. 100) diz
que:
A expansão dos cultos ditos “afro-brasileiros” em todo o território
nacional (apesar da diversidade dos ritos ou das práticas litúrgicas) devese à persistência das formas essenciais em pólos de irradiação, que são as
comunidades-terreiros (egbé). (É isso que faz com que um santo da Igreja
Católica como São Jorge) possa ser cultuado num centro de Umbanda,
em São Paulo, como Ogum, orixá nagô. Ou seja, o conteúdo é católico,
ocidental, religioso, mas as forma litúrgica é negra, africana, mítica. Em
vez de salvação (finalidade religiosa ou católica), o culto a São Jorge se
articulará em torno do engendramento de Axé.
Ao se observar os descendentes da população negra africana que foi obrigada a se
adaptar entre dois mundos, África e Brasil, pode-se perceber, claramente, alguns traços da
cultura e da nova realidade cultural. O transe nos terreiros de Candomblés significa,
simbolicamente, uma volta às origens, a África. Uma preservação identitária simbólica
mesmo com as lacunas deixadas pelo tempo. Lacunas que foram sendo, paulatinamente,
preenchidas pela junção de outros elementos à cultura africana, como os elementos
indígenas, espíritas, católicos e esotéricos em geral. A Umbanda foi em certo sentido
42
estrategista, ao juntar para si esses elementos, podendo, inclusive, ser aceita no seio da
sociedade branca. A Umbanda torna-se, assim, extremamente maleável no que se refere à
possibilidade de aceitação, agregando elementos e participantes de outras religiões.
Os negros, ao serem trazidos de sua terra originária e serem aportados em terras
estranhas, foram vítimas de todo tipo de discriminação e de preconceito por parte de uma
sociedade branca que se pretendia superior. E com o fim da escravatura, quando se pensava
em liberdade como pregavam os abolicionistas da época, enfrentaram outros tipos de
problemas e dificuldades, ocasião em que a religião configurou-se como uma alternativa de
manter e preservar identidades e legados culturais. Tanto o Candomblé como a Umbanda
serviram para manter tais identidades, e a Umbanda, mais do que qualquer outra religião
afro-brasileira, juntou para si uma gama de elementos de outras linhas religiosas. Segundo
afirma Concone (2007), em termos religiosos, a Umbanda pode ser considerada como a
religião verdadeiramente brasileira, portadora dos traços genuinamente brasileiros.
Sendo uma religião tecida dentro dos padrões da cultura brasileira, a mesma se
espalha por todo o Brasil, chegando aos mais recônditos lugares deste imenso território,
como é o caso da cidade Poções – BA, em que sua origem remonta ao final dos anos 30 do
século XX, com a chegada da industrialização no Sudeste brasileiro e o fluxo migratório de
pessoas para a citada região, dando, assim, início a implantação da mesma em nosso
município.
1.5 A constituição da Umbanda no município de Poções – BA
1.5.1 Sobre o município de Poções
O povoamento da área onde, atualmente, se situa a cidade de Poções remonta à
segunda metade do século XVIII, como consequência da expansão da empresa colonial
portuguesa. Ainda que a motivação inicial para a incursão dos bandeirantes pelo interior da
colônia e, em especial, pelas áreas sertanejas baianas, tenha sido a procura por metais
preciosos, a instalação de inúmeras fazendas na região propiciou o surgimento de outras
atividades fundamentais para a fixação do colono e expansão dos seus domínios: a
pecuária, sobretudo, a bovina, a agricultura de subsistência e a cultura do algodão.
O progressivo ajuntamento de pessoas no entorno das fazendas, bem como nos
pontos de pouso que foram se constituindo ao longo das estradas para atender às
necessidades de viajantes e tropeiros, originaram muitos dos núcleos urbanos na colônia
43
portuguesa, sobretudo no século XVIII, em razão da descoberta das minas auríferas e da
criação extensiva do gado (SILVA, 1989, p. 73).
Ainda segundo Silva (1989), boa parte da historiografia que trata sobre a conquista
do interior da Bahia indica que já em princípios do século XVIII existia a intenção em
erguer dois arraiais na região compreendida entre o rio de Contas e o rio Pardo, sendo um
nas proximidades do atual município de Tanhaçu e o outro justamente no local onde se
formou o Arraial dos Poções. O bandeirante André da Rocha Pinto teria sido designado por
Pedro Leolino Mariz, superintendente das Minas, para fazer o reconhecimento da área
mencionada. Adotando esta versão, a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros afirma ser
Rocha Pinto o primeiro bandeirante a ocupar o Arraial dos Poções, além de fornecer outros
dados sobre a sua tumultuada passagem pelo interior da Bahia:
As origens do município de Poções datam de 1732, quando o
povoamento das cabeceiras do Rio de Contas e a vida civil
administrativa, nutridos pelas exigências da mineração, incentivaram a
exploração das regiões circunvizinhas.
Surgiu, então, uma bandeira chefiada pelo coronel André da Rocha Pinto
que, sentindo a necessidade de penetração em vários pontos, se dividiu
em outras, cada qual tomando rumo diverso pelo rio de Contas até o rio
Verde e cabeceira do rio São Mateus.
[...] Alguns anos depois, o coronel André da Rocha Pinto incendiou um
cartório na então vila do Príncipe – hoje cidade de Caetité – incorrendo,
assim, nas iras do vice-rei, que ordenou lhe levassem a cabeça do
criminoso.
Temeroso e revoltado com a prepotência do vice-rei, reuniu o coronel
André uma bandeira de duzentos homens e veio homiziar-se no lugar
denominado “Passagem da Conquista”, nas proximidades do atual
município.
Conhecedor profundo da região, resolve tentar a exploração das minas do
“Timorante”, distante 5 léguas para os lados das matas
(ENCICLOPÉDIA..., 1953, grifos do autor).
Segundo o então juiz e pesquisador do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia,
Tranquilino Torres, “a Villa dos Poções foi primitivamente povoação criada por
Thimotheo Gonçalves da Costa, com seus filhos Bernardo e Roberto Gonçalves da Costa,
depois da conquista dos índios pelo capitão-mor João Gonçalves da Costa e seus filhos”.
O Arraial dos Poções foi elevado à categoria de Vila dos Poções somente em 1880
pela resolução n.º 1.986, de 26 de junho de 18808. Pouco tempo antes da criação da vila, o
8
A data desta elevação aparece de maneira equivocada na obra já citada de Tranquilino Torres na
qual consta 26 de julho de 1879.
44
arraial havia sido elevado à categoria de Freguesia do Divino Espírito Santo, em 1878. Os
limites e as configurações da Vila dos Poções seguiram os mesmos limites da Freguesia do
Divino Espírito Santo, já que a criação da Freguesia era requisito necessário para a
emancipação política dos antigos arraiais.
O Arraial, desde os seus primórdios, ainda no século XVIII até a sua emancipação
política, recebeu denominações variadas. É comum encontrarmos na documentação
histórica os topônimos: Povoado dos Poções, Arraial do Espírito Santo dos Poções, Arraial
do Espírito Santo e Santo Antônio dos Poções9.
Desenvolveram atividades agropecuárias, congregando número razoável de
moradores, incluindo os escravos, agregados, proprietários e familiares. A vida no arraial
foi se desenvolvendo num processo de interdependência das relações existentes entre as
áreas rurais mais próximas e o núcleo habitacional que se formara como sede do mesmo.
Entre os anos de 1815 e 1817, o príncipe Maximiliano, em passagem pela região fez a
seguinte observação:
Em breve achei-me no pequeno arraial de Poções, cujo vigário pareceume grande apreciador de bebidas fortes, pelo menos a julgar pelo estado
de completa embriaguez. O lugar conta com uma dúzia de casas e uma
capela feita de barro (WIED-NEWIED, 1989, p. 445).
O relato do príncipe demonstra que à época de sua passagem já existia uma
aglomeração de casas na sede do Arraial. Reforça, ainda, que a denominação “Poções” se
deu em função da existência de diversos poços no Arraial, característica que permanece até
os tempos atuais, embora muitas áreas já tenham sido aterradas e urbanizadas. As doze
casas citadas pelo príncipe são consideradas, para fins estatísticos, como moradia de cinco
pessoas em média, perfazendo um total de sessenta habitantes (SILVA, 1989, p. 99).
O caráter religioso é um aspecto marcante na vida dos moradores do arraial,
conforme pode ser verificado em alguns documentos históricos. Por exemplo, em seu
testamento, Manoel Gonçalves da Costa deixou registrado: “[...] o meo corpo será
amortalhado em abito branco, e sepultado na Capela de Nossa Senhora da Lapinha [...] e
acompanhado dos sacerdotes que se acharem presentes os quais ou o qual mi dirá uma
9
Conforme podemos constatar nos inventários pos-mortem e demais documentos dos séculos
XVIII e XIX, localizados no arquivo do Fórum João Mangabeira em Vitória da Conquista, com
este último nome constando do testamento de Bernardo Gonçalves da Costa, lavrado em 1842.
45
Capela de Missas10 de corpo presente" (NEVES, 2001, p. 133). É importante destacar a
veneração não só ao Divino Espírito Santo, que veio a tornar-se o padroeiro do lugar e,
posteriormente, a principal festa popular da cidade, mas também o culto a Nossa Senhora
da Lapinha, festejada no Dia de Reis, sendo o reisado uma tradição preservada até os
tempos atuais, bem como o culto a Santo Antônio, outra festa religiosa ainda cultivada em
vários locais da zona rural do município de Poções.
O Arraial desenvolveu atividades econômicas típicas das comunidades rurais do
período colonial, com a criação de gado bovino, equino e muar; produção de algodão,
culturas de subsistência, entre outras, baseadas, sobretudo na mão-de-obra escrava. O
escravo era um componente elementar no desenvolvimento de tais atividades, encontrado
em quantidade razoável nos documentos históricos, originários, principalmente, de Angola
e Moçambique, além dos nascidos no Brasil. Avaliados a preços exorbitantes, se
comparados com os valores dos demais bens constantes nos inventários, inclusive da terra
somente regulamentada em 1850, constituíam, sem dúvida, o bem mais valioso.
Considerado como mercadoria, o vigor da juventude, a idade ou a apresentação de
problemas físicos ou mentais eram fatores relevantes para a valorização ou a depreciação
do seu preço de mercado. O inventário de Rozaura Gonçalves da Costa exemplifica
algumas dessas situações:
Mariana cabra, com idade de 27 anos, do serviço doméstico, sem moléstia,
que sendo vista e avaliada pelos avaliadores pela quantia de quinhentos mil
réis (500$000); Maria cabrinha, filha da dita, com idade de um mês [...]
avaliada por cinqüenta mil reis (50$000). [...] Joaquim Crioulo com idade
de 10 anos, duente da Gota Coral [epilepsia] e demonstra ser inteiramente
vario do juízo, o qual sendo visto e avaliado pelos avaliadores pela quantia
de vinte mil reis (20$000). Ricardo com idade de 7 para 8 anos, aleijado de
uma perna por virtude de queimadura desde quando mamava e, além disso,
duente dos olhos, o qual sendo visto e examinado axarão que nada valia.
Maria Ribeira, crioula muito velha que sendo vista e examinada pelos
avaliadores, axarão que valor nenhum tinha.11
Além da escravidão negra, da participação de mulheres, de crianças e das demais
pessoas anônimas para a concretização dos intentos coloniais da bandeira - responsável
10
Arquivo do Fórum João Mangabeira, Vitória da Conquista. Caixa Inventários – 1856, sem
catalogação, Testamento de Manoel Gonçalves da Costa. Uma capela de missas, segundo
Erivaldo Fagundes Neves, “compunha-se de cinqüenta missas”.
11
Arquivo do Fórum João Mangabeira. Vitória da Conquista, Inventário de Rozaura Gonçalves da
Costa, pasta inventários 1850-1859, sem catalogação.
46
pelo domínio da região - chefiada pelo capitão-mor João Gonçalves da Costa, é preciso
destacar o massacre aos índios. Em um dos combates, estavam juntos João Gonçalves e seu
filho, Raymundo Gonçalves da Costa, o qual descreveu:
[...] flechavam os botocudos a um soldado português muito [!] valoroso
[...]. Os oficiais e mais soldados, sentidos daquela comum desgraça,
determinaram marchar sobre aqueles bárbaros [...] assim sucedeu, mas os
bárbaros botocudos e ferozes, sem temor do estrondo das armas e
belicoso tambor, e valorosos fizeram a mais considerável resistência, e
postos por detrás dos paus se defenderão de alguns tiros que quase ao
montão se davam: eles, com as mulheres a seus lados, e carregadas de
flechas, iam distribuindo-as aos homens, para que com maior presteza
fizessem seus tiros, de sorte que, com a grande multidão de flechas
ficarão 3 soldados feridos; o que visto pelo intrépido capitão Raymundo,
puxando a espada, mas os bárbaros não esperarão, antes abandonando
seus ranchos e pousadas, se puseram em fugida: com este acontecimento
foi o mesmo capitão, Sargento mor, e alguns soldados de igual valor,
tratando de amarrar os pequenos, que apanharão 8, entre eles uma
mulher, de meia idade com cria ao peito: eram os pequenos 3 machos e 3
fêmeas. Ficaram no campo mortos 2112 (AGUIAR, 2000, ortografia
atualizada).
O Arraial dos Poções foi elevado à categoria de vila em 1880, época em que se
desmembrou da Imperial Vila da Vitória, atual município de Vitória da Conquista. Com
isso, a vila só foi instituída mais de um século após a chegada dos primeiros habitantes e
somente passou a gozar do novo estatuto em 25 de abril 1883 (TORRES, 1996, p. 89),
quando o então Coronel Raimundo Pereira de Magalhães alugou os prédios para o
funcionamento da Câmara e Cadeia, edificações elementares para o desenvolvimento das
atividades políticas, jurídicas e administrativas. Em 1903, houve o desmembramento do
município de Boa Nova; dois anos após, Poções foi anexado àquele município,
ocasionando um sério conflito político-administrativo entre os coronéis das duas
povoações. Desmembrado por duas vezes, só foi restaurado com a denominação de
município de Poções em 21 de julho de 1922 (SEI, 2001).
O município de Poções faz parte da Zona fisiográfica de Vitória da Conquista, e seu
território é parcialmente abrangido pelo “polígono das secas”. Com altitude de 760m,
latitude = 14° 31’ 47” e longitude = 40° 21’ 55” e está a 444 quilômetros de distância
rodoviária da capital. Faz limite com as cidades de Boa Nova, Nova Canaã, Iguaí e Bom
12
In: Biblioteca Nacional. A respeito da conquista, submissão e extermínio dos índios do Sertão da
Ressaca. Anais... 1918. v. 32. p. 456.
47
Jesus da Serra e está entrecortada pela Estrada Federal BR-116 (Rio-Bahia) e pela BA 262
que liga o município a Ponto do Astério; e deste, a Ilhéus (distante 210 km). Possui uma
área total de 966,3 km². Com relação aos aspectos físicos, o município de Poções possui
uma variação climática entre o semi-árido seco a sub-úmido, com temperatura média anual
de 20,2º C, mínima de 16º C e máxima de 32º C, e com uma pluviosidade de média anual
de 504 mm. O relevo é bastante acidentado, recortado pelas serras da Ouricana, Espeto,
Serra Grande, Umbuzeiro e Bom Jesus. Possui ainda Vertentes Esplanadas, Planalto SulBaiano, Escarpas e Ombreiras, Cristais e Barras Residuais, Piemontês, Patamares
Interfluviais e Restos de Esplanadas. Os solos são Latossolo Vermelho Amarelo
Distrófico, Podzólico Vermelho Amarelo Equivalente Eutrófico, Cambisolo Eutrófico.
Considerado como solo fértil, grande parte do território local enfrenta os problemas da seca
cíclica, na região da caatinga, cujo solo é semi-árido. Sua vegetação é composta por
florestas estacional decidual caatinga arbórea aberta, com palmeiras, que representa uma
área de transição entre a região da caatinga e a região de floresta estacional.
O município de Poções faz parte da bacia hidrográfica do Rio de Contas e é nesta
bacia que se encontra a micro bacia do Rio das Mulheres, que é composta pelo Rio das
Mulheres, Rio São José, Riacho das Furnas. Além disso, ajudam a compor a bacia
hidrográfica do município os rios Três Barras, Tarugo, Cachoeirinha, Riacho do Divino
Espírito Santo que se transformou em depósito de dejetos dos esgotos da cidade.
Tabela 1 - Barragens / Poções
Barragens/Represas
Bacia Hidrográfica
Morrinhos
Contas
Rio Barrado
Rio das Mulheres
Divino
Rio São José
Contas
Capacidade
3.110
2.862
Fonte: IBGE, 2006
Sob o ponto de vista populacional, os primeiros habitantes do município foram os
índios, dos grupos pataxós, imborés e camacãs. Na segunda metade do século XVIII
chegaram
os
colonizadores
portugueses,
que
trouxeram
os
escravos
negros.
Posteriormente, foi de grande influência a chegada de imigrantes europeus, principalmente,
os italianos, que chegaram no início do século XX.
Poções possui uma área total de 966,3 km², ocupada por 44 152 habitantes,
densidade demográfica 45,7 hab./km² sendo que a maioria (31.753) mora na zona urbana,
48
cabendo à zona rural 1/3 da população total (12.399). As mulheres são maioria no
município. Dados censitários de 2000 registram 9 316 domicílios na sede e 3 506 na zona
rural.
1.5.2 Sobre a Umbanda em Poções
Reforça-se, de início, a diferenciação entre Umbanda e Candomblé, nos seus
aspectos mais gerais, utilizando Linares (2008, p. 36) como referência:
O candomblé é uma religião iniciática que, apesar de bem deturpada, tem
seus fundamentos nas religiões tribais africanas (milenares) trazidas pelos
escravos para o Brasil. E com eles vieram os orixás africanos, todos
negros, sem mistura de credo, pois não conheciam as religiões católica e
espírita. Já a Umbanda foi criada por volta de 1900 nos Estados do Rio de
Janeiro e depois São Paulo onde o primeiro zelador criou as regras ou
foram ditas por seus guias. A Umbanda trabalha com a questão do
sincretismo religioso, onde imagens de santos católicos são associados a
imagens de orixás e caboclos. A Umbanda usa a língua portuguesa em
seus rituais e festas enquanto a religião do candomblé usa línguas de
origem africana na sua prática, como por exemplo o ioruba. A Umbanda
incorporou e continua incorporando elementos de outras religiões, como
o catolicismo, o espiritismo bem como elementos do próprio candomblé e
de religiões orientais.
Foi também essa religião, a Umbanda, uma mistura de elementos diversos, que
acabou penetrando no município de Poções por volta da década de 1940, valendo ressaltar
que as informações acerca do seu surgimento são informações de cunho oral (parentes e
filhos de santo de terreiros de Umbanda da época e moradores antigos da comunidade que
viveram esses acontecimentos) não tendo o município registros históricos escritos sobre
este tema, como possíveis notícias antigas de jornais locais ou registros de boletins de
ocorrência.
Foi essa religião que acoplou para si diversos elementos religiosos por aqui
existentes. Da Igreja Católica, trouxe os santos com suas datas e festas comemorativas; da
religião indígena, o culto aos caboclos; da presença negra, o culto aos orixás e aos PretosVelhos, com suas associações aos santos católicos. Além, é claro, de outros elementos
oriundos de vários segmentos religiosos e esotéricos, como a Cartomancia, por exemplo.
O município de Poções tem, atualmente, cerca de 23 terreiros de religiões de
matrizes africanas, sendo a maioria terreiros de Umbanda. Boa parte está localizada em
áreas rururbanas (GARCIA, 2005) que ficam entre a zona urbana e rural, geralmente onde
49
se localiza a população mais carente da cidade. Estas zonas são locais propícios para a
instalação destes terreiros, pois os mesmos exigem áreas geralmente territoriais grandes.
Estes terreiros cultuam, dentre outras entidades, orixás de origem africana, tais
como Exus e Pombagiras, Ogum dos mais variados tipos (como os Ogum de Ronda, Ogum
de Lei, Ogum Beira-mar, Ogum Marinho), Iansã, Iemanjá, Oxum, Xangô, Oxóssi, Omolu
(muito associado aos Pretos Velhos), os Ibejês (ligando a São Cosme e São Damião). Por
outro lado, são cultuados os Caboclos, com uma grande variedade de nomes e tipos
(Caboclos das Matas, Caboclos do Sertão, Caboclos das Pedreiras etc.). Outros tipos de
entidades espirituais são "os encantados", em geral marinheiros, marujos, navegadores e
pescadores, que, na maioria, têm suas histórias associadas a desencarnes nas águas
profundas do mar. São comandados e chefiados pelo "Mestre Martim", considerado como
grande catimbozeiro e que trabalha com as energias das águas do mar. Em algumas regiões
são conhecidos como baianos ou marujeiros. Estas entidades quase sempre se apresentam
bêbados, e têm em suas danças o balanço das ondas do mar. Suas cores são o branco e o
azul e, ritualmente, são vestidos de marujos, tendo no peixe o seu símbolo máximo,
comendo todos os tipos de frutos do mar, fumando, bebendo cerveja, cachaça e outros
tipos de bebidas.
