824 Décima Nona Câmara Cível Apelação Cível n° 0025448-89.2008.8.19.0001 Apelante: Made for Tv Apelante: Município Do Rio De Janeiro Apelado: Os Mesmos Desembargador Relator: Guaraci De Campos Vianna APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO DE IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA - ISS. ALEGAÇÃO DE EQUIVOCADA REVOGAÇÃO DA ISENÇÃO DO TRIBUTO POR MEIO DO DECRETO 22520/02. NÃO INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS – EQUIPAMENTOS E SOBRE ATIVIDADES DE PRODUÇÃO DE VÍDEO, GRAVAÇÃO, EDIÇÃO E DISTRIBUIÇÃO EM RAZÃO. PEDIDO DE ANULAÇÃO DE AUTO DE INFRAÇÃO E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. 1- O ISS - imposto sobre serviços é da competência municipal e distrital (artigos 147 e 156, III da Constituição Federal), compreendendo serviços de qualquer natureza não incluídos na competência tributária estadual. 2- O fato gerador do ISS é a prestação de serviços devendo os Municípios, na instituição do imposto, respeitar os limites previstos em lei. 3- Locação de bens móveis (artigo 565 do CC/02), que distingue-se da prestação de serviço (artigo 594 do CC/02), pois aquela revela uma obrigação de dar, enquanto esta uma obrigação de fazer. 4- Expressão "locação de bens móveis", constante da Lista de Serviços a que se refere o Decreto-Lei 406/68, na redação dada pela Lei Complementar 56/87, que foi incidentalmente, declarada inconstitucional pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal. 5- É regra geral e consoante a ordem constitucional hoje vigente no nosso país, de que diante de uma nova Constituição ou as normas constitucionais são recepcionadas, ou, não o são, perdendo, nesse último caso, vigência e eficácia. 6- O que ocorreu na questão foi justamente o inverso. Além da ausência de previsão na Constituição atual, o seu guardião, o Supremo Tribunal Federal editou Súmula (VV) GUARACI DE CAMPOS VIANNA:000014057 Assinado em 24/03/2015 15:49:58 Local: GAB. DES GUARACI DE CAMPOS VIANNA 825 Vinculante aduzindo ser inconstitucional a incidência do ISS sobre locações de bens móveis. 7- Locação de equipamentos que por não se constituir num serviço, não está sujeita à incidência do ISS. Contudo, o mesmo não ocorre com a prestação da mãode-obra típica de serviço que é passível da exação de competência municipal, se constar a referida atividade da lista de serviços anexa à lei. 8- A Empresa autora sustenta que a revogação da isenção por meio do decreto 22520/02, foi equivocada, vez que a Emenda Constitucional 37 vige para o futuro e apenas retirou a competência dos Municípios para conceder isenções nessas situações. 9- Contudo, não há como declarar qualquer restrição da atuação tributária do Fisco Municipal na medida em que a mesma já é naturalmente balizada pelas disposições constitucionais e legais. 10- A Emenda Constitucional 37/02, que acresceu o art. 88 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, tinha efeitos concretos sobre as isenções fiscais concedidas. 11- Em verdade, uma das finalidades da mencionada Emenda Constitucional era por fim a chamada "guerra fiscal" entre as Unidades Federativas, limitando os incentivos fiscais e estabelecendo hipótese de alíquota mínima para o ISSQN. 12- Nesse diapasão, mesmo considerando o prazo instituído pela Lei 3.256/01, o beneficio foi atingido pela vedação constitucional, perdendo eficácia desde a edição da EC 37/02. 13- Questão da não incidência do ISS sobre a produção de vídeo, gravação, edição e distribuição que foi levada ao Superior Tribunal de Justiça em julgado de Relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, da Primeira Turma do STJ concluiu-se sobre a não incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS) nas atividades ligadas a produção e direção de obras audiovisuais, delineando, ao mesmo tempo, qual o correto sentido, conteúdo e alcance do comando legal trazido pela Lei 116/2006, rechaçando eventuais atuações ilegais e abusivas do Fisco. 14- Não incidência do ISS que não abrange toda a cadeia de serviços movimentada por produtoras e empresas cinematográficas, de modo que, se a empresa contratar outros serviços que estão previstos na Lei Complementar VV 2 826 nº 116/03, deverá realizar o recolhimento nos termos da legislação municipal. 