Revista Eletrônica Novo Enfoque, ano 2012, v. 15, edição especial, p. 76 – 82
LEVANTAMENTO DAS ESPÉCIES DE PLANTAS MEDICINAIS UTILIZADAS PELA
POPULAÇÃO DE SANTA CRUZ – RIO DE JANEIRO – RJ
LOPES, Gláucia Ferreira Gaspar 1
PANTOJA, Sonia Cristina de Souza 2
Palavras- chave: Etnobotânica. Medicinais. Santa Cruz.
Problemática
A utilização de plantas na medicina popular é uma prática muito antiga, vinda desde o
início das grandes civilizações, apesar das descobertas e evolução da indústria farmacêutica
SAAD Et al. (2009). O costume de se utilizar plantas como medicamento se perpetua em muitas
sociedades tradicionais, pois possuem uma vasta farmacopeia natural; muitos desses vegetais são
encontrados em seu hábito natural, que passam a perder seu espaço com o aumento da população
e outros são cultivados em ambientes modificados. Ao longo dos anos muitas pesquisas foram
realizadas com a finalidade de esclarecer e comprovar a eficácia no uso das plantas medicinais.
Muitas destas pesquisas são feitas em mercados e feiras livres e revelam a necessidade de
conhecimento na área de etnobotânica e farmacognosia, pois o conhecimento empírico tem sido
passado de geração e muitas vezes são contraditórios.
Neste estudo foram consideradas as plantas utilizadas pela população de Santa Cruz, que
começou a ser povoada por volta do século XVI. Naquela época festejava-se no mês de maio o
Dia da Sagração da Santa Cruz, quando a população local e os escravos faziam seus rituais
sagrados utilizando ervas a fim de afastar os maus espíritos. O bairro de Santa Cruz está em
crescimento, porém ainda encontramos muitos ambulantes com suas barracas ou mesmo lonas
esticadas no chão vendendo as plantas medicinais; vale ressaltar que estes possuem apenas o
conhecimento empírico que lhe foi transmitido pelos seus antepassados (PINTO et al., 2005).
Objetivos
O presente trabalho tem como objetivo principal o conhecimento e o registro de plantas
que são utilizadas pela população de Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro, de forma a
1
Acadêmica da Universidade Castelo Branco, Escola da Saúde e Meio Ambiente. Avenida Santa Cruz, 1631,
Realengo, 21710-250 Rio de Janeiro, RJ, Brasil. PIBIC&T. [email protected].
2
Professora da Universidade Castelo Branco, Escola da Saúde e Meio Ambiente. Avenida Santa Cruz, 1631,
Realengo, 21710-250 Rio de Janeiro, RJ, Brasil. PIBIC&T. [email protected].
relacionar as indicações, formas de preparo e finalidades das administrações e compará-las com
aquelas estabelecidas na literatura especializada. Observou-se que a forma de preparo mais
relatada é o “chá”, não sendo identificada pelos usuários o tipo de chá como infusão, decocção
ou maceração. Identificar as principais plantas de utilidade medicinal e descrever
morfologicamente as espécies utilizadas e/ou cultivadas no bairro de Santa Cruz-RJ fornecendo
dados botânicos para pesquisas futuras.
Procedimentos Metodológicos
Trata-se de um estudo com levantamento de dados com abordagem quantitativa
utilizando modelos específicos de questionários para os usuários e comerciantes de plantas
medicinais nas feiras livres e nas residências dos moradores da região. Quando possível, as
espécies foram coletadas e herborizadas, sendo criado um mostruário para o Centro de Estudos
de Biologia da UCB. As plantas foram identificadas com chaves de identificação botânica e
bibliografia específica. Todo levantamento bibliográfico e identificação das espécies foram
realizadas nas bibliotecas e herbários do Rio de Janeiro como: Jardim Botânico, Museu Nacional
e Universidade Castelo Branco.
