GRAUS DE INTEGRAÇÃO DE CLÁUSULAS COM VERBOS
COGNITIVOS E VOLITIVOS
1- INTRODUÇÃO
O trabalho consiste em verificar estágios de gramaticalização nos períodos
compostos por construções com os verbos achar, ver, saber, mandar, querer e
deixar com cláusulas completivas. Os itens achar, ver e saber são verbos que
apresentam basicamente sentido cognitivo, enquanto os itens mandar, querer e
deixar apresentam sentidos relacionados à vontade de um referente-sujeito.
Desses grupos semânticos, esses foram os verbos mais freqüentes na amostra do
Rio de Janeiro, que serviu de piloto para a tese. A linha teórica adotada é a do
funcionalismo americano, que tem como um dos objetivos estudar a atuação do
Princípio Universal da Iconicidade. Segundo esse princípio, as estruturas
lingüísticas são determinadas pelas funções comunicativas do discurso. Essa
linha teórica também aborda a gramaticalização, processo através do qual um
item lexical passa a gramatical ou uma construção gramatical passa a ser ainda
mais gramatical. A gramaticalização é um modelo de estudo de aspectos
diacrônicos de uma língua. No entanto, é possível detectar, através dos princípios
que regem a gramaticalização, estágios concomitantes no momento sincrônico.
Além de focalizar itens do léxico e da gramática, o modelo da gramaticalização
também aborda os fenômenos que ocorrem entre as cláusulas.
No presente trabalho, foram obtidas escalas que permitem estabelecer
graus de integração de cláusulas e verificar estágios de gramaticalização para um
mesmo item lexical e para itens lexicais distintos. Também foi possível observar
quais os usos em estágio inicial de gramaticalização (verbos plenos) e quais os
usos em estágios mais avançados (verbos com vários traços de auxiliar).
9
Esta introdução está dividida em duas partes: a primeira parte trata da
definição do fenômeno estudado e a segunda trata da classificação semântica
adotada para os verbos analisados.
Optou-se por apresentar a classificação dos verbos logo na Introdução,
devido às dificuldades encontradas para a classificação dos mesmos e para a
escolha de termos adequados, que não fossem ambíguos dentro da literatura
lingüística.
1.1- Definição do fenômeno: descrição, objetivos e hipóteses
O trabalho consiste no estudo de verbos transitivos do português seguidos
de cláusulas completivas, sejam essas cláusulas substantivas desenvolvidas,
sejam reduzidas. Dentre o grupo de verbos transitivos do português, focalizamse os verbos com sentido volitivo – no caso, os verbos querer, deixar e mandar e
os verbos com sentido cognitivo – nesta tese, os verbos achar, saber e ver.
Os verbos volitivos têm um sentido básico predominantemente ligado à
vontade do referente-sujeito. Podem ter também um sentido manipulativo (ainda
assim ligado à vontade, a um aspecto subjetivo, emotivo), quando o sujeito da
cláusula complemento não é idêntico ao da principal, como ocorre no exemplo
(1): nesse exemplo, os professores (sujeito da cláusula principal) mandam o
referente-sujeito da cláusula subordinada realizar a ação de fazer pesquisa.
Outros sentidos podem derivar-se do sentido original emotivo.
(1) Eu acho minha escola legal tem vários banheiros inspetoras boas professores
bons eles fazem de tudo para melhorar a nota mandam fazer pesquiza e um
monte de trabalho para melhorar a nota. (CAR43, O,R, Esc)
Outros tipos estruturais e semânticos que também estão sendo analisados
são:
(2) se você quiser escrever alguma coisa nessa folha pra sua colega ... é só
escrever (NIL28, P,R)
(3) “... minha avó não deixava que ela fosse pros bailes se divertir”(CRI26, R, R)
10
(4) acho isso... mas... olha... elas deixaram de falar comigo... por causa dessa
bobeira... né? ontem mesmo a professora perguntou por que o motivo da...
fofoca... q (ROS78, R?, R)
No exemplo (2), o verbo querer está com complemento reduzido e o
sentido manipulativo é muito brando (mas o controle do que é expresso na
segunda parte da estrutura é maior), uma vez que o referente-sujeito da primeira
cláusula é igual ao da segunda. No exemplo (3), o verbo deixar tem o sentido de
‘permitir’ e é manipulativo e em (4), com a gramaticalização, passa a ter um grau
de auxiliaridade maior e expressa um aspecto terminativo.
Os verbos cognitivos são aqueles que apresentam sentidos ligados à
cognição, codificando certeza, incerteza, crença, percepção, conhecimento ou
constatação como nos exemplos a seguir:
(5) tinha que pegar um táxi... acho que andava por uns... uns... cinco... seis
quilômetros de uma estradinha... chão batido... curvas assim... estreitas... aí tu
chegava lá... tinhas que atravessar (VAN7, D, G)
(6) Tem dia que eu passo horas e horas conversando sobre os estudos. Hoje
mesmo eu passei a manhã inteira conversando sobre os estudos.
Agora você vê porque eu gosto tanto de conversar sobre a escola.
(JUL1,O,L,Esc)
(7) porque eu era menina ... que ele queria um menino ... aí de/ mas depois que
ele soube ... que a outra mulher ganhou... um menino ... aí ele quis ficar comigo
(ANA 40, R, R)
A linha teórica utilizada é a da Lingüística Funcionalista americana que
tem como principais representantes Givón (1990 e 1995), Heine ( 1991 e 1993),
Thompson (Hopper & Thompson, 1980), Hopper (1987 e 1991), dentre outros.
No Brasil, essa Lingüística funcionalista é representada por Naro (1980, 1981,
1986), Votre (1992 e 1999), Rios de Oliveira (1994, 1996 e 2000), Martelotta
(1994 e 2000) Martelotta, Votre e Cezario (1996), Furtado (1989 e 1996),
Paredes da Silva (1988), Braga (1999) dentre outros.
Os trabalhos de Givón (1990 e 1995) e de Heine (1993) apresentam os
pressupostos teóricos mais importantes para esta tese. Givón contribui com as
idéias a cerca de integração de cláusulas, demonstrando que há graus diferentes
11
de integração entre verbo e complemento, decorrente sobretudo das
características semânticas do verbo da cláusula principal. Apresenta várias
categorias que permitem verificar diferenças de usos de um mesmo verbo e
diferenças de integração de cláusulas com diversos verbos no inglês atual. Heine
mostra que cada língua apresenta, num dado momento, uma série de estágios de
gramaticalização de verbos. Seu trabalho motivou esta tese no sentido de
verificação dos estágios presentes no português atual e na verificação do aumento
de freqüência de um dado estágio (cada verbo tem usos que ilustram mais de um
estágio de gramaticalização) de um verbo.
Os dados foram levantados de diferentes fontes do corpus Discurso e
Gramática (corpus D & G): o corpus da cidade do Rio de janeiro, o corpus da
cidade de Niterói, o da cidade de Juiz de Fora, o da cidade de Natal e o da cidade
de Rio Grande. Essas fontes têm a mesma estrutura, possibilitando a comparação
do uso de verbos entre os canais oral e escrito e entre diferentes tipos de textos:
narrativa pessoal, narrativa recontada, relato de opinião, descrição e relato de
procedimento. Para o português escrito contemporâneo, também foram coletados
dados de cem editoriais do Jornal do Brasil. O uso do corpus JB foi feito para se
tentar equiparar as versões oral e escrita, porque, no Corpus D & G, os textos
escritos, principalmente os produzidos pelas crianças, são muito menores do que
os orais. O objetivo de se levantarem dados de diferentes corpora foi
principalmente o de se coletar o maior número de dados, uma vez que
determinados verbos ou determinados usos de um verbo são relativamente raros.
Também foi analisada uma pequena amostra do português medieval composta
pelas 100 primeiras páginas do livro O Orto do Esposo.
A hipótese geral desta tese é a de que o domínio da complementação
verbal envolve graus de integração entre a cláusula principal e a cláusula
subordinada. A integração é entendida como a incorporação ou fusão dos
elementos morfossintáticos e semânticos de duas cláusulas. Tal integração pode
ser tão forte que, num determinado estágio de uma língua, os estudiosos tenham
dificuldades para classificar um dado verbo como transitivo ou auxiliar. Como
12
exemplos de tal dificuldade, podem ser citados os verbos poder, dever e querer,
que têm provocado muita discussão quanto à natureza categorial (verbo pleno ou
auxiliar).
Tomou-se como um pressuposto a afirmação recorrente de que o auxiliar,
num dado estágio da língua, era um verbo pleno e com o passar do tempo perdeu
o
seu
conteúdo
referencial,
concreto
e
sofreu
gramaticalização.
A
gramaticalização é entendida aqui como um processo de mudança lingüística
que consiste tanto na passagem de um item lexical para um item gramatical
quanto na passagem de uma construção gramatical para uma forma ainda mais
gramatical (cf. Kurylowiscz, 1975; Heine et alii, 1991; Hopper e Traugott, 1993;
Martelotta, Votre & Cezario, 1996). Um item, ao gramaticalizar-se, não
apresenta apenas perda de aspectos semânticos, mas também apresenta ganho de
noções gramaticais, como tempo, modo e aspecto.
Admite-se também que o verbo auxiliar é uma categoria intermediária e
está inserida num contínuo de gramaticalização que vai do verbo pleno até o uso
do item como morfema flexional (como, por exemplo, o verbo haver, num de
seus usos, formou os morfemas de futuro do português como em amar hei >
amarei). Nesse contínuo, são identificados alguns estágios nos quais se poderiam
inserir os verbos cognitivos e volitivos da língua portuguesa. Dessa forma, partese da hipótese de que há graus diferentes de integração sintático-semânticopragmática entre um verbo e seu complemento1. Essa hipótese divide-se em três
partes:
(a) verbos de grupos semânticos diferentes
(verbos cognitivos X verbos
volitivos) devem estar em diferentes estágios de gramaticalização;
(b) verbos como deixar, mandar e querer, todos do mesmo grupo (verbos
volitivos), devem estar em pontos diferentes do contínuo de gramaticalização;
1
O termo complemento será usado neste trabalho como um rótulo, uma parte da terminologia gramatical,
englobando construções diferentes: SNs, cláusulas finitas, cláusulas reduzidas e os verbos chamados
principais de locuções como “Tenho feito”, “Tentou sair”.
13
(c) um item verbal como, por exemplo, o verbo deixar tem diferentes usos no
português
sincrônico
e
cada
uso
pode
representar
um
estágio
de
gramaticalização, como nos exemplos (3) e (4).
Segundo Bolinger (1980), para se iniciar a gramaticalização, no âmbito da
estrutura, basta que um verbo transitivo comece a ser usado com um
complemento não-finito. Para Givón (1990; 1995), a gramaticalização começa
antes disso: o uso do verbo subordinado, por exemplo, no modo subjuntivo já é
um indício de que a integração entre as cláusulas está mais forte e o processo de
gramaticalização se iniciou.
A presente tese traz à tona a discussão a respeito da lista dos verbos
auxiliares em português. De um lado, há estudiosos, como Said Ali (1957, 1964a
e 1964b), que apresentam uma lista grande de verbos auxiliares, incluindo itens
como querer, deixar e fazer, além dos mais consensuais ter, ser e haver. Por
outro lado, há estudiosos, como Eunice Pontes (1973), que restringem a lista ao
máximo a ponto de considerar apenas o verbo ter (e o uso variante haver) como
auxiliar.
Numa abordagem de caráter mais formal, Eunice Pontes procura
abandonar o critério histórico para conceituar o verbo auxiliar. Constata-se que a
abordagem histórica de autores como Said Ali e Mattoso Câmara Jr. é a mesma
que os funcionalistas enfatizam: o auxiliar é uma forma provinda de um verbo
pleno em que se iniciou (em alguns de seus usos) um processo de apagamento do
seu conteúdo semântico (referencial).
A visão assumida no momento a respeito da problemática que se verifica
entre considerar um verbo pleno ou auxiliar envolve a idéia de contínuo e a
noção de protótipo. Dessa forma, há o protótipo de auxiliar, que é o verbo ter, o
protótipo de verbo pleno (vários deles como comprar, vender e exibir) e uma
série de verbos em níveis intermediários. O auxiliar prototípico nada mais é do
que o uso de um verbo mais gramaticalizado.
O uso do termo “verbo auxiliar” ajuda na produção da metalinguagem,
mas a realidade lingüística indica que mesmo o protótipo é apenas uma fase da
14
gramaticalização, que poderá ser superada por uma nova fase mais integrada à
raiz do verbo principal, com a passagem do verbo auxiliar a morfema flexional.
Esse último estágio não foi detectado no uso dos seis verbos estudados aqui.
Para se determinarem os estágios de gramaticalização, deve-se atentar para
os contextos de usos dos verbos e para fatores semânticos, pragmáticos e
morfossintáticos que expressem a integração de duas cláusulas e a auxiliaridade
de um dos verbos.
Nesta pesquisa, está sendo utilizado um conjunto de categorias
selecionadas de vários trabalhos sobre integração de cláusulas e sobre
auxiliaridade. Algumas dessas categorias são “Sujeito idêntico/sujeito diferente”,
“Tempo verbal” e “Controle”. Aproveitou-se parte da lista de categorias reunidas
em Votre (1992) e as categorias controladas por Givón (1990).
O capítulo destinado aos resultados mostra que se faz uso aqui de critérios
quantitativos para atestar que certos verbos estão mais integrados à cláusula
subordinada do que outros e para se comprovar também que um determinado uso
de um verbo pode estar mais gramaticalizado do que outro uso.
Os principais objetivos desta pesquisa são:
(a) comparar, em termos estruturais e semânticos, os usos dos verbos volitivos
com os usos dos verbos cognitivos;
(b) estabelecer graus de integração de cláusulas e identificar os estágios de
integração sintático-semântica nos usos dos verbos transitivos mais freqüentes
nos corpora analisados: identificar os estágios de integração de um mesmo item
verbal (por exemplo os usos do verbo deixar) e identificar os graus de integração
entre itens verbais diferentes (querer, deixar, mandar, etc.);
(c) comparar o emprego desses verbos em diferentes tipos de texto, a saber:
narrativa experiencial, narrativa recontada, relato de opinião, descrição e relato
de procedimento;
(d) comparar as modalidades oral e escrita com relação aos usos de verbos
transitivos seguidos de cláusula completiva;
15
(e) e testar o princípio da unidirecionalidade, relacionando-o com o Princípio
Universal da Iconicidade (cf. cap. 3).
As hipóteses gerais postuladas para a compreensão do fenômeno são:
(a) os diferentes estágios de gramaticalização de um mesmo item lexical podem
refletir diferenças semânticas no uso dos verbos (formas diferentes codificam
funções diferentes);
(b) diferentes modalidades podem ser derivadas de estruturas lexicais que
expressam vontade ou cognição;
(c) as estruturas com maior integração morfossintática são decorrentes de uma
maior integração no plano conceptual;
(d) e o processo de gramaticalização segue, em termos gerais, uma direção
semântica, do concreto para o abstrato; e uma direção sintática, do menos
integrado para o mais integrado.
As hipóteses específicas relacionadas ao processo de auxiliaridade são:
(a) o verbo auxiliar é um elemento presente no contínuo unidirecional que vai do
verbo pleno até um morfema flexional;
(b) é possível estabelecer os graus de auxiliaridade e de integração de cláusulas;
(c) cada uso apresenta um conjunto de traços que o aproximam ou o afastam de
uma categoria prototípica (de verbo pleno ou auxiliar).
A seguir há a classificação de verbos transitivos adotada para a realização
dessa tese.
1.2- Classificação dos verbos transitivos com complemento oracional
Há diversas classificações semânticas para os verbos transitivos e os
auxiliares. As classificações nem sempre agrupam os verbos da mesma forma.
Desde o início da presente pesquisa, um dos problemas enfrentados foi o da
escolha da terminologia para classificar os verbos.
16
A classificação adotada aqui é basicamente a utilizada em Givón (1990 e
1995), mas, como há diferenças fundamentais nos usos dos verbos transitivos do
português e do inglês (como será mostrado no capítulo 3), fez-se uma adaptação
da proposta givoneana. Também foi aproveitada a classificação presente em
gramáticas latinas.
Primeiramente, faz-se necessário apresentar as principais diferenças
sintáticas encontradas. Os verbos transitivos seguidos de um complemento
oracional podem ter esse complemento numa das seguintes formas:
a) complemento justaposto, introduzido por um pronome (interrogação indireta):
(8) comecei a ver como o ser humano tenta sujar o que ele tem de mais bonito,
que é o amor (GIS3, N, L, Esc)
(9) Você sabe como é quarto de menino. (JOR4, D, R,Esc)
b) complemento introduzido por uma conjunção integrante e com verbo na forma
finita:
(10) eu acho que quando a gente cola a gente se prejudica (GIO4, P,G)
(11) aí seu sei que minha tia se manchucou todinha (ROS3, N, L)
c) complemento com verbo na forma não-finita com sujeito diferente:
(12) a gente vê os coelhos correndo... isso é uma praia (VLA4, D, L)
(13) aí ela deixou fazer a segunda chamada (ISA16, N, R)
d) complemento com verbo numa forma não-finita com sujeito idêntico ao do
primeiro verbo:
(14) a macumba... propriamente dita... não deixa de ser uma forma de atingir a
Deus ... (CIV2, O, L)
(15) eu quero dar opinião sobre ... o voto brasileiro (VAN35, O, R)
Propõe-se que a estrutura (b) seja mais gramaticalizada do que a estrutura
(a), porque a conjunção que não exerce qualquer função na clausula subordinada,
já a estrutura justaposta tem o pronome exercendo alguma função dentro de sua
cláusula. Esta cláusula é mais independente, podendo ser apresentada numa
interrogação indireta sem alterar a forma. A estrutura (c) é mais gramaticalizada
17
do que a estrutura (b), porque ocorre uma integração maior entre a cláusula
principal e a subordinada, como pode ser visto pelo uso de termos da oração em
comum (como o vocábulo me, que pode ser analisado como objeto do verbo
deixar ou como sujeito do verbo sair, sendo codificado morfologicamente com
um pronome oblíquo – ou seja, como objeto). A estrutura (d), por sua vez, é
mais gramaticalizada do que a estrutura (c), porque a integração semântica e
morfossintática é maior, havendo inclusive obrigação de se apagar o sujeito da
cláusula subordinada.
A discussão tradicional a respeito de verbo auxiliar recai sobretudo na
estrutura (d), que, para certos autores, como Said Ali, contém locuções e não
casos de subordinação. Como nesta tese se trabalha com a hipótese do contínuo
de gramaticalização e com o pressuposto de que todo verbo auxiliar provém de
um verbo pleno, os exemplos citados em (d) são casos provindos de uma
estrutura “Verbo + complemento”.
Partindo-se de uma orientação funcionalista, postula-se que essas
diferenças sintáticas sejam decorrentes de diferenças semânticas e pragmáticas.
No momento, não será feita uma relação entre forma e conteúdo, mas é
conveniente adiantar que a classificação semântica apresentada a seguir terá
como propósito principal explicar o contínuo de gramaticalização das estruturas
citadas nos parágrafos anteriores desta seção.
Semanticamente, os verbos transitivos podem classificar-se em:
a) Cognitivos ou Proposicionais (relacionados à modalidade epistêmica):
quando expressam percepção, cognição, atitude mental ou articulação verbal.
Exemplos: pensar, achar , dizer, afirmar, etc. Seus complementos expressam
uma proposição que pode ser estado ou ação (como nos exemplos 10 e 11).
b) Volitivos (relacionados à modalidade da vontade): quando expressam atitude
subjetiva de vontade ou desejo (exemplo 2). O sujeito desse tipo de verbo pode
expressar
manipulação,
quando
o
complemento
expressa
um
evento
desempenhado ou a ser desempenhado pelo manipulado, como no exemplo (1) e
(3). São exemplos de verbos volitivos os itens querer, desejar, deixar, pedir e
18
exigir. Dentre os verbos estudados aqui, os verbos mandar e deixar são também
chamados causativos.
c) Modais (relacionados à modalidade de obrigação ou necessidade) ou
Aspectuais: quando expressam incepção, terminação, persistência, sucesso,
esforço, intenção, obrigação, habilidade, dentre outras noções de modalidade (de
obrigação ou de necessidade)
ou noções de aspecto. Exemplos: começar,
terminar, poder, dever, etc. Exige-se que haja identidade de sujeito e apagamento
do sujeito da segunda parte da estrutura como em “Ele começou a (∅) estudar”.
“Maria pode (∅)sair agora?”. Outra característica desse tipo de verbo é o fato de
as duas partes da estrutura referirem-se a um só tempo. Os verbos querer e deixar
têm usos como modais/aspectuais (exemplos 2 e 4).
Os verbos modais/aspectuais são os mais gramaticalizados da lista.
Derivam-se muitas das vezes dos verbos cognitivos ou dos volitivos. Um
exemplo é o verbo saber, que é cognitivo em “Sei que ele virá” e torna-se modal
em “Sei fazer boneca de pano”. Outro exemplo é o verbo querer, que é volitivomanipulativo em “Eu queria que você me descrevesse um local” e é modal com o
sentido apenas volitivo em “Ele quis descrever o local de trabalho”.
Outras subdivisões poderiam ser postuladas para se obter uma
classificação semântica. No entanto, para esse trabalho essa classificação
tripartida é assumida como ponto de partida.
Nesta tese, os verbos volitivos mais freqüentes também têm usos mais
gramaticalizados como modais/aspectuais. Os sentidos de desejo, de vontade, de
manipulação da vontade de um referente permanecem, mas o referente
manipulado não pode ser mais expresso morfologicamente, há uma fusão de
cláusulas que se referem a um só referente-sujeito e geralmente a um só tempo.
O princípio subjacente a todo esse processo de integração de cláusulas é o
Princípio Universal da Iconicidade, segundo o qual a codificação morfossintática
é determinada por fatores semânticos, pragmáticos e cognitivos. O Princípio da
Iconicidade atua para iniciar a integração de cláusulas que antes codificavam dois
eventos e que passam a codificar apenas uma unidade semântica. Em
19
conseqüência, morfossintaticamente, as duas cláusulas passam a ser codificadas
como uma cláusula simples (verbo auxiliar seguido de verbo principal). Mas, se
se observar uma dada fase da língua, o Princípio da Iconicidade parece deixar de
atuar quando uma estrutura se torna “rotineira”, se torna parte da gramática e
passa a ser aprendida pelas crianças como uma estrutura pronta, aparentemente
estável e fixa. Nesse momento, tem-se a impressão de que a língua é regida pelo
princípio da arbitrariedade. No entanto, sob o ponto de vista histórico, há um
fluxo lingüístico contínuo, que vem a ser o discurso, de onde emerge a gramática.
Dessa forma, a mudança não pára, os estágios do contínuo de gramaticalização
são sobrepostos e formas lexicais e clausais começam a ser modificadas, devido a
fatores semânticos e pragmáticos. Fatores puramente estruturais podem também
atuar (como o uso repetido de dois itens justapostos),
sem que um fator
semântico-pragmático esteja envolvido, como ocorre com as composições por
aglutinação.
Esta tese compõe-se de 7 capítulos. O capítulo 2 faz uma revisão da
literatura tradicional e formalista a respeito de verbos transitivos e auxiliares. O
capítulo 3 trata dos fundamentos teóricos utilizados, apresentando as postulações
principais da teoria funcionalista americana e do chamado paradigma da
gramaticalização. O capítulo também delimita o que se entende por integração de
cláusulas e gramaticalização de verbos a partir das contribuições dos trabalhos de
Givón (1990), Hopper & Traugott (1993), e Heine (1993). O capítulo 4 apresenta
a descrição do corpus, a metodologia adotada e as categorias controladas. O
capítulo 5 traz a análise dos verbos cognitivos e volitivos e os resultados mais
importantes para estabelecer os graus de integração de cláusulas e determinar
estágios de gramaticalização a partir de usos do português contemporâneo.
Também relaciona a proposta de graus de integração com os pressupostos gerais
do funcionalismo através de uma pequena abordagem da história da subordinação
completiva. Os capítulos 6 e 7 apresentam respectivamente as conclusões e a
bibliografia.
20
Em termos específicos, esta pesquisa deverá contribuir para o
aprofundamento de questões relativas à morfossintaxe e à semântica da língua
portuguesa e poderá contribuir para análises futuras através da utilização da
metodologia proposta para se estabelecerem graus de integração. Ainda
contribuirá para aprofundar os estudos sobre subordinação completiva em
diferentes tipos de textos.
Em termos gerais, a pesquisa deverá contribuir para testar o princípio da
iconicidade no que tange à integração de cláusulas e ao uso de determinados itens
verbais, assim como permitirá observar a atuação de vários processos relativos à
gramaticalização de verbos.
21
2- CONTRIBUIÇÕES DA GRAMÁTICA TRADICIONAL E DE
ESTUDOS FORMALISTAS
Na revisão da literatura, são destacadas as contribuições dos gramáticos da
língua portuguesa a acerca da questão que envolve os verbos transitivos e os
auxiliares. Além da visão tradicional, há um resumo das idéias do modelo
formalista, com ênfase nós trabalhos de Pontes (1973), Lobato (1975), Perini
(1977) e Santos (1984).
Há diversos trabalhos acerca da questão do verbo auxiliar na linha
tradicional e gerativa. Além dos que são resenhados aqui, pode-se obter muitas
outras referências no livro de Pontes (1973) e na apostila de Macedo (1977). Esse
último trabalho apresenta análises do tratamento do auxiliar no português e em
outras línguas. A visão funcionalista será apresentada apenas no próximo
capítulo.
2.1- Locução verbal
Essa discussão a respeito do tema “Locução verbal” está presente em
Pontes (1973). O primeiro problema encontrado no estudo de verbos auxiliares e
de locuções verbais é a falta de definição rigorosa dos termos usados e,
conseqüentemente, o emprego, por diversos autores, de termos idênticos com
significados diferentes.
Alguns autores, como Mattoso Câmara,
designam
locução verbal (LV) ou conjugação perifrástica, como sendo qualquer seqüência
verbal com certa coesão interna, de tal modo que funcione como um verbo
simples. Outros, como Gladstone Chaves de Melo (1968), separam os tempos
compostos da LV (este também é o procedimento da NGB). A razão para a
separação é a de que os tempos compostos fazem parte da conjugação verbal, têm
cada qual seu nome (pretérito perfeito composto, futuro do pretérito composto)
dentro da conjugação; enquanto as locuções verbais nascem das necessidade de
22
expressões complexas para representar diferentes aspectos verbais. Said Ali
critica essa divisão, dizendo que os gramáticos decidiram dar nomes especiais às
locuções com ter e haver e depois disseram que esses verbos fazem parte da
conjugação normal, enquanto muitos outros verbos não fariam parte dessa
conjugação porque não receberam denominações especiais. Para ele, a diferença
entre “Tenho estudado” e “Estou estudando” é aspectual e não modo-temporal.
Portanto, Said Ali não distingue tempo composto de locução verbal.
Comparando o português com outras línguas e utilizando-se dos critérios
semântico e funcional, o autor classifica os verbos em verbos nocionais e verbos
relacionais. Segundo o autor, aqueles
empregam-se com função predicativa
(como chorar, girar, beber), com um sentido concreto e esses empregam-se
combinados com um adjetivo para constituir o predicado, ou com alguma forma
nominal de um verbo nocional. Auxiliar é, dessa forma, caracterizado como o
verbo relacional combinado com o infinitivo, o gerúndio ou o particípio.
Semanticamente, os verbos auxiliares “são aqueles cuja acepção própria se apaga
ou modifica por virem combinados com outro termo originalmente anexo, ao
qual transferem, ou com o qual dividem, o ofício de predicado da oração.”
(1964a:158). A caracterização semântica do verbo auxiliar é baseada numa visão
histórica.
O autor classifica os verbos auxiliares em modais (como poder, saber,
dever, ter de, querer, etc.), causativos (como fazer, mandar, deixar, etc.) e
determinativos ou acurativos2 (como começar a , estar a, continuar a, acabar
de, etc.). Ainda há outros verbos sem classificação: desejar, ousar, vir e gostar
de . Para Said Ali, compete ao auxiliar denotar, dentre outros aspectos, aqueles
que indicam (a) início da ação (começar a, pôr-se a), (b) duração (continuar,
estar), (c) vontade ou desejo (como querer, desejar), etc. Todas as orações a
seguir são períodos simples, portanto: “Quero sair.”; “Deixe Maria sair.”;
“Continuou a fazer o exercício.”; “Acabou de fazer o exercício.”; e “ Tornou a
2
Indicam início, repetição, desenvolvimento ou término da ação.
23
estudar.”. Para ele, o verbo querer sempre é auxiliar, mesmo quando aparece
sozinho. Neste caso, o verbo principal estaria omitido: a frase “Ele quer dinheiro”
corresponde à “Ele quer ter dinheiro”.
O uso do verbo ter como auxiliar é explicado pelo princípio da
gramaticalização,
embora
a
noção
de
gramaticalização
ainda
não
é
conceptualizada em termos de uma linha teórica para explicar os processos de
mudança lingüística. Assim Said Ali se pronuncia a respeito do auxiliar ter:
“Desta concepção primitiva de dois atos diferentes, expressados pelo
verbo ter e o outro pelo anexo predicativo participial, originou-se uma
forma verbal composta pelo esquecimento ou apagamento da noção
concreta de ter ao mesmo tempo que vinha avultando o adjunto como
conceito precípuo. Passou-se assim da justaposição de formas verbais
simples, independentes e de igual valia, à subordinação de um
elemento ao outro, considerando-se como verbo principal o particípio
e ter como simples auxiliar.” (1964 a:160)
A visão histórica também é a mesma em Eduardo Carlos Pereira (1909),
segundo o qual “Na tendência analytica das linguas romanicas, os verbos ter e
haver em conexão com o particípio dos verbos esvaziaram-se pouco a pouco de
sentido, tornando-se meros verbos auxiliares ou abstratos, e indicando apenas
relação de tempo. O particípio torna-se então invariável, e surgem os tempos
compostos estranhos ao latim clássico.” (1901, XXI)
Celso Cunha (1966), dentre outros, utiliza o critério semântico (e
histórico) para detectar o auxiliar. Segundo ele, “Principal é o verbo que numa
frase conserva sua significação pleno. Auxiliar é definido, em contraste, como
aquele que perdeu seu significado próprio, ao se juntar com outro verbo”(Cunha,
1966: 26 e 27)
Para Câmara Jr. (1984), o auxiliar é um verbo que sofreu
gramaticalização. No seu dicionário encontramos a seguinte explicação para o
termo gramaticalização: “Processo que consiste em transformar vocábulos
lexicais ou palavras (v.) providas de semantema, em vocábulos gramaticais (v.
24
vocábulos). É em princípio a origem diacrônica de todos estes vocábulos.”
Portanto, o verbo que guarda a sua significação não é auxiliar.
De acordo com Mattoso Câmara, a LV é caracterizada como “reunião de
dois vocábulos que constituem uma unidade significativa para determinada
função”. A locução é entendida como sendo um sintagma, em que um elemento
determinante cria um elo de subordinação com outro elemento, que é o termo
determinado. O trabalho de Mattoso ainda demonstra que o verbo é considerado
um item do léxico (por ser dotado de semantema) enquanto o verbo auxiliar é um
item da gramática ( constituindo-se como um morfema propriamente dito).
A lista de auxiliares diverge muito de autor para autor. Os verbos poder e
querer, por exemplo, são considerados como auxiliares por Said Ali enquanto
outros os tratam como verbos transitivos diretos. Para Oiticica (1919), o verbo
querer em “Queríamos colher flores” pode ser interpretado como auxiliar ou
pleno, dependendo da interpretação. A frase pode ser resposta das perguntas: O
que vocês queriam fazer? (Queríamos/ colher flores). O que vocês queriam
colher? (Queríamos colher/flores). No primeiro caso, o verbo querer não é
auxiliar, enquanto no segundo caso já o é.
Os auxiliares menos problemáticos são ter e haver (formam os tempos
compostos) e ser (forma a voz passiva) . Com menos consenso, põe-se na lista o
verbo estar.
Os auxiliares causativos (incluindo aí os sensitivos como sentir, ver e
ouvir) são os que aparecem menos nas listas dos estudiosos. Há incoerência no
seu tratamento. Bechara (1963) afirma que a locução verbal é a combinação das
diversas formas de um verbo auxiliar com o infinitivo. Ele denomina os verbos
causativos/sensitivos de auxiliares, mas no capítulo destinado ao período
composto por subordinação, eles figuram como verbos principais de orações
subordinadas substantivas objetivas.
Além do critério semântico, os estudiosos muitas vezes utilizam a técnica
da transformação do segundo elemento em oração finita. Se puder transformá-lo,
ambos os verbos são plenos (critério sintático), como nos exemplos a seguir em
25
que os verbos destacados devem ser concebidos, pelo critério citado, como verbo
pleno e verbo auxiliar, respectivamente:
(1 ) Prometo sair.
Teste: Prometo que sairei.
(2) Estou saindo.
Teste: * Estou que sairei.
2.2- A gramática gerativa
Esta seção é destinada à apresentação das principais idéias relativas a
verbos transitivos e auxiliares no português em obras representativas da corrente
gerativista.
2.2.1- Critérios para determinação do auxiliar em português
Pontes (1973) procura responder a duas perguntas fundamentais:
(a) Quais são os verbos auxiliares do português?
(b) Quais são os critérios para distingui-los dos verbos plenos?
Como foi dito, a autora deixa de lado a distinção tradicional estabelecida
entre locução verbal e tempo composto, tratando ambos os casos como locução
verbal. Seguindo uma orientação formalista, ela analisa os verbos auxiliares a
partir de critérios fundamentalmente sintáticos que se aplicam à fase atual do
língua.
O critério semântico e histórico que define o auxiliar como um verbo
pleno que perdeu sua acepção semântica principal foi deixado de lado. Para
Pontes, o auxiliar tem papel apenas de indicar tempo ou aspecto, não devendo
apresentar qualquer significação. Além disso, muitas vezes um verbo
considerado como auxiliar não tem perda de significação. É o que ocorre com
verbos como começar e acabar de (em “Comecei a estudar” e “Acabar de
estudar”) que mantêm, segundo Pontes, os mesmos sentidos quando plenos.
26
Para a autora, o problema não é semântico, mas sintático. Por isso,
apresenta uma série de critérios para detectar o verbo auxiliar, que assim se
reescreve: Aux → Tempo (Modo) (Aspecto).
A sua conclusão é a de que apenas o verbo ter (com a variante mais
formal haver) pode ser considerado verbo auxiliar em português, porque tem um
comportamento sintático muito diferente dos demais verbos, além de ter um
significado
próprio. Eis algumas das características desse verbo citadas no
trabalho de Pontes:
a- Ter tem uma posição fixa na seqüência verbal. “Pode preceder estar-ndo, mas
não pode segui-lo; deve seguir o modal, não pode precedê-lo; seu lugar é entre os
dois. Assim as seguintes seqüências não são permitidas”(p. 50):
(3 ) a- * está tendo comprado.
b- * tem devido comprar.
b- O particípio de ter é invariável (exemplo 4), diferentemente do que ocorre com
outros verbos ditos auxiliares (exemplo 5):
( 4 )Os meninos têm estudado.
( 5 ) Os meninos ficaram aborrecidos./ Foram roubados. / Estão amarrados.
c - O advérbio modifica toda a LV com ter (exemplo 6), o que não ocorre com os
causativos, dentre outros tipos (exemplo 7):
(6 ) João tem estudado muito ultimamente.
(7 ) João mandou você ir à escola todos os dias.
A locução “todos os dias” modifica apenas o verbo ir.
d- Para se constituir uma locução verbal, não se pode usar o advérbio de negação
não entre o verbo auxiliar e o verbo principal:
(8) João não tem estudado.
*João tem não estudado.
Mas o advérbio pode ser inserido em:
27
(9)Eu quero não ter que ficar aqui./ Eu gosto de não ter que levantar cedo. / Ele
começou a não querer mais estudar./ Ele pode não ser simpático, mas é solidário.
Em (9), o advérbio separa os dois verbos de cada frase, que não devem,
segundo a autora, constituir locuções.
e - A restrição de seleção do sujeito vigora entre este e o verbo principal. O
auxiliar não pode interferir. Se uma frase como “A pedra quebrou” é gramatical,
também o é “ A pedra tinha quebrado”; se outra frase como “* A pedra leu.” é
agramatical, também o é “*A pedra tinha lido”, uma vez que o auxiliar não
interfere na seleção do sujeito.
A frase “A pedra quebrou” é gramatical, mas, com os possíveis auxiliares
deixar, mandar, gostar, desejar, etc., deixa de ser:
(10) A pedra * mandou quebrar/*deixou quebrar/*gosta de quebrar.
Porém outros verbos como começar, poder e dever também não
interferem na seleção.:
(11) A pedra começou a quebrar/pode quebrar/deve quebrar.
f - O verbo ter combina-se com qualquer verbo, inclusive impessoal (exemplo
12), o que, segundo a autora, não corre com os verbos mandar, querer e gostar
(exemplo 13):
(12 )Tinha chovido/ Tinha havido aula.
(13 )* Mandou chover./ * Quer chover. / * Gosta de chover
Mas há verbos como ter:
(14 )Começou a chover./ Pode chover/ Deve chover.