15- Município que deve se abster de lavrar auto de infração ou efetuar cobranças especificamente com relação as atividades vetadas no item 13.01, de modo que os contribuintes que já realizaram os recolhimentos em operações dessa natureza podem reaver os valores pagos, desde que respeitado o prazo prescricional de cinco anos previsto em nosso Código Tributário Nacional. 16- Item IV, do auto de infração n° 52724 que se baseia no não recolhimento ou recolhimento insuficiente dos serviços previstos nos subitens 13.01 e 13.02 do art. 8º da Lei 691/84 com redação pela Lei 3.691/03, prestados entre dezembro de 2003 e março de 2004. 17- Sabido que a LC nº 116/03, que entrou em vigor a partir de janeiro de 2004, vetou o item 13.01 que previa de forma expressa a incidência do ISS sob produção, gravação, edição, legendagem e distribuição de filmes, vídeo-tapes, discos, fitas cassete, compact disc, digital video disc e congêneres, cabe a anulação parcial do ítem IV do auto de infração n° 52724, no que concerne a esses serviços específicos vez que prestados em janeiro, fevereiro e março de 2004. 18- Repetição de indébito dos valores pagos pela autora a título de ISS sobre a locação de bens móveis quando desassociados do fornecimento de mão-de-obra e, também, dos serviços previstos nos subitens 13.01 que sofreu o veto presidencial, incluídos os vincendos no curso da ação, respeitando-se o prazo prescricional de 5 anos contados do pagamento eis que comprovada a transferência do encargo. 19- In casu, a empresa apelante apresentou 3 (três) declarações com autorizações de tomadores de serviços (fls. 593/595 e 586/589), para os fins pretendidos, no entanto, deve ser salientado que existem nos autos notas emitidas para tomadores diversos ao declarantes. 20- Condenação do município nos ônus advindos da sucumbência respondendo, por inteiro, pelas despesas e honorários arbitrados em 10% sobre o valor da causa. 21- DESPROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO E PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO PRINCIPAL. ACÓRDÃO VV 3 827 Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0025448-89.2008.8.19.0001, em que é apelante Made for Tv e apelado Município Do Rio De Janeiro. ACORDAM os Desembargadores que integram a Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso adesivo e dar parcial provimento ao recurso principal, nos termos do voto do Relator. Rio de Janeiro, 24 de março de 2015. GUARACI DE CAMPOS VIANNA DESEMBARGADOR DESIGNADO PARA ACÓRDÃO RELATÓRIO Trata-se de ação, pelo rito ordinário, proposta por MADE FOR TV em face de MUNICIPIO DO RIO DE JANEIRO, alegando a parte autora, em síntese, que possui atividades típicas da indústria cinematográfica, dentre elas a locação de bens móveis, entendendo que não deveria incidir ISS sobre tais serviços, motivo pelo qual requer a declaração de inexistência de relação jurídica tributária que enseje no recolhimento do dito imposto, bem como a anulação do auto de infração descrito na inicial e a repetição dos valores indevidamente recolhidos. VV 4 828 Inicial e documentos às fls. 021/29. Contestação, às fls. 536/560, suscitando preliminar de ilegitimidade, no que concerne ao pleito de repetição do indébito. No mérito, defende a legalidade do lançamento e destaca a presunção de legitimidade que abarca os atos administrativos. Sustenta, ainda, que as atividades exercidas pela parte autora são diversas, além da locação de bens móveis, sendo que não se dedica exclusivamente a filmes brasileiros, naturais ou de enredo, sendo legítima a revogação da isenção, uma vez que motivada pelo disposto na EC 37/2002, tendo o Decreto n° 22.520/02 natureza interpretativa da citada emenda constitucional. Diz que o auto de infração n° 50724 envolve fatos ocorridos sob a égide do Decreto n° 406/68, não estando elencada ali a atividade de locação de bens móveis. Requer a improcedência. Manifestação da parte autora sobre a contestação às fls. 563/579. Instadas a se manifestarem em provas, a parte autora falou às fls. 584/585, manifestando-se o réu, à fl. 583. Documentos acostados pela autora às fls. 586/590 e 593/595, dos quais teve ciência o réu, que se manifestou às fls. 603/604. VV 5 829 Parecer final do Ministério Público às fls. 606/610, pugnando pela procedência somente quanto ao pleito