VII Congreso Ibérico sobre Gestión y Planificación del Agua “Ríos Ibéricos +10. Mirando al futuro tras 10 años de DMA”
16/19 de febrero de 2011, Talavera de la Reina
QUALIDADE ECOLÓGICA NA BACIA HIDROGRÁFICA DO TEJO: UMA PERSPECTIVA INTEGRADA
Ferreira, M. T.
Professor Associado do Instituto Superior de Agronomia, Universidade Técnica de Lisboa
1. INTRODUÇÃO
O rio Tejo cosntitui uma importante bacia hidrográfica que é a 5ª maior a nível europeu e a 3ª maior bacia ibérica, com uma superfície de 80
629 km2, dos quais ca. 30% em território português (24 800 km2). Trata-se de um vasto corredor fluvial localizado no centro-oeste da Península Ibérica, com orientação ENE-WSW, apresentando uma longitude de cerca de 700 km e uma largura média de 120 km. Pela sua dimensão, território ocupado, localização geográfica e recursos hídricos que gera, a bacia do rio Tejo constitui uma área estratégica para ambos os
países.
A bacia hidrográfica do Tejo representa também um eixo geográfico que separa duas regiões geoclimáticas e geofísicas distintas da Península
Ibérica, a parte norte dominada por faixas montanhosas e de afluentes caudalosos e a parte sul, dominada por relevos suaves e um regime
pluvioso mais árido, de cariz mediterrâneo.
Os sistemas fluviais representam unidades de paisagem com uma estrutura hierarquizada de escoamento de águas, que determina gradientes
longitudinais físicos, geomórficos, físico-químicos e biológicos. Ou seja, um ecossistema fluvial estrutura-se de forma que cada local depende
funcionalmente dos materiais que lhe chegam da rede hídrica a montante mas também da sua bacia de drenagem. Assim independentemente
de fronteiras humanas que lhe queiram atribuir, a bacia hidrográfica do Tejo apresenta uma unidade ecológica e interactiva entre as zonas de
montante em Espanha e as zonas de planície em Portugal.
Sem esquecer esta unidade fluvial, também é certo que pela sua localização charneira de transição entre dois biomas (o temperado e o mediterrâneo) e também devido à complexa matriz geológica subjacente, a bacia e rede fluvial do rio Tejo apresentam uma diversidade notável de
tipos fluviais e comunidades biológicas respectivas. A rede fluvial pode ser encarada como uma malha de tipos fluviais, sistemas caracterizados por um dado regime hidrológico, malha habitacional e comunidades biológicas que nela habitam, e cuja estrutura e funcionamento ecológicos lhe são próprios. Tal visão reconhece a unicidade de cada tipo fluvial e a sua necessária utilização na orientação de acções de recuperação
do bom estado ecológico, o objectivo operacional central da Directiva Quadro da Água. A bacia do Tejo inclui na parte portuguesa sete dos 15
tipos fluviais identificados para Portugal Continental, sendo a bacia hidrográfica portuguesa ecologicamente muito diversa e rica, incluindo segmentos fluviais de montanha e de planície, permanentes e temporários, temperados e mediterrâneos. Trata-se de uma riqueza habitacional e
patrimonial que deve ser mantida e restaurada quer na parte portuguesa quer espanhola.
2. PRESSÕES HUMANAS
Os sistemas fluviais da bacia do Tejo são intensamente actuados por pressões humanas. Desde logo, pressões relacionadas com a qualidade
da água, físico-químicas e químicas, resultantes de fontes de poluentes não degradáveis e de matéria orgânica. Estas fontes podem ter um carácter tópico ou difuso. Cerca de um terço das descargas tópicas na parte portuguesa da bacia, não apresentam tratamento de águas residuais.
