O SIGNIFICADO DAS PROVAS DE ADMISSÃO AO GINÁSIO DA ESCOLA
ESTADUAL DE SÃO PAULO NO CONTEXTO POLÍTICO EDUCACIONAL DO
PERÍODO DE 1931 a 1943
Neuza Bertoni Pinto/PUCPR
Reconstruir trajetórias históricas das práticas de avaliação da matemática escolar é
um desafio e uma necessidade. Desafio, por se constituir um trabalho raramente
desenvolvido no Brasil; uma necessidade, por possibilitar o conhecimento de uma remota
cultura escolar que nos leva a compreender o presente, situando o que mudou, ou não, em
relação às formas vigentes de avaliar a aprendizagem matemática dos alunos do ensino
fundamental, principalmente, por permitir uma reflexão sobre o que a escola considerava
como conteúdo matemático básico para o acesso do aluno ao curso secundário.
Conhecer, portanto, práticas avaliativas, desenvolvidas em diferentes momentos
históricos, é uma forma de visualizar as características e reconhecer os propósitos da
disciplina matemática em outros tempos históricos, enquanto subsídios para uma tomada
de consciência dos avanços ou conservação das práticas atuais, e para a superação dos
inúmeros obstáculos didáticos que interferem na produção do fracasso/sucesso escolar do
aluno.
Se o exame tem sido apontado como um mecanismo de exclusão e controle da
escolarização da população, silenciando as pessoas e suas culturas, omitindo processos de
construção de conhecimento e, conseqüentemente desvalorizando saberes, a análise dos
documentos históricos pode revelar a lógica presente nas finalidades da avaliação vigente
em determinado período histórico. Historicamente, segundo Barriga ( 1999), a pedagogia
do exame tem realizado uma "violência epistemológica", ao decidir sobre o lugar social
que correspondia a cada pessoa ocupar. Essa " regulação perversa" gerada a partir do
nascimento da escola pública, ao pretender homogeneizar, classifica, hierarquiza e
sobretudo exclui as múltiplas possibilidades do sujeito. Materializada no século XIX, a
nota escolar, decorrente de um exame, não responde a um problema educativo. Está mais
relacionada ao poder e controle, ou seja, " a nota é só uma convenção através da qual a
escola certifica um conhecimento" (BARRIGA, 1999: 81).
Neste sentido, o presente estudo objetiva compreender o significado das provas de
Admissão ao Ginásio no contexto político educacional do período de 1931 a 19431, a partir
da amostra extraída do primeiro volume da fonte utilizada.
A investigação foi realizada a partir da análise das referidas provas, considerando-se
as seguintes categorias : o conteúdo matemático das questões das provas, os tipos de
problemas, os critérios de avaliação, as formas de correção, os tipos de erros, destacandose os mais comuns.
O Exame de Admissão ao Secundário - aspectos históricos
O debate, em torno do ensino secundário, desencadeado na década de 20, no Brasil,
sinalizou para uma avaliação escolar rigorosa e predominantemente classificatória. Foi a
partir desse período que se traçou a demarcação da população destinada ao ensino superior
brasileiro. Toda discussão, presente na educação desse período, buscava novos caminhos
para melhorar a qualidade do ensino, em termos da sedimentação de uma cultura escolar
clássica ou científica. Nessa década, o grande entusiasmo que se propagava no Brasil foi
estimulado pela crença no poder da educação para colocar o país no processo de
modernização urbano-industrial, rompendo com estruturas significativas da oligarquia
agrária, responsável pela manutenção do analfabetismo da população. A década de 30,
predominantemente marcada pela consolidação de reformas de ensino orientadas para a
"construção do espírito nacional", dentre outras exigências, determinava que o acesso ao
ensino secundário em nível nacional, ficaria subordinado ao Exame de Admissão,
composto de provas escritas e orais de Português, Aritmética e Conhecimentos Gerais, de
acordo com o Decreto no. 19.890 de 18 de abril de 1931- Reforma Francisco Campos (
VALENTE, 2001).
Segundo Valente (2001), a prova escrita de Matemática visava :
apurar o domínio das operações fundamentais e o desembaraço no cálculo . Os problemas
e exercícios propostos devem, portanto, verificar, realmente estes dois pontos, evitando-se
os de exposição intrincada e fácil resolução, como são geralmente os chamados ' quebracabeças'. Valente, 2001 ( apud BICUDO, 1942:542).