Portanto, os verbos causativos e sensitivos não são considerados por
Eunice Pontes verbos auxiliares por vários motivos: não há identidade de sujeito,
cada oração pode ser modificada por um advérbio, esses verbos selecionam
sujeitos independentes do verbo da oração seguinte.
28
Dentre os modais, a autora dá destaque à análise do verbo querer. De
acordo com Bechara, a função do modal é determinar com mais rigor o modo
como se realiza ação verbal. (Cf. Bechara, 1963). Mas o verbo querer, ao lado de
uma forma verbo-nominal, não muda o seu sentido, combinando-se com sujeito
animado: "Se querer fosse um auxiliar e o segundo verbo o principal, a locução
formada com os dois verbos teria de poder ocorrer nos mesmos contextos em que
ocorresse o verbo simples. "(Pontes, 1973:4)
Também não aparece com verbo impessoal (*Quer chover); e
uma
estrutura como "Queríamos colher rosas" não pode ser apassivada::
(15 ) *Rosas querem ser colhidas por nós.
O auxiliar não pode impedir a passivização da oração.
Ela conclui dizendo que a frase "Eu quero passear" tem a estrutura
profunda (EP) " Eu quero/eu passear”, enquanto "Quero que você passeie" tem a
EP "Eu quero/ você passear".
O verbo saber é outro verbo descrito. Tem traços dos verbos sensitivos e
dos modais, como nas frases:
(16 ) Maria sabe agradar as pessoas.
(17 ) Maria sabe que agrada as pessoas.
A autora diferencia as duas frases, dizendo que apenas na primeira pode-se
colocar a palavra como depois do verbo saber; e que somente na segunda frase o
sentido do verbo é de 'perceber', 'ter conhecimento'.
Para ela, o sentido de (18) parece igual ao de saber com infinitivo (16); e
o de (19) parece igual ao de saber mais oração finita (exemplo 17):
(18 ) Maria sabe de muita coisa.
(19 ) Maria sabe muita coisa.
Mas o verbo saber com infinitivo não é considerado auxiliar, porque,
diferentemente de ter, pode aparecer no imperativo. Além disso, também
apresenta restrições seletivas e não se combina com verbos impessoais (*”Saber
chover”).
29
Para Pontes, a diferença entre os dois usos do saber tem que ser marcada
no léxico, sendo este um verbo ambíguo. São dois usos de verbo transitivo.
Ainda é importante destacar que, para ela, existe, no caso dos chamados
auxiliares modais (como querer, desejar, prometer, etc.), uma distribuição
complementar: quando o sujeito da segunda oração é diferente do da primeira,
usa-se a oração com que; e quando o sujeito é o mesmo, usa-se o infinitivo.
(20) Desejo sair./ Desejo que ele saia.
Há alguns problemas na análise de Eunice Pontes quando se observa a
língua do ponto de vista do uso e não se analisam apenas exemplos criados e
prototípicos de cada verbo. Como será mostrado no capítulo 5, há usos dos
verbos querer e deixar em que tais verbos combinam-se com diversos tipos de
verbos e podem ter sujeitos inanimados também:
(21) aí ele tentou tirar aquelas marcas... aí não queria sair do chão... ele tampou
até com terra mas não queria sair do chão... aí chegou na noite... não choveu não
(JAN19, R, J)
(22) caminhão devia está na/ lá dentro com uma:: com uma quantidade de ar
grande... querendo soltar né? dentro da do do baú lá do coisa do caminhão dele...
aí ele pegou e:: estava soldando embaixo do caminhão... (JOS11, R, J)
O verbo querer usado com verbo impessoal é construído com o auxiliar
estar. Com sujeito inanimado também é comum o uso do auxiliar. Eunice Pontes
também afirma que o auxiliar não deve interferir na restrição de seleção de
sujeito (cf. categoria exposta na letra e acima). O verbo querer, em determinados
usos, também não interfere na restrição do sujeito:
(23) A pedra quebrou. / A pedra estava querendo quebrar.
(24) * A pedra leu. / * A pedra está querendo ler.
A autora cita o uso de querer com o verbo estar, mas o despreza na
comparação com o verbo ter.
Numa nota, ela o compara a outros verbos
analisados como tendo uma oração como sujeito. Um exemplo é a construção
“ter de”: uma frase como “João tem de sair” apresenta, segundo Pontes, a
estrutura profunda João sair/ ter de.
30
O verbo deixar no uso “deixar de mais infinitivo”, assim como o auxiliar
ter, não aceita a presença do advérbio de negação entre ele e o verbo principal.
Esse verbo é causativo quando tem sujeito diferente na subordinada, mas muda
seu sentido quando tem sujeito idêntico. Neste caso, passa a ter sentido de
‘parar’/ ‘terminar. O verbo parece não impedir a voz passiva:
(25) a- Maria deixou de colher rosas.
Teste- (?)As rosas deixaram de ser colhidas por Maria.
Lúcia Lobato (1975) também apresenta vários critérios para delimitar a
categoria verbo auxiliar em português. Seus critérios são praticamente os
mesmos dos de Eunice Pontes, incluindo ainda o que é denominado
pronominalização3. São diversos testes que colocariam ou não um verbo na lista
dos auxiliares. Nenhum verbo atende a todos os critérios, mas os verbos que
passam na maioria dos testes de auxiliaridade são ter, haver, ser e estar.
Lobato considera importante o critério semântico que define o auxiliar
como um elemento que tem traços semânticos modificados. A autora apresenta
um série de afirmações ligadas à idéia de gramaticalização e conclui que a
dificuldade de se trabalhar com o tema é decorrente do fato de estar aí envolvida
uma graduação. Diz que há vários graus de perdas semânticas quando um verbo é
seguido de forma não-finita, mostra a importância da freqüência (cf. capítulo 3
desta tese) na determinação do auxiliar; diz que há “complexos mais ligados” e
“complexos menos ligados”, referindo-se ao que aqui se denomina ‘Graus de
integração’; e se refere a essa expressão: “Essa procura de testes que ajudem a
determinar de maneira formal os diferentes graus de integração das seqüências
verbais é evidentemente válida, e, mesmo intuitivamente, percebe-se que há uma
diferença entre os liames que unem “Tinha feito isso” e os que unem “Prometeu
fazer isso” (p. 50). Ela ainda chama a atenção para o fato de “a integração entre
auxiliante e auxiliado ser uma questão de grau sobre um eixo contínuo” (p. 51).
3
Quando a pronominalização é possível, há duas orações. As sentenças “Ela sabe ter razão” e “Ela crê
ter razão” aceitam o teste: “Ela o sabe” e “Ela o crê”. Mas o verbo poder (numa das acepções) não
aceita: “Ela pode chegar a qualquer momento”/ * Ela o pode”. Portanto, neste teste poder é auxiliar. Esse
é apenas um dos testes ligados à pronominalização descritos no trabalho de Lúcia Lobato.
31
A linha funcionalista a partir da década de 80 vem apresentando trabalhos
acerca de verbos, tendo como parâmetro as noções de contínuo e de integração.
Portanto, a autora antecipa muitas das idéias que serão trabalhadas nas décadas
seguintes.
A lista sugerida por Lobato apresenta quatro verbos auxiliares; a proposta
de Pontes é a de que só há um verbo auxiliar em português. A lista é reduzida a
zero na concepção de Lemle (1982), que não dá um tratamento diferenciado aos
auxiliares e não distingue verbo de auxiliar. Ela defende a idéia de que a locução
formada pelo verbo ter (que forma os chamados tempos compostos) deve ser
interpretada como verbo seguido de um advérbio deadjetival. Uma sentença
como “Ela tem sofrido” equivale a “Ela recebe [descontado os impostos”] ou
“Ela fala [enrolado]”. A autora também postula que os verbos no gerúndio devem
ser concebidos como advérbios, como nos exemplos:
(26) Ela está fazendo muitas viagens.
(27) Ele ficou resmungando.
Esse tratamento é dado a partir da análise de construções como “Ele fala
dormindo”, em que está claro que o primeiro verbo não seja auxiliar.
O verbo ir, que poderia ser considerado um auxiliar, tem, segundo Lemle,
a mesma descrição que qualquer outro verbo seguido de infinitivo com sujeito
obrigatoriamente apagado.
Na presente tese, considera-se o verbo ter um auxiliar prototípico, devido
ao aglomerado de traços que o caracterizam (os traços correspondem às
descrições feitas por Pontes para esse verbo). A análise escalar proposta nesta
tese será feita a partir dessa idéia de aglomerado de traços, que pode aproximar
ou afastar um verbo da categoria do auxiliar.
2.2.2- Construções com infinitivo
Perini (1977) trata dos períodos com infinitivo na função de complemento
ou de sujeito. Aqui será destacado apenas o tratamento relativo a orações
completivas. Dentre os seus objetivos, o autor ressalta a análise dos
32
complementizadores, a configuração sintática das orações subordinadas factivas
em oposição às não-factivas e as condições gerais sobre a aplicação das
transformações.
A oposição entre subordinada factiva e subordinada não-factiva é ilustrada
nos exemplos abaixo:
(28) Maria ignora que está chovendo.
Teste: * Maria ignora que está chovendo, mas não está.
A oração “que está chovendo” traz uma informação factual e a sua
negação através de outra oração leva a uma construção agramatical.
(29) Maria diz que está chovendo.
Teste: Maria diz que está chovendo, mas não está.
A oração “que está chovendo” representa uma informação não-factual.
A partir dessa oposição, Perini analisa o verbo ver (também objeto de
estudo da presente tese). Os exemplos são do autor:
(30) a- Vi João correr.
b- Vi que João corria.
Essa frases não são sinônimas:
Em (a), ver significa ‘enxergar (com os olhos)’, ao passo que em (b)
significa mais ou menos ‘compreender’. Além disso, a oração
subordinada de (a) é não-factiva, enquanto a de (b) é factiva. Pode-se
ver isso, por exemplo, negando o verbo principal (dado que a negação
do verbo principal não afeta a factividade de um complemento):
a- não vi João correr.
b- não vi que João corria.
(b) ainda pressupõe que João corria, ao contrário de (a), que não
pressupõe nada a respeito. Quem diz (a) pode ou não acreditar que
João de fato corria; quem diz (b) acredita que ele corria. (Perini,
1977:48-49).
Para Perini, há dois verbos ver: ver1 com o sentido de ‘enxergar’
(percepção sensorial) e ver2 com o sentido de ‘compreender’ (percepção
intelectual). O primeiro é feito com complemento com Inf (infinitivo) e o
segundo com o complementizador que. O autor apresenta a árvore para o verbo
ver1:
33
O1
SN
Eu
AUX
[pass
SV
V
SN
O2
Perf]
ver
João
SN
João
SV
correr
A regra denominada Supressão de Sujeito Idêntico elimina o sujeito de
O2. A inserção de que está bloqueada, porque só se aplica a sentenças com
sujeito. A inserção de Inf dá-se sempre quando as duas orações têm o mesmo
tempo. A inserção de que dá-se quando as orações têm tempos diferentes. No
caso, a EP de ver2 é igual a da árvore dada, sendo que o SV de O1 é composto
apenas de V e O2. Como O2 tem sujeito, insere-se que.
Perini analisa o verbo querer e diz que, em algumas situações, é possível
separar o tempo desse verbo do tempo do verbo da subordinada:
(31) Jacinto ontem queria partir dentro de 15 dias.
(32) Jacinto ontem queria partir dali a duas horas.
O autor não atribui qualquer diferença semântica entre ‘querer + que’ e
‘querer + Inf’:
(33) Nós queremos dormir.
(34) Nós queremos que você durma.
Para ele, assim como para Pontes, há uma distribuição complementar na
sintaxe. A frase “Nós queremos dormir” tem a seguinte EP: [Nós querer [nós
dormir]]. A regra de Supressão de Sujeito Idêntico elimina a segunda ocorrência
do sujeito. Quando o sujeito é idêntico, insere-se Inf; quando o sujeito é
diferente, insere-se que e o modo subjuntivo. No capítulo 5 desta tese, será
mostrado que no discurso real ocorre, embora muito raramente, sujeito idêntico
com “querer que”. E essa produção também é encontrada no português medieval.
34
Um outro verbo analisado por Perini é mandar (também pesquisado aqui).
Esse verbo tem complemento factivo e apresenta dois significados diferentes: um
quando tem complemento finito; outro quando tem complemento no infinitivo:
(35) O reitor mandou Lúcia subir no mastro.
(36) O reitor mandou que Lúcia subisse no mastro.
No primeiro caso, a ordem tem de ser direta, enquanto, no segundo
exemplo, a ordem pode ter sido indireta: o reitor pode ter pedido para outra
pessoa dar a ordem a Lúcia ou pode ter posto a ordem num cartaz. Perini
comprova a sua hipótese dizendo que o sujeito de (35) só pode ser humano,
enquanto o sujeito de (36) pode ser ou não humano. O uso de um sujeito nãohumano numa construção com Inf é considerada agramatical (exemplo 37), mas
numa construção com que não o é (exemplo 38).
(37) *O reitor mandou os livros ficarem no porão.
(38) O reitor mandou que os livros ficassem no porão.
Com isso, o autor propõe uma EP igual a de ver/enxergar para
‘mandar+Inf” e uma análise semelhante a de ver/entender para ‘mandar+que’.
Em outras palavras, haveria, para Perini, duas entradas lexicais para o verbo ver e
duas para o verbo mandar.
Santos (1984), numa pesquisa também sobre o infinitivo, refuta a análise
segundo a qual há uma distribuição complementar no uso de alguns verbos.
As principais questões levantadas pela autora são:
a- como se caracteriza o infinitivo?;
b- quando a combinação de verbos é ou não locução verbal?;
c- como explicar o fato de certos verbos como querer não admitirem ter oração
subordinada desenvolvida com sujeito idêntico, enquanto outros como prometer
já admitem tal construção?:
(39) Quero que *eu vou.
(40) Prometo que vou.
35
O infinitivo apresenta-se como uma forma dupla, capaz de desempenhar
funções ora de verbo, ora de substantivo. Há também um contexto sintático
específico. Para a autora, o infinitivo é uma outra categoria, outra classe, por
combinar traços nominais e verbais.
O infinitivo tem o traço [+nominal], porque normalmente pode ser
precedido de um determinante ou pode se apresentar num Sprep, como em “O
andar”, “Este saber” “O poder de voz” e “Gosto de ler”. Apresenta o traço
[+verbal], pois admite o clítico (pronome pessoal oblíquo átono) que só aparece
ligado a verbos e é modificado por “advérbio que aleatoriamente não constitui
com ele sintagma, como em (41) e (42). Em (43), há os dois contextos sintáticos
descritos: presença de clítico e de advérbio.
(41) Dizer isto seria uma temeridade. / Dizê-lo seria uma temeridade.
(42) É fundamental falar cuidadosamente.
(43) Prometi trazê-los cuidadosamente.
Há um contexto sintático peculiar ao infinitivo, em que ele ocorre
precedido de preposição, num sintagma único, sendo característico de classes
que possuem o traço [+nominal], e pode ser modificado por advérbio, ao mesmo
tempo em que recebe um clítico, característico das classes portadoras do traço
[+verbal](cf. Santos,1984:46), como em (44), em que o infinitivo é constituinte
de SV:
(44) Gosto de penteá-los cuidadosamente.
Para se determinar se uma construção verbo + infinitivo é locução verbal,
Santos propõe a observação de três fatores:
a- a regularidade da relação entre o verbo auxiliar e o principal: estar + ndo;
ser+do; haver/ter+do, ir+r;
b- a não-incidência da negação entre os verbos auxiliar e o principal;
3- e a caracterização do auxiliar, o conteúdo nocional e a transitividade.
Um verbo auxiliar pertence a uma categoria particular porque seu
conteúdo nocional e sua sintaxe são alterados. O teste é feito através de uma
pergunta. Quando houver LV, o significado básico muda:
36
(45) De que você gosta? Gosto de maçã./Gosto de viver.
(46) De onde você vem? Venho da cidade. *Venho trazer o trabalho.
O verbo vir na LV tem um significado diferente daquele fora de uma LV.
O verbo gostar mantém o sentido básico, pois aparece sozinho ou seguido de Inf.
como resposta de uma mesma pergunta. O primeiro verbo é caracterizado como
auxiliar, enquanto o segundo não o é.
O verbo querer também não altera seu sentido básico quando seguido de
infinitivo:
(47) O que você quer? Quero maçã/ Quero sair.
O verbo pode ter um objeto oracional coordenado a outros objetos
nominais:
(48) “Quero o mar, o sol, tomar chuva no rosto e ter o vento na minha pele.”
A coordenação não ocorre, por exemplo, com o infinitivo do auxiliar ir. A
autora conclui que o verbo querer não forma LV. Comportamento semelhante
tem os verbos gostar e precisar.
As diferentes construções com poder, saber, dever e ter são consideradas,
homonímias verbais. O verbo ter, por exemplo, deve, segundo a autora,
apresentar dois verbetes, um para ter +SN e outro para ter que + infinitivo.4
A autora apresenta algumas idéias funcionalistas. Quando explica as
diferenças entre o verbo querer e prometer, por exemplo, intui que a estrutura
tem uma certa forma para codificar um sentido:
“O verbo querer (...), ao ter bloqueada para sua subordinada a
expressão de um sujeito igual ao seu próprio, parece evidenciar que o
sujeito, dessa subordinada, agente da ação que ela representa e que é,
portanto, o objeto de querer, deverá ser outra pessoa (ou ser) que não
ele mesmo, como se aquilo que venha a completar semanticamente
querer seja algo fora do alcance de seu agente.
(...) Quando um falante diz “eu quero”, ele é agente do ato de querer,
mas não será agente da ação que representa o que ele quer, salvo na
expressão por infinitivo não flexionado.”(p.131- 133)
4
Na presente tese, de linha funcionalista, esses casos são considerados como uma parte do fenômeno da
polissemia e não da homonímia (cf. capítulo 3)
37
Funcionam como querer os verbos tentar, aceitar, desejar, odiar,
conseguir, gostar, e precisar, dentre outros. Há verbos que não exigem a
dependência de outro ser para completar a ação expressa no seu conteúdo, porque
a ação fica no âmbito do falante. É o caso do verbo prometer.
Nos exemplos a seguir,
“(...) a ação expressa no verbo tem seu agente no falante e não depende de
“outro” para se completar. Seu conteúdo restringe-se ao campo de atuação
do próprio agente. (...) O “outro” fica “sob condição”, de modo,
normalmente, os verbos de suas subordinadas vêm no futuro do presente e
do pretérito” ( 136-137),
(49) Eu prometo que saio já.
(50) Eu prometo que meu filho fará.
(51) Eu prometi que meu filho faria.
Sua conclusão é a de que devem ocorrer três condições ao mesmo tempo:
(a) o verbo auxiliar deve ter alterado seu conteúdo nocional;
(b) o verbo auxiliar deve ter alterada sua transitividade;
(c) e, na LV, não deve ocorrer negação entre o verbo auxiliar e o principal.
A análise de Santos, como a de Pontes, pode servir para lingüistas
funcionalistas delimitarem o auxiliar prototípico. Além disso, sua tese não é
rigidamente formalista, uma vez que a autora explica a distribuição
complementar pelas funções interacionais exercidas pelo sujeito da oração
principal.
2.2.3- Teoria do Comando
A teoria gerativa utiliza a Teoria do Comando para descrever sentenças
(nomenclatura da área) com verbos que expressam controle de um ser sobre outro
e apresentam um complemento no infinitivo.5 Os exemplos a seguir ilustram
sentenças desse tipo:
5
A Teoria do Comando interage com outra , a Teoria da Ligação, que também interpreta referentes, mas
não está limitada às construções com infinitivo e não explica as construções com a idéia de comando ou
manipulação.
38
(52) João prometeu a Pedro emprestar o computador (Joãoi prometeu a Pedroii
PROi emprestar o computador);
(53) João deixou Pedro usar o computador (Joãoi deixou Pedroii PROii usar o
computador).
Não há uma regra sintática que explique por que em (52) o referentesujeito de emprestar é João e eu (53) o referente-sujeito de usar é Pedro.
A Teoria do Comando estabelece uma regra semântica (regra de controle)
para identificar o antecedente de PRO
nas “estruturas em que (1) se tem necessariamente um controlador; (2) esse
controlador tem de estar na posição de sujeito ou objeto da sentença
imediatamente mais alta; (3) não se poderia substituir PRO por um SN
pleno, mantendo-se também a presença do sujeito ou objeto controlador
(como em *João deixou Pedro [Maria usar o computador]) (Lobato, 1986
:309).
Vale lembrar que a teoria gerativista identifica (a) a anáfora zero das
sentenças infinitivas como PRO e (b) o pronome propriamente dito, assim como
a anáfora zero das sentenças finitas (sujeito oculto) como pro.
No exemplo (52), a interpretação do sujeito de emprestar (PRO) depende
da informação lexical de que, com o verbo prometer, o controlador é o agente
desse verbo, eliminando-se qualquer outra interpretação. Enquanto no exemplo
(53), a informação lexical leva à interpretação de que o paciente do verbo deixar
é o controlador do processo expresso na sentença subordinada. Portanto, o
correferente de PRO é Pedro.
Na presente tese, parte-se da idéia de que o fator Controle é um dos mais
importantes para explicar usos da subordinação completiva e a Referência é um
fator que ajuda a entender diversos fenômenos, contribuindo para comprovar
aspectos relativos à iconicidade (cf. seção 3.1 desta tese). Os gerativistas
admitem que esse fator semântico está determinando a forma de ser da sintaxe de
referência em determinados casos, ao lado de regras sintáticas.
39
3- FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Este trabalho utiliza os pressupostos teóricos da corrente funcionalista
americana assim como os princípios do modelo da gramaticalização.
3.1- A teoria funcionalista
A abordagem funcionalista estuda a estrutura gramatical inserida na
situação real de comunicação, considerando o objetivo da interação, os
participantes e o contexto discursivo. Procura nesses elementos a motivação para
os fenômenos investigados. Dessa forma, os funcionalistas não concebem a
língua como uma entidade autônoma, uma vez que fatores sociais, cognitivos,
históricos, dentre outros, podem influenciar na forma de se codificar a
informação. Esta pesquisa insere-se na linha funcionalista porque procura
explicar os usos com verbo transitivo seguido de cláusula completiva a partir de
motivações semânticas e pragmáticas. A gramática é vista como uma estrutura
aparentemente fixa, congelada, mas que é constituída por motivações
comunicativas e cognitivas.
Dentre as várias correntes funcionalistas, a linha utilizada aqui é a da
lingüística funcionalista americana que tem como principais representantes,
como foi dito na Introdução,
Givón (1990 e 1995), Heine (1991 e1993),
Thompson (Hopper & Thompson, 1980), Hopper (1987 e 1991), dentre outros.
No Brasil, são representantes dessa corrente Naro (1980, 1981 e 1986), Votre
(1992), Rios de Oliveira (1994 e1996), Martelotta (1994) Martelotta, Votre e
Cezario (1996), Furtado (1989 e 1996), Furtado et alii (1999) e Paredes da Silva
(1988), dentre outros.
Segundo o funcionalismo,
cada porção do comportamento lingüístico tem um propósito
comunicativo específico que o ativa; (...) a forma é determinada por
sua adequação para expressar esse propósito no interior da
organização pragmática geral da comunicação (Votre & Naro, 1986:
454).
40
Essa motivação lingüística é regida pelo Princípio universal
da
iconicidade que atua nas escolhas lingüísticas feitas no momento do discurso. A
freqüência do uso de determinadas estruturas levará a construções gramaticais,
quando se estabelece uma regra de uso.
O princípio da iconicidade possui os seguintes subprincípios:
a) subprincípio da quantidade: quanto maior, ou mais imprevisível, ou mais
importante for a informação a ser transmitida, maior será a quantidade de forma
utilizada;
b) subprincípio da proximidade: os conceitos que estão mais integrados no
plano cognitivo também se manifestam com maior integração morfossintática;
c) subprincípio da ordenação linear: a informação mais importante ou mais
tópica tende a ser colocada em primeiro lugar.6
O segundo subprincípio foi reescrito por Givón (1995) sob o nome de
princípio da adjacência, segundo o qual “a distância espaço-temporal no fluxo de
fala tende a refletir distância conceptual” (Givón, 1995). Em outras palavras, as
estruturas sintáticas mais integradas refletem maior integração no plano
conceptual.
Esse subprincípio é o mais importante para esta tese, porque engloba
também os fenômenos relacionados à articulação de cláusulas, explicando alguns
dos processos de gramaticalização de verbos transitivos seguidos de
complemento oracional.
Outro princípio geral, presente nas línguas, é o Princípio universal da
marcação, segundo o qual existe uma oposição entre formas marcadas e nãomarcadas. Givón (1995) apresenta três critérios para distinguir uma forma
marcada de uma não-marcada, a partir da observação de três parâmetros, que
estão resumidos abaixo:
a) complexidade estrutural: a forma marcada tende a ser mais complexa do que
a não-marcada correspondente;
6
Este é um resumo bastante simplificado desse subprincípio, que tem vários desdobramentos.
41
b) freqüência de distribuição: a forma marcada tende a ser menos freqüente e,
em conseqüência, cognitivamente mais saliente do que a categoria não-marcada;
c) complexidade cognitiva: a forma marcada tende a ser cognitivamente mais
complexa – em termos de esforço mental, atenção e tempo de processamento –
do que a forma não-marcada.
Nesta tese, o princípio da marcação merecerá pouco destaque, mas é
utilizado para a compreensão de determinadas construções com os verbos
analisados.
O funcionalismo aqui admitido é moderado, porque se sabe que os fatos
lingüísticos não são totalmente icônicos ou totalmente arbitrários. A
arbitrariedade é constatada quando se analisam os fatos gramaticais de um ponto
de vista puramente sincrônico, baseando-se nas regras da gramática
aparentemente acabada. Mas, de um ponto de vista histórico, podem-se detectar
motivações de ordem semântica e pragmática para se moldarem construções
gramaticais ou para se criar um item lexical.
O funcionalismo, nas últimas décadas, preocupa-se sobretudo com os
fenômenos relacionados ao processo de gramaticalização para explicar tanto a
iconicidade, que atua nos primeiros estágios da gramaticalização, como para
explicar a arbitrariedade, que ocorre no fim do processo.
3.2- O paradigma da gramaticalização
Um grande número de trabalhos apresenta o fenômeno denominado
gramaticalização como sendo um processo de mudança lingüística segundo o
qual itens lexicais passam a assumir funções gramaticais, ou elementos
gramaticais
passam
a
exercer
funções
ainda
mais
gramaticais
(cf.
Kurylowiscz,1975; Heine et alii, 1991; Hopper e Traugott, 1993; Martelotta,
42
Votre & Cezario, 1996).7 O verbo ir, por exemplo, sofreu uma mudança no
sentido de passar a ser um marcador de futuro (categoria gramatical), como em
“Vai chover”. O advérbio aí passou a desenvolver uma função de conectivo
(categoria mais gramatical que a de advérbio), como no seguinte trecho de uma
narrativa oral:
(1) “eu estava num barzinho sentada ... no Leblon ... com vários amigos ... aí ...
eu olhei pra frente assim ... e reconheci uma pessoa”(Raf)
Em várias línguas, como o Hebreu bíblico, o Hitita e o Grego Antigo,
conjunções integrantes (“complementizadores”) derivam-se de conjunções
subordinativas (com diferentes valores como tempo, condição, dentre outros), o
que demonstra que um elemento gramatical pode continuar o processo de
gramaticalização, tornando-se mais abstrato e mais gramatical (cf. Cristofaro,
1998).
Os trabalhos de Traugott & Heine (1991), Heine (1993) e Bybee (1994),
demostram que não é um item particular que sofre gramaticalização, mas toda a
construção com itens lexicais particulares é que se torna gramaticalizada. Bybee
(1994 e 1999) postula que a freqüência de uso de uma dada construção tem um
papel fundamental no processo de gramaticalização:
Argumentarei a favor de uma nova definição de gramaticalização,
aquela que reconhece o papel crucial da repetição e caracteriza-a
como um processo pelo qual uma seqüência de palavras ou de
morfemas usada freqüentemente se torna mais automatizada como um
unidade de processamento único.8
Outros trabalhos também enfatizam que a freqüência de uso é fundamental
para garantir a gramaticalização de formas. Krug (1999), por exemplo, estudando
modais em emergência no inglês, verifica que há uma forte relação entre
7
A definição de Kurylowicz (1975) é repetida nas outras obras citadas: “ Grammaticalization consists in
the increase of the range of a morpheme advancing from a lexical to a grammatical or from a less
grammatical to a more grammatical status, eg. from a derivative formante to an inflexional one”.
8
“I will argue for a new definition of grammaticization, one which recognizes the crucial role of
repetition in grammaticization and characterizes it as the process by which a frequently-used sequence of
words or morphemes becomes automated as a single processing unit.”(Bybee, 199 :2)
43
freqüência discursiva de expressões verbais e status gramatical (cf. Krug,
1999:2).9
O processo de gramaticalização é decorrente, dentre outros fatores, da
polissemia que ocorre em determinados itens do léxico ou da gramática. Na
maioria das vezes, a função mais nova convive com a função mais antiga, sendo
que cada uma delas tem seu contexto específico. Assim, o verbo pleno ir
continua sendo usado no português atual, em contextos em que não se confunde
com o auxiliar. E o mesmo ocorre com o advérbio ou conectivo aí.
O modelo da gramaticalização não explica somente as mudanças já
estabelecidas, mas também aquelas que estão em curso numa dada fase de uma
língua. Na verdade, os estágios detectados no presente provavelmente sempre
ocorreram na língua. Conforme afirmam Votre et alii (1998):
“A abordagem da lingüística funcional atual tende adotar, juntamente
com Labov (1995), uma formulação mais refinada daquela hipótese [a
da unidirecionalidade da mudança], que pode ser encontrada entre os
neogramáticos, segundo os quais os mesmos tipos de mudança
ocorreram em todas as fases da história das línguas e tenderão a
continuar ocorrendo. Nessa concepção, há um princípio uniformitário
subjacente às mudanças lingüísticas. [...]. Assim, ao lado de processos
de mudança atestados no curso do tempo, determinadas características
e peculiaridades lingüísticas podem permanecer constantes. (p. 44).
Os estudos citados neste capítulo apresentam geralmente dados
diacrônicos, em tempo real, mas as informações também são relevantes para um
estudo de mudança em curso cujos estágios estão presentes no português atual.
Nesta tese, são estabelecidos graus de integração de cláusulas com os verbos
achar, ver, saber, mandar, querer e deixar e seus complementos clausais.
Através da descrição, é possível verificar a presença de várias construções em
estágio de gramaticalização no português contemporâneo. Também é possível
verificar a atuação do subprincípio da proximidade na graduação da integração
de cláusulas.
9
Mais detalhes sobre o papel da freqüência podem ser vistos na seção 3.2.4.
44
3.2.1- História dos estudos sobre gramaticalização
A gramaticalização, enquanto modelo teórico, surge na década de 80 para
tentar dar conta de problemas que não foram resolvidos pelos modelos póssaussureanos. Esses últimos recaem nos seguintes princípios:
1- A descrição lingüística deve ser estritamente sincrônica.
2- O relacionamento entre forma e conteúdo é arbitrária.
3- A forma lingüística tem apenas uma função ou significado.
Na língua ewe (ramo kwa da família Niger-Kongo), por exemplo, a forma
ná é um verbo com o sentido de ‘dar’, que recebe flexões, e também é uma
preposição com o sentido de ‘para’, sem flexão. Há contextos em que a forma ná
é ambígua, podendo ser interpretada ora como verbo ora como preposição, como
mostram Heine et alii (1991). De acordo com os autores, o verbo é a forma
original, que derivou a preposição, e o uso ambíguo é uma forma intermediária.
Trabalhos anteriores mostraram que existia aí um caso de homonímia. A
pesquisa de Heine et alii constatou que os usos de ná formam um contínuo, que
vai desde os usos verbais prototípicos até os usos preposicionais prototípicos. O
uso ambíguo é um ponto no contínuo.
Há muitos trabalhos anteriores em que a explicação das mudanças
sintáticas é dada a partir da idéia de gramaticalização.10 Por exemplo, os
chineses, no século X, notaram o processo quando disseram que os símbolos
“vazios” foram inicialmente símbolos “cheios.” No século XVIII, Condilac e
Rousseau postularam que a complexidade gramatical e o vocabulário abstrato são
historicamente derivados de lexemas concretos. Condillac notou, ainda, que as
flexões verbais (como os morfemas de tempo) derivam-se de verbos
independentes. Horne Tooke (1847), considerado por alguns o pai dos estudos
da gramaticalização, afirmou que o segredo das palavras está na etimologia,
sendo uma noção chave para o seu trabalho a abreviação: substantivos e verbos
10
A descrição histórica dada aqui é baseada principalmente no que é apresentado na Introdução da obra
de Heine et alii (1991).
45
são chamados palavras necessárias e são considerados como partes essenciais do
discurso, enquanto outras classes, tais como a dos advérbios, preposições e
conjunções, resultam da abreviação ou “mutilação” de palavras necessárias.
Formas flexionais e derivadas são tratadas por ele como fragmentos de palavras
independentes anteriormente aglutinadas à raiz da palavra (cf. Heine et alii,
1991:5). Humboldt, em 1822, num trabalho publicado em 1925, defendeu a tese
de Tooke de que as classes de palavras como preposição e conjunção têm origem
em palavras “reais” que denotavam objetos. Gabelents (1891) descreveu esse
modelo com um enorme sintagma: “what- today- are-affixes- were- onceindepentent- gramatical categories paradigm”.
Meillet, com a obra “L’evolution des formes grammaticales” (1912), é
considerado o fundador dos estudos modernos sobre gramaticalização.
Ele
introduziu o termo e argumentou a favor da idéia de que existem dois caminhos
para o surgimento de novas formas: via inovação analógica ou via
gramaticalização. A primeira não interfere no sistema geral das línguas, enquanto
a segunda leva à transformação do sistema inteiro por introduzir novas categorias
para as quais não havia anteriormente expressões lingüísticas (cf. Heine et alii,
1993:9). Meillet considerava a existência de um contínuo do concreto ao
abstrato.
Até 1970, a gramaticalização foi vista como parte da lingüística
diacrônica, como meio de analisar a evolução lingüística, de reconstrução da
história de uma dada língua ou grupo de línguas, ou de relacionar estruturas
lingüísticas atuais com estruturas mais antigas. Após aquela data, a atenção se
voltou para o parâmetro explanatório da gramaticalização em relação à melhor
compreensão da gramática sincrônica, porque as abordagens estruturalistas e
gerativistas não deram conta da relação entre domínios cognitivos (como espaço,
tempo e modo) e estruturas lingüísticas.
A partir dos trabalhos de Givón (da década de 70 aos nossos dias), surge
uma nova perspectiva de análise, sob a hipótese geral de que “a morfologia de
hoje é a sintaxe de ontem”. No momento, essa hipótese está ampliada: “A
46
sintaxe de hoje é o discurso pragmático de ontem”. Dessa forma, o contínuo de
gramaticalização é: discurso>sintaxe>morfologia>morfofêmica>zero>discurso.
Heine e Reh (1984) observam que a gramaticalização afeta todos os níveis
da estrutura lingüística, havendo processos funcionais (como a dessemantização),
morfossintáticos (como a cliticização) e processos fonéticos (como a fusão, a
erosão).
Para Heine et alii (1991), a base da gramaticalização está fora da estrutura
lingüística, porque os fatores responsáveis por ela são de natureza cognitiva e o
princípio que explica o uso de conceitos concretos para expressar conceitos
gramaticais é: “Princípio da exploração de meios antigos para lidar com novas
funções”. Dessa forma, a mudança semântica pode ser interpretada como a
resolução de um problema imediato de comunicação. O mecanismo é ativado
quando se quer chegar a um determinado objetivo e a codificação não está
disponível.
Os conceitos que darão origem a conceitos mais abstratos são
denominados conceitos originais (“source concepts”) e são compostos por
objetos concretos, processos e localizações. É uma noção relativa, uma vez que
um conceito é original em relação a um mais abstrato, que, por sua vez, pode ser
original em relação a outros ainda mais abstratos. Como exemplo, Heine et alii
apresentam a palavra back (‘costas’), que é original em relação a “three miles
back “(‘três milhas atrás’) e esse conceito de espaço é original em relação ao uso
temporal: “three years back” (‘três anos atrás’). As partes do corpo são fontes
para as metáforas, ainda no nível lexical, e para derivação de conceitos
gramaticais como os expressos por advérbios.
O modelo da gramaticalização vem sendo utilizado, portanto, como forma
de explicar diversos tipos de mudanças. Até metade da década de 1990, havia
uma
grande
expectativa
em
relação
à
existência
do
princípio
da
unidirecionalidade da mudança, envolvendo diferentes domínios: do concreto
para o abstrato, do léxico para a gramática, da gramática para aspectos mais
gramaticais e do menos integrado para o mais integrado. No final da década de
47
1990, no entanto, a questão da unidirecionalidade da mudança vem à tona para se
discutir se ela é ou não fundamental nos processos de gramaticalização; ou se
existem casos de mudança em direção oposta ao que é normalmente estabelecido
pelos lingüistas; ou ainda se a hipótese deve ser enfraquecida.