Cada um destes terreiros tem suas especificidades e calendários próprios, rendendo
homenagem aos mais diversos tipos de entidades. Costumam ter suas festas, de certa
maneira, ligadas às da Igreja Católica, principalmente, na época da semana santa, época em
que quase todos os terreiros são fechados em respeito ao período sagrado católico,
reabrindo no sábado de aleluia.
Os primeiros terreiros de Umbanda que se tem notícias, no município de Poções,
segundo as fontes orais, datam da primeira metade do século XX.
Segundo entrevistas realizadas com pais e mães de santo e parentes destes,
sobretudo os mais antigos, é possível se ter uma noção histórica do período de início desses
cultos em Poções. Nas palavras de Mãe Bibiu de Ogum13:
Quando eu era menina e ia ao Açude, em cima do paredão do Açude tinha um homem que
rezava e passava banhos e tocava tambor, o nome dele era seu Fulô, ou Padrinho Fulô. Eu
tinha 07 anos de idade e hoje tenho mais de 40. Ele tinha muitos filhos-de-santo e até hoje
ainda existe muitos deles aqui em Poções. Só que não querem mais saber disso não.
13
O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
50
Ainda segundo esta entrevistada, outro Pai de Santo muito famoso que viveu por
aqui há mais ou menos 50 anos foi Pedro de Anália14:
Pedro de Anália viveu na Rua São José e ganhou muito Zimbre (dinheiro). Era muito bom
naquilo que fazia; tinha um Exu que tomava azeite de dendê fervendo, e nunca errava um
trabalho. Quando ele morreu, a casa do Exu pegou fogo com labaredas pretas saindo pelos
ares.
Outro fato interessante acerca da chegada da Umbanda em Poções, segundo
algumas entrevistas, foi o grande fluxo migratório, o chamado “vai e vem” de nordestinos
poçoenses para o Sudeste brasileiro, sobretudo para o eixo São Paulo e Rio de Janeiro, à
procura de trabalho e, consequentemente, de uma possível melhoria de vida. De acordo
com Sene (1998, p. 359), “com o processo de industrialização, a região Sudeste pôde se
tornar efetivamente o grande polo de atração de migrantes, que saíam de sua região de
origem em busca de emprego ou de melhores salários.”
Ainda sobre o tema em questão, Prandi (1991, p. 51) afirma que:
Os migrantes nordestinos que representam menos de 3% da população
paulista em 1940, chegarão a 10% nas décadas de 60 e 70 e a 13% em
1980. Dentre eles, os maiores contingentes são os baianos, seguidos dos
pernambucanos, desde 1940 até hoje, suplantados, conjuntamente, apenas
pelos mineiros. Em 1980, quando a região Metropolitana da Grande São
Paulo ultrapassa os 12 milhões de habitantes, nada menos de um milhão
são nordestinos chegados há menos de dez anos, sem contar os que aqui
residem por mais tempo.
As migrações pelo território brasileiro, assim como qualquer movimento
populacional, ocorreram por motivos que impelem a população a se deslocar pelo espaço
de forma permanente ou temporária. Ao longo da história, verificamos que esses
movimentos migratórios estão associados a fatores econômicos.
Foi, portanto, também graças a esses movimentos internos da população, com a
saída para o eixo Sul-Sudeste brasileiro e com o consequente retorno para Poções, que
muitos terreiros de Umbanda se instalaram, como atesta o seguinte depoimento de Dó de
Preto-Velho Nagô15:
14
15
O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
51
Fui para São Paulo com 20 anos e lá conheci minha primeira esposa, que era de lá, do
interior de Taubaté e meu sogro mexia com isso. Era espírita de mesa branca e atendia
todas as terças e quarta feiras. Acabei precisando frequentar para fazer alguns trabalhos e
por lá fiquei, até que um dia recebi meu primeiro guia que era um Preto-Velho Nagô.
Depois disso, não parei mais de receber entidades e tornei membro da casa de meu sogro.
Meu casamento não deu certo e vim embora para a Bahia, para a região do Capim de
Cheiro, aqui em Poções, e comecei a mexer com isso, e logo surgiram os primeiros
médiuns, e tudo se iniciou.
Ainda segundo o depoente:
Vim para a cidade (Poções), onde não pretendia mexer com nada disso, mas foi mais forte
do que eu [....], uma vizinha precisou dos meus préstimos e eu fiz o primeiro trabalho aqui
na cidade. A notícia se espalhou porque o trabalho deu certo, e começaram a me procurar
mais para outros e outros, foi quando montei meu centro aqui na rua. E várias pessoas me
procuraram e continuam a procurar até hoje, não cobro, dão o que podem e sempre voltam
para outros trabalhos e me dão mais. Sou feliz por Deus ter me dado esse dom de ajudar
aos que precisam. Quando eu cheguei para aqui, conheci um outro médium que também
veio de São Paulo, que trabalhava aqui em Poções, mas foi morar em Minas, hoje tá lá.
Percebemos que a migração para outras regiões do país, além de procurar melhoria
de vida, também contribuiu para a disseminação da Umbanda pelos mais recônditos
lugares do Brasil.
O senso do IBGE de 2000 mostrou que existem mais de 432 mil umbandistas
espalhados pelo território. Embora esse número não condiz com a realidade, pois a maioria
dos umbandistas se declara católico ou espírita. Segundo Linares (2008, p. 17), estudos
particulares das federações umbandistas estimam em 40 milhões o número de adeptos no
Brasil. Ainda segundo o autor:
A primeira tenda de Umbanda, Tenda Nossa Senhora da Piedade,
fundada pelo médium Zélio de Moraes e seu guia espiritual, o Caboclo
das Sete Encruzilhadas, foi a pedra fundamental para a criação de novas
tendas que rapidamente se espalharam pelo Brasil e outros países
(LINARES, 2008, p. 17).
Percebe-se que uma parte significativa da religião Umbandista em Poções foi
trazida pelo fluxo migratório dos Poçoenses em busca de melhores condições de vida em
outras cidades do Brasil, em especial, as do Sudeste. Essas casas primeiras se instalaram
52
por aqui e foram entrando em contato com outras formas de culto também ligado a
Umbanda como nos relata a Ialorixá Mãe Bibiu de Ogum16:
No início, eu tinha apenas alguns caboclos e com o tempo fui cultuando e recebendo outros
para compor o “meu navio”, hoje ele está completo. A minha Padilha foi assentada por
Mãe Bia, anos depois, quando eu já tinha mais de 20 anos de idade. Assim também foi com
o Caboclo Laje Grande e com meu Boiadeiro, que até então eu não os recebia.
Em depoimentos de pessoas locais ligadas à Umbanda, é perceptível a mistura com
outras formas de culto, agregando para si elementos vários:
Eu não mexia com esse negócio de jogo de cartas de baralho não; um dia, conheci uma
cartomante que me ensinou a arte de jogar, aí fui jogando, gostando e aprendendo e foi
dando certo, e comecei a jogar com mais credo. Um dia, enquanto jogava, recebi uma
Pombagira, que fez toda a leitura para mim. O nome de ela é Iaba (Depoente X17).
Percebe-se, mais uma vez, que a Umbanda consegue ser dinâmica ao passo que
outros métodos vão se corporificando ao seu culto, e tornando mais completa, como afirma
mais um depoimento: “Acho a Umbanda completa, pois dá vez a todas as entidades, não
fazemos distinção nenhuma, desde que chegue, será bem-vindo ao terreiro.” (Bibiu de
Ogum18).
É deste emaranhado de situações sociais, econômicas e políticas que a Umbanda
chega à cidade de Poções, por volta dos anos 30 do século passado, e se estende por todas
as décadas seguintes, cada vez mais prosperando e aderindo a novas situações advindas de
outras culturas, sejam elas locais ou vindas de outras regiões do Brasil.
Um dos pontos centrais de análise deste trabalho é como as casas de Umbanda da
cidade de Poções fazem uso das plantas em seus rituais, tomando como base o Terreiro de
Umbanda Caboclo Boiadeiro, localizado na Fazenda Buraco do Boi.
16
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O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
53
CAPÍTULO II
O USO DAS PLANTAS SAGRADAS NAS RELIGIÕES AFROBRASILEIRAS
O homem, ao longo da sua trajetória na superfície terrestre, sempre esteve
intimamente ligado ao Planeta Terra e deste depende, essencialmente, para a sua
sobrevivência, seja para fixar residência ou construir sua própria moradia, quando este
deixou de ser nômade, seja para as práticas agrícolas voltadas a produzir seu próprio
alimento ou para vender o excedente da produção, seja para a exploração dos seus mais
diversos recursos naturais e deles se beneficiar. Essa interdependência acentuou-se ao
longo das diversas fases da história da sociedade humana. A transição do feudalismo para
o capitalismo, modelo econômico que se tornou hegemônico no mundo a partir do século
XVI, deu-se de forma bastante desigual, tanto no tempo quanto no espaço, apresentando,
ao longo da sua trajetória, grande dinamismo (SENE, 2000). Para uma sistematização do
estudo sobre o capitalismo, pode-se dividir seu processo de instalação tomando-se suas
características, compreendendo, entretanto, a interconexão de continuados acontecimentos
sócio-históricos.
2.1 O processo de desenvolvimento do capitalismo
O capitalismo é o sistema econômico que mais modelou o espaço geográfico. Sene
(2000), tendo, em seu percurso de desenvolvimento, três etapas evolutivas, iniciando pelo
Capitalismo Comercial, o Mercantilismo, período marcado pela expansão marítima das
potências da Europa Ocidental, que buscavam a conquista dos mares e de novas terras,
gerando consequências como a escravização e o genocídio de milhões de nativos da
América e da África, culminando num grande acúmulo de capitais (principalmente por
Portugal e Espanha), sendo, então, a riqueza e o poder de uma nação medidas pela
quantidade de metais preciosos que ela acumulasse.
A segunda fase do capitalismo, na visão deste autor, foi marcada por grandes
transformações econômicas, sociais, políticas e culturais, estabelecidas a partir do advento
da Revolução Industrial, havendo uma profunda modificação nos modos de produção
econômica e uma imensa ampliação da capacidade humana de transformação da natureza,
54
tornando acessível aos consumidores uma quantidade cada vez maior de produtos, o que
multiplicava os lucros dos produtores, centrando-se, fundamentalmente, da produção de
mercadorias.
Na visão de Sene (2000), a terceira fase é o chamado Capitalismo Financeiro,
resultado da concentração e centralização de capitais resultantes do crescimento acelerado
da economia capitalista, período em que se acentuou a internacionalização dos capitais e a
mundialização da economia, com a Globalização e a era da comunicação, sendo
considerado como o período de gestação das profundas transformações econômicas pelos
quais o mundo passou e passa na atualidade.
Dessas três fases que o sistema capitalista enfrentou, algumas consequências são
nitidamente perceptíveis na nossa atual sociedade. E umas das que mais se discute nas
últimas décadas é, sem dúvida, a degradação ambiental em larga escala, a destruição dos
recursos naturais e seus efeitos para a humanidade. Hoje, o homem procura resolver o que
ele não resolveu desde o início do processo capitalista, quando se acreditava que os
recursos naturais eram infindáveis, gerando, assim, impactos ambientais nos diversos
ecossistemas, agravados, crescentemente, ao longo da história, pelo aumento contínuo da
capacidade de transformação da natureza, modificando continuamente o espaço
geográfico, estabelecendo nova configuração territorial e trazendo consequências danosas à
natureza e ao próprio homem.
Essas consequências são visivelmente perceptíveis no dia-a-dia do ser humano, por
meio dos impactos ambientais, entendendo-se por impacto o desequilíbrio provocado por
um choque, um “trauma”, resultante da ação do homem sobre o meio ambiente. Para Sene
(2000), estes podem ser em escala local, regional e global, porém, os danos são sempre
drásticos ao ser humano. Tomemos, por exemplo, a devastação de florestas por meio de
queimadas, emissão de gás carbônico etc. Como consequência disso tudo temos destruição
da biodiversidade, genocídio e etnocídio das nações indígenas, erosão e empobrecimento
do solo, redução dos índices pluviométricos, elevadas temperaturas, desertificação e
proliferação de pragas e doenças.
Todos esses drásticos problemas causados ao meio ambiente pela ação antrópica
leva-nos a uma pergunta intrigante: até que ponto o homem se arrisca na busca desenfreada
pelo poder econômico? Qual é o seu limite? A destruição do meio ambiente parece não ter
fim. Porém, quando olhamos para o meio ambiente com outro olhar, que não apenas o
55
olhar do capitalismo selvagem, onde a este interessa apenas o lucro e nada mais, e sim um
olhar de pertencimento ao meio, em que o homem é parte integrante deste sistema, a
configuração é outra. Tomemos como exemplo as comunidades tradicionais de religiões de
matrizes africanas, onde estas dependem essencialmente da natureza para a sua existência.
2.2 Comunidades religiosas de matrizes africanas e meio ambiente
Certas comunidades religiosas locais têm com o meio ambiente uma relação de
profunda intimidade, pois depende do mesmo para a sua manutenção e sobrevivência. As
religiões de matrizes africanas possuem um olhar diferenciado acerca do meio ambiente,
pois, como dito anteriormente, é do meio ambiente que emana a força da sua existência,
seu axé, e é nas folhas que essa relação é claramente percebida, no contato do homem com
sua religião e com o meio ambiente, essa relação tríade se faz presente o tempo todo.
Segundo Serra et al. (2002, p. 17)
As folhas são de longe, as partes dos vegetais mais empregadas no
candomblé, em ritos diversos e, particularmente, em operações de cura,
em terapias. Mas convém notar que folha é também um termo genérico
no dialeto dos terreiros: mesmo raízes, sementes e cascas de troncos (e
até plantas como um todo) podem ser chamadas coletivamente de folhas,
sempre que esses itens vegetais têm um emprego litúrgico ou terapêutico
que se distingue bem do uso alimentar, em ritos diversos. Ainda que
algumas folhas possam ser ingeridas sob a forma de poção, dá-se que elas
não são pensadas, nessas circunstâncias, como nutrientes, mas como
“remédios” ou “encantos”. Idealmente, esses itens são obtidos através de
uma coleta especialmente feita, em condições que a liturgia prescreve.
No repertório dos terreiros, certas folhas são descritas como dotadas de “valor
espiritual” — e, portanto, de capacidade curativa — ainda que não sejam “medicinais”. Ou
seja, há uma diferença entre folhas de valor puramente espiritual e folhas de teor
medicinal, ou as duas conjuntamente. Nos terreiros é comum perceber esta separação do
espiritual e do medicinal ou ambas concomitantemente. Serra et al. (2002, p. 09, grifo
nosso) nos diz a respeito que:
Os remédios “de farmácia” são reconhecidos eficazes [...] em muitos
casos. Ao comentá-lo, os adeptos da religião dos orixás lembram que, na
maioria, esses remédios derivam de folhas, de vegetais... Mas ponderam
sempre que as drogas “receitadas pelos médicos” não têm eficácia
quando o “espiritual” está envolvido. Este é um dos motivos pelos quais,
no candomblé, um tratamento sempre deve ser precedido de uma consulta
ao Ifá, um jogo de búzios. O “olhador” poderá concluir que o tratamento
56
deve ser feito no terreiro; mas também poderá dizer que “o caso é de
médico” e transferir a um clínico o cuidado do paciente. É possível ainda
que aconselhe um duplo tratamento, a ser feito de modo concomitante.
Conforme o caso, talvez recomende que antes de ir ao médico o sujeito
aflito “se prepare” no terreiro — com um banho de folhas, por exemplo.
Neste caso, a preparação se destina a propiciar a boa sorte, a garantir que
o recurso ao clínico seja coroado de êxito.
Existem folhas que têm valor simbólico, religioso apenas, usadas apenas para o
benzimento, que pode ser feito tanto por uma entidade encarnada em um adepto ou pela
própria pessoa. Enquanto outras ervas ou folhas são usadas no preparo de chás, garrafadas,
xaropes etc., esses tipos de folhas têm valor mais medicinal, com seus resultados
comprovados pelos usuários deste tipo de tratamento. É comum também encontrarmos
plantas que exerçam as duas funções, religiosa e medicinal.
Dentro da cosmovisão dos grupos religiosos de origem afro-brasileira, o
conhecimento dos vegetais é fator preponderante nas relações destes com o mundo que o
cerca. É por meio deste relacionamento intrínseco que o homem chega a uma forma de
conhecer, organizar, classificar e experimentar, integrando o mundo natural ou social
dentro de uma lógica particular.
Segundo Barros (2009), estas comunidades tradicionais procuram sempre uma
convivência harmônica com a natureza, pois é dela que vem os segredos da existência da
própria religião. Essa relação homem / vegetal é sempre sedimentada através do
conhecimento empírico secular, onde aquele, plenamente familiarizado com a flora do seu
entorno, busca soluções para os mais diversos problemas surgidos no âmbito de suas
comunidades.
2.3 Plantas sagradas brasileiras e sua relação com o continente africano
Muitas das plantas usadas nos candomblés em solo brasileiro são também usadas
em África, ou seja, há uma grande quantidade de folhas idênticas nos dois lados do
Atlântico (LUHNING, 2006), idênticas no que se refere à sua classificação científica e,
além disso, trazem o mesmo nome iorubá. Ou seja, segundo a autora, existem
classificações diferentes, porém, compatíveis para a mesma planta.
A cultura africana tinha e até hoje tem um conhecimento muito profundo acerca da
utilização medicinal e ritual das mais diversas folhas nas mais diversas situações, que se
manifesta por meio do ofô (encantamento, frases e versos que auxiliam na memorização e
57
uso das ervas nos mais diversos rituais ou no uso medicinal). Verger (1974) nos afirma que
os africanos possuíam e ainda possuem um modo próprio de classificação das folhas
utilizadas por eles; classificação esta baseada em suas características e qualidades:
superfície da folha, se a folha fecha durante a noite, se a planta possui sementes que
grudam nas vestimentas ou nas pessoas, cheiro típico, sabor característico, se solta tinta
etc. Porém, vale uma ressalva, que este sistema adotado pela cultura africana é diferente do
sistema de classificação criado pelo sueco Linneu em 1735, chamado de Systema naturae,
que é usado pela botânica oficial até hoje para classificar as folhas cientificamente. Foi este
sistema usado para classificar a flora africana.
Foi com base no conhecimento prático e vivido do sistema tradicional africano,
que, aqui no Brasil, os escravos iorubanos fizeram o reconhecimento e a identificação das
plantas usadas nos candomblés brasileiros e, em especial, dentro do contexto baiano.
Segundo Ângela Luhning (2006), é provável que mais tarde, após a fase de
reconhecimento e identificação das plantas brasileiras pelos escravos aqui transplantados,
tenha começado um movimento de intercâmbio entre Brasil e África no que se refere à
troca de informações sobre as plantas comuns por aqui e as nativas daquele continente.
Esse intercâmbio teria sido feito por escravos libertos e os não libertos que mantiveram
significativos contatos com a terra mãe, no caso a África. Esse contato se deu também no
que se refere à busca de notícias de parentes e seu bem-estar. Este contato pode ter
ocorrido através de escravos marinheiros que são mencionados em diversos documentos
(VERGER, 1987) ou por meio de escravos libertos que voltaram à África. Conjuntamente
com processo de troca, várias sementes e até mudas de plantas devem ter ido e vindo de
um continente para outro.
Independentemente do intercâmbio Brasil-África, o conhecimento das folhas e o
seu uso se dá em várias partes do mundo e, em especial, aqui em nosso país, fazendo parte
da sabedoria popular, segundo Luhning (2006). A forma como este conhecimento
tradicional foi e é abordado pela sociedade variou bastante durante os tempos, levando a
uma divisão de opiniões no seio da sociedade. Esta polêmica divisão de opiniões deve-se
ao fato de este conhecimento pertencer à população mais pobre, negra e de origem cabocla
e por seus conhecimentos serem transmitidos oralmente há gerações.
Além deste, há outro aspecto que merece a atenção, que é o fato de existir o uso
ritual das folhas pelos terreiros de candomblés, o que acabava sendo mal visto pela
58
sociedade dita “branca” europeizada. Fato este que ainda prevalece até os nossos dias:
Propagara-se o progresso e os tempos modernos que se orientariam nas
inovações vindas da Europa e dos Estados Unidos, querendo esquecer
tudo que existia de tradição popular, descrevendo-a como uma
pseudocultura de analfabetos (LUHNING, 1996, p. 96).
