TÍTULO DO TRABALHO: Construção do conhecimento em serviço social: reabilitação de pessoas com malformações lábiopalatais. AUTORA: Elisabeth de Oliveira ENDEREÇO PARA CONTATO: Elisabeth de Oliveira Serviço do Social do HRACF-USP Rua Silvio Marchione, 3-20 Caixa Postal: 620 17043-900 – Bauru – SP www.ts.ucr.ac.cr INTRODUÇÃO Certa vez AGNES (1997, p. 2), conhecida como Madre Tereza de Calcutá escreveu “dinheiro não é o mais importante, e de que nem mesmo dar dinheiro às pessoas necessitadas é o mais importante. Muitíssimo mais importante é dar o próprio tempo, dar sorriso, dar esperança, saber escutar. Porque a maior necessidade do ser humano não é a comida. Ele precisa sobretudo sentir-se acolhido, aceito, querido. O que conta não é o que fazemos, mas o AMOR que colocamos no fazemos”. Acreditamos que o Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais da Universidade de São Paulo (HPRLLP-USP) é reconhecido internacionalmente pela filosofia de trabalho moldado pelo carinho e amor ao próximo, sendo carinhosamente chamado de “Centrinho” é um exemplo de amor. Há 30 anos o HPRLLP (USP) integrou-se à luta de um novo modelo para reabilitação dos portadores de malformações lábio-palatais do nosso país. O HPRLLP começou a funcionar agregado a Faculdade de Odontologia de Bauru, já desenvolvendo atendimento de ensino e pesquisa desde junho de 1967. Decorridos apenas 06 anos, em 1973, o Hospital já era exemplo para outros serviços e, em 1986 tornou-se Centro de Excelência e Referência Nacional pelo Ministério da Saúde. Tornou-se Referência Mundial pela Organização Mundial de Saúde em 1990. Atualmente conta com mais de 25 mil pacientes matriculados, portadores de lesões lábio-palatais e outras malformações crânio-faciais, além dos 10.000 pacientes com deficiências auditivas, visuais e de linguagem, atendidos no Centro de Distúrbios da Audição, Linguagem e Visão - CEDALVI e no Centro de Pesquisas Audiológicas - CPA que conta com um programa como o de Implante Coclear1 mundialmente conhecido como técnica médica válida para a reabilitação do portador de deficiência auditiva neurosensorial profunda bilateral. 1 O implante coclear é um dispositivo eletro-técnico (eletrodos) implantado no interior do ouvido. O sistema fica ligado a um receptor hermeticamente fechado feito de titanio e cerâmica. O som é captado por um fio processador de fala. O ciclo da audição se completa quando o estímulo elétrico e os sinais codificados são transmitidos por rádio frequência para o receptor - transmissor. Este aparelho estimula os eletrodos que estão implantados no interior da cóclea. www.ts.ucr.ac.cr 2 O Hospital acolhe a todos que procuram o tratamento, que é integral e gratuito, custeado pelo SUS (Sistema Único de Saúde), Universidade de São Paulo USP, e órgãos promovedores de pesquisa, pois o Centrinho não só atua na prestação de serviços, mas também na área de ensino e pesquisa. Os serviços prestados pelo Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais da Universidade de São Paulo, fundamenta-a na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “A saúde é um direito de todos e dever do Estado”. Podemos ressaltar que o Serviço Social enquanto integrante da equipe de reabilitação deste Hospital, tem como eixo de conduta na sua ação, propiciar ao paciente o acesso e a continuidade do tratamento, indo de encontro tanto às dificuldades de ordem pessoal, como social, garantindo assim, o processo de reabilitação (GRACIANO, 1996, p. 88). Este estudo exploratório teve como objetivo sistematizar e analisar as produções científicas do HPRLLP - USP na área de Serviço Social, desde a sua implantação (1973) até a atualidade. Justifica-se pois a produção científica do Serviço Social acumulada nesse período exige uma reflexão e um aprofundamento. Para analisar estes trabalhos do Serviço Social do Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais - Universidade de São Paulo, considerei importante abordar a trajetória histórica do Serviço Social no Brasil, do Serviço Social na área da saúde, o processo de reabilitação de pessoas portadoras de deficiências, caracterizando-as nos diferentes momentos de história. Acreditamos que este estudo possa contribuir para a construção do conhecimento