Votre (1999), após estudar quatro verbos cognitivos em três sincronias –
latim, português arcaico e português contemporâneo – conclui que a hipótese da
unidirecionalidade deve ser enfraquecida. O autor observa que os verbos
cognitivos achar, ver, pensar e saber já apresentavam em latim sentidos
concretos e abstratos. Além disso, as estruturas sintáticas não tendem à
integração, pelo contrário, a sintaxe do verbo achar é um exemplo de diminuição
da integração, uma vez que, no português arcaico,
o verbo podia ter
complemento com o chamado infinitivo com acusativo e esse uso praticamente
desapareceu.
Apesar de a hipótese estar sendo enfraquecida, há muitos processos de
mudança em que é notória a atuação do princípio da unidirecionalidade.
3.2.2- Reanálise
A reanálise é um mecanismo que atua no eixo sintagmático,
caracterizando-se por uma reorganização da estrutura do enunciado, e uma
reinterpretação dos elementos que o compõem. Foi o que ocorreu na formação do
futuro do presente do português, em que dois vocábulos formais foram
interpretados como um único elemento: “amar hei”> “amarei”. O mesmo ocorreu
com os advérbios em mente: a contigüidade do elemento mente junto a adjetivos
levou a uma restruturação sintática (reanálise), em que mente funciona como um
sufixo: “mente tranqüila”/ “tranqüila mente”> “tranqüilamente”. Neste caso, dizse a mudança deu-se através de um processo metonímico, que, nos estudos sobre
gramaticalização, explica a mudança ocorrida numa determinada forma em
função do contexto lingüístico (no caso, contigüidade posicional) em que está
sendo utilizada.
48
Como exemplo, retoma-se aqui o verbo ir: a passagem do verbo a auxiliar
é decorrente do
fenômeno da reanálise, ao mesmo tempo em que ocorre
transferência metafórica:
(2) [João] [vai] [à escola].
(3) [João] [vai] [falar] [com o professor]. / [João] [vai falar] [com o professor].
(4) [João] [vai começar] [o trabalho] [amanhã].
No exemplo (2), o verbo ir expressa um movimento em direção a um
objetivo espacial: a escola. No exemplo (3), o verbo é ambíguo, pois expressa (a)
movimento e o objetivo é falar com o professor (“vai para falar com o
professor”); ou (b) tempo futuro, sem movimento físico. Nesse caso, diz-se que o
uso descrito em (a) gerou o uso descrito em (b). Provavelmente o processo de
integração das duas cláusulas (a cláusula com o verbo ir e a cláusula final)
iniciou-se no momento em que a preposição para foi omitida (“João saiu (para)
trabalhar”). No exemplo (4), o item ir junta-se ao verbo começar, deixando de
expressar movimento físico para atribuir à locução a noção de futuro. Na segunda
interpretação de “vai falar” e em “vai começar”, ocorre o fenômeno de reanálise
e o verbo ir deixa de ser principal, passando a se comportar como um auxiliar.
Como se vê, há também uma transferência metafórica do domínio do espaço para
o do tempo.
O verbo ir não será objeto deste estudo, mas foi utilizado na
exemplificação, porque
a sua trajetória de gramaticalização é facilmente
percebida.
3.2.3-Princípios que configuram a gramaticalização
Hopper
(1991)
apresenta
cinco
princípios
que
configuram
a
gramaticalização e outros processos de mudança. Segue um resumo dos
princípios com exemplos de fenômenos do português:
1- Estratificação (“Layering”): segundo esse princípio, há coexistência de formas
com função similar, em outras palavras, há numa língua estratégias diferentes
49
para desempenhar a mesma função. Um exemplo do português é o caso da
negação, conforme demonstram as pesquisas de Furtado (1996) no estudo do
corpus de Natal. Essa função pode ser exercida por três formas com o advérbio
não: a forma canônica com o advérbio não antes do verbo (“Com a luz acesa a
gente não conseguia dormir”); a forma com dupla negativa, antes e depois do
verbo (“Eu não tirei foto não”) e a mais recente com o advérbio apenas posposto
ao verbo (“Se pegar [catapora] ... tem nada não”).
2- Divergência (“Divergence”): na gramaticalização, uma forma original
permanece como elemento autônomo, sofrendo as mudanças comuns a outros
itens lexicais da língua, independente de suas formas derivadas. Um exemplo é a
história do verbo ter, que deu origem ao auxiliar de tempo (“Tinha feito”), mas
que também permaneceu como verbo pleno com o sentido básico de posse. A
divergência aplica-se aos casos em que um item lexical se torna gramaticalizado
em um dado contexto, mas não em outro. (cf. Hopper, 1991: 24).
3- Especialização (“Specialization”): ocorre uma diminuição das possibilidades
de escolha, podendo somente uma forma tornar-se obrigatória (no final do
processo). Um exemplo é o caso do verbo achar com infinitivo e sujeito no
acusativo, uso relativamente freqüente no português arcaico e quase desaparecido
no português atual (cf. seção 5.1.2.1)
4- Persistência (“Persistence”): na gramaticalização, uma forma derivada mantém
vestígios do significado original. Por exemplo, o advérbio de lugar aí do
português, passa a designar tempo quando tem a função de seqüencializar
eventos. O traço que se mantém é o relacionado à idéia de localização, que deixa
de ser espacial e passa a ser uma localização no tempo (“neste momento”), como
no trecho “aí eu peguei um... uma linha de ônibus que é muito assaltada... aí eu
fui, né?... aí eu sentei no ônibus... aí sentou um camarada do meu lado...(RJ).
5- Descategorização (“De-categorialization”): conforme também está em Heine
(1993), uma forma perde seu status categorial, pois determinadas características
de sua classe vão sendo alteradas. A gramaticalização do verbo deixar é um
exemplo. Enquanto pleno, com complemento oracional, exige um sujeito
50
animado (“Minha avó não deixava que ela fosse para os bailes” / “não queria
deixar a gente namorar” - RJ), pois seu sentido básico é o de ‘permitir’. Na
expressão “deixar de mais infinitivo”, com o verbo num estágio avançado de
gramaticalização via auxiliar, essa restrição se perde e o item aceita sujeito
inanimado (“A exploração política das favelas deixou de oferecer vantagens”CEM-JB). A restrição de seleção do sujeito fica dependente apenas do verbo
principal .
Os princípios propostos por Hopper podem ser utilizados para explicar a
coexistência de diversos estágios de gramaticalização para um mesmo item
verbal. Apenas não se tratará “camadas” como a presença de duas ou mais
formas com a mesma função, uma vez que se acredita que sempre há alguma
diferença de uso (função) dos vários estágios de gramaticalização de um item
verbal. Pode-se dizer que as formas desempenham funções diferentes. Mas o
termo continuará a ser usado aqui.
3.2.4- O papel da freqüência de uso nos processos de gramaticalização
Bybee (1984 e 1999) postula que a freqüência de uso de uma dada
construção tem um papel fundamental no processo de gramaticalização.
Para Haiman (1991),
“(..) a gramaticalização pode ser pensada como uma forma de
rotinização da língua. Uma forma ou combinação de formas ocorre no
discurso com freqüência crescente e, começando como uma forma não
usual de fazer ou reforçar um ponto do discurso passa a ser um meio
usual e não marcado de desempenhar esse papel. A freqüência com
que tais expressões ocorrem será um fator que determina se a forma
passa ou não a ser considerada gramatical pela comunidade de fala.”
(p. 201. In: Hopper & Traugott, 1993) 11
11
(...) grammaticalization can be thought of as a form of routinization of language.. A form or a
combination of forms occurs in discourse with increasing frequency, and from being an “unusual” way of
making or reinforcing a discourse point comes to be the “usual” and unremarkable way to do so. The
frequency with which such expressions occur will be one factor that determines whether or not they come
to be regarded by the speech community as “grammatical”.
51
Furtado, Rios de Oliveira e Votre (1999) enfatizam a importância do
parâmetro ‘freqüência’ nos estudos de gramaticalização:
(...)do conjunto de fenômenos correlacionados que motiva a
gramaticalização, e portanto, a regularização e fixação, a freqüência é
considerada como um dos mais relevantes. Quanto mais freqüente a
forma, mais gramaticalizada ela é. A freqüência textual de um item é,
portanto, evidência empírica do seu grau de gramaticalização. (p. 91)
A freqüência de uso leva a uma automatização das formas, que podem
reduzir-se foneticamente e também costumam emancipar-se no sentido de
preencher novas funções em novos contextos.
Bybee (1999), estudando a
história do verbo can, afirma que a freqüência de uso leva ao hábito, que, por sua
vez, enfraquece a força semântica de uma construção, porque o organismo pára
de responder da mesma forma a um estímulo repetido.
Neste sentido, algumas construções dos itens verbais analisados nesta tese
tornam-se mais gramaticalizadas do que outras. Tal fato deve-se, dentre outras
razões, a um aumento de uso de determinados graus em detrimento de outros.
O aumento na freqüência de uso de um item lexical também costuma levar
a uma generalização ou opacidade de seu conteúdo semântico. Isso ocorre porque
o estímulo perde seu impacto se ele ocorre muito freqüentemente. Nas palavras
de Furtado, Rios de Oliveira e Votre (1999), “quando uma construção deixa de
ser uma estratégia comum, previsível, a freqüência com que ela ocorre indica que
ela passou a ser considerada pela comunidade lingüística como gramatical.” (p.
91). A repetição, para os estudiosos da gramaticalização, é um universal no
processo de gramaticalização.
Outros trabalhos também enfatizam que a freqüência de uso é fundamental
para garantir a gramaticalização de formas. Krug (1999), por exemplo, estudando
modais em emergência no inglês, comparou a freqüência de uso de verbos
encontrados em textos escritos no período de 1650 a 1950 com o objetivo de ver
se, numa média de 10.000 palavras, havia ou não aumento na freqüência de uso
em épocas distintas da fala e da escrita do inglês. A construção “want to”, por
exemplo, teve um aumento de uso de 10% entre 1750 e 1900.
52
Um item muito usado torna-se previsível, automático e geralmente tem
sua forma fonológica reduzida (alteração denominada “efeito de redução” ou
“erosão”). Além disso, devido à generalidade do uso do item, esse tende a
conservar-se por mais tempo na história da língua (“efeito da conservação”).
Krug (1999), citando
Hopper & Traugott (1993), também chama a
atenção para a necessidade de estudos estatísticos para melhor descrever os
estágios de gramaticalização, principalmente os iniciais. O autor trabalha com o
modelo dos protótipos, desenvolvido pela psicóloga Eleanor Rosch e trabalhada
por diversos lingüistas. O modelo difere-se do modelo tradicional por definir as
categorias através de um agrupamento de fatores. Será prototípica a categoria que
possuir o agrupamento de fatores completo. As categorias semelhantes estarão
mais distantes da prototípica à medida que apresentar um número menor de
fatores.
3.3- Gramaticalização entre cláusulas
Hopper & Traugott (1993), no capítulo intitulado “Grammaticalization
across clauses”, seguindo a orientação de Givón (1990, 1995) ampliam o
conceito de gramaticalização, incluindo nele os processos de combinação de
cláusulas. Mostram que “a combinação de cláusulas pode ser considerada do
ponto de vista de um contínuo unidirecional: da justaposição relativamente livre
à integração sintática e morfológica dentro dos limites da estrutura da
gramaticalização amplamente interpretada.” (p.168)12
Todas as línguas têm modelos diferentes para conectar cláusulas e formar
períodos complexos. Estes podem conter cláusulas completivas (cláusulas
substantivas), cláusulas modificadoras de SNs (cláusulas adjetivas ou relativas)
e cláusulas com funções adverbiais (cláusulas temporais, causais, etc.). Nos
12
“(...) clause combining can be considered from the point of view of a unidirectional cline from
relatively free juxtaposition to syntactic and morphological bondedness within the framework of
grammaticalization broadly construed.”(p. 168).
53
períodos complexos, há um núcleo e há clausulas marginais (as subordinadas),
que exibem diferentes graus de dependência.
Existe um contínuo de integração de cláusulas, que é pensado a partir de
três processos:
(a) Parataxe ou independência relativa.
(b) Hipotaxe ou interdependência, em que há uma cláusula nuclear e uma ou
mais cláusulas marginais dependentes, mas não encaixadas.
(c) Subordinação ou encaixe, em que toda a cláusula marginal é constituinte da
cláusula nuclear.
A trajetória de mudança é a seguinte (cf. p. 170):
Parataxe > hipotaxe >
subordinação
-dependente
+ dependente. + dependente
- encaixada
-encaixada.
+ encaixada
Hopper & Traugott partem da hipótese de que, na hipotaxe, as claúsulas
construídas com um modelo sintático mais explícito e independente (como, por
exemplo, as construídas com o conectivo que) estão correlacionadas com o
mínimo de integração semântico-pragmática. Por outro lado, aquelas cláusulas
construídas com modelos menos explícitos estão correlacionadas com o máximo
de integração semântico-pragmática. (Cf. p. 171)
Os autores propõem o seguinte esquema para representar o contínuo de
combinação de cláusulas do ponto de vista da gramaticalização:
parataxe ___________________________ hipotaxe ____________________________subordinação
(independência)
(interdependência)
(dependência)
núcleo __________________________________________________________________ margem
integração mínima ___________________________________________________integração máxima
conexão explícita máxima ________________________________________conexão explícita mínima
Há contra-exemplos para hipótese da unidirecionalidade (no caso, no
sentido da parataxe para hipotaxe). Dentre outros, pode-se citar o emprego da
conjunção although ‘embora’ como se fosse however ‘entretanto’ no inglês de
54
estudantes universitários americanos e o uso do sufixo japonês –ga (com o
sentido de “o contrário do que você está pensando’) como conjunção adversativa,
conectando duas cláusulas.
Para explicar o desenvolvimento de cláusulas complexas, os autores
buscam a trajetória de uso do conectivo that em inglês. Esse conectivo origina-se
de um uso do pronome demonstrativo (þæt) numa estrutura primeiramente
paratática, depois hipotática e, por fim, encaixada.
E o processo de gramaticalização pode continuar: duas cláusulas
encaixadas podem-se integrar a ponto de se tornarem apenas uma cláusula. É o
que ocorre com os chamados parentéticos epistêmicos. Os autores comentam a
pesquisa de Thompson e Mulac a respeito dos usos de think e guess no inglês. O
verbo pleno think pode ser usado como introdutor de uma proposição a respeito
de uma certa crença mantida pelo falante ou uma questão referente ao estado de
crença do ouvinte, como no exemplo “Do you think that the coup was planned by
the CIA?”. Também pode usado para qualificar uma asserção:
“a- I think Commander Dalgleish writes poetry.
b- Commander Dalgleish writes poetry, I think.”
Usando think parentético, “o falante não está assumindo uma posição
epistemológica, mas sim indicando o grau de validação da afirmação, sugerindo
que não há evidência direta para a mesma.” (p. 202).13 Neste caso, não há o
conectivo that e o parentético recebe acentuação mais fraca do que o verbo
principal. A expressão I think assemelha-se a um advérbio, não havendo
normalmente restrição quanto à posição na frase.
Neste caso, duas cláusulas são reanalisadas e passam a ter apenas um
núcleo. A cláusula marginal passa a ser a nuclear e a cláusula principal “rebaixase” a um advérbio oracional (como evidently e apparently). Com o tempo, outros
verbos que expressam atitudes proposicionais (verbos cognitivos, em outra
13
(...) the speaker is not taking out an epistemological position, but indicating the degree of validation of
the statement by suggesting that he or she has no direct evidence for it.
55
nomenclatura) podem ser usados da mesma forma, tomando think e guess como
modelos.14
Lehmann (1988), ao estudar a tipologia da conexão de cláusulas nas
línguas, verificou que há vários processos envolvidos na gramaticatilização entre
cláusulas. Dos processos que ainda não foram abordados neste capítulo, vale
ressaltar os seguintes: a) a dessentencialização da cláusula subordinada: quando,
em virtude da gramaticalização, a cláusula subordinada perde (em diferentes
graus) marcas como as de tempo, modo e aspecto e se torna o verbo principal; b)
a gramaticalização do verbo principal: o verbo que antes era o principal torna-se
um morfema do verbo semanticamente subordinado e c) o entrelaçamento:
elementos, como o actante, o tempo, o aspecto, dentre outros, podem ser comuns
à cláusula principal e à subordinada.
Na dessentencialização, a cláusula subordinada perde também a força
ilocucionária. O resultado final de uma dessentencialização pode ser uma
nominalização (“Eu ouvi o seu canto”).
Vários autores fizeram estudos da gramaticalização entre cláusulas tendo
como base a idéia de graduação. Dentre as várias propostas, são destacadas aqui
as de Givón (1990, sobretudo) e Heine (1993).
3.4- Graus de integração: a proposta de Givón
Como foi dito, o trabalho de Givón (1990) é um dos mais importantes para
a tese, porque traz um estudo funcional da complementação verbal, partindo da
hipótese de que existe um isomorfismo sistemático entre os sentidos dos verbos e
a codificação morfossintática. Há a verificação de que quanto mais forte é a
conexão semântica de dois eventos, mais íntima é a conexão sintática de duas
proposições em uma única cláusula.
O autor discute a variabilidade tipológica das construções com
complemento. Alguns dos meios de codificação são baseados nos subprincípios
14
Mais detalhes sobre a pesquisa de Thompson & Mulac encontram-se no capítulo 5 desta tese.
56
universais da iconicidade, outros são mais gramaticalizados e específicos de uma
língua. E é o verbo que determina o esquema semântico das construções com
complemento oracional.
O autor classifica os verbos transitivos em:
(i) verbos cognitivos: know, think, say, etc.
(ii) verbos manipulativos: make, tell, order, ask, etc.
(iii) verbos de modalidade: want, begin, finish, try, etc.
Há um contínuo na dimensão escalar no que se refere à conexão entre o
verbo e a cláusula subordinada. Para Givón, as cláusulas são unidades sintáticas
que codificam proposições mentais, que, por sua vez, codificam eventos ou
estados concebidos. Os eventos ou estados podem ter certa relação com os
eventos do mundo real.
De acordo com essa dimensão escalar, os verbos cognitivos apresentam
conexão mais fraca enquanto os manipulativos e os de modalidade apresentam
conexão mais forte.
A seguir são apresentadas as características das construções com cada tipo
de verbo, segundo Givón.
I- Características das construções com verbos cognitivos:
a- a cláusula principal contém um verbo de percepção, cognição, atitude mental
ou articulação verbal;
b- a cláusula complemento codifica uma proposição que, por sua vez, representa
um estado ou evento que é objeto da atividade mental ou verbal codificado pelo
verbo principal.
c- não há restrições correferenciais entre argumento da subordinada e da
principal.
(5) Eu falei “gente ... não precisa me pagar”(MON5, N,R)15
(6) Eu sei que o meu salário vai ser ruim (SUZ21,O,R)
15
Exemplos do corpus Discurso & Gramática.
57
II- Características das construções com verbos manipulativos:
a- a cláusula principal codifica uma manipulação realizada por um agente sobre
um outro agente potencial;
b- o agente manipulador é codificado como sujeito da cláusula principal; o
manipulado como objeto;
c- o complemento codifica o evento desempenhado - ou a ser desempenhado pelo manipulado;
d- o manipulado é sujeito-agente da cláusula complemento.
(7) ah... eh:: sobre os meus pais... eles são... super::/ ah... eles não deixam eu
sair... sabe? eu acho que::... é um bando de careta... não sei quê “que você não
pode namorar::... porque você é muito no::va...” (PAT30,0,R)
(8) aí foi... ele correu... conforme ele correu a polícia mandou ele parar... ele não
estava ouvindo... aí... atirou nele... aí ele morreu... (AFONS, N,N)
III- Características das construções com verbos de modalidade:
a- o verbo principal codifica incepção, terminação, persistência, sucesso, esforço,
intenção, obrigação ou habilidade - comparado com o estado/evento do
complemento;
b- o sujeito da cláusula principal é obrigatoriamente o mesmo do sujeito da
oração complemento.
(9) Eu não posso pagar (AND1,O,R)
(10) Bom, eu sei lavar carro (MARC, P, N, Esc)
A escala de verbos do inglês proposta por Givón é dada a seguir de forma
simplificada. A escala contém verbos manipulativos e cognitivos (Cf. p. 529):
58
VERBOS MAIS INTEGRADOS À SUBORDINADA
M
“let go” - “She let go of the knife”
A
make - “ She made him save”
N
let - “She let him go home”.
I
have - “She had him arrested.”
P
cause - She caused him to switch jobs.”
U
tell - She told him to leave.”
L
ask - She asked him to leave.”
A
allow - She allowed him to leave.”
Ç
want - She wanted him to leave.”
Ã
O
suggest - “She suggested that he should leave.”
C
wish - She wished that he would leave.”
O
agree - She agreed that he could leave.”
G
know – She knew taht he left.”
N
say- “She said taht he might leave later.”
I
Ç
Ã
VERBOS MENOS INTEGRADOS À SUBORDINADA
O
O autor demonstra com essa escala que os eventos mais integrados
semanticamente são codificados por uma morfossintaxe mais integrada. Ele
estabelece diferenças entre verbos de um mesmo grupo e diferenças entre verbos
de grupos distintos. Dessa forma, os verbos manipulativos make e cause estão em
pontos diferentes da escala com pequenas diferenças semânticas que se refletem
na sintaxe: make tem complemento sem a marca de infinitivo to enquanto cause
já exige tal marca:
(11) She made him shave.
(12) She caused him to switch jobs.
A iconicidade é testada através de várias categorias, algumas das quais
serão utilizadas nesta tese.
59
Verbos de grupos diferentes como make (manipulativo) e say (cognitivo)
têm sintaxes de subordinação muito distintas. A do segundo verbo tem o mínimo
de integração: o complemento de say pode ou não ter conectivo, o verbo tem uma
forma finita, dentre outros fatores.
Givón compara, em primeiro lugar, os verbos manipulativos entre si,
depois os manipulativos com os cognitivos e por fim explica os usos dos verbos
de modalidade. A disposição do resumo feito aqui é a mesma.
3.4.1- Categorias semântico-pragmáticas
O autor testa algumas categorias para verificar a relação entre categoria
semântica e pragmática, de um lado, e codificação lingüística, de outro lado.
Algumas dessas categorias são destacadas a seguir:
1-Implicatividade, co-temporalidade e controle
A base semântica da escala de complementação é rica, pois envolve
fatores escalares:
a- a força de intento e controle pelo agente manipulante;
b- o grau de contato direto entre o agente e o manipulado;
c- o grau de resistência pelo manipulado; ou a força da coerção que o
manipulador deve usar.
Na manipulação com sucesso, o agente que manipula impõe seu desejo
sobre o manipulado. O manipulado mostra menos controle, menos liberdade de
escolha, menos independência para agir; é mais paciente, menos agentivo. Ao
contrário, o manipulado de um verbo não-implicativo apresenta poder de escolha
e se assemelha a um agente prototípico (cf. p.521).
(13) João acha que Maria não virá. (Achar é ‘não-implicativo’, Maria não é
manipulada, João não tem controle de sua ação; os dois eventos não são cotemporais).
(14) João fez Maria sair. (Fazer é verbo implicativo; Maria é manipulada, não
tem controle total de sua ação; as duas cláusulas codificam um só evento).16
16
Quando inglês e português apresentam o mesmo contraste entre os verbos analisados, optou-se por
apresentar os exemplos em português.
60
A co-temporalidade e o controle explicam os usos de make e cause, do
inglês:
(15) a- John made Mary quit her job.
b- John caused Mary to quit her job.
Teste: a- John made Mary quit her job finally yesterday.
b- John’s behavior two years ago caused Mary to finally quit her job
yesterday.
Enquanto o verbo make requer co-temporalidade, o mesmo não ocorre
com o verbo cause. Além disso, o uso com make é mais integrado, porque Mary
tem menos controle na realização do evento subordinado.
Um outro exemplo é o que ocorre com o verbo let. O uso co-lexicalizado
“let-go” é diferente do uso “let somebody go”, pois, nesse último, o referentesujeito da subordinada tem ainda certa liberdade:
(16) She let go of him.
(17) She let him go where he wanted.
Esses usos seguem os seguintes princípios (cf. p. 520-523):
a- Se a cláusula principal é verdadeira, então o complemento também deve ser
verdadeiro;
b- Quanto mais dois eventos forem co-temporais, mais alta é a probabilidade de
eles não serem independentes entre si;
c- Quanto mais sucesso tiver uma manipulação, menos controle terá o
manipulado e menos agentivo será.
d- Se um manipulado está agindo sob sua própria motivação e retém controle, ele
pode agir em seu próprio tempo.
2- Contato direto e separação espaço-temporal
Comparando-se os verbos want e wish, é possível perceber que, na
construção com o verbo want, a probabilidade de uma comunicação direta entre
os dois referentes é maior do que a probabilidade com o verbo wish:
(18) We had an argument,
61
a- I wanted her to quit smoking, but she said she wouldn’t.
b- ? I wished that she would quit smoking, but she said she wouldn’t.
(19) He left a week earlier. Now, sitting there all alone,
a- she wished that he had come back.
b- she wished that he would come back.
c- ? she wanted him to come back.
No uso de want, há necessidade de contato direto. No exemplo (18), o
referente codificado como “I” disse para a outra pessoa que queria que ela
parasse de fumar. Já no contato distante ou na falta de comunicação, ‘wish’ é
preferível. No exemplo (19), os referentes “she” e “he” estão distantes. Em (18b)
e (19c), Givón tem dúvidas sobre a existência das construções.
3- Resistência, esforço e independência
Essas categorias são baseadas no seguinte princípio:
“Se o manipulado tem poder e deseja resistir, então
a- há chances para o controle do manipulador não estar firmemente estabelecido;
b- o manipulador deve usar mais esforço para superar a resistência; e
c- a probabilidade de sucesso da manipulação decresce.” (p. 525)
(20) Ele forçou Maria a deixar o trabalho.
(21) Ele fez Maria deixar o trabalho.
O poder coercitivo expresso pelo verbo forçar é um indício de que há
resistência à manipulação. Por isso, o uso com o verbo forçar é menos integrado.
4- Integração do evento: causação e implicação.
A comparação é feita através da comparação dos usos de um mesmo item
verbal:
(22) a- Ela viu-o sair do teatro.
b- Ela viu-o saindo do teatro.
c- Ela viu que ele tinha saído do teatro.
62
Observa-se que há diferenças semântico-pragmáticas que explicam as
diferenças morfossintáticas: os exemplos 22a e 22b são implicativos e cotemporais e o exemplo 22c não é necessariamente co-temporal e implicativo;
nos exemplos 22a e 22b, o verbo ver tem sentido de percepção, enquanto no
exemplo 22 o verbo expressa certeza epistêmica.
5- Integração referencial/ coesão
O princípio aqui é: quanto mais referentes forem comuns às duas
cláusulas, mais provavelmente seus eventos estarão integrados semanticamente
como um só evento, e menos provavelmente o complemento será codificado
como cláusula independente finita. (cf. p. 527). No exemplo dado acima, “Ela
viu-o sair do teatro”, o sujeito da subordinada é objeto da principal; em “Ela viuo saindo do teatro”, o sujeito da subordinada pode ser objeto ou sujeito da
principal e no exemplo “Ela viu que ele tinha saído do teatro” não há
correferencialidade. Portanto, o último exemplo é menos integrado.
6- Da cognição para a declaração
Há muitas similaridades entre cognição e construções com discurso
indireto. No entanto, há diferenças sutis.
a- Os verbos think e know requerem um comprometimento epistêmico, já o verbo
say é livre desse comprometimento:
(23) a- *She thought he left, though she knew/thought he didn’t .
b- * She knew he left, though she knew/thought he didn’t.
c- She said he left, thought she knew/thought he didn’t.
b- O tempo do verbo da subordinada é livre para o verbo say e restrito para o
verbo know:
(24) a- I knew she was coming.
b- *I knew she is coming.
c- I knew she had come.
d- *I knew she has come.
63
(25) I said she was coming/ is coming/ had come/ has come. (Todas as frases são
gramaticais.)
Os verbos de cognição apresentam integração mais forte do que os de
declaração.
Quanto aos verbos de modalidade, Givón os coloca no mesmo grau de
integração dos verbos manipulativos e testa as mesmas categorias, comparando
os verbos cognitivos com os de modalidade. Como as categorias são as mesmas
não será feito aqui o resumo dessa comparação, mas serão mostradas diferenças
de usos de um mesmo item lexical.
O verbo de modalidade try pode ter complemento com infinitivo com to
ou complemento com gerúndio. Essa diferença é determinada por um fator
pragmático: o verbo seguido de complemento com -ing é implicativo e seguido
de to não o é, como mostram os exemplos:
(26) After everything else failed,
a- John tried recinting a poem, but the child kept crying. (Implicativo)
b- John tried to recite a poem, but no sound came out. (Não-implicativo).
No primeiro caso, John tentou e conseguiu recitar o poema. No segundo
caso, ele tentou, mas não conseguiu realizar a ação. Como forma de retratar essa
diferença pragmática, a gramática inglesa apresenta o evento realizado codificado
através de um verbo no gerúndio e o evento não-realizado através de infinitivo
com to. A primeira estrutura é pouco mais integrada que a segunda.
3.4.2- Modelos sintáticos
A diversidade tipológica da complementação verbal é descrita
principalmente através de quatro modelos sintáticos, presentes em todas as
línguas. Os modelos, iconicamente motivados, são dados a seguir:
(a) co-lexicalização do verbo do complemento junto ao verbo principal;
(b) marcação de caso no sujeito da cláusula complemento;
(c) tratamento morfológico do verbo da cláusula complemento;
64
(d) marcadores de subordinação separando a cláusula principal da subordinada.
O primeiro modelo é raro em inglês (e também no português), mas ocorre
com alguma freqüência em outras línguas. Essa é a forma mais integrada,
ocorrendo quando um dos verbos torna-se um morfema flexional.
Em Ute, os verbos implicativos correspondentes a fazer/causar são colexicalizados, enquanto um verbo não-implicativo como dizer não o é:
(27) a- mamaci ta’waci
mulher-SUBJ homem-OBJ
tuka-ti-puga
comer-CAUS-REM
‘A mulher fez o homem comer.
b- mamaci
mulher-SUBJ
ta’waci
tuka-vaa-kw
may-puga
homem-OBJ
comer-IRR-COMP
say-REM
‘A mulher disse ao homem que comesse’.
O segundo modelo refere-se às diferentes formas de codificar o referente
da cláusula subordinada. Há uma hierarquia de formas da codificação. O
princípio é dado a seguir: quanto mais as cláusulas estiverem integradas
semanticamente, menos chances há de o sujeito da subordinada receber a marca
de agente. Os exemplos (28) e (29) ilustram o princípio: o primeiro exemplo tem
cláusulas menos integradas, com a subordinada tendo sujeito com marca de
agente (pronome no caso reto); o segundo exemplo tem cláusulas mais integradas
e o sujeito da subordinada é codificado como objeto (pronome no caso oblíquo):
(28) Ele disse que ela virá.
(29) Ele o mandou sair.
A hierarquia da marcação de caso do sujeito da subordinada é:
(i) agente> dativo>paciente>outros
(ii) sujeito > objeto direto > oblíquo
Eventos menos integrados são codificados com os sujeitos sendo
independentes e marcados como agentivos.
65
O terceiro modelo agrega os casos em que a subordinada é codificada
através de uma forma não-finita, com redução da marcação de tempo, aspecto e
modo.
Esse modelo permite verificar a integração através da forma como a
cláusula subordinada é codificada, se de forma desenvolvida ou não-finita (numa
das três formas nominais do verbo). A primeira forma é mais integrada e a
segunda forma é menos integrada. No segundo modo de codificação, há redução
da marcação de tempo-modo-aspecto. A forma não-finita congrega várias
maneiras, mais ou menos integradas, de fazer a subordinação.
O quarto e último modelo refere-se ao uso de diferentes conectivos para
marcar a subordinação. Quanto menos integrados forem duas cláusulas (e dois
eventos), maior chance há de a subordinada vir introduzida por um conectivo ou
vir depois de uma pausa. Segundo Givón, a pausa é provavelmente o meio mais
icônico de indicar o grau de separação entre cláusulas que codificam eventos. Ela
representa um espaço de tempo, durante o qual o falante realiza determinadas
mudanças em termos de tempo, espaço, referentes, verdades, etc.
Muitas das categorias apresentadas neste trabalho de Givón também foram
utilizadas na presente tese para se verificarem diferenças de usos de verbos de
grupos semânticos diferentes, diferenças de usos de verbos do mesmo grupo
semântico e diferenças de usos de um mesmo item lexical (cf. capítulo 5).
Givón apresenta dois pólos de integração, tomando como ponto de partida
o sentido do verbo da cláusula principal: no pólo menos integrado estão os
verbos cognitivos e no pólo mais integrado estão os verbos manipulativos e os de
modalidade. Nesta tese, consideram-se três níveis distintos de integração, sendo
as construções com verbos cognitivos as menos integradas e as construções com
verbos de modalidade (aqui chamados modais ou aspectuais) as mais integradas.
As construções com verbos manipulativos (aqui considerados volitivos) estão
num grau intermediário de integração.
Há também diferenças de integração
dentro de um mesmo grupo semântico de verbos e nos usos de um mesmo verbo.
66
3.5- Estágios de gramaticalização de verbos: a proposta de Heine
Heine apresenta sete estágios diferentes de gramaticalização de itens
verbais, tendo como base quatro fenômenos importantes para a compreensão do
processo de gramaticalização: a dessemantização (esvaziamento de sentido
lexical), a descategorização (mudança de classe gramatical ou perda de traços de
uma dada classe gramatical), a cliticização (integração do item ao verbo
principal) e a erosão (diminuição da intensidade e/ou de fonemas).
Os estágios de gramaticalização detectados foram designados de Estágio
A, Estágio B, etc. até o Estágio o G. Tais estágios caracterizam um contínuo
chamado “Verb-to-TAM chain”17, que, na verdade, substitui as abordagens
tradicionais que tratam as categorias como discretas. No estágio A, o verbo
pertence a uma classe aberta, contendo uma lista enorme de itens. Nos estágios
sucessivos, o número de itens vai diminuindo e no estágio final, há um número
mínimo de ocorrências. As características de cada estágio e a exemplificação
serão dadas a seguir.
Estágio A: representa o estágio dos esquemas de origem (objetos concretos,
processos ou localizações) em que os itens têm significado lexical e apresentam
um complemento que é tipicamente um objeto concreto. Os exemplos a seguir
representam localização, movimento, ação e volição, respectivamente:
(30) Paulo está em casa.
(31) O ônibus veio de Niterói.
(32) Ele pegou o ônibus.
(33) Meu amigo precisa de uma entrada para o cinema.
Estágio B: aqui começa a auxiliaridade. O complemento do verbo é um evento.
(34) Ele evitou pegar aquele trem.
As características são:
17
TAM é Tempo, Aspecto e Modo.
67
a- seus complementos são verbos não-finitos;
b- a identidade de sujeitos não é um requisito obrigatório;
c- o complemento verbal apresenta-se de diferentes formas: gerúndio, particípio
ou infinitivo;
d- e o complemento também pode ser uma construção clausal finita:
(35) expliquei direitinho... aí ela deixou fazer a segunda chamada... aí eu fiz a
segunda chamada e até que eu tirei uma boa nota na prova... (ISA16, N, R)
(36) a gente deixa que as pessoas nos ... nos iluda realmente (GLI3, O, L)
Estágio C: o sujeito não está mais confinado a referentes humanos. O verbo passa
a expressar apenas noções de tempo, aspecto ou modo. O verbo-complemento
pode ter a mesma raiz do verbo gramaticalizado. Um caso existente no português
oral é o uso do verbo acabar como em: “Ele acabou de acabar o exercício”.
Exemplos em inglês, mais naturais, mais gramaticalizados do que o uso de
acabar em português, podem ser lidos a seguir:
(37) “He is to be here by noon.”
(38) “Desmond keeps keeping dogs.”
Os verbos chamados quase-auxiliares, semi-auxiliares e catenativos
(denominação de Palmer (1965) para o verbos que formam uma locução, como
em “I want to go”, mas não são auxiliares prototípicos) estão nesse estágio.
As características dos verbos em processo de gramaticalização no estágio
C são:
a- o complemento é um verbo não-finito, havendo forte conexão entre os dois
(como em “Ele começou a estudar”);
b- a identidade de sujeito é um fator obrigatório;
c- o verbo e o complemento referem-se ao mesmo tempo;
d- o verbo normalmente não apresenta conjuntamente as distinções de Tempo,
Aspecto e Modo (“TMA distinctions”), como o verbo parar em “Ele está
parando de beber”, que marca o aspecto progressivo, mais do que um tempo ou
um modo;
68
e- e o verbo e o complemento representam uma só unidade semântica.
Estágio D: nesse estágio estão os verbos que perderam a habilidade de formar
imperativos, de serem nominalizados ou de ficar na voz passiva. Seus
complementos são sempre um verbo no infinitivo ou no gerúndio. Um exemplo
poderia ser “Ele vai vir”.
Estágio E: aqui o item não é mais considerado verbo. Ele perde sua capacidade
de ser negado e de ser usado em diferentes posições na cláusula. Um item no
Estágio E é híbrido, porque perde propriedades verbais, mas ganha outras
propriedades. Aqui pode correr cliticização e erosão. Os modais do inglês como
can, may, should e would estão nesse estágio.