Porém, cabe-nos uma análise, apesar de negar o poder do uso, seja medicinal ou
religioso das folhas, parece que é justamente o contrário, sabe-se muito bem da eficiência
destas. A sabedoria popular representa um tipo de conhecimento ainda não classificado,
nem sempre verificado pela ciência, esta considerada como sinônimo de erudição; e na
nossa sociedade, a ideia que se tem de conhecimento erudito é justamente a de que ele seja
o melhor e deve sobrepor a todo e qualquer tipo de conhecimento que a sociedade venha a
ter, ou seja, há uma briga entre o conhecimento empírico não-oficial e o erudito oficial
(LUHNING, 2006). Em nossa cultura, há uma tendência muito grande em subestimar o
conhecimento popular e supervalorizar o conhecimento da cultura ocidental. Vale ressaltar
que o conhecimento erudito é apenas um aspecto do conhecimento. Cabe uma ressalva,
pois muitos conhecimentos eruditos têm sua fundamentação no conhecimento tradicional
oral, embora constantemente se negue essa afirmação. Em muitos países europeus os
conhecimentos tradicionais ligados às folhas praticamente desapareceram devido a forte
imposição da religião cristã, desacreditando os conhecimentos tradicionais populares e
exterminando as velhas religiões chamadas pagãs (BACELAR, 2006). Percebe-se, com
isso uma superdesvalorização da cultura popular e uma supervalorização da cultura erudita
e letrada que parcialmente absorveu estes conhecimentos ditos populares, incluindo-os nos
estudos da medicina clássica.
O mesmo movimento pode ser percebido em nosso país, mesmo que em escala
menor, onde, na verdade, certos conhecimentos da cultura popular nunca foram tão
reprimidos e esquecidos como em países europeus, apesar de haver toda uma campanha
para tentar aboli-lo. Embora, nas últimas décadas, vem-se percebendo toda uma tendência
por parte de alguns segmentos da sociedade em resgatar e recuperar esse legado cultural
brasileiro. Estão inclusos neste segmento social pessoas da classe média que ora por
questão de convicção, ora por moda, aderiram a este movimento mudando, assim, seus
hábitos de alimentação ou de tratamento médico ou espiritual e crendo na natureza como a
59
fonte de saúde para suas vidas e defendendo uma forma de vida em que o homem esteja
mais próximo da natureza e em harmonia com esta.
Como mais uma vez nos afirma Bacelar (2006, p. 35)
Vemos o futuro do conhecimento popular das folhas justamente na
possibilidade de criar uma simbiose natural e eficaz entre os dois lados do
conhecimento: o do tradicional que nunca foi sistematizado e o do
conhecimento científico muitas vezes se distanciou demais das
necessidades reais, uma simbiose a partir da qual um lado pode servir o
outro.
O que o autor propõe é que um conhecimento possa auxiliar o outro, acrescentando
informações, experiências e dados a fim de se formar uma medicina menos alopática. O
que se espera, em nosso país, é que o conhecimento oral acerca do uso das ervas oriundo
da sabedoria popular seja aproveitado para criar uma medicina renovada, mais humana que
baseie num convívio mais respeitoso para com a natureza. Vale ressaltar que, em muitas
comunidades tradicionais, o conhecimento e o uso das folhas sempre fizeram parte da vida
de seus membros, como é o caso em estudo, das religiões de matrizes africanas que sempre
preservaram o conhecimento sobre as folhas, pois as mesmas representam a base
fundamental do culto.
2.4 O uso das folhas sagradas e sua fundamentação religiosa nos terreiros de
Umbanda da cidade de Poções – Bahia
Basta uma breve observação acerca da formação da população brasileira para
percebermos uma variabilidade enorme de tipos diferentes nos seus mais diversos aspectos,
diferenças essas que vão do andar ao jeito de falar, do sotaque à cor da pele, traços
peculiares que se estabelecem, tanto do ponto de vista étnico-racial quanto do cultural, bem
como da sua miscigenação, como uma das características associadas ao Brasil.
Toda essa diversidade deve-se ao fato de termos em nossa matriz étnica formações
peculiares que se originam a partir de elementos étnicos distintos. Inicialmente, os
elementos autóctones foram os indígenas nativos19. Em seguida, os colonizadores europeus
que chegaram aqui a partir dos anos de 1500 e se instalaram como um elemento
19
Não há consenso entre os demógrafos sobre o número de indígenas que ocupavam o atual
território brasileiro antes da chegada dos portugueses: as estimativas vão de 1 a 6,8 milhões de
nativos segundo os dados do IBGE (2001).
60
estranho ao indígena e resultaram tomando posse de tudo o que passou depois a se chamar
Brasil. Vale ressaltar que esse grupo trouxe consigo formas de dominação que alcançaram
os mais diversos aspectos, do lingüístico - com a imposição da língua portuguesa - aos
culturais, impondo seus costumes religiosos baseados no cristianismo, desprezando todas
as formas de religião que aqui existiam: o processo catequético imposto aos indígenas
acompanhou a implantação de um novo modelo de sociedade, que foi a sociedade
mercantil - e posteriormente capitalista -, com seus costumes e formas de exploração. E,
por fim, o elemento negro, trazido da África como escravo para trabalhar na lavoura de
cana-de-açúcar e outras tantas funções que a eles eram impostas.
Os africanos trouxeram consigo toda uma gama de informações culturais, como
línguas, religiões, costumes, práticas culinárias, tecnologias, conhecimentos e uma série de
informações que foram tanto incorporadas
quanto desprezadas
pelos brancos
colonizadores, representadas recorrentemente como algo menor, com conotação de
atrasado, arcaico, primitivo. Apesar do preconceito impresso sobre estas culturas, ressaltase que se pode compreender “primitivo” a partir de significados não depreciativos,
pertinentes quando aplicados a elas: “aquilo que vem em primeiro lugar, a origem de tudo”
(QUERINO, 2006, p. 46). Preconceito semelhante ainda incide, contemporaneamente,
sobre os nordestinos e, em particular, sobre os baianos, em estigmas que os associam ao
atraso e ao arcaísmo. Para Guimarães (2002, p.11), os nordestinos.
Passaram a ser associados ao atraso, ao arcaico, ao avesso do trabalho
livre e voluntarioso. Esta forma de estigmatizar os outros pelo que a ele
atribuímos de antimoderno e não-europeu parece ser uma constante no
nosso modo de ser, alimentando os estigmas que cultivamos também em
relação a outros grupos étnicos, sociais e nacionais.
Mesmo com todos os preconceitos enfrentados, os negros conseguiram, como diz
Muniz Sodré (1942), “reimplantar aqui - de modo mais extenso e com maior alcance
estrutural na Bahia – os elementos básicos de sua organização simbólica de origem”.
As culturas africanas em nosso país foram renegadas à categoria de culturas
diferentes, menores ou inferiores à cultura ocidentalizada, judaico-cristã, e isso não
aconteceu apenas quando os negros aqui chegaram, pois, até antes disso, em seu próprio
continente eles já eram vítimas de retaliações, devido aos processos que já existiam, por lá,
de colonização e domínio europeu. Muniz Sodré (1942) fala das grandes mudanças
ocorridas na África em função das reorganizações territoriais e das transformações
61
civilizatórias relacionadas também às substituições de antigos reinos e impérios por novos
dispositivos políticos de natureza estatal, precipitadas pelas estruturas de tráfico dos
escravos montadas pelos povos europeus.
Nas Américas e, em especial, em nosso país, os grupos de origem africana
enfrentaram as novas estruturas sociais e suas mudanças fortes e marcantes, decorrentes da
imposição do modelo de sociedade mercantil e judaico-cristã baseada no trabalho escravo,
extremamente contundente e cruel. Frente aos processos de dominação enfrentados, os
negros passaram a praticar clandestinamente os seus ritos, para manter os cultos aos seus
deuses e retomar, assim, a linha do relacionamento comunitário e das suas práticas
culturais e religiosas de suas terras de origem. Por outro lado, novas configurações
começaram a acontecer a partir das realidades locais e dos contextos específicos em que
passaram a viver, constituindo um jogo com as ambiguidades do sistema colonial imposto.
Para Sodré (1942, p. 82), “a cultura negro-brasileira emergia tanto de formas originárias
quanto dos vazios suscitados pelos limites da ordem ideológica vigente”.
A religião dos orixás e suas diversas formas de culto fazem parte
evidentemente da cultura de um grupo ou de grupos. [...] Isso implica,
antes de mais nada, considerar a especificidade da cultura oriunda do
meio social inclusivo que contém os aspectos religiosos.
A tradição religiosa como elemento organizador dessa comunidade sofre
influências das mais variadas experiências vividas pelos membros desse
núcleo religioso, visto que cada um traz sua própria identidade cultural,
adquirida ou imposta pelo seu núcleo de origem (VALLADO, 2006, p.
141).
A partir da década de 1970, as práticas das culturas negras - em especial as
religiosas - começam a sair da “clandestinidade”, entendendo-se esse “sair” como algo
embrionário, inicial, como uma mudança na representação. Paulatinamente, foram
passando a ser consideradas e vistas em suas particularidades culturais, sobretudo na
Bahia, com seu grande contingente populacional afro-descendente. Vários fatores de
ordem sócio-histórica contribuíram para que esse rompimento pudesse eclodir e Muniz
Sodré, em sua obra “A Verdade Seduzida”, apresenta a seguinte síntese destes fatores:
- 1830 - Abolição do tráfico negreiro, o que permitiu aos negros um olhar
sobre a sua real situação de marginalizados.
- As revoltas que ultrapassaram as fugas individuais ou coletivas, sendo
que essas ocorreram num momento político em transformação de uma
fase colonial para uma visível independência.
62
embora sofrendo todas as formas de repressão, tanto de ordem policial,
onde eram comum as invasões e prisões dos seus adeptos por estarem
praticando magia-negra e subvertendo a ordem social que era vista como
a religião que praticava o mal, e adorava o diabo nas suas mais diversas
formas. Pois, diferia do proposto pelo cristianismo ocidentalizado e
enraizado em terras brasileiras (SODRÉ, 1942, p. 100).
A partir dessa realidade brasileira surge um novo fenômeno religioso com suas
raízes fundadas nas culturas africanas, europeias e indígenas: a Umbanda.
O nascimento da religião umbandista coincide justamente com a
consolidação de uma sociedade urbano-industrial e de classes. A um
movimento de transformação social correspondente um movimento de
mudança cultural, isto é, as crenças e práticas afro-brasileiras se
modificam tomando um novo significado dentro do conjunto da
sociedade global brasileira (ORTIZ, 1991, p. 15).
Na Umbanda, todos são bem vindos, todos os elementos são respeitados e
cultuados, conseguindo-se agregar sem preconceitos as mais diferentes formas de cultos às
mais diversas entidades. Talvez seja por isso que a Umbanda tenha crescido tanto em
nosso país, tendo ganhado um número incrivelmente grande de adeptos, desde o seu
surgimento ate hoje. Sua expansão foi muito rápida, ao contrário de outras religiões afrobrasileiras, como o Candomblé, que ficou mais atrelado às tradições africanas. A
Umbanda, de certa forma, abre suas portas às novas realidades sociais e econômicas do
Brasil e, segundo Linares (2008, p. 47) “ela conta hoje com mais de 40 milhões de adeptos
só no Brasil”.
Diversos fatores contribuíram para o rápido crescimento da Umbanda em nosso
país. Para Berkenbrock (1997, p. 152), alguns destes fatores se referem a:
oferta na área curativa e caritativa; a forma simples do culto; sua
adaptação às condições do público; a forma de organização das
comunidades; a possibilidade de participar diretamente de experiências
religiosas.
A religião da Umbanda, com suas misturas de elementos diversos, chegou ao
município de Poções por volta da década de 1940, acoplando em si diversos elementos
religiosos existentes no local. Da Igreja Católica, incorporou os santos com suas datas e
festas comemorativas; da religião indígena, o culto aos caboclos; da presença negra na
região do município, congregou o culto aos Orixás e aos Pretos-Velhos, com suas
63
associações aos santos católicos. Além, é claro, de outros elementos oriundos de vários
segmentos religiosos e práticas divinatórias, como a Cartomancia, por exemplo.
No que tange ao uso de plantas, de acordo com informações prévias da pesquisa
realizada localmente, a Umbanda poçoense faz uso constante das ervas em seus rituais, de
maneira fundamental aos rituais, o que demonstra que, para os adeptos desta religião, é
imprescindível o uso de plantas dentro de seus terreiros. Segundo Oliveira et al. (2007, p.
81).
A sacralização da natureza é um aspecto fundante do candomblé. As
plantas, como outros fenômenos e objetos da natureza, são consideradas
sagradas e possuem um papel fundamental na estrutura litúrgica do culto:
desde os banhos de ervas nos rituais de iniciação, o batismo dos
tambores, a lavagem de contas, a oferenda de alimentos, até os banhos de
purificação e os remédios vegetais prescritos pelos sacerdotes.
As folhas ou ervas, como são chamadas as plantas utilizadas nos terreiros, devem
ser coletadas seguindo-se rituais complexos, sem o que perdem sua razão de ser e o seu axé
(poder). A própria definição dos tipos de folhas a serem utilizados pressupõe ritos e
procedimentos religiosos.
Antes de colhê-las, para que se possa saber qual ou quais serão as folhas que devem
vir a ser usadas em cada procedimento ou nos rituais determinados, é preciso consultar-se
os encantados (entidades espirituais da Umbanda), seja quando estes estão incorporados
nos filhos da casa ou no pai de santo (ocasião em que podem conversar diretamente com as
pessoas) ou então por meio de consulta intermediada pelo pai-de-santo (ou pela mãe-desanto, conforme o terreiro) utilizando-se o jogo de búzios.
Antes de se fazer a coleta das folhas, é preciso pedir licença a Ossaim, Orixá que é
considerado, no Candomblé, como o senhor das folhas, ou seja, o Orixá dono das ervas.
O segredo do poder das folhas é transmitido de geração a geração, seguindo os
mesmos princípios utilizados nos terreiros, o da oralidade. De pai para filho, de tio para
sobrinho... - em relações de parentesco que não são apenas consangüíneo ou familiar no
sentido formal da palavra, mas que também se referem aos parentescos rituais, pois os
terreiros se organizam a partir de famílias de santo -, sempre tentando salvaguardar o valor
do segredo das ervas e suas aplicabilidades dentro das casas.
Segundo Barros (2009), o uso de certo ou determinado tipo de planta dentro de um
terreiro varia de acordo com cada casa, havendo determinadas casas que fazem uso de
64
certas folhas para determinadas finalidades e, em outras casas, estas mesmas plantas são
categorizadas de outras maneiras, podendo ser, por exemplo, consideradas como
pertencentes a outros Orixás, ou então tidas como adequadas para curarem outros tipos de
males ou de doenças, sejam elas espirituais ou físicas. Porém, vale ressaltar que todas as
casas utilizam, em seus rituais, determinados tipos de plantas. Para Oliveira et al. (2007, p.
82; 95)
A utilização de plantas, nestas comunidades, pode ter finalidade mágicoencantada, finalidade de prevenção ou tratamento da saúde, ou ambas a
um só tempo, sem distinções rígidas entre males ou benefícios a que se
atribuem causas físicas ou simbólicas e sem separação clara entre corpo e
espírito.
As prescrições e receitas, os banhos medicinais ou garrafadas, feitos sob
orientação dos caboclos, são usados com confiança pela população, pois
se acredita que eles conhecem profundamente os segredos e as ciências
das matas e da natureza brasileira.
Com isso, pode-se perceber o quanto a natureza se faz presente dento dos terreiros
de Umbanda. Pierre Verger (2005) afirma que as folhas formam uma grande força na
farmacopeia africana. Compreender a história, a importância e o culto que envolve essas
ervas nas casas umbandistas é compreender um pouco da história de cada um dos seus
adeptos e não reduzi-las a meras superstições.
A presença do vegetal, para o afro-brasileiro, está ligada à manutenção do axé. O
axé representa a força vital que move e renova esse povo que tem toda a sua religiosidade
calcada nas substâncias extraídas das folhas. Para Santos (1998), este comportamento
ambiental foi importante porque as religiões de matriz africana têm a natureza como
elemento de comunicação com o sagrado, mediação entre o Ayiê e o Orum (as duas
instâncias do mundo; a primeira, o mundo dos vivos e a segunda, o mundo dos orixás, dos
antepassados e dos espíritos). É, portando, por meio também das folhas sagradas que é
feita a comunicação dos homens com as divindades.
Para o “povo-de-santo”, os orixás estão intimamente relacionados com os
elementos da natureza, existindo orixás das águas, da terra, do vento e das folhas, ou seja,
há uma relação direta entre todos os elementos da natureza e os deuses africanos, os
encantados etc. Há uma constante relação de intimidade entre a religião e a natureza e sem
a mesma não há continuidade da vida religiosa, espiritual.
65
É conhecida a importância dos vegetais nos rituais afro-brasileiros devido também
aos efeitos que estes causam àqueles que deles se utilizam como também devido ao valor
simbólico dos mesmos no contexto geral das religiões de influência africana. Tal aspecto
pode ser verificado no depoimento da Ialorixá Mãe Bibiu de Ogum20 do Terreiro Oca de
Sultão das Matas, localizado no município de Poções Bahia:
Uso ervas para tudo que faço, defumo pessoas sãs e também doentes; no momento das
obrigações, meu caboclo – Sultão das Matas - ensina vários remédios feitos com folhas,
cascas de pau. Quando vou na casa de alguém a pedido fazer qualquer trabalho, primeiro
eu faço um bate folha na casa toda e depois na pessoa do trabalho. O nome das folhas é
segredo, só o caboclo é quem diz quais usar.
Portanto, percebe-se que, para esta Ialorixá, as plantas adquirem fundamental
importância na sua cultura religiosa e na medicina popular por suas propriedades
terapêuticas e também por suas virtudes simbólicas. Percebe-se também, neste depoimento,
a centralidade da figura do caboclo, entidade espiritual de grande importância nas casas de
Umbanda, que utiliza constantemente as folhas em suas ações ou em seus rituais.
Nas incorporações destes caboclos nos médiuns dos diversos centros
religiosos em que aparecem, eles conversam com desenvoltura com os
fiéis-pacientes, fumam charutos, ingerem bebidas alcoólicas, dando
sempre ênfase à cura dos males do corpo, seja utilizando gestos rituais
simbólicos, cantos gritos de saudação ou folhas, raízes, cipó, sementes e
outros elementos da biodiversidade local, de que é profundo conhecedor
(OLIVEIRA et al., 2007, p. 96).
Logo, percebe-se o grau de intimidade entre os encantados, seus pacientes ou
consulentes e a flora botânica local ao passar receituários em que os ingredientes estão à
disposição dos fiéis nas matas, nas ervas, nas cascas, nos frutos etc.
Os adeptos das religiões afro-brasileiras não usam as plantas somente para extrair
delas remédios, óleos ou banhos. Usa-se também os diversos elementos da natureza como
símbolos dos Orixás, sendo muito comum nos terreiros o plantio e o cultivo de árvores
sagradas, para serem dedicadas a determinados deuses, como nos atesta este depoimento
do Babalorixá Adonias de Nagô21 do Terreiro Preto Velho Nagô, Poções:
20
21
O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
66
Na minha casa tenho alguns pés de pau que são sagrados: Aroeira que é de Xangô e Oiá,
Acocô que é de Ogum, Balainho-de-velho que é de Preto Velho, Cansanção que é de Exu,
Alfazema que é de Oxum [...]
Independente do tamanho e da importância do terreiro, todos têm uma ligação com
a natureza e plena consciência da importância da mesma para a preservação da sua
ancestralidade. Usam as matas para fazer suas oferendas, agradar seus deuses, pois,
segundo esta concepção religiosa, não é possível reverenciar os “santos” sem as matas.
Pode-se observar que tanto para grande parte dos descendentes dos iorubás (grupos étnicos
originários da Costa da Mina, atual Nigéria), como para muitos membros de terreiros de
Umbanda que compõem estas comunidades estudadas aqui, o universo dos deuses e o
universo dos homens não são ou não estão distantes um do outro, pois, apesar de
diferentes, são universos relacionados.
Os mitos e os ritos da religião possibilitam que as forças existentes na natureza
(naturais ou “sobrenaturais”) manifestem-se tanto nos iniciados como em lugares
específicos que estão diretamente vinculados a valores, a objetos e a outras representações
simbólicas que relembram os feitos dos orixás ou os mitos a eles associados. Para estes
grupos culturais, a natureza ocupa um espaço de totalidade. Não existe uma fragmentação
entre a natureza e o modo de vida do grupo, em relações complexas que incluem tanto os
aspectos efetivamente reais quanto também elementos invisíveis (sagrados ou
transcendentais) que compõem a existência. Pode-se afirmar que os ancestrais, os
encantados, os santos, os orixás, os vários deuses, os fenômenos naturais, os animais, as
plantas, as rochas e os minerais podem fazer parte articuladamente ou compor o mesmo
sistema representativo das pessoas vinculadas a estas comunidades religiosas.