Tratava-se, portanto, de verificar o conhecimento da base matemática, considerado
essencial, para o aluno prosseguir seus estudos em nível secundário e a possibilidade de
diagnosticar a prática escolar da matemática, no momento da passagem do curso primário
para o secundário. Como observa Valente, "o exame de admissão funcionou como um
1
Provas dos Arquivos da Escola Estadual de São Paulo. Fonte recolhida e organizada pelo Programa de Estudos Pós-Graduados
em Educação Matemática da PUCSP, sob a coordenação do prof. Dr. Wagner Rodrigues Valente- V.1.
verdadeiro rito de passagem no processo de seleção à continuidade dos estudos,
representada pelo ginásio acadêmico, que teve procura intensificada a partir de 1930"
(VALENTE, 2001: V2).
É importante registrar que a modernização da Matemática nesse período teve a
participação do eminente catedrático do Colégio Pedro II, o professor e autor de livros
didáticos, Euclides Roxo. Convidado por Francisco Campos para apresentar uma proposta
renovadora para o ensino de Matemática, Roxo participou da elaboração das diretrizes da
Reforma Francisco Campos, que segundo Alvarez e Pires ( 2003), dentre as diretrizes
propostas pela Reforma Francisco Campos para o Ensino Secundário, uma delas era sendo
que uma delas era fazer a junção das disciplinas, Aritmética, Álgebra e Geometria, em uma
só, a Matemática. Outra medida era a adoção do método heurístico para o ensino da nova
disciplina de Matemática. Tais medidas, idealizadas pelo catedrático Francisco Roxo,
passariam a vigorar no Ensino Secundário em nível nacional. O método heurístico estava
apoiado no método indutivo que, diferentemente do método dedutivo, partia da intuição do
aluno e não dos teoremas e axiomas, privilegiava o ponto de vista psicológico e tratava a
matemática como uma ciência viva, ao contrário do anterior, que ao partir dos teoremas e
axiomas afirmava subliminarmente que a matemática era uma ciência pronta. As obras
representativas desse período atestam que o livro de Euclides Roxo era inovador por
apresentar uma nova didática para o ensino de Matemática e atender aos ideais da
Reforma. Tinha, como diferencial, não a preocupação com as aprovações nos exames, mas
que o aluno ampliasse, através da matemática, sua cultura, superando a memorização de
regras e métodos convencionais de resolução. Os resultados apontados na pesquisa desses
autores mostram que, apesar do grande empenho de Francisco Campos, no âmbito da
Matemática, os ideais da Reforma Francisco Campos, não foram incorporados em sua
totalidade, particularmente em relação ao método de ensino. Uma das evidências foi a
circulação do livro de Jácomo Stávale, outro autor representativo desse período, com mais
de 150 edições, com um número aproximado de um milhão de exemplares vendidos.
Apesar de se aproximar dos objetivos da reforma, o livro é permeado de orientações que
cerceiam a capacidade criativa e intuitiva do aluno, conforme mostra a análise dos tópicos
selecionados pelas pesquisadoras. Mesmo propondo exercícios orais, Stávale não faz a
discussão da teoria utilizando o método heurístico, como defendia Roxo, mas também não
se tornou tão expositivo quanto uma série de outros autores da época.
As provas escolares de Matemática
Não é usual as escolas preservarem documentos históricos, especialmente, exames e
provas. Isso dificulta o estudo da cultura escolar. Enquanto documentos valiosos para
estudo da apropriação realizada pelo cotidiano escolar das reformas educacionais, de como
o pensamento pedagógico de um determinado momento histórico sedimentou-se nas
práticas pedagógicas cotidianas, tais documentos analisadas expressam, mais que as
marcas dos velhos tempos, os significados dados pelos sujeitos envolvidos - alunos e
professores- às avaliações escolares, desvelando concepções de ensino e de aprendizagem
de matemática que vão sendo influenciadas, ao longo da história, por novos ideais e
transformações econômicas.
Dada a relevância das fontes para o presente estudo, a questão principal que se
coloca é : o que nos informam as provas de Matemática ? Segundo Chervel ( 1990), os
documentos escolares permitem uma leitura das finalidades reais do processo pedagógico
de uma disciplina escolar em determinado momento histórico. No que se refere aos
enunciados dos problemas, não só o teor ideológico que eles expressam, é possível
perceber, em suas diferentes modalidades, qual a concepção de problema contemplada
naquele processo de avaliação e qual o desempenho demonstrado pelos candidatos nos
referidos exames, identificando a bagagem que traziam do antigo curso primário daquela
época escolar. Para Valente ( 2001), o fato da preservação de grande parte dos arquivos
escolares do Ginásio do Estado da Capital, hoje Escola Estadual de São Paulo, se deve a
uma "soma de contingências favoráveis". Como parte da documentação probatória de cada
aluno, a fonte organizada por ele contém exames relativos ao período 1931-1969, período
que marca o início e término dos exames de admissão com caráter nacional.