Entre as pressões mais significativas, incluem-se os efluentes domésticos urbanos, as indústrias não abrangidas pela Directiva 96/61/CE, os aterros de resíduos sólidos urbanos, a irrigação bem como a captação para abastecimento público (INAG, 1995). Existem várias importantes de
áreas de rega associativa na parte portuguesa da bacia e um pouco por toda a área ocorrem fenómenos de acumulação de matéria orgânica
e eutrofização, quer em rios quer em albufeiras. Estes fenómenos levam a crescimentos intensos de vegetação aquática e desoxigenações extensivas das massas de água, com mortalidade de outros organismos.
As necessidades hídricas da parte portuguesa da bacia são de 1763 hm3, podendo atingir os 2035 hm3 em anos muito secos (ARH, Plano de
Gestão de Bacia Hidrográfica em curso). Entre 70 e 75% destas necessidades correspondem a actividades agrícolas e 20 a 23% a consumo
urbano, sendo a necessidade industrial residual. Ou seja, o consumo de água da parte portuguesa está centrado no sector primário de actividade. Tal como em muitas regiões da Península Ibérica, a disponibilidade hídrica não é homogénea no espaço e no tempo, pelo que os recursos hídricos gerados tem sido armazenados na época pluviosa para serem utilizados em épocas secas. A bacia hidrográfica do Tejo apresenta
muitos dos seus afluentes represados, com 57 grandes barragens de mais de 10 hm3, das quais mais de 40 em Espanha e as restantes em Portugal, com uma capacidade de armazenamento de 13700 hm3 (dos quais 11000 em Espanha). Também as transferências de água para outros
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sistemas fluviais ocorrem em vários locais da bacia, embora igualmente se verifiquem transferências de outras bacias para o Tejo (e.g. Douro
para Tejo).
Represamentos de maior dimensão, pequenas barreiras e alterações do regime de caudais, afectam a flora e a fauna um pouco por todo a área.
Por exemplo, várias espécies de peixes migradores marinhos subiam o rio Tejo até Espanha (e.g. sável Alosa alosa, esturjão Acipenser sturio e
lampreia Petromyzon marinus). Presentemente, um número imenso de barreiras (2145 pequenas, médias e grandes barreiras, na parte portuguesa do Tejo) impede a livre circulação destas espécies até aos seus leitos de desova, comprometendo os seus ciclos de vida. O funcionamento
de um rio e a definição de um regime de caudais ambientais pode ser norteado por quatro princípios (Bunn e Arthington, 2002):
i)
ii)
iii)
iv)
O da manutenção das funções vitais das espécies presentes, alimentação e reprodução;
O da manutenção da estrutura do canal e leitos, e matriz habitacional associada
O da manutenção das ligações hídricas funcionais, longitudinais, transversais e verticais, entre o rio e os ecossistemas envolventes
O da manutenção da variabilidade intra e inter anual natural do regime de caudais
De facto, um regime adequado de caudais ecológicos é constituído por valores de caudal que variam ao longo do ano (em geral de mês para
mês) para atender às necessidades das espécies (ou comunidades), sendo flexível em função das condições hidrológicas naturais que se verificam em cada ano. Em geral, porém, não são atendidos estes princípios na definição dos caudais em rios humanizados e o rio Tejo não é excepção, sendo dada mais importância aos usos humanos do que às necessidades ecossistémicas. O Convénio de Albufeira entre Portugal e
Espanha definiu (anexos; Boletin Oficial del Estado 16 Enero 2010, nº 14, Sec.I pág 3425) para a secção de Salto de Cedille tão somente um
caudal integral anual de 2700 hm3 e um caudal integral trimestral de 295 hm3 (outono), 350 hm3 (inverno), 220 hm3 (primavera) e 130 hm3
(verão), sem preocupações ou verificações em relação à sua adequabilidade ecológica.