declaratório, no que se refere à locação de bens móveis. A sentença julgou procedente, em parte, o pedido, para declarar a inexistência de relação jurídica entre as partes que imponha o recolhimento do ISS, no que tange à locação de bens móveis. No tocante à sucumbência, ficou determinado que cada parte arque com metade das despesas processuais, observada, quanto ao réu, a reciprocidade da isenção, devidamente comprovada; de igual modo quanto aos honorários, cada parte arcará com os de seus respectivos patronos. Foram opostos Embargos de Declaração pela parte autora, que foram rejeitados, conforme decisão de fls. 630. Irresignada apela a demandante (fls.631/670), postulando a reforma da sentença, para que haja o reconhecimento da não incidência de ISS sobre as atividades de produção de filmes e congêneres pela mesma desempenhadas e a restituição do indébito quanto aos valores pagos a título do indevido tributo. De igual modo irresignado, às fls.696/698, o Município do Rio de Janeiro interpõe Apelação adesiva, requerendo a reforma da r. sentença, a fim de que a parte autora seja condenada em honorários sucumbenciais fixados em 20% sobre o valor da causa, face à sucumbência mínima do Município. VV 6 830 O recurso foi recebido no duplo efeito, conforme de decisão de fls. 695. Contrarrazões do Município às fls. 699/719. Às fls.780, foi recebida a apelação adesiva do MRJ, no duplo efeito. Contrariedade apresentada pela parte autora, às fls. 783/796, pugnando pelo desprovimento do recurso adesivo interposto. Pronunciamento do órgão ministerial que oficiou em primeiro grau, às fls. 803, opinando pelo conhecimento dos recursos interpostos. Parecer da Procuradoria de Justiça às fls. 807/812, pelo conhecimento e desprovimento de ambos os recursos, nos termos da fundamentação supra. VOTO Os recursos são tempestivos e atendem aos demais requisitos de admissibilidade. Pretende a parte autora, a reforma da sentença, para que haja o reconhecimento da não incidência de ISS sobre as atividades de produção de filmes e congêneres que desempenha, além da anulação do Auto de VV 7 831 Infração 50.724 e a restituição do indébito quanto aos valores pagos a título do indevido tributo Sustenta quanto à revogação de isenção relativa ao ISS, previsto no art. 12, XI da Lei Municipal 691/84, que efetivada por meio de Decreto fere o princípio da legalidade, sendo inaplicável a Emenda Constitucional n° 37/2002 às isenções já concedidas. Além disso, atenta contra seu direito adquirido. No mais, aduz não haver incidência do ISS sobre a produção de vídeo, gravação, edição e distribuição eis que a Lei Complementar 116/03 em sua Lista Anexa de Serviços, no que tange ao item 13.01, recebeu o veto presidencial, estando totalmente excluídos de isenção os itens ali constantes, pois o efeito imediato do veto é o de invalidar todas as normas constantes das legislações em sentido contrário que, neste caso específico, invalida qualquer incidência do ISS sobre o serviço. Adesivamente o Município réu requer em apelação adesiva, que a parte autora seja condenada em honorários sucumbenciais fixados em 20% sobre o valor da causa, face à sucumbência mínima do Município. Passemos a análise dos recursos. Do Imposto Sobre Serviços – ISS e da locação de bens móveis (equipamentos). VV 8 832 O ISS - imposto sobre serviços é da competência municipal e distrital (artigos 147 e 156, III da Constituição Federal), compreendendo serviços de qualquer natureza não incluídos na competência tributária estadual. O fato gerador do ISS é a prestação de serviços devendo os Municípios, na instituição do imposto, respeitar os limites previstos em lei. Nesse diapasão, vale destacar que a locação de bens móveis (artigo 565 do CC/02) distingue-se da prestação de serviço (artigo 594 do CC/02), pois aquela revela uma obrigação de dar, enquanto esta uma obrigação de fazer. A expressão "locação de bens móveis", constante da Lista de Serviços a que se refere o Decreto-Lei 406/68, na redação dada pela Lei Complementar 56/87, foi, incidentalmente, declarada inconstitucional pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, verbis: "a terminologia constitucional do imposto sobre serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo a contrato de locação de bem móvel. Em direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprios, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável" (RE 116.121/SP, Relator para o acórdão Ministro Marco Aurélio, Relator originário Ministro Octávio Gallotti, julgado em 11.10.2000, publicado no DJ de 25.05.2001). O estabelecido na Constituição da República de 1967 não fora recepcionado pela ordem constitucional vigente. VV 9 833 Trata-se de Teoria defendida por Pontes de Miranda, segundo a qual as normas Constitucionais antigas, quando compatíveis com a nova Constituição são, necessariamente, por essa, recepcionadas, ainda que, com a natureza de norma infraconstitucional. Apenas uma ressalva: para que essa hipótese se concretize é indispensável a sua previsão expressa na nova Constituição. Regra geral, em consonância com a ordem constitucional hoje vigente no nosso país, diante de uma nova Constituição ou as normas constitucionais são recepcionadas, ou, não o são, perdendo, nesse último caso, vigência e eficácia. Note-se que, na hipótese de recepção, essa se consubstancia sempre como norma constitucional. Assim, para que a norma constitucional seja recepcionada como lei ordinária é indispensável que haja determinação expressa nesse sentido. O que ocorreu na questão foi justamente o inverso. Além da ausência de previsão na Constituição atual, o seu guardião, o Supremo Tribunal Federal editou Súmula Vinculante aduzindo ser inconstitucional a incidência do ISS sobre locações de bens móveis. Eis o seu enunciado: VV 10 834 É inconstitucional a incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis dissociadas da prestação de serviços. Muito embora o tema seja de âmbito do Supremo Tribunal Federal, por se tratar de matéria constitucional, o Superior Tribunal de Justiça também já analisou a questão, entendendo pela ilegalidade de cobrança de ISS sobre a locação de bens moveis, conforme ementa de julgado que segue: PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – INEXISTENTE – ISS – LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS – ILEGALIDADE – PRECEDENTE DO STF NO RE 116.121/SP – TRIBUTO LANÇADO POR HOMOLOGAÇÃO – TERMO INICIAL – TESE DOS "CINCO MAIS CINCO". 1-Em nosso sistema processual, o juiz não está adstrito aos fundamentos legais apontados pelas partes. Exige-se, apenas, que a decisão seja fundamentada. Aplica o magistrado ao caso concreto a legislação por ele considerada pertinente. 2. O Decreto-lei 406/68 (com a redação dada pela LC 56/87), contemplou, no item 79 da Lista de Serviços anexa, a locação de bens móveis como passível de incidência do ISS. 3. O STF, no julgamento do RE 116.121-3/SP, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade da exigência, restando assentado que a cobrança do ISS sobre locação de bem móvel contraria a Lei Maior e desvirtua institutos de Direito Civil. 4. Segundo o Código Civil, na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição, enquanto que a prestação de serviços envolve diretamente o esforço humano. 5. Afastada a incidência do ISS sobre a locação de bem móvel, cabe a esta Corte se pronunciar quanto à questão em torno da repetição do indébito. Incidência da Súmula 456/STF. 6. O STJ, intérprete e guardião da legislação federal, firmou VV 11 835 posição no sentido de que a extinção do crédito tributário, em se tratando de tributos lançados por homologação, não ocorre com o pagamento, sendo indispensável a homologação expressa ou tácita, e somente a partir daí é que se inicia o prazo prescricional de que trata o art. 168, I, do CTN (tese dos "cinco mais cinco"). 7. O art. 3º da LC 118/2005 não pode ser considerado como norma interpretativa, pois inovou no plano normativo, emprestando-lhe significado diverso do Tribunal que tem competência constitucional para interpretar a norma federal. 8. Admitir a aplicação retroativa do dispositivo, atingindo as demandas em curso, atenta contra os postulados da autonomia e da independência dos poderes. 