Poder Judiciário
Tribunal de Justiça da Paraíba
Gabinete Des. Carlos Martins Beltrão Filho
ACÓRDÃO
APELAÇÃO CRIMINAL nº 0000155-52.2008.815.0091 – Comarca de
Taperoá/PB
RELATOR: Desembargador Carlos Martins Beltrão Filho
APELANTE: João Fernandes Pimenta Neto
ADVOGADO: João Pinto Barbosa Netto (OAB/PB 8.916)
APELADO: Ministério Público Estadual
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A
PESSOA. LESÃO CORPORAL GRAVÍSSIMA.
INCONFORMISMO.
PLEITO
ABSOLUTÓRIO.
LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA. INSUBSISTÊNCIA.
CORRETA REPRESENTAÇÃO DA REALIDADE.
NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DA
LEGÍTIMA DEFESA. AGRESSÃO ATUAL OU
IMINENTE
NÃO
COMPROVADA.
DESPROPORCIONALIDADE
DA
CONDUTA.
PLEITO
SUBSIDIÁRIO.
APLICAÇÃO
DA
PRIVILEGIADORA DO ART. 129, § 4º DO CP.
ALEGADA VIOLENTA EMOÇÃO LOGO APÓS
INJUSTA
PROVOCAÇÃO
DA
VÍTIMA.
INAPLICABILIDADE. VIOLENTA EMOÇÃO NÃO
COMPROVADA.
RECURSO
CONHECIDO
E
DESPROVIDO.
1. Para a configuração da legítima defesa
putativa não basta uma situação ofensiva futura
imaginária por parte do agente, sendo
necessário prova concreta de que, por erro
plenamente justificado pelas circunstâncias, o
autor tenha suposto situação de fato atual ou
iminente que, se existisse, tornaria a ação
legítima, e, via de consequência, o isentasse da
pena.
2. Assim, ausentes os requisitos exigidos pelo
art. 129, § 4º, incabível a aplicação da
privilegiadora no delito de lesão corporal
gravíssima.
3. Recurso
provimento.
conhecido
a
que
se
nega
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VISTOS, relatados e discutidos estes autos de apelação
criminal, acima identificados,
ACORDA a Egrégia Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Estado da Paraíba, à unanimidade, em negar provimento ao
apelo, em harmonia com o parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça.
RELATÓRIO
Perante a Comarca de Taperoá/PB, João Fernandes
Pimenta Neto, qualificado nos autos, fora denunciado como incurso nas
sanções dos arts. 129, §2º, III e IV, do Código Penal, por haver, no dia 27
de janeiro de 2008, ofendido a integridade corporal de outrem, resultando
em perda ou inutilização de membro, sentido ou função e em deformidade
permanente (fls. 02/03).
Narra a exordial que, na mencionada data, por volta das
16h:30min, nas imediações da praça José Diniz, centro da cidade de
Assunção/PB, o acusado, utilizando-se de uma espingarda popularmente
chamada de “soca-soca”, efetuou disparo de arma de fogo, atingindo a
vítima e causando-lhe ferimento degradante no rosto, além de gerar lesão
grave decorrente da perda da visão.
Menciona, a inicial acusatória, que a lesão praticada
ocorrera motivado pela recusa em pagar um suposto débito.
Laudo de Exame de Corpo de Delito (fls. 41). Laudo de
Exame Pericial em arma de fogo (fls. 46/56). Relatório Médico elaborado
pelo Dr. Márcio Nehemy (fls. 66). Laudo traumatológico (fls. 72).
Denúncia recebida em 13.04.2010 (fls. 80).
Citação do acusado (fls. 64).
Concluída a instrução, o MM. Juiz Singular condenou o
denunciado pelo delito tipificado no art. 129, § 2º, III e IV do Código Penal,
à pena de 04 (quatro) anos de reclusão a ser cumprida, inicialmente, em
regime aberto (fls. 155/159).
Inconformado, recorreu a defesa (fls. 160/161),
pugnando, em suas razões (fls. 172/182), pela absolvição do réu, sob o
argumento de que agira acobertado pela legítima defesa putativa.
Subsidiariamente, pleiteia pela aplicação da privilegiadora do art. 129, §4º
do CP.
Nas contrarrazões, o representante do Ministério Público
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manifestou-se pelo desprovimento do pleito, a fim de que seja mantida a
condenação (fls. 185/187).
Nesta Superior Instância, seguiram os autos à apreciação
da douta Procuradoria-Geral de Justiça, que ofertou pugnando pelo
desprovimento do recurso (fls. 190/193).
É o relatório.