O decreto 292, de 23 de fevereiro de 1938, além de regular o uso da ortografia
nacional para a prova de Português, diz em seu art. 20 que a prova escrita de Aritmética
constará, no mínimo, de cinco problemas elementares e práticos , o que é ratificado pela
portaria n°. 142, de 24 de abril de 1939, que acrescenta o caráter eliminatório da mesma e
instrui que não poderia prestar exame oral o aluno que obtivesse nota inferior a 50 (
cinquenta pontos). Já, em 1940, a circular n° 3, de 30 de dezembro de 1940 instrui que a
prova escrita de Matemática visa, de modo especial, apurar o domínio das operações
fundamentais e o desembaraço no cálculo. Os problemas e exercícios propostos deveriam,
portanto, verificar, realmente estes dois pontos, evitando-se os de exposição intrincada e
fácil resolução, como são geralmente os chamados “quebra-cabeças”. Como observa
Valente ( 2001):
Os Exames Orais tinham por principal objetivo apurar o grau de desenvolvimento da linguagem
expressiva do candidato, depois de ter sido submetido, nas provas escritas, à mesma apuração no
que diz respeito à linguagem receptiva. Assim, cumpre não tornar demasiadamente memorístico o
caráter destas provas, atendendo às seguintes indicações : MATEMÁTICA – Devem ser evitadas
as definições teóricas, e quase sempre confusas, de morfologia geométrica. Esse ponto, aliás,
convém esclarecer, não consta dos programas, mas é geralmente incluído no exame de admissão
por fazer parte do curso primário de alguns Estados da União. São recomendáveis: cálculos
mentais rápidos, desenvolvimento de expressões aritméticas simples e problemas de raciocínio
simples ( VALENTE, 2001: V1).
A partir da década de 40, outras determinações alteraram o teor dos referidos
exames. Por exemplo, a portaria n° 479, de 30 de novembro de 1940, apresenta pequenas
modificações no programa a ser considerado na prova de Matemática, em relação ao
elenco de conteúdos do curso primário. Uma delas foi a ampliação do estudo de números (
algarismos arábicos e romanos), a exigência de provas nas operações realizadas com
inteiros ( real e dos nove), a intensificação das expressões numéricas ( com frações e
decimais), a inserção da divisibilidade por 10, 2, 5, 9 e 3, a determinação dos números
primos e a decomposição de um número em fatores primos e a conversão das frações
ordinárias em decimais e vice-versa.
Pelo mérito de poderem ser lidas na íntegra, além de revelarem a concepção de
avaliação dominante num determinado contexto histórico, as provas, por conservarem seus
dados originais, permitiram uma análise dos enunciados das questões propostas, das
resoluções realizadas, dos critérios de avaliação, da qualidade dos erros produzidos pelos
alunos como também das formas de correção utilizadas.
As questões
As provas de Matemática do Exame de Admissão ao Secundário, utilizadas nesse
estudo, foram realizadas no Ginásio do Estado de São Paulo, no período de 1931 a 1943.
Na leitura geral dos documentos ( 1931 a 1969) foram encontradas algumas
particularidades. Por exemplo, observou-se que as provas eram copiadas pelos candidatos
até 1950. A partir desta data, as provas eram datilografadas e mesmo assim os alunos
copiavam cada questão antes de resolvê-la. A cópia era feita à tinta e o rascunho, apesar do
grau de deterioração de alguns documentos, era feito à lápis. Outro ponto observado foi o
dispositivo utilizado pelos alunos para encaminhar a resolução.