9. Recurso especial provido. (REsp 920.172/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/05/2007, DJ 06/06/2007 p. 258) A locação de equipamentos, por não se constituir num serviço, não está sujeita à incidência do ISS. Contudo, o mesmo não ocorre com a prestação da mão-de-obra típica de serviço que é passível da exação de competência municipal, se constar a referida atividade da lista de serviços anexa à lei. Isto porque, a locação de máquinas com o fornecimento de mão-de-obra se figura como uma condição mista envolvendo, uma obrigação de dar, acompanhada de uma obrigação de fazer. Desse modo, só ocorrerá a tributação se estiver associado à locação de equipamentos cinematográficos a prestação de mão de obra para a execução do serviço. A Emenda Constitucional nº 37/02 e sua aplicabilidade às isenções já concedidas – não violação a direito adquirido. VV 12 836 Na hipótese, sustenta a empresa autora, primeira apelante, que o Município reconheceu a sua isenção no processo administrativo 04/379.237/97 e a prorrogou até 31/12/2008. Contudo, de forma equivocada a isenção foi revogada pelo Decreto 22.520/02 e, nesse ponto, paira o equívoco, vez que a Emenda Constitucional n. 37, vige para o futuro e apenas retirou a competência dos Municípios para conceder isenções nessas situações. Ora, ao contrário do que pretende a empresa cinematográfica, não há como declarar qualquer restrição da atuação tributária do Fisco Municipal na medida em que a mesma já é naturalmente balizada pelas disposições constitucionais e legais. Como sabido, as emendas à Constituição Federal, quando aprovadas, passam a integrar o conteúdo da norma, não podendo se falar em inconstitucionalidade. Destaca-se aqui o estabelecido no inciso IV, § 4º do artigo 60 da Constituição Federal com a previsão de que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. A Emenda Constitucional 37/02, que acresceu o art. 88 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, tinha efeitos concretos sobre as isenções fiscais concedidas sendo, portanto, impossível acolher a alegação de direito adquirido em face da norma constitucional. VV 13 837 Em verdade, uma das finalidades da mencionada Emenda Constitucional era por fim a chamada "guerra fiscal" entre as Unidades Federativas, limitando os incentivos fiscais e estabelecendo hipótese de alíquota mínima para o ISSQN, de modo que os Municípios bem como o Distrito Federal a fim de se adequarem a lei alteraram suas legislações, sob pena de seus administradores responderem por má gestão das finanças públicas, fixando alíquota mínima e revogando benefícios fiscais anteriormente concedidos. Nessa toada, mesmo considerando o prazo instituído pela Lei 3.256/01, o beneficio foi atingido pela vedação constitucional, perdendo eficácia desde a edição da EC 37/02. Sendo assim, em que pese o inconformismo da Apelante, o combatido Decreto 22520/02 não possui a força normativa alegada, tendo caráter meramente interpretativo da norma constitucional, certo que sua invalidade não teria o condão de repristinar o benefício fiscal caçado e nesse sentido resta irretocável o entendimento tal como aplicado na sentença, o que ora transcrevo: “(...)No que se refere à alegação de inconstitucionalidade do Decreto n° 22.520/02, não assiste melhor sorte à autora. Certo é que não foi o referido decreto o motivador da revogação da isenção outrora concedida à parte autora e sim o determinado pela Emenda Constitucional n° 37/2002, a partir da qual não mais se permitiu, diante da alteração no art. 88 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que houvesse possibilidade de isenções, incentivos ou benefícios fiscais que importassem, ainda que indiretamente, na redução da alíquota VV 14 838 mínima do imposto, instituída peloinciso I do mencionado artigo no percentual de 2%. Na verdade, o citado dispositivo se aplica ás isenções anteriormente concedidas, ao contrário do que pretende fazer crer a parte autora, uma vez que o direito adquirido não é cabível de invocação mediante norma de cunho constitucional. Desse modo, não havendo que se falar em inconstitucionalidade ou ilegalidade da revogação, não mais perdura a aludida isenção.