Resultados
De acordo com as entrevistas realizadas com 21 comerciantes, foram identificadas 50
espécies pertencentes a 25 famílias. As principais famílias citadas são: Asteraceae representada
por oito espécies (Achillea millefolium L., Baccharis timera DC., Bidens pilosa L., Cynara
scolymus L., Mikania glomerata Spreng., Solidago chilensia Meyen, Tanacetum vulgare L. e
Vernonia beyrichii Less) com 46 citações, seguido pela família Lamiaceae com seis espécies
(Lavandula angustifolia Mill., Mentha arvensis L., Mentha pulegium L., Mentha x villosa Huds.,
Ocimum basilicum L. e Plectranthus barbatus Andrews) com 27 citações, a família Fabaceae
com cinco espécies (Bauhinia forficata Link, Caianus cajan (L.) Huth, Desmodium adscendens
(Sw.) DC., Platycyamus regnelli Benth. e Tamarindus indica L.) com 21 citações, a família
Solanaceae com três espécies (Brunfelsis uniflora (Pohl) D. Don, Solanum cernuum Vell e
Solanum paniculatum L.) com 16 citações e a família Vitaceae com uma espécie (Cissus
verticillata (L.) Nicolson & C.E. Jarvis) com 11 citações. Foram entrevistados 312 usuários que
citaram em suas entrevistas 44 espécies e 27 famílias, na maioria conhecida apenas com seu
nome vulgar. As cinco famílias mais citadas foram: Asteraceae representada por sete espécies
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(Achillea millefoliumL., Baccharis trimera DC., Bidens pilosa L., Chamomilla recutita (L.)
Rauschert., Cynara scolymus L., Mikania glomerata Spreng e Vernonia beyrichii Less) com 56
citações; Myrtaceae com quatro espécies (Eucalyptus globulus Labill., Eugenia uniflora L.,
Psidium guajava L. e Syzygium cumini (L.) Skeels) com 28 citações; Apiaceae com duas
espécies (Foeniculum vulgare Mill., e Pimpinella anisum L.) com 26 citações; Lamiaceae com
cinco espécies (Leonurus sibiricus L., Mentha arvensis L., Mentha pulegium L., Mentha x
villosa Huds. e Plectranthus barbatus Andrews) com 22 citações e Verbenaceae com uma
espécie sendo citada 18 vezes (Lippia alba (Mill) N.E.BR.) (fig 1).
FAMÍLIAS MAIS CITADAS PELOS USUÁRIOS
300
250
200
150
100
50
0
Asteraceae
Myrtaceae
Apiaceae
Lamiaceae
Verbenaceae
Figura 1: Representa as cinco famílias mais citadas pelos usuários.
De todos os usuários entrevistados 12 são crianças, 23 são jovens e 277 são adultos, 15%
são do sexo masculino e 85% são do sexo feminino.
Observou-se que a forma de preparo mais relatada é o “chá” com 62% de citações,
seguido pelo sumo com 20%, suco com 6%, gargarejo com 5%, compressa com 4% e banho com
3% (fig. 2).
78
MEIOS DE PREPARO
300
250
200
150
100
50
0
Chá
Sumo
Suco
Gargarejo Compressa
Banho
Figura 2: Descreve os meios mais usuais na forma de preparo das plantas medicinais.
A parte mais utilizada é a folha seguida pelos frutos. Perante a questão sobre o
conhecimento da eficácia das plantas, 71% possuem somente o conhecimento empírico, 23%
adquiriram o conhecimento em livros, revistas e sites e 6 % obtiveram informação com
profissionais da área da saúde.
Foi feito um levantamento das dez espécies mais citadas pelos usuários: Foeniculum
vulgare Mill.; Lippia alba (Mill.) N. E. BR.; Cissus verticilata (L.) Nicolson & C.E. Jarvis;
Achillea millefolium L.; Cymbopogon citratus (DC) Strapf; Baccharis trimera DC.; Bauhinia
forficata Link; Echinodorus grandiflorus (Chem. & Schltdl.); Eugenia uniflora L. e Phyllanthus
niruri L. (Tabela 1).