Estágio F: nesse estágio o verbo perde as características verbais remanescentes.
É um elemento da gramática. Seu complemento passa a ser interpretado como
verbo principal. O item verbal deixa de ser um clítico e passa a ser afixo, um
morfema preso. No entanto, os resíduos morfossintáticos permitem indicar a
estrutura original. Um exemplo pode ser encontrado na língua Swahili. Nela há
um prefixo, ta, que é um marcador de futuro derivado do verbo taka ‘querer’:
(39) a- taka kazi.
3.SG.- querer trabalho.
“Ele quer trabalho”
b) a- ta-ku-ja.
3.SG-FUT-INF-vir
“Ele virá”.
Estágio G: é o estágio final da gramaticalização: o afixo torna-se uma flexão, não
apresentando tom ou intensidade diferentes do outro verbo.
Segundo Heine, nos Estágios A e B, os verbos são lexemas ou verbos
plenos; no Estágio C, os verbos são chamados semi-auxiliares ou catenativos.
69
Nos Estágios D e E, os verbos estão associados à noção de verbos auxiliares; em
F os verbos são auxiliares ou afixos e em G são flexões.
Como se trabalha com a noção de estágio, não se deveria usar o termo
“verbo auxiliar” ou mesmo apenas “auxiliar”. No entanto, é difícil fazer uma
descrição sem mencionar uma terminologia. É preciso que fique claro que a
categoria chamada auxiliar envolve diversos estágios de gramaticalização.
Para Heine, o auxiliar é “um item lingüístico que codifica um conjunto de
usos ao longo do contínuo “verb- to –TAM” (verbo > flexão). (p. 70)18
Segundo Bolinger (1980:297),
“O fato histórico precisa ser visto na sua estrutura sincrônica: as
formas estão em transição (...). No momento em que a um verbo é
dado um complemento não-finito, esse verbo começa a sua trajetória
de auxiliaridade. Pode-se marcar não mais que um início ou pode-se
percorrer toda a trajetória, A diferença entre “I plan to go” e “I will
go” é uma questão de grau.”19
O auxiliar não é o elemento final do contínuo, mas uma categoria
intermediária, havendo a possibilidade de se tornar um afixo ou uma flexão.
Como sendo uma categoria intermediária, exibe características de estágios
intermediários entre o verbo pleno e a flexão. Algumas características serão
apresentadas a seguir (cf. Heine, p. 86-87):
a- O auxiliar faz parte de um grupo de entidades usadas para expressar tempo,
aspecto, modo, etc.
b- O auxiliar apresenta morfossintaxe verbal.
c- O verbo principal, historicamente complemento, é uma forma invariável,
enquanto o auxiliar carrega as marcas gramaticais de pessoa, número, negação,
etc.
18
19
An auxiliary is a linguistic item covering some range of uses along the VERB-to-TAM chain.”
The historical fact needs to be seen in its synchronic frame: the forms are in transition (...).The moment
a verb is given an infinitive complement, that verb starts down the road of auxiliariness. It may make no
more than a start or travel all the way. The difference between “I plan to go” and “I will go” is one of
degree.
70
d- O auxiliar, como resultado do processo de descategorização, ocupa um lugar
fixo na cláusula e exibe um comportamento verbal reduzido, perdendo a
capacidade de ser apassivado, de apresentar-se de forma imperativa, etc.
e- Como resultado da erosão, o auxiliar não apresenta intensidade.
Com base na proposta de Heine da existência de estágios diferentes de
gramaticalização de verbos nas línguas, propõe-se, nesta tese, a existência de
diversos estágios de gramaticalização no uso dos seis verbos escolhidos do
português e mesmo nos usos de um mesmo item verbal, como será apresentado
no capítulo 5.
Medindo-se os graus de integração de cláusulas, é possível
detectar estágios diferentes para os verbos estudados e para os usos de um
mesmo verbo. Os usos estudados representam fases iniciais do processo de
gramaticalização cujos estágios finais não necessariamente devam ocorrer.
Um trabalho anterior à emergência dos estudos modernos de
gramaticalização e que trata de escala envolvendo verbos do português é o de
Kneipp (1980). Apesar de influenciada pelos testes do modelo gerativista e pelas
suas categorias de análise, a autora faz um trabalho quantitativo pioneiro com
relação à idéia de escala para apresentar pontos diferentes para a sincronia dos
verbos. Ela estuda cerca de 50 verbos transitivos, procurando mostrar que há
diferenças entre verbo auxiliar e modal, apresenta escalas em que os verbos são
juntados em 4 grupos, um deles o grupo do verbo pleno prototípico estudado (o
verbo exibir), dois grupos de verbos modais de diferente natureza e um grupo de
verbos auxiliares. Não há no trabalho menção acerca de contínuo de mudança e a
tese trabalha com a idéia de “uso possível” para um verbo, mas as escalas
demonstram que é possível medir a distância entre verbos de natureza categorial
diferente.
71
4- DESCRIÇÃO DO CORPUS E METODOLOGIA
Este capítulo é destinado à descrição da amostra de língua portuguesa,
com a apresentação das principais características dos canais oral e escrito e dos
tipos de textos que compõem esta amostra. Há a apresentação da metodologia
utilizada e a descrição das categorias lingüísticas e extralingüísticas controladas
na pesquisa.
4.1- Corpus
O principal corpus analisado é o denominado Corpus Discurso &
Gramática, que é subdividido em cinco subcopora, a saber: corpus do Rio de
janeiro com 147.690 palavras; corpus do Rio Grande com 31.890 palavras;
corpus de Natal com 182.494 palavras; corpus de Juiz de Fora com 48.016
palavras; e corpus de Niterói com 25.575 palavras. Há um total de 435.665
palavras de língua oral e escrita produzidas por 166 informantes, que se
distribuem segundo o quadro número (1). O corpus de Niterói, no momento da
coleta de dados, ainda não estava completo , apresentando 14 informantes.
Rio de
Niterói
Natal
Rio Grande Juiz de Fora
Total
Janeiro
o
3 grau
8
3
4
2
4
21
2o grau
16
2
4
5
4
31
a
12
3
4
4
4
27
a
4 série
34
3
4
4
4
49
Série inicial
23
3
4
4
4
38
93
14
20
19
20
166
8 série
a
(Alfa + 1 . )
Total
Quadro 1 - Número de informantes por amostra.
Cada informante produziu cinco textos orais e cinco textos escritos
correspondentes quanto ao assunto. Os textos obedecem a uma tipologia pré-
72
estabelecida, que é: narrativa experiencial, narrativa recontada, descrição de
local, relato de procedimento e relato de opinião.
Dos cinco corpora que formam o grande Corpus Discurso & Gramática, o
de Natal é o que se mostra mais diferente, porque os informantes falam mais e
não obedecem muito à tipologia. Alguns começam a contar uma história e
durante algum tempo (cerca de duas ou três páginas transcritas) dão opinião
sobre algum fato. Outros fazem enormes narrativas como argumentos nos relatos
de opinião.
Como se vê no quadro (1), o corpus está dividido conforme o grau de
escolaridade dos informantes: alfabetização, quarta-série, oitava série, terceiro
ano do segundo grau e universitário. O corpus do Rio de Janeiro, diferentemente
de todos os outros, apresenta informantes adultos na Alfabetização. O corpus
de Niterói apresenta informantes crianças na 1a. série e não apresenta informantes
na Alfabetização. Aqui os textos dos alunos da Alfabetização e os da primeira
série foram computados juntos, formando o que se denominou “Série inicial”.
O corpus JB é composto por 100 editoriais extraídos do jornal durante o
segundo semestre de 1999. O uso deste corpus serviu para equilibrar o número
de linhas produzidas na modalidade oral e na escrita e amenizar um dos
problemas do Corpus Discurso e Gramática: há textos escritos muito pequenos,
com apenas 1 linha.
4.1.1- Canal oral e canal escrito
No corpus Discurso & Gramática, há 830 textos orais e o mesmo número
de textos escritos correspondentes quanto ao tema, produzidos pelos 166
informantes, uma vez que cada informante produziu 5 textos orais e 5 textos
escritos. Além disso, como foi dito, há mais 100 editoriais do corpus JB. O
objetivo aqui é verificar se há diferenças entre os canais oral e escrito com
relação ao uso de diferentes verbos transitivos e em relação aos diferentes usos
de um mesmo verbo.
73
Serão apresentadas algumas informações que ajudam a entender os
resultados referentes aos usos dos verbos aqui analisados. Adiantando os
resultados da análise, pode-se dizer que há usos de um item verbal que são
típicos de um canal como, por exemplo, os usos de “Deixa eu pensar”, “Deixa eu
ver”, que são próprios da fala.
As diferenças mais relevantes entre os canais oral e escrito, na língua
portuguesa, são decorrentes da diferença de formalidade entre os dois. As
diferenças semânticas e gramaticais são principalmente atribuídas à escala de
formalidade existente. Além disso, há os diferentes tipos de textos, uns mais
usados na língua escrita, outros mais usados na língua oral. Tudo isso leva à
concepção de escalas com pontos de aproximação e de afastamente entre os dois
canais.
Os diferentes registros do canal escrito não se apresentam no mesmo nível
dos registros do canal oral, uma vez que os registros da escrita são sempre mais
formais que os correspondentes da oralidade (Cf. Kato, 1987 e Stubbs, 1982).
Para Chafe (1982), há dois fatos responsáveis pelas diferenças
fundamentais entre fala e escrita: a velocidade de processamento e a interação
entre emissor e receptor.
O primeiro fato diz respeito à velocidade mais lenta para o processamento
da escrita, uma vez que o indivíduo tem mais tempo para pensar na estruturação
das frases e pode integrar várias idéias com mais eficiência. Segundo o autor, o
indívíduo, na fala, verbaliza uma unidade de idéia de cada vez. Por unidade de
idéia ele entende o enunciado com um contorno entonacional coerente, limitado
por pausa e possuindo uma estrutura sintática simples. Por causa dessa forma de
verbalizar as unidades de idéias, a fala é mais fragmentada e entrecortada por
períodos de pausa. A escrita, ao contrário, tende a ser mais coesa, obedecendo a
modelos estruturais mais complexos e integradores, prescritos pela gramática
normativa e costuma reunir várias unidades de idéia num mesmo período.
O segundo fato diz respeito ao envolvimento mais direto ou mais indireto
do emissor com o receptor. No canal oral, o falante e o ouvinte, na maioria das
74
vezes, interagem diretamente e dividem um conhecimento com relação ao
contexto da conversa. O falante constrói o discurso atentando também para as
reações do ouvinte, que, por sua vez, pode interromper o discurso do outro, pode
fazer perguntas, fazer gestos expressando concordância, discordância, admiração,
etc. Na escrita, o emissor deve apresentar estratégias para substituir a falta da
interação face-a-face e tornar o seu texto claro e agradável. Essas estratégias
(pontuação correta, elementos coesivos, criação da imagem do leitor, etc.) são
aprendidas à medida que o indivíduo aumenta o seu grau de escolaridade ou de
familiaridade com a escrita. Além disso, o texto escrito pode ser lido por várias
pessoas em épocas e lugares diferentes.
Os trabalhos de Tannen (1985) e Biber (1988) enfatizam a idéia da
existência de um contínuo entre fala e escrita, não havendo características
exclusivas para cada canal. A fala prototípica é face-a-face, tendo foco no
envolvimento interpessoal e a escrita prototípica apresenta o mínimo de
envolvimento interpessoal e tem seu interesse voltado para a informação. Para
Tannen, há duas hipóteses que afastam a fala e a escrita no contínuo. Uma
hipótese é relacionada ao contexto de produção: a fala é muito dependente do
contexto; enquanto a escrita, ao contrário, depende pouco do contexto. Outra
hipótese é relacionada à coesão: na fala, a coesão não é tão marcada pelo uso de
conectivos, ao contrário do que ocorre com a escrita, em que as inferências são
menores pois os conectivos estão mais explícitos. Outros recursos coesivos são
utilizados na fala, como, por exemplo, os recursos suprassegmentais.
4.1.2- Tipos de texto
Para a composição dos cinco tipos de textos presentes no corpus D & G,
os entrevistadores foram treinados para fazerem perguntas ou pedidos que
levassem o falante a produzir os tipos de texto que se queriam: a) conte uma
história interessante que tenha ocorrido com você; b) conte uma história que
alguém tenha lhe contado; c) descreva o lugar onde você mais gosta de ficar; d)
75
explique algo que você sabe fazer; e e) dê a sua opinião sobre X (escola, país,
família, etc.).
Os textos orais dos informantes de Natal são muito maiores do que os das
outras amostras. Além disso, os informantes geralmente não ficam restritos à
pergunta que estimula o tipo de texto pretendido. Os falantes misturam tipos de
textos, como, por exemplo, quando descrevem um lugar e contam algo
interessante que tenha ocorrido lá ou dão opinião sobre as pessoas que
freqüentam ou trabalham naquele lugar. De qualquer forma, considerou-se o
principal objetivo do falante, que seria o de responder a pergunta feita pelo
entrevistador, em conformidade com as propostas de Swales (1990) e Paredes da
Silva (1996a e b), que atribuem um peso grande à função/propósito para a
classificação do gênero ou tipo de texto.
Alguns autores distinguem ‘Gênero’ de ‘Tipo de texto’ (como Biber,
1988). O gênero refere-se às estruturas de organização lingüística existentes
(como entrevistas, cartas, sermões, etc.) e o tipo de texto seria a concretização
dessas estruturas em narrativas, relato de opinião, etc.
Alguns autores utilizam somente um dos termos para se referir aos dois
conceitos. Schiffrin (1994), por exemplo, adota a postura de se utilizar somente a
expressão “Tipos de texto”. Nesta tese, não se fará distinção esses dois termos.
Serão apresentadas algumas características dos tipos de textos. A base
para as informações aqui contidas é dada a partir dos trabalhos de Paredes da
Silva (1995, 1996a e 1996b), que são feitos, por sua vez, a partir da análise e
crítica das pesquisas de autores como Biber (1988) e principalmente Schiffrin
(1994).
Algumas das características atribuídas às diferenças entre os canais oral e
escrito podem ser, na verdade, diferenças decorrentes dos tipos de textos. Os
autores que trabalham com gênero ou tipos de texto (a partir daqui esses termos
serão tratados como equivalentes) afirmam que é difícil lidar com esse
parâmetro, principalmente quando se leva em conta que os falantes fazem uma
série de digressões e misturam os tipos de textos. Mesmo no canal escrito é
76
difícil determinar os traços distintivos. Nesta tese, no entanto, serão focalizados
apenas os tipos de textos presentes no corpus analisado.
Paredes da Silva (1996) apresenta duas visões a respeito da classificação
dos tipos de texto: a da etnografia da fala e a da sociolingüística.
A etnografia da fala preocupou-se com a classificação tipológica devido à
necessidade de caracterizar textos orais provindos do folclore, como o trabalho
feito por Fraz Boas e seus seguidores. No século XIX, os irmãos Grimm fizeram
um trabalho pioneiro para classificar as histórias do folclore. Muitos dos que
estudaram o folclore tinham como preocupação as organizações discursivas e os
rótulos que eram utilizados dentro de uma comunidade discursiva. A partir de
1960, a etnografia destaca-se com Hymes, que procurou relacionar o conceito de
gênero com atos de fala, eventos e situações de fala. Um sermão, por exemplo, é
tipicamente usado na igreja, durante a missa (situação/contexto), mas se for
levado para outro lugar poderá ganhar efeitos humorísticos. Segundo Paredes da
Silva (1996b:6):
Embora a definição de Hymes privilegie as atividades
comunicativas onde se dá o discurso, o aspecto formal dos gêneros
não é esquecido: para Hymes, a noção de gênero implica a
possibilidade de identificar características formais tradicionalmente
reconhecidas. Em outras palavras, o que define o gênero na
perspectiva da etnografia da comunicação é a organização
convencional de recursos e estruturas formais, em níveis que
ultrapassam o da sentença, estruturas essas que “constituem esquemas
de referência complexos para a prática comunicativa”(Briggs &
Brauman, 1992:141 in Paredes da Silva, 1996a).
A sociolingüística, a partir dos trabalhos de Schiffrin (1994), distingue de
um lado as estruturas que organizam a informação (por exemplo, linearidade
de eventos, predicados estativos, recursos expressivos, etc.) e de outro as
unidades de discurso ou tipos de textos. Cada tipo de texto pode apresentar
várias estruturas de informação, mas sempre há o predomínio de uma delas.
Baseando-se nestas idéias e conjugando fatores formais e funcionais,
Paredes da Silva propõe que se estabeleçam níveis para uma tipologia de textos.
77
Um dos níveis seriam as estruturas discursivas ou “modos de organização
de informação, que representariam as potencialidades da língua, as rotinas
retóricas ou formas convencionais que o falante tem a sua disposição na língua
quando quer organizar o discurso.” (Paredes da Silva, 1996b:9) Aqui se destacam
categorias como tempo/aspecto/modo, pessoa do discurso, unidade sintática
básica, etc.
Dos gêneros ou tipos de textos existentes na presente tese, eis algumas das
suas características predominantes de acordo com esse nível proposto por
Paredes da Silva:
a) narrativas (estrutura narrativa)- verbo no pretérito perfeito em predicados de
ação, em torno de eventos referentes à primeira pessoa (narrativa experiencial) ou
referentes à terceira pessoa (narrativa recontada) e cláusulas apresentadas em
ordem temporal.
b) descrições de local (estrutura descritiva): verbos na forma não perfectiva, num
predicado estativo em torno de entidades (normalmente de terceira pessoa
sintaticamente centradas em estruturas nominais);
c) relatos de procedimento (estrutura procedural): organização seqüencial (como
também ocorre nas narrativas); uso de sujeitos genéricos (normalmente você, no
corpus D&G); verbo no modo imperativo ou numa das formas do futuro ou no
infinitivo e predomínio de cláusulas independentes.
d) relatos de opinião (estruturas expressivas ou avaliativas e ainda as estruturas
expositivas ou argumentivas): verbos geralmente no presente, predicados com
verbos de opinião ou avaliativos ou subjetivos na primeira pessoa.
e) editoriais (estruturas expressivas ou avaliativas e ainda as estruturas
expositivas ou argumentivas): verbos geralmente no presente do indicativo,
predicados com verbos dicendi e estruturas sintáticas complexas.
Outro nível proposto por Paredes da Silva refere-se ao uso das estruturas
em situações reais de comunicação. Os traços lingüísticos (estruturas discursivas)
apontados no primeiro nível apresentam-se em unidades comunicativas que
78
ocorrem em contextos específicos. Esse segundo nível distingue muitos tipos de
textos, pois leva em consideração as diversas atividades e os diversos locais. As
estruturas lingüísticas são analisadas para se detectar a unidade comunicativa,
que é um discurso organizado estrutural e funcionalmente numa piada, numa
conferência, numa reportagem policial, num editorial, etc.
Há ainda um terceiro nível – o que considera a função (função/propósito
de acordo com Nichols, 1984) comunicativa. Verifica-se, neste nível, o propósito
da comunicação, a força ilocucionária e a variedade de eventos comuncativos. Há
aqui superposição como, por exemplo, uma história contada com o objetivo de se
dar um conselho.
Outros detalhes acerca dos diferentes gêneros e subgêneros podem ser
vistos em Biber (1988), onde são mostradas as diferenças entre, por exemplo,
conversa pessoal no telefone, conversa de negócio também no telefone, prosa
acadêmica sobre Matemática, notícias, etc.
4.2- Metodologia de coleta e de codificação
Foram coletadas todas as cláusulas com os verbos achar, ver, saber,
querer, mandar e deixar com complemento oracional. Esse complemento pode
ser uma cláusula desenvolvida ou uma cláusula reduzida. A seguir são expostos
alguns exemplos dos dados relevantes a essa pesquisa:
(1) Um amigo nosso deu um belo tapa no rabo da jumenta e ela saiu disparada e
incontrolável em direção de uma árvore e eu cada vez mais achando que ela ia
bater já que não conseguia guiá-la. (YUR24, N, R, Esc)
(2) eu não costumo ir à igreja... porque eu acho que Deus não está em muita
gente ali... (DIV2, O, L)
(3) bom... eu acho que a história da vida do meu pai é uma história interessante...
(ALC1, R, J)
(4) teve que prestar socorro do cara lá né ... aí eu sei que ele fez os curativos lá
no... no... no... cara (CAR1, R, L)
79
(5) existe circuito fechado... não sei se está funcionando, porque faz tempo que
não vejo funcionar ( CAR1, D, L)
(6) eu... eu sei fazer pizza... preparo desde a massa, né... (CAR9, P, R)
(7) se você ler a bíblia profundamente ... você vai ver que Deus não é esse Deus a
igreja protestante prega... (DIV2, O, L)
(8) quando ele viu que o carro ia cair dentro do rio ... aí ele... colocou o carro
num... (ROS3, N, L)
(9) então eu vejo que todos têm assim uma certa confiança ... na minha
responsabilidade (LEO10, D,J)
(10) Ele mandava o policial prender ele mas o policial não prendeu (LUC3, R, L)
(11) A diretora do maternal mandou chamar minha mãe urgentemente, e disse a
ela que eu tinha sérios problemas psicológicos (MAG6, R, G)
(12) a minha colega não parava de falar, então a diretora mandou que ela se
calasse (PAT30, R, R)
(13) minha mãe... quando... ela era adolescente... a minha avó não... deixava que
ela fosse pro/ para os bailes se divertir... né? e a minha mãe detestava isso... (...)
ela combinou com a minha tia... eh... de... a minha tia dizer pra... pra... minha
avó... que ela estava no quarto dormindo... (VAN, R, R)
(14) aí deixa ficar dez minutos cozinhando (JEA, P, R)
(15) A exploração política das favelas deixou de oferecer vantagens depois de
demonstrada a incapacidade de deter a ocupação desordenada e predatória dos
morros (CEM, JB)
(16) todo mundo queria que ele fizesse gol, mas ele só queria agarrar (FAB83, R,
R)
(17) Dois pivetes armados de canivete pararam os dois e queriam roubar o seu
dinheiro, mas como tinham apenas as passagens de ônibus os garotos roubaram
os tênis (DAN12, R, G, Esc)
(18) e pensar no assunto...que você quer trabalhar com a criança (CIN7, P, J)
Os dados que foram eliminados na análise são do tipo:
80
a) período com a subordinada com sujeito inexistente (o mais comum é o caso
do verbo ter ou haver com sentido de existir):
(19) aí quando ele soube que havia um antagonismo muito forte por parte da
família (DIV2, N, L)
b) períodos conclusivos com a expressão “eu acho que é isso”:
(20) I: (...) está faltando mais integração das pessoas... né? na escola também ... e
está/em geral... não sei ... está muito desvalorizado o ensino...
E: das escolas?
I: é eu acho que é isso... (FLA10, O, G)
c) período com interrupções, falsos começos com relação ao sujeito da principal
ou da subordinada:
(21) eu acho que ela não... você não gosta dessa montanha por causa da cor...
(ITA4, P, N)
d) períodos com interrupções, falsos começos, hipérbatos, em qualquer trecho,
criando confusão para a análise:
(22) eu acho que a educação... qualquer problema ... social... que possa vir... tem
que resolver primeiro o econômico (AND1, O, R)
e) períodos com ambigüidade na referência do sujeito da cláusula principal ou na
da subordinada (no corpus só houve ambigüidade com relação ao sujeito da
subordinada:
(23 ) olho na geladeira ... vejo se tem suco pronto (MARI, P, N)
No exemplo (23), há uma ambigüidade: a cláusula completiva do verbo
ver pode ter sujeito inexistente com o verbo ter com o sentido de ‘existir’; ou a
cláusula completiva pode ter sujeito oculto com o referente sendo “geladeira”.
Os dados foram analisados segundo um grupo de categorias lingüísticas e
uma categoria extralingüística (Escolaridade), de modo que se pudessem obter os
resultados através dos programas Makecell (para obtenção das freqüências) e
Crosstab (para cruzamento de diferentes categorias). As categorias controladas
são descritas neste capítulo. Os dados da língua oral são transcritos segundo a
ortografia oficial. Os dados de língua escrita são apresentados exatamente como
81
os informantes escreveram, mantendo-se os erros ortográficos ou gramaticais. Os
exemplos de língua escrita aqui apresentados são discriminados com as iniciais
“Esc”, enquanto os de língua oral não apresentam identificação.
Os verbos analisados podem ser, semanticamente, divididos em dois
grupos: um grupo de verbos cognitivos (achar, ver e saber) e um grupo de
verbos volitivos (mandar, querer e deixar).20 São codificações de duas
modalidades, conforme demonstrado em Palmer (1986) e em Costa (1995),
dentre outros.
O conceito de modalidade é de difícil definição, havendo muitas variações
entre os autores na forma de concebê-lo e subdividi-lo. Segundo Costa (1995), a
modalidade
“funciona como recurso do sistema para demarcar, em moldes
convencionais e históricos, as atitudes que, de outra forma, seriam
expressas de maneira particular e assistemática, as diferentes atitudes
passam, então, a ser traduzidas pelos conceitos de realis e irrealis:
realis – certeza, verdade factual; irrealis – hipótese, possibilidade,
dúvida, condição, virtualidade. Na construção do enunciado, o realis é
a categoria esperada, o membro não-marcado da distinção. Para
expressá-lo, não são necessárias marcas lingüísticas específicas. Já o
irrealis deve ser caracterizado como a expressão marcada da
modalidade, porque tem uma função específica na constituição do ato
discursivo. (Costa, 1995:7)
Lúcia Lobato (1971) a define como sendo
uma apreciação qualitativa enxertada sobre o enunciado mínimo, e
que traduz ou uma tomada de posição do sujeito falante (reforço da
ação enunciada, ou do seu caráter aparente, necessário ou provável),
ou a manifestação da vontade, dos sentimentos ou do julgamento do
sujeito gramatical. (p.99)
Os principais tipos de modalidades apresentadas pela Lógica são descritos
aqui de forma bastante resumida.
Um tipo é a modalidade alética, que representa a indicação do necessário e
do possível. Não é tratada nesta tese, porque os verbos aqui estudados não
funcionam como operadores desta modalidade.
20
Na seção 1.2, foram apresentadas as dificuldades de classificação semântica dos grupos de verbos e as
características de cada um dos grupos. Na seção 3.4, também há descrições sobre os grupos semânticos de
verbos.
82
Um segundo tipo é a modalidade epistêmica, que representa o nível do
raciocínio, do intelecto, da percepção e é responsável pela expressão de
julgamentos, de certezas, de dúvidas e de crenças do falante. Aí figuram os
verbos cognitivos analisados nesta tese achar, ver e saber.
O terceiro tipo é a modalidade deôntica, representativa de um nível mais
concreto relacionado a enunciados mais diretivos, avaliativos ou volitivos. Neste
caso, um referente procura atuar sobre outro. Neste grupo, estão os verbos
querer, deixar (só os usos com sujeito diferente) e mandar.
Em Kneipp (1980), há mencionadas algumas divergências entre autores
quanto à questão da divisão dos grupos de verbos que expressam modalidade.
Muitas vezes, o verbo querer não se apresenta na lista dos deônticos, mas numa
lista à parte, expressando vontade, junto com os verbos desejar, pretender, etc.
(cf. Kneipp, 1980:23). Cervoni (1989) diz que, quando o sujeito de querer é
diferente, há um vínculo com a noção de obrigação. Mas esse vínculo se apaga
em outras construções com sujeito idêntico, como em “Ela queria ser bonita”,
que expressa apenas um sonho.
A modalidade pode ser expressa de várias formas: através de verbos
plenos como o verbo achar, que pode representar a modalidade epistêmica;
através de um auxiliar como poder, que pode representar a modalidade deôntica
(num dos seus sentidos); através de um advérbio ou locução adverbial como
talvez, às vezes; através de adjetivos como possível, necessário, dentre outros.
Essas lexicalizações são chamados operadores modais ou modalizadores.
Segundo Kock (1993), os modalizadores são
os elementos lingüísticos ligados ao evento de produção do enunciado
e que funcionam como indicadores das intenções, sentimentos e
atitudes do locutor com relação ao seu discurso. Estes elementos
caracterizam os tipos de atos de fala que deseja desempenhar, revelam
o maior ou menor grau de engajamento do falante em relação ao
conteúdo proposicional veiculado, apontam as conclusões para as
quais os diversos enunciados podem servir de argumento. (p. 138)
Como foi dito na seção 3.1, o princípio mais importante para a pesquisa é
o da Iconicidade, sobretudo o seu subprincípio da Proximidade, que será aqui
83
direcionado para a integração de cláusulas: Quanto mais forte for a conexão
semântica de dois eventos, mais forte é a conexão sintática de duas
proposições em uma única oração.
Como explica Braga (1999), baseando-se em Lehmann (1988), quando se
testa o princípio da iconicidade e, mais especificamente, o subprincípio da
proximidade, deve-se atentar para duas perspectivas: a da oração principal e a da
oração encaixada:
De acordo com o primeiro ponto de vista, interessa verificar se o
verbo da oração principal está envolvido em algum processo de
gramaticalização, processo que, ao provocar uma mudança no seu
estatuto categorial, transforma-o em auxiliar, modal, aspectual, etc. e
determina, igualmente, a perda de sua autonomia. De acordo com o
segundo ponto de vista, isto é, do complemento oracional, cumpre
investigar se esse está perdendo as propriedades das orações
prototípicas, quais sejam, modo, tempo, aspecto e actantes distintos
daqueles do verbo matriz. (p.16)
Esse subprincípio é testado, nesta tese, através de 9 fatores que formam
uma categoria maior: a categoria denominada “Graus de integração de
cláusulas”. O subprincípio engloba fenômenos relacionados a processos de
gramaticalização de verbos transitivos seguidos de complemento oracional.
O Princípio da Marcação é testado sobretudo na análise da freqüência dos
graus de integração de um item lexical particular. Por exemplo, a estrutura com
um verbo seguido de uma cláusula desenvolvida, como no exemplo (5), é mais
complexa do que a estrutura com o mesmo verbo seguido de cláusula reduzida,
como no exemplo (6) (complexidade estrutural). A primeira estrutura tem sua
distribuição menor do que a primeira (“Freqüência de distribuição”) e também é
mais complexa cognitivamente, pois envolve dois eventos (“Complexidade
cognitiva”).21
Um dos principais objetivos desta tese é o estabelecimento de estágios de
gramaticalização para cada verbo estudado e para os usos de cada verbo,
observando-se as relações entre a cláusula principal e a completiva. Portanto,
21
Cf. seção 3.1 desta tese.
84
entre os dois Princípios do funcionalismo, o Princípio da Iconicidade é o mais
explorado aqui.
Esse princípio permite-nos apresentar as três hipóteses principais da tese:
(a) verbos de grupos semânticos diferentes
(verbos cognitivos X verbos
volitivos) devem estar em diferentes pontos de uma escala de integração;
(b) verbos como deixar, mandar e querer, todos do mesmo grupo (verbos
volitivos), devem estar em pontos diferentes da escala de integração.
(c) um item verbal como, por exemplo, o verbo deixar tem diferentes usos no
português oral sincrônico (ex. “Deixar que a menina saia”; “Deixar a menina
falar”; e “Deixar de ser triste”) e cada uso pode representar um estágio de
gramaticalização.
A pesquisa permite testar também a premissa principal do Princípio da
Iconicidade: cada função é codificada por uma forma.
Outras hipóteses são apresentadas na medida em que as categorias
controladas são expostas neste capítulo. Além disso, na seção 1.1, estão listados
todos os objetivos e as hipóteses desta tese.
4.2.1- Categorias lingüísticas
Como foi dito, das categorias lingüísticas controladas, 9 formam uma
categoria maior denominada “Graus de integração de cláusulas”. Atribuiu-se uma
pontuação para cada categoria e a soma de todas as pontuações das categorias
totaliza um grau de gramaticalização, que por sua vez codifica um estágio de
gramaticalização possível.
Com o controle desses 9 fatores, há três possibilidades de análise:
a) analisar o resultado de cada fator para cada verbo (verbos achar, ver, saber,
mandar, querer e deixar);
b) analisar e apresentar o grau de integração de cada dado relevante, através da
soma dos fatores;
85
c) e comparar o comportamento sintático-semântico dos dois grupos de verbos,
os cognitivos e os volitivos.
Primeiramente, dar-se-á uma descrição dos fatores22 com a exemplificação
e as expectativas quanto à contribuição de cada fator para análise da integração
de cláusulas. Na seção seguinte, será apresentada a pontuação atribuída a cada
fator.
A- Modo da cláusula subordinada (análise sintática): verifica-se se o modo do
verbo da cláusula subordinada é o indicativo (exemplo 24),
o subjuntivo
(exemplo 25) ou (c) um modo não-finito – gerúndio ou infinitivo (exemplo 26 e
27):
(24) Não sei se me lembro bem dessa história (ERI3, R, R Esc)
(25) eu não queria que ele corresse (ANG41, N, R)
(26) eles deixam as escolas caindo aos pedaços” (SUZ21, O, R)
(27) “a minha avó deixa eu fazer tudo que eu quero” (FLA48)
A cláusula no modo indicativo é mais independente do que no modo
subjuntivo. Como é sabido, no português, o subjuntivo (que é pouco freqüente na
língua) raramente ocorre numa cláusula independente. No modo não-finito, há
uma integração ainda maior entre a cláusula principal e a subordinada, a tal ponto
que ambas podem tornar-se uma só cláusula, com um auxiliar seguido de um
verbo principal (cf. seção 2.1).
Como foi dito, a gramaticalização pode se iniciar quando um verbo
transitivo começa a ser usado com um complemento não-finito. Para Givón
(1990; 1995), o uso do verbo subordinado no modo subjuntivo, por exemplo, já
é um indício de que a integração entre as cláusulas está mais forte e o processo de
gramaticalização se iniciou.
22
A maior parte das categorias apresentadas encontra-se em Votre (1992), Givón (1990; 1995) e
Rochette, (1988).
86
Os verbos cognitivos apresentam uma freqüência alta de dados com
subordinada no modo indicativo. Os três verbos volitivos são mais
gramaticalizados, apresentando quase todas as suas ocorrências com completiva
no modo não-finito. Apenas o verbo querer é que tem um número relativamente
significativo (10% de seus dados) no modo subjuntivo. Vem-se notando um uso
do verbo querer com completiva no indicativo, principalmente na fala de
crianças e de pessoas que não dominam o dialeto padrão. No entanto, no corpus
analisado houve apenas 1% dos dados com o verbo querer nesse tipo de
estrutura.
B- Tempo do verbo da subordinada em relação ao tempo do verbo da
principal: verifica-se se o tempo do evento/estado expresso na cláusula
subordinada é (a) simultâneo ou (b) não simultâneo ao evento/estado expresso na
cláusula principal23.
(28) ... sabe ... eu acho o que as pessoas lá fora ... elas têm medo de ... de repente
dizer que estão erradas ... né ... então elas preferem não crer (SOL4, O, L)
(29) eu acho que eu era o único branco lá (VLA4, O, L)
No trecho (28), a cláusula principal e a subordinada referem-se ao tempo
presente, havendo, portanto, simultaneidade. No trecho (29), o falante no
momento da enunciação expressa uma incerteza com relação ao fato expresso na
cláusula subordinada, que é passado. Os tempos das duas cláusulas são
diferentes.
Segundo a análise de Givón (1990), quando o evento expresso na
subordinada tem o tempo simultâneo, ocorre uma integração maior entre os
eventos enquanto o tempo não simultâneo codifica um efeito contrário. Em
inglês, há verbos diferentes para expressar a distância temporal, conforme pôde
ser visto na seção 3.4.
23
Utiliza-se o termo evento para se referir ao que os falantes concebem como tal, geralmente
correspondendo a um evento ocorrido no mundo real: “We will assume that clauses are the syntactic unit
that codes mental propositions and that propositions in turn code cognized events/states. The latter have a
87
Os verbos cognitivos apresentam uma incidência maior que os verbos
volitivos de apresentarem tempo não-simultâneo.
C- Presença ou ausência do sujeito na subordinada: verifica-se se o sujeito da
cláusula subordinada está (a) expresso (b) não expresso (sujeito oculto) ou é (c)
zero obrigatório.
(30) acho que ele era nadador... profissional (ERI3, R, R)
(31) deixo ele cozinhar um pouco (AND1, P, R)
(32) entro no carro ... deixo esquentar um pouquinho... dirijo devagar (AYDA, P,
N)
(33) eu queria fazer uma crítica (OLI29, O, R)
(34) a gente nunca deixa de ir no veraneio (VLA4, D, L)
Sujeitos expressos contribuem para aumentar a distância entre o verbo da
principal e o da subordinada (exemplos 30 e 31) .
Quando o sujeito da subordinada não está expresso, a ausência de massa
fônica contribui para aproximar as duas cláusulas (exemplo 32). Pode ocorrer um
aumento da freqüência de uso de dados com sujeito não expresso e, com isso,
ocorrer uma gramaticalização, como aconteceu em “Deixa rolar” e como está
acontecendo nos relatos de procedimento em que a completiva do verbo deixar
geralmente tem sujeito oculto: “deixar fritar”, “deixar secar”, como no exemplo
(32).