(...)” Da não incidência do ISS sobre a produção de vídeo, gravação, edição e distribuição. Com o advento da Lei Complementar nº 116/03, o antigo Decreto-Lei nº. 406/68 foi revogado, no entanto, ao ser submetido a sanção presidencial houve o veto de alguns itens da referida lista, inclusive, o item 13.01 que previa de forma expressa a incidência do ISS sob “Produção, gravação, edição, legendagem e distribuição de filmes, vídeo-tapes, discos, fitas cassete, compact disc, digital video disc e congêneres”. Não obstante o veto ao item 13.01, os Municípios permaneciam a cobrar o imposto em face das empresas que exerciam as atividades vetadas, o que foi objeto de infindas discussões administrativas e judiciais. A questão foi levada ao Superior Tribunal de Justiça e no julgado de Relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, da Primeira Turma do STJ concluiu-se sobre a não incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS) nas atividades ligadas a produção e direção de obras audiovisuais, VV 15 839 delineando, ao mesmo tempo, qual o correto sentido, conteúdo e alcance do comando legal trazido pela Lei 116/2006, rechaçando eventuais atuações ilegais e abusivas do Fisco. Vejamos: “TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISS. LC 116/03. PRODUÇÃO DE FITAS E FILMES SOB ENCOMENDA. NÃO INCIDÊNCIA, EM FACE DE VETO DO ITEM 13.01 DA LISTA QUE PREVIA A TRIBUTAÇÃO DESSE SERVIÇO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA PARA ENQUADRAMENTO COMO ATIVIDADE DE CINEMATOGRAFIA, PREVISTA NO ITEM 13.03. IMPOSSIBILIDADE. ATIVIDADES QUE, EMBORA RELACIONADAS, NÃO CORRESPONDEM À MESMA OBRIGAÇÃO DE FAZER. 1. Recurso especial que discute a incidência do ISS sobre a atividade de produção de filmes realizados sob encomenda à luz da LC 116/03. O acórdão recorrido, embora tenha afastado a incidência do tributo em face do item 13.01 (que previa expressamente tal atividade, mas foi vetado pela Presidência da República), manteve a tributação, mediante interpretação extensiva, com base no conceito de cinematografia, atividade prevista no item 13.03. 2. A partir da vigência da Lei Complementar 116/03, em face de veto presidencial em relação ao item 13.01, não mais existe previsão legal que ampare a incidência do ISS sobre a atividade de produção, gravação e distribuição de filmes, seja destinada ao comércio em geral ou ao atendimento de encomenda específica de terceiro, até mesmo porque o item vetado não fazia tal distinção.3. Ademais, não é possível, para fins de tributação, enquadrar a atividade em questão em hipótese diversa, de cinematografia, pois: i) "Existindo veto presidencial quanto à inclusão de serviço na Lista de Serviços Anexa ao Decreto-lei 406/68, com redação da Lei Complementar 56/87, é vedada a utilização da interpretação extensiva" (REsp 1.027.267/ES, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 29/04/2009); ii) Historicamente, a cinematografia já estava contida na lista anexa ao DL 406/68 (item 65) e nem por isso justificava a incidência do tributo sobre agravação (produção) e distribuição de filmes, que estava amparada em hipótese autônoma (item 63); iii) a atividade de cinematografia não equivale à produção de filmes. A produção cinematográfica é uma atividade mais ampla que compreende, entre outras, o planejamento do filme a ser produzido, a contratação de elenco, a locação de espaços para filmagem e, é claro, a própria cinematografia. 4. Afasta-se, portanto, a VV 16 840 incidência do ISS sobre a atividade exercida pela empresa recorrente. 5. Recurso especial provido. (STJ, REsp nº 1.308.628 – RS, Re. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, J. em 26/02/2012). Em suma, o julgado considerou que a LC 116/03 definiu de forma taxativa quais os serviços que estão sujeitos a incidência do ISS. Contudo, nele restou ressaltado não ser possível equiparar o serviço de produção ao de cinematografia. Daí extrai-se que a não incidência do ISS não abrange toda a cadeia de serviços movimentada por produtoras e empresas cinematográficas, de modo que, se a empresa contratar outros serviços que estão previstos na Lei Complementar nº 116/03, deverá realizar o recolhimento nos termos da legislação municipal.. Compulsando os autos, mais precisamente do contrato social da empresa apelante (fls. 48), extrai-se que a mesma se destina a vários fins além daqueles previstos no item 13.01: produção, divulgação, edição e gravação de filmes e vídeos de longa, média e curta metragem, publicidade, veiculação de espaços publicitários, assessoria técnica em produções artísticas, inclusive comerciais e documentários em todas as suas formas, prestação de serviços a outras empresas ou entidades nacionais e