De 1931 a 1937, a resolução dos problemas é organizada em duas modalidades: a
identificada como "solução" ( sentença matemática que indica os cálculos pertinentes ao
problema) colocada, logo em seguida, ao registro do enunciado da questão e a " resposta",
registrada em frase completa expressando o resultado solicitado pelo problema. Os
cálculos ocupavam um extenso espaço da folha identificado como " rascunho". Nas provas
de 1938, essa organização é alterada. Logo abaixo do enunciado da questão, o espaço é
dividido, por um traço vertical, em duas partes: à esquerda fica a " solução", com as
mesmas características dos anos anteriores, à direita, o " cálculo", onde são registradas as
formas algorítmicas desenvolvidas. O registro da "resposta" continua o mesmo e o
rascunho expressa as tentativas do aluno que seriam transportadas para o espaço destinado
ao cálculo. Observou-se, também, nas provas de 1939 a 1941, que o dispositivo utilizado
retrocedeu a 1937. Em 1947, os registros não apresentam nenhum título. O aluno indicava
a solução escolhida ( na horizontal), efetuando, em seguida, os respectivos cálculos. Nessa
modalidade, o rascunho aparece muito mais desorganizado e mais configurado como
espaço livre para o aluno exercitar os cálculos mentais que envolviam as operações. Em
1948, o termo "solução" é substituido pelo termo "raciocínio" e o cálculo, propriamente
dito, por "solução". De 1949 a 1953, o dispositivo aparece como " indicação", "solução" e
" resposta". A partir de 1954, até o final dessa década, o aluno passa a utilizar como
dispositivo : " raciocínio" , " operação" e " resposta ".
Na década de 60, vai
desaparecendo o uso dos dispositivos e isso se justifica pela natureza das questões das
provas que a partir desse momento recebe influência do movimento da matemática
moderna, alterando os conteúdos do ensino primário e os enunciados das questões do
Exame de Admissão.
As questões, organizadas de forma diferente para cada ano ( Anexo 1) caracterizamse por:
a) há um número diversificado de questões propostas: em 1931 a prova é composta
apenas de três questões de aritmética e uma de geometria; de 1932 a 1938
desaparece a questão de geometria e apenas aparecem provas com três questões
de aritmética básica; em 1939 e 1940 as provas começam a ser elaboradas com
quatro questões. De 1941 a 1943 as provas continham cinco questões ;
b) os conteúdos matemáticos, predominantes nas provas, eram : as quatro operações
fundamentais, o sistema métrico decimal, operações com números racionais (
fração e número decimal) e cálculo com sistema monetário brasileiro ( contos de
réis ) ;
c) as expressões numéricas, com representação fracionária e decimal, são
introduzidas a partir de 1935;
d) os tipos de questões predominantes, no período analisado, são problemas com
fortes marcas do contexto sócio-cultural daquele momento histórico.
Como observou Chervel (1990), em toda história das disciplinas escolares, a
Matemática possui um corpus de conhecimentos, articulados em torno de temas
específicos e orientados por uma lógica interna. Nos enunciados das questões, é possível
reconstruir o núcleo programático que era contemplado pela escola primária daquele
período: a supervalorização dos cálculos das operações fundamentais, o uso do sistema
monetário cuja unidade era o real ou réis ( escrevia-se 3:000$000= três mil réis ), as
operações com números racionais nas representações fracionária e decimal, o sistema
métrico de medidas.
A natureza dos problemas
Observa-se que nem todas as questões tinham a mesma natureza, porém segundo o
regulamento oficial elas deveriam apresentar-se sob forma de problemas práticos. Segundo
Butts ( apud KRULIK e REIS, 1997), nem todos os problemas matemáticos apresentam a
mesma formulação. Para ele, podem ser categorizados como :
x
problemas de reconhecimento - para reconhecer e recordar um fato específico, uma
definição, enunciado ou teorema;
x
problemas algorítmicos - geralmente um exercício que pode ser resolvido com um
algorítmo numérico, um procedimento passo-a-passo;
x
problemas de aplicação - quando o enunciado contém uma estratégia para resolvê-lo,
bastando traduzir a palavra escrita para uma forma matemática apropriada para que os
algorítmos possam ser aplicados;
x
problemas de pesquisa aberta - quando a estratégia de resolução não aparece implícita
no enunciado;
x
situações-problemas
-
primeiro
é
preciso
identificar
um
problema
na
situação apresentada, em seguida estabelecer as relações que são mais complexas.
Seguindo essa classificação, dos 48 problemas que compõem a amostra utilizada (
um modelo de cada prova anual), a maioria refere-se a problemas de aplicação, requerendo
uma variedade de relações aritméticas, desde uma simples tradução de linguagem ao uso
de algorítmos rotineiros em situações contextualizadas. Porém, uma parte menor deles, são
problemas que envolvem as duas últimas categorias ( problema de pesquisa aberta e
situações-problemas), exigindo do aluno conceitos matemáticos sofisticados, conjeturas e
reformulações como se pode observar no Anexo 1.
