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ANO XLll • MARÇO 2014 . Num
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"ADVOGADO
sempre.
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Dinheiro, tal como água,
sempre encontrará uma saída...
O imaginário social brasileiro tem sido nova mente assombrado pelos eternos "fantasmas" da corrupção. Embora,
em muitos casos, isto até seja verdade, devemos lembrar que
o ataque às instituições democráticas atende apenas aos
interesses
de setores co nservadores que, utiliza ndo-se de
,.,,...
discurso
falsamente
moralista, buscam reduzir as conquistas
VÃNIA AIETA•
sociais, entre elas o livre exercício dos direitos políticos. Este
discurso é conhecido e neste ano - 50 anos do golpe militar
- precisamos lembrar que é o mesmo de então.
Não sejamos ingênuos. Não se faz campanha sem dinheiro. Contudo, deve-se
asseverar que não é o financiamento privado o responsável pela corrupção. É o
corrupto. O que é imprescindível é observância rigorosa de transparência e controle
de contas, paradigmas do Direito Eleitoral no que se refere ao financiamento de
campanhas. Fazer do financiamento privado o bode expiatório responsável pelas
mazelas administrativas e eleitorais serve para "justificar" responsabilidades.
A possibilidade de fazermos doações aos candidatos de nossa predileção é direito
político legítimo do exercício da cidadania. Eesta não pode ser recepcionada no seu
grau mínimo, no mero ato de votar. Somos responsáveis também pelas escolhas que
fazemos, e a participação política pode ser realizada por meio da doação de dinheiro
inclusive das pessoas jurídicas. Não há nada de errado em se ter posição política. A
imprensa não é neutra, os financiadores não são neutros. Não existe neutralidade.
O que precisamos é que as máscaras caiam.
O chamado financiamento público de campanha já existe. Ele se concretiza
mediante a utilização de recursos do fundo partidário, do horário "gratuito" das
emissoras reservados aos partidos, cujo custeio advém de compensação fiscal.
Não é só a ambição dos políticos que explica a intimidade dos partidos e candidatos com o poder financeiro. Pensem na presença do Estado na economia. Quase
dois terços da atividade econômica dependem de empréstimos, financiamentos,
subsídios ou isenções fiscais, investimentos diretos ou indiretos do poder público. É
dinheiro público tomado via impostos, taxas e contribuições de toda sorte e também
via dívidas tomadas no mercado financeiro. Não pode o empresário, portanto, ficar
fora do processo de escolha das políticas públicas e do orçamento, no Executivo
ou no Congresso.
Se os partidos representam setores da sociedade, seu financiamento pode ser
feito também por parcelas dela, e não apenas pelo Estado. Não se trata de permitir
os recursos privados ao estilo laissezjaire. pois a Constituição determina a repressão do abuso do poder econõmico e político, assim como já existe a obrigação dos
candidatos e partidos prestarem contas à Justiça Eleitoral.
A proibição do financiamento privado só irá gerar a deflagração das facções
políticas secretas e o aprofundamento dos grupos de interesses nos bastidores,
conhecidos como lobbies, que, ao contrário de outros países, aqui não são regulamentados e fiscalizados, o que gera guetos na arrecadação em um submundo
invisível ao controle da sociedade.
Não somos contra o financiamento público. Seu exclusivismo é que será nefasto
à democracia, favorecendo a marginalidade eleitoral pois, como alertou sabiamente
o já aposentado juiz Paul Stevens, da Suprema Corte Americana, "dinheiro, tal como
água, sempre encontrará uma saída ..."
*Conselheira seccional da OABIRJ, doutora em Direito
Constitucional da PUC-SP e professora de Direito Eleitoral da Uerj
TRIBUNA DO ADVOGADO - MARÇO 2014 - PÁGINA 34
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Empresas não devem ter o
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O principio democrático se assenta na igualdade política
entre os cidadãos, exigindo que a todos se assegure a mesma
capacidade de influir no processo eleitoral. Já o princípio
republicano postula que a "coisa pública" seja gerida no inDANIEL SARMENTO- teresse de toda a coletividade, sem espaço para a captura dos
agentes públicos pelos interesses dos detentores do poder
econômico. Lamentavelmente, estes princípios fundamentais
da Constituição são violentados pelas normas que regem o financiamento das
campanhas eleitorais no país.
A maior parte dos recursos que irrigam as nossas eleições é de origem privada.
Mais de 90% dos valores doados provêm de pessoas jurídicas, e os principais
doadores são grandes empresas, que mantêm fortes relações com os governos,
com predomínio das empreiteiras. O acesso a recursos pelos candidatos, por sua
vez, constitui fator decisivo para o êxito nas eleições. E as campanhas estão cada
vez mais caras .
Este modelo gera desigualdade política entre os cidadãos, pois aumenta o
poder dos ricos em detrimento dos pobres e da classe média. A desigualdade se
manifesta também entre os candidatos, beneficiando indevidamente os mais bem
aquinhoados, que podem custear a própria campanha, ou os que têm maior acesso
ao mundo do capital. E a promiscuidade que tende a surgir entre os candidatos
e seus financiadores é perniciosa, sendo a fonte de boa parte dos esquemas de
corrupção que sangram os cofres públicos.
Neste cenário, o Conselho Federal da OAB ajuizou no STF a ADI nº 4650, em
que se pleiteia, dentre outras medidas. a proibição das doações de campanha por
pessoas jurídicas. Empresas não são cidadãose não devem ter o poder de influenciar
no resultado das eleições. É razoável porém, que os eleitores possam contribuir
para campanhas dos seus partidos ou candidatos preferidos, pois esta é uma forma
legítima de participação cívica. Contudo, os limites para tais doações não devem ser
proporcionais ao rendimento dos doadores, como prescreve a legislação, pois isto
implica permitir que os ricos contribuam muito mais do que os pobres, em afronta
à isonomia. Tais limites devem ser uniformes e fixados em patamares modestos,
como também postulou a OAB na sua ação.
Se o pedido da OAB for acolhido, não faltarão recursos para as campanhas.
Afinal. as doações por cidadãos não serão proibidas. e o sistema vigente já prevê
significativo aporte de verbas públicas para os partidos, além do acesso gratuito
ao rádio e televisão. Ademais, campanhas mais baratas talvez permitam um foco
maior no debate de propostas, com menos espaço para pirotecnias publicitárias.
Não se ignora que a mudança pretendida não eliminará, sozinha, as doações
provenientes do "caixa 2" das empresas. Mas, ao impor o barateamento das
campanhas, ela aumentará a visibilidade dos gastos desproporcioni'!iS às receitas
contabilizadas, facilitando o combate a esta grave irregularidade.
Por estas razões, o Conselho Federal da OAB deve ser parabenizado pela propositura da ação. O placar do julgamento até agora - 4 a O em favor da ADI - nos
enche de esperança de que o STF cumprirá, mais uma vez, o seu papel de guardião
da Constituição, e de que em breve o país poderá contar com um processo eleitoral
mais democrático e republica no.
,.,Procurador regional da República e professor de Direito
Constitucional da Uerj. Foi um dos autores da representação ao
Conselho Federal da OAB que gerou a propositura da ADI 4.650
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sempre. - Siqueira Castro