VOTO
1. DA ADMISSIBILIDADE RECURSAL
O recurso é tempestivo e independe de preparo, por
trata-se de ação penal pública, TJPB Súmula n° 24. Portanto, conheço do
recurso.
2. DO MÉRITO
2.1 Da legítima defesa putativa
Pleiteia o apelante pela absolvição do réu sob o
argumento de que agira sob a excludente de ilicitude da legítima defesa
putativa.
Alega que “o acusado, ao ver a vítima parar o seu
automóvel em frente do seu estabelecimento comercial, recebeu tal
iniciativa como ameaça a sua integridade física, já que os ânimos estavam
exaltados, e assim efetuou o disparo em direção à vítima”.
Afirma, assim, que o réu “efetuou o disparo que atingiu a
vítima, na tentativa de repelir uma suposta agressão, pois temia pela sua
integridade física, pois, imaginava que a vítima tinha vindo agredi-lo”.
Tal pleito, claramente, não merece prosperar.
Legítima defesa putativa, também conhecida por culpa
imprópria, por equiparação e por extensão, consiste numa das hipóteses de
descriminantes putativas previstas no art. 20, §1º do Código Penal:
§ 1º - É isento de pena quem, por erro
plenamente justificado pelas circunstâncias,
supõe situação de fato que, se existisse,
tornaria a ação legítima. Não há isenção de
pena quando o erro deriva de culpa e o fato é
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punível como crime culposo.
Para o professor Rogério Greco,
Comentado, descriminante putativa “diz respeito
agente, nos termos do § 1º do Código Penal,
justificado pelas circunstâncias, supõe situação de
tornaria a ação legítima”.
em seu Código Penal
à situação em que o
por erro plenamente
fato que, se existisse,
Dessa forma, a legítima defesa putativa consiste na
hipótese em que o agente age contra a vítima, supondo encontrar-se em
situação de legítima defesa, fantasiando uma agressão injusta.
Importante lembrar que na legítima defesa putativa,
deve-se analisar a presença dos requisitos da legítima defesa, levando-se
em consideração as circunstâncias fáticas fantasiadas pelo agente.
Dito isto, deve-se, agora, analisar o caso concreto e
verificar se a situação enquadra-se numa circunstância de legítima defesa
putativa. Convém, portanto, transcrever o interrogatório do réu (fls. 134):
“Que estava em sua casa, sozinho, e a vítima
estava em bar próximo juntamente com
Fabrício; QUE saiu 'da sua porta e foi pedir aos
dois para não discutirem'; Que Fabrício foi
embora e Francisco, a vítima, 'arrudiou parou o
carro na porta do depoente' e 'disse um bocado
de palavrões de baixo calão'; QUE a vítima
disse que estava armado e ia atirar no
interrogado; QUE não viu nenhuma arma com a
vítima; QUE entrou na casa e foi buscar a
espingarda; QUE ainda dentro de casa atirou na
vítima; QUE a vítima estava em pé ao lado da
porta do motorista; QUE a distância entre o
acusado e a vítima era cerca de 05 (cinco)
metros; QUE atirou 'com medo dele fazer
alguma coisa comigo'”.
Observa-se, claramente, pelas palavras do réu, que não
há o que se falar em legítima defesa putativa, uma vez que não houve
qualquer representação errônea da realidade. A representação do contexto
fático foi correta.
Ora, as situações em que ocorrem a legítima defesa
putativa se caracterizam pela desvirtuação da realidade provocada pela
velocidade dos acontecimentos, quando a exaltação da necessidade de
sobrevivência ofusca a real interpretação dos fatos, motivada pelo receio da
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injusta agressão. No caso em análise, o réu entrou em sua casa, buscou a
espingarda, retornou em direção à vítima e disparou.
A única alegação do réu é que temia o que a vítima
pudesse fazer com ele. Ora, para a configuração da legítima defesa putativa
não basta uma situação ofensiva futura imaginária por parte do agente,
sendo necessário prova concreta de que, por erro plenamente justificado
pelas circunstâncias, o autor tenha suposto situação de fato atual ou
iminente que, se existisse, tornaria a ação legítima, e, via de conseqüência,
o isentasse da pena. Tal entendimento é corroborado pela jurisprudência
pátria. A conferir:
“(…) II. Considerando que, para a configuração
da legítima defesa putativa não basta uma
situação ofensiva imaginária por parte do
agente, sendo necessário prova concreta de
que, por erro plenamente justificado pelas
circunstâncias, o autor tenha suposto situação
de fato atual ou iminente que, se existisse,
tomaria a ação legítima, e, via de conseqüência,
o isentasse da pena, o que não é o caso dos
autos, em que se verifica que, não tivesse sido
negligente o autor dos disparos que violaram a
integridade física das vítimas, não seria o
mesmo levado a imaginar a ocorrência de
agressão injusta, afastando a possibilidade de
erro, razão pela qual não pode ser o réu isento
da pena em face da sua conduta culposa.