Os critérios da avaliação
As resoluções das questões eram realizadas após a cópia do enunciado das mesmas.
As questões eram avaliadas uma a uma, a partir da resposta apresentada. Em alguns casos,
foram encontrados acertos individuais das partes de uma única questão. Por exemplo,
quando solicitados na questão de geometria, os diferentes desenhos de figuras, era
considerado o valor de cada uma das figuras separadamente. O processo de resolução dos
problemas era assinalado, com traços vermelhos, quando aparecia erro. Apenas foi
encontrada uma prova com a observação: " tentativa", uma espécie de justificativa para
uma resposta "quase completa", na qual foi computado meio ponto para a questão que valia
dois pontos. Identifica-se, no respectivo cálculo, apenas que a conversão de medidas, na
última etapa, estava errada. Isso aponta para a importância da exatidão do registro da
resposta do problema, certamente, um critério relevante na contabilização dos pontos. As
provas não apresentavam nenhuma apreciação ou comentário particular em relação aos
erros ou acertos apresentados.
Diferentemente da prova de Português que seguia critérios oficiais para correção, na
prova de Matemática, a avaliação parecia resumir-se mesmo em contabilizar os acertos a
partir da exatidão dos cálculos efetuados e da resposta final registrada.
Quanto à prova oral, não foram encontrados dados para serem analisados. Apenas,
ao lado do cabeçalho da folha de prova, uma coluna à esquerda da folha informava os
resultados alcançados pelo candidato tanto na prova escrita como na oral. Na maioria da
amostra analisada, o valor da prova oral era menor que o da prova escrita.
Para Buriasco (2000), ao definir seus critérios de avaliação, a escola define também,
a natureza da função avaliativa, o mais comum de se ver, segundo a autora, é a avaliação
exercendo uma função seletiva, especialmente quando se trata do ensino de matemática,
decidindo sobre quem fica ou quem sai da escola. No caso do exame de Admissão as
provas eram os instrumentos legais que garantiam o acesso, ou não, dos alunos ao curso
secundário, portanto, um mecanismo seletivo e classificatório oficializado pela política
educacional vigente.
Os erros
A maior parte dos erros assinalados, nos problemas de aplicação, não se refere à
interpretação, nem à falha na escolha das operações necessárias para busca da resposta
certa do problema, dado que indica a existência de um índice mínimo de erros conceituais.
O maior percentual de erros aparece nos cálculos, porém, não se tratavam de erros,
relacionados ao domínio de tabuada, de uso de fórmulas ou regras algorítmicas. Para nossa
surpresa, constituíam-se em erros de atenção, como o não alinhamento das parcelas, a
perda da seqüência na aplicação do algorítmo, dada a quantidade de algarismos envolvidos
no cálculo. Parecia tratar-se de erros originários da dificuldade de armazenar, na memória,
a extensa quantidade de dígitos na escrita do numero (extensa quantia de zeros como
requeria o sistema monetário da época). Outro obstáculo, detectado em relação aos erros,
era em relação ao lugar da vírgula, quando se multiplicava valores monetários com
quantidades que expressavam medidas de área, volume, capacidade etc .
Os cálculos com frações foram os campeões em número de erros, em geral,
produzidos nas expressões aritméticas que envolviam as quatro operações fundamentais,
com suas regras e propriedades. No entanto, observou-se que os alunos sabiam estabelecer
raciocínios corretos nas relações parte/todo. Os conteúdos com maior índice de acerto
foram os algorítmos para determinar o m.d.c e o m.m.c, quando realizados isoladamente.
As divisões, com números naturais (no regulamento chamados de inteiros) eram resolvidas
em sua totalidade pelo método convencional da divisão direta. O acerto de divisões, com
números que apresentavam vírgulas e que tinham mais de dois dígitos como divisor,
também surpreendeu. A maioria dos cálculos apresentados pelos alunos eram realizados
por meio de algorítmos convencionais. Entretanto, formas diferentes e criativas foram
encontradas, nos encaminhamentos das resoluções de alguns problemas, o que contraria
muitas afirmações de que a escola tradicional daquele período só trabalhava com
memorização e impedia o desenvolvimento da criatividade dos alunos ( Pinto, 1990).
