Revista Adusp
Abril 2007
Promotor
age como se fosse
advogado das fundações
O texto do
TAC firmado
pela Promotoria de Justiça
de Fundações
da Capital
e 16 fundações privadas
“de apoio” que
mantêm relacionamento com
a USP, a ser
apreciado pelo
Conselho Superior do Ministério
Público Estadual
— para homologação ou não — provavelmente em abril
de 2007, inclui uma
série de considerações
(consideranda) que
precedem e procuram
justificar as medidas de
“ajustamento”.
O curioso é que são
três laudas de consideranda e
apenas duas laudas de medidas
concretas. Alguns dos consideranda dedicam-se a tecer elogios às
fundações, instituidores e participantes. Por exemplo: considerando “que as fundações são integradas por profissionais de alta
qualificação científica, técnica e
moral, reconhecidos e respeitados
no âmbito da comunidade científica, merecendo de todos o respeito,
distinção e apoio condizentes com
seus méritos e relevância pública
de suas funções”, ou ainda: “a relevância das fundações como instrumento de progresso científico e
elemento de melhoria da qualidade e produtividade do ensino e da
pesquisa” etc.
Na promoção de arquivamento
do “protocolado” 743/2005, arrazoado em que examina a representação da Adusp contra as fundações
privadas, concluindo pela inexistência “de vícios ou irregularidades que estejam a reclamar a atuação deste órgão [a Promotoria]
no momento e porque as medidas
tendentes à total transparência das
fundações foram perfeitamente delineadas nas cláusulas [do TAC]”,
o promotor Airton Grazzioli não
esconde a hostilidade à associação,
brindada com expressões de teor
depreciativo.
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Entre os documentos juntados te e de seus funcionários, além da o privado (fundações) na concepaos autos, constam cópias de es- população carente”, e tudo isso “de ção hoje vigente de administração
tatutos de outras fundações, “com maneira voluntária” (grifo no origi- pública, vista sob uma concepção
a finalidade de demonstrar que, nal). Não se pode “negar, sob pena gerencial, é questão tida como pausualmente, o Conselho Curador de injustiça, a importância dessa cífica” (grifado no original). Em
é composto de pessoas indicadas ajuda no contexto da rotina do ensi- seguida, faz menção à “denomipelo Poder Público”. Assim, para no público”, teoriza Grazzioli. Mas nada Reforma do Estado que foi
justificar as ilegalidades cometidas não repete no documento o que proposta pelo governo federal na
na USP pelas fundações privadas, afirmou em palestra no XXIV Con- década passada e que ficou conheo promotor recorre ao exemplo de fies, em setembro de 2005: “injetam cida como Plano Bresser”. Alude,
outras fundações privadas que co- mais recursos [na USP] do que o erroneamente, ao plano econômimetem as mesmas ilegalidades no próprio Estado”.
co adotado por Luis Carlos Bresseu relacionamento com outros órser-Pereira quando ministro da Fagãos públicos.
zenda, sem qualquer relação com
Grazzioli classifica as fundao período, bem posterior,
ções em três tipos: “de apoio à
em que foi titular do
USP”; “que prestam apoio
chamado MARE.
à USP”; e “que também
“A crise [do EsO
promotor
de
fundações
leu
o
artigo
prestam apoio à USP”.
tado], na verdaAs primeiras viveriam
de, foi reconhe2º do Estatuto da USP e concluiu
“exclusivamente
cida em meio a
que
há
“previsão
estatutária”
para
o
em benefício da
discussões da
universidade”, as
necessidade de
relacionamento entre a universidade
segundas, “pelo
um novo modee “suas fundações de apoio e/ou
tipo de serviço solo de administracial que prestam,
ção pública e foi fruvinculadas”, embora esse artigo sequer
poderiam em tese
to de debates, no nasfaça menção a tais entidades
buscar a desvincucedouro, junto a organislação”, as últimas
mos internacionais, tais como
seriam “um misto de
o Banco Mundial, o FMI, dentre
fundação de apoio com
outros. Foi colocado em debate,
fundação totalmente desvinculada
assim, o modelo então vigente de
da universidade”.