Outras expressões da estreita relação entre a natureza e a religião podem ser
percebidas nos cânticos e nas rezas de invocação aos Orixás e às entidades que compõem o
panteão da Umbanda, que são entoados nos terreiros durante os rituais. Evidenciando a
relação dos seres sagrados com a natureza sacralizada, esses cânticos retratam feitos dos
deuses, suas passagens aqui na Terra, suas histórias míticas, seus feitos notáveis,
associando tais narrativas a elementos da natureza, demonstrando que nada está solto ou
desconexo, ao contrário, tudo expressa as diversas conexões existentes entre o mundo dos
encantados e o mundo dos homens.
67
Cada Orixá possui seus cânticos específicos e, em cada momento dos rituais, estes
cânticos são acionados de maneira específica, sendo também parte integrante dos cultos e,
em cada cântico ou reza, são invocados os poderes dos encantados, vinculando e acionando
estas forças simbólicas às características particulares e à relação com os elementos da
natureza. Vejamos alguns de domínio público observados nos terreiros da Umbanda de
Poções:
- Quando o tambor bateu lá nas matas se escuta eh! Caboclo, caboclo da mata bruta
(cântico para chamada de caboclos)
- Ainda tem caboclo debaixo da samambaia (cântico para chamada de caboclos)
- Ê índio novo sai da sua aldeia e vem brincar mais eu (cântico do caboclo Guarani)
- Adeus, adeus meu pavão dourado. Adeus, que eu já vou-me embora, eu moro lá naquela
serra aonde mora o caboclo Guarani (despedida de caboclo)
Conforme apontado, anteriormente, os cânticos e as rezas evidenciam a simbiose
entre natureza e as entidades, assim como rememoram seus feitos, que são expressos sob as
diversas formas de dança e dos gestos rituais, seguidos e movidos pelo som dos atabaques.
Cabe ressaltar que, nos rituais, quando as entidades estão manifestadas nos
iniciados, estão, de certa maneira, estabelecendo os limites de seus poderes, trazendo para
a comunidade todo o seu axé e o seu poder de integração. Essa é uma forma de atualizar os
mitos de origem dos encantados por meio dos sistemas rituais, tornando presente e resignificando os elementos simbólicos e transcendentais que estão vinculados ao equilíbrio
das forças da natureza, o que exprime a necessidade de se viver num mundo organizado.
A organização espacial dos terreiros obedece a uma distribuição que está
diretamente ligada às características próprias de cada Orixá. Eles estão divididos
basicamente em dois espaços: espaço do “mato” e espaço “urbano”, coincidindo com as
descrições feitas por Santos (2008) sobre terreiros de candomblé. O primeiro destes
espaços consiste em uma área verde com árvores e, às vezes, com algumas fontes de água,
em homenagem aos orixás das águas. É a natureza mítica do sistema religioso que reporta
cada elemento da natureza ao universo dos Orixás, onde estão os seus assentamentos,
locais sagrados de uso ritual. O segundo espaço caracteriza-se pela área edificada,
correspondente a todo tipo de construção do terreiro sendo também, em geral, a área em se
encontra o barracão das festas, as áreas dos rituais frequentados também por visitantes ou
frequentadores ocasionais, o que poderia ser considerada como uma área mais pública.
68
Faz-se necessária a área verde dos terreiros para o cultivo das plantas e ervas que
são usadas nos momentos dos rituais e para o preparo de banhos que são usados para os
“trabalhos da casa”. Este espaço representa a natureza. A necessidade deste espaço verde
nos quintais dos terreiros é essencial para a sobrevivência das comunidades de santo. Os
afro-brasileiros responsáveis pela consolidação dos cultos de origem africana, ao manter
suas tradições religiosas, tiveram que lidar com essa biodiversidade. Para Barros (1993, p.
33), tal realidade:
Colocou o negro diante de um universo misterioso que era necessário
dominar para que ele pudesse sobreviver física e culturalmente. A
adaptação ao novo habitat e às novas condições sociais deu lugar a
substituições indispensáveis das plantas que não foram aqui encontradas.
Para os adeptos das religiões afro-brasileiras, a natureza é o princípio da existência
do culto; os Orixás são as representações ou até mesmo a materialização dela. A natureza
está virtual e fundamentalmente presente, dentro das casas religiosas. Nesse sentido, devese ressaltar que o culto prestado aos Orixás e às demais entidades sagradas, nos terreiros de
Umbanda, na cidade de Poções, em um determinado momento, ultrapassa os limites de um
culto à ancestralidade de um grupo, remetendo-se ao culto à natureza, pois os membros que
compõem as comunidades de santo, ou melhor, os terreiros acreditam que os homens
sejam o resultado da somatória de todas as partes ou elementos que compõem a natureza
tanto nos aspectos minerais, vegetais ou animais, como nos aspectos “visíveis” ou
“invisíveis” transcendentais que, de certa forma, permitem a existência não só do culto,
mas do homem e sua tradição.
E como parte primordial deste trabalho, analisaremos como é feito o uso das folhas
sagradas nos rituais religiosos do Terreiro de Umbanda Caboclo Boiadeiro, localizado na
Fazenda Buraco do Boi, município de Poções Bahia. O que configura como objetivo
primordial desta pesquisa.
69
CAPÍTULO III
A PERCEPÇÃO AMBIENTAL E O USO DAS FOLHAS SAGRADAS
NO TERREIRO DO BURACO DO BOI
Fonte: Arquivo do terreiro do Buraco do Boi
3.1 A relação com a natureza e as plantas sagradas no terreiro do Buraco do Boi
O homem, ao longo da sua história, sempre manteve contato com o meio ambiente,
seja para retirar seu próprio sustento, seja para explorá-lo como forma de acumular
riquezas. Desde o início da história da humanidade, o homem faz uso das plantas e ervas
medicinais, cujas espécies, suas indicações e seu cultivo passaram de geração para geração.
Percebe-se que, nas últimas décadas, com o avanço do processo de industrialização de
medicamentos, houve uma diminuição da prática de tratamento com plantas medicinais.
Atualmente, ocorre um repensar acerca da questão e o interesse pelas práticas Fitoterápicas
é crescente, tendo grande aceitabilidade pela população, o que torna uma importante aliada
nos variados tratamentos.
Nos últimos anos, as pesquisas envolvendo a prática da medicina popular ou
tradicional em todos os segmentos da sociedade manifestam uma constante vinculação
com certos credos religiosos, sobretudo nas religiões de matrizes africanas, em que
acontece maior incidência do uso de plantas com propriedades terapêuticas, havendo
70
diversas situações ritualísticas em que as ervas e plantas desempenham dupla função: a
sacral e a medicinal. O uso das plantas medicinais nos rituais afro-brasileiros, segundo
Barros (2009), está muito ligado às relações interculturais decorrentes do contato entre os
colonizadores portugueses, africanos e indígenas. Por isso, é comum serem encontradas em
muitas Casas de culto afro-brasileiro, seja a Umbanda ou os Candomblés Jejê-Nagô,
pequenos canteiros de ervas e plantas medicinais para serem utilizados nos rituais
litúrgicos, nos tratamentos e na cura dos males corriqueiros como dores no estômago,
fígado, fraqueza, cortes, doenças da mulher etc. No entendimento dos portadores dessas
enfermidades, têm sido receitados remédios fitoterápicos em que são usadas plantas
medicinais cultivadas nos terreiros de Candomblé ou adquiridas em feiras livres e
mercados.
Em razão do crescimento do Capitalismo Financeiro, muitas dessas tradições
religiosas vêm, a cada dia, perdendo representações pelo aumento da especulação
imobiliária nos grandes centros urbanos e, naturalmente com ela, o crescimento
exacerbado das cidades, provocando um grande adensamento populacional em bairros
populares. Esse crescimento dos centros urbanos tem causado a diminuição de uma das
maiores representações sagradas desta religião, as “áreas verdes”. Nas áreas verdes são
cultivadas as folhas sagradas e medicinais que curam as doenças do espírito e da carne.
Esses templos, além de contribuírem para a manutenção da saúde da cidade, melhoram a
qualidade do ar, valorizando a estética de matriz africana e o próprio fornecimento de
remédios caseiros que, com plantio dessas folhas, proporciona à população de baixa renda,
o acesso a alguns tratamentos de saúde.
A presença do vegetal no culto afro-brasileiro está ligada à manutenção do Axé, que
na concepção de Santos (2008, p. 39) significa:
Força que assegura a existência dinâmica, que permite o acontecer e o
devir. Sem àse, a existência estaria paralisada, desprovida de toda
possibilidade de realização. É o princípio que torna possível o processo
vital. É uma força transmissível, conduzida por meios materiais e
simbólicos e acumulável. É uma força que só pode ser adquirida pela
introjeção ou por contato.
Estas comunidades religiosas de matrizes africanas têm a natureza como elemento
de comunicação e manifestação do sagrado. Segundo depoimento de um dos membros da
casa:
71
É através das folhas sagradas que nós nos comunicamos com as divindades sagradas
(Mêso22).
Logo, percebemos que as religiões de matrizes africanas são exemplos natos de
contra racionalidade (SANTOS, 1996), porque frente ao bombardeamento (ditadura)
econômico, social e cultural do Ocidente, fortalecendo um comportamento predador sobre
a natureza porque o modelo de desenvolvimento industrial e capitalista está levando a
sociedade a sofrer imensos impactos e desastres provocando um processo de mudanças
climáticas vivido no planeta, materializado por meio do aumento de temperaturas,
inversões térmicas, chuvas ácidas, problemas de saúde e outros impactos ambientais
negativos a qualidade de vida da população.
Percebemos, em algumas ações, que a cultura desenvolvida nos templos de
religiões afro-brasileira é grande defensora da manutenção do equilíbrio dinâmico, atuando
como um centro vivo “antenado” para os reais movimentos e mudanças do território,
realizando um exercício metodológico de educação ambiental calcada na prática cotidiana
e na pluralidade cultural.
Essa relação de proximidade e de intimidade com a natureza se processa também
no terreiro em estudo. A cultura negra resistiu ao massacre e está viva até hoje nos mais
diversos recônditos deste imenso país, e no terreiro do Buraco do Boi não é diferente. É
claramente perceptível, segundo depoimentos colhidos dos frequentadores, que as árvores,
as folhas são sagradas e valem para eles tanto quanto um livro raro ou uma imagem cara e
que poucos sábios sabem ler, pois a leitura aqui é outra, é saber ler a natureza por meio das
folhas, dos encantados que vivem nela, respeitando o meio ambiente.
Há, na vida contemporânea, uma necessidade de se conhecer e valorizar formas
culturais diferenciadas de relacionamento com a natureza, outros padrões de percepção e
relação, em que haja uma aproximação maior com a natureza, de maneira a contribuir para
a modificação das formas de percepção do meio ambiente e da responsabilidade humana
sobre o planeta: formas alternativas de sensibilização e educação ambiental encontram-se
localizadas fora das práticas educacionais formais. A Educação Ambiental, visando à
constituição de mudanças de valores societais e culturais, pode buscar compreender
maneiras diferentes de relacionamento entre homem e natureza, valorizando as formas
22
O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
72
culturais em que a natureza seja valorizada e respeitada, como é o caso das religiões afrobrasileiras, tais como Candomblé e Umbanda, que, relacionando-se originariamente a
modelos culturais herdados da África mítica ancestral, mantêm com os elementos da
natureza uma relação mais respeitosa, estabelecendo vínculos místicos e religiosos.
As religiões afro-brasileiras são ricas em simbologias, cores, danças e músicas,
mantendo em seus mitos e ritos vinculação direta com o meio ambiente, sendo da própria
natureza que emanam orixás, caboclos e encantados: sem a proximidade com os elementos
natureza não existiria o culto aos deuses e a vida religiosa seria impossível. As folhas, por
exemplo, têm uma importância ímpar para os adeptos das religiões afro-brasileiras,
desempenhando funções preponderantes nos cerimoniais e rituais religiosos, sendo base para
banhos, purificação, defumações e limpezas, servindo também, medicinalmente, em chás e
infusões, para alívio ou cura dos males (físicos ou espirituais), a partir da transmissão oral do
conhecimento, este repassado de geração a geração, buscando-se salvaguardar e valorizar a
importância e o respeito que se deve ter para com as “folhas” e, consequentemente, para
com o meio ambiente, pois é dele que vem toda a energia e o axé dos terreiros de candomblé.
A relação estreita com a natureza, as formas particulares de pensá-la, a consciência
ambiental e a presença cotidiana de elementos naturais na vida religiosa estão na vida
cotidiana dos adeptos destas religiões (BARROS & NAPOLEÃO, 2009).
3.2 Caracterização do terreiro do Buraco do Boi
Situado às margens da rodovia BA 262, no sentido Nova Canaã, a uma distância
aproximada de 20 km da sede do município de Poções (Bahia), está localizado o terreiro de
Umbanda mais antigo em funcionamento deste município, popularmente conhecido como
“Terreiro do Buraco do Boi”. Este nome peculiar envolve um misto de mito com
explicações reais embasadas na oralidade dos membros mais antigos da casa, narrando que
um vaqueiro “corria” um boi e, de repente, o boi e o cavalo caíram em um buraco e apenas
o vaqueiro salvou-se; depois disso, todos começaram a chamar o lugar de “buraco onde o
boi caiu” ou, simplesmente, Buraco do Boi”. Um mito porque quem teria salvo o vaqueiro
teria sido o Caboclo Boiadeiro, entidade que hoje é o chefe da casa.23
23
Na concepção de Beniste (2010), os mitos desempenham funções como: organiza a vida social,
fornecer interpretação para a realidade, uma vez que suas verdades são definitivas, acomodação,
o ser humano procura consolo e segurança e organiza como dito anteriormente a vida social
onde a sociedade funciona de acordo com o que está ordenado pela tradição mítica.
73
Ao adentrar no terreiro do Buraco do Boi, pela primeira vez, sensações
indescritíveis vêm à tona. Um cheiro de angélica misturava-se ao das velas queimadas,
geralmente, em um ambiente quente, fervoroso, por onde os defumadores já passaram e
deixaram a lembrança do incenso. Tudo é sagrado, tem que ser sagrado e extensivo ao que
for mais sagrado ainda no Peji (corresponde a uma espécie de altar onde são colocados os
objetos sagrados devotados às divindades), onde há um contato mais profundo com
histórias pessoais, familiares e ancestrais. Tudo na casa tem história e está relacionada com
a história de vida de alguém que por ali passou e deixou parte de si e levou parte da
história da casa consigo. São 60 anos de existência enquanto terreiro de Umbanda
misturado com a história dos filhos, netos e bisnetos de santo e de sangue.
3.3 Da fundação do terreiro do Buraco do Boi
Fundado pelo falecido Babalorixá Ulisses Gonçalves Campos (13/03/1915 –
30/06/1998), sendo o mesmo iniciado e feito no santo pela já também falecida Ialorixá
conhecida por todos da casa como Mãe Raquel, oriunda do Município de Amargosa,
localizado na região do Recôncavo Baiano, que lhe concedeu o direito para “trabalhar”, ou
seja, ele recebeu a” faca de cotô”. O que lhe deu direito de exercer a função de Zelador de
um Terreiro. Porém, até chegar ao posto de zelador, uma longa trajetória foi percorrida,
trajetória essa cheia de percalços e situações diversas, que resultaram na fundação do
terreiro (Figura 1).
Figura 1 - Babalorixá Ulisses, zelador do terreiro Buraco do
Boi e filhos de santo.
Fonte: Arquivo do terreiro de candomblé do Buraco do Boi
74
Em entrevista com a esposa de seu Ulisses, a senhora Ormezinda Pereira Campos,
atualmente com 89 anos, estando ela completamente lúcida e sendo dona de um
conhecimento oral ímpar acerca da história da casa e de seus filhos de sangue e dos filhosde-santo que por lá passaram ou ainda estão, foi relatada toda a trajetória de vida do esposo
até tornar-se um Pai de Santo e ter mais de mil filhos de santo, tornando um dos zeladores
mais conhecidos da região. Ainda hoje, seu nome é lembrado como um referencial por
aqueles que com ele conviveram:
Morávamos no Espírito Santo, área de Sertão (município de Poções), antes de virmos para
essa região aqui da Mata, (área de transição entre a Caatinga e a Zona da Mata Atlântica).
Meu marido, quando aqui chegou, tentou mudar esse nome de Buraco do Boi para Três
Riachos, mas ninguém chamava assim e continuou com o primeiro nome. Quando aqui
cheguei, construímos a primeira casa, que foi feita de barro batido; viemos embora para cá
por causa da seca e, neste mesmo tempo, foi aberta a estrada para chegar nesta área, a
estrada que vai para Nova Canaã. Meu marido não mexia com essas coisas de santo ainda
não, bebia muito, passava por dificuldades e amigos dele o aconselhavam a procurar
tratamento em casa de pessoas entendidas. Ele ia, mas não gostava e acabava não indo
mais. Certo dia, de noite, quando dormíamos, foi quando aconteceu a primeira
incorporação dele, foi quando um “guia” – Mineiro /Nagô pegou ele e disse que ia chegar a
hora dele mudar de vida e que ele ia trabalhar, e me pediu para guardar este segredo, que
não contasse a ninguém e que, na hora certa, eu iria revelar para a pessoa certa. Passados
alguns anos, ficamos sabendo da existência de uma senhora chamada Raquel que era mãe de-santo e que estava vindo para Poções a trabalho na casa de filhos do terreiro dela. Foi
quando falei para Ulisses que ele deveria procurá-la para uma consulta ou uma conversa.
De início, ele não quis, mas acabou concordando em ir ao encontro dessa senhora. Quando
chegamos a casa em que essa senhora estava hospedada, já na chegada, ele me perguntou o
que eu estava querendo que ele fosse falar com essa mulher. Quando na consulta, os guias
dele desceram em terra e mandaram me chamar para que eu dissesse ou revelasse o
segredo. Deste dia em diante tudo mudou, em um intervalo de dois anos, mais ou menos,
ele começou a trabalhar e abriu este terreiro aqui que você está vendo (Mãe Mesa24).
Ao longo da sua trajetória enquanto zelador de terreiro, o Babalorixá Ulisses
sempre primou pela verdade e pela devoção aos santos. Sua fama de “bom pai-de-santo”
tomou proporções que ultrapassaram os limites do município de Poções, tornando-se uma
pessoa conhecida e procurada por todos, segundo informações da própria casa, e
confirmada pela viúva:
Gente de todos os lugares esteve aqui à procura de Ulisses para tratar de males, sejam ele
de cabeça (loucura) ou físico, como ferida braba e outras situações (Mãe Mesa25).
24
25
O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
75
Quando interrogada sobre quais Orixás seu Ulisses recebia e costumava trabalhar,
ela disse: Xangô, Ogum de Lei Mineiro, Caboclo Tupinambá, Arrieiro (Caboclo
Boiadeiro), Omolú, Ogum do Tempo, Cigana Mineira, dentre outros. Sendo que cada uma
destas entidades tinha um papel diferente a ser desempenhado dentro do terreiro, no
momento da consulta.
Uma peculiaridade da casa: quando em vida, seu Ulisses fazia as festas dos Orixás
todas em um único mês, que era o de Novembro, entre os dias de 08 a 15. Eram sete dias
de festa na casa, obedecendo à seguinte ordem: no primeiro dia, havia uma homenagem a
Cosme e Damião, com um Caruru; segundo dia, era a noite de Seu Mineiro; no terceiro
dia, Ogum de Lei; no quarto dia, era a noite dos caboclos, tendo Oxóssi como o rei, (era
conhecida esta noite como a noite do Caboclo Ubirajara), no quinto, era a noite de Seu
Arrieiro e, conjuntamente, era feito o banquete das Pombagiras. Este banquete antecedia a
noite de homenagem; no sexto dia era a noite de Omolu e, para finalizar, o sétimo dia, a
noite era dedicada aos Pretos velhos e à Marujada. Dessa forma, ele homenageava todas as
entidades da casa em um só mês.
Este terreiro (com mais de 60 anos de existência) é matriz de vários outros que
surgiram ao longo da sua existência, não só no Estado da Bahia como também nos estados
de Pernambuco e da Paraíba. Como dito anteriormente, no seu auge chegou a ter mais de
mil filhos, netos e bisneto-de-santo.
No ano de 1998, mais precisamente no mês de Junho, o então Babalorixá Ulisses
Gonçalves Campos veio a falecer, vitimado por problemas de saúde, ficando a casa
fechada durante o período do luto e decidindo quem assumiria seu lugar para que a
tradição não se perdesse. Assim, assume o seu lugar o seu filho de sangue, Eurivelton
Pereira Campos, dando uma nova configuração a casa sem perder de vista os ideais da
mesma. Neste momento, o terreiro passou a ser dirigido pela segunda geração da família.