estrangeiras, locação de equipamentos próprios para terceiros, intermediação, produção e edição de programas para televisão aberta e a cabo de filmes e vídeos institucionais; produção de programas em geral, inclusive projetos culturais e sociais, produção de livros, teatro, televisão e cinema, captação de recursos e agenciamento, locação de imagens e arquivos, licenciamento ou concessão de direito de produtos audiovisuais VV 17 841 nos sistemas analógico, digital, incluindo streams, Internet (IP) e todos os tipos de mídia. (Grifo Nosso). Assim, no que tange à declaração de inexistência de relação jurídico-tributária envolvendo as partes, no concernente ao imposto sobre os serviços de qualquer natureza, deve ocorrer nas atividades de produção, gravação, edição, legendagem e distribuição de filmes, vídeo-tapes, discos, fitas cassete, compact disc, digital video disc e congêneres – inclusas no item 13.01 (Vetado), cabendo ao município se abster de lavrar auto de infração ou efetuar cobranças especificamente com relação a estas atividades de modo que os contribuintes que já realizaram os recolhimentos em operações dessa natureza podem reaver os valores pagos, desde que respeitado o prazo prescricional de cinco anos previsto em nosso Código Tributário Nacional. Da anulação do auto de infração nº 50724. O auto de infração nº 50724 às fls. 205/208, foi lavrado em 26/04/2005 impõe as seguintes infrações a empresa: I) refere-se ao não recolhimento do ISS incidente sobre serviços previstos nos incisos LXIII, LXIV e LXV da lista de serviços que acompanha o artigo oitavo da Lei 691/84, com redação da Lei 1194/87, prestados em janeiro de 2003, II) refere-se ao recolhimento insuficiente do ISS incidente sobre serviços previstos nos incisos LXIII, LXIV e LXV da lista de serviços que acompanha o artigo oitavo da Lei 691/84, com redação da Lei 1194/87, prestados entre fevereiro e julho de 2003. Tudo em razão de erro na VV 18 842 aplicação da alíquota, III) refere-se ao não recolhimento do ISS incidente sobre serviços previstos nos incisos LXIII, LXIV e LXV da lista de serviços que acompanha o artigo oitavo da Lei 691/84, com redação da Lei 1194/87, prestados entre agosto e novembro de 2003 e, no IV) refere-se ao não recolhimento do ISS incidente sobre serviços previstos nos subitens 13.01 e 13.02 da lista de serviços que acompanha o artigo oitavo da lei 691/84, com redação da Lei 3.691/03, prestados entre dezembro de 2003 e março de 2004. Nessa conjuntura, resta certo que os serviços prestados pela empresa cinematográfica nos itens I, II e III, não foram isentos de tributação eis que o beneficio instituído pela Lei 3.256/01, foi atingido pela vedação constitucional, perdendo eficácia desde a edição da EC 37/02. Quanto ao item IV, a autuação se baseia no não recolhimento ou recolhimento insuficiente dos serviços previstos nos subitens 13.01 e 13.02 do art. 8º da Lei 691/84 com redação pela Lei 3.691/03, prestados entre dezembro de 2003 e março de 2004. Assim sendo, sabido que a LC nº 116/03, que entrou em vigor a partir de janeiro de 2004, vetou o item 13.01 que previa de forma expressa a incidência do ISS sob produção, gravação, edição, legendagem e distribuição de filmes, vídeo-tapes, discos, fitas cassete, compact disc, digital video disc e congêneres, cabe a anulação parcial do auto de infração no que concerne a esses serviços específicos vez que prestados em janeiro, fevereiro e março de 2004 e foram lavrados no auto de infração nº 50724. VV 19 843 Da repetição do indébito O ISS é espécie tributária que pode funcionar como tributo direto ou indireto, a depender da avaliação do caso concreto. Como regra, a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, nos termos do art. 7º da Lei Complementar 116/2003, hipótese em que a exação assume a característica de tributo indireto, permitindo o repasse do encargo financeiro ao tomador do serviço. Tem-se como exceção o caso em que o ISS incide sobre a atividade de profissionais liberais, quando será cobrado em valor fixo. A hipótese dos autos não se enquadra na exceção, mas na regra geral, devendo o contribuinte fazer prova da não-repercussão do encargo financeiro do tributo que discute nos autos, nos termos do art. 166 do Código Tributário Nacional, que enuncia que a restituição