Na questão de geometria, os erros detectados foram mínimos, confirmando o
descaso dado à esse conteúdo no programa de matemática da escola primária. No entanto,
foram identificadas, em provas de 2ª época do ano de 1931, desenhos de figuras
geométricas contendo mais elementos que os solicitados, como um caso de classificação
dos triângulos, onde foram incluídos símbolos para identificação dos lados iguais e dos
ângulos congruentes.
Considerações finais
A análise das provas permitiu perceber, no ensino da matemática elementar do
período investigado, marcas da predominância da contextualização dos problemas aliada a
um ensino formalista. Os problemas nelas contidos, como sinais históricos e culturais
expressam, sobretudo, a aplicação de conteúdos matemáticos aos contextos econômico e
social vividos pelos candidatos naquele período da sociedade brasileira. Porém, à medida
que o número dessas questões é ampliado, esse tipo de questão parece ser o mecanismo de
controle mais relevante para a lógica interna do exame de admissão.
O conceito de número permitia, ao aluno, de forma mais abstrata que concreta,
construir um significado profundo dos referentes de sua época: seja pelo uso da moeda
vigente, pelas práticas cotidianas de medição , pela contabilidade envolvida nas relações de
trabalho, imprimindo um sentido à experiência matemática vivida pelo aluno. Percebe-se
que a rede de significados, construída em torno do conceito de número era tecida, mais
pelo concreto abstrato que por manipulação ou representações dos objetos matemáticos.
Ao utilizar o número em medições de tempo e espaço, em transações comerciais, em
cálculo de idade das pessoas etc , o aluno era levado a ampliar a rede de significados do
número utilizando uma lógica abstrata.
Dentre os fatores que se apresentaram mais evidentes, na análise das provas,
destacam-se, além da relevância científica e social da maioria das questões selecionadas, a
relação entre a finalidade dos Exames de Admissão, a procedência econômico-social dos
candidatos e os fatores ideológicos implícitos nos enunciados dos problemas de aplicação.
Um deles foi a limitada importância, dada no início do século passado, às relações
econômicas. Constata-se, nos problemas enunciados, que as referências ao dinheiro são em
menor número que as de cálculos de medidas.
Essa, "economia" do tema monetário, confirma a crítica feita por Monteiro Lobato,
em sua obra " Aritmética de Emília, referindo-se à " dureza" do programa de matemática
do ensino primário, expressa pelo personagem Visconde de Sabugosa, mostrando uma
proposta de ensino de aritmética, fortemente descontextualizada e impregnada de
componente ideológico que se configurava, nos anos 30, como o autoritarismo da velha
república que se expressava também na descontextualização dos conteúdos matemáticos.
Na mesma obra, as idéias criativas da personagem "Emília" deixam também evidente a
presença de um ensino novo, que vai se tornando prazeroso para o aluno, permitindo-lhe
vivenciar a aritmética de seu cotidiano, sem contudo restringí-la a um conhecimento
informal ( Pinto, 1990). Os vestígios, dessas " duas lógicas reguladoras da aprendizagem
escolar" ( Perrenoud, 1999), podem ser localizados na avaliação das provas analisadas,
como expressão das lutas travadas no contexto educacional brasileiro dos anos 30.
Disciplina considerada modelo de imparcialidade, a Matemática, tal como aparece
nas provas analisadas, reflete toda a trama ideológica daquele conflituoso momento
histórico, expressa na temática rural, no nacionalismo, nas lutas salariais, na transformação
da economia. Entretanto, a matemática necessária era a que deveria atender as
necessidades da classe dominante: o bom ensino para uma pequena parcela da população
escolarizada, garantindo o acesso dessa camada da população ao ensino secundário. A
avaliação, meritocrática por natureza, era a avaliação políticamente correta para as
finalidades sociais, um aparelho docimológico no qual as provas de matemática
constituiam-se em mecanismos eficazes para o alcance das grandes finalidades da
educação matemática enquanto controle da população escolarizada.
Referências
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heurístico e a Reforma Francisco Campos. In: Poços de Caldas: Anais da 26ª Reunião
Anual da ANPED, CD-ROM, 2003.
BARRIGA, A . D. Uma polêmica em relação ao exame. In: ESTEBAN, M.T. (org.).
Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de Janeiro: DP&A, 1999,
pp.51-82.
BURIASCO, R. L. C. Algumas considerações sobre Avaliação Educacional. In: Estudos
em Avaliação Educacional. Fundação Carlos . n° 22. Jul-dez. São Paulo, 2000.