Com a nova direção da casa, algumas mudanças foram necessárias para que a mesma
funcionasse plenamente. Em uma das conversas com o novo Babalorixá ficou claro que,
apesar de algumas alterações na casa, a mesma continua mantendo a força da época do
falecido pai:
Os Orixás de meu pai continuam vivos nesta aldeia, a todo o momento chamamos por eles,
as raízes têm que ser preservadas para que o axé da casa permaneça vivo, e os orixás de
76
meu pai foi quem fundou tudo isso aqui (Eurivelton26).
Sendo a religião um dos aspectos da cultura humana que tem uma capacidade
enorme de mobilidade e adaptabilidade, não seria diferente na comunidade em estudo.
Segundo Vivaldo da Costa Lima (2003), nem mesmo nos candomblés mais ortodoxos e
ostensivamente zelosos de suas origens, deixou de existir, factual e nítido, o processo das
modificações estruturais causadas pelas acomodações situacionais, pela diminuição, ou
mesmo supressão, de algumas prescrições rituais, sobretudo aquelas referentes à duração
de períodos de reclusão ritual e interditos comportamentais e por vários outros fatores de
ordem socioeconômica.
Quando questionado sobre como foi a aceitação da casa quanto a sua escolha para
ocupar o lugar de chefe, ele nos disse:
De início foi difícil, minha esposa não aceitava e nem queria que eu assumisse tal
responsabilidade; achava que eu não daria conta, mas graças a Seu Boiadeiro tudo foi
dando certo. Alguns filhos antigos da casa deixaram de frequentar, por achar que eu era
novo demais para assumir tal responsabilidade, mas graças a Deus outros filhos acabaram
chegando na casa para somar forças. Uma das funções principais de um terreiro de
candomblé é dar a seus participantes filhos um sentido para a vida e um sentimento de
segurança e proteção contra os sofrimentos de um mundo incerto, e aqui eles têm a certeza
de um apoio amigo e espiritual (Eurivelton27).
3.4 Área de mata do terreiro e sua representação ambiental pela comunidade
religiosa
A comunidade do Terreiro do Buraco do Boi expressa, em suas práticas religiosas,
uma relação de grande intimidade com os elementos da natureza. Há, no local, uma área
com resquício de Mata Atlântica segundo o site www.matasnativas.com.br (formação
vegetal presente em grande parte da região litorânea brasileira e que ocupa, atualmente,
uma extensão, aproximadamente, de 100 mil quilômetros quadrados. É uma das mais
importantes florestas tropicais do mundo, apresentando uma rica biodiversidade),
antropizada, embora preserve significativas características da supracitada vegetação:
presença de árvores de médio e grande portes (palmeiras, bromélias, cedro, orquídeas,
jequitibá-rosa etc.), média biodiversidade, fauna com algumas espécies de mamíferos,
26
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O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
77
anfíbios, aves, insetos e répteis (Figura 2). Esta área é destinada ao culto das entidades das
matas: a sacralização da natureza manifesta-se também, neste caso, com a busca contínua
de preservação desta área de mata. Por outro lado, nas incorporações dos caboclos por
alguns membros da casa, percebe-se que eles são conhecedores dos segredos e da
eficiência das “ervas”, como são chamadas as folhas que servem para fazer remédio. Os
caboclos conversam com desenvoltura com seus fiéis-pacientes, enquanto receitam o
tratamento que a pessoa deve proceder. Fumam charutos, ingerem bebidas feitas com
raízes ou casca de árvores da própria localidade do terreiro. Dando sempre ênfase à cura
dos males do corpo ou da alma, os caboclos utilizam gestos rituais e simbólicos, cantos e
gritos de saudação lançando mão, constantemente, de suas folhas.
Figura 2 - Resquício de Mata Atlântica
Fonte: Arquivo do terreiro de candomblé do Buraco do Boi
O saber local sobre o tratamento de diferentes males que perturbam ou afetam o ser
humano é, geralmente, evidenciado em conversas com as pessoas mais idosas da casa, que
carregam consigo essas preciosas informações, recebidas dos ancestrais. A recuperação
dessas informações é necessária, pelo fato de que servem de subsídio para o conhecimento
do potencial medicinal da vegetação nacional e, no caso específico, do “Buraco do Boi”,
auxiliando, substancialmente, na discussão da questão do uso e manutenção da
biodiversidade. Propiciam também caminhos férteis para a práxis da Educação Ambiental,
tendo estas plantas como eficientes instrumentos pedagógicos, enquanto elementos que
78
podem subsidiar a relação educativo ambiental, oferecendo oportunidades de inserção de
diferentes aspectos, os quais emergem do tema geral.
Os momentos da conversa informal e da preparação dos trabalhos da casa, entre
outros, são ocasiões ricas para o repasse do conhecimento, pautado na forte oralidade que
permeia essas ações. O aproveitamento desses elementos em uma proposta educativa,
tendo como instrumento a Educação Ambiental, deve prever a sua introdução gradativa no
seio da formalidade do saber escolarizado. Mostrar essa revalorização cabe também
àqueles que se dedicam à prática efetiva da Educação Ambiental, subsidiados com
informações oriundas de outras áreas e da própria vivência/experiência das populações
tradicionais.
O uso das folhas sagradas é uma prática comum em todo o terreiro. Considerando
as afirmações de Verger (2005), a coisa mais importante nas religiões afro-brasileiras é a
questão das folhas, das plantas que se utilizam desde o momento em que se faz a iniciação.
A natureza está presente nos mitos e nas cerimônias, sendo as folhas uma grande força na
farmacopeia religiosa, desde a África.
O conhecimento que a cultura popular e, em especial, os umbandistas têm das
virtudes benéficas ou nocivas das plantas é indiscutível. O uso de remédios feitos à base de
flores, frutas, folhas e raízes de determinadas plantas é tão antigo quanto a história da
humanidade.
No Brasil, a medicina popular é o resultado de uma série de acumulações de
técnicas utilizadas pelos portugueses, pelos indígenas e pelos negros. Segundo Ribeiro
(2005), a contribuição do pajé ameríndio, do feiticeiro negro e do bruxo europeu foi de tal
maneira misturada que hoje seria difícil distinguir o que é puramente indígena, negro ou
branco.
Entre os vegetais, há aqueles cujas propriedades terapêuticas associadas aos usos
mágicos tornaram-se consagrados pelo uso popular e ninguém mais questiona nada quando
são recomendados a usá-los em defumações, banhos, oferendas, infusões ou chás. A
medicina mágica está muito vinculada aos ritos afro-brasileiros e indígenas, especialmente,
aos de Candomblés ou aos de Umbanda. Ela procura curar o que de estranho foi
“colocado” de forma sobrenatural no doente ou extirpar os males que o fazem sofrer.
É de extrema importância, segundo Silva (1988), que as religiões afro-brasileiras se
valham dos conhecimentos práticos da Taxionomia Vegetal - ciência que estuda o
79
reconhecimento, a classificação e a identificação de plantas -, a fim de que melhor possam
ensinar a seus adeptos sobre a existência de plantas fundamentais para a preservação
integrada da religião. No entanto, a lógica do uso religioso das plantas é distinta da lógica
do conhecimento científico sobre as mesmas, e os princípios organizativos destes universos
- religião ou ciência - não devem ser confundidos, pois se baseiam em pressupostos muito
diferentes, pois as religiões afro-brasileiras se fundamentam na tradição da oralidade, em
oposição ao universo formal do conhecimento científico.
Para o “povo de santo”, os Orixás estão intimamente relacionados com os
elementos da natureza: têm-se Orixás das águas, da terra, do vento e das folhas, que, na
cosmologia das religiões de matrizes africanas, é o Orixá Ossaim. Este é o protetor das
folhas. Ele está presente nas matas e é o guardião dos segredos das plantas; as folhas que
são recolhidas para resolver os problemas humanos devem estar sob o controle desta
entidade sagrada.
3.5 As matas e o culto aos caboclos
Compreendendo a diversidade existente entre as religiões afro-brasileiras, segundo
Serra et al. (2002) o termo candomblé hoje designa uma variedade de ritos (re)criados no
Brasil por negros africanos e seus descendentes, no contexto de amplos contatos
interétnicos entre grupos oriundos de diversas partes da África para aqui trazidos, desde
logo envolvendo, entre os neobrasileiros, principalmente, crioulos e negro-mestiços, mas
também, em alguma medida, remanescentes de grupos indígenas deste país e mesmo
adeptos brancos, ainda que em muito menor medida (em geral, na condição de clientes de
serviços mágico-religiosos). Podem encontrar-se algumas diferenças significativas entre as
liturgias e crenças de diversos grupos de culto que hoje se identificam como candomblé;
por isso, convém desde logo assinalar essa variedade, e esclarecer de que tipo de
candomblé se falará aqui. Os sacerdotes, sacerdotisas e adeptos do terreiro, focalizados na
pesquisa em que se baseia este estudo, em particular, se autodenominam como originários
de um candomblé de angola; tem esta nação como referência, embora esteja dentro do
modelo de Umbanda.
Uma das questões centrais, neste trabalho, foi verificar a proposta de como a
comunidade do Terreiro do Buraco do Boi se relacionava com os elementos da natureza,
de que forma esta casa trazia para dentro dos seus rituais elementos da natureza em que ela
80
estava envolta. Segundo os adeptos da casa, desde o seu fundador, há mais de 60 anos que
a casa costuma fazer rituais nas matas do terreiro, uma vez que a casa possui uma área de
mata destinada a cultuar os Orixás. Segundo Serra et al. (2002), o termo orixá deriva do
ioruba orisa, designando divindades concebidas como capazes de manifestar-se no mundo
da natureza e de apresentar-se à sociedade humana, embora tenham sede num domínio
transcendente. Além dos Orixás, outros seres excelsos também são cultuados no
supracitado terreiro, que são os caboclos, considerados os donos da terra (do Brasil): uma
categoria muito especial de antepassados, semi-divinos. Nele se estima que através do
transe e da possessão, certos iniciados encarnam os espíritos invocados. Estes são também
propiciados com sacrifícios e oferendas diversas e podem ainda comunicar-se com os
humanos para consultas e fazem uso constante de bebidas à base de cascas, raízes e folhas
de árvores sagradas. Ainda segundo Serra et al. (2002), integra o corpus terapêutico do
candomblé uma liturgia das folhas: itens vegetais que funcionam como elementos de um
código sacramental e como fármacos. As folhas são, de longe, as partes dos vegetais mais
empregadas no candomblé, em ritos diversos e, particularmente, em operações de cura, em
terapias. Mas convém notar que folha é também um termo genérico no dialeto dos
terreiros: mesmo raízes, sementes e cascas de troncos (e até plantas como um todo) podem
ser chamados coletivamente de folhas, sempre que esses itens vegetais têm um emprego
litúrgico ou terapêutico.
No repertório do terreiro em estudo por outro lado, certas folhas são descritas como
dotadas de “valor espiritual” — e, portanto, de capacidade curativa — ainda que não sejam
“medicinais”; um exemplo desse tipo de folha é a Quarana Cestrum laevigatum Sch.,
Solanaceae (seu uso consiste apenas em passar as folhas no corpo da pessoa em
tratamento, ou seja, um uso simbólico-espiritual). O Candomblé do Buraco do Boi atribui
às folhas utilizadas por seus especialistas uma eficácia que transcende os limites da
terapêutica farmacológica biomédica em muitos sentidos: atribui-lhes poderes que as
tornam capazes de promover e restaurar a saúde, mas também de reparar infortúnios, de
aportar êxitos diversos. Nessa perspectiva, enfermidades e infortúnios outros podem
equiparar-se na medida em que causam desconforto passível de tratamento — um
desconforto que as folhas permitem remover.
Na terapêutica do terreiro, as folhas podem ser usadas de modo a produzir seu
efeito através de uma ação direta — quando o corpo do paciente as absorve (por ingestão
81
ou aplicação, etc.) — ou de modo indireto — quando o contato não leva à sua absorção
física e pode até ser dispensado: para que exerçam seu poder sobre o paciente, basta, então
a proximidade das folhas sagradas. Além disso, de acordo com o povo-de-santo, há folhas
que, devidamente manipuladas, desobstruem, por assim dizer, o fluxo da boa sorte e da
saúde; elas removem impedimentos (diagnosticados através do jogo divinatório ou dos
recados de um Orixá) que “empatam a vida”. Assim desembaraçam, desimpedem, “abrem
o caminho” para que aconteça o êxito desejado — a cura, por exemplo — embora não
sejam em si mesmo curativas. A purificação ou “limpeza do corpo” pode ser alcançada
com recurso das folhas, mas de diferentes modos. Por exemplo, uma loção com que o
paciente deve banhar-se — um banho de folhas — pode ser o veículo da catarse, assim
como pode sê-lo o simples gesto de passar pelo corpo ramos viçosos dos vegetais
indicados — operação esta realizada junto com uma reza, uma prece ou canto apropriado.
São muitas as propriedades curativas atribuídas às folhas pelo povo-de-santo. Seus
peritos chamam de “curativo” o que é capaz de fazer cessar ou aliviar uma enfermidade (ou o
sofrimento de um enfermo), de reparar uma lesão, ou atenuá-la; em suma, é curativo o que faz
restabelecer a saúde anulando um distúrbio, “trazendo de volta” o estado positivo que se
perdeu. O poder da planta, reconhecível quer “na sua química”, quer no seu “encanto” (isto
é, na sua capacidade de evocar e convocar, produzindo efeitos pela intervenção dos
divinos), corresponde a uma manifestação do axé. Segundo Serra et al. (2002, p. 13)
O axé é concebido como uma força genesíaca, que mantém os seres na
existência e a revigora, viabilizando as transformações que lhes permitem
durar; emana de Deus e está presente na natureza de diversas formas.
Pode acumular-se e perder-se. Gasta-se e se recupera. Ganhá-lo implica
sempre numa obrigação de o retribuir. É “energia”, alimento do ser.
Concentra-se em alguns entes de um modo especial, mas obtê-lo nas
fontes da natureza exige “preparo” e empenho. Sua versatilidade o torna
ambíguo. Reconhecer-lhe a concentração nas plantas, em que assume
diversas formas, e torná-lo operativo (assimilável, transmissível,
controlável) é parte essencial da ciência das folhas. Mas esse
reconhecimento exige um trabalho de interpretação: identificar uma
planta não é apenas situá-la entre outros vegetais, numa classificação
simplesmente botânica, é entender o sentido que ela tem, o encanto
latente na sua “natureza” (na sua idiossincrasia). Este sentido se esclarece
ao discernir a relação da folha com os eternos (fundamentalmente, com
os orixás da grande liturgia, mas também, segundo alternativas previstas
no sistema, com o domínio dos mortos ou com o divino transeunte, Exu):
assim se reconhece o “lugar” que lhe corresponde na dinâmica do mundo,
na ordem do cosmo. Trata-se, enfim, de saber o que a folha significa, e
dominar sua “lógica”, o poder que ela tem enquanto signo.
82
3.6 Homenagem aos caboclos: festa na mata
O culto em homenagem às “entidades das folhas” (Figura 3), ou seja, aos Orixás e
aos Caboclos que vivem nas matas, é realizado algumas vezes no ano, geralmente nas
grandes festas da casa, que atualmente acontecem no mês de Fevereiro, homenageando o
Caboclo Boiadeiro, chefe da casa, desde a época do falecido Babalorixá Ulisses, fundador
do terreiro, em época de obrigação de um filho da casa etc. Subentende-se por obrigação,
segundo Lima (2003, p. 43) “o compromisso compulsório da submissão à ordem dos
santos”. O ritual consiste em prestar homenagem às entidades “das matas”. Na localidade,
há uma área de mata destinada a este culto, que procede da seguinte maneira: preparam-se
comidas e bebidas votivas aos caboclos (as comidas são à base de animais assados e
preparados pela própria casa e de bebidas feitas à base de raízes e cascas de árvores
sagradas) e todos os filhos da casa vão para o supracitado local render homenagem aos
encantados (é um momento ímpar dentro dos cerimoniais do terreiro). Na mata são feitos
sacrifícios de animais para as entidades, sempre acompanhados de muitos cânticos, danças
e saudações a eles. Os caboclos descem no corpo dos filhos da casa e vem saudar e
agradecer pelas homenagens prestadas.
Figura 3 - Culto em homenagem às “entidades das folhas”.
Fonte: Arquivo do terreiro de candomblé do Buraco do Boi
Neste momento, há uma comunhão perfeita entre homens e natureza através da
religião, uma ligação do Àiyé com o Órun que, na concepção de Santos (2008), consiste
em duas expressões de origem iorubanas intimamente relacionadas. A primeira consiste no
mundo da vida, neste plano estão plantados e consagrados os altares (os Peji), onde são
invocadas as forças patronas que regem o universo, os orixás; enquanto que a segunda
83
representam os espaços sobrenaturais, que permitem por sua presença simbólica, através
do culto – estabelecer a relação harmoniosa entre as duas esferas.
Neste momento do ritual, os caboclos conversam com seus fiéis e, muitas vezes,
receitam remédios e passam trabalhos para que o consulente alcance a melhora desejada, ou
fazem benzimentos à base de folhas. Em uma das conversas com os filhos da casa foi nos dito:
Esse trabalho que é feito nas matas é de muita responsabilidade e fé. Desde a época de seu
Ulisses, ele vem sendo feito e nunca parou, mesmo depois que ele morreu continuou sendo
feito. Foi uma das obrigações da casa que ficou sendo feita depois que ele se foi. As matas e o
caruru (Mesô28).
Ainda sobre o ritual executado nas matas pelo terreiro em estudo, conseguimos
perceber que os caboclos apresentam uma desenvoltura ao tratar das folhas.
Ao som das músicas, o Caboclo Guarani, na carne da mãe pequena29 da casa,
popularmente conhecida como Mãe Maria, executa uma sessão de benzimento em um dos
rituais da mata (Figura 4).
Figura 4 - Rituais da mata: sessão de
benzimento
Fonte: Meira, jan. 2012.
28
29
O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
Segunda pessoa na hierarquia da casa, após o pai-de-santo, também conhecida como Iá kekerê
em alguns terreiros de Umbanda (CACCIATORE, 1998).
84
3.7 Religião, música, ervas sagradas e meio ambiente
A música sempre se fez presente na história do homem e em praticamente todos os
momentos e passagens da sua existência: nas cerimônias de nascimento, de morte, de
comemoração dos seus feitos realizados etc. No momento de entrar em contato com seus
deuses, nas mais diversas ramificações religiosas, ela também sempre se fez presente.
Nas religiões de matriz africana, os adeptos participam efetivamente dos seus
rituais, ou seja, há uma participação direta. Para que os encantados se façam presentes nas
cerimônias são necessários elementos como, a música, a dança, as saudações de louvor e
agradecimentos, os cânticos certos de cada Orixá, enfim, um conjunto que esteja em
harmonia para que a comunhão entre homens e deuses seja estabelecida. A história dessas
músicas usadas nas religiões de matrizes africanas tem sido feita quase que oralmente,
quase anonimamente, sem registros escritos, no interior dos inúmeros terreiros fundados ao
longo do tempo em quase todas as cidades brasileiras.
A música é extremamente necessária para o Candomblé ou a Umbanda. E estas
músicas são específicas para cada Orixá, caboclo ou encantado e também para cada
ocasião e ela está sempre relatando os feitos de um determinado deus, sua história
enquanto entidade etc. Estas narrativas podem ser percebidas em alguns “pontos”; é assim
que são chamadas as músicas no terreiro, ou seja, quando é para chamar uma determinada
entidade, canta-se os pontos certos, e quando chega também, geralmente, a quantidade
obedece a um número determinado de 03 (três), 05 (cinco) ou 07 (sete) pontos. No caso
das “entidades das matas” todos eles falam, relatam passagens destas entidades com o meio
ambiente, como pode ser percebido nos exemplos abaixo:
Sultão, Sultão eu vou fazer uma caçada, sultão, sultão lá na Paraíba do Norte.
E mata virgem, mata do cassaçá, a mata está fechada onde é que eu vou passar.
Quando eu venho para minha aruanda eu trago meus remédios dentro da minha capanga.
Tupinambá guerreiro, rei da Turquia, pisa no chão devagar que a noite parece o dia.
Eu pisei nas folhas, nas folhas eu me deitei. Eu nasci nas matas e nas matas eu me criei.
Meu pavão é um pássaro bonito que tem as penas douradas e o bico é prateado, aos meus
filhos o meu muito obrigado.
Todos estes “pontos” são cantados por todos da casa, em ritmos rápidos, e sempre
acompanhados de instrumentos musicais diversos, como tambores, pandeiros, agogôs,
chocalhos, palmas e gritos de saudação. Consegue-se perceber, neste momento, a
integração entre elementos da natureza, religião e a música. Costa (2011) afirma que cada
85
grupamento humano apresenta características peculiares, que são formadas e desenvolvidas
a partir das relações estabelecidas, seja com outros homens da sua sociedade, seja como
terra, o rio, o mar, o alimento, as plantas e os animais, ou seja, com seu ambiente imediato
concreto.