No caso do zero obrigatório (exemplos 33 e 34), a integração entre as duas
cláusulas está muito forte e a gramaticalização pode continuar unindo os dois
verbos. As conseqüências finais do processo (se o processo chegar até o final)
podem ser: a) o primeiro verbo torna-se um auxiliar como em “Tenho escrito
muito” ou b) o primeiro verbo torna-se um morfema flexional como ocorreu com
certain – sometimes systematic – relation to real-world events, a relation that philosophers, psychologists
to characterize over since Aristotle” (Givón, 1990:515)
88
um dos usos do verbo haver, que se tornou morfema de tempo (amar + hei >
amarei).
Dos verbos analisados, os itens saber, querer e deixar (quando o sentido é
de ‘capacidade’) têm usos com completivas com zero obrigatório como sujeito,
como nos exemplos abaixo.
(35) eu... eu sei fazer pizza... preparo desde a massa (CAR9, P, R)
(36) ele queria fazer uma armadilha pra despistar Batman (EME9, R, L)
(37) eu não conseguia deixar de namorar este rapaz (ROS3, N, L, ESC)
D- Sujeito animado ou inanimado na subordinada: verifica-se se o sujeito da
cláusula subordinada é um ser (a) animado ou (b) inanimado. Quando o sujeito é
zero obrigatório, observa-se o sujeito da cláusula principal (exemplos 40 e 41):
(38) eu sei que o cara escorregou quase caiu da cadeira (AND1, N, R)
(39) eu sei que essa caixa aí é da Redley (ROB33, N,R)
(40) O brasileiro se deixou levar pelo conceito dos outros (GLI3, O, L, Esc)
(41) aí ele tentou tirar aquelas marcas... aí não queria sair do chão...(JAN19, R, J)
Em (38), o referente-sujeito da subordinada é um ser animado e, em (39),
é inanimado. Em (40) e (41), os referentes-sujeitos são idênticos aos das
cláusulas principais, sendo o primeiro animado e o segundo inanimado.
Um ser inanimado como sujeito da cláusula subordinada aumenta a
integração entre os eventos codificados na cláusula principal e na subordinada.
Diversos trabalhos na linha funcional demonstram que uma cadeia tópica não é
quebrada com a entrada de um referente inanimado, porque a atenção continua
voltada para o referente tópico, que é animado e agente. Paredes da Silva (1988)
e Cezario (1994), por exemplo, ao trabalharem com a presença ou ausência de
sujeitos no português, demonstram que referentes potenciais (animados) quebram
a cadeia tópica e o informante tem de reapresentar um tópico como SN pleno ou
um pronome; enquanto, os referentes inanimados geralmente não são capazes de
89
quebrar a cadeia tópica (a atenção não é desviada) e o tópico pode ser
reapresentado por uma anáfora zero.
E- Controle: verifica-se se o referente-sujeito da cláusula principal (a) controla,
(b) controla parcialmente ou (c) não controla o referente-sujeito da cláusula
subordinada, como respectivamente é apresentado a seguir:
(42) “cadê minha filha? cadê minha filha?” o meu/ o... o... o meu pai... eh::...
ele... quando acha/ achou... ela... ela... não... não... eh::... eh::... não... não...
deixou a minha... minha mãe bater... e::... minha mãe tentou bater... mas não
conseguiu... (BRU80, R, R)
(43) ... minha mãe não deixa eu namorar... eu namorava escondido... se você for
lá perto da minha rua... ela vai me ver contigo... aí vai depois brigar comigo...”
(QUE32, R, R)
(44) pois eu sabia que alguns estavam envolvidos com drogas (ISA5, R, G, Esc)
Em (42), o referente-sujeito da primeira cláusula “meu pai” controla as
ações do referente-sujeito da subordinada, “minha mãe”, e não permite que ela
bata na filha. Em (43), a mãe controla parcialmente a informante, pois essa
desobedece as ordens da mãe e namora escondido. Há ainda algum controle,
porque a informante não namora às vistas da mãe. Em (44), não há controle. O
verbo achar, assim como saber (com o sentido cognitivo) e ver, têm sempre
sujeitos não-controladores, por causa da natureza semântica desses verbos.
Segundo Givón, o fator semântico-pragmático ‘Controle’ é um dos
principais elementos responsáveis pela integração de cláusulas quando a
subordinada é completiva. Como foi visto no capítulo anterior, as diferenças de
usos dos verbos make e cause são decorrentes do controle total envolvido nos
usos do primeiro verbo e no menor controle envolvido nos usos do segundo
verbo. O fator é importante para atribuir diferenças entre grupos semânticos de
verbos e entre usos de um mesmo verbo. Os verbos cognitivos não apresentam
sujeitos controladores. Os verbos volitivos podem ter sujeitos controladores e os
sujeitos manipulados podem expressar uma reação (no caso de sujeitos
90
animados) ou podem ser totalmente manipulados (principalmente os sujeitos
inanimados). Quando o sujeito era zero obrigatório e animado, considerou-se
como um caso de controle, como no exemplo (45):
(45) Quando eu tiro a pizza do forno enrolo em um plástico tendo o cuidado para
não deixar ar, isso se eu quiser guardá-la. (CAR1, P, L, Esc)
Mais informações acerca da categoria “Controle” foram apresentadas na
seção 3.4.
F- Implicação/causatividade: verifica-se se o evento/estado da cláusula
subordinada ocorre ou não em função do que é pedido/ordenado/desejado na
cláusula principal. Em outras palavras, observa-se se o conteúdo expresso na
cláusula principal (a) implica ou (b) não implica a realização do que é expresso
na subordinada. Ainda houve alguns casos em que se considerou uma implicação
parcial.
(46) - Um dia meu pai mandou eu ir comprar cigarro na São félix. Eu fui, mas na
hora devoutar foi aquilo. Eu desci muito rápido aquela rua e no final BUM caí
feio, todo mundo ficou olhando para min, Eu saí dali varado e todos riram.
(FAB45, N, R, Esc)24
(47) eu estava lá no prédio... em cima... e ele embaixo... aí/ ele passou por
debaixo do prédio... aí... foi/ ele gritou “Marcela...” e correu atrás de mim...
porque não andava pra/ aque/ esses lugares... que eu era muito novinha... estava
eu minhas colegas (
) aí foi... ele correu... conforme ele correu a polícia
mandou ele parar... ele não estava ouvindo... aí... atirou nele... aí ele morreu....
(MAR55, N,R)
(48) Ela estava com uma blusa branca e ficou toda suja de sangue... aí ela
começou a gritar pessando que o tiro tinha pego também nela foi um desespero
total... aí o motorista quiz fechar a porta não deixando ninguém sair mais ela
muito esperta arrastou dali sua cunhada e sua subrinha para fora do onibus e
foram embora. (MAR77, R, R, Esc)
No exemplo (46), o fato apresentado na cláusula subordinada é realizado
em decorrência do que é expresso na cláusula principal, a ordem dada pelo pai.
24
A ortografia dos textos do corpus não foi alterada.
91
Este dado foi codificado como ‘implicativo’. No exemplo (47), o fato expresso
na subordinada não se realiza, apesar de ser uma ordem da polícia, porque o
referente-sujeito da subordinada não ouviu a ordem. Este dado foi codificado
como “não implicativo”. No exemplo (48), o fato apresentado na subordinada
realiza-se parcialmente: o motorista impediu que muitos passageiros saíssem,
mas não conseguiu impedir que a conhecida da informante saísse com a cunhada
e a sobrinha. Dados como esses são raros e foram codificados como
“implicativos parciais.” Há alguns dados em que os informantes relatam uma
ordem que é cumprida apenas na frente do manipulador. Neste caso, também a
opção para a codificação foi de “implicativo parcial”, como no exemplo a seguir:
(49) ... minha mãe não deixa eu namorar... eu namorava escondido... se você for
lá perto da minha rua... ela vai me ver contigo... aí vai depois brigar comigo...”
(QUE32, R, R)
Este dado mostra que a filha acata a ordem da mãe na presença desta, mas
que, na sua ausência, namora. O fato expresso na subordinada se realiza
independentemente da vontade da mãe, mas a implicação seria total se a menina
realmente não namorasse; a implicação seria totalmente nula, se a menina
namorasse às vistas da mãe, desobedecendo às ordens dadas.
Muitas vezes, só se pôde verificar se o evento se realizou ou não num
contexto subseqüente distante do dado em análise.
(50) Foi aquela algazarra na escola, todos queriam saber quem tinha provocado o
incêndio, o professor como era muito meu amigo assumiu a culpa, pois ele sabia
que não tinha como pagar.
Houve uma coleta na escola para repor o material e até hoje não se sabe
quem foi a causadora deste tremendo incendio. (DIV2, N, L, Esc)
O dado (50) não é implicativo, porque o contexto subseqüente demonstra
que, apesar de todos quererem saber sobre o autor do incêndio, não puderam
obter essa informação.
Para Givón, essa categoria é importante, pois, nos usos em que o evento
da principal implica a realização do evento da subordinada, haverá uma
92
integração maior no plano perceptivo e também morfossintático. Ele exemplifica
com o verbo try (cf. seção 3.4 desta tese): quando o evento é implicativo, é
codificado com o verbo try mais um verbo no gerúndio e, quando o evento não é
implicativo, o verbo try é seguido de infinitivo com to.
Os verbos cognitivos são por natureza não-implicativos, enquanto os
verbos volitivos são, na maioria das vezes, implicativos, uma vez que o que se
deseja (ou se permite ou se ordena) é realizado no evento expresso na cláusula
subordinada.
G- Sujeito idêntico ou sujeito diferente: verifica-se se a cláusula subordinada
apresenta (a) sujeito idêntico ao sujeito da cláusula principal ou (b) sujeito
diferente da cláusula principal. Dos exemplos a seguir, (52), (54) e (56) têm
sujeitos diferentes, enquanto (51), (53) e (55) têm sujeitos idênticos.
(51) acho que eu até devia procurar me informar (MON5, O, R)
(52) eu acho que a cozinha é o lugar predileto (REG7, O, R)
(53) eu quero ... registrar o meu filho (LIS2, P, G)
(54) queriam que eu tivesse presenteado eles com coisas mais horripilantes
(ITA4, O, L)
(55) os policiais militares deixam de policiar as ruas (SOL, JB)
(56) só não pode deixar a dupla adversária perceber (DAN2, P, R)
Na literatura lingüística há diversos trabalhos (Hopper, 1979, Givon,
1983; Bentivoglio, 1980; Givón, 1990; Gorsky, 1985; Lira, 1982, dentre outros)
que utilizam a categoria “Sujeito idêntico/sujeito diferente”. Ela é importante
para se estudar a continuidade tópica, a atenção, a marcação, a figura e o fundo,
dentre outros temas. A troca de um referente-sujeito determina a quebra de uma
cadeia tópica e também pode determinar a troca de planos – figura para fundo ou
vice-versa. Uma anáfora-zero normalmente ocorre em cadeia de tópico, pois na
cláusula precedente deve estar presente o mesmo referente para não haver
problemas de ambigüidade. Nas línguas do tipo pro-drop (línguas que permitem
apagamento do sujeito), as anáforas-zero ocorrem na continuidade de plano e os
93
pronomes ou SN tendem a ocorrer quando há mudança de plano (cf. Li &
Thompson, 1979; Paredes da Silva, 1988; Cezario, 1994). Dessa forma, quando o
referente-sujeito é idêntico, as duas cláusulas em análise estão mais integradas
entre si, enquanto, quando os referentes-sujeitos são diferentes, a integração é
menor. Como é sabido, para um verbo ter um uso como auxiliar, precisa estar
numa locução com o mesmo referente-sujeito.
H- Sujeito individuado ou não-individuado: verifica-se se o sujeito da cláusula
subordinada é individuado (geralmente também é um referente velho ou
inferível) ou não-individuado (geralmente também é um referente novo,
indefinido e genérico):
(57) Um belo dia ela soube que o pai dele trabalhava na bolsa de valores (MON5,
R, R, Esc)
(58) ela age ja tevi uma linda garota o pai dela acha que ela pegou no ofanato
(JUC76, R, R, Esc)
(59) não sei se ,,, daqui a uns tempos.... os seus filhos ... entendeu? de repente
vão ter condições ... de estudar numa mesma faculdade que você (JOR4, O, R)
(60) acho que ... eh ... as pessoas hoje só ficam grávidas quando querem ...
entendeu (AND6, O, J)
Os exemplos (57) e (58) apresentam subordinadas com sujeitos
individuados, enquanto os exemplos (59) e (60) apresentam sujeitos nãoindividuados.
Quando ocorre zero obrigatório, verifica-se o sujeito da cláusula principal:
nos exemplos a seguir, o primeiro foi classificado como tendo sujeito
individuado e o segundo, sujeito não-individuado:
(61) como eu sei fazer (JOR4, P, R)
(62) mas no meio evangélico existe ... existem muitas pessoas que querem se
aproveitar ... querem se aproveitar do nome ... para conseguir alguma coisa né
(SOL8, O, L)
Novamente há aqui uma categoria utilizada na lingüística funcional para
estabelecer diferenças entre os planos figura e fundo e entre marcado e nãomarcado.
94
Na literatura, os referentes individuados geralmente ocorrem nas cadeias
tópicas em cláusulas
figura, enquanto os não-individuados prevalecem nas
cláusulas fundo.
I- Inserção de material fônico: aqui se verifica se há inserção ou não de
argumentos entre a cláusula principal e o sujeito da cláusula subordinada. A
inserção pode ser um adjunto adverbial anteposto, uma cláusula adverbial ou um
pedaço de cláusula.
(63) não passo disso porque eu acho que... a partir das dez e meia a pessoa fica
com sono (GO4, P, G)
(64) Vamos ver se depois disso tudo o Brasil melhora. (JOS11, O, J, Esc)
(65) acho que ... se eu ... tivesse na idade de votar já... eu votaria (JOS, O, R)
(66) você acha que eu sou louco? (JOA1, R, G)
(67) aí eles viram que era um monstro muito feio mesmo... (JAN19, R, J)
(68) os brasileiros não sabem votar! (VAN35, O, R, Esc)
Nos exemplos (63), (64) e (65), ocorre inserção de massa fônica (os
trechos destacados) entre a cláusula principal e a subordinada, o que cria um
distanciamento entre os dois verbos. Nos exemplos (66), (67) e (68), ocorre uma
integração maior, porque não há inserção de material fônico.
Há algumas considerações a fazer com relação a essa categoria. O que é
considerado inserção de material fônico depende da própria estrutura da
subordinação. Nos casos dos verbos seguidos de uma cláusula desenvolvida,
considera-se material fônico uma cláusula adverbial ou um pedaço de cláusula ou
um adjunto adverbial anteposto com três ou mais sílabas (exemplos 63 e 64,
acima). Quando a cláusula subordinada é reduzida, considera-se material fônico
qualquer elemento, mesmo aquele com uma ou duas sílabas, como nos exemplos:
(69) aí põe no fogo ... deixa lá cozinhando o arroz (ROS78, P, R)
(70) num queria mais ver a mulher e o cachorro (CAR1, R, F)
95
No caso de cláusulas reduzidas com sujeito expresso, considera-se o
sujeito uma inserção de material fônico, independente do número de sílabas
(exemplo 71). Essa decisão é tomada para distinguir um dado como esse daquele
em que o sujeito do infinitivo ou do gerúndio não é expresso (exemplo 72). Com
isso, marca-se uma diferença que gera determinadas estruturas em processo de
gramaticalização, como é o caso do verbo deixar mais infinitivo com sujeito
oculto, que é bastante comum nos relatos de procedimento. Os exemplos abaixo
ilustram um caso de maior integração e um caso de menor integração,
controlados pela categoria “Inserção de massa fônica”:
(71) então o arroz tá quase pronto ... já tá sem água ... então eu retiro esse arroz
da panela e coloco na forma e deixo ele esfriar bem socado ... né ... como eu já
disse que é pra ele poder virar como bolo ... (DIV2, P, L)
(72) I: tá ... bem ... macarrão ... aqui em casa num sabe? eu pego ... coloco água
... na panela ... claro ... só pode ser em panela (...) boto ... deixo ferver ... boto o
sal num sabe? eu não coloco óleo ... não coloco ... não coloco (LUC3, P, L)
Os verbos cognitivos podem ter inserções, enquanto os verbos volitivos
geralmente não as têm. Esses são os fatores que integram a categoria “Graus de
integração de cláusulas”. A pontuação atribuída a cada fator é apresentada na
seção seguinte.
4.2.1.1- A categoria ‘Graus de integração’
A cada categoria apresentada atribuiu-se uma pontuação e a soma de todas
as categorias determina o grau de integração dos períodos compostos. Assim uma
categoria como a que verifica se o sujeito da segunda cláusula é animado ou não
controlará com a pontuação 0 o caso de animado (menor integração) e com a
pontuação 1 o caso de sujeito menos animado (maior integração). A freqüência
de cada grau de integração ou estágio mostrará que tipo de uso tende a se
gramaticalizar ou já está gramaticalizando-se. Dessa forma, a categoria “Graus de
integração” se configura como um aglomerado de fatores. A soma das
96
pontuações atribuídas aos fatores define o grau de integração de cada dado
analisado.
Uma análise quantitativa semelhante a que é feita aqui foi proposta por
Bybee et alii (1994) com relação às formas de se construir o futuro em várias
línguas. Os autores demonstram, através da análise quantitativa,25 a relação entre
redução fonética de forma e generalização semântica.
No português, um trabalho semelhante ao que é proposto aqui como
metodologia foi feito por Kneipp (1980), em que se utilizaram 10 categorias para
se estabelecer uma escala que vai de verbos plenos a auxiliares, passando por
modais em pontos intermediários. O verbo prototípico escolhido foi exibir (que
não aceita complemento oracional) e o auxiliar foi o verbo ir. Os testes realizados
juntaram os verbos (cerca de 50 itens verbais diferentes foram comparados) em 4
grupos:
a) Grupo 1: isolar;
b) Grupo 2: ir, dever 1 e dever 2;
c) Grupo 3: :poder 2, ter que, poder 3, parecer, precisar, etc.;
d) Grupo 4: ousar, dizer, lograr, prometer, deixar, querer, crer, ver, etc.
Os resultados demonstram uma grande distância entre os verbos do grupo
1 e os outros grupos. Como auxiliares, figuram os verbos do grupo 2. Os do
grupo 3 e 4 – todos considerados modais – vêm seguidos na ordem dada. Os
testes demonstram que os modais e os auxiliares estão muito próximos.
Mas há diferenças fundamentais entre o trabalho de Kneipp e o aqui
apresentado, sobretudo porque a autora compara os comportamentos possíveis de
cada verbo (através de testes), enquanto nesta tese procura-se descrever os
comportamentos que realmente surgem no corpus e a sua freqüência de uso.
25
Os autores atribuem pontuação 0,1 ou 2 a cada categoria e fazem uma soma das categorias. Por
exemplo: uma forma que está em via de se tornar morfema de futuro recebe 0 se tiver intensidade e
recebe 2 se não tiver intensidade em cada enunciado. O grau mais alto obtido é o maior grau de
gramaticalização.
97
Além disso, as categorias de Kneipp ainda estão muito influenciadas pela
gramática
gerativista
(não
só
a
terminologia
como
ela
afirmou):
“inseparabilidade pela negação; deslocamento de clíticos, coocorrência com os
auxiliares stricto sensu, etc. O trabalho é, no entanto, pioneiro no que se refere à
idéia de contínuo envolvendo verbos do português numa data em que os
trabalhos modernos sobre gramaticalização ainda não tinham surgido no Brasil.
Na seção anterior, foram descritos os fatores lingüísticos que formam a
categoria “Graus de integração”. Aqui é estabelecida uma pontuação para cada
categoria de acordo com as expectativas relativas a uma maior ou menor
integração de cláusulas. Tais expectativas estão de acordo com os trabalhos de
vários lingüistas funcionalistas, sobretudo Givón (1990; 1995), Hopper &
Traugott (1993), Heine (1993) e Votre (1992):
A) Modo da subordinada:
Indicativo: 0
Subjuntivo: 0,5
B) Tempo:
Não-simultâneo: 0
Não-finito: 1
Simultâneo: 1
C) Sujeito explícito na subordinada:
Explícito: 0
Não-explícito: 0,5
Zero obrigatório: 1
D) Sujeito animado/não animado (cláusula subordinada)
Animado: 0
Não-animado: 1
E) Controle do sujeito da principal sobre o da subordinada:
Não controla: 0
Controla parcialmente: 0,5
Controla: 1
F) Implicação (Factividade)
Não implica: 0
Implica parcialmente: 0,5
Implica: 1
G) Sujeito idêntico/sujeito diferente:
Diferente: 0
Idêntico: 2
H) Sujeito individuado/não-individuado na subordinada:
Individuado: 0
Não-individuado: 1
I) Inserção de material fônico entre a cláusula principal e a subordinada:
98
Presença: 0
Ausência: 1
O fator G recebeu um peso maior, porque, em vários trabalhos da linha
funcionalista, a continuidade tópica se mostrou um fator importante para
determinar a maior conexão entre as partes do discurso. Além disso, esse fator
sobrepõe-se a vários fatores (e o peso 2 resolve alguns problemas), porque o que
leva à maior integração dos verbos é a identidade de sujeitos e não os fatores
listados a seguir:
a) o fatore G sobrepõe-se ao fator D: uma oração como “Eu quero sair” recebe a
pontuação zero (no fator D), uma vez que o sujeito da subordinada é animado.
b) sobrepõe-se ao fator E: num dado como “A mortalidade deixou de afetar
aquela região” não há controle do sujeito do verbo deixar sobre o do verbo afetar
(a pontuação, portanto, é zero na categoria E ), porque o sujeito “A mortalidade”
é inaninado.
c) sobrepõe-se ao fator H: um dado como “Eu quero sair” recebe 0 por ter sujeito
individuado na subordinada (que é o mesmo da principal).
Os resultados apresentados aqui são decorrentes da soma dos fatores
apresentados acima para se estabelecerem graus de integração de cláusulas. O
sentido da integração é feito de acordo com o seguinte quadro:
Graus: 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9
maior integração
Quadro 2- Direção da integração de cláusulas
Os exemplos estão no quadro a seguir. As letras apresentadas na primeira
linha correspondem às letras dadas para cada categoria: A- Modo; B- Tempo; CSujeito ausente/presente; D- Sujeito animado/inanimado; E- Controle; FImplicação;
G-
Sujeito
idêntico/diferente;
H-
Sujeito
individuado/não-
individuado; I- Inserção de massa fônica. São quatro exemplos de cada verbo.
99
Contextos
(73) ela saiu disparada e incontrolável em
direção de uma árvore e eu cada vez mais
achando que ela ia bater já que não
conseguia guiá-la. (YUR24, N, R, Esc)
(74) eu não costumo ir à igreja... porque eu
acho que Deus não está em muita gente
ali... (DIV2, O, L)
(75) acho que a pessoa não deve pensar
pequeno... (JOR4, O, R)
(76) meu pai tem um gênio muito ... ele não
gosta de ser mandado ... sabe? eu acho que
eu tenho algumas coisas dele também ...
(ROS3, N, L)
(77)teve que prestar socorro do cara lá né ...
aí eu sei que ele fez os curativos lá no...
no... no... cara (CAR1, R, L)
(78) existe circuito fechado... não sei se está
funcionando, porque faz tempo que não
vejo funcionar ( CAR1, D, L)
(79) Não sei se me lembro bem dessa
história (ERI3, R, R, Esc)
(80) eu... eu sei fazer pizza... preparo desde
a massa, né... (CAR9, P, R)
(81) se você ler a bíblia profundamente ...
você vai ver que Deus não é esse Deus a
igreja protestante prega... (DIV2, O, L)
(82) quando ele viu que o carro ia cair
dentro do rio ... aí ele... colocou o carro
num... (ROS3, N, L)
(83) então eu vejo que todos têm assim uma
certa confiança ... na minha
responsabilidade (LEO10, D,J)
(84) você faz a instalação toda ... aí é
aprovar... você ... liga... vê aquela parada
funcionando... né? (MAR18, P, R)
(85) Ele mandava o policial prender ele
mas o policial não prendeu (LUC3, R, L)
(86) A diretora do maternal mandou
chamar minha mãe urgentemente, e disse a
ela que eu tinha sérios problemas
psicológicos (MAG6, R, G)
(87) a minha colega não parava de falar,
então a diretora mandou que ela se calasse
(PAT30, R, R)
(88) Quem não se lembra até de bicheiros
mandando instalar até aparelhos de ar
condicionada na delegacia e na garagem
(MAU,JB)
(89) minha mãe... quando... ela era
adolescente... a minha avó não... deixava
que ela fosse pro/ para os bailes se
divertir... né? e a minha mãe detestava
isso... (...) ela combinou com a minha tia...
A
0
B
0
C
0
D
0
E
0
F
0
G
0
H
0
I
1
TOTAL
1
0
1
0
0
0
0
0
0
1
2
0
1
0
0
0
0
0
1
1
3
0
1
0
0
0
0
2
0
1
4
0
0
0
0
0
0
0
0
1
1
0
1
0,5
1
0
0
0
0
1
2
0
1
0
0
0
0
2
0
1
4
1
1
1
0
1
0
2
0
1
7
0
0
0
0
0
0
0
0
1
1
0
0
0
1
0
0
0
0
1
2
0
1
0
0
0
0
0
1
1
3
1
1
0
1
0
0
0
1
0
4
1
0
0
0
0
0
0
0
0
1
1
0
0,5
0
1
1
0
1
1
5
0,5
1
0
0
1
0,5
0
0
1
4
1
1
0,5
0
1
1
0
1
1
6
0,5
1
0
0
0,5
0,5
0
0
1
3
100
eh... de... a minha tia dizer pra... pra...
minha avó... que ela estava no quarto
dormindo... (VAN, R, R)
(90) aí deixa ficar dez minutos cozinhando
(JEA, P, R)
(91) muita gente se deixa levar pela
emoção... né (GUS2, O, L)
(92) A exploração política das favelas
deixou de oferecer vantagens depois de
demonstrada a incapacidade de deter a
ocupação desordenada e predatória dos
morros (CEM, JB)
(93) todo mundo queria que ele fizesse gol,
mas ele só queria agarrar (FAB83, R, R)
(94) Eu queria que a relação entre o país e
os filhos vossem deferente (ALE13, O, J,
Esc)
(95) Dois pivetes armados de canivete
pararam os dois e queriam roubar o seu
dinheiro, mas como tinham apenas as
passagens de ônibus os garotos roubaram os
tênis (DAN12, R, G, Esc)
(96) e pensar no assunto...que você quer
trabalhar com a criança (CIN7, P, J)
Quadro 3- Exemplificação da codificação.
1
1
0,5
1
1
1
0
0
1
6
1
1
0,5
0
0
1
2
1
1
7
1
1
1
1
0
1
2
1
1
9
0,5
1
0
0
0
0
0
0
1
2
0,5
1
0
1
0
0
0
1
1
4
1
1
1
0
1
0
2
0
1
7
1
1
1
0
1
1
2
1
1
9
A soma mínima apresentada é 0 e a máxima 9, perfazendo um total de 10
estágios e uma graduação de 0 a 9, conforme a pontuação dada. Foram os
seguintes os passos para estabelecer os estágios (conforme proposta
metodológica sugerida por Anthony Naro e Conceição Paiva, em contato
pessoal):
1o. analisou-se cada dado atribuindo a pontuação estabelecida;
2o. para cada dado, somaram-se os pontos de cada categoria, obtendo-se o grau
de cada dado (0,5 só foi somado com 0,5);
3o. inseriu-se, no programa, cada dado com a sua pontuação (ou seja, seu grau
estabelecido);
4o. fez-se um rodada através do programa Makecell26 para se obter o número de
dado para cada grau de cada verbo (por exemplo, dos 509 dados com o verbo
achar, 236 (47%) apresentam o grau 3);
26
Programa de análise estatística que estabelece percentuais de uso.
101
5o. utilizou-se o programa Crosstab27 para fazer cruzamentos entre categoria
“Graus de integração” e outra a categoria “Sentidos dos verbos”.
A utilização de um mesmo grupo de fatores para seis verbos diferentes é
um procedimento muito útil e econômico. Houve, no entanto, um problema:
alguns fatores não tiveram variação na codificação de alguns verbos. Isso ocorreu
com os seguintes fatores:
a) os fatores implicação e controle não se aplicam aos verbos ver e saber com
sentido de ‘conhecer’ (ou seja, semanticamente, esses verbos não têm ligação
com as idéias de implicação ou controle e na codificação receberam sempre zero
nestes fatores);
b) o fator “Sujeito Idêntico/sujeito diferente” sempre é codificado como “Sujeito
diferente” nos dados com o verbo mandar (codificado sempre com 0,5);
c) o fator “Sujeito animado/inanimado” sempre é codificado como “animado”
nos dados com o verbo mandar (codificado sempre com 0).
Mas essas características dos verbos são interessantes quando se faz a
comparação com o comportamento de outros verbos, sobretudo do mesmo grupo
semântico. Os resultados da análise dos graus de integração estão no capítulo 5.
4.2.2- Outras categorias
Há mais quatro fatores lingüísticos que não integram a categoria “Graus
de integração”, mas que são importantes para detectar algum processo de
gramaticalização ou para se fazer cruzamentos e se obter uma descrição mais
completa. O primeiro é gramatical, o segundo é semântico e os dois últimos são
textuais.
27
Programa que permite cruzar categorias. Esse e o programa Makecell fazem parte do pacote Varbrul,
utilizado na lingüística para obtenção de probabilidades e para determinação das categorias mais
importantes.
102
A- Referência do sujeito da cláusula principal: observa-se se o referente do
sujeito da claúsula principal é expresso (a) na primeira, (b) na segunda ou (c) na
terceira pessoa, como se pode ver respectivamente nos exemplos a seguir:
(97) sei que eles estavam armados (FLA10, R, G)
(98) não deixa ela secar ao sol (YUR24, P, R)
(99) o que Deus quer que nós façamos (SOL8, R, L)
Quando o sujeito é idêntico, verifica-se a pessoa do sujeito da claúsula
principal. Nos exemplos a seguir, os referentes das cláusulas com infinitivo estão
na segunda e na terceira pessoa respectivamente:
(100) você quer machucar ele (ROS 7, D, L)
(101) ele queria fazer uma armadilha (EME9, D, L)
Esta
categoria
está
sendo
analisada,
porque
muitos
casos
de
gramaticalização nas línguas ocorrem numa das pessoas gramaticais. Em inglês,
ocorrem as gramaticalizações dos verbos think e guess, sempre na primeira
pessoa.
B- Sentidos do verbo: alguns dos verbos analisados apresentam variações de
sentido. Esses sentidos desempenham funções diferentes e devem ter diferentes
graus de integração com as respectivas cláusulas subordinadas. Foram feitos
cruzamentos entre esta e as categorias apresentadas nesta seção.
C- Canal: Aqui a oposição é entre o canal oral e o escrito. A hipótese é a de que
existam diferenças de usos do itens lexicais com relação a essa categoria. Para
comprovar essa hipótese foi feito um cruzamento entre “Canal” e “Sentidos dos
verbos” .
D- Tipos de texto- Uma das características mais importantes do corpus Discurso
& Gramática é a tipologia de textos, que se torna um fator controlável para
qualquer pesquisa. Como já foi dito, cada informante contribuiu para apresentar
cinco tipos de textos, a saber: relato de opinião, narrativa experiencial, narrativa
103
recontada, relato de procedimento e descrição. Aqui o objetivo é o de se verificar
se um determinado uso de um verbo é mais freqüente num dado tipo de texto. A
freqüência pode revelar gramaticalização e pode confirmar a hipótese de que a
gramaticalização, pelo menos numa fase inicial, não se dá em todas as
possibilidades de uso da língua.
Apenas um fator extralingüístico foi controlado:
A- Escolaridade- O corpus permite verificar se há diferenças quanto ao uso dos
verbos em graus de escolaridade diferentes. A categoria está divida em 5
subgrupos com o número de informantes assimétrico:
a) Série inicial
(assim denominado porque inclui alunos da Classe de
Alfabetização infantil e adulta e alunos da 1a. série do Ensino Fundamental) –
com 30 informantes;
b) 4a. série – com 49 informantes;
c) 8a. série – com 27 informantes;
d) 3a. série do 2o grau (Ensino Médio) – com 31 informantes;
e) 3o grau (alunos em diferentes períodos do Ensino Superior e os autores dos
textos do JB) – com 21 informantes do Corpus D & G e um número
indeterminado do JB.
A expectativa é a de que haja, nos diversos graus de escolaridade,
diferenças de usos de mesmo item verbal e diferenças de usos dos estágios de
gramaticalizações. Também há expectativas de que os verbos cognitivos sejam
mais usados pelos informantes com mais escolaridade e também mais idade, pois
o exercício de reflexão exigido pela escola e o que é natural da maturidade fazem
o indivíduo necessitar mais de uso de expressões relacionadas ao campo da
cognição.
104
5-ANÁLISE DOS DADOS
O capítulo apresenta, em duas partes, os resultados da análise dos verbos
estudados. A primeira parte contém a comparação entre os dois grupos de verbos
– os cognitivos (achar, ver e saber) e os volitivos (mandar, querer e deixar),
apresenta a descrição das estruturas sintáticas de cada verbo, os seus sentidos, as
dificuldades de análise, os usos mais freqüentes e os idiossincráticos; também
traz os resultados referentes ao cruzamento dos sentidos de cada verbo (quando
foi possível determinar variação de sentido) com outras categorias. A segunda
parte apresenta um pequeno estudo diacrônico desses verbos e dos modelos de
subordinação completiva, focalizando a hipótese da unidirecionalidade semântica
e sintática.
5.1- Análise dos verbos no português oral e escrito contemporâneo
Essa parte contém a análise dos verbos a partir dos dados coletados do
corpus Discurso & Gramática de cinco cidades brasileiras e do corpus JB. Em
primeiro lugar, será feita uma comparação entre os dois grupos semânticos de
verbos, o cognitivo e o volitivo. Depois será feita a análise dos verbos de cada
grupo.
5.1.1 - Verbos cognitivos e verbos volitivos: atuação do princípio da
iconicidade
A hipótese é a de que os verbos do primeiro grupo apresentem graus de
integração mais baixos do que os do segundo grupo, uma vez que os conteúdos
da subordinada de verbos cognitivos estão mais distantes conceptualmente do
que é expresso nas suas cláusulas principais. Seus complementos clausais
expressam opiniões, interpretações, incertezas e os referentes-sujeitos dos verbos
cognitivos não podem manipular os referentes- sujeitos das cláusulas
105
completivas. Já os verbos volitivos têm como complemento algo que é uma
ordem, uma permissão dada pelo referente-sujeito ou um desejo. Este manipula
ou tenta manipular um outro referente codificado como sujeito da cláusula
completiva. Dessa forma, as principais diferenças entre esses grupos de verbos
podem ser explicadas pelo subprincípio da proximidade (um dos subprincípios da
iconicidade), segundo o qual os conceitos que estão mais integrados no plano
cognitivo também se manifestam com maior integração morfossintática.
Para se medir o grau de integração de cada dado criou-se, como mostrado
no capítulo 4, uma categoria denominada “Graus de integração”, que é um
aglomerado de 9 fatores. Cada fator recebe uma pontuação com o objetivo de
medir a integração entre a cláusula principal e a subordinada. Depois, somam-se
todos os fatores e obtém-se o grau de integração. A soma mínima é 0 (menor
integração) e a máxima 9 (maior integração). Os fatores controlados são: Modo,
Tempo,
Sujeito
ausente/presente,
Sujeito
animado/inanimado,
Controle,
Implicação, Sujeito idêntico/diferente, Sujeito individuado/não-individuado,
Inserção de material fônico. O valor de cada fator consta na seção 4.2.1.1.
Em toda a amostra analisada foram obtidos 1269 dados com os verbos
cognitivos achar, ver e saber com complemento finito ou reduzido e 878 dados
com os verbos volitivos mandar, querer e deixar também com complemento
finito ou reduzido. Utilizou-se a categoria “Graus de integração” para medir a
conexão entre a cláusula principal com tais verbos e as suas cláusulas
completivas e para verificar a atuação do subprincípio da proximidade. Os
resultados referentes a essa categoria estão na tabela a seguir:
106
Estágios
O
1
2
3
4
5
6
7
8
9
TOTAIS
Verbos cognitivos
APLIC
20
188
315
385
114
10
0
1
0
1
1034
%
2
18
30
37
11
1
0
0
0
0
100
Verbos volitivos
APLIC
0
4
16
62
102
80
163
152
219
80
878
%
0
0
2
7
12
9
19
17
25
9
100
Tabela 1 - Graus de integração de verbos
cognitivos e de volitivos
Para a computação, juntaram-se todos os dados com os verbos cognitivos
achar, ver e saber – de um lado – e todos os dados com os verbos volitivos
mandar, querer e deixar – de outro.28 Os números presentes na coluna da
aplicação são as ocorrências dos dados com os graus estabelecidos. Por exemplo,
houve 385 dados com verbos cognitivos no grau 3 de integração e 62 dados com
verbos volitivos no mesmo grau. A exemplificação pode ser vista no quadro 3 do
capítulo 4.
Essa tabela é representada através do gráfico 1, que mostra o contraste
entre verbos cognitivos e verbos volitivos:
28
Do grupo dos verbos cognitivos, foram retirados, apenas nesta tabela, os dados de saber com o sentido
de capacidade (235dados), como em “comida eu sei fazer... (JOR4, P,R), por se tratarem de dados muito
diferentes dos demais usos cognitivos (cf. a análise do verbo saber na seção 5.1.2.3). Por isso, o valor
total dos cognitivos apresentados na tabela é de 1034.