do Serviço Social no campo da saúde e reabilitação, indicando alguns caminhos que favorecerão ao processo de inserção destas pessoas deficientes à sociedade. Diz a Sabedoria da Bíblia “Quando um homem chega ao fim de uma realização, então é que começa”. Creio que esta dissertação é o repensar e ajudar a recomeçar cada dia melhor, recorrendo, como ensina FAZENDA (1989, p. 2) “ao velho para produzir o novo”. Pesquisar é um dever revolucionário! www.ts.ucr.ac.cr 3 II – METODOLOGIA Para analisar as produções científicas na área de Serviço Social no Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais (USP) no período de 1973 a 1997, nos baseamos de início na pesquisa exploratória (MINAYO, 1992, p. 32). Esta compreende várias fases da construção de uma trajetória de investigação: a) a escolha do tópico de investigação; b) a delimitação do problema; c) a definição do objeto e dos objetivos; d) a construção do marco teórico conceitual; e) a escolha dos instrumentos de coleta de dados; f) a exploração de campo. O universo desta pesquisa refere-se às produções científicas do Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais (USP) na área específica do Serviço Social no período de 1973 a 1997, delimitado à produção do Serviço Social no tratamento das malformações lábio-palatais Esse universo é representado por uma totalidade de 28 TCCs, 01 dissertação de Mestrado, 41 participações em eventos científicos nacionais, 02 teses de doutorado, 25 anais e revistas científicas, 05 manuais, 09 relatórios finais de pesquisa, 03 comunicações internacionais. A pesquisa teve como amostragem deste universo 28 (vinte e oito) trabalhos de conclusão de curso elaborados por estudantes de Serviço Social vinculados à Faculdade de Serviço Social de Bauru - Instituição Toledo de Ensino (ITE), que realizaram estágio no Hospital e executaram o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na instituição no período de 1973 a 1997 (vide anexo). O critério de escolha foi intencional, pois optamos pelos TCCs, pelo fato da delimitação do tempo para a realização da pesquisa. Deixamos em aberto um posterior aprofundamento das demais produções científicas. Trata-se de uma pesquisa de “caráter histórico-estrutural - dialética da realidade social que parte da necessidade de conhecer (através de princípios, reflexão e intuição) a realidade para transformá-la em processos contextuais e dinâmicos www.ts.ucr.ac.cr 4 complexos” (TRIVIÑOS, 1992, p. 116). O instrumento utilizado inicialmente para a coleta de dados - o formulário - foi escolhido porque, segundo TRIVIÑOS (1992, p. 172), todos os meios que se usam na investigação quantitativa, podem ser empregados também no enfoque qualitativo, pois os resultados estarão na análise deste formulário. A análise dessa produção foi norteada pelos seguintes critérios de classificação: objeto, objetivo, fundamentação teórica, metodologia e resultado, proposta da pesquisa e bibliografia utilizada. A princípio, elegemos categorias, e no decorrer da pesquisa surgiram categorias emergentes de acordo com a realidade de cada década estudada. Para análise dessa produção, adotamos o estudo dos conteúdos, métodos que adquire sua força e seu valor exclusivamente mediante apoio do referencial teórico, direcionado no desvendamento da realidade. A análise de conteúdo redefine BARDIN (1979, p. 117) como “um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando, através de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, obter indicadores quantitativos ou não, que permitam a interferência de conhecimentos relativos às condições de produção / recepção de mensagem”. Para a análise interpretativa do material classificado, nos apoiamos no conteúdo das produções, na fundamentação teórica e nossa vivência profissional, numa perspectiva históric-social, não existindo visão isolada nas diversas partes do estudo. www.ts.ucr.ac.cr 5 AMOSTRA DA PESQUISA NA ÁREA DE SERVIÇO SOCIAL - HPRLLP (USP) 70% 20% 10% Trabalho de Conclusão de Curso Publicação em Revista Científica Participação em Eventos Científicos www.ts.ucr.ac.cr 6 UNIVERSO DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA NA DÉCADA DE 70 43% 32% 25% Década de 70 Década de 80 Anos 90 www.ts.ucr.ac.cr 7 UNIVERSO DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA NA DÉCADA DE 80 47.6% 38% 9.6% 4.8% Paricipação em Eventos Científicos Nacionais Dissertação de Mestrado Publicação em Revistas Científicas Trabalho de Conclusão de Curso www.ts.ucr.ac.cr 8 UNIVERSO DA PRODUÇÃO CIENT'FICA NOS ANOS 90 66.7% 20% 5% 3.3% 5% Participação em Eventos Científicos Nacionais Participação em Eventos Científicos Internacionais Tese de Doutorado Publicação em Revistas Científicas Trabalho de Conclusão de Curso www.ts.ucr.ac.cr 9 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS DA DÉCADA DE 70 (1973 A 1979) Analisando o conteúdo das produções científicas na década de 70, constatamos que o Serviço Social foi implantado na época do Movimento de Reconceituação, tinha como característica uma nítida influência norte-americana, buscando sempre os atendimentos em nível de caso e grupo, desenvolvendo um trabalho significativo, dando enfoque ao psico-social. Na época da Implantação do Serviço Social no Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais - Universidade de São Paulo, o Brasil tinha como Presidente o General Garrastazu Médici e posteriormente o Presidente Geisel, tendo como aspecto básico, o desenvolvimento capitalista nos países subdesenvolvidos. A própria criação do Hospital mostra essa fase desenvolvimentista, onde valoriza-se a formação de profissionais técnicos, das várias áreas para que houvesse um desenvolvimento na saúde e na educação. Como reflexo da política brasileira, o problema estava todo com o indivíduo. O indivíduo teria que se ajustar à sociedade que possuia uma visão ingênua do homem e da estrutura social, culpando este, homem pelos males sociais existentes. O discurso da época baseava no ajustamento, na adaptação e na integração do homem à sociedade. A influência do funcionalismo norte-americano é ideologicamente perceptível no Serviço Social latino-americano e especialmente no Brasil. Segundo FALEIROS, o Serviço Social de Casos, Serviço Social de Grupo e o Desenvolvimento e Organização de Comunidade “são elaborações teóricas nascidas no próprio seio do capitalismo, como resultado de uma concepção ideológica conservadora da sociedade e de estratégias de controle das classes dominadas pelas classes dominantes” (FALEIROS, 1981, p. 24). Dentro do contexto econômico e social da época, estávamos num regime militar, que demonstrava uma preocupação com o desenvolvimento e segurança do País. A educação estava presente também na categoria dos assistentes www.ts.ucr.ac.cr 10 sociais e no HPRLLP. O estudo de GÂNDARA (1976) “Critérios de Avaliação SócioEconômica”, apresenta uma sistematização a nosso ver, adequada à tão problemática classificação econômica dos pacientes, abordando a necessidade do conhecimento de indicadores significativos como: habitação, grau de instrução, ocupação, religião, a preocupação com a renda familiar e a constituição familiar. Evidenciou-se que no início do Serviço Social caminhava-se em nível de promoção ao indivíduo, conforme o discurso da época. Então, em 1975 foi fundada a Sociedade de Promoção Social do Fissurado Lábio-Palatal (PROFIS), que é uma entidade particular, com a finalidade de dar apoio sócio-econômico ao paciente e/ou família. Segundo GRACIANO (1996, p. 88) “a iniciativa da criação da PROFIS, dois anos após a implantação do Serviço Social no Centro de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais (CPRLLP), partiu de uma necessidade sentida pelo próprio Assistente Social na sua prática cotidiana, que não contava com um fundo próprio na área de assistência social para o planejamento e administração de benefícios à clientela atendida, de forma a garantir o início e a continuidade do tratamento. Nessa época, a questão assistencial era importante, mas de certa forma era negada, pois o próprio nome da PROFIS esconde aquela idéia de que o Serviço Social não prestava assistência e sim promoção social. Negação esta presente também na própria história do Serviço Social no Brasil”. Podemos afirmar que o que influenciou e influencia a prática do Serviço Social é a necessidade do ser humano receber às vezes uma ajuda. Se remetermos à história do Serviço Social, vamos até as suas raízes justamente classificando como uma