Pois, se somos portadores de uma grande diversidade de ecossistemas e espécies de
animais e plantas, também somos possuidores de uma diversidade incrível de culturas,
etnias e línguas. Aqui vivem vários grupos sociais, que possuem formas de apropriação e
uso da terra diferentes, criando territórios sociais onde estabelecem relações de poder e de
identidade próprias. A comunidade do “Buraco do Boi” se caracteriza por apresentar traços
de uma comunidade tradicional, com uma dinâmica própria de funcionamento. Segundo
Costa (2011, p. 110) o conceito de comunidade tradicional pode ser compreendido:
Grupos sociais culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais,
que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam
territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural,
social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos,
inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.
A cultura dessas comunidades tem uma relação profunda e íntima com os diferentes
ambientes naturais, que são considerados locais sagrados e de contato com seus deuses, os
Orixás, necessitando de contato direto com a natureza para a realização das suas práticas
religiosas diárias. Ao perguntar a uma iaô30 da casa em um dos momentos de sua feitura,
ela nos disse:
É uma escola e nessa escola, de paciente aprendizagem, nós iaôs
aprendemos as cantigas, aprofundamos nos fundamentos do candomblé,
conhecemos os segredos das folhas sagradas, nos familiarizamos com uma
gama de misteres que nos capacitará enquanto filho de santo.
Vejam nas imagens na Figura 5 como essa relação se processa no cotidiano do
terreiro em estudo:
30
O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
86
Figura 5 – Representação do cotidiano do terreiro Buraco do Boi em dia de festa
Fonte: Meira, jan. 2012
Os povos e comunidades tradicionais do Brasil enriquecem o acervo socioambiental
do nosso país. Segundo Costa (2011), essas populações têm uma relação de intimidade e de
profundo respeito para com os elementos do meio ambiente que os circundam.
Na comunidade em estudo, os dirigentes e filhos da casa afirmam tratar-se de um
terreiro ou de uma casa de caboclo. Essa modalidade de Candomblé, considerado por
muitos estudiosos e adeptos como uma variação do Candomblé de Angola, no qual os
deuses que representam a mistura com a cultura indígena assumiram o papel central, com o
mesmo status dos Orixás. Estes, além de representarem os espíritos dos índios que já
morreram e que retornaram a terra como “encantados”, podem ser vistos como
representantes da população mestiça, proveniente do cruzamento do branco com o índio.
No Terreiro do Buraco do Boi, os caboclos são classificados em três tipos: os “caboclos de
pena” (porque usam cocar), os “da mata” e os “boiadeiros” (vestem-se com chapéu de
couro e dançam segurando um laço, com o qual imitam o gesto de laçar o gado).
Os caboclos quando “baixam” no terreiro, incorporando seus fiéis, são vestidos
com cocar de pena, chapéu, dançam com arco e flecha, fumam charutos e bebem, falam
um português antigo e quase incompreensível. Muitos deles são extremamente católicos e
suas preces e louvações lembram os tempos coloniais de sua catequese. Por serem
conhecedores da medicina local e dos segredos da mata, são famosos curandeiros e
feiticeiros.
É conhecida por todos da comunidade do Buraco do Boi, a importância dos
vegetais nos rituais, devido aos efeitos que estes causam àqueles que deles se utilizam
87
como também devido ao valor simbólico destes no contexto geral das religiões de
influência africana. Para Portugal (1987), o uso litúrgico de folhas, sementes, raízes e
frutos é por demais complexo, pois varia de região, e, sobretudo o uso se amplia ou
diminui de um terreiro para outro ou até mesmo se exclui, em se tratando de nações
diferentes. Uma espécie de folha pode ser, por exemplo, de um determinado Orixá na
Bahia, e a mesma folha pertencer a outro Orixá no Rio de Janeiro. Ainda segundo Portugal
(1987), seu uso varia também em relação ao que se chama no Brasil de nação, pois uma
folha pode ser predileta de um deus, no candomblé Ketu, e ser rejeitada por todo povo Jeje.
Segundo este depoimento de um dos filhos da casa, consegue-se perceber que cada
Orixá tem seu tipo de folha e seu canto preferido, predileto:
Cada guia tem suas folhas particulares. Há folhas da fortuna, da felicidade, da glória, da
fecundidade, da alegria, da oportunidade, da fraqueza, da paz, da longevidade, da coragem
etc. (Neide31).
Inúmeros são os rituais em que as plantas estão presentes (Apêndice D). Destaca-se
a sua importância na preparação de banhos, amacis, cerimônias de consagração de um
noviço a uma divindade, incensos, bebidas rituais, entre outros. Isto pode ser percebido nas
falas dessas entrevistas com Mesonita, Neide e Linda32, quando indagadas acerca de como
e quando as folhas se fazem presentes no terreiro do Buraco do Boi:
Banho de descarrego: o banho de descarrego é um descarregamento dos fluidos pesados de
uma pessoa. É feito com ervas positivas, variando de acordo com os fluidos negativos que
a pessoa está carregando, e de acordo com o Orixá que a pessoa traz na cabeça (ori). Para
preparação do banho, deve colher as ervas certas, que não podem dizer a qualquer pessoa,
caso contrário, não tem efeito positivo e completo. Após o banho, essas ervas usadas são
despachadas em locais específicos.
Amaci: os amacis são banhos ou lavagens para fortalecer a cabeça (a mente, o intelecto) do
filho de fé, fazendo-o seguir as boas inspirações do seu anjo de guarda (entende-se por anjo
de guarda, o Orixá de cabeça da pessoa). Nunca se cozinha um amaci e sim macera as
folhas junto com a água pelas mãos de uma pessoa preparada para isso (o pai de santo, a
mãe pequena ou os padrinhos do noviço).
Cerimônias de consagração de um filho a uma divindade: nesta cerimônia, o emprego das
folhas é de fundamental importância, porque estas ervas servirão na elaboração do axé da
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O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
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divindade. Ou seja, o noviço deitará sobre estas folhas para que o seu Orixá se faça
presente na sua cabeça.
Oferendas: cada Orixá tem suas flores preferidas. As rosas são as mais usadas. Iemanjá
prefere flores brancas; Oxum, amarelas; Exu, vermelhas. O colorido da flor é fator
preponderante para o efeito de uma perfeita oferenda.
Incenso: o perfume que agrada os deuses. Usa-se casca de madeira, folhas secas, flores,
frutos, sementes e resinas; ele serve para purificar o ambiente, os objetos de culto,
neutralizando as influências adversas, evocando ou afastando os espíritos.
Bebida ritual: feita com casca de jurema preta, (Acacia jurema Mart. Leguminoseamimosoideae) as quais são acrescentadas água, vinho, mel ou rapadura, deixando de molho
por certo número de dias.
O estudo da interação de comunidades humanas com o mundo vegetal em suas
dimensões antropológicas, ecológicas e botânicas permite a manutenção da cultura, além
de combinar conhecimento tradicional e moderno, para uma melhor investigação da flora,
bem como sua conservação e sustentabilidade, ressalta Alzugaray (1983). E, concebidas ou
não como seres espirituais, as plantas adquiriram fundamental importância nas
comunidades tradicionais de terreiro por suas propriedades religiosas e terapêuticas. Pois,
historicamente, são feitas menções nas mais diversas literaturas acadêmicas e ficcionais a
especialistas de origem africana dedicados à recuperação e manutenção da saúde.
(BARROS, 2009).
A transmissão de conhecimento sobre as plantas é passada de geração a geração,
segundo alguns informantes:
Foi meu pai quem nos ensinou quais plantas devem ser usadas nos trabalhos. Pois, há
plantas para cada trabalho, para cada ocasião. Usamos aqui balaio de velho ou balainho de
velho que é dedicada aos Pretos Velhos; elas são encontradas aqui na própria fazenda.
Capim de aruanda que usamos junto com balainho para preparar banhos (Mesô33).
Quando questionados sobre os banhos que a casa prepara, disseram-me que há
banhos de vários tipos: descarrego (este tipo de banho pede que sejam usados sete ervas),
banho para conforto (este banho costuma usar apenas três ervas que são: erva-doce, ervacidreira e erva de elevante que são banhos que servem para cuidar de seu Orixá, segundo
as informantes).
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O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
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Quando indagadas sobre se a casa tem uma preocupação em preservar essas plantas
que são usadas nos rituais, todas foram categóricas em suas respostas em afirmar que sim.
Que a casa, ou seja, a comunidade do Buraco do Boi tem esse pensamento de preservação
para com suas árvores sagradas. Em uma das entrevistas nos disse:
temos que pensar, cada vez mais, em preservar essas ervas aqui; são várias ervas
encontradas aqui na fazenda.
Perguntadas sobre a confecção de bebidas com o uso de plantas, disseram que a
casa faz bebidas à base de ervas sim, e a planta usada é a casca da jurema (Acacia jurema
Mart. Leguminosea-mimosoideae) usada para preparar uma bebida que leva o mesmo
nome da planta.
A casa também, segundo entrevistas, tem o costume de preparar remédios à base de
ervas, que são chamadas de “garrafadas,” que costumam levar os seguintes ingredientes:
Hortelã miúdo, umburana de cheiro, palminha e jarrinha de horta, lírios dos gerais, casca
de pau-ferro, junço ou dandá casca de jatobá, raiz de burro do campo, mastruço, elevante,
poejo, bute etc. Usa se as folhas e as raízes dessas ervas (Neide34).
Disseram que essas garrafadas são muito procuradas por pessoas que necessitam de
ajuda ou auxilio à saúde, e que os clientes sempre retornam para pedir mais ou
simplesmente para agradecer pelo resultado obtido.
Todos que fazem uso das minhas garrafadas sempre colheram resultados positivos
(Neide35).
Sabemos que a maioria dos ensinamentos e dos conhecimentos das casas de
Candomblé é transmitido de forma oral. Segundo Antônio Risério (2003), dito em
presença “Há nas religiões de origem africana uma ausência de corpos doutrinários
sistemáticos, sendo a transmissão do conhecimento feito de forma oral”. Quando indagadas
sobre o repasse desses conhecimentos para as futuras gerações da casa, algumas pessoas
disseram que teriam disposição para passar o conhecimento, enquanto outras disseram que
nem sempre é aconselhável esse repasse, para não ser copiado por outros terreiros. Houve,
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O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
O depoimento foi coletado em pesquisa de campo realizada no período de janeiro a maio de
2012.
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neste momento da conversa, certo constrangimento sobre o dilema em passar ou não passar
tais segredos para os filhos da casa.
O que ficou evidenciado nas observações realizadas na casa em estudo é a relação
que se estabelece com o meio ambiente. Sabem que sem as folhas não será possível
realizar boa parte dos rituais. E que é necessário preservar a natureza para que a religião
continue presente na vida dos seus adeptos. Ficou claro que o terreiro tem o espaço “mato”
onde estão os monumentos não edificados, que é a mata ritual. Encontram-se desde as
ervas que são colhidas para utilização no culto, com fins de composição de ambientes,
rituais iniciáticos, banhos, entre outros usos, até os arbustos e árvores consagrados aos
Orixás, sendo até identificados como tais. Nesse caso, são reconhecidos como
assentamentos, que representam a morada das entidades que contém ainda alguns
elementos que os representa, como objetos de ferro (ferramentas) e pedras consagradas,
sendo equivalente a um altar onde os santos são colocados para adoração e recebimento de
oferendas.
91
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“A lógica do crescimento econômico é incompatível com a
ecologia e a preservação da diversidade das culturas.”
- Hassan Zaoual -
O homem moderno, produto do sistema capitalista, tem como preocupação maior a
sobrevivência num mundo cada vez mais competitivo e está voltado para as satisfações dos
desejos imediatos. Isso o levou a uma falta de vínculo com o seu passado e com as
questões da moral e da ética. Tanto que estudos atuais mostram que vivemos a era da falta
de princípios basilares da formação do homem enquanto um ser social e de relação com o
meio em que está inserido. As preocupações na atualidade estão muito mais voltadas para
questões de ordem econômica do que com a formação moral e ética do ser humano.
Tudo se destrói e se acaba em nome do desenvolvimento desenfreado, sem se
preocupar com as suas consequências. A globalização que segundo Zaoual (2008), virou
sinônimo de mercantilização do mundo, introduz nas mais diversas localidades do planeta
um tipo de incerteza e de vertigem na mente humana. Ou seja, vivemos uma crise de
princípios em todos os sentidos nunca antes vivida na História. Fez-se tanto uso dos mais
variados recursos tecnológicos que resultou levando o homem a se afastar do seu
semelhante, se isolar cada vez mais, ora por medo do próprio homem nas mais variadas
formas de violência que assolam a humanidade, ora por questões de tempo, tempo este
totalmente tomado por afazeres diários. O que nos cabe mais uma vez citar Zaoual (2008,
p. 21) quando afirma que “uma das maneiras de reagir a tudo isso consiste na busca da
certeza de que somente a proximidade pode garantir, até certo ponto, o sentimento de
pertencer.” O homem atual, fruto da globalização, precisa despertar este sentimento de
pertencer a algo que verdadeiramente lhe dê sentido à vida. É por isso que hoje se busca
nas mais variadas fontes este valor até por muitos esquecido. Esta busca ocorre em vários
âmbitos, seja ele religioso, familiar, ambiental etc.
A volta da espiritualidade, a difusão da ecologia, a adesão a movimentos de caráter
religiosos e culturais sendo, muitas vezes, estes um tanto quanto radicais e até, em certos
casos, violentos, são aspectos que resultam de falência do economicismo. É assim que
podemos pensar em ingressar nos paradigmas do futuro, cuja epistemologia não será
92
uniforme, nem reducionista ou determinista, mas uma epistemologia multiforme, plural e
indeterminada (ZAOUAL, 2008).
É a partir desta discussão que Granier & Robert apud (2002) propõem, cada vez
mais, a construção de um homem situs em vez de um homem oeconomicus, ou seja, o
capitalismo global, ao longo da sua trajetória, construiu um homem inflexível e duro diante
do mundo, um homem que não se preocupava com o sentimento de pertença e sim com a
capacidade cada vez maior de dominar a técnica; este homem hoje está, segundo os
autores, caindo em desuso, para ceder lugar a um homem cada vez mais flexível, tendo em
mente as complexidades sobre a natureza humana com um pensamento relacional
associando ética e técnica.
Com este pensamento, Zaoual (2008, p. 27) nos mostra que:
Tudo acontece como se a globalização criasse um “impulso planetário”,
empurrando as populações, excluídas ou não, a buscar demarcações
cognitivas, encontrando suas fontes indiferentemente nas religiões, nas
crenças, nas identidades locais, ou simplesmente em uma proximidade de
pertença, para melhor gerir a incerteza decorrente do reino, que se quer
sem partilha, da técnica e da mercantilização do mundo.
Nessa perspectiva é que o supracitado autor busca em sua obra O Princípio do
Respeito à Diversidade quando aborda sobre os sítios simbólicos de pertencimento e os
define como sendo:
Um marcador imaginário de espaço vivido. Trata-se de uma entidade
imaterial (ou intangível) que impregna o conjunto do universo local dos
atores. Sendo sempre singular, aberto ou fechado. Contém código de
seleção e de evolução própria, sendo dinâmico. Que contrariando o
culturalismo, seu estudo tem uma abordagem não estática, pensando no
plano de movimento, de complexo e de mestiçagem cultural. Opõe-se ao
economicismo ao afirmar que nenhuma dimensão da existência humana
pode estar separada das outras (ZAOUAL, 2008, p. 27).
A cultura do capitalismo percebe e concebe a natureza como simples reservatório
de energia, sendo esta explorável à vontade. Dessa concepção, resulta a depredação do
planeta, sendo a autorrealização dos lucros a profecia fundamental do capitalismo. E os
homens, as sociedades, os vegetais, os animais, enfim, todo o mundo está submetido a essa
seleção.
Daí a necessidade da busca por estes sítios de pertencimento, que o homem se sinta
pertencido a este meio no qual está inserido, e não o veja apenas como um espaço de
93
exploração que a economia de mercado criou e que acaba gerando além da riqueza de uma
parcela pequena da sociedade. Gerando também, ao mesmo tempo, a pobreza de milhares.
É deste contexto sócio-histórico que mais uma vez Zaoual (2008) fala que, nas últimas
décadas do século passado e no limiar deste, a sociedade vem sofrendo com a instauração
de um vazio, provocado por ondas sucessivas de crises morais e políticas.
A sociedade totalmente moldada pelo obscuro universo do mercado é
uma sociedade sem balizas. Tal constatação fundamenta o papel capital
do pensamento crítico na sociedade reduzida a um simples projeto
utilitarista e mercantil. Nenhuma sociedade ou civilização conseguiu
manter ou reencontrar sua prosperidade sem renovar sua filosofia de base
(ZAOUAL, 2008, p. 44).
O homem é um “animal territorial” - esse vínculo com o lugar a que pertence é
quase instintivo. Assim, universalmente, o homem precisa de sítio, de ancoragem para
situar-se enquanto ser social, para organizar-se socialmente e se integrar com a natureza e
os demais aspectos inerentes a ela.
Contrariamente à exclusiva visão de mercado que subtrai o homem de seu ambiente
social, o sítio o inclui e o vincula a suas raízes. Ele dá sentido a seu comportamento; ele
integra, assimila e ultrapassa toda contribuição vinda de fora (ZAOUAL, 2008) ou seja,
todo esse conhecimento tácito nas práticas locais faz parte de sua natureza própria.
Tomando essa lógica de pensamento, é que essa pesquisa foi desenvolvida nos
terreiros de Umbanda da cidade de Poções - Bahia, sendo escolhido para basear à mesma o
Terreiro do Buraco do Boi.
Procurou-se, no decorrer deste estudo, responder a questões pertinentes à temática,
como:
- Por que os adeptos das religiões de matrizes africanas utilizam plantas medicinais e
místicas nos seus rituais religiosos?
- Quais as concepções de meio ambiente e de pertencimento para os adeptos da Umbanda
poçoense?
No decorrer desta pesquisa, alguns objetivos - traçados ainda na fase de projetoforam sendo alcançados ao longo da sua execução, orientando a condução e a metodologia.
• Analisar as plantas medicinais e religiosas que são utilizadas nos rituais dos terreiros de
Umbanda da cidade de Poções, bem como suas relações com o sagrado, com os orixás,
94
os caboclos e outras entidades espirituais, tomando como base o Terreiro Buraco do
Boi.
• Catalogar as principais plantas medicinais ou rituais que são utilizadas pelos integrantes
dos terreiros, considerando a família e a espécie, bem como estabelecendo o uso que é
feito de cada uma delas.
• Identificar as entidades sagradas do universo do terreiro a ser pesquisado e suas relações
com determinadas plantas e com a natureza como um todo.
• Investigar a concepção de natureza que aparece a partir do uso de plantas ou ervas pelas
religiões de matrizes africanas no terreiro do Buraco do Boi.
O que ficou evidenciado nos resultados da pesquisa foi que, apesar da globalização
ter tornado uma “máquina incontrolável e excludente”, que segundo Zaoual (2008) a
ciência, a técnica e o mercado se aliaram para construir uma civilização desmedida, com
seus efeitos perversos, que tem esgotado a totalidade de seus mitos, percebe-se que ainda
nos resta alguns exemplos em que o homem procura, diante da sua cultura, preservar
elementos que lhes são próprios, como é o caso dos sítios (lugares) que desenvolveu uma
“espécie de alma” que a economia racional ignora. Zaoual (2008, p. 104) afirma que:
Cada sítio humano possui seu próprio conhecimento especializado
(expertise), o qual deve ser descoberto em cada lugar do planeta. Estes
possuem uma série de caixas que contêm seus mitos, sua memória, seus
conceitos, seu saber social e seus modelos de ação mobilizadora.
Um dos desafios deste trabalho foi desconstruir paradigmas criados pela Ciência
Ocidental Moderna que, segundo Abib (2011), cometeu um “epistemicídio” ao
desconsiderar e desvalorizar conhecimentos de origem cultural popular, tradicional,
especialmente de matrizes africanas e indígenas, colocando estes como sendo
conhecimento “menor” diante do academicismo. Daí a necessidade, na atualidade, de uma
afirmação e reconhecimento dessa matriz cultural que foi historicamente renegada em
nossa sociedade.
E mesmo em situação de desvantagem socioeconômica, em desvantagem de poder,
a força dessa cultura mantém-se de alguma forma pelas gerações de pessoas que compõem
comunidades, como é o caso da comunidade do Buraco do Boi, que se constitui enquanto
uma comunidade religiosa, que busca formas de preservar a sabedoria que as gerações
passadas foram adquirindo, ao longo do tempo, em suas experiências. É o que Eduardo
95
Oliveira (2007, p. 182) chama de Ancestralidade. Segundo o autor, não se trata de um
simples conjunto de regras rígidas ou sanções impostas moralmente, mas sim de um modo
de vida, e ressalta:
A ancestralidade converte-se no princípio máximo da educação. Educar o
olhar é Educação. No caso da cosmovisão africana, educa-se para a
sabedoria, para a filosofia da terra, para a ética do encantamento. Educar
é conhecer a partir das referências culturais que estão no horizonte da
minha história (ancestralidade). Olhar é um treino de sensibilidade.