Um pouco por toda a bacia hidrográfica do Tejo se verificam alterações morfológicas dos corredores fluviais, incluindo artificialização dos substratos, alterações dos perfis longitudinais e transversais, cortes e fragmentação do arvoredo ripário, atravessamentos do rio por estradas e ferrovias (mais de 1000 na parte portuguesa), pisoteio, lixos e usos indevidos do canal fluvial. Porque os ecossistemas se encontram muito
alterados, surgem pressões secundárias significativas de espécies biológicas, nalguns casos de grande invasibilidade nos corredores fluviais, como
a da cana Arundo donax ou do lagostim de rio Procambarus clarkii. De acordo com o Instituto da Água (INAG, 2005), 35% das massas de água
da bacia hidrográfica do Tejo devem ser restauradas ou reabilitadas.
A necessidade de operacionalizar de forma correcta as acções de restauro levou à criação recente por parte de um grupos de investigadores e
profissionais desta área, do Centro de Restauro Fluvial Ibérico CIREF http://www.cirefluvial.com, em 3 de Junho de 2009 em Barcelona, integrado na rede temática do European Centre for River Restoration.
3. MONITORIZAÇÃO E RESTAURO DA QUALIDADE ECOLÓGICA
A Directiva Quadro da Água estabelece um quadro de protecção activa dos ecossistemas, com o objectivo de garantir ou atingir o bom estado
ecológico. O bom estado ecológico é avaliado pelo desvio da situação actual em relação à situação pré-pressão humana relevante (geralmente
associada à situação pré-industrial), um objectivo extremamente ambicioso. A avaliação do desvio é medida por indicadores primariamente biológicos, e complementarmente físico-químicos, químicos e estruturais (regime de caudais, arvoredo ripário e estrutura dos leitos e margens), e
esta avaliação teve início aproximadamente entre 2007 e 2009, em Portugal e Espanha.
Como cada sistema fluvial tem um funcionamento próprio (ou seja, um rio de cabeceira não funciona de forma ecologicamente semelhante a
um rio de planície), a monitorização iniciou-se com a definição dos tipos fluviais existentes na bacia do Tejo (INAG, 2008), por forma a serem
criadas as referências ecológicas a partir das quais é medido o desvio da situação natural. Por outro lado, os indicadores de qualidade são integrados em índices e combinados na avaliação final da qualidade e estado ecológicos, sendo essa integração e combinação possível de várias formas, num valor relativo final (rácio de qualidade ecológica, EQR).
O inventário de pressões e a operacionalização dos sistemas de avaliação da qualidade ecológica são a peça chave para a definição das medidas de restauro ecológico, mas também para a comparação entre bacias, regiões e países. No caso de bacias internacionais, a comparabilidade do sistema é crucial porque só assim permite criar medidas de restauro integradas para a bacia hidrográfica. As Regiões Hidrográficas
portuguesas (cinco ao todo) e as Demarcaciones Hidrográficas de Espanha, não foram objecto de coordenação embora os resultados tenham
resultado coincidentes nas bacias hidrográficas partilhadas; a bacia hidrográfica do Tejo forma uma unidade de gestão partilhada.
Para os tipos fluviais (7 tipos fluviais na bacia portuguesa do Tejo e outros tantos na parte espanhola) não foi realizada ainda a comparação e
concertação. Finalmente, no caso dos indicadores de qualidade ecológica, não foi tão pouco até ao momento realizado um esforço de convergência. Portugal utiliza índices de macroinvertebrados (IPT) e de diatomáceas (IPS e CEE), um índice de habitat RHS e outros elementos avulsos. Espanha utiliza índices de microalgas (IGA), diatomáceas, vários de macroinvertebrados, de macrófitos e de bosque ripário, sendo que apenas
o IGA, IPS e CEE são comuns com Portugal. É fundamental e urgente proceder ao ajuste de fronteiras de índices e harmonização do sistema.