simples assistência. O Serviço Social do CPRLLP já na década de 70, se institucionalizou como profissão. Às vezes, para alguns, o setor poderia até ter um cunho paternalista, mas puramente não assistencial. De acordo com a realidade da época e discurso, o Serviço Social era bem atualizado. O Serviço Social desenvolveu um corpo de teoria dentro do Hospital, bastante significativo na época, provenientes dos resultados positivos. As propostas das pesquisa foram na maioria das vezes, operacionalizadas no decorrer de toda www.ts.ucr.ac.cr 11 caminhada do Serviço Social. A implantação do Serviço Social do Hospital, conferida na primeira produção científica, realizada pela então acadêmica Maria Inês Gândara Graciano. A produção científica do CPRLLP2 da década de 70, estava voltada totalmente para a realidade na atuação do Hospital, que neste início não se preocupava em definir os objetivos da pesquisa, e não tinha uma metodologia, e sim, apresentavam os processos de ação (caso, grupo). A fundamentação teórica era um relato dos conceitos do Serviço Social Médico, e as atribuições do Serviço Social no campo da saúde; conceitos de Planejamento e o Serviço Social de caso e grupo. A “metodologia” da ação, era aplicada através de questionários, entrevistas e análise do prontuário. Quanto à bibliografia era bem restrita. A fonte mais procurada era o Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio Social (CBCISS) e Trabalhos de Conclusão de Curso, que abordaram assuntos específicos da área da saúde. Podemos definir as produções científicas da década de 70, como um relato descritivo de uma prática que estava nascendo e crescendo dentro do contexto histórico-social da época, e que foi de extrema importância para a equipe de profissionais e pacientes do próprio Hospital. 2 Alteração do nome do C.P.R.L.L.P. (Centro de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais) USP para Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais, dado ao seu reconhecimento como uma unidade hospitalar em 1976. www.ts.ucr.ac.cr 12 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS DA DÉCADA DE 80 (1980 a 1989) Analisando as produções científicas desta década, o Assistente Social do HPRLLP começou a entrar numa linha de interpretação de direitos do cidadão. Um dos direitos do paciente previdenciário é buscar ou recorrer ao “Auxílio Tratamento Fora do Domicílio”. A partir de 1980 o Hospital fêz um convênio com o INAMPS, onde o segurado passou a ter esse direito. O assistente social do HPRLLP passou a trabalhar com este cidadão para o mesmo requerer corretamente este benefício, e neste processo de atuação, juntos, passaram a aprender e a exercitar a cidadania. Contudo “não é o trabalho do assistente social em si que constitui a cidadania. O que ocorre, é que tal trabalho constitui-se em condição de facilitação para que a cidadania se efetive; é o assistente social, um dos profissionais que viabiliza o exercício da participação da população carente na coordenação e fiscalização dos serviços sociais que lhe são repassados, com a intenção óbvia de garantir seus direitos sociais (MARTINS, 1996, p. 99). O Serviço Social está sempre caminhando em busca de novas alternativas e sempre atento à problemas emergentes. No ano de 1981, percebe-se que somente o atendimento individualizado dentro do Hospital não era mais suficiente para enfrentar todas as dificuldades sociais da clientela, é um desafio que se apresenta ao Serviço Social, no sentido de realizar um trabalho aberto à comunidade. Nasceu então, o Projeto “Carona Amiga” em 1981, criado por sugestão da assistente social Maria Inês Gândara Graciano, que passou a contar com o apoio de coordenadores - que são pais e/ou pacientes adultos do HPRLLP, realizando tarefas de divulgação, apoio, mobilização e organização à população portadora de fissura em sua cidade de origem e/ou município, tornando-se assim um elemento de ligação entre clientela, município e Hospital. Nesta década, podemos afirmar que o Serviço Social cria e facilita condições para a pessoa exercitar o seu papel de cidadão, participando e fazendo parte de uma tarefa educativa e caminhando em direção à construção de sua cidadania. Neste sentido, YASBEK (1993, p. 165) diz: www.ts.ucr.ac.cr “a assistência social, 13 enquanto uma estratégia reguladora das condições de reprodução social dos subalternos, é campo concreto de acesso a bens e serviços e expressa por seu caráter contraditório interesses divergentes, podendo constituir-se em espaço de reiteração da subalternidade de seus usuários ou avançar na construção de sua cidadania social”. Assim, podemos enfatizar que, na parte prática, o surgimento do Projeto Comunitário e os pais coordenadores foi uma grande evolução do Serviço Social. Isso mostra que o Serviço Social do HPRLLP sempre esteve em processo de mudança, como ressalta a literatura expressa por MARTINELLI (1993, p. 136-141) “foi necessário a implantação de novos modelos de prática, compatíveis com a vasta gama de problemas sociais, surgindo assim os movimentos populares e a organização da sociedade civil, exigindo do Serviço Social novos posicionamentos”. Também em 1981, surge a Central de Agendamento, como forma de garantir um planejamento de retorno eficaz e globalizado, uma vez que os retornos até então eram marcados individualmente pelos próprios profissionais, sem a análise das necessidades dos pacientes. Com a criação da Central de Agendamento, esta ficou responsável pelos faltosos. Foram estabelecidos alguns critérios e caracterizações dos casos; os pacientes não poderiam ter mais de três faltas consecutivas, se isso acontecesse o cliente era caracterizado como faltoso e encaminhado para o Serviço Social. De acordo com FORMENTI (1981, p. 34) as características dos pacientes nesta época, eram: Alta - A; Reabilitando - R; Suspenso pelo Hospital - S; Prejudicado - P; Interrompido - I; Ignorado - Ig; Desistente - D; Abandono - Ab; Óbito - O. Situações negativas: Suspenso pelo Hospital - S; Prejudicado - P; Interrompido - I; Ignorado - Ig; Desistente - D; Abandono - Ab; Óbito - O, o que denominamos de situações irregulares. Ao mesmo tempo que tínhamos uma prática inovadora, os profissionais do HPRLLP estavam em busca de novos conhecimentos teóricos com vistas a um aprimoramento teórico-prático, que exigia constante reflexão. Em 1988, então, iniciou-se um grupo de estudos chamado “Repensando a Prática dos Assistentes Sociais” (REPRAS), assessorado pela Profª Rosa Cecília Andraus, que impulsionava os profissionais a refletir sobre as ações cotidianas, www.ts.ucr.ac.cr 14 exigindo contínua avaliação, diálogo e nova postura. No REPRAS, a discussão de diferentes temas era sempre relacionadas a questões sobre o saber e o agir profissional. Desde 1988 o Serviço Social conta com um grupo de estudos que tem como objetivo o aprofundamento teórico-prático da sua ação, visando, além de ampliar e construir conhecimentos, incentivos a pesquisa e garantir o melhor atendimento da clientela. Também em 1989 foram introduzidos no Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais - Universidade de São Paulo, os programas de bolsas via CNPq, e assim, o Serviço Social passou a contar com bolsista de aperfeiçoamento para assistentes sociais. Os profissionais prestavam serviços e realizavam pesquisas na Instituição num período de 2 anos e ao final destes anos, apresentavam um relatório. Através da análise da produção científica na década de 80, podemos afirmar que o Serviço Social do HPRLLP sempre esteve buscando caminhos à transformação de sua ação profissional. Ao analisarmos os conteúdos dos TCCs desta década, sentimos que o Serviço Social estava dando um salto para qualidade, pois os objetivos das pesquisas começaram a surgir, assim como a metodologia se apresenta definida, sua fundamentação teórica está sustentada por uma bibliografia consistente e definida. Podemos dizer que o Serviço Social do HPRLLP na década de 80 inicia uma prática extra-muros, despertando para o saber teórico, para novas buscas do conhecimento. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS NOS ANOS 90 (1990 - 1997) Ao analisar as produções científicas dos anos 90, salientamos através do percurso histórico, profundas transformações nos processos de produção de conhecimento do Serviço Social e concomitante na sua ação profissional. Essa trajetória nos permite aprender que a preocupação do Serviço Social é realmente assistir de modo global e ampliar a sua ação em parceria com o Estado e a Sociedade civil para formar cidadãos. Podemos concluir que os agentes multiplicadores do Hospital de www.ts.ucr.ac.cr 15 Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais, através de sua vivência e envolvimento com as pessoas portadores de lesões lábio-palatais, associam este trabalho e buscam um potencial de liderança, desenvolvendo a ressocializações de pessoas com problemas semelhantes, contribuindo significativamente para a sua reabilitação. De acordo com DEMO (1994, p. 138) “a participação é a alma da educação, compreendida como processo de desdobramento criativo do sujeito social. Educar de verdade é motivar o novo mestre, não repetir discípulos”. Assim pode-se dizer que o Serviço Social do HPRLLP (USP), prepara, orienta e forma os agentes multiplicadores mestre. É um processo contínuo e dinâmico, não se dá somente por ocasião da elegibilidade, mas em todos os retornos do paciente ao Hospital e quando os coordenadores passam pelo setor de Projetos Comunitários para atendimento individual e também para participar de reunião com coordenadores de outras cidades. O processo de capacitação do agente multiplicador do Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais (USP) pode ser observado como fator positivo, conforme os depoimentos abaixo citados no TCC da aluna ALVES (1997, p. 12) “Pais Coordenadores: Uma História de amor”: “O Serviço Social sempre me deu orientação do que fazer, me deram apoio e também quebraram muito minha expectativa de ficar querendo resolver tudo, aprendi que é o pai que tem que resolver, mesmo que a gente não concorde muito, a gente só pode ajudar” C.M.. (Catanduva-SP) “O Serviço Social sempre funcionou que é uma maravilha! As pessoas foram carismáticas comigo, sempre me atenderam com boa vontade. Encontrei aqui a dedicação dos profissionais. a orientação do Hospital é muito importante. Eu me sinto valorizada.” G.M. (Mirante do Paranapanema-SP) Através destes depoimentos podemos afirmar que a prática da educação popular se dá tanto no atendimento individual como grupal; é uma prática educativa voltada para construção de um saber mais amplo, à partir do saber dos www.ts.ucr.ac.cr 16 coordenadores interagindo com o saber do assistente social e a equipe, que permite uma ação adequada à realidade, que facilita a compreensão das malformações através das técnicas que envolvem o seu tratamento, favorecendo sua atuação enquanto agente multiplicador. Segundo DEMO, 1988, uma vez elaborado a consciência dos problemas, segue a exigência prática da organização competente para serem enfrentados. Essa competência possui duas faces fundamentais: o lado político mediante a construção de uma organização sólida, fundamentada na participação de base, representativo e legítimo e o lado sócio econômico, mediante o compromisso com a auto-suficiência, a fim de que, com capacidade de produção própria, as pessoas possam ser donas de si mesmas, reivindicando direitos, não pedindo favores. O relato abaixo confirma estas afirmações, extraído do TCC “Pais Coordenadores: Uma história de amor”: “Com o passar do tempo eles mesmos começaram a conseguir resolver as coisas sozinhos... hoje eles cresceram, eu acho que eles cresceram porque foram muito orientados... A gente ensinou o caminho para eles, por onde eles deveriam ir para conseguir as coisas, a gente precisa ensinar a falar, ensinar a gritar...” Laís (Tatui-SP) Percebe-se na fala dessa mãe o grau de organização do grupo e o processo de cidadania. Nesta trajetória, os agentes multiplicadores revelaram que tornaram-se mais sensíveis aos problemas dos outros, tornando-se solidários e dispostos a enfrentar a sociedade contra o preconceito e a burocracia na conquista dos direitos dos cidadãos. Com a dedicação desses país-coordenadores, é que o Serviço Social abre o seu espaço em diferentes municípios, avançando os limites Institucionais. Ainda em 1994, foi regulamentada a implantação de Núcleos de Reabilitação de fissuras lábio-palatais, através da Portaria nº 62, de 19/04/94, específica do Ministério da Saúde, a qual estabelece normas de cadastramento para implantação desses núcleos em diferentes regiões do país, cabendo ao HPRLLP (USP) prestar consultorias técnicas às