Aguça-se a sensibilidade para perceber o encanto que tece as coisas.
Sensibilizado, o outro deixa de ser apenas um conceito, e me interpela
para uma ação de justiça e me convida a uma conduta ética. Sensibilizado
posso fazer da vida uma obra de arte na criatividade e na tradição.
(OLIVEIRA, 2007, p. 259)
Buscou-se, neste estudo, com a comunidade religiosa do Buraco do Boi, investigar
como esta se relaciona com o meio ambiente nas suas práticas cotidianas de grupo
religioso que se identifica como herdeiros de uma tradição de origem africana que ainda
resiste em nossa sociedade, apesar dos massacres originados pelo processo global de
produção.
Aqui, vale mais uma vez citar Eduardo Oliveira (2012), em Filosofia da
Ancestralidade como Filosofia Africana: Educação e Cultura Afro-Brasileira, na Revista
Sul-Americana de Filosofia e Educação (RESAFE), onde se discute que toda a indústria da
Modernidade foi pensada em torno de relações de raça e tal empreendimento foi justificado
pela ciência moderna. Assim, os grandes avanços tecnológicos, científicos e filosóficos da
Modernidade, de um modo ou de outro, beneficiaram-se da exploração dos africanos na
África ou na Diáspora. O capitalismo foi um empreendimento mantido, substancialmente,
pelo trabalho escravo africano e justificado tanto pela ciência, na figura do racismo
biológico, quanto pela própria filosofia da época – o evolucionismo. Na atualidade, não
tivemos mudanças substanciais neste campo, ou seja, a situação de exclusão e de
preconceito continua vivamente presente, embora hoje se dá por um outro viés.
A África, por nós criada, é em tudo “mais africana” que a África que perdura no
continente negroide dos dias atuais (OLIVEIRA, 2012), e muito dessa África recriada em
solo brasileiro está vivamente presente em nossa cultura, sobretudo, no aspecto religioso,
nos terreiros de religiões de matrizes africanas, onde os Orixás, Caboclos e outros
entidades são cultuados.
96
As plantas sagradas ocupam um lugar de destaque nestes ambientes. Sejam para
preparar banhos, sejam para defumadores, chás, benzimentos ou para passar pelo corpo do
fiel. Elas estão sempre presentes nos rituais, não sendo diferente também na comunidade
estudada, onde foram verificadas as diversas maneiras de uso dessas ervas nos rituais e
afazeres do dia-a-dia desta casa de santo. A casa desenvolve uma relação mui singular com
o Outro-Natureza, o Outro-Outro (OLIVEIRA, 2012), sendo que cada cultura produz o seu
mundo justamente ao mundo das outras culturas. E, como afirma Zaoual (2008), fazer o
que se pensa e se acredita é este homo situs, contrariamente, ao homo oeconomicus da
globalização, que reaparece e se fundamenta a partir do pertencimento a um paradigma
pluralista. Com isso, essa nova proposta de homem, o homem da pluralidade dos espaços
de justaposição que o cerceiam, ou seja, um ser humano que reconheça que a riqueza da
humanidade está no fato de sermos diferentes.
Diante desse quadro, não podemos pensar a cultura brasileira sem a participação
dos afrodescendentes, pois as várias expressões culturais dessas populações são elementos
importantíssimos na história da construção da sociedade brasileira. Ao falarmos de
africanidades, levamos em consideração a dinâmica civilizatória que foi ressignificada e
reconstruída pelos afrodescendentes em solo brasileiro. Estas podem ser percebidas nos
inúmeros traços de nossa cultura espalhados por diferentes lugares do Brasil: na capoeira,
nas casas de candomblé e umbanda, nos bairros negros, nas danças e ritmos, na
intelectualidade, na oralidade, em tecnologias, em todas as expressões do ser negro e
afrodescendente (VIDEIRA, 2005). Este legado material e imaterial de base afro, presente
nos mais variados recônditos do nosso país, é parte ímpar do patrimônio histórico-cultural
e da memória de seus habitantes e não exclusivamente da população de base africana,
constituindo, portanto, o acesso a esse conhecimento um direito de cidadania.
Reafirmamos, de acordo com o artigo 7 da Declaração Universal sobre a
Diversidade Cultural (UNESCO, 2002), que este patrimônio deve ser preservado,
valorizado e transmitido às gerações futuras como testemunho da experiência, estimulando
a criatividade, garantindo que se estabeleça um diálogo entre as diferentes culturas e que
sejam criadas as condições para que estas possam se expressar e se fazer conhecidas.
E, por fim, concluímos que a nossa formação social foi diretamente influenciada
pela singularidade da cultura de base negra, o que demonstra a resistência dos africanos ao
processo de dominação europeia. Apesar da escravidão, os africanos e afrodescendentes
97
nem sempre assimilaram ou reproduziram as estruturas de dominação europeia. Os valores
culturais negros, trazidos na escravidão, aqui, fugindo dos seus senhores, usavam atitudes
criativas para manterem-se fiéis aos seus valores, mitos e ritos de suas tradições. Logo,
diante desse quadro, compreender como os sujeitos sociais constroem, vivem e reinventam
suas tradições culturais de matriz africana é fundamental no trabalho de ressignificação da
história e cultura negra, uma vez que esta produção cultural advinda desse grupo tem uma
efetividade na construção identitária da população brasileira.
98
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(Coleção questões da nossa época. 106).
102
APÊNDICES
103
APÊNDICE A - Roteiro de entrevista.
1- Qual a importância das ervas (plantas) na umbanda?
2- De que forma a natureza está presente nos rituais do terreiro?
3- Descreva as ervas mais utilizadas pela casa durante os cerimoniais?
4- Qual a diferença entre plantas sagradas e plantas medicinais?
5- Existem plantas que são utilizadas apenas para cerimonial? Quais?
6- Qual a preocupação da casa com relação à preservação do meio ambiente?
7- Existem áreas destinadas ambientalmente para a realização de festas e rituais?
8- As entidades usam ervas durante os momentos de cura? Quais?
9- Quais as partes das plantas que são mais utilizadas pelo terreiro?
10-
Sem plantas a umbanda correria o risco de não existir mais? Por que?
104
APÊNDICE B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB
Autorizada pelo Decreto Estadual nº 7344 de 27.05.98
Comitê de Ética em Pesquisa – CEP / UESB
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Resolução nº 196, de 10 de Outubro de 1996, sendo o Conselho Nacional de Saúde.
O presente termo em atendimento à Resolução 196/96, destina-se a esclarecer ao participante da
pesquisa intitulada “Plantas do Axé: sua Fundamentação Religiosa no Terreiro de Umbanda
“Caboclo Boiadeiro” Localizado na Fazenda Buraco do Boi – Poções Bahia”, sob
responsabilidade dos pesquisadores Celio Silva Meira e Marília Flores Seixas Oliveira, do curso
de Pós-Graduação em Ciências Ambientais, nível mestrado do Departamento de Filosofia e
Ciências Humanas (DFCH), os seguintes aspectos:
Objetivo: Analisar as plantas medicinais e místicas que são utilizadas nos rituais dos terreiros de
Umbanda da cidade de Poções, bem como suas relações com o sagrado, com os orixás, os caboclos
etc. tomando como base o Terreiro Buraco do Boi, discutindo as especificidades das relações desta
religião com a natureza e o meio ambiente.
Metodologia: Para o seu andamento, foi escolhido o método da Hermenêutica, nascida nos anos 60
do século passado, e tem como referência o antropólogo Clifford Geertz. Partindo desse princípio,
buscar-se-á, nas entrevistas e nas observações, alcançar meios de reconstrução, interpretação e
compreensão das formas simbólicas envolvidas na proposta da pesquisa.
Justificativa e Relevância: Percebe-se o quanto os vegetais são importantes para a preservação da
cultura das religiões afro-brasileiras, segundo uma canção de domínio público e interpretada pela
cantora Maria Bethânia, diz o seguinte: “sem folha não tem sonho, sem folha não tem festa, sem
folha não tem vida, sem folha não tem nada”. Logo, é perceptível a relação de intimidade entre a
religião e a natureza, considerando que sem a mesma não há continuidade da vida religiosa,
espiritual.
Participação: As entrevistas serão catalogados através de código, assim não serão identificados os
seus autores, preservando a sua identidade.
Desconfortos e riscos: Esclarece-se que o entrevistado poderá sofrer desconfortos e riscos pelo
desenvolvimento do estudo, pois segundo a Resolução CNS/MS n.º.196/1996 (itens II.8 e V) toda
pesquisa envolvendo seres humanos envolve risco, com possibilidade de danos à dimensão física,
psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano, em qualquer fase de uma
pesquisa e dela decorrente
Confidencialidade do estudo: As informações coletadas através deste instrumento de pesquisa
serão utilizadas com finalidade estritamente científica, com base na Resolução CNS/MS
n.º.196/1996 (item VII. 14), após a transcrição os formulários serão destruídas pelo pesquisador,
preservando assim o princípio da confidencialidade.
Benefícios: Um maior entendimento sobre a cultura dos Terreiros de Umbanda, desmitificando
assim o uso das planta e promovendo quebra de preconceitos
Dano advindo da pesquisa: Esclarece-se que o entrevistado não sofrerá danos pelo
desenvolvimento do estudo.
Garantia de esclarecimento: Garante-se prestar quaisquer esclarecimentos adicionais aos sujeitos
da pesquisa em qualquer momento da pesquisa.
Participação Voluntária: Esclarece-se que a participação no presente projeto de pesquisa dará de
forma voluntária, livre de qualquer forma de remuneração, sendo que poderá retirar seu
consentimento em participar da pesquisa a qualquer momento.
105
Consentimento para participação: Eu estou de acordo com a participação no estudo descrito
acima. Eu fui devidamente esclarecido quanto os objetivos da pesquisa, aos procedimentos aos
quais serei submetido e os possíveis riscos envolvidos na minha participação. Os pesquisadores me
garantiram disponibilizar qualquer esclarecimento adicional que eu venha solicitar durante o curso
da pesquisa e o direito de desistir da participação em qualquer momento, sem que a minha
desistência implique em qualquer prejuízo à minha pessoa ou à minha família, sendo garantido
anonimato e o sigilo dos dados referentes a minha identificação, bem como de que a minha
participação neste estudo não me trará nenhum benefício econômico.
Eu, __________________________________________________________, aceito livremente
participar do estudo intitulado ““Plantas do Axé: sua Fundamentação Religiosa no Terreiro
de Umbanda “Caboclo Boiadeiro” Localizado na Fazenda Buraco do Boi – Poções Bahia”
desenvolvido pela acadêmica Celio Silva Meira, sob a responsabilidade do Professora Marília
Flores Seixas Oliveira Universidade estadual do Sudoeste da Bahia (UESB).
Nome da Participante_______________________________________
Nome da pessoa ou responsável legal__________________________
COMPROMISSO DO PESQUISADOR
Polegar direito
Discuti as questões acima apresentadas com cada participante do estudo. É minha opinião que cada
indivíduo entenda os riscos, benefícios e obrigações relacionadas a esta pesquisa.
________________________________________Itapetinga, Data: ____/____/2012.
Assinatura do Pesquisador
Para maiores informações, pode entrar em contato com:
Marília Flores Seixas de Oliveira - Fone: (77) 3424-1128
Celio Silva Meira - Fone: (77) ) 3431-2200
106
APÊNDICE C - Termo de Autorização de Uso de Imagem e Depoimentos.
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB
Autorizada pelo Decreto Estadual nº 7344 de 27.05.98
Comitê de Ética em Pesquisa – CEP / UESB
TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E DEPOIMENTOS
Eu __________________________________________, CPF _______________, RG
_______________, depois de conhecer e entender os objetivos, procedimentos
metodológicos, riscos e benefícios da pesquisa, bem como de estar ciente da necessidade
do uso de minha imagem e/ou depoimento, especificados no Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE), AUTORIZO, através do presente termo, os pesquisadores
Celio Silva Meira e Marília Flores Seixas de Oliveira do projeto de pesquisa intitulado
“Plantas do Axé: sua Fundamentação Religiosa no Terreiro de Umbanda “Caboclo
Boiadeiro” Localizado na Fazenda Buraco do Boi – Poções Bahia” a realizar as fotos
que se façam necessárias e/ou a colher meu depoimento por meio de entrevista gravada
sem quaisquer ônus financeiros a nenhuma das partes.
Ao mesmo tempo, libero a utilização destas fotos (seus respectivos negativos) e/ou
depoimentos para fins científicos e de estudos (livros, artigos, slides e transparências), em
favor dos pesquisadores da pesquisa, acima especificados, obedecendo ao que está previsto
nas Leis que resguardam os direitos das crianças e adolescentes (Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA, Lei N.º 8.069/ 1990), dos idosos (Estatuto do Idoso, Lei N.°
10.741/2003) e das pessoas com deficiência (Decreto Nº 3.298/1999, alterado pelo Decreto
Nº 5.296/2004).
Itapetinga - BA, __ de ______ de 2012.
_______________________
Participante da pesquisa
______________________________
Pesquisador responsável pelo projeto
107
APÊNDICE D - Ervas sagradas usadas nos rituais do terreiro de umbanda “Caboclo
Boiadeiro” – Fazenda Buraco do Boi - Poções Bahia.
Nome científico: Lippia sidoides
Nome popular no terreiro: alecrim do campo
Associação religiosa: Caboclos, Oxóssi e Oxalá.
Usos: folhas e caule para preparação de banhos rituais
para afastar a negatividade dos médiuns e as folhas
quando secas usam-se para defumadores de ambientes.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Cestrum laevigatum Sch., Solanaceae
Nome popular no terreiro: quarana branca
Associação religiosa: dedicada ao orixá Exu
Usos: as folhas são usadas para limpeza de descarrego,
limpeza de casa e preparação de banhos de abô.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Cynodon dactylon (L) pers., Paoceae
(Gramineae)
Nome popular no terreiro: capim de aruanda
Associação religiosa: ligado ao orixá Ogum, Oxum e
Xangô.
Usos: os cachos (flores) na preparação de banhos de
conforto, as folhas secas para defumador, usadas
também no preparo de chás para tosse.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Lippia sidoides
Nome popular no terreiro: alecrim de horta
Associação religiosa: caboclo
Usos: as folhas são usadas no preparo de chá para tosse
com leite e ovos de galinha e também para banhos,
preparação de cama de iaô e preparação de água
(macerado) para lavagem de cabeça.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Alpinia zerumbet (Pers.) Burth &
Smith., Zingiberaceae
Nome popular no terreiro: água de colônia
Associação religiosa: Caboclo, Oxóssi e Iemanjá.
Usos: as flores são usadas na preparação de chá para
problemas de coração e banhos para os iniciados no
orixá Iemanjá e as folhas para banho de iniciação.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
108
Nome científico: Phthirusa abdita S.Moore,
Loranthaceae
Nome popular no terreiro: erva de passarinho
Associação religiosa: erva de Caboclo
Usos: as folhas para preparar banhos de descarrego e o
sumo como cicatrizante de feridas brabas
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Centratherum punctatum Cass.
Asteraceae (compositae)
Nome popular no terreiro: Balainho de velho
Associação religiosa: folha de Preto Velho e Omolu
Usos: as folhas para banhos e as raízes coloca em
infusão com álcool para passar nas pernas para aliviar
os inchaços.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Petiveria alliacea L., Phytolaccaceae
Nome popular no terreiro: jaracataca ou guiné
Associação religiosa: caboclos e os pretos velhos,
Oxóssi, Ogum.
Usos: as folhas para banhos e a raiz em infusão com
álcool passar na coluna e nas pernas no tratamento de
dores e inchaços.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Ruta graveolens L. Rutaceae
Nome popular no terreiro: arruda
Associação religiosa: os pretos velhos e Exu
Usos: as folhas quando cozidas em banhos de
descarrego e quando secas em defumadores para
espantar coisas maléficas da casa.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita e
mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Periploca nigrescens Afzel.,
Asclepiadaceae
Nome popular no terreiro: rama preta
Associação religiosa: folha de Caboclos, Oxóssi.
Usos: as folhas são usadas no preparo de banhos para
retirado de odum e o sumo das mesmas para curar
machucados.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita e
mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
109
Nome científico: Acacia farnesiana (L) Willd.
Nome popular no terreiro: espinho cheiroso
Associação religiosa: caboclos
Usos: as folhas são usadas para o tratamento de loucos
em banhos e o cipó para um ritual de alívio da loucura.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Artocarpus integrifólia L f, Moraceae
Nome popular no terreiro: folha de jaca
Associação religiosa: caboclos
Usos: banhos de descarrego
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Hyptis carpinifolia Benth, Lamiaceae
Nome popular no terreiro: alfazema
Associação religiosa: folha do orixá Oxum, e de
caboclos
Usos: as folhas servem para banhos perfumados,
lavagem de cabeça e fazer cama de iaô e chás para
baixar colesterol.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Sansevieria trifasciata Hort. Ex
Prain., Liliaceae
Nome popular no terreiro: espada de ogum
Associação religiosa: folhas do orixá Ogum
Usos: as folhas em banhos de descarrego e num ritual
feito uma vez no ano no sábado de aleluia
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Eugenia pitanga Berg., Myrtaceae
Nome popular no terreiro: pitanga
Associação religiosa: caboclos, Ossaim e Oxum.
Usos: as folhas para banhos para atrair coisas boas e
prósperas e cobrir o chão do barracão para o orixá
dançar em cima em dia de cerimônia pública.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
110
Nome científico: Solanum erianthum D. Dom.,
Solanaceae
Nome popular no terreiro: caiçara
Associação religiosa: folha de Ogum e de Oxóssi
Usos: as folhas são usadas em ritual de preparo da cama
de iaô e em banhos de sacudimentos e purificatórios
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Leonotis nepetifolia (L) W.T. Aiton,
Lamiaceae
Nome popular no terreiro: cordão de São Francisco
Associação religiosa: folha de Preto Velho, Oxóssi
Usos: as folhas são usadas para banho de descarrego e
na produção d eum pó com a finalidade de enfraquecer o
inimigo.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Vernonia polyanthes Less.,
Compositae
Nome popular no terreiro: assa peixe branco
Associação religiosa: folha de caboclo e Oxóssi
Usos: as folhas servem para preparar banhos de
descarrego, utilizados nos rituais de iniciação dos
adeptos.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita e
mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Senna obtusifolia (L) Irwin &
Barneby, Fabaceae (Leguminosea)
Nome popular no terreiro: fedegoso
Associação religiosa: planta de caboclo
Usos: as folhas para benzimento, as raízes auxilia na
cura da epilepsia e as sementes torradas no café para
curar enxaqueca.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita e
mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
111
Nome científico: Solanum paniculatum L., Solanaceae
Nome popular no terreiro: jurubeba
Associação religiosa: planta de caboclo, Oxóssi.
Usos: a raiz no preparo de xarope e as folhas lavarem
louça dos orixás (ritual) e banhos purificatórios dos
iniciados
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Nicotiana tabacum L, Solanaceae
Nome popular no terreiro: fumo de corda
Associação religiosa: caboclos
Usos: a raiz é usada para preparar xarope e as folhas
para defumadores que serão usados em trabalhos da
casa.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Spermacoce verticillata L., Rubiaceae
Nome popular no terreiro: vassourinha de Nossa
Senhora
Associação religiosa: caboclos e Oxóssi
Usos: as folhas são usadas para benzimento e banhos e
as raízes no preparo de garrafadas.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Arum esculentum Vent. Araceae
Nome popular no terreiro: folha de taioba
Associação religiosa: Nanã
Usos: como umas das opções no preparo do Caruru na
festa de Cosme e Damião
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita e
mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
112
Nome científico: Plumeria drastica M., Apocynaceae
Nome popular no terreiro: jasmim
Associação religiosa: Oxóssi
Usos: as flores para enfeitar o santo e o salão e as folhas
na limpeza de corpo (ritual)
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Acacia jurema Mart., Leguminoseamimosoideae
Nome popular no terreiro; jurema preta.
Associação religiosa: caboclos, Oxóssi e Ossaim.
Usos: a casca, após cozida é utilizada na produção de
uma bebida juntamente com vinho, melado de cana e
gengibre chamada jurema de caboclo.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Pimpinela anisum L., Umbeliferae
Nome popular no terreiro: erva-doce
Associação religiosa: planta de Oxum
Usos: folhas e sementes são usadas para chás, banhos
para ser jogado em casas de negócio e ebós de amor.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Lippia geminata gardn., Verbenaceae
Nome popular no terreiro: erva-cidreira
Associação religiosa: planta de caboclo e Oxum
Usos: as folhas são usadas para chás calmantes, banhos e
defumadores.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
113
Nome científico: Pothomorphe umbellata (L) Miq.,
Piperaceae
Nome popular no terreiro: caapeba
Associação religiosa: planta de caboclo
Usos: as folhas e as raízes são usadas para chás contra
úlcera, diabetes e gastrite.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita e
mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Citrus nobilis Lour., Rutaceae.