107
Gráfico 1: Graus de integração de verbos cognitivos e volitivos
40
35
Percentuais
30
25
20
15
10
5
0
O
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Graus
Verbos Cognitivos %
Verbos Volitivos %
Observa-se que os dois grupos de verbos têm comportamentos muito
diferentes: o ponto máximo dos verbos cognitivos é o grau 3 (com mais de 35%
dos dados) e o ponto máximo dos verbos volitivos é o grau 8 (com 25% dos
dados). A concentração de dados do primeiro grupo está nos graus mais baixos
de integração, enquanto os verbos do segundo grupo distribuem-se por todos os
graus, mas a concentração maior está nos últimos graus.
Esse resultado é decorrente da diferença de uso dos verbos cognitivos e
volitivos. Alguns dos fatores que formam a categoria maior “Graus de
integração” demonstram essas diferenças:
a) os verbos cognitivos têm 94% de seus dados com cláusulas completivas no
modo indicativo29, enquanto os verbos volitivos têm 92% dos complementos no
modo não-finito;
29
Vale ressaltar que, nesta seção, os dados de saber-capacidade não estão sendo considerados.
108
b) os verbos cognitivos apresentam 63% de seus dados com tempo simultâneo ao
da completiva; e os verbos volitivos apresentam 95% de dados com tempo
simultâneo;
c) os referentes-sujeitos dos verbos cognitivos não são controladores dos
referentes das cláusulas completivas, enquanto 66% dos referentes-sujeitos dos
verbos volitivos são controladores;
d) os verbos cognitivos são por natureza não implicativos, enquanto os verbos
volitivos têm 67% dos dados implicativos;
e) por fim, apenas 9% dos dados do grupo dos verbos cognitivos têm sujeito
idêntico, enquanto 55% dos dados do grupo dos verbos volitivos apresentam a
identidade de sujeitos.
Os verbos transitivos têm diferenças de integração em virtude do que
expressam semanticamente.
Os verbos cognitivos apresentam nas cláusulas completivas opiniões,
percepções, conhecimentos, idéias e essas noções acontecem ou existem
independentemente da vontade dos referentes-sujeitos dos verbos cognitivos.
Esses verbos expressam a modalidade epistêmica e, no caso de achar e ver,
também são usados como estratégia para demonstrar distanciamento com o valor
de verdade com as proposições que são codificadas como cláusulas completivas.
Isso porque o emissor tem dúvidas a respeito da informação ou porque apresenta
uma atitude de polidez, demonstrando que o que é expresso é um ponto de vista
dentre outros que podem ser levantados. Dessa forma, pode-se verificar a atuação
do Princípio da Iconicidade (especificamente, o subprincípio da proximidade): a
morfossintaxe espelha o distanciamento entre o que é expresso na cláusula
principal e o que é expresso na cláusula completiva.
Os verbos volitivos são mais integrados às suas completivas,
apresentando alguns estágios diferentes de gramaticalização. Do ponto de vista
semântico-pragmático, os referentes-sujeitos desses verbos expressam suas
vontades através de permissão, desejo ou ordem. Quando o sujeito da
subordinada é diferente, pode haver manipulação do referente da cláusula
109
principal sobre o da subordinada.. Dessa forma, através da atuação do Princípio
da Iconicidade, a morfossintaxe dos períodos com esses verbos é mais integrada,
como uma forma de refletir, entre outros fatores, o controle do sujeito da cláusula
principal sobre o da cláusula completiva.
Quando o sujeito é idêntico, a integração ainda é maior, pois a gramática
codifica esse controle do sujeito sobre ele mesmo. A partir daí podem surgir
outras gramaticalizações como o uso de “deixar de + infinitivo”, em que não há
restrição de sujeito (o sujeito do verbo pode ser animado ou inanimado) e não há
referência à idéia de controle:
(1) A exploração política das favelas deixou de oferecer vantagens depois de
demonstrada a incapacidade de deter a ocupação desordenada e predatória dos
morros (CEM, JB)
Além disso, os verbos volitivos são geralmente implicativos, o que mais
aproxima o evento da cláusula principal do evento da cláusula completiva.
Nas próximas seções, serão demonstradas as diferenças de usos de cada
verbo e a comparação dos graus de integração dos verbos de cada grupo
separadamente.
5.1.2- Usos dos verbos cognitivos
Os verbos cognitivos, como dito na seção anterior, codificam a
modalidade epistêmica, que representa o nível do raciocínio e, através dessa
modalidade, o falante expressa julgamento a respeito do que ele vê, do que
compreende ou do que tenta compreender e explicar. Os verbos estudados nesta
seção são modalizadores epistêmicos. São duas as hipóteses principais relativas a
esse grupo de verbos: a) existem diferenças de graus de integração entre os usos
(sentidos) de um mesmo verbo; b) e existem diferenças de graus de integração
entre os três verbos analisados, demonstrando que os três estão em diferentes
pontos do contínuo que leva à integração de cláusulas.
110
Os resultados demonstram que o verbo achar é o menos integrado à sua
completiva, vindo em seguida o verbo ver e por último o verbo saber. As razões
são apresentadas ao longo das próximas seções.
5.1.2.1- O verbo achar
O objetivo dessa tese não é fazer uma análise semântica detalhada de cada
verbo. Por isso, foram separados apenas os sentidos mais gerais e que, com mais
facilidade, os falantes conseguem delimitar. Todos os dados foram classificados
de acordo com os sentidos pré-estabelecidos. Classificação semelhante a esta é
feita por Votre (1999; 2000).
Os sentidos mais perceptíveis do verbo achar são:
A) incerteza:
(1)30 Quando aconteseu esse acidente eu acho que eu tinha um ano eu tava no
parque (ROB33, O, R, Esc)
(2) acho até que você sabe fazer macarrão (JOR4, P,R)
B) opinião, julgamento, preferência:
(3) um ... e um::... um garoto dentro de uma casa sozinhos... nove e meia da
noite... não sei qual foi a reação dele... que... ele ficou:::... ficou irado... não sabe?
ficou brabo... e começou a discutir... com a filha... a filha... achando que a coisa
era mais nor/ a coisa mais normal do mundo... não tinha nada a ver... o namorado
não era dela... era da amiga dela... e parecia... pelo que a minha mãe me contou...
que o namorado estava so... sozinho no quarto com a::... com a::... amiga dela...
ela (GIO4, R, G)
(4) uma pessoa... coladora... por assim dizer... eu dou ma... mais cola do que
colo... sabe? por isso que eu acho que se/ que eu acho que quando a gente cola a
gente se prejudica... é aquela velha história... que a gente nunca acredita... só
quando vai pro vestibular que a gente... eh::...né? bem aquela coisa... né? o
sofrimento depois é maior do que na hora que a gente não está pensando... a
(GIO4, P, G)
C) advérbio ‘talvez’ (parentético epistêmico):
(5) mas São Paulo foi que eu vi o sol nascer eu acho (ITA4, N, L)
30
Optou-se por reiniciar a numeração dos exemplos na análise de cada um dos seis verbos.
111
(6) passei o final de semana com eles porque eu cheguei num sábado eu acho...
(ITA4, N,L)
No trecho (1), o informante expressa que não tem certeza da idade que
tinha quando ocorreu o acidente, porque era muito pequeno: tinha provavelmente
um ano de idade.
No exemplo (2), o informante acredita que o(a)
entrevistador(a) saiba fazer algo considerado simples como fazer macarrão, mas
ele não tem certeza disso. Nos exemplos (3) e (4), não há menção à dúvida, mas
há a exposição de uma opinião. Esse tipo de uso ocorre principalmente nos
momentos em que o falante está fazendo uma descrição ou uma conjectura do
que ele acredita. Em (3), há uma discussão entre pai e filha, porque os dois
tinham opiniões diferentes com relação ao problema apresentado: a filha ficar
sozinha em casa com o namorado à noite. Para ela esse fato era normal. Em (4), a
subordinada do verbo achar expressa uma opinião do informante acerca da cola,
estando na subordinada um argumento contra a cola na prova. Os exemplos (5) e
(6) ilustram o que Thompson & Mulac (1991) denominaram parentético
epistêmico, funcionando como um advérbio de dúvida e diminuindo o
comprometimento do falante com o que é expresso nas subordinadas, já que há
uma dúvida a respeito do fatos. As cláusulas subordinadas são na verdade
independentes da expressão “eu acho”, que está deslocada para o fim da
construção. Neste caso, há uma junção de fatores semânticos e sintáticos para se
determinar esse uso. Esse tema e os exemplos ainda serão retomados nesta seção.
O sentido de opinião foi subdividido em (a) opinião propriamente dita e
(b) sugestão ou conselho. Nesse último tipo, não é o item lexical achar isolado
que tem o sentido de sugestão, mas toda a construção formada por esse verbo e
seu complemento. Esse complemento apresenta sempre os verbos dever, poder
ou ter de/que. Seguem os exemplos desse último tipo:
(7) isso... como mesmo pra um desafio... pro aluno ir e provar pra ele... “olha...
eu venci... entendeste?” então... é uma coisa assim... isso aí eu acho que ele...
ele... deve continuar fazendo... porque a pessoa que entra/ ele faz isso com todo
mundo... já conversei com colegas meus... então... aquele choque de entrada/
112
porque não há mais um relacionamento... o irmão da biblioteca... por exemplo...
(GIO4,N, G)
(8) eu acho que cada um deles tinha que dar um trabalho um trabalho (...) pra
ajudar na prova
Dos 509 dados com o verbo achar, 275 apresentam o sentido de opinião
propriamente dito, 160 apresentam o sentido de incerteza, 67 apresentam o
sentido de sugestão e apenas 9 dados apresentam a função de parentético
epistêmico. Portanto, o sentido mais comum para o verbo é o de opinião, em que
o informante apresenta um argumento para uma tese. O uso como parentético
epistêmico expressa sempre incerteza, mas foi separado desse grupo por ser uma
construção gramaticalizada como um todo.
Opinião/
ACHAR
Incerteza
Sugestão
Parentético
TOTAL
percepção
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
273
54
160
31
67
13
9
2
509
100
Tabela 2– Freqüência de usos do verbo achar.
Nos verbos estudados, atribuiu-se um sinônimo que fosse uma paráfrase
do verbo. Mas a paráfrase não fica bem estabelecida para o verbo achar.
Portanto, foram escolhidos substantivos para distinguir os usos do verbo. Para o
sentido de opinião, poderia apresentar-se um dos seguintes verbos: ‘opinar’,
‘pensar’, ‘julgar’, ‘considerar’ ou ‘perceber’; para o sentido de ‘incerteza’, a
construção mais adequada deveria ser ‘estar incerto se’ ou o verbo ‘supor’; para o
sentido de ‘sugestão’, poderiam apresentar-se os verbos ‘sugerir’, ‘aconselhar’ e,
para o parentético epistêmico, o advérbio talvez. Esse último uso vem sempre
deslocado da posição inicial.
As análises feitas aqui demonstram que há estruturas morfossintáticas
diferentes que codificam os diferentes sentidos do verbo achar.
As categorias “controle” e “implicatividade” não se aplicam aos dois
primeiros sentidos pela própria natureza dos usos. Pode aplicar-se ao sentido de
113
sugestão, porque uma pessoa poderia sugerir algo e alguém poderia executar uma
ação em decorrência do que foi sugerido. Por exemplo, a mãe de um menino
poderia dizer “Eu acho que você deveria estudar agora” e o menino poderia
entender como uma ordem e estudar no mesmo instante. Neste caso, a mãe
exerceria controle e o fato expresso na cláusula principal determinaria a execução
da ação da cláusula subordinada. Mas esse tipo de dado não ocorreu, porque nas
sugestões geralmente o sujeito do cláusula subordinada não é um ser manipulado
ou manipulável. Dessa forma, o verbo achar recebeu, em todos os dados
analisados, zero nas categorias “controle” e “implicatividade”. Há apenas uma
exceção: é o caso de um enunciado em que o sujeito da subordinada é idêntico ao
da principal, havendo “controle”, mas não “implicação”:
(9) acho que eu até devia procurar me informar mais ... (MON5, O, R)
O verbo achar comporta-se como sendo um dos mais independentes da
lista, ou seja, sua subordinada apresenta um grau fraco de integração devido às
características pragmáticas e semânticas de seus usos. Normalmente esse verbo
apresenta uma proposição cujo evento existe independentemente da vontade do
sujeito falante. As cláusulas com achar, geralmente, estão na primeira pessoa do
sujeito reportando-se ao falante: “Eu acho que”. A fraquíssima integração da
subordinada com a principal leva a uma riqueza de usos estruturais, uma vez que
as restrições gramaticais são pequenas. Dos verbos transitivos estudados achar é
o menos gramaticalizado, porque seus diferentes usos são ainda imprevisíveis se
comparados com a rotinização causada pela gramaticalização de verbos como
querer.
Alguns exemplos do verbo achar são apresentados a seguir:
(10) eu não costumo ir à igreja porque eu acho que Deus não está em muita gente
ali... porque a igreja passa a ser um ritual... (DIV2,O,L)
(11) mas São Paulo foi que eu vi o sol nascer eu acho ... já já na ... aterrissagem
(ITA4, N,L)
(12) então é... o ponto mais alto acho que dessa viagem... foi Esteios...
(ITA4,N,N)
114
(13) Canguaretama ... um grupo animado ... né ... nós/ e ... teve a programação ...
a programação encerrou ... acho que ...por ela começar tarde né ... devido o
horário que a gente chegou ... encerrou já tarde lá a programação ... eu não
lembro bem a hora ... e nós voltamos lá pro ... pro alojamento né ... (SOL4, N, L)
(14) uma falta mesmo assim... eu acho que... uma crise de vergonha... geral... da
população... eu acho que... eh... falta pro brasileiro... ter mais... eh... senso de
responsabilidade... ter mais senso de justiça... ter mais senso de ética... então a
gente enfrenta uma crise geral... eh... em todos os setores... da sociedade... eh...
você vê... o setor médico está... terrível... está caótico... a (ALC1, O, G)
(15) não dá... até gostaria de fazer... mas eu acho que o campo de tradução...
pelo menos o campo de tradução do inglês e do francês... ele é muito restrito...
quer dizer... há muita coisa pra ser traduzida... mas aqui em Juiz de Fora
particularmente... quer dizer... você vai ficar traduzindo o quê? capítulos de livro
pra professor... (RON3,O,J)
A estrutura (10) é a canônica: sujeito + verbo achar + cláusula completiva.
A estrutura (11) apresenta a cláusula principal depois da subordinada, numa
espécie de afterthought. A estrutura 12 apresenta o verbo achar no interior da
sua cláusula completiva. A sintaxe tradicional seria: “Acho que o ponto mais alto
dessa viagem foi Esteios”. O exemplo (13) tem uma cláusula adverbial entre o
verbo o achar e a sua completiva. No exemplo (14), o sujeito da subordinada é
uma cláusula subjetiva reduzida. No exemplo (15), o sujeito da subordinada é
retomado com o pronome ele.
Cabe ainda um comentário a cerca da estrutura com o verbo achar
posposto à cláusula completiva. Thompson & Mulac (1991) apresentam a
hipótese de que as construções do inglês “I think” ‘Eu acho/penso’ e “I guess”
‘Eu acho/adivinho’ sem o conectivo that ‘que’ funcionam como expressões
epistêmicas, representando o grau de comprometimento do falante. Essas
expressões equivalem aproximadamente ao advérbio de dúvida maybe ‘talvez’.
As seqüências “I think” e “I guess” deixam de atuar como cláusulas
principais e se tornam livres, podendo ocorrer em diferentes locais da outra
cláusula (que, antes, era a subordinada completiva). Os exemplos apresentados
115
pelos autores ilustram um caso em que “I think” é oração principal (exemplo 16)
e dois casos em que “I think” é sintagma epistêmico (exemplos 17 e 18):
(16) I think that we’re definitely moving towards being more technological.
(17) I think 0 exercise is really beneficial, to anybody.
(18) It’s just your point of view you what you like to do in your spare time I
think.
Quando se deslocam da posição inicial, as expressões “I think” e “I guess”
têm um contorno entonacional diferente e funcionam cada qual como um adendo.
São denominados “Parentéticos epistêmicos”, formando uma unidade que é uma
gramaticalização provinda de oração:
“Estes verbos epistêmicos, juntamente com seus sujeitos, comportam-se da
mesma forma que morfemas unitários epistêmicos em outras línguas, a ponto
de serem transportáveis para outras posições além da que poderiam ocupar
se estivessem apenas funcionando para introduzir um complemento (...)”
(p. 315).31
A freqüência de uso comprova a gramaticalização de think e guess como
uma nova classe: esses verbos são mais usados no final da frase do que os outros
cognitivos e a freqüência é muito alta na primeira pessoa do singular. Mesmo na
posição inicial (como no exemplo 17), esses verbos, mais do que qualquer outro,
são usados sem o complementizador that.
Em português tem-se esse mesmo uso, só que menos freqüente do que na
língua inglesa. Observa-se que, muitas vezes, o escopo do objeto de achar não é
uma cláusula inteira, mas parte dela:
(19) eu tinha vinte e três acho... vinte e três anos... vinte e dois... (ITA4, N. L)
(20) passei o final de semana com eles porque eu cheguei num sábado eu acho
(ITA4, N.L)
No primeiro caso, a dúvida recai sobre o objeto direto do verbo ter: “vinte
e três anos...vinte e dois”. No segundo, a dúvida recai sobre o adjunto adverbial
“num sábado”. Dados como esses foram considerados apenas quando se podia ter
31
These epistemic verbs together with their subjects behave very much like unitary epistemic morphemes
in other languages, to the point of being ‘transportable’ to positions others than that which they could
occupy if they were only functioning to introduce a complement (...)”.
116
certeza de que havia uma cláusula completiva. A expressão “Eu acho” pode
referir-se a um sintagma solto ou a uma cláusula com o verbo omitido. No
exemplo a seguir, não é possível recuperar uma cláusula completiva para o verbo
achar, portanto o dado não foi considerado na pesquisa:
(21) fazer a ... a imagem como se fosse um quadro ... desse lugar ... certo? então
vamo lá ...I: só ... só uma praia ... paradisíaca ... eu acho ... a casa onde eu fiquei
... num é minha ... é da minha tia ... Nubineuma ... é até irmã de Nubiacira ... aí é
essa ... essa casa minha tia ... de vez (VLA4, D, L)
O exemplo seguinte apresenta uma expressão “eu acho” dentro de uma
cláusula completiva de outro verbo achar. Neste caso, só foi considerado o
primeiro uso do verbo achar. Em português, o verbo também parece funcionar
como um advérbio, tendo inclusive a mobilidade na estrutura frasal.
(22) é... pra educação mesmo... doméstica... quer dizer... que não tem muita
utilidade na... na vida... prática... né? de todo dia... eu acho que quem faz letras...
se encaminha eu acho que... invariavelmente pro magistério... a menos as pessoas
que fazem bacharelado em tradução... né? que aí você cria uma opção... aqui
tem... né? já está tendo aliás curso de bacharelado... tanto em inglês quanto em
francês... (RON3, O,J)
Como só foram considerados os casos em que a cláusula completiva tinha
sujeito, muitos dados com “Eu acho” não foram computados na pesquisa (como o
exemplos 21 e 23), o que diminuiu muito o número de dados com esse uso:
(23) era meia-noite e meia eu acho... ( ITA4,N,N)
No caso de cláusulas com “eu acho’ semelhante ao uso inglês de “I think”,
sem o conectivo, diminuiu-se um ponto na soma das categorias para se
estabelecer o grau de integração, uma vez que a cláusula que seria a completiva
está independente e a expressão “eu acho” funciona com um advérbio e não
como um verbo que pede um objeto.
Em alguns casos, foi difícil decidir se o sentido era o de incerteza ou de
opinião, mas, na maior parte das vezes, levou-se em consideração a forma como
o enunciado foi construído. O uso como ‘sugestão’ é mais fácil de distinguir,
117
uma vez que há pistas nas cláusulas subordinadas como um sujeito animado ou
um verbo como poder ou dever (exemplos 7 e 8).
Outro problema foi quando a dúvida (introduzida pelo verbo achar) não
era a respeito da informação contida na cláusula subordinada substantiva, mas
numa subordinada adverbial à completiva.
(24) Canguaretama ... um grupo animado ... né ... nós/ e ... teve a programação ...
a programação encerrou ... acho que ... por ela começar tarde né ... devido o
horário que a gente chegou ... encerrou já tarde lá a programação ... eu não
lembro bem a hora ... e nós voltamos lá pro ... pro alojamento né ... (SOL4, N, L)
(25) ... também foi bom o congresso porque a gente conheceu muitas pessoas ...
foi diferente dos outros ... porque o grupo que foi a maioria se conhecia né ... eu
acho que por não ter ido tanta gente ... então foi interessante ... porque a gente
conheceu praticamente ... falava com todo mundo ... conhecia todo mundo ...
então ficou melhor né ... pra ... na união ... no envolvimento ... conheceu (SOL4,
N, L)
No exemplo (24), o verbo achar não indica uma dúvida a respeito do que
é dito na cláusula completiva “encerrou já tarde lá a programação”. A dúvida é
com relação à causa da programação ter encerrado tarde: “por ela começar
tarde”. Há certeza com relação ao núcleo da cláusula completiva do verbo achar
e há dúvida em relação a uma parte da cláusula completiva, que por sua vez é
uma subordinada à cláusula com o verbo encerrar.
O exemplo (25) apresenta o mesmo problema. O informante tem a opinião
de que o congresso tenha sido interessante. Mas a causa desse fato talvez tenha
sido o baixo número de participantes. Como classificar o verbo achar, neste
caso: ele indica opinião/julgamento ou incerteza?
No uso apresentado a seguir, o informante parece estar incerto a respeito
da dispensa do jogador Careca. Ele diz que acha que Careca pediu dispensa, mas
logo depois disse que todo mundo sabe que Careca pediu para sair porque tinha
um bom contrato no Japão. Então o informante não tinha dúvidas de que o
jogador havia pedido para sair:
(26) como já aconteceu agora com... com Careca eu acho que ele pediu dispensa
né pediu pra sair... pediu pra sair e.. todo mundo sabe... porque ele pediu pra
118
sair... porque ele já tem um bom contrato no Japão ... né? num vai ... num
(CAR1, O,L)
Nos três casos, optou-se pelo sentido de incerteza porque o escopo do
verbo achar recai sobre uma informação em que há incerteza, mesmo que essa
informação não esteja numa cláusula completiva ou mesmo que no discurso
subseqüente o informante já mostre certeza com relação a informação dada.
Casos como esses não são muito freqüentes.
Um estudo detalhado sobre os usos do verbo achar é feito por Galvão
(1999), que analisa o verbo de acordo com o modelo da gramaticalização. A
autora separa os dados em quatro tipos: achar1 com o sentido de ‘encontrar’,
tendo complemento na forma de um SN; achar2 com sentido de apreciação
(igual o aqui estabelecido como opinião), tendo complemento oracional; achar3
com
o sentido de ‘palpite’ (aqui ‘incerteza’), apresentando também
complemento oracional; e achar4 com valor de advérbio (é o que Thompson &
Mulac denominaram parentético epistêmico). O achar 2 tem uma subdivisão em
que se insere um achar2’ com o complemento sem verbo como em “Acho muito
legal Rondon” (p. 82). Esse tipo de dado é, segundo Galvão, um tipo de
gramaticalização do achar com sentido de apreciação. Os usos de achar, com
exceção do achar1, são considerados casos de gramaticalização, porque, dentre
outras razões, o uso pleno (achar1) gerou modalizadores de opiniões e de
incertezas (“Eu acho que...).
Depois dessa análise qualitativa com a classificação do verbo, sua
descrição estrutural e os problemas de análise, serão apresentados resultados
referentes ao cruzamento da categoria ‘sentidos’ com outras categorias
controladas. Aqui se procura testar o princípio da iconicidade, segundo o qual
cada função tende a ser codificada por uma forma diferente. Como há diferentes
sentidos e funções para o verbo achar, devem-se buscar diferenças formais
(Pessoa gramatical), contextuais (Canal e Tipo de texto) e diferenças de nível de
119
escolaridade (Graus de escolaridade). Além disso, também há diferenças de graus
de integração. Essa última é uma categoria que inclui fatores formais e
semântico-pragmático.
A- Pessoa gramatical
Dos 509 dados com o verbo achar, 470 (92%) dos dados têm sujeito na 1a
pessoa. Não houve diferença relevante no cruzamento entre sentido e pessoa do
sujeito de achar (todos os sentidos concentram um número muito alto de dados
na 1a pessoa). O uso como parentético sempre é feito na primeira pessoa do
singular, como em inglês. O falante usa o verbo para modalizar a informação,
procurando diminuir o grau de comprometimento com o que é expresso. Era,
portanto, esperado esse resultado com o verbo referindo-se à primeira pessoa.
B- Graus de integração
Os resultados relativos a categoria “Graus de integração” (descrita na
seção 4.2.1.1) estão expostos na tabela a seguir. O objetivo é estabelecer os
graus de integração dos dados com o verbo achar:
120
Menor inte- Graus
gração
de
Aplic
%
0
3
1
1
65
13
2
144
28
3
236
46
4
58
11
5
3
1
6
0
0
7
0
0
Maior inte-
8
0
0
gração
9
0
0
TOTAL
509
100
_________
integração
ACHAR
Tabela 3 - Graus de integração dos usos do verbo
achar.
Os dados com esse verbo estão distribuídos apenas nos cinco primeiros
graus da escala, sendo que a concentração atinge os graus 3 (46% dos dados), 2
(28%), 1 (13%) e 4 (11%). Isso significa que esse verbo tem uma fraca
integração com sua completiva. Não há dados com mais de 5 pontos na escala, o
que permite concluir que verbo achar comporta-se como um verbo pleno,
recebendo poucos pontos nas categorias controladas: modo da subordinada,
implicação, controle, etc.
A tabela a seguir permite verificar se os sentidos atribuídos a esse verbo
estão em graus diferentes de integração com as respectivas subordinadas.
121
Sentidos
Opinião/
Incerteza
Sugestão
Parentético
julgamento
Graus
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
0
3
1
3
2
0
0
0
0
1
22
8
34
21
6
9
3
33
2
58
21
55
34
26
39
5
55
3
151
55
58
36
27
40
0
0
4
38
14
12
7
7
10
1
11
5
1
0,5
1
0,5
1
2
0
0
273
100
160
100
67
100
9
100
TOTAL
Tabela 4- Sentidos do verbo achar e Graus de integração.
Todos os sentidos, exceto o parentético, apresentam maior número de
dados no grau 3 e, logo a seguir, no grau 2. O uso como parentético não
apresenta dados com grau 3 de integração. Dos 9 dados, 5 têm grau 2. Isso
significa que esse uso é menos integrado do que a maioria dos dados com o verbo
achar.
De todos os sentidos, o sentido de opinião apresenta o maior número de
dados com os graus 3 (55%) e 4 (14%), o que indica que esse uso é mais
integrado do que qualquer um dos outros usos do verbo achar.
C- Canal
Como foi dito no capítulo anterior, os informantes produziram textos orais
e escritos correspondentes quanto ao assunto. No entanto, o número de dados de
verbos cognitivos dos textos orais foi quase quatro vezes maior que o número de
dados dos textos escritos. As razões para essa diferença de produção de dados
foram expostas na seção acerca das diferenças entre fala e escrita (seção 4.1.1).
É claro que essa diferença muito grande de números de dados prejudica o
cruzamento com outros fatores, uma vez que o percentual sempre é mais alto
para a fala. No entanto, é possível verificar se há relação entre canal e sentidos
de cada verbo. É o que pode ser vista através da tabela 5.
122
Sentidos
Opinião/
Incerteza
Sugestão
Parentético
TOTAL
Percepção
Canal
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Fala
228
52
149
34
54
12
9
2
440
100
Escrita
45
65
11
16
13
19
0
0
69
100
Tabela 5- Usos do verbo achar na fala e na escrita.
Houve apenas 69 dados (13%) de achar na língua escrita contra 440
(86%) na língua oral. O número baixo de dados na escrita era esperado, uma vez
que os escritores evitam usar tal verbo na 1a. pessoa (92% dos dados estão na 1a.
pessoa). Nas aulas de redação, o professor de Português costuma proscrever esse
uso.
Dos quatros sentidos encontrados, a língua escrita e a língua falada
favorecem o sentido de opinião, mas, dentro do universo do canal escrito, esse
uso é mais freqüente ainda (65% na escrita; 52% na fala). O segundo uso mais
freqüente na língua oral é o de ‘incerteza’, enquanto na língua escrita é o sentido
de ‘sugestão’ (ligeiramente mais alto que o de incerteza).
O uso como
parentético, uma forma mais gramaticalizada, está restrito à língua oral.
D- Tipo de texto
Aqui o objetivo é verificar se há verbos que ocorrem mais freqüentemente
num dado tipo de texto. A alta freqüência de um item num dado contexto pode
ser indício de gramaticalização. Por vezes, a gramaticalização não tem o sentido
mais restrito (do item lexical para o item gramatical ou do item gramatical para o
mais gramatical). O sentido aqui é o mais amplo: o verbo pode fazer parte de
uma estrutura que codifica um tipo de texto. Também serão mostrados os
resultados do cruzamento entre tipos de texto e os sentidos determinados para
cada verbo:
123
Sentidos
Opinião/
Incerteza
Sugestão
Parentético
TOTAL
Aplic
%
Aplic %32
Percepção
Tipos de textos
% Aplic
%
Aplic
42
45
44
47
2
2
5
5
93
18
28
57
21
43
0
0
0
0
49
9
172
56
68
22
65
21
2
1
307
60
16
59
10
37
0
0
1
4
27
5
Descrição
15
45
17
52
0
0
1
3
33
6
Total
273
54
160
31
67
13
9
2
509
100
Narrativa
Aplic
%
experiencial
Narrativa
recontada
Relato
de opinião
Relato
de procedimento
Tabela 6- Usos do verbo achar em diferentes tipos de texto.
O verbo achar concentra seus dados nos relatos de opinião (307
dados – 60%), o que é previsível já que é um verbo que, basicamente, codifica a
modalidade epistêmica que expressa conhecimento, opinião e crença. O sentido
do verbo mais encontrado é obviamente o de ‘opinião’. O segundo tipo de texto
mais favorecedor do uso do verbo é a narrativa experiencial (93 dados – 18%),
mas agora ocorrem dois sentidos com a mesma distribuição: o sentido de opinião
e o de incerteza, cada qual com cerca de 45% dos dados. Neste espaço, o
informante representa a modalidade epistêmica expressando também incertezas
com relação aos fatos ocorridos. Esse resultado está de acordo com os resultados
da pesquisa de Votre (1999) acerca do mesmo verbo.
O relato de procedimento e as narrativas recontadas também favorecem o
sentido de opinião (59% e 57%, respectivamente, de dados com esse sentido).
Nas descrições, prevalece o sentido de incerteza (52%). Há opiniões sobre o que
é descrito e há trechos em que o informante demonstra incertezas com relação à
posição dos objetos num local, ao tempo que leva uma viagem até o local
descrito, dentre outras incertezas. Um resultado interessante é o relativo ao
32
Percentuais obtidos do total de dados do verbo (509 dados).
124
sentido de sugestão: esse sentido praticamente só ocorre nos relatos de opinião,
pois é também um espaço propício para a manifestação de sugestões para uma
mudança do que é criticado.
O uso como parentético com seus poucos dados tem uma concentração
maior nas narrativas experienciais (5 dados) e as demais ocorrências distribuemse pelos outros tipos de textos, exceto a narrativa recontada, que não apresenta
dado como parentético. Mas o número baixo de ocorrências não permite fazer
generalizações.
Verifica-se que, nos relatos de opinião, o verbo é muito freqüente, porque
o falante o utiliza como estratégia de polidez para expressar suas teses de modo
que fique claro que ele não está expressando o conteúdo da subordinada como
fato, mas como uma opinião ou ainda como uma proposição cuja veracidade
pode ser questionada, pois o falante não tem certeza desse conteúdo. O verbo
achar é um modalizador que serve (a) para introduzir uma opinião, permitindo
que o interlocutor saiba que é apenas um ponto de vista; (b) para expressar
incerteza e libertar o falante do comprometimento da verdade que poderia estar
expressa na subordinada e (c) para expressar sugestão. Também neste caso, as
regras de polidez estão presentes, pois o verbo indica, de forma atenuada, que se
trata de uma sugestão, não de uma ordem. Segundo Brow & Levinson (1978:60),
a descoberta dos princípios do uso da linguagem pode coincidir grandemente
com a descoberta dos princípios segundo os quais as relações sociais, em seu
aspecto interacional, são constituídas: dimensões de que se valem os
indivíduos para se relacionarem com os outros de maneira particular.”
O uso desse verbo faz parte dos recursos que os falantes, sobretudo os
adultos, têm para preservar a sua imagem e manter uma boa relação com o
interlocutor.
Além disso, verificou-se, nesta tese, que os relatos de opinião que
expressam temas mais pessoais, que constituem assunto do dia-a-dia dos
informantes, temas mais interessantes para esses informantes, como “religião” e
“violência”, têm uma freqüência menor do modalizador achar (principalmente na
125
primeira pessoa). O falante está tão seguro e tem o tema como algo tão constante
que não se preocupa em marcar suas opiniões com modalizadores como “Eu acho
que...”. Ao contrário, quando os informantes não se sentem à vontade com o
tema ou têm insegurança para desenvolvê-lo (como os temas relacionados à
economia do Brasil, à seleção para as universidades, às atitudes do presidente
Clinton) utilizam muito mais o verbo achar.
E- Escolaridade
O objetivo é verificar se o grau de escolaridade influencia no uso dos
verbos e, principalmente, se há diferenças nos usos dos sentidos dos verbos.
Verificou-se a média de uso do verbo por número de palavras produzidas.
Graus de escolaridade
Ocor.
MÉDIA
Terceiro grau
170
14
Segundo grau (terceiro ano)
190
16
Oitava série
82
9
Quarta série
40
6
Série inicial (alfa + 1ª série)
27
6
Quadro 4 - Médias de ocorrências do verbo achar em cada
10.000 palavras e Escolaridade.
Como era esperado o verbo achar com complemento oracional é mais
usado na produção de informantes mais escolarizados. Os informantes menos
escolarizados (também na maioria crianças) usam menos esse verbo porque não
utilizam a estratégia de polidez envolvida principalmente na modalidade de
opinião. A diferença, embora pequena, entre os usos do segundo e do terceiro
grau deve-se à produção escrita. Os universitários usam menos esse verbo em
seus textos escritos em decorrência do ensino de Redação. O uso do verbo
diminui na escrita de informantes mais escolarizados e na escrita formal (não
houve dado nos editoriais do JB) e aumenta na fala dos mesmos informantes, os
mais escolarizados (e também mais velhos).
O quadro seguinte permite verificar se há diferença nos usos do verbo
achar quanto a esse fator extralingüístico:
126
Sentidos
Opinião/
Incerteza
Sugestão
Parentético
Percepção
Escolaridade
Ocor. Média Ocor. Média Ocor.
Média Ocor.
Média
Terceiro grau
90
7,6
58
5
16
1,3
6
0,5
Segundo grau
110
9,5
55
4,7
22
2
3
0,2
Oitava série
39
4,5
26
3
17
2
0
0
Quarta série
18
2,5
14
2
8
1
0
0
Série inicial
16
3,4
7
1,5
4
1
0
0
(terceiro ano)
(alfa + 1ª série)
Quadro 5 - Médias de ocorrências dos sentidos de achar em cada 10.000 palavras
Verifica-se que o uso de ‘achar-opinião’ tem as maiores médias e que este
uso é mais freqüente a partir da oitava série, crecendo até o terceiro grau. O
mesmo ocorre com o sentido de incerteza, mas a diferença entre as médias é
menor. O uso como parentético epistêmico ocorreu apenas na fala dos
informantes mais escolarizados: 6 dados no terceiro grau e 3 no segundo. Esse
recurso para expressar a atitude de incerteza do falante deve se mais comum na
fala de informantes mais maduros e mais escolarizados, assim como elementos
desgramaticalizados como sabe? né?, tão importantes na argumentação elaborada
de falantes escolarizados (cf. Martelotta et alii, 1996).33
5.1.2.2- O verbo ver
Nos dados analisados, foram detectados os seguintes sentidos para o verbo
ver: ‘enxergar’, ‘experimentar’, ‘ouvir’, ‘perceber’, ‘entender’, ‘constatar’,
‘descobrir’ e ‘pensar’. Ainda houve um sentido difícil de nomear, semelhante ao
sentido do advérbio provavelmente: é o uso da expressão “vai ver que”.
33
Com um número tão pequeno de dados não é possível afirmar que esse uso de achar não ocorra na fala
de pessoas com menos escolarização.
127
Como houve dificuldade de criar fronteiras objetivas para distinguir
alguns dos sentidos acima, foi feito um amálgama com os sentidos mais
próximos. Dessa forma, os sentidos encontrados foram:
A) sentido de enxergar, experimentar (sentidos mais concretos diretamente
ligados aos sentidos humanos):
(1) fiz alguns quadros... já... pendurei nos meus quartos alguns quadros... meu tio
também... ele faz quadros... [e isso...]