Da leitura que fez do artigo 2º Estado que deveria desincumbirO promotor conclui que “todas do Estatuto da USP (“São fins da se de todas as demandas sociais. E
as fundações em referência foram USP [...] III- estender à socieda- ele estava de fato em crise”. Assim,
constituídas com patrimônio privado de serviços indissociáveis das ati- prossegue o promotor, veio à baila
na grande maioria pertencente a do- vidades de ensino e de pesquisa”, “o princípio da subsidiaridade (sicentes da USP”, e “cuja única vincu- grifado por ele), o promotor de- milar ao que alguns denominam de
lação com o poder público é o nobre preende o seguinte: “Há previsão democracia de proximidade), no
estado de ânimo de querer contribuir estatutária na Universidade para o qual se concebe a possibilidade de
com o fomento das atividades da relacionamento inter-setorial en- legítima transferência de demanuniversidade” (grifado no original).
tre ela e suas fundações de apoio das sociais para entidades privaPara ele, “as fundações exercem e/ou vinculadas”.
das, visando que venham a exercer
atividades sociais em benefício da
Segundo Grazzioli, o “relacio- serviços públicos não privativos do
USP, do seu corpo docente, discen- namento entre o público (USP) e poder público”.
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Portanto, arremata Grazzioli, o públicos que adotam a prática de tuação onde o professor tenha
novo modelo “aproximou a socie- cooptar funcionários públicos em que decidir em benefício de uma
dade civil da administração públi- cargos de chefia: Fundação de ou de outra entidade (fundação
ca, reduzindo o espaço estatal em Apoio à Tecnologia (na Fatec-SP), e universidade, com interesses
benefício do mercado, do cidadão, Fundação Adib Jatene (no Institu- antagônicos)”. As fundações,
de suas associações e de suas fun- to Dante Pazzanese), Fundação do acrescenta, “quando muito firdações privadas”. Neste contexto, o Sangue (no Hospital das Clínicas), mam convênios com a USP e essa
relacionamento das fundações com Fundação Editora da Unesp, Fun- modalidade de ajuste não impora USP “é legal, legítimo e ampara- dação Butantan e Fundação Edu- ta, como é sabido à exaustão, em
do na mais moderna concepção de cacional de Taquaritinga.
gravames financeiros”.
administração pública gerencial”.
Para ele, essa “regra [sic], por
Em socorro de sua tese, o proA visão da Adusp, “enquanto sua vez, é salutar, pois permite motor cita a lei federal 8.958/94
denunciante nestes autos, é que
e o decreto 5.205/04, por permise revela antiga e desbotada pelo
tirem ambos “o acúmulo de dois
tempo, pois não consegue visuaexercícios (um cargo junto
lizar no estado moderno das
[sic] à universidade púcoisas a interação entre
blica e uma atividade
o público e o privado”,
privada na fundação
Grazzioli
rejeita
a
hipótese
de
afirma o promotor. É a
de apoio”. Para
“visão do Estado buele, “por ausênacúmulo de cargos USP-fundações,
rocrático”.
cia de norma
porque
“fundação
não
possui
cargo”.
Para Grazzioespecífica para
li, não pode haver
a questão na
Quando muito, diz, certos cargos
acúmulo de carórbita estadual,
da USP são exercidos
gos como alega[é] possível se fado pela Adusp
lar em aplicação da
concomitantemente “com atribuições
(na USP e nas
legislação federal, por
junto a fundação privada”
fundações), poranalogia” (grifado no orique, como são priginal).
vadas, as fundações
O promotor menciona o arnão possuiriam cargos,
tigo 4º, § 1º do decreto 5.205/04
“na acepção jurídica do termo”.
para provar que o “acúmulo de
Cargos existiriam apenas na ad- que a entidade privada seja com- dois exercícios” é permitido por
ministração pública. No máximo, posta de representantes do poder essa legislação. Nele se lê que
“vislumbra-se, quando muito, con- público”. Não há, portanto, con- os “membros da diretoria e dos
comitância do exercício das fun- flito de interesses, mas “conjun- conselhos das fundações de apoio
ções de determinados cargos da ção de interesses”: “ao invés de se não poderão ser remunerados
universidade com atribuições jun- retratar uma composição maléfica pelo exercício dessas atividato a fundação privada”.