Nome popular no terreiro: folha de tangerina
Associação religiosa: caboclos e Iansã
Usos: as folhas servem para banhos de conforto e chás
contra febre
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Cymbopogon citratus (DS) Stapf.,
Graminae
Nome popular no terreiro: capim santo
Associação religiosa: Oxóssi e Xangô
Usos: as folhas são usadas para chás na cura de tosse e
baixar a pressão arterial, banhos de purificação.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Tabebuia impetiginosa
Nome popular no terreiro: pau d’arco roxo
Associação religiosa: planta de caboclo
Usos: a casca é usada para banhos de iniciação e chá
contra males da próstata.
Informantes do uso no Terreiro: Neide,
Mesonita,Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Tabebuia impetiginosa
Nome popular no terreiro: pau d’arco branco
Associação religiosa: planta de caboclo
Usos: a casca é usada para chás no combate a diabete
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
114
Nome científico: Mangifera indica L. Anacardiaceae
Nome popular no terreiro: manga
Associação religiosa: planta de Ogum e de caboclo
Usos: as folhas para banhos e produção de xarope na
cura da tosse e bronquite
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita e
mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Annona squamosa L
Nome popular no terreiro: pinha
Associação religiosa: não se aplica
Usos: as folhas servem para produzir um sumo que é
usado sobre o local em que uma pessoa foi mordida de
cobra, chás para problemas de coração e o fruto para
sucos no combate ao colesterol.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Psidium guajava L., Mytraceae
Nome popular no terreiro: goiabeira
Associação religiosa: planta de Oxum e de Cosme e
Damião, Ogum e Oxalá.
Usos: são usados as folhas, as cascas e os frutos, as
folhas para chás no combate a diarreia, as cascas na
produção de um pó cicatrizante para ferimentos e banhos
de assento na cura de hemorroidas e o fruto na produção
de doce para oxum e Cosme e Damião.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita.
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Citrus aurantium L. Rutaceae
Nome popular no terreiro: laranjeira
Associação religiosa: planta de caboclo, Xangô.
Usos: as folhas servem para encher o travesseiro das
iaôs no momento da feitura, chás, lavagem de cabeça e
em banhos para unir pessoas apaixonadas.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
115
Nome científico: Persea gratissima G., Lauraceae
Nome popular no terreiro: abacate
Associação religiosa: planta de caboclo, Ogum, Oiá e
Xangô.
Usos: as folhas para chá e o caroço ralado coloca em
infusão no álcool e passa na coluna cura de artrose.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome
científico:
Bauhinia
fortificata
Link
Leguminosae
Nome popular no terreiro: pata de vaca
Associação religiosa: Oiá e Obaluaiê
Usos: a folha serve para chá e auxilia no combate ao
colesterol, diabete e pressão alta e também para banhos
de descarrego.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita e
mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Citrus limonia Osb., Rutaceae
Nome popular no terreiro: limão doce
Associação religiosa: caboclos e Ossaim
Usos: as folhas e o fruto servem para chás no combate
ao colesterol e na cozinha cotidiana para preparar peixes,
aves e na forma de refresco e em um ritual para afastar
os eguns.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Anantherum bicorne Pol. et Beauv.,
Gramineae
Nome popular no terreiro: sapê
Associação religiosa: não se aplica
Usos: a raiz é usada no preparo de banhos e chás que
auxiliam no crescimento de criança.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
116
Nome científico: Aloe vera L., Liliaceae
Nome popular no terreiro: babosa
Associação religiosa: Omolu e Ogum
Usos: as folhas são usadas na produção de pílulas para a
cura de hemorroidas e na produção de uma pasta para
passar no coro cabeludo contra queda de cabelo.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Lepidium sativum L., Brassicaceae
(Cruciferae)
Nome popular no terreiro: mastruço
Associação religiosa: Preto Velho
Usos: as folhas e as raízes servem para fazer garrafada
usada na cura de vermes e tosse banhos de sacudimento
do pescoço para baixo.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Sida cordifolia L, Malvaceae
Nome popular no terreiro: neve
Associação religiosa: folha de Oxalá
Usos: as folhas são usadas misturas com sal em cima de
feridas para cicatrização e para banhos purificatórios de
todos os adeptos.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Acanthospermum hispidum D.C.,
Asteraceae (Compositae)
Nome popular no terreiro: tira - nódoa
Associação religiosa: planta de Exu
Usos: as folhas são usadas misturas com sal em cima de
feridas para cicatrização.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita e
mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
117
Nome científico: Chamaesyce hirta (L) Millsp.,
Euphorbiaceae
Nome popular no terreiro: bucha de Xavier
Associação religiosa: planta de Exu
Usos: as folhas são usadas para a produção de um pó
(pemba) usado em trabalhos de descarrego para afastar
inimigos dos caminhos e pessoas indesejáveis.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Lindomar,
Mesonita e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Tillandsia usneoides L. Bromeliaceae
Nome popular no terreiro: Barba de macaco
Associação religiosa: planta de caboclo
Usos: o cipó é usado para banhos na cura de dores na
coluna e colocado na cama das iaôs.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Aristolochia cymbifera Mart,
Aristolochiaceae
Nome popular no terreiro: jarrinha
Associação religiosa: planta de caboclo
Usos: a raiz serve no preparo de garrafadas
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita e
mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Ageratum conyzoides L. Compositae
Nome popular no terreiro: macela galega
Associação religiosa: planta de caboclo, Oxalá.
Usos: as folhas e as flores servem para encher
travesseiros de iaô
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Mirabilis jalapa L. Nyctagninaceae
Nome popular no terreiro: batata de purga
Associação religiosa: Planta de Oiá e de caboclos
Usos: as folhas são usadas para trabalhos de defesa
contra feitiços e as raízes são recomendadas nos casos
de cólicas abdominais, diarreias etc.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
118
Nome
científico:
Croton
campestres
Mart.,
Euphorbiaceae
Nome popular no terreiro: velaminho
Associação religiosa: Preto Velho
Usos: as folhas para prepara banhos de descarrego e o
caule que produz um líquido leitoso é usado para evitar
o aumento do vitiligo.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita e
mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Cocos nucifera L, Palmae
Nome popular no terreiro: coco
Associação religiosa: planta de caboclo
Usos: as folhas para enfeite e o fruto na culinária e a
casca na produção de cumbucas para servir a jurema
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita e
mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Tilllandsia usneoides L., Bromeliaceae
Nome popular no terreiro: samambaia
Associação religiosa: planta de caboclo
Usos: as folhas servem para serem usadas em cama de
iaô no momento da feitura e também para enfeitar o
salão em dia de festa pública
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita e
mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Clidemia hirta Baill., Melastomaceae
Nome popular no terreiro: folha de fogo
Associação religiosa: planta de Iansã e Xangô
Usos: as folhas são cozidas para banhar queimaduras e
produzir um pó também usado na cura de queimaduras.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
119
Nome científico: Sebastiania brasiliensis Muel. arg.,
Euphorbiaceae.
Nome popular no terreiro: folha de burro
Associação religiosa: planta de caboclo
Usos: as folhas são usadas em banhos de descarrego e o
sumo das mesmas servem como cicatrizantes de feridas.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Capsicum frutescens L, Solanaceae
Nome popular no terreiro: pimenta malagueta
Associação religiosa: erva de Exu
Usos: comumente utilizada para “esquentar” o orixá ou
em trabalhos específicos de Exu e na cozinha do axé no
preparo de farofas (padês) de Exu e em especial às
Pombagiras e no consumo diário da casa.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Coffea arabica L., Rubiaceae
Nome popular no terreiro: folha de café
Associação religiosa: Ossaim
Usos: as folhas são usadas para preparar banhos no
alívio de dor de cabeça
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
120
Nome científico: Laportea aestuans (L) Chew,
Urticaceae
Nome popular no terreiro: cansanção
Associação religiosa: folha de Exu e Ogum
Usos: as folhas são usadas em rituais dedicados ao orixá
Exu (descarrego)
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita e
mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Musa sapientum L., Musaceae
Nome popular no terreiro: bananeira
Associação religiosa: folha de caboclo, Oxum, Oxalá e
Ibeiji
Usos: as folhas são usadas para servir os convidados nas
ocasiões das festas públicas, no preparo de acaçá e a
fruta para os caboclos no preparo de doces para Oxum.
Informantes do
uso
no
Terreiro: Neide,
Mesonita,Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Ricinus communis L., Euphorbiaceae
Nome popular no terreiro: mamoneira
Associação religiosa: folha de Omolu
Usos: as folhas para banhos para prosperar nos negócios
e as sementes para fazer um óleo usado para amaciar os
laços dos caboclos.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Ocimum basilicum
Nome popular no terreiro: folha de tioiô
Associação religiosa: folha de caboclo
Usos: as folhas e as sementes são usadas no preparo de
chás e banhos e quando secas para defumadores.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
121
Nome
científico:
Cuscuta
racemosa
Mart,Convolvulaceae ( Cuscutaceae)
Nome popular no terreiro: cipó de catitu
Associação religiosa: planta de Oxóssi e de caboclos
Usos: o caule é usado para fazer cestos, arranjos e
balaios usados nas oferendas aos santos.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita e
mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Urtica urens Vell.,Urticaceae
Nome popular no terreiro: urtiga
Associação religiosa: planta rasteira de Exu
Usos: usada em rituais dedicados ao orixá Exu, na
sacralização dos objetos deste.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita e
mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Ocimun basilicum L, Labiatae
Nome popular no terreiro: manjericão
Associação religiosa: planta de caboclo
Usos: as folhas servem para preparo de banhos e chás
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita e
mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Ocimun gratíssima L.Labiatae
Nome popular no terreiro: alfavaca de galinha
Associação religiosa: planta de caboclo
Usos: as folhas e as raízes servem para banhos e chás
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Punica Granatum L, Punicaceae
Nome popular no terreiro: romã
Associação religiosa: planta de Oxum
Usos: os frutos servem para enfeitar o prato de Oxum
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
122
Nome
científico:
Jatropha
gossypiifolia
L,
Euphorbiaceae
Nome popular no terreiro: pinhão roxo
Associação religiosa: folha de Exu, Oiá e Ogum.
Usos: as folhas servem para preparar banhos de
descarrego
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita e
mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Plantago major L., Plantaginaceae
Nome popular no terreiro: tansagem
Associação religiosa: Obaluaiê
Usos: as folhas e as sementes para banhos e chás
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Pluchea sagittalis (Lam.) Cabr.
Asteraceae (Compositae)
Nome popular no terreiro: quitoco
Associação religiosa: folha de caboclo e Obaluaiê
Usos: as folhas para banhos no alivio de dores no corpo
e de descarrego do pescoço para baixo.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Ipomoea batatas (L) Poir. & Lam.,
Convolvulaceae
Nome popular no terreiro: batata doce
Associação religiosa: folha de caboclo, Ogum, Iemanjá.
Usos: as folhas são usadas em rituais de iniciação e
entram em banhos purificatórios de vários orixás, os
tubérculos entram ainda na preparação de comidas que
são colocadas como oferenda pra caboclos e no preparo
de ebós para diversas finalidades.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
123
Nome
científico:
Heliotropium
indicum
L,
Borraginaceae
Nome popular no terreiro: crista de galo
Associação religiosa: folha de caboclo, Xangô.
Usos: banhos purificatórios dos iniciados,
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Physalis angulata L. Solanaceae
Nome popular no terreiro: juá-de-capote
Associação religiosa: Oxóssi e Exu
Usos: banhos purificatórios dos iniciados, cicatrizante.
Sacralização dos objetos rituais de Exu.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita e
mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Lactuca sativa L., Compositae
Nome popular no terreiro: alface
Associação religiosa: Oxum e caboclos
Usos: na limpeza de corpo dos trabalhos dos iniciados e
na culinária diária
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Solanum americanum Mill.,
Solaneacea
Nome popular no terreiro: pimenta de passarinho
Associação religiosa: folha de Exu
Usos: as folhas servem para trabalhos de descarrego e os
frutos são usados no preparo de farofas para os exus
fêmeas (Pombagiras)
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
124
Nome científico: Cynodon dactylon (L) Pers., Paoceae
(Gramineae)
Nome popular no terreiro: grama
Associação religiosa: Oxum
Usos: as raízes a as folhas são usadas para preparar
banhos que ajudam no crescimento dos cabelos
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Gossypium barbadense L., Malvaceae
Nome popular no terreiro: algodoeiro
Associação religiosa: Oxalá e Orumilá
Usos: as folhas são utilizadas nos rituais de iniciação e
em banhos, trata-se de uma folha muito quente e
poderosa.
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome
cientifico:
Hibiscus
esculentos
L.,Moench.,Malvaceae
Nome popular no terreiro: quiabo
Associação religiosa: Xangô, Oiá, Oxóssi e Ibeiji
Usos: usados no preparo do amalá de Xangô, no caruru
dos Ibeijis (crianças)
Informantes do uso no Terreiro: Neide, Mesonita,
Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Nome científico: Theobroma cacao L.,
Esterculiaceae
Nome popular no terreiro: cacaueiro
Associação religiosa: árvore ligada aos caboclos.
Usos: pelo colorido de suas folhas são usadas com
fins ornamentais no terreiro e no culto aos
caboclos, na qual são usados os frutos nas cores
verdes, amarela, possivelmente por se tratar das
cores nacionais.
Informantes do uso no Terreiro: Neide,
Mesonita, Lindomar e mãe Mesa.
Local de cultivo: na própria fazenda do terreiro
Fonte: Nomes científicos segundo Barros & Napoleão (2009) e Lorenzi & Matos (2002).
Fotos Meira (2012)
125
ANEXOS
126
ANEXO A - Aprovação do Conselho de Ética
Plataforma Brasil - Ministério da Saúde
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB/BA
PROJETO DE PESQUISA
Título: PLANTAS DO AXÉ E SUA FUNDAMENTAÇÃO RELIGIOSA: UM ESTUDO DE CASO NO
TERREIRO DE UMBANDA “CABOCLO BOIADEIRO” (FAZENDA BURACO DO BOIPOÇÕES/BAHIA)
Pesquisador: CELIO SILVA MEIRA
Versão: 2
Instituição: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB
CAAE: 01203712.5.0000.0055
PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP
Número do Parecer: 49013
Data da Relatoria: 25/06/2012
Apresentação do Projeto:
Conforme apresentado pelo pesquisador:
O presente trabalho procura investigar como os terreiros de Umbanda da cidade de Poções - Bahia
e em especial, o terreiro caboclo boiadeiro,localizado na fazenda Buraco do Boi, fazem uso de
vegetais e suas partes em seus rituais religiosos no sentido de aliviar ou solucionar problemas
sejam eles de saúde física ou mental. Conhecer a história, a importância e o culto que envolve essas
ervas nos terreiros é compreender um pouco da história de cada um dos seus adeptos e não reduzilas a meras superstições. Sendo o uso das folhas sagradas uma prática comum em todos os
terreiros, as religiões afro tornam as plantas um dos elementos mais importantes, pois são utilizadas
no momento em que faz a iniciação de adeptos e em todo o percurso das obrigações ritualísticas
dos terreiros. A natureza está sempre presente no cerimonial e as folhas formam uma força na
farmacopéia africana. O conhecimento que a cultura popular tem dos benefícios e malefícios das
plantas são indiscutíveis. O uso de remédios feitos a base de flores, frutos, folhas, raízes e
tubérculos é tão antigo quanto os primórdios da história da humanidade. Em nosso país, a medicina
popular é o resultado de uma série de acumulações de técnicas portuguesas, indígenas e negras, e
estas foram de tal maneira misturadas que hoje é difícil a distinção genuína de sua procedência
Entre os vegetais, há aqueles cujas propriedades terapêuticas associadas aos usos mágicos
tornaram-se consagrados pelo uso popular e ninguém questiona quando são recomendados a usálos em defumações, banhos, oferendas, infusões ou chás. A medicina mágica está vinculada aos
ritos afro-brasileiros e indígenas, especialmente os de Candomblé ou Umbanda, ela procura curar o
que de estranho foi colocado pelo sobrenatural no doente ou extirpar o mal que o faz sofrer. É
importante que as religiões afro-brasileiras se valham dos conhecimentos práticos da Taxionomia
Vegetal, para melhor conscientizar os seus adeptos sobre a importância da existência de plantas na
preservação da religião. A presença do vegetal para o afro-brasileiro está ligada à manutenção do
axé, que é a força que move esse povo e que tem toda a sua religiosidade calcada nas substâncias
extraídas das folhas. As religiões de matrizes africanas têm a natureza como elemento de
comunicação com o sagrado (o Ayiê e o Orum), é através das folhas sagradas que eles se
comunicam com as divindades. Para os adeptos dessa religião os orixás estão intimamente
relacionados com os elementos da natureza. Percebe-se o quanto os vegetais são importantes para a
preservação das religiões afro-brasileiras e para a manutenção da sua existência enquanto elemento
marcante da cultura brasileira.
Objetivo da Pesquisa:
127
Objetivo Primário:
Analisar as plantas medicinais e místicas que são utilizadas nos rituais dos terreiros de Umbanda da
cidade de Poções, bem como suas relações com o sagrado, com os orixás, os caboclos etc. tomando
como base o Terreiro Buraco do Boi, discutindo as especificidades das relações desta religião com
a natureza e o meio ambiente.
Objetivos Secundários:
- Catalogar as principais plantas medicinais que são utilizadas pelos integrantes do terreiro,
considerando a família e a espécie, bem como estabelecendo o uso que é feito de cada uma delas.
- Identificar as entidades sagradas do universo do terreiro a ser pesquisado e suas relações com
determinadas plantas e com a natureza como um todo.
Avaliação dos Riscos e Benefícios:
Os pesquisadores informam em relação aos riscos que o entrevistado poderá sofrer desconfortos ao
longo do desenvolvimento do estudo.
Em relação aos benefícios informam que o estudo poderá levar a maior entendimento sobre a
cultura dos Terreiros de Umbanda, desmitificando assim o uso das planta e promovendo quebra de
preconceitos
Comentários e Considerações sobre a Pesquisa:
O projeto está em estruturado em uma introdução e justificativa que sinalizam os seus elementos
constituintes.
Segue a sua FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA mediante a qual o autor se reporta á história da
presença afro em nossa cultura, notando a diversidade de grupos étnicos no contingente africano
aqui desembarcado e as lutas contra o julgo colonial. Tais lutas geraram uma resistência cultural.
Da presença africana surgiu uma vasta herança cultural em nosso País, inclusive no aspecto
religioso. Assim sendo, a fundamentação teórica versa fundamentalmente sobre os elementos
religiosos africanos presentes na cultura brasileira.
Em relação à metodologia apresenta tipo de pesquisa (abordagem qualitativa, com ênfase no
método da hermenêutica de profundidade); local da pesquisa (Terreiro de Umbanda "Caboclo
Boiadeiro - Fazenda Buraco do Boi - Porções/BA); tipo de coleta (observação participante e
entrevista semi-estruturada (gravada)); sujeitos da pesquisa (pais e mães de santo e adeptos dos
terreiros de Umbanda de Porções/BA); cronograma, compreendendo o período de abril de 2011 a
março de 2013, faltando, porém, contemplar o período de sua submissão ao CEP/UESB.
Apresentou as referências. Faltou, contudo, informar o número de participantes, os critérios de
inclusão e exclusão, como também o modo de análise dos dados. Ficou ausente ainda o orçamento
financeiro no relato do projeto.
O trabalho, nesse sentido, poderá oferecer relevante contribuição para se pensar academicamente os
elementos africanos presentes em nossa cultura, além de oferecer um importante estudo de
antropologia religiosa africana de nossa cultura. O trabalho oportuniza o oferecimento de um
estudo abalizado de uma vertente religiosa africana que marca a cultura religiosa brasileira.
Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória:
O projeto apresenta todas as declarações exigidas para submissão ao CEP. Além disso, apresenta o
TCLE de acordo com a Res. 196/96. Apresenta também a Autorização para o uso de imagens e
depoimentos.
Recomendações:
Sem recomendações.
Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações:
Somos de parecer favorável à aprovação do projeto.
Considerações Finais a critério do CEP:
128
Os pesquisadores realizaram as adequações sugeridas pela plenária do CEP/UESB.
Situação do Parecer:
Aprovado
Necessita Apreciação da CONEP:
Não
Considerações Finais a critério do CEP:
Projeto considerado aprovado pelo CEP/UESB.
JEQUIÉ, 03 de Julho de 2012.
Assinado por:
Ana Angélica Leal Barbosa
129
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PLANTAS DO AXÉ E SUA FUNDAMENTAÇÃO RELIGIOSA