E: [e como é que é?] que... você faz?
I: bom... vejo... ele fazendo... né? aí depois ele vai me dizendo... como é que eu...
tenho que fazer... contornar... como é que eu tenho que mudar a tinta de um
pincel sem poder... (JOS27, P, R)
(2) É que meu colega disse que vê você passando por aqui todos os dias (QUE32,
N, R, Esc).
B) sentido de perceber, entender, descobrir, pensar, concluir (sentidos mais
abstratos ligados ao plano cognitivo):
(3) Tem dia que eu passo horas e horas conversando sobre os estudos. Hoje
mesmo eu passei a manhã inteira conversando sobre os estudos.
Agora você vê porque eu gosto tanto de conversar sobre a escola.
(JUL1,O,L,Esc)
(4) Hoje em em dia eu vejo que uma pessoa entrando no mercado de trabalho tem
muito menos chances de conseguir um resultado satisfatório do que meus pais
tiveram a trinta anos atrás na década de sessenta. (DAN2, O,R, Esc)
(5) Estava feita a família e ninguém conseguia destruir, era o amor brilhando nos
olhos de cada um. A compreensão dominava a minha vida, comecei a ver como o
ser humano tenta sujar o que ele tem de mais bonito, que é o amor. E quando ele
assume a sua identidade de ser um humano e que precisa de outros, ele vai sendo
liberto do egoismo da soberba da falta de compreensão, enfim, tudo muda.
(GIS3, N, L, Esc)
C) sentido híbrido: quando o sentido concreto e abstrato estão co-ocorrendo:
(6) lembro assim totalmente ... só as coisa mais importante ... foi ... uma linda
mulher ... eu assisti lá na casa do meu noivo ... era louca pra assistir ... uma
amiga me recomendou ... né ... aí eu disse ... “vou ver se é bom mesmo” ... a
história é muito boa mesmo (ROS3, R, L)
128
(7) compro a folha adequada pra fazer... depois eu recorto as figuras... colo... aí
eu critico sobre as figuras... aí depois eu faço a capa... aí eu vejo... se ficou bom...
(...) se não tiver bom eu faço tudo de novo... aí eu... entrego pra professora...
(ISAB, P, N)
(8) vê os cami::nhos e tal... então é impressionante... que de lá de cima a gente
VE... assim... (a) a gente vê como a gente é pequenininho... entendeu? (b) vê
como... tudo é fluido... é lá que eu gosto de ficar... é no alto das montanhas...
E: e como é que é lá? (RAF6, D, R)
D) sentido de verificar algo no futuro: esse sentido se expressa na estrutura “pra
ver se...”, que se configura como uma gramaticalização do verbo em uma
cláusula adverbial final:
(9) eh:: todo mundo quer dinheiro pra isso... quer dinheiro pra aquilo... e que ele
tem que.... segurar... se não não dá... e nisso vai lançar imposto pra ver se entra
mais dinheiro... agora... a gente é que sofre... né? porque eles estão lá...
tentando... segurar... uma... uma (RAF6, D,R)
(10) disse pra... pra ela que se ela não... não desse os brincos... que ele ia::... que
ele ia cortar ela... aí até que ela pegou e deu os brinco pra ele pra ver se... se eles
deixavam ela quieta... né? e o velho pegou e::/ o velho pegou e... e disse que não
entregaria o relógio... (KEL11, R,G)
(11) lá no colégio falando que tava cansado ... isso e aquilo ... porque tava
estudando ... pra batalhar ver se formava em Letras né ... conseguiu ano passado
... foi uma festa muito bonita ... (GER2, O, L)
E- função de advérbio de dúvida (“vai ver que...”)
(12) botando gelo... aí... nada de passar... a dor... aí minha mãe chegava “que
houve? que houve?” “ah... ele chutou a parede... vai ver que torceu o dedo...”
“ah... meu/ o dedo dele... o dedo está quebrado...” começou a confusão...
(RAF61, N, R)
(13) mas passou... eu não sinto mais nada por ele... só amizade... ele é um cara
legal... tem nada demais... vai ver que... é tudo coisa da idade... passa... né? (a
gente) diz que é amor... que vai parar de viver porque dele... nada ... bobeirinha...
só atraçãozinha (MARI, N, N)
Nos exemplo (1) e (2), o verbo ver refere-se unicamente à visão física. No
exemplo 3, ver apresenta o sentido de ‘entender’: o informante conclui seu relato
de opinião dizendo que, depois de sua argumentação, a entrevistadora deve
129
entender por que ela gosta muito de conversar sobre a escola. No exemplo (4), o
informante conclui o que expressa na cláusula subordinada, que é a sua opinião
sobre as dificuldades de emprego nos dias de hoje. O exemplo (5) apresenta o
verbo ver com o sentido de ‘perceber’ ou ‘entender’: a partir do momento em que
ela sentia amor e compreensão dentro de sua família, ela começou a perceber
como isso é importante e como o homem tende a destruir o amor. Em alguns
casos, é nítida a diferença entre os sentidos estabelecidos em B, mas, na maioria
das vezes, dois ou mais sentidos poderiam substituir o verbo ver.
O exemplo (6) é classificado como híbrido, uma vez que integra um
sentido concreto relativo à visão e um abstrato relativo à percepção, à
constatação ou à conclusão: uma amiga recomendou à informante o filme “Uma
linda mulher” e ela responde que iria assistir e depois iria concluir se era bom
mesmo. O exemplo (7) é do mesmo tipo, pois apresenta o sentido de constatar
estando incluído o sentido da visão. O exemplo (8a) é muito interessante, pois
nele vê-se nitidamente que o verbo apresenta, ao mesmo tempo, o sentido
concreto (visão) e o abstrato (percepção ou compreensão, no caso). Trata-se de
uma descrição de um lugar numa montanha de onde se vê a amplitude das coisas
e se pode comparar o tamanho daquele cenário com o tamanho do homem. Temse aí o sentido concreto, pois a comparação é feita através da visão. No entanto,
também é um momento em que o informante faz uma reflexão sobre a beleza e o
poder da natureza e observa que o homem é pequeno, não só em tamanho, mas
também o homem tem pouca força, é mais um elemento da natureza. No exemplo
(8b), entende-se que o verbo ver, apesar de ainda híbrido, ganha traços mais
abstratos, porque a conclusão de que tudo lá é fluído é algo subjetivo e que
certamente não se pode ver, mas sentir ou concluir. Provavelmente, o informante
está se referindo à vibração emanada daquele ambiente. Inclusive ele informa na
escrita que o ambiente é um “maior astral” e é “sublime” (exemplo 14). O
informante repete as idéias num outro trecho em que ele apresenta as duas
cláusulas subordinadas coordenadas integrando o verbo ver. O trecho é transcrito
a seguir:
130
(14) Em compensação, a chegada lá é indescritível: lindíssimo, paisagem
perfeita, maior astral são palavras pequenas para aquele lugar tão sublime.
Lá de cima se vê parte da serra do Mar e vê-se também [como o mundo é fluído]
[e como nós somos pequenos.] (RAF6, D,R, Esc)
Os exemplos 9, 10 e 11 apresentam o verbo dentro de uma cláusula
adverbial final e o sentido é difícil de se definir, tendendo a ser algo como
‘verificar’. O mesmo sentido também pode ocorrer em outras estruturas
diferentes de “pra ver se...”, mas isso é raro:
(15) Paulo era um cara meio doidão... entendeu? era envolvido com... negócio de
tó::xico... esses negócios... eu e o Jucinei tentávamos muito...ver se tirava ele
de::ssa... porque eu achava que::... ele era/ não tinha nada a ver com aquilo...
entendeu? que ele tinha nascido pra outras coisas... aí (JOR4, R,R)
A estrutura “pra ver se...” pode ter um outro significado, relativo à visão.
Neste caso, a classificação foi outra: foi a mesma dada para os exemplos com o
sentido concreto de ver.
(16) tem até as dunas atrás da casa ... que a gente num deixa de ir ... toda tarde a
gente vai lá ... só pra ... só pra ver o sol se pôr ... só pra pegar (VLA4,D,L)
Os exemplos (12) e (13) constituem uma gramaticalização do verbo ver
com apenas duas ocorrências nos corpora analisados, mas bastante freqüente na
linguagem do dia a dia, pelo menos na do Rio de Janeiro. Trata-se de um uso sem
sujeito, com o sentido de advérbio de dúvida e cristalizado com o verbo ver: a
expressão é “vai ver que...”. O sentido poderia ser parafraseado como uso do
advérbio “provavelmente” ou do verbo “dever”: “Ele provavelmente torceu o
dedo” ou “Ele deve ter torcido o dedo”; “Provavelmente é tudo coisa da idade”
ou “Deve ser tudo coisa da idade”.
O sentido de advérbio de dúvida é considerado aqui, mas os dados foram
eliminados da análise quantitativa uma vez que não há sujeito na primeira
cláusula, impossibilitando a análise de vários fatoeres que formam a categoria
“Graus de integração”.
131
Desconsiderando-se, portanto, esse último uso, há, nas amostras, 194
dados com o verbo ver com complemento oracional. Desses dados, 77 têm o
sentido mais concreto (‘enxergar’, ‘experimentar’, ‘verificar’); 42 dados têm o
sentido abstrato (‘perceber’, ‘entender’, ‘descobrir’, ‘pensar’, ‘concluir’), 42
dados têm o sentido híbrido e 33 dados têm o sentido de ‘verificar algo no
futuro’.
VER
‘Enxergar’
Perceber/
Híbrido
(concreto)
compreender
(concreto
(abstrato)
abstrato)
Verificar
TOTAL
+
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
77
40
42
22
42
22
33
17
194
100
Tabela 7- Freqüência de usos do verbo ver.
Postula-se, tendo como base o princípio da unidirecionalidade, que o
sentido de ‘enxergar’ é fonte para os demais usos, que foram gerados por
transferência metafórica de um verbo que se refere ao sentido humano da visão e
passa a codificar estados da mente (de percepção, interpretação, verificação ou
dúvida). O sentido híbrido é considerado um uso intermediário entre o concreto
propriamente dito e o abstrato.
Quanto às estruturas possíveis, as cláusulas subordinadas do verbo ver podem
ser:
a) cláusula completiva desenvolvida e introduzida por conjunção integrante,
como nos exemplos (4) e (6), mencionados nesta seção;
b) cláusula completiva desenvolvida e introduzida por um pronome com função
sintática dentro da subordinada, como no exemplos (3) e (5);
c) cláusula subordinada com verbo no gerúndio e com sujeito, como no exemplo
(1) e (17);
d) cláusula subordinada com verbo no infinitivo e com sujeito, como nos
exemplos (18) e (19).
132
(17) a gente vê os coelhos correndo... isso é uma praia ( VLA4, D, L)
(18) e Jó, mais uma vez viu sua mulher morrer aos poucos ( VLA4, R, L)
(19) eu ... tenho... participado de várias coisas... vejo várias pessoas falar sobre
essa / as religiões (FLA15, O, R)
Quando a subordinada é introduzida por pronome (considerada por Kury
(1986) uma oração desenvolvida justaposta), não há encaixamento do tipo da
“subordinação”, mas do tipo da “hipotaxe”, em que a integração é menor. O
pronome exerce uma função sintática dentro da cláusula subordinada ao contrário
das conjunções integrantes, sem função sintática e esvaziadas de sentido. A
cláusula seguida de pronome teve sua pontuação diminuída em 1 ponto para
indicar menor integração quando comparada a um período composto com
cláusula completiva com as conjunções que e se.
O verbo ver ocorre também na expressão “deixa eu ver”. Neste caso,
foram considerados apenas os dados que tinham uma oração completiva após o
verbo ver e o sentido atribuído a esse verbo foi o cognitivo (grupo B descrito
acima): ver é ‘pensar’, ou ‘formar uma imagem na mente’, como no exemplo a
seguir:
(20) agora... deixa eu ver se eu esqueci alguma coisa... importante...sim (VLA4,
P,L)
Os dados eliminados da codificação são aqueles dos tipos apresentados na
seção 4.2.
Agora, conforme foi feito para o verbo achar, são apresentados alguns
cruzamentos entre a categoria ‘sentidos’ e outras categorias. A categoria ‘Pessoa
do sujeito’ não foi considerada relevante para este verbo, que não privilegia um
tipo de pessoa do sujeito.
133
A- Graus de integração
A tabela 8 apresenta os resultados da análise dos graus de integração dos
usos do verbo ver:
Menor inte- Graus
gração
de
Aplic
%
0
1
1
1
13
7
2
65
33
3
75
39
4
34
17
5
6
3
6
0
0
7
0
0
Maior inte-
8
0
0
gração
9
0
0
TOTAL
194
100
_________
integração
VER
Tabela 8- Graus de integração de cláusulas com
o verbo ver.
O verbo ver tem comportamento semelhante ao verbo achar: os dados
distribuem-se nos 6 primeiros graus da escala. Também como o verbo achar, o
verbo ver concentra seus dados nos graus 2 (33%) e 3 (39%). Apresenta 17% de
dados no grau 4 e 3% no grau 5. Também é um verbo que, segundo a escala, tem
a maioria dos dados com traços de verbos plenos.
Não há diferenças importantes quanto aos graus de integração dos
diferentes usos do verbo ver: os dados estão concentrados nos graus 2 e 3. Na
verdade, o que vai determinar se a estrutura com o verbo ver é mais integrada ou
menos integrada é o tipo de visão envolvida, se direta ou indireta. A visão direta
normalmente está vinculada à idéia de ‘enxergar’, a visão indireta está ligada à
percepção, à interpretação ou a verificação no futuro. Para controlar esse tipo de
função, criou-se a partir do trabalho de García (no prelo) uma outra categoria
134
somente válida para o verbo ver (dentre o grupo de verbo analisados nesta tese).
Essa categoria é descrita a seguir.
B- Visão direta ou indireta
García, ao estudar os verbos to find ‘achar’, to think ‘pensar’, to observe
‘observar’ e to see ‘ver’ na narrativa “As viagens de Gulliver”, verificou, entre
outras coisas, que, em inglês, as estruturas com “that-clause” favorecem um
interpretação indireta do evento (a percepção do evento é indireta), enquanto as
estruturas com complemento não-finito codificam a percepção direta.34 Com o
objetivo de se verificar se o mesmo fenômeno ocorre em português, os dados
com o verbo ver foram codificados segundo o tipo de visão envolvida, se direta
ou indireta, conforme é mostrado na exemplificação:
a- Visão direta
(21) aí eu plantei as mudas... elas estão crescendo ... eu tenho que molhar todo
dia::a tenho que ver como é que está a terra... tenho que afofar... (RAF6, R, P)
(22) Eu ainda não aprendi direito o caso é que eu vejo meu tio fazer e depois eu
imito (JOS27, P, R, Esc)
b- Visão indireta
(23) se você ler a bíblia profundamente ... você vai ver que Deus não é esse Deus
que a igreja prega ( DIV2, O, L)
(24) A compreensão dominava a minha vida, comecei a ver como o ser humano
tenta sujar o que ele tem de mais bonito, que é o amor. (GIS3, N, L)
Os resultados da língua portuguesa foram muito semelhantes aos
encontrados por García na língua inglesa, confirmando a hipótese de que existe
um relação icônica entre a função (o tipo de visão envolvida na estrutura de
subordinação) e a forma de codificação da subordinada (se desenvolvida com
verbo no indicativo ou se reduzida de gerúndio ou infinitivo) A tabela seguinte
apresenta esse resultado:
34
O autor mostra que a distinção entre visão direta e visão indireta nem sempre é clara, porque a visão
indireta pode ser uma inferência feita a partir de experiências visuais.
135
Estrutura de subord.
Visão
Ver + conectivo+
Ver + cláusula não-finita
TOTAL
cláusula finita
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Visão direta
55
52
51
48
106
100
Visão indireta
88
100
0
0
88
100
Tabela 9- Relação entre Visão e Modo da subordinada
A visão direta pode ser codificada tanto por uma completiva com
conectivo mais cláusula finita quanto por uma cláusula reduzida. Mas a visão
indireta, a que codifica as percepções e interpretações, só pode ser codificada
pela forma menos integrada, que é a completiva finita com verbo no indicativo.
A tabela também mostra que todos os dados com completiva no modo reduzido
codificam a visão direta, ou seja, a forma mais integrada está a serviço da idéia
de visão direta.
O subprincípio da proximidade explica, portanto, a variação estrutural do
verbo ver : quando o evento codificado não é visto diretamente pelo referentesujeito da cláusula principal, sua subordinada é codificada através de uma
cláusula finita com verbo no indicativo, um tipo de estrutura menos integrada. A
estrutura mais integrada, com cláusula reduzida, sempre codifica um evento visto
diretamente pelo referente-sujeito do verbo ver, de modo que o falante une mais
na sua produção lingüística o que é visto diretamente.
C- Canal
Houve 33 dados na amostra escrita e 161 dados na amostra oral. A língua
escrita privilegia o sentido de ‘enxergar’ (45% dos dados de língua escrita),
enquanto a língua oral tem uma distribuição mais homogênea. Esse resultado era
esperado, pois os sentidos de ‘perceber, ‘verificar’ e o chamado híbrido são mais
subjetivos enquanto o sentido de ‘enxergar’ é neutro. O sentido de ‘perceber’, o
mais abstrato, é um modalizador que introduz uma análise com base em
136
percepções e interpretações do referente-sujeito. Na escrita, esse tipo de
modalização é evitada como um dos recursos de manter a objetividade (ensinada
nas aulas de Redação).
D- Tipos de texto
A próxima tabela apresenta os resultados relativos ao verbo ver e seus
sentidos.
Sentidos
‘Enxergar’ ‘Perceber/
Híbrido
(concreto)
compreender
(concreto
(abstrato)
abstrato)
Tipos de textos
Verificar
TOTAL
+
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
21
38
12
21
15
27
8
14
56
30
20
40
8
16
14
28
8
16
50
26
16
39
13
32
4
10
8
20
41
20
11
37
6
20
11
37
2
7
30
15
Descrição
9
53
3
18
4
24
1
6
17
9
TOTAL
77
40
42
22
42
22
33
17
194
100
Narrativa
experiencial
Narrativa
recontada
Relato
de opinião
Relato
de procedimento
Tabela 10- Usos do verbo ver e Tipos de texto.
A narrativa é o tipo de texto favorecedor do uso do verbo ver. Do total de
uso, 106 dados (56% da amostra) estão nas narrativas, juntando-se aí os dados
das narrativas experienciais (56 dados) e das narrativas recontadas (50 dados).
Esse tipo de texto favorece o uso do verbo ver, porque o falante narra o que viu
(enxergou ou percebeu) ou o que um conhecido vivenciou. Sabe-se que a
verbalização de um fato não é a réplica da experiência real, mas o resultado de
diversos fatores cognitivos, pragmáticos e estruturais. No entanto, essa
verbalização é criada a partir da consciência do falante, que vive uma experiência
137
e que percebe (através do órgãos sensoriais, principalmente dos olhos) o que está
ocorrendo a sua volta. Chafe (1980) compara as propriedades da consciência
com os movimentos dos olhos: os olhos percebem cada ser/evento num dado
tempo; as fixações são limitadas em duração; há uma área central que processa a
informação com mais acuidade e outra periférica. O modo de perceber a
realidade, fixando os olhos em determinados seres/eventos, é a forma como a
consciência processa as informações, focalizando em alto grau uma pequena
parte da informação e deixando na periferia uma grande parte desta. O indivíduo
tem, portanto, consciência da realidade ora focalizando uma pequena parte da
informação, ora outra. O que é deixado na periferia também está na consciência,
só que de forma menos nítida (como na visão). Portanto, o ato de ver (tanto o
ver/enxergar como o ver/perceber) é muito importante no formação do discurso
narrativo.
Em todos os tipos de textos, o sentido mais concreto é o predominante. Os
relatos de opinião apresentam um número alto de dados com o sentido mais
abstrato, porque é o tipo de texto propício para a interpretação de fatos.
Os relatos de procedimento apresentam um número alto de dados com o
sentido híbrido, porque neste tipo de texto os informantes relatam como realizar
um dado procedimento e constatam se o que fizeram teve o resultado esperado.
E- Escolaridade
Como ocorre com o verbo achar, o número de dados com o verbo ver
também cresce à medida que se aumenta a escolaridade (mas aqui as médias
estão mais próximas): informantes da série inicial e da quarta série utilizam
menos o verbo ver (médias de 2,6 e 2, respectivamente), enquanto os informantes
das outras séries mais elevadas produziram um número maior de dados com esse
verbo (médias acima de 4 dados em cada 10.000 palavras):
138
Graus de escolaridade
Número
de MÉDIA
ocorrências
em
10.000 palavras
Terceiro grau
58
5
Segundo grau (terceiro ano)
48
4
Oitava série
52
6
Quarta série
19
2,6
Série inicial (alfa + 1ª série)
17
2
Quadro 6- Médias de ocorrências do verbo ver em cada 10.000 palavras
e Escolaridade.
Ao se analisar a relação entre sentidos do verbo e graus de escolaridade,
verificou-se que todas as séries utilizam com predominância o uso mais concreto
do verbo, exceto o terceiro grau que utiliza os sentidos concreto e abstrato na
mesma proporção35:
Sentidos
‘Enxergar’
‘Perceber
Híbrido
Verificar
Total
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Terceiro grau
18
31
19
33
15
26
6
10
58
30
Segundo grau
20
42
14
29
9
19
5
10
48
25
Oitava série
21
40
6
12
7
13
18
35
52
27
Quarta-série
11
58
1
5
5
26
2
11
19
10
Série inicial
7
41
2
12
6
35
2
2
17
9
Total
77
40
42
22
42
22
33
17
194
100
Escolaridade
Tabela 11: Relação entre sentidos do verbo ver e Escolaridade.
A diferença entre as séries está no uso abstrato (‘perceber’, ‘entender’,
‘constatar’, etc.): como era esperado, as séries mais elevadas utilizam mais
freqüentemente o sentido mais abstrato. O sentido de ‘verificação’ é mais usado
na oitava série, uma série intermediária que propícia o uso mais informal do
verbo.
35
Neste caso, optou-se por apresentar a freqüência de uso, ao invés da média em 10.000 palavras, porque
as médias ficaram muito baixas. Mas, em ambos os casos, verificaram-se as mesmas tendências.
139
5.1.2.3- O verbo saber
Os sentidos mais perceptíveis do verbo saber nos corpora analisados são:
A) ‘conhecer’, ‘ter uma informação’ (modalidade epistêmica):
(1) porque eu era menina ... que ele queria um menino ... aí de/ mas depois que
ele soube ... que a outra mulher ganhou... um menino ... aí ele quis ficar
comigo (ANA 40, R, R)
(2) É roupa pra lá e roupa pra cá. Você sabe como é quarto de menino. (JOR4, D,
R, ESC)
(3) e precisava tirar cinco nessa prova... mas não sabia se ia tirar (FLA14, N, R)
B) ‘ser capaz’ (modal de capacidade)
(4) pô ...comida eu sei fazer... pô (JOR4, P,R)
(5) eu sei fazer molho branco, bate no liquidificador (SUZ21, P, R, ESCR)
(6) eu sei fazer uma florzinha de papel crepom... (ERI3, P,R)
O primeiro sentido foi subdividido em ‘conhecer’ e ‘constatar’. Quando o
sentido é de ‘constatar’, há uma gramaticalização na primeira pessoa do singular
e sempre no presente do indicativo, como pode ser lido abaixo:
(7) teve que prestar socorro ao cara lá né?... aí eu sei que ele fez os curativos lá
no ... no... no cara todo ... era bem jovem o cara (CAR1,R, L)
(8) “eu tô pronta pra ir”... eu sei que finalizou na hora agá mesmo ... meus pais
num queriam deixar ... mas na hora agá... aí eu digo ... “não... eu vou” (GIS3, R,
L)
(9) eu num quero questionar isso.... mas eu sei que chegamos... sim... mas depois
de São Paulo teve Santa Catarina (ITA4, N,L)
(10) o carro ia cair no rio... aí eu sei que minha tia se machucou todinha ... que
ela vinha no banco da frente... (ROS3, N,L)
Esse uso ocorre normalmente quando o falante, no momento da
enunciação, parece estar tirando conclusões de fatos passados ou parece estar
140
fazendo constatações. Geralmente, a cláusula principal com o verbo saber é
pronunciada com menos intensidade que a sua subordinada. Além disso, há um
esvaziamento semântico da cláusula principal com o verbo saber, que pode até
ser omitida. Pelas características apresentadas, esse uso é considerado uma
gramaticalização do verbo saber, semelhante àquela descrita a respeito da
expressão epistêmica “I think” do inglês ainda na posição canônica, mas sem a
mobilidade na frase. A integração com a sua cláusula considerada subordinada é
pequena, porque esta é praticamente independente da parte “Aí eu sei ...”
Comparem-se os dados apresentados com “eu sei que...”, considerado uma
gramaticalização (exemplos 8, 9 e 10), com os dados a seguir (também na
primeira pessoa do singular), em que o verbo saber tem uma intensidade maior e
um sentido mais nítido relacionado com o conhecimento. Nestes casos, não há
gramaticalização:
(11) eu acredito em Deus... sei que existe um Deus vivo (FLA15, O, R)
(12) ele falou assim “mentira... eu sei que essa caixa aí é da Redley... (ROB33,
N,R)
A seguir há um dado em que o verbo saber aparece na cláusula principal e
na subordinada, que por sua vez é principal a outra completiva. O primeiro uso é
semanticamente mais esvaziado do que o segundo:
(13) quando ele saía ... né? sei que eu sabia... quando ele saía e tudo (ROS3,N,N)
Constatou-se que o uso “eu sei que” (geralmente “aí eu sei que”) é muito
mais freqüente no corpus de Natal.
Todos os três sentidos têm um traço comum que é o de “ter
conhecimento”, seja uma informação, uma conclusão ou uma capacidade,
geralmente a capacidade de realizar uma prática.
O verbo saber com o sentido básico de ‘conhecer’ foi o uso mais
freqüente: 261 (46%) ocorrências em 565 dados. Em seguida, aparecem os usos
de saber com o sentido de ‘ser capaz’ (235 dados – 41%) e os com o sentido de
‘constatar’ (69-12%).
141
SABER
Conhecer/Ter
Constatar
certeza
eu sei que”
“Aí Ser capaz
TOTAL
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
261
46
69
12
235
41
565
100
Tabela 12- Freqüência de usos do verbo saber.
No sentido de ‘conhecer’ ou ‘constatar’, as categorias “Controle” e
“Implicatividade” não se aplicam. No sentido de ‘ser capaz’, a categoria
“Controle” pode receber um ponto, porque o sujeito da primeira parte da
“locução” é idêntico ao da segunda parte. Normalmente, nos dados analisados,
houve controle da ação, a não ser no caso da negação, quando se marcou zero em
todos os casos.
(14) não sabia fazer absolutamente nada... aí resolvi voltar (RON3, N, J)
O verbo saber com o sentido de capacidade tem uso muito diferente do
verbo com sentido epistêmico. No primeiro caso, o modo do verbo da segunda
parte da “locução” é sempre o infinitivo, o tempo de realização dos eventos é
simultâneo, o sujeito é sempre idêntico, é quase sempre individuado e não há
massa fônica separando as duas partes da “locução”.
(15) I: eu sei fazer um coração...
E: é isso aí... a gente vai começar então pelo... pelo coração (ELIZ, P, N)
(16) Bom, eu sei lavar carro (MARC, P, N, Esc)
Os usos com sentido de conhecimento têm características gramaticais e
semânticas mais imprevisíveis, porém apresentam alguns usos que se repetem: o
modo da subordinada é sempre o indicativo, não há controle e implicação. Essas
características demonstram que esses usos são menos integrados. À mesma
conclusão chega-se se se pensa nas demais categorias, com resultados
imprevisíveis, pois o tempo pode ou não ser simultâneo, o sujeito da segunda
parte pode ou não ser idêntico, etc. Há menos restrições semânticas, pragmáticas
e estruturais, como pode ser visto nos exemplos:
(17) eu acho que eu não andava muito legal ... sei que não gostei de Salvador
queria continuar viajando (RON3, N.J)
142
(18) acho que era greve... uma greve... não sei ( ) sei que as duas pessoas eram
de fora (RON3, N,J)
(19) e falou que/perguntou se/ porque que/ se eu sabia por que que eles tinham
brigado ... aí eu falei que não (SIL4, N, J)
(20) eles sabem que não acontece nada com eles... continuam roubando (SIL4,
O, J)
(21) está caótica entendeu? não sei se ,,, daqui a uns tempos.... os seu filhos ...
entendeu? de repente vão ter condições ... de estudar numa mesma faculdade que
você (JOR4, O, R)]
(22) aí eu disse... a “quem sabe eu não venho aí na tua rua... é tão fácil (ITA4, N,
L)
O exemplo (17) tem sujeitos idênticos e o (18) tem sujeitos diferentes. No
exemplo (19), a subordinada é introduzida por pronome e ainda há um expletivo
(que). No exemplo (20), a subordina está na ordem VS. No exemplo (21), há um
adjunto adverbial deslocado, ficando entre a cláusula principal e a subordinada.
O exemplo (22) apresenta uma completiva sem conectivo ou pronome.
Quando a subordinada é introduzida pelos pronomes quando, quem, que,
onde, etc. (ao invés de complementizador), adota-se na metodologia a mesma
postura apresentada para o verbo ver: diminui-se um ponto na contagem final
para se estabelecer o estágio de gramaticalização. Essa medida é tomada para se
apresentar uma diferença de grau entre uma estrutura tipicamente subordinada e
uma hipotática. O mesmo procedimento foi realizado quando não havia
conjunção ou pronome e a cláusula subordinada estava justaposta à principal:
(23) A minha professora chegou pra mim e falou que aprofessora estava gravida
e o pai não sabia ela estava grávida so quim sabia que era a mãe dela. (JUC76, R,
R, Esc)36
36
O dado “so quem sabia que era a mãe dela” não foi considerado na análise, porque “era a mãe dela” não
complementa o verbo saber. As possilidades de análise são: a) só quem sabia era a mãe dela” ou só quem
sabia que ela estava grávida era a mãe dela”.
143
Neste caso, a oração sem conectivo “ela estava grávida” complementa o
verbo saber.
Os dados com o verbo saber apresentaram menos problemas para a análise
do que os dados com o verbo achar. Alguns dados, de natureza diferente dos
apresentados na lista dada nas seções 4.2 e 5.1.2.1, foram deixados de lado aqui:
1) quando não foi possível ter certeza se a cláusula iniciada pela conjunção que
era mesmo completiva ou se era uma explicativa:
(24) ela diz que ela saiu... në? agora não sei... que sai com todo mundo... ela
falou que saiu com ele (ADR72, R, R)
2) quando havia a forma por quê sem introduzir uma cláusula completiva,
mesmo quando esta poderia estar anteposta à cláusula principal:
(25) gostei mais ainda... sabem por quê ?... ele me agradou muito com seu jeito
de ser (MAR77, N, R)
3) quando havia uma cláusula anteposta ao verbo saber e os pronomes isto ou
disto poderiam estar elípticos:
(26) devia ter saído na reunião que eu havia entrado... eu não ... não fiquei
sabendo [disto] que eu tinha ido embora mais cedo ... pra ir na pizzaria ... aí eu ...
subi um posto a mais... (LEO10,P,J)
4) quando o verbo da cláusula subordinada está elíptico:
(27) Um belo dia, não sei se por causa dos contatos, ele passou em frente a
delegacia e viu lá seu carro estacionado (RAF6, R, R, ESC) [não sei se isso
foi/ocorreu por causa dos contatos]
Um problema encontrado foi tentar estabelecer uma diferença entre as
estruturas “saber como mais infinitivo” e “saber mais infinitivo”, como nos
exemplos dados:
(28) a- ... não sabia como tratar ele (GIO4, N,G)
b- ...não sabia tratar ele.
Na cômputo, o exemplo (28b) receberia uma pontuação maior, indicando
um grau mais forte de integração. A presença de um pronome ou advérbio, como
144
em (28a), indica hipotaxe, portanto menor integração. Semanticamente, a
diferença parece estar no escopo da segunda parte da “locução”: em (28a) uma
ênfase maior é dada à palavra como, que funciona como adjunto adverbial de
modo. No exemplo (28b), o referente-sujeito não tem a capacidade de tratá-lo, ou
seja, o escopo é a ação de tratar e não a forma de fazê-lo.
Propõe-se aqui uma direção para a gramaticalização do verbo saber,
partindo dos dados em que a conexão entre a principal e a subordinada é menor
para os dados em que a conexão é maior. Os exemplos inventados ilustram a
análise na ordem dada, sendo (29b) uma estrutura intermediária:
(29) a- Não sei como devo cozinhar peixe/ Não sei como ele cozinha peixe.
b- Não sei como cozinhar peixe.
c- Não sei cozinhar peixe.
Há um dado em que o informante põe uma vírgula entre o verbo saber e a
cláusula iniciada por como. Esse é um indício de menor integração:
(30) Mas, não é só isso que vocês querem saber, né!? Vocês querem saber, como
é que faz!?
Pois eu falo:
__ Pegue um prato e vidro, e deixe separado. (ANG41, P, R, Esc)
Dada a análise qualitativa, serão apresentados os resultados do cruzamento
dos sentidos do verbo saber com outras categorias:
A- Pessoa gramatical
Os usos dos verbos saber apresentam diferenças importantes neste
cruzamento como pode ser visto na tabela 13, que apresenta os resultados
relativos ao sujeito desse verbo. Recordando, três foram os sentidos atribuídos ao
verbo ver: (a) ‘conhecer/ter certeza’, (b) ‘contatar’ e (c) ‘ser capaz’ .
145
Pessoa do suj.
Sentidos
1ª pessoa
Aplic
2ª pessoa
3ª pessoa
%
Dados
%
Aplic
TOTAL
%
Aplic
%
Conhecer/Ter certeza
138
53
24
9
99
38
261
100
Constatar
69
100
0
0
0
0
69
100
Ser capaz
171
73
5
2
59
25
235
100
TOTAL
378
66
29
5
158
28
565
100
Tabela 13- Usos do verbo ver e Pessoa gramatical do sujeito.
O sentido de ‘constatar’ (“aí eu sei que...”) – que foi descrito na acima
como uma gramaticalização – apresenta todos os seus dados na 1a pessoa do
singular, da mesma forma que ocorre com as expressões “I think” e “Eu acho”.
O sentido de ‘conhecer’ apresenta 53% de seus dados na 1a pessoa, 9% na
2a pessoa e 38% na 3a pessoa, não havendo uma polarização. O sentido de
capacidade apresenta 73% na 1a pessoa, uma vez que a maior parte dos dados
com esse sentido são encontrados nos relatos de procedimento onde os
informantes apresentam (na 1a pessoa) o que eles sabem fazer.
B- Graus de integração
Através da tabela a seguir é possível verificar os graus de integração dos
usos do verbo saber:
146
Menor inte- Graus
gração
de
integração
Aplic
%
0
16
3
1
110
19
2
106
19
3
74
13
4
23
4
5
10
2
6
42
7
7
167
29
8
16
3
9
1
0,1
TOTAL
565
100
Maior integração
_________
SABER
Tabela 14- Graus de integração de cláusulas com
o verbo saber.
Os dados com o verbo saber podem ter pouca integração com a
subordinada (grau 1, 2 e 3) ou forte integração com a subordinada (grau 7). É
imprescindível verificar os sentidos do verbo para explicar esse comportamento
aparentemente estranho. A relação sentido e graus de integração pode ser vista
na tabela a seguir:
Sentidos
Conhecer/Ter
Constatar
certeza
eu sei que”
Aplic
%
Aplic
“Aí Ser capaz
%
Aplic
%
Graus
0
13
5
3
4
0
0
1
68
26
42
61
0
0
2
92
35
14
20
0
0
3
66
25
8
11
0
0
4
20
8
2
3
1
0,5
5
1
0,5
0
0
9
4
6
0
0
0
0
43
18
7
1
0,5
0
0
166
70
8
0
0
0
0
16
7
9
0
0
0
0
0
0
261
100
69
100
235
100
TOTAL
Tabela 15: Usos do verbo saber e Graus de integração.
147
Dois usos do verbo saber têm comportamento semelhante aos verbos
achar e ver: o sentido de ‘conhecer/ ter certeza’ e o sentido de ‘constatar’.
Ambos são sentidos que se referem à modalidade epistêmica. São usos menos
integrados à subordinada, concentrando seus dados nos graus 1, 2 e 3. O sentido
de ‘constatar’ é ainda menos integrado, porque é usado no presente, no momento
da enunciação, para apresentar conclusões, constatações a respeito de fatos
ocorridos no passado. Há um distanciamento temporal e contextual entre o que é
expresso na cláusula principal (“aí eu sei”) e o que é expresso na subordinada.
O sentido de capacidade faz parte de cláusulas principais mais integradas
às subordinadas (70% dos dados tem grau de integração 7). Seu comportamento
sintático e pragmático se distancia dos verbos cognitivos e se aproxima dos
verbos volitivos, principalmente do verbo querer, como poderá ser visto ainda
neste capítulo.
Com o sentido de capacidade, o verbo saber é um modal e, como tal, tem
muitos traços de um verbo auxiliar prototípico. Na escala dada, os usos do verbo
saber com o sentido de capacidade não apresentam qualquer dado com grau 3 ou
menos.