Secretarias de Saúde em relação ao www.ts.ucr.ac.cr 17 credenciamento, implantação, supervisão e avaliação desses núcleos. O Serviço Social do HPRLLP, atuando nas associações, tem viabilizado o intercâmbio e a troca de experiências entre as diversas associações de fissurados lábio-palatais. Isto ocorre através de reuniões diárias no Serviço Social de Projetos Comunitários com os coordenadores e representantes de associações de forma mais ampla através da organização de eventos. Encontra-se na análise da trajetória dos anos 90 outro estudo muito interessante e polêmico que é o “Projeto Adoção”. Através desta prática, deparamonos com a gravidade da situação e a partir de 1990, passamos a colocar crianças portadoras de fissuras em lares substitutos. O Serviço Social do Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais (USP), atento em formar cidadãos, lançou o Projeto Adoção e também um alerta para toda sociedade. Confirmamos que na adoção de crianças portadoras de deficiências, nada é impossível para o amor, no entanto, as próprias famílias entrevistadas concordam e recomendam que é preciso não criar ilusões, é preciso alertar que a adoção, fundamentalmente, é um ato de amor, de coragem, de afeto e de inteira doação para a criança. Percorrendo os caminhos, apresentamos uma produção científica que procura abranger temas que dizem respeito às relações sociais, estigmas e preconceitos, além de discriminação sobre a deficiência, havendo a preocupação em abordar o tema mulher e seus papéis na sociedade, a problemática causada pelas fissuras lábio-palatais, enfocando aspectos do cotidiano e aspectos psicossociais. A aceitação da portadora de fissura lábio-palatal dentro do meio familiar é traumática, mas o convívio familiar tende a superar o trauma, mesmo assim deixam sequelas que são trazidas até a fase adulta, variando o seu grau de de acordo com o grupo familiar. Quanto mais precoce o início do tratamento, maior aceitação do problema pelas famílias como também para as portadoras de fissura lábio-palatal. Preconceitos e medidas discriminatórias existem concretamente contra quase todos os tipos de “anormalidades” ou “anomalias”, muito embora essas atitudes apresentam tonalidades de ênfase diferente, pois a maioria das pessoas não tem www.ts.ucr.ac.cr 18 contra o portador de uma deficiência a mesma espécie de preconceito que alimenta por certos grupos religiosos, sociais, desfavelados, entre outros segmentos marginalizados socialmente. Todos os seres humanos são diferentes, e aqueles que possuem excessiva diferença são colocados de lado, o que em linguagem de relações interpessoais pode significar rejeição. Para a nossa cultura, o indivíduo normal é o que tem o corpo perfeito, aquele que tem órgãos e os sentidos funcionando bem e com a sua inteligência em nível adequado com hábitos e comportamentos que não provoquem preocupações. Quase tudo que escape desses padrões passa a ser vistos com certas dificuldades, levando o indivíduo à situação de marginalidade. Também a questão da colocação no mercado de trabalho é evidenciado como problema. Podemos aqui enfatizar a produção científica da acadêmica SALLES (1997, p. 25) “Diagnóstico Profissional dos portadores de lesões lábio-palatais” (USP), 1996. Fazendo parte destes pacientes incluímos os treinandos do programa de reabilitação profisisonal, o NIRH (Núcleo Integrado de Reabilitação e Habilitação Profissional) que foi criado pelo HPRLLP com a finalidade de possibilitar uma profissão aos seus pacientes, visando a futura colocação dos mesmos no mercado de trabalho como mão de obra qualificada, e para que atuem na sociedade de forma participativa e consciente. O Serviço Social do NIRH, atua como elemento de ligação entre o reabilitando e os demais setores, procurando assim, fornecer à equipe uma visão da realidade sócio-cultural do paciente, propiciando o interrelacionamento de aspectos bio-psico-sociais, de forma a assegurar o processo de reabilitação. E prosseguindo na construção do conhecimento, enfatizaremos a ação do Serviço Social na busca de alternativas para os casos de abandono de tratamento. Analisando o processo histórico do Serviço Social no Hospital, quanto a problemática de abandono de tratamento, observamos