A EXTINÇÃO DAS FUNDAÇÕES E O FUTURO DOS EMPREGADOS SOB REGIME
CELETISTA
As fundações que são constituídas sob regime de direito privado, mas gerem recursos
públicos, sempre causaram muita polêmica, não somente no campo político, em
virtude dos interesses nem sempre sociais pelos quais o legislativo e o executivo
implementam essas instituições, mas também causam muitas discussões na seara
jurídica. Além dos debates acerca da sua natureza jurídica, na ocasião da sua
extinção, muito há o que se resolver dentro do direito público e privado.
Na relação trabalhista, tudo isso, para os empregados, fica confuso e, às vezes,
injusto. Mas o certo é que a relação entre empregado e empregador, ou seja, entre a
fundação e seus trabalhadores alocados no serviço público, é de natureza celetista,
sem direito a transmudação. É dizer que, com a extinção da fundação, os contratos de
trabalhos são igualmente extintos sem possibilidade de migração para o regime
estatutário.
Isso porque não se concebe adentrar no Regime Jurídico Único (estatutário) sem
realizar concurso público, na forma do art. 37, II da Constituição Federal:
Art. 37.
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de
aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas
e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo
ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as
nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre
nomeação e exoneração;
Não é vedado que, atendendo ao ingresso no serviço público através de concurso, se
haja instituído o regime celetista para os servidores de determinado ente público. Isso
é comum principalmente em municípios pequenos onde ainda não existe lei versando
sobre o Regime Jurídico Único dos servidores. Na confecção desta lei, a migração dos
regimes é legal, passando-se do regime celetista para o estatutário. Mas no caso da
extinção das fundações não se está tratando apenas de mudança de regime, mas do
não atendimento de um requisito básico para o ingresso no serviço público: aquele
descrito no art. 37, II da Constituição Federal.
Se o gestor público incorporasse os servidores do regime celetista egressos da
fundação extinta no regime estatutário, estaria cometendo ato flagrantemente
inconstitucional. Vejamos:
ADMINISTRATIVO. FUNDAÇÃO EDUCAR. EXTINÇÃO: LEI Nº
8.029/90.
SERVIDOR
CELETISTA
NÃO
ESTÁVEL.
DEMISSÃO. ANISTIA. LEI Nº 8.878/94. REINTEGRAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. 1. A Fundação Nacional para Educação
de Jovens e Adultos - EDUCAR veio a ser extinta em
decorrência da Lei nº 8.029/90, pelo que o servidor celetista
não estável de seus quadros, demitido em decorrência da
extinção, não possui direito à reintegração, ainda que anistiado
nos termos da Lei nº 8.878/94. 2. A investidura em cargo
público depende de aprovação prévia em concurso público de
provas ou de provas e títulos (CF: art. 37, II). 3. Apelação não
provida. (TRF-1 - AC: 45997 GO 2000.01.00.045997-5, Relator:
JUIZ FEDERAL CARLOS ALBERTO SIMÕES DE TOMAZ
(CONV.), Data de Julgamento: 01/06/2005, SEGUNDA TURMA
SUPLEMENTAR, Data de Publicação: 30/06/2005 DJ p.122)
RECURSO DE REVISTA. JUSTIÇA DO TRABALHO.
COMPETÊNCIA. PRETENSÃO RELATIVA AOS DEPÓSITOS
DO FGTS. SERVIDOR CELETISTA ESTÁVEL (ADCT, ART.
19, § 1º) TRANSPOSTO PARA O REGIME JURÍDICO
ADMINISTRATIVO. LEI COMPLEMENTAR DO ESTADO DO
PIAUÍ Nº 13/94. DECISÃO DA EXCELSA CORTE FIXANDO A
INCONSTITUCIONALIDADE
DA
MIGRAÇÃO
ENTRE
REGIMES POR SERVIDORES NÃO ADMITIDOS POR
CONCURSO PÚBLICO OU QUE NÃO SE SUBMETERAM AO
CONCURSO DE EFETIVAÇÃO REFERIDO NO § 1º DO ART.
19 DO ADCT DA CF/1988 (ADI 1.150-RS). Controvérsia
centrada na definição da competência desta Justiça do
Trabalho para o exame de pedido alusivo aos depósitos do
FGTS, deduzido por servidor público estável, antes submetido
ao regime celetista e que teria, segundo a tese da defesa,
migrado para o regime jurídico administrativo, por força do
advento da Lei Estadual nº 13/94. Inconstitucionalidade da
migração de servidores estáveis não concursados pronunciada
pela Excelsa Corte, no âmbito do controle concentrado de
constitucionalidade (ADI 1.150-RS): efeito lógico-jurídico da
subsistência do regime contratual celetista para os servidores
não concursados ou que não se submeteram ao concurso de
efetivação previsto no § 1º do art. 19 do ADCT da CF/1988.
Decisão gravada de efeito vinculante e eficácia geral que
afasta a possibilidade de discussão adicional pelos órgãos do
Poder Judiciário (art. 102, § 2º, da CF de 1988). Fixada, nesses
termos, a natureza contratual do vínculo jurídico mantido entre
os litigantes, ante a ineficácia da norma estadual que tencionou
modificar o regime jurídico, irrecusável a competência desta
Justiça do Trabalho (CF, art. 114, I). Recurso de revista não
conhecido. FGTS. PRESCRIÇÃO TRINTENÁRIA. SÚMULA
362 DO TST. A Súmula 362 do TST consolidou o entendimento
de que é trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o
não-recolhimento da contribuição para o FGTS, desde que
observado o prazo de 2 (dois) anos após o término do contrato
de trabalho. Assim, ajuizada a ação quando transcorridos mais
de dois anos após a extinção do contrato de trabalho, há de ser
pronunciada a prescrição total da pretensão condenatória.
Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR:
16408820115220107 , Relator: Douglas Alencar Rodrigues,
Data de Julgamento: 25/06/2014, 7ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 01/08/2014)
É certo quem, pela extinção das fundações, os direitos trabalhistas continuam
preservados, caso se verifique o falta de pagamento de alguma verba rescisória ou
alguma irregularidade durante o pacto laboral. Nada obsta também que, declarada a
extinção da fundação, haja uma permanência temporária desses trabalhadores nas
suas respectivas funções, principalmente a depender da área e da essencialidade do
serviço no qual atuava a fundação. Ora, as consequências da perda de número
considerável de pessoal seria um caos para o serviço público, devendo mesmo haver
um período de transição. Esse período se justifica para que o ente público possa
promover concurso público para suprir todas as vagas que serão deixadas pelos
trabalhadores celetistas e não cause prejuízo ao serviço público, regularizando toda a
situação jurídica posta.
Em conclusão, não se concebe, após a promulgação da Constituição Federal de 1988,
que se ingresse no serviço público sem concurso público a não ser nos permissivos da
própria Constituição Federal, como nos cargos comissionados. Somente se verificou
tal situação para os trabalhadores egressos do serviço público anteriores à
Constituição de 1988 que foram incorporados ao regime jurídico único após este ano.
Ademais, não verificado este requisito, está-se diante de flagrante
inconstitucionalidade.
Laura Figueiredo - Advogada – especialista em Ciências Políticas e da Administração
pela Universidade de Barcelona/Espanha; especialista em Direito Tributário pela
Unisul/SC; especialista em Direito do Estado pela Faculdade Social da Bahia;
Presidente do Instituto Sergipano de Direito do Estado; Diretora Cultural da Revista
Eletrônica de Direito do Estado.
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