de tributos que por sua natureza comportem transferência do respectivo encargo financeiro somente será realizada para quem provar que assumiu referido encargo, sendo que se houver transferência a terceiro, este deve ter expressamente o autorizado a recebê-la. In casu, a empresa apelante apresentou 3 (três) declarações com autorizações de tomadores de serviços (fls. 593/595 e 586/589), para os fins pretendidos, no entanto, deve ser salientado que existem nos autos notas emitidas para tomadores diversos ao declarantes. VV 20 844 Em demanda decorrente de repetição de indébito tributário, é imprescindível apenas a comprovação da parte de que assumiu o encargo, não sendo necessária a juntada de todos os demonstrativos de pagamento do tributo no momento da propositura da ação, por ser possível a sua postergação para a fase de liquidação, momento em que deverá ser apurado o quantum debeatur. Desse modo, cabe acolher o pedido de repetição do indébito dos valores pagos pela autora a título de ISS sobre a locação de bens móveis quando desassociados do fornecimento de mão-de-obra e, também, dos serviços previstos nos subitens 13.01 que sofreu o veto presidencial, incluídos os vincendos no curso da ação, respeitando-se o prazo prescricional de 5 anos contados do pagamento. Do ônus de sucumbência Já no que se refere à irresignação do Município quanto a não condenação da parte autora ao pagamento da verba honorária, o que se observa no caso em exame é que a autora obteve a procedência da maior parte de seus pedidos. Sabe-se que cada litigante deve suportar os honorários advocatícios na proporção de sua derrota, bem como recebê-los na medida de sua vitória nos moldes do art. 21 do CPC, in verbis: VV 21 845 Art. 21. Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas. Parágrafo único. Se um litigante decair de parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e honorários. Assim, resta a este Julgador condenar o Município nos ônus advindos da sucumbência respondendo, por inteiro, pelas despesas e honorários arbitrados em 10% sobre o valor da causa. Acrescente-se que o presente decisum encontra-se em consonância com a orientação consagrada no verbete 52, da Súmula de Jurisprudência Predominante deste Tribunal, (inexiste omissão a sanar através de embargos declaratórios, quando o acórdão não enfrentou todas as questões arguidas pelas partes, desde que uma delas tenha sido suficiente para o julgamento do recurso) tendo em vista a base legal e jurisprudencial utilizada pelo decisum. No mais, todo o recurso foi analisado à luz dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis à espécie, verificando-se não haver violação a qualquer norma do texto da CF/88 e das leis ordinárias pertinentes ao caso concreto. Pelo exposto, vota-se no sentido de negar provimento ao recurso adesivo e dar parcial provimento ao recurso da primeira apelante para declarar a não incidência do Imposto sobre serviços – ISS, exclusivamente, sobre a atividade de locação de bens móveis prestadas quando desassociadas da prestação de mão de obra para a VV 22 846 execução do serviço bem como sobre a prestação de serviços de produção, gravação, edição, legendagem e distribuição de filmes, vídeo-tapes, discos, fitas cassete, compact disc, digital video disc e congêneres – vetados no item 13.01, devendo a parte ré se abster de lavrar auto de infração ou efetuar cobranças especificamente com relação a estas atividades. Além disso, declarar a nulidade parcial do item IV do auto de infração n° 50724 no que concerne a prestação de serviços constantes no item 13.01, vez que prestados em janeiro, fevereiro e março de 2004, ou seja, após a vigência da LC nº 116/03 e reconhecer o indébito dos valores pagos pela a título de ISS sobre a locação de bens móveis quando desassociados do fornecimento de mão-de-obra e, também, dos serviços previstos nos subitens 13.01 que sofreu o veto presidencial, incluídos os vincendos no curso da ação, respeitando-se o prazo prescricional de 5 anos contados do pagamento. No mais, determina-se a inversão do ônus da sucumbência condenando a parte ré, Município do Rio de Janeiro, ao pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa. Rio de Janeiro, 24 de março de 2015. GUARACI DE CAMPOS VIANNA DESEMBARGADOR RELATOR VV 23