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4. GESTÃO PARTILHADA DA QUALIDADE ECOLÓGICA
O esforço de cooperação entre as autoridades competentes de Espanha e Portugal deve assim centrar-se nos seguintes aspectos no que toca
ao estado ecológico dos ecossistemas fluviais da bacia:
i) Harmonização das tipologias fluviais, dos ecossistemas de referência e dos indicadores/índices de medição do desvio ecológico;
ii) Definição conjunta de objectivos ambientais, em função de um inventário harmonizado de pressões, em particular as que afectam o
rio no seu todo (e.g. carga de nutrientes, regulação de caudais);
iii) Definição de objectivos ambientais conjuntos (e.g. recuperação das populações de migradores);
iv) Definição conjunta de critérios de derrogações e prorrogações dos objectivos ambientais;
v) Harmonização das redes de monitorização e implementação de locais de amostragem conjunta;
vi) Articulação dos programas de medidas de recuperação ambiental dos ecossistemas fluviais;
vii) Harmonização dos sistemas de informação e de acesso de dados pelo público.
Este esforço de coordenação foi já iniciado a nível das Regiões Administrativas da Água que gerem a bacia hidrográfica do Tejo, prevendo-se
uma intensificação progressiva nos próximos anos.
A Convenção sobre Cooperação para a Protecção e o Aproveitamento Sustentável das Águas das Bacias Hidrográficas Luso-Espanholas (vulgo
Convenção de Albufeira 1998), notavelmente assinada antes da existência da Directiva Quadro da Água, constitui um instrumento para a coordenação e harmonização da gestão hídrica de bacias partilhadas.
Nas partes II e III da Convenção, é tratada a permuta de informação e avaliação de impactes transfronteiriços, o prevenir, mitigar e controlar
efeitos de situações extremas, o assegurar o aproveitamento sustentável dos recursos hídricos, a promoção da economia dos usos através de
objectivos comuns e programas de acção, o estabelecer sistemas comuns de monitorização do estado ecológico das águas e o promover acções conjuntas de investigação e desenvolvimento tecnológico.
A Convenção é enquadrada pelos Ministérios de Negócios Estrangeiros dos dois países e possui uma Comissão para Aplicação e Desenvolvimento (CADC, http://www.cadc-albufeira.org/), que inclui uma estrutura operacional com quatro grupos de trabalho: i) GT regimes de caudais,
secas e situações de emergência, ii) Directiva Quadro da Água e qualidade da água, iii) Segurança de infra-estruturas hidráulicas e cheias, e iv)
permuta de informação e participação pública. No Grupo DQA e qualidade, está já previsto articular o planeamento hídrico, manter intercâmbio de informação no âmbito da rede de monitorização, e coordenar as actividades de carácter técnico para a implementação da DQA.
No Artigo 9º, a Convenção especifica que se aplica à promoção e protecção do bom estado das águas, e no Artigo 10º à coordenação de programas de medidas. Anualmente desde 2006 são realizados planos de actividades da CADC, incluindo-se actividades como a compatibilização de tipologias e metodologias, a compatibilização de objectivos ambientais e de programas de monitorização, bem como a identificação e
caracterização conjunta das fontes de poluição pontuais e difusas.
Para além de dotar de meios, operacionalizar e intensificar as acções conduzidas por estas estruturas administrativas, nos dois países, será também importante integrar e harmonizar as acções destes dois níveis de intervenção, o regional e o nacional.
Referências bibliográficas
Bunn, S.E. e A.H. Arthington (2002) Basic principles and ecological consequences of altered flow regimes for aquatic biodiversity. Environmental Management,
30:392-507
INAG (2005) Relatório Síntese sobre a caracterização das regiões hidrográficas prevista na Directiva Quadro da Água. Ministério do Ambiente, Ordenamento
do Território e do Desenvolvimento Regional. Instituto da Água IP. 175 p.
INAG (2008) Tipologia de rios em Portugal Continental no âmbito da implementação da Directiva Quadro da Água. I- Caracterização abiótica. Ministério do
Ambiente, Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional. Instituto da Água IP. http://dqa.inag.pt/dqa2002/port/docs_apoio/doc_nac/
Manuais/
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