A Petrobrás e o “clube da roubança”
Hélio Duque
“Só tenho um amigo no governo: o Lula”. O empresário Ricardo
Pessoa, presidente da Construtora UTC, seria o autor da emblemática frase.
Transcrita na revista “Veja”, pg.56 (edição de 19.11.2014). Seria cascata de um
boquirroto? Era falsa, usada para impressionar os integrantes do cartel das
empreiteiras? O engenheiro era coordenador e sujeito ativo na orientação do cartel,
operava com desenvoltura na Petrobrás, garantindo o abastecimento das propinas.
Estaria utilizando o nome do ex-presidente irresponsavelmente? A figura pública do
cidadão Luiz Inácio Lula da Silva é colocada no contexto dos mal feitos, sem
nenhuma reação de contestação da vítima, até agora.
Em respeito à vida pessoal do líder sindicalista do passado, homem
público que exerceu a Presidência da República, com indiscutível apoio popular,
Lula não pode ficar calado. É conhecido o chavão “quem cala consente”. Sua reação
deveria ser contundente não só em palavras, mas buscando o judiciário para lavar a
sua honra que estaria sendo agredida. Ou pela revista ou por um empresário
leviano. Ante a gravidade do que foi publicado, o silêncio não é o melhor caminho.
Reagir e desmentir, ao que se lhe atribui, é o que a sociedade brasileira espera. Em
nome da dignidade de um ex-presidente da República.
Figura marcante na Operação Lava Jato, o empresário Ricardo
Pessoa, segundo as manifestações, era o “presidente do clube”, cartelizado pelas
grandes empreiteiras brasileiras. O estatuto “informal” estabelecia que somente
grandes empresas poderiam participar com o objetivo de alavancar o super
faturamento das obras da Petrobrás. O “clube” de corruptor tinha duas categorias de
associados. Os empresários eram os sócios fundadores. Os sócios efetivos eram os
diretores da estatal e as várias dezenas de políticos oportunistas integrantes da
base aliada do governo. O “clube” se fundamentava no objetivo de ganhar dinheiro
fácil, operacionalizando o maior esquema de corrupção da história brasileira.
A prisão na operação do juízo final, dos principais executivos das
maiores empreiteiras do país, inaugurou um novo tempo na vida nacional. O juiz
Sérgio Moro, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal escreveram páginas
indeléveis: todos são iguais perante a lei. Os corruptores, até então, sujeito oculto na
dilapidação do patrimônio público se consideravam intocáveis. Eram fiéis discípulos
de Al Capone. Agora provaram na própria carne que a Justiça não pode, como
acreditavam, ser um braço omisso e contemplativo no enfrentamento de corruptores
e corruptos. Em tempo: é oportuno lembrar que em 2009, na “Operação Castelo de
Areia”, a Polícia Federal enquadrou a construtora Camargo Corrêa em
procedimentos onde a fronteira das ilicitudes não tinha barreiras. As evidências e
provas elencadas eram arrasadoras. Em 2011, o processo foi anulado, sob a
alegação de ter se baseado em denúncia anônima. O autor da anulação: O STJ
(Superior Tribunal de Justiça). O jornalista Mario César Conti traduziu a decisão: “A
empreiteira continuou castelo e a polícia virou areia”. Agora o “castelo” de um
gerente-executivo da Petrobrás, o engenheiro naval Pedro Barusco, propôs delação
premiada para devolver US$ 97 milhões, equivalente a R$ 252 milhões, aos cofres
públicos. Pode-se imaginar qual o foi o montante de recursos drenados da estatal
para o cartel.
Agora, observem a coincidência: a UTC Engenharia, presidida pelo
Ricardo Pessoa, coordenador do clube das 13 empreiteiras, em relação à Petrobrás,
tem posição de notável privilégio. Os seus principais projetos são: a) Complexo de
Refino do Rio de Janeiro (Comperj); b) Refinaria Alberto Pasqualini, no Rio Grande
do Sul; c) Refinaria Presidente Vargas, no Paraná; d) Refinaria Henrique Lage, em
São Paulo; e, e) Refinaria da Paulínia, em São Paulo. Ou o seu “corpo técnico
operacional” é único e altamente especializado em refinarias de petróleo ou foi
“favorecido pela cartelização”, com a conivência de diretores da estatal.
A rigor, a “Lava a Jato” desenvolveu processo fadado a não deixar
pedra sobre pedra, onde blindagens não beneficiarão os envolvidos nos fatos
delituosos que afloram a todo instante. E o mais importante: os fios soltos que vão
aparecendo, envolvendo áreas fundamentais da infraestrutura nacional,
determinarão a abertura de novas investigações. Na área política, pela existência do
foro privilegiado, o Supremo Tribunal Federal, em pouco tempo oficializará os nomes
dos políticos do legislativo federal e do executivo que se locupletaram com os
milionários recursos originados na petroroubalheira.
A roubança na Petrobrás, envolvendo o cartel das empreiteiras,
agentes públicos da área política em todos os níveis e diretores da estatal é
resultado da “ética da ganância”. Presente na vida brasileira em vários segmentos
da sociedade. Agora atropelada pelo Ministério Público Federal, Polícia Federal e
pela notável ação do juiz Sérgio Moro. A “ética republicana” demonstrou ser mais
forte e poderosa. Nela reside a esperança dos brasileiros decentes, desejosos de
deixar para filhos e netos, um Brasil onde ninguém possa se considerar acima das
leis.
Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual
Paulista (Unesp). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a
economia brasileira.
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