à USP, é questão de grande inte- des, sendo permitido aos serviO promotor chega a defender resse desta”.
dores das instituições apoiadas,
“a necessidade de determinadas
Principalmente porque, pros- sem prejuízo de suas atribuições
ocupações [cargos] das fundações segue Grazzioli, “as fundações funcionais, ocuparem tais cargos
serem destinadas a cargos da uni- jamais contratam com a univer- desde que autorizados pela insversidade”. E relaciona seis fun- sidade”, não havendo “portan- tituição apoiada” (grifo nosso).
dações de apoio a outros órgãos to, mesmo em tese, qualquer si- O decreto claramente chama de
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cargos as posições da diretoria e
As afirmações do promotor
O promotor ignorou o fato nodos conselhos das fundações pri- de que “não há, mesmo em tese, tório de que convênios firmados
vadas, mas neste caso Grazzioli qualquer situação onde o profes- pelas fundações privadas com a
exime-se de considerar isso um sor tenha que decidir em benefí- USP normalmente envolvem au“erro primário”, que foi como cio de uma ou de outra entidade torizações para cursos pagos e ouqualificou o entendimento da (fundação e universidade, com tros projetos que implicam transAdusp a respeito.
interesses antagônicos)” e de que ferência de recursos financeiros
Depois de argumentar, com os convênios das fundações com para departamentos, unidades e a
base nas informações fornecidas a USP não importam “em gra- Reitoria. Além disso, o percentual
pelas fundações privadas atuantes vames financeiros” colidem com de recursos a ser recolhido pela
na USP, que as respectivas direto- as declarações prestadas à Revis- USP por meio de taxas definidas
rias não são vinculadas a cargos ta Adusp pelo vice-reitor Franco pelas normas da universidade (inda universidade, o promotor ga- Lajolo.
clusive como reembolso pela cesrante que tal vinculação, quando
são de salas e prédios) é fixado
ocorre, se dá apenas nos consepor colegiados das próprias unidalhos curadores, que considera sedes, geralmente dirigidos
rem órgãos fiscalizadores das
pelos próprios docentes
entidades.
que atuam nas fundaAs justificativas
ções privadas.
O TAC é justificado pela necessidade
apresentadas para a
Um exemplo
elaboração do TAC
de que o poder
de “uniformizar a forma de agir”
são a necessidade
discricionário
das
fundações,
o
fato
de
que
de “uniformizar
das unidades
a forma de agir”
é usualmente
algumas “ainda ocupam para a sede
das fundações,
empregado em
administrativa
o
espaço
público”
em especial “na
favor das entidaatualidade, onde
des “de apoio” é o
da USP e “aproveitam docentes
[sic] as fundações
modo como é aplicada
para as atividades”
em questão são
a Resolução 4.543/98 da
questionadas com
USP. Ela estabelece, no artigo
conotação ideológica,
1º, que a unidade “deverá reter no
sobre a legitimidade da
mínimo 10% e no máximo 50%
existência”; também porque “aldo numerário recebido pelo docengumas delas ainda ocupam para a
Embora não se oponha à pre- te por participação em atividades
sede administrativa, o espaço pú- sença de docentes nos cargos de previstas nos artigos 15 e 16 da
blico pertencente à USP”; e por- direção das fundações, Lajolo re- Resolução 3.533 [cursos pagos e
que “aproveitam docentes para as conhece que “pode haver conflito outras atividades remuneradas],
atividades estatutárias”.
de interesse” em várias situações, modificada pela Resolução 4.542,
Grazzioli fecha seu arrazoado quer “mecanismos para impedir” de 20.3.98, recolhendo à Reitocom o comentário de que a Adusp, que aconteçam, e relatou que “já ria o equivalente a 5% desse nudiferentemente do MPE e da USP, aconteceu em algumas fundações” merário” (grifo nosso). Na quase
“não possui legitimidade alguma de “o próprio professor vir a ter totalidade dos casos conhecidos,
para tomar conhecimento da con- um poder exagerado gerenciando a unidade opta por fixar valores
duta de fundações privadas”, sem as verbas da fundação junto com próximos do mínimo, em geral,
fundamentar esse entendimento.
as da unidade” (vide p. 57).
13%.
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