Precedente do TJRS. (...) (TJPE; APL 000024320.2011.8.17.1000; Terceira Câmara Criminal;
Relª Desª Alderita Ramos de Oliveira; Julg.
19/02/2014; DJEPE 28/02/2014)”
Portanto, não há o que se falar em legítima defesa
putativa. Pelo interrogatório do réu, o que poder-se-ia alegar era, de fato, a
legítima defesa real. Entretanto, para sua configuração, deve-se fazer
análise do contexto fático da excludente da ilicitude, verificando-se,
conforme ensinamento de Guilherme de Souza Nucci, os seguintes
elementos:
a) Relativos à agressão:
a.1) A injustiça;
a.2) Atualidade ou iminência;
a.3) Contra direito próprio ou de terceiro;
b) Relativos à repulsa:
b.1) Utilização dos meios necessários;
b.2) Moderação;
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c) Relativos ao ânimo do agente: Elemento
subjetivo, consistente na vontade de se
defender.
Conforme relato do próprio réu, a vítima estava a 5
metros de distância e não portava arma alguma. Dessa forma, afasta-se a
legítima defesa pela ausência de atualidade ou iminência de injusta
agressão. Além disso, estando o réu em casa, para afastá-la, bastava
adentrar em sua residência e fechar a porta, não havendo necessidade de
buscar a espingarda e atirar, o que denota a não utilização de meios
desnecessários e a desproporcionalidade da conduta do agente.
Dessa forma, resta afastada não só a legítima defesa
putativa, mas também, a legítima defesa real, ante o não preenchimento
dos seus requisitos fático-jurídicos.
2.2 Da aplicação do privilégio do art. 129, §4º
O recorrente pleiteia, subsidiariamente, a aplicação da
privilegiadora do art. 129, § 4º, ao argumento de que o réu, no momento
em que desferiu o tiro na vítima, ainda encontrava-se sob o domínio de
violenta emoção, decorrente da discussão antecedente.
Tal pleito também não merece prosperar. O art. 129, § 4º
traz a seguinte redação:
§ 4° Se o agente comete o crime impelido por
motivo de relevante valor social ou moral ou
sob o domínio de violenta emoção, logo em
seguida a injusta provocação da vítima, o juiz
pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Portanto, para que a privilegiadora seja aplicada é
necessário que o agente tenha cometido o crime impelido por motivo de
relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo
após injusta provocação da vítima.
O recorrente alega que o delito fora cometido sob violenta
emoção, motivada pela discussão anterior. Afirma também que o
comportamento da vítima fora “indubitavelmente injusto”.
No presente caso, não cabe falar em ocorrência de lesão
corporal privilegiada, quando os depoimentos do próprio réu e da vítima
não demonstram que tenha havido algum motivo que justificasse a violenta
emoção, logo em seguida à injusta provocação desta última. A um porque a
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suposta discussão que ocasionou a violência por parte do agente ocorreu
em momento anterior ao crime, sendo que o CPB impõe que a reação seja
imediata. A dois, porque não resta configurada a violenta emoção,
considerando-se que as circunstâncias delineadas nos autos mostram o
grau de frieza com que agiu o réu, o seu dolo de lesionar a vítima, uma vez
que entrou em sua residência para buscar a espingarda, retornou para o
local da discussão e desferiu o tiro.
Assim, ausentes os requisitos exigidos pelo art. 129, §
4º, incabível a aplicação da privilegiadora no delito de lesão corporal
gravíssima.
Ante todo o exposto, em harmonia com o parecer da
douta Procuradoria-Geral de Justiça, nego provimento ao recurso, para
manter a sentença em todos os seus termos.
É o meu voto.
Presidiu ao julgamento, com voto, o Desembargador Joás
de Brito Pereira Filho, dele participando, além de mim Relator, o Dr. Marcos
William de Oliveira, Juiz convocado para substituir o Desembargador
Arnóbio Alves Teodósio.
Presente à sessão o Excelentíssimo Senhor Doutor José
Roseno Neto, Procurador de Justiça.
Sala de Sessões “Des. Manoel Taigy de Queiroz Melo
Filho” da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, em
João Pessoa, 20 de Maio de 2014.
João Pessoa, 21 de Maio de 2014.
Des. Carlos Martins Beltrão Filho
Relator
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