BUTTS, T. Formulando problemas adequadamente. In: KRULIK, S. ; REYS, E. A
resolução de problemas na matemática elementar. São Paulo: Atual Editora, 1997, pp.
32- 48.
CHERVEL, A . História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa.
In: Teoria e Educação. Porto Alegre: Pannonica, 1990, pp.177-229.
PERRENOUD, Ph. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens- entre
duas lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
PINTO, N.B. Uma re-leitura da Aritmética de Emília. Curitiba: UFPR : Dissertação de
Mestrado, 1990.
PINTO, N.B. O erro como estratégia didática. Campinas/SP: Papirus, 2000.
VALENTE, W. Os exames de Admissão ao Ginásio: 1931-1969. PUC-SP, 2001, CDROM. Vols: 1, 2 e 3 .
Anexo 1 - Quadro : Questões das Provas do Exame de Admissão ao Ginásio
ANO
1931
QUESTÕES DAS PROVAS ANALISADAS
x
Qual o valor de um terreno de forma rectangular tendo 3,25 m de frente e 5,87m de
fundos à razão de 260$000 o are ?
x
De uma peça de fazenda, 2/5 foram inutilizados por um incêndio; venderam-se 7/11
da peça e sobraram 6,30m . Qual era o comprimento da peça ?
x
x
Achar o m.d.c. e o m.m.c. de 18, 132 e 64.
Desenhar um quadrado, um retângulo, um losango, um trapézio, traçando suas
diagonais.
1932
x
Um operário recebeu 170$000 por alguns dias de serviço. Se tivesse trabalhado mais
de 7 dias receberia 220$50. Quantos dias trabalhou ?
x
Quanto pesa a água contida em uma caixa de 2,2mts de comprimento, 13 dmts de
altura e 85 cmts de largura ?
1933
x
Qual o número que aumentado dos seus 3/5 se torna 56 ?
x
Quantas garrafas de 0,75 decilitros se podem encher com 250 litros de vinho ?
x
Qual o número que diminuido dos seus 3/8 se torna 35 ?
x
Avaliar o peso da água contida em uma caixa de 42 decímetros de comprimento, 925
centímetros de largura e 2 metros de profundidade ?
1934
x
Uma peça de fazenda custou 120$000. Se tivesse 8 metros custaria 184$000. Quantos
metros contem a peça?
x
A diferença entre 1/5 e 1/7 de um número é 20. Qual é o número?
x
Quanto pesará a água contida em uma caixa de 32 metros de comprimento, 42
decímetros de largura e 125 centímetros de altura?
1935
x
O volume de uma sala de aula é de 218,550 m3. Quantos alunos poder-se-ão receber
querendo assegurar a cada um o volume de ar de 4650 litros?
x
Exprimir em ares as seguintes superfícies: 0,625 km2 e 3,750 m2.
x
Calcular a expressão: 0,36 x 5/9 + 6/7
2 - 3/5
1936
x
Calcular o valor da expressão :
[ 2 1/3 + 14,7 + 1 3/4 ] x 0,36 =
0,21
x
Uma pessoa gasta 1/4 de seu ordenado em aluguel de casa, 5/12 na alimentação, 1/6
no vestuário e economiza 200$000 cada mez. Qual é o ordenado mensal ?
x
Comprei 3,6 hectolitros de vinho a 2$600 o litro. Recebi um litro a mais em cada 12
litros . Tendo acondicionado este vinho em garrafas de 3/4 de litro, qual é o preço de
custo de cada garrafa de vinho custando a garrafa vasia 100 réis ?
1937
x
João comprou 25 ares de terra, reservou para si 3/8 dessa terra: empregou 1/10 na
construção de uma rua e dividiu o resto em lotes contendo cada lote 5/8 de are.
Quantos lotes formou ?
x
Sabendo-se 1 cm3 de azeite pesa 925 miligramas, qual é o custo de 50 litros deste
azeite a 1$500 o kilograma ?
x
Calcular o valor da expressão :
( 4/5 - 1/6 ) x 4 1/8 =
( 2/3 + 7/5 ) : 3 3/5
1938
x
Comprei 4/7 de uma peça de pano de 72mts 1/3 de comprimento, à razão de 14$1/4 o
metro . Quanto gastei ?
x
x
Por qual número se deve multiplicar 0,85 para que o produto seja 3,0525 ?