que houve uma mudança de estratégias para solucionar a questão do abandono de tratamento, desde 1973, desenvolvendo pesquisa, articulando diferentes órgãos públicos e incentivando convênios de parceria. www.ts.ucr.ac.cr 19 Desta forma, em 1992, o Serviço Social amplia sua ação profissional em um programa de nível educacional com o apoio do Ministério Público (Promotoria), estabelecendo assim uma relação de parceria entre HPRLLP e Promotoria, conforme publicação no Diário Oficial de 15 de Julho de 1993. A produção científica de PAGANI (1997, p. 45) com o tema: “A intervenção do Serviço Social junto aos casos de abandono de tratamento: relações de parceria HPRLLP e Promotoria” evidencia a preocupação e comprometimento do Serviço Social do Hospital em considerar o problema dos portadores de fissura de todo o país, como um problema do Hospital, uma vez que não existe outra política de atendimento no país para a reabilitação desses casos e, sendo assim, o Serviço Social preocupa-se em informar seus pacientes sobre a importância da assiduidade e o prejuízo acarretado por faltas no programa de reabilitação e na busca de alternativas para que o paciente não abandone o tratamento. Este estudo foi motivado pelo fato do HPRLLP ser reconhecido pelo Ministério da Previdência e Assistência Social como Centro de Referência no País, na área da reabilitação das lesões lábio-palatais (Boletim de Serviço do MPAS, nº 88, de 04/05/87) e também por desenvolver um trabalho de intervenção em casos de abandono de tratamento para cirurgias primárias, buscando através da relação de parceria com o Ministério Público, assegurar a continuidade do tratamento de recuperação e reabilitação dos pacientes e, consequentemente, seus direitos de cidadania garantidos pelos preceitos da atual Constituição Federal do Brasil (1988) do Estatuto da Criança e do Adolescente, que se referem à saúde como direito de todos e dever do Estado, devendo assegurar-lhes atendimento médico através do Sistema Único de Saúde e garantir-lhes o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. GRACIANO (1996 , p. 47) “acredita que a assistência social é uma política social que viabilizará o tratamento e consequentemente a emancipação dos seus usuários, pois presta a quem necessita benefícios e serviços para o acesso ao tratamento. Surge então, em 1975, a Sociedade de Promoção social do Fissurado Lábio-Palatal (PROFIS) com a finalidade de prestar apoio sócio-econômico às famílias www.ts.ucr.ac.cr 20 carentes, através do transporte, alimentação, estada e medicação em função do tratamento, cabendo assim ao Serviço Social a responsabilidade do acesso à reabilitação, principalmente para a clientela, pois usufrui de autonomia decisória e financeira para a prestação de serviços. Atualmente podemos concluir que a PROFIS (1975-1997) em sua trajetória evidenciou um salto qualitativo, com a presença marcante do Serviço Social enfatizando as articulações, estratégias de mobilização da associação, bem como as parcerias com o HPRLLP e outros órgãos afins. Política social não é ajuda ou piedade, mas o processo social, onde o necessitado ganha consciência política de suas necessidades e emerge como sujeito de seu próprio destino enfrentando a desigualdade. “Política social emancipatória é aquela que se funde na cidadania organizada dos interessados, não trabalha como objetos manipulados, mas com sujeitos co-participantes e co-decisores” (DEMO, 1994, p. 45). CONSIDERAÇÕES FINAIS Analisando o conteúdo das produções científicas na década de 70, estava voltada totalmente para a realidade na atuação do hospital. Na década de 80 inicia uma prática extra-muros, despertando para o saber teórico, para novas buscas do conhecimento. Nos anos 90, o Serviço Social do HPRLLP-USP, abriu-se a amplo diálogo interdisciplinar, promovendo a interlocução com importantes teóricos do país e do exterior e alargou a presença de profissionais da área de Serviço Social em eventos científicos nacionais e internacionais. As produções científicas dos acadêmicos do Serviço Social do HPRLLP-USP evidenciaram o processo histórico da instituição, a construção de conhecimentos e a consolidação do programa de reabilitação no âmbito do Serviço Social. www.ts.ucr.ac.cr 21