Tabela 1: As dez espécies mais citadas entre os usuários bem como suas indicações empíricas.
ESPÉCIE
NOME
INDICAÇÃO POPULAR
VULGAR
1º Foeniculum vulgare Mill.
erva doce
Cólicas intestinais, calmante,
hipertensão
2º Lippia Alba (Mill.) N.E. BR.
Erva cidreira
Calmante, expectorante
3º Cissus verticilata (L.) Nicolson
Insulina
Diabetes, hipertensão
4º Achillea millefoluim L.
Novalgina
Febre, dores em geral, flatulência
5º Cymbopogon citratus (DC)
Capim limão
Calmante, resfriados
& C.E. Jarvis
Strapf
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6º Baccharis trimera DC.
Carqueja
Emagrecedor, problemas hepáticos
7º Bauhinia forficata Link
Pata-de-vaca
Diabetes
8º Echinodorus grandiflorus
Chapéu-de-couro
Infecção urinária, cálculos renais
9º Eugenia uniflora L.
Pitanga
Dor de barriga, dor nos ossos, febre
10º Phyllanthus niruri L.
Quebra-pedra
Cálculos nos rins, ardência na urina
(Chem. & Schltdl.)
Considerações Finais
Através do levantamento, um grande número de plantas medicinais é utilizado com
diferentes finalidades e é necessária muita precaução quanto às propriedades terapêuticas destas
plantas, pois algumas espécies ainda não foram cientificamente testadas.
Algumas plantas citadas pelos usuários apresentaram controvérsia entre o uso popular e a
indicação apresentada na literatura especializada. Não há uma preocupação por parte dos
usuários em relação a toxidade das plantas, pois são sempre consideradas plantas curativas
corroborando com o trabalho de Craig e Stitzel (2005).
O nome vulgar é o mesmo para espécies diferentes, o que poderá desenvolver outras
patologias no organismo. Deve-se ressaltar que muitos usuários compram estas plantas, mas há
os que cultivam para consumo próprio e doam a amigos e vizinhos, cultivadas em quintais com
outras plantas, algumas tóxicas. Os comerciantes adquirem as plantas em grandes mercados
atacadistas e alguns cultivam em canteiros em sua casa, não havendo uma preocupação em
relação à higiene destas plantas; muitas apresentam fungos e não há orientação para higienização
dos vegetais antes de ser utilizado. Muitos comerciantes expõem suas mercadorias em calçadas
próximas as ruas onde ficam expostas à poluição, ao toque dos consumidores, bem como baldes
com água que são utilizados para a conservação das plantas. Quanto à armazenagem, muitas são
embrulhadas em jornais, colocadas em sacolas plásticas todas juntas e armazenadas em
geladeiras para que não venham a mofar. Observou-se também que alguns usuários da insulina
Cissus verticilata (L.) Nicolson & C.E. Jarvis e da pata de vaca Bauhinia forficata Link para o
controle da diabetes fazem uso da planta junto com medicamento alopático sem indicação
médica para o uso da mesma, porém eles relatam que há uma eficácia quanto ao uso destas
plantas.
O conhecimento empírico adquirido pela população vem do contato com a vegetação ao
longo dos anos; muitas das vezes esse conhecimento se restringe principalmente às pessoas mais
idosas. Quanto aos erveiros, eles não possuem um conhecimento científico, mas alguns afirmam
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que, às vezes, se faz necessário buscar novas informações devido a demanda na procura. Notouse que ainda no século XXI existem muitas pessoas que procuram as plantas medicinais como
tratamento alternativo para a saúde. Os resultados demonstram que os entrevistados utilizam
frequentemente e reconhecem a importância do uso de plantas medicinais. Diante de tais
resultados, conclui-se que a etonobotânica possui um amplo campo de estudo que deve ser
melhor explorado a partir do conhecimento empírico, para que futuras pesquisas na área
fitoquímica e farmacológica possam ajudar no esclarecimento quanto ao uso e à eficácia destas
plantas.
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