Dois amigos tendo comprado 28mts, 37 de pano por 340$440, repartiram a
mercadoria de modo que o primeiro pagou 45$000 mais do que o outro. Com quantos
metros cada ficou cada um ?
1939
x
Repartir 87$500 entre duas pessoas de maneira que uma tenha 17$200 mais que a
outra .
x
Escrever em algarismos arábicos os números romanos : MMCXII e DCCCXVI e
achar o máximo divisor comum entre eles.
x
Uma pessoa gastou 8/15 do seu haver; colocou na Caixa Econômica os 5/7 do que lhe
restava e ficou com 1:600 $000. Quanto possuia inicialmente ?
x
Uma barra de ferro tem 1 metro e 8 centímetros de comprimento, por 8 centímetros de
largura e 5 milímetros de espessura. Qual é o seu peso se o decímetro cúbico de ferro
pesa 7 kg e meio ?
1940
x
Recebi os 2/5 de uma herança que se eleva a 4:625$000. Havia ainda quatro herdeiros
que dividiram entre si o resto da herança. Qual foi a minha parte e a de cada um dos
herdeiros ?
x
Sabendo que 1 dm3 de pedra pesa 21 gr 750 achar o peso de 2 m3 875 dessa pedra.
x
Em uma classe necessita de 1m2 25 de superfície por pessoa. Uma classe mede 6375
dm2 . Quantos alunos pode ela receber ?
x
Uma operária ganha 17$500 por dia de trabalho e gasta 12$000 por dia.Quantos dias
trabalha num ano para economizar 870$000 ?
1941
x
Efetuar: ( 6 - 4,7 + 3,68 ) x 0,2415 : 3,45 =
x
Uma garrafa tem a capacidade de 1 litro e 35 centilitros. Quantas vezes a água contida
nesta garrafa encherá um copo cuja capacidade é de 45 cm3 ?
x
Duas fontes correndo ao mesmo tempo enchem em 14 horas um tanque de 11900
litros de capacidade. Uma destas tendo fornecido 2380 l a mais do que a outra,
Quantos litros deu cada uma ?
x
Dois irmãos devem repartir igualmente entre si um terreno com 1336 ares; um deles
dá ao outro 1:207$000 com a condição de que ficará a sua arte em 142 ares mais do
que o outro. Calcular o valor da parte de cada um.
x
Quando se peneira farinha ela perde 3/25 de seu peso. Que porção de farinha se deve
peneirar para obter 33 kg de farinha
peneirada ?
1942
x
Achar o valor da expressão : 3 2/5 - 1 3/10 x 8/7 =
2/5 + 1/2
x
Um alfaiate quer comprar um tecido que ele sabe que se for molhado encolherá 2/9 de
seu comprimento. Quantos metros ele deverá comprar desse tecido para que possa Ter
4,20 mts depois de molhá-lo ?
x
Um tonel pesa 28,7 kg . Quando cheio de água até os 3/4 de sua capacidade pesa 210 ,
2 kg. Quantos litros de água conterá quando estiver totalmente cheio ?
x
X gastou os 3/5 que tinha e 20$000 a mais. Restaram-lhe ainda 280$000. Quanto
possuia ?
x
Uma tina retangular cujas dimensões internas são: comprimento
0,24mts; largura
0,18 mts; altura 0,29 mts pesa estando vasia
2kg325. Pergunta-se : qual será o seu peso quando cheia de um
líquido de que cada cm3 pesa 0,3915 ?
x
Se um trem percorre 424,350 km em 5 3/4 horas, quantos metros percorrerá por
segundos ?
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De um campo de 5,05 há foram separados 2,85 ares e vendidos a 928$000 para se
fazer um jardim. A quanto fica reduzida a superfície desse campo ?
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Um operário foi encarregado em remover um monte de areia. Ele faz por hora 9
viagens, carregando em cada uma 125 dm3. Sendo o volume do monte de areia de
42,750 m3 , quantas horas deverá trabalhar para a remoção total do monte ?
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1943
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Uma campainha soa a cada 18 minutos; um segunda a cada 24. Tendo soado juntas às
6 horas da manhã, a que horas soarão de novo ao mesmo tempo?
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Um estudante , para resolver um problema, empregou para raciocinar 1/2 do tempo
estabelecido; para passar a limpo 4/63. Sabendo-se que entregou o resultado 1 minuto
antes da hora, quanto tempo foi concedido para o trabalho?
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o significado das provas de admissão ao ginásio da escola estadual