É possível simplificar a tabela 15 apresentando 3 grupos de graus de
integração: primeiro grupo de 0 a 3; segundo grupo de 4 a 6 e terceiro grupo de 7
a 9.
Sentidos
Conhecer/Ter Constatar
certeza
“Aí Ser capaz
eu sei que”
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Graus 0, 1 ,2 e 3
239
91
67
97
0
0
Graus 4, 5 e 6
21
8
2
3
52
23
Graus 7, 8 e 9
1
0,5
0
0
188
77
261
100
69
100
235
100
Graus
TOTAL
Tabela 16- Usos do verbo saber e agrupamentos de Graus de integração.
148
O verbo saber codifica duas modalidades, uma epistêmica, e outra de
capacidade, sendo que essa diferença é refletida na morfossintaxe dos usos: os
usos como epistêmicos apresentam mais de 90% dos dados com pouca
integração, enquanto o uso como modal de capacidade não apresenta dados no
primeiro agrupamento (graus 0, 1, 2 e 3) e apresenta cerca de 80% de seus dados
no último agrupamento (graus 7, 8 e 9).
Dos três verbos cognitivos estudados, o verbo saber é o que mais permite
verificar a atuação do princípio da iconicidade, sobretudo do subprincípio da
proximidade:
a) o uso epistêmico reflete uma crença do referente-sujeito, que pode ser
verdadeira ou falsa; não há controle do sujeito da principal sobre o da
subordinada; não há implicação de eventos; o sujeito da subordinada pode ser
animado ou inanimado; pode ser individuado ou não e a subordinada pode
apresentar eventos em qualquer tempo, independente do tempo do verbo saber.
Tudo isso se reflete na sintaxe, codificada de modo que a cláusula principal e a
subordinada tenham uma integração muito fraca: a subordinada é expressa no
modo indicativo com um complementizador; o sujeito dessa subordinada pode
ser ou não idêntico ao da principal; e é possível inserir outra cláusula entre a
principal com verbo saber e a sua completiva. Dados com essas características
foram codificados como estando no primeiro agrupamento de graus ( de 0 a 3).
b) o uso modal codifica uma capacidade (na grande maioria das vezes, física) do
referente-sujeito. Algo que ele aprendeu pela experiência ou reflexão. Essa
capacidade não se refere a outros indivíduos, mas ao próprio referente-sujeito do
verbo saber. Como reflete a capacidade do referente-sujeito e reflete algo que
passa a ser característica desse ser, é esperado que a morfossintaxe também
espelhe essa integração entre o verbo saber e a sua completiva (que codifica o
que é sabido). Neste uso, a subordinada sempre tem tempo idêntico ao da
principal, tem sujeito sempre animado e geralmente individuado, não há
implicação (porque o verbo saber não é implicativo). Morfossintaticamente, o
sujeito da completiva é sempre zero, o verbo está sempre no infinitivo e não há
149
inserção de elementos entre o verbo saber e a cláusula subordinada. Por todas
essas características, o uso como modal é muito mais integrado à subordinada do
que o uso como verbo epistêmico.
C- Canal
A tabela 17 apresenta os resultados da análise do verbo saber quanto ao
canal:
Sentidos
Conhecer/Ter Constatar “Aí Ser
certeza
eu sei que”
capaz TOTAL
(capacidade
adquirida)
Canal
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Fala
196
46
67
16
162
38
425
100
Escrita
65
46
2
1
73
52
140
100
TOTAL
261
46
69
12
235
41
565
100
Tabela 17- Usos do verbo saber na fala e na escrita.
O verbo saber tem um número considerável de dados na modalidade
escrita (140 dados - 25%). Não há diferenças percentuais no uso de saber com o
sentido de conhecimento (46% em ambos os canais). O sentido de ‘constatar’ é
muito mais freqüente na língua oral. Esse uso é bastante informal, está
gramaticalizado na forma “Eu sei que”, sempre na primeira pessoa e no presente
do indicativo. Sua cláusula subordinada normalmente refere-se a um fato do
passado (vide exemplos 8, 9 e 10 desta subseção).
D- Tipos de texto
O verbo saber apresenta uma distribuição mais homogênea entre os tipos de
texto:
150
Sentidos
Conhecer/T Constatar “Aí Ser capaz
TOTAL
er certeza
eu sei que”
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
66
62
21
20
19
18
106
19
88
56
43
28
25
1
156
27
73
63
2
2
40
35
115
20
17
10
0
0
148
90
165
29
Descrição
17
74
3
13
3
13
23
4
TOTAL
261
46
69
12
235
41
565
100
Tipos de textos
Narrativa
experiencial
Narrativa
recontada
Relato
de opinião
Relato
de procedimento
Tabela 18- Usos do verbo saber em diferentes Tipos de texto.
Juntando os dois tipos de narrativas, verifica-se que 262 dados (46% da
amostra) estão reunidos no gênero narrativo. O sentido epistêmico de
‘conhecimento’ ocorre mais freqüentemente em todos os tipos de texto
analisados, exceto nos relatos de procedimento, em que o sentido mais freqüente
é o de capacidade. Era esperado que esse sentido fosse predominante nos relatos
de procedimentos, porque os informantes relatam os procedimentos do que
sabem fazer, seja uma receita de um prato, uma pintura ou um jogo.
Dos três verbos cognitivos, o verbo saber é o único que ocorre no JB (10
dados), porque é um verbo não-marcado pela subjetividade e pela informalidade.
Dos seus usos, 9 dados têm o sentido de conhecimento e apenas 1 dado tem o
sentido de capacidade. O predomínio do primeiro sentido é coerente com o fato
de o texto se tratar de uma argumentação.
E- Escolaridade
O verbo saber comporta-se de forma semelhante ao verbo achar e ver: o
número de dados aumenta à medida que aumenta a escolaridade. Mas aqui a
151
fronteira está entre a série inicial e a quarta série: os informantes menos
escolaridade produziram um média de 7 dados, enquanto a partir da 4a. série a
média praticamente dobra:
Graus de escolaridade
Número de
MÉDIA
ocorrências
10.000 palavras
Terceiro grau
163
14
Segundo grau (terceiro ano)
177
15
Oitava série
100
12
93
13
32
7
Quarta série
ª
Série inicial (alfa + 1 série)
em
Quadro 7- Médias de ocorrências do verbo saber em cada
10.000 palavras e Escolaridade.
Verificou-se se havia diferenças nos usos do verbo nos diferentes graus de
escolaridade. A média de ocorrência de cada sentido em cada 10.000 palavras
encontra-se no quadro a seguir:
Sentidos
Conhecer/Ter Constatar
Ser capaz
certeza
Ocor. Média Ocor. Média
Ocor.
Média
Escolaridade
Terceiro grau
112
9,4
21
1,7
30
2,5
Segundo grau
77
6,7
34
3
66
5,7
Oitava série
40
4,6
14
1,6
46
5,3
Quarta série
26
3,6
0
0
67
9,4
Série inicial
6
1,2
0
0
26
5,6
(terceiro ano)
ª
(alfa + 1 série)
Quadro 8 - Médias de ocorrências dos sentidos do verbo saber
em cada 10.000 palavras e Escolaridade.
A relação ‘sentidos do verbo saber’ e ‘escolaridade’ revela diferenças
interessantes. Há dois grupos de escolaridade bem diferentes quanto aos usos do
verbo saber: um grupo reunindo os informantes mais escolarizados (segundo e
terceiro graus) com uma produção maior de dados com o sentido de
conhecimento; e outro grupo com os informantes menos escolarizados (série
152
inicial e quarta série) com uma produção maior de dados com o sentido de
capacidade. Esse resultado era esperado, porque o sentido de conhecimento
(modalidade epistêmica) é mais abstrato e requer uma estrutura de subordinação
mais complexa (verbo mais conectivo mais uma cláusula completa, com sujeito e
verbo flexionado); enquanto o sentido de capacidade (modal de capacidade) é
mais concreto e é codificado numa estrutura mais simples (verbo mais verbo no
infinitivo). A oitava série é uma série intermediária e apresenta médias de
ocorrências de dados com os sentidos de conhecimento e de capacidade muito
próximas.
Outro resultado interessante é o uso do sentido de ‘constatar’: os
informantes com menos escolarização não apresentam qualquer dado com esse
sentido. Esse uso, apesar de mais informal, requer uma experiência lingüística
maior. Como foi dito no início desta seção, esse sentido ocorre quando o falante,
no momento da enunciação chega a determinadas conclusões;
há um
esvaziamento semântico da cláusula principal, que recebe uma intensidade
bastante reduzida; e a integração com a cláusula subordinada é pequena, porque
esta subordinada é praticamente independente da oração com saber (cf. os
exemplos de 7 a 10 desta subseção).
Os informantes menos escolarizados devem utilizar menos os usos mais
abstratos do verbo saber e as suas estruturas mais complexas.
Esse resultado remete a um problema: se as estruturas mais integradas são
derivadas das menos integradas, como afirmam os funcionalistas,
então a
construção de saber-ser capaz (codificada através de saber + Inf) seria derivada
da construção saber- conhecer (codificada atrabés de “saber + que+ cláusula
finita”). O sentido epistêmico serviria como fonte para o sentido modal. Mas, no
caso do verbo saber, um sentido mais abstrato estaria gerando um sentido mais
concreto, que envolve geralmente traços abstratos – ligados à cognição, ao
armazenamento na memória – e envolve traços concretos – ligados ao tato, à
manejo. Essa direção infrigiria o princípio da unidirecionalidade semântica.
153
Do ponto de vista sincrônico, há como considerar os diversos graus de
integração, sem mencionar a direção da integração e da mudança semântica.
Quanto ao ponto de vista histórico, o trabalho remete à discussão que vem
ocorrendo desde o final da década de 90 com relação à existência de princípios
relativos a qualquer tipo de unirecionalidade. Essa questão ainda será abordada
na seção 5.2.
5.1.2.4- Graus de integração dos verbos cognitivos – conclusões
parciais
Para se comparar o comportamento dos verbos cognitivos na escala de
integração proposta, serão representados no gráfico a seguir os resultados da
análise de cada verbo:
Gráfico 2: Graus de integração de cláusulas com verbos
cognitivos
50
45
Percentuais
40
35
30
25
20
15
10
5
0
O
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Graus
ACHAR %
VER %
SABER %
Os verbos achar e ver têm comportamento semelhante, apresentando, nas
curvas, pontos máximos nos graus 2 e 3. Não há dados com grau 6 ou grau
maior. Esse resultado comprova a hipótese de que a integração entre as cláusulas
com esses verbos e suas completivas é fraca. O verbo ver é um pouco mais
154
integrado do que o verbo achar, pois ver tem uma freqüência um pouco mais
elevada de dados do que achar nos grau 4 e 5: no grau 4, o verbo ver tem 17%
dos seus dados, enquanto achar tem 11%; no grau 5, ver tem 3% de dados,
enquanto achar tem 1%. Além disso, outras categorias também apontam para
um estágio de maior integração para o verbo ver: quanto ao “Modo da
subordinada”, o verbo ver têm 73% de seus dados no modo indicativo (que
indica pouca integração com a subordinada), enquanto o verbo achar, ainda
menos integrado, apresenta 98% de seus dados no mesmo modo; quanto ao
“Tempo”, as cláusulas com verbo ver apresentam 83% de dados com tempo
simultâneo, enquanto os dados com o verbo achar apresentam 63% com
simultaneidade temporal. Essas pequenas diferenças de integração dão-se
principalmente porque o verbo ver tem dados com completiva no gerúndio,
formando uma construção mais integrada, formal e semanticamente.
O verbo saber apresenta dados em todos os graus estabelecidos, mas os
pontos máximos da curva apresentada no gráfico estão nos graus 2, 3 e 7. Os dois
primeiros graus referem-se sobretudo às cláusulas com esse verbo que expressam
conhecimento (intelectual e não prático), crenças e idéias e o último grau referese à modalidade de capacidade. Dos verbos cognitivos estudados, o verbo saber é
o que apresenta dados com forte integração com a sua completiva. Quando usado
no sentido de ‘capacidade’, aproxima-se do pólo em que está o verbo auxiliar
prototípico ter; quando usado no sentido de ‘conhecer’ ou ‘constatar’ aproximase do pólo onde está um verbo pleno prototípico como exibir. As categorias
apresentadas no capítulo 4 comprovam a maior integração do verbo saber em
relação aos outros cognitivos: o verbo saber apresenta menos dados com modo
indicativo; menos dados com sujeito explícito; maior freqüência de uso de
sujeitos controladores; e maior número de dados com sujeito idêntico.
Os diferentes graus de integração e conseqüentemente as diferentes
estruturas com o verbo ver são determinados sobretudo pela iconicidade existente
na forma de retratar a visão: quando o evento codificado não é visto diretamente
pelo referente-sujeito da cláusula principal, sua subordinada é codificada através
155
de uma cláusula finita com verbo no indicativo, um tipo de estrutura menos
integrada. A estrutura mais integrada, com cláusula reduzida, sempre codifica um
evento visto diretamente pelo referente-sujeito do verbo ver. Dessa forma, o
falante une mais na sua produção lingüística o que é visto diretamente.
Os diferentes graus de integração dos usos do verbo saber são decorrentes
sobretudo das diferenças entre saber com valor cognitivo (menos integrado) e
saber com valor de modal de capacidade (mais gramaticalizado).
As diferenças de graus de integração (embora poucas) entre os usos do
verbo achar são devidas às distinções de sentido do verbo, que são codificadas
na língua de forma diferente, sobretudo o que se chamou de sentido de ‘sugestão’
e o uso parentético.
5.1.3- Usos dos verbos volitivos
Os verbos volitivos representam a modalidade deôntica que expressa,
no caso específico, a vontade do referente-sujeito. Essa vontade pode ser uma
ordem sobre outro ser (deixar, mandar e querer), pode ser um desejo que algo
ocorra para o próprio referente-sujeito (querer), pode ser uma permissão (deixar)
ou ainda um pedido (querer).
Como foi dito no início do capítulo, a hipótese é a de que os verbos
volitivos apresentem uma integração maior com as suas completivas do que os
verbos cognitivos, por causa de uma série de fatores, dentre eles o ‘Controle’ e a
“Implicação’, que tendem a ocorrer nos dados com verbos volitivos.
Analisando somente os verbos volitivos mandar, querer e deixar, as
hipóteses relativas aos graus de integração são: a) existem diferenças de graus de
integração entre os usos (sentidos) de um mesmo verbo; b) e existem diferenças
de graus de integração entre os três verbos analisados, demonstrando que os três
estão em diferentes pontos do contínuo que vai do verbo pleno ao morfema
flexional (“Verb to TMA chain”).
156
Os resultados demonstram que o verbo mandar é o menos integrado, em
seguida está o verbo querer e, por último, o verbo deixar.
5.1.3.1- O verbo mandar
O verbo mandar não apresentou variação de sentido nas amostras
analisadas. Realiza-se com o sentido básico de ‘ordenar’. Dos três verbos
volitivos estudados, é o menos gramaticalizado, assemelhando-se, em termos da
análise escalar, aos verbos cognitivos.
Além de apresentar grau de integração baixo, também se comporta como
um verbo pleno no que tange à freqüência de uso. É o menos freqüente de todos
os verbos estudados aqui, totalizando 93 dados. Desse total, apenas 3
apresentaram cláusula completiva desenvolvida, como em (1). Na maioria dos
casos, ocorre um infinitivo flexionado com o chamado sujeito acusativo, como
em (2):
(1) era um policial à paisana... sem... sem farda... né? aí... de repente... eles...
mandaram/ os rapa/ ele... esse... logo o quinto que entrou... mandou que os
rapazes se levantassem... pra ver o roubo que eles tinham feito... porque já
tinham assaltado as pessoas que estavam na fila do ônibus... aí... aí... diz que de
repente... saiu um tiroteio... ( GIS3, R,L)
(2) ele correu a polícia mandou ele parar... ele não estava ouvindo... aí... atirou
nele... aí ele morreu... (AFONS, N,N)
Em alguns usos o sujeito da subordinada é indeterminado e é omitido:
(3) Ao final da pintura, seque-a na sombra e mande colocar moldura para colocar
na parede (YUR24,R, P, Esc)
Neste caso, aumenta-se o grau de integração, uma vez que os dois verbos
estão muito próximos, não havendo inserção de material fônico entre eles.
Também há casos em que o advérbio não ocorre entre os dois verbos
(principal e subordinada), o que não ocorreu com os verbos querer e deixar:
157
(4) (...) Fomos pra lá dinovo o cara estava lá nós saimos correndo chamamos os
garotos maiores, e eles foram e revistaram o cara e o cara tinha um canivete.
Os garotos mandaram ele não subir mais nem mexer com a gente.
Era no tempo de São Komes é São Damião no tempo de pegar doce e
segui a gente a até o começo da rua depois não subiu.
(ANA39, N,R, Esc)
(5) Eu um dia estava andando de bicicleta eu bati de cara no muro e eu ralei a
cara aí eu teria que tomar ponto a minha mãe disse pra não anda de bicicleta e aí
logo na da que minha mãe mandar eu não andar de bicicleta eu gosto muito de
anda de bicicleta e quando eu nelhorei eu comecei a andar de novo de bicicleta.
(ART42, N, R, Esc)
Observa-se também que o verbo mandar não necessariamente apresenta a
cláusula subordinada com o tempo simultâneo ao tempo da cláusula principal,
apesar de a subordinada apresentar-se no infinitivo. Pode ocorrer, primeiramente,
a ação de mandar e, depois de horas, dias ou anos, pode ocorrer o evento
expresso na oração subordinada:
(6) A Justiça paulista mandou pagar 100 mil reais de Indenização a cada um dos
antigos donos da Escola Base (JB. Cega sim, muda não).
(7) Eu acho minha escola legal tem vários banheiros inspetoras boas professores
bons eles fazem de tudo para melhorar a nota mandam fazer pesquiza e um
monte de trabalho para melhorar a nota. (CAR43, O,R, Esc)
Normalmente, o sujeito de mandar controla a ação do sujeito da oração
subordinada. Também é comum haver a implicação: se alguém manda, alguém
cumpre.
Mas é possível haver uma ordem que não seja cumprida. Neste caso,
o controle pode não existir, ou pode existir parcialmente. Se a ordem não foi
cumprida, não houve implicação, como nos exemplos a seguir:
(8) quando eu cheguei lá com o gafanhoto na mão ... ela mandou eu soltar ... aí
eu não soltei (LUIZ, P, N)
(9) Ele mandava o velho sair e o velho não saia aí ele matou o velho (LUC3, R,
L, Esc)
158
O mais interessante é o que o verbo mandar pode ser usado num contexto
com integração mínima, mesmo tendo o verbo da subordinada no infinitivo. Os
escores podem ser 1 ou 2, o que o aproxima dos verbos cognitivos achar e ver:
(10) Ele foi pegar um táxi ai o homem do táxi falou que morreu muita gente de
noite, só que as meninas que estava contando esse filme disse que ele saiu
correndo e que não queria que a namorada fosse atrás dele. Ele mandava o
policial prender ele mas o policial não prendeu. Ai ele estava parado quando o
amigo chamou ele para entra no cinema. (LUC3, R,L, Esc)
No exemplo dado, não há simultaneidade temporal, não há controle do
sujeito da principal sobre a subordinada (um cidadão comum não manda num
policial), não há implicação da ação, os sujeitos não são idênticos, ocorre massa
fônica entre os dois verbos, o sujeito da subordinada é individuado e é animado.
A integração, portanto, é mínima.
Sendo assim, o verbo mandar é usado como verbo pleno, com sentido
lexical e é um verbo pouco freqüente, uma vez que o seu sentido está bastante
relacionado a contextos específicos (em que um ser animado dá ordens a outro
ser animado), o que não ocorre com um verbo mais gramaticalizado, que tem seu
contexto de atuação ampliado.
Quanto à categoria ‘pessoa gramatical’, o verbo mandar tem, na maior
parte das vezes (86% dos dados), o sujeito na terceira pessoa. O falante apresenta
normalmente um actante que manda um outro fazer algo. O verbo mandar
costuma ser associado a uma idéia negativa, referindo-se a contextos em que haja
arrogância ou delimitação de poder, e, portanto, relação de superioridade. Para
evitar essa idéia negativa, outros verbos são usados (como pedir, solicitar,
querer) quando o sujeito é a primeira ou segunda pessoa, como uma estratégia de
polidez.
A categoria ‘Graus de integração’ demonstra que esse verbo está numa
posição intermediária na escala de integração, apresentando maior freqüência no
ponto 4 (35%). No entanto, tem dados com grau 1 e 2, como os verbos
cognitivos.
159
Menor inte- Graus
de
integração
gração
MANDAR
Aplic
%
0
0
0
1
4
4
2
8
9
3
15
16
4
33
35
5
22
24
6
11
12
7
0
0
Maior inte-
8
0
0
gração
9
0
0
TOTAL
93
100
_________
Tabela 19- Graus de integração de cláusulas com
o verbo mandar.
Através da categoria ‘Tipo de texto’, pode-se constatar que o verbo
mandar é típico das narrativas, uma vez que esse é o espaço propício para
situações que envolvem ordens e personagens com papéis diferentes na relação
de poder:
Narrativa
Narrativa
Relato de
Relato
de Descrição
TOTAL
experiencial
recontada
opinião
procedimento
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
32
34
35
38
15
16
5
5
6
6
93
100
Tabela 20- Distribuição dos dados com o verbo mandar em diferentes Tipos de textos.
A categoria ‘Escolaridade’ revela que os informantes com menos
escolarização, e, no caso da amostra analisada, os mais jovens utilizam mais o
verbo mandar. A média de dados por produção de palavras traz resultados
interessantes:
160
Graus de escolaridade
Número
ocorrências
de Média
em
10.000 palavras
Terceiro grau
13
1
Segundo grau (terceiro ano)
16
1,3
Oitava série
23
2,6
19
2,8
22
5
Quarta série
ª
Série inicial (alfa + 1 série)
Quadro 9- Médias de ocorrências de do verbo mandar em cada
10.000 palavras e Escolaridade.
O número de dados com o verbo mandar diminui à medida que os
informantes aumentam a escolarização. As crianças usam cinco vezes mais o
verbo do que os adultos do terceiro grau. Isso ocorre porque as crianças ainda
não compreendem determinadas estratégias de polidez em que se amenizam os
termos relativos ao poder, ao controle e não entendem a idéia negativa associada
a esse verbo. Muitas vezes, o adulto corrige a criança que diz algo como “Eu não
mandei você pegar água para mim?” ou “Mamãe mandou você ligar para ela”. O
adulto diz “Mandou, não. Pediu”.
5.1.3.2- O verbo querer
Foram encontrados 551 dados do verbo querer com complemento finito e
não-finito. Será dada primeiramente uma descrição das estruturas sintáticas com
esse verbo e, num segundo momento, uma descrição semântica.
Nos corpus analisado, foram utilizadas as seguintes estruturas:
a) verbo mais infinitivo (399 dados):
(1) aí todo mundo fica falando dasaforo ( ) aí volta aquela vidinha ... novamente
que todo mundo acha:: chato ... né ... pronto ... é isso que eu queria falar dessa
cidade ... Espírito Santo (GLI3, D, L)
(2) Dois pivetes armados de canivete pararam os dois e queriam roubar o seu
dinheiro (FLA10,R,G)
b) verbo mais cláusula desenvolvida introduzida pelo conectivo que ( 61dados):
161
(3) dizia pra ele que queria ... que um príncipe... um princípe ... um princípe
encantado viesse buscar ela num cavalo branco (ROS7, R, N, Esc)
(4) ... porque num queria que ele visse é ::a mulher dele lá (CAR1,R,L)
c) verbo mais gerúndio com sujeitos diferentes (1 dado):
(5) deu tudo normal ... mas é um fato que eu não quero que aconteça ... graças a
deus eu não vi... nem quero... nem longe acontecendo comigo (AND1,R,R,)
O uso do verbo seguido de infinitivo é muito mais freqüente do que outros
usos do mesmo verbo, totalizando cerca de 90% das ocorrências. Das
construções com conectivo, 57 dados (10%) tem o verbo da cláusula subordinada
no modo subjuntivo e apenas 4 dados (1%) tem o verbo da cláusula subordinada
no modo indicativo. E ainda há 1 dado com gerúndio (exemplo 5).
Além desses usos, há um outro que não foi encontrado no corpus, mas que
é muito comum, pelo menos na fala cotidiana carioca. É um uso composto pelo
verbo estar mais querer no gerúndio com complemento no infinitivo:
(6) A pedra está querendo cair.
(7) Estou querendo ficar gripada.
(8) O tempo está querendo melhorar.
(9) Está querendo chover.
Pode-se observar que a seleção do sujeito não é determinada pelo verbo
querer e que sujeitos inanimados podem combinar-se com essa expressão “estar
+ querendo+ -r”. Até mesmo orações sem sujeito são usadas, como no exemplo
(9). Os sujeitos das cláusulas (6) e (8) poderiam ser considerados
personificações, como geralmente é dito. Neste caso, os referentes poderiam ter
vontade e poderiam querer algo. Mas a personificação não explica o uso da
oração sem sujeito. Do ponto de vista funcional, é mais plausível interpretar
esses dados como uma gramaticalização que fixou o verbo estar junto com o
verbo querer e eliminou a restrição de seleção de sujeito.
Há três dados no corpus que poderiam ser considerados uma fase
intermediária, que gerou a expressão com o verbo estar. Esses usos apresentam
162
sujeitos inanimados: no exemplo (10), o sujeito é “aquelas marcas”; e no
exemplos (11), o sujeito inanimado é uma “quantidade de ar” (que é uma
anáfora-zero na cláusula com o verbo querer):
(10) aí ele tentou tirar aquelas marcas... aí não queria sair do chão... ele tampou
até com terra mas não queria sair do chão... aí chegou na noite... não choveu não
(JAN19, R, J)
(11) o caminhão tombou... acabou com o caminhão também... aí ele consertou
todo o camin/ o caminhão todo... aí ele estava parado no posto já vazio... o
caminhão devia está naq/ lá dentro com uma:: com uma quantidade de ar
grande... querendo soltar né? dentro da do do baú lá do coisa do caminhão dele...
aí ele pegou e:: estava soldando embaixo do caminhão... (JOS11, R, J)
Quanto ao sentido, não foi possível determinar, com objetividade,
significados diferentes para o verbo querer. O Novo Dicionário Aurélio da
língua portuguesa enumera mais de 20 sentidos para esse verbo, como ‘ter
vontade de’, ‘desejar’; ‘ter a intenção de’, ‘projetar’, ‘tencionar’; ‘desejar possuir
ou adquirir’; ‘ordenar’, ‘exigir’; ‘ambicionar’, ‘cobiçar’; ‘pretender’, ‘solicitar’;
‘ameaçar’; ‘ter afeição’ e ‘gostar’, dentre outros. Mas, quando o verbo apresenta
complemento oracional, é difícil determinar diferenças entre os usos. Verifica-se
um sentido mais relacionado com a idéia de manipulação (no Aurélio, ‘ordenar’,
‘exigir’, ‘solicitar’) sendo a estrutura “querer + cláusula desenvolvida” e um
sentido mais emotivo, mais modal (no Aurélio, ‘pretender’, ‘ambicionar’,
‘tencionar’, ‘desejar’ etc.) quando a estrutura é querer + infinitivo. No entanto, a
estrutura com complemento desenvolvido também pode expressar os sentidos de
‘pretender’ e ‘tencionar’. Além disso, ocorre uma distribuição complementar
determinada pela categoria ‘Sujeito idêntico/diferente’: quando o sujeito é
diferente, usa-se a cláusula desenvolvida como complemento; quando o sujeito é
idêntico, usa-se o infinitivo. Mas essa regra não é categórica como afirmam os
estudiosos da Gramática Gerativa (cf. capítulo 2). Dos 61 dados com conectivo,
ocorreu um dado em que o sujeito era idêntico:
(12) mas ele não queria daquele jeito ... uma coisa ... mecânica ... né? ele queria
que no/ que:: no passar do tempo ... começasse a sentir alguma coisa por ela e
163
ela por ele ... aí ela começava acariciar ele mas ele num queria nada com ela
(ROS7, R, L)
Pode-se adiantar que a categoria ‘Sujeito idêntico/diferente’ é o principal
fator que determina as diferenças estruturais dos usos do verbo querer e,
conseqüentemente, as diferenças nos graus de integração entre cláusulas. O
processo de gramaticalização está avançado, pois cerca de 90% dos dados são
codificados na estrutura “querer + infinitivo”.
Há ainda duas construções derivadas de gramaticalizações do verbo
querer, que está bastante integrado ao que seria a cláusula subordinada. Uma
delas é o uso da expressão “quer dizer”, com função de marcador discursivo
(exemplo 13); e outra construção é feita com o verbo saber (‘querer saber de’),
que está menos cristalizada (exemplo 14):
(13) na parede tem muitos diplomas... meus... quer dizer... muitos que eu acho...
né? tem doze diplomas mais ou menos de curso de estética... que eu já fiz...
(ALC1, D, J)
(14) ... também (quando)/ (quando) a professora... eh.../ quando tem... assim...
eh... três horas... aí... (a ) a gente quer saber só de aula... (b) não quer saber de
ir embora não... que é tão bom ficar na aula... agora quando às vezes assim... não
dá vontade de ir... aí tem que ir que tem que estudar... (FLAV , O, N)
A expressão “quer dizer” com valor de marcador não foi estudada aqui,
pois se trata de um outro processo denominado desgramaticalização ou
discursivização, segundo o qual um elemento sai da gramática e passa a exercer
funções mais discursivas. No caso do marcador “quer dizer”, houve uma erosão
fonética, a expressão tem intensidade fraca e não é possível separar
semanticamente os dois elementos “quer” e “dizer”. Sua função principal é a
retificação de algo que foi dito (Rêgo, 1997).
No entanto, foi considerado dado relevante o enunciado “quer dizer” com
sujeito animado (como nos exemplos 15 e 16), no sentido de alguém querer algo
e esse algo é dizer ou expressar alguma coisa. Essa construção contribuiu para a
criação do uso como marcador.
164
(15) E: mas você num acha ... assim ... que a pena de morte também é uma forma
... um crime? você tá tirando a vida de outra pessoa ... né? mas que que você acha
disso? tem muita gente que fala ... né ... “ah você tá brigando pela vida de uma
pessoa ... mas tá matando outra ...”
I: não ... mas isso num ... eu num pensaria dessa forma ... matou tem que morrer
... num é que ... eu sei que você tá querendo dizer ... que não vai trazer a pessoa
de volta matando o assassino ... mas pelo menos é uma forma de justiça ...
(ROS7, 0, L)
(16) não que eu não acredite no arrependimento (...) o que quero dizer é que não
é dizendo que está arrependido e pronto está salvo. (DIV2, O, L)
Esses usos do verbo querer juntamente com o “complemento” no
infinitivo tem função metalingüística. Essa função, segundo Jakobson (1969), é
codificada por elementos que fazem referência à própria atividade lingüistica.
Tao (no prelo) amplia essa idéia ao estudar o verbo remember ‘lembrar-se’: para
ele, a função metalingüística também está presente naqueles momentos de
interação em que o falante chama a atenção do ouvinte para o que ele está
comunicando, utilizando entre os recursos disponíveis o verbo remember (usado
em construções intercaladas ou no fim da frase).37
Foram encontrados 62 dados (10% dos dados) com o verbo querer em
construção metalingüística. Esses dados podem referir-se ao discurso precedente,
tendo, portanto, função retrospectiva (exemplo17); ao discursivo subseqüente (os
mais freqüentes), tendo função prospectiva(18); ou ainda pode ter valor
retrospectivo e prospectivo ao mesmo tempo (19). O verbo no infinitivo
geralmente é o item dizer, mas outros podem ocorrer, como falar, criticar,
perguntar e descrever. Vale ressaltar que não é o verbo querer que tem a função
metalingüística, mas a perífrase que é formada por ele mais o infinitivo (com seu
complemento desse infinitivo).
(17) I: ( ) quem trabalha muito com isso aqui em Natal é Lavoisier ...
37
“The notion meta-linguistic device here refers to the function of using a form to focus explicitly on the
interaction between participants. This notion is close to what Bateson (1972) and Ruesch and Bateson
(1951) have called the meta-communication function of language.”(TAO, 1999: 21). Os exemplos dados
são: (1) “ You mean, within the district or the state? Because, remember, there’s no data that comes back
to the Federal Government for this test.” (2)” I don’t know if you remember when we were first thinking
about trying to do the intertextual stuff on the IGA”. (3)” The chapter is becoming two chapters.
Remember?” (p. 21)
165
E: Lavoisier seu professor ...
I: não ... quero dizer Lavoisier não ... é ... Josué Flor ... (ITA4, P, L)
(18) bom eu quero dar opinião sobre o voto do Brasil (VAN, O,R)
(19) entendeu... o que que eu tô querendo dizer? se você ler a bíblia
profundamente ... vai ver que Deus não é esse Deus que a igreja protestante
prega... (DIV2,O,L)
Há ainda um outro uso, derivado do último descrito, que está sendo
considerado aqui na análise qualitativa, mas que foi eliminado na quantitativa. É
o uso de “quer dizer” com sujeito inanimado (normalmente o sujeito é o pronome
indefinido “isso”), sendo que não mais se mantém o significado individual dos
verbos querer e dizer. Aqui os verbos formam um nome composto com o sentido
de ‘significar’, como pode ser visto a seguir. A função da composição também é
metalingüística:
(20) que o bispo usa... o anel... que é o símbolo de::... de::... vamos dizer...
importância dele... de superioridade dele... superioridade assim... entre aspas...
né? não quer dizer que ele é superior a nós... né? mas um símbolo assim... de::...
E: da hierarquia... (LEO10, D,J)
(21) às vezes não... não é... não adianta... então... aumenta cada vez o número de
votos brancos e nulos... isso quer dizer o quê? ganha aquele que tiver pelo menos
um ou dois votos... então... fazer o quê? (GIO4, O, G)
Esses usos não são comuns. Foram apenas quatro dados em todo o corpus
do português contemporâneo.
É possível apresentar uma trajetória evolutiva da gramaticalização de
querer seguido de dizer:
1- Ele quer algo: ele quer dizer algo
2- Com essas palavras/atitudes, ele quer dizer algo
3- Isso que ele falou/fez quer dizer algo (significa algo)
4- Quer dizer (tudo o que foi falado quer dizer algo)
5- ... quer dizer... (com função de marcador para correção, para manter o turno,
etc), como no exemplo (13) desta seção.
166
Será descrito agora o uso de “querer saber”. Esse tipo de uso foi
computado na análise uma vez que a gramaticalização não está tão consolidada
como o uso de “quer dizer” com o sentido de ‘significar’ ou como marcador. A
expressão “querer saber” significa ‘importar-se’, ‘interessar-se’, mas os verbos
querer e saber ainda estão independentes (ao contrário de “quer dizer”). Há nas
amostras somente 15 dados, dentre os quais estão os seguintes:
(22) acho que o governo devia fazer alguma coisa ... porque eles só ... eles só
querer saber de imposto... imposto na/ imposto disso (CRI26, O, R)
(23) estava tudo bonito... com flores ... garfos ... aí eu acho que já fiquei já
meio... irritada ... aí eu já... não queria mais saber de etiqueta ... fui logo pegando
os talahares...(ELIA, N,N)
(24) ... também (quando)/ (quando) a professora... eh.../ quando tem... assim...
eh... três horas... aí... (a ) a gente quer saber só de aula... (b) não quer saber de
ir embora não... que é tão bom ficar na aula... agora quando às vezes assim... não
dá vontade de ir... aí tem que ir que tem que estudar... (FLAV , O, N)
Sabe-se da ocorrência da expressão “só querer saber de”: “Ele só quer
saber de estudar”; “Ele só quer saber de brincar”. Mas há um enunciado de uma
informante no corpus de Niterói que fala a expressão sem o advérbio só:
(25) Ela quer saber de ficar deitada com a perna para cima (MARI, P,N)
Há outro enunciado com o advérbio estando no complemento do verbo
saber, é o exemplo (24a), mencionado.
O uso da expressão “querer + saber + complemento”, com suas pequenas
variações estruturais, ocorre nos trechos em que o evento codificado como objeto
do verbo saber não é considerado normal, por ser incorreto (por não seguir regras
estabelecidas), exagerado ou estranho, como demonstram os exemplos acima.
Além desses, há ainda a expressão “querer nem saber”. Aqui a
gramaticalização está mais avançada, pois nem mesmo é necessário um
complemento para o verbo saber, como no exemplo a seguir:
(26) aí falei até com meu namorado... pra ver se ele se mancava... sabe? mas aí
ele pegou... e continuo olhando... quis nem saber... (QUE32, N, R)
167
Vê-se que há diferença entre os usos acima e o apresentado a seguir, em
que a independência entre querer e saber é maior:
(27) é um apartamento legal... meu pai comprou... pra mim e pro meu irmão... é
pequeno... não é grande... tem dois quartos... está sendo decorado ainda... não
terminou ((riso)) a decoração.... e::... pô... o que que tu quer saber? eu não sei...
(DAN2,, D,R)
(28) ... e se você quiser saber o que Fernando Henrique vai saber... é só você ter
lido o jornal da Argentina de um ano e meio atrás... ou de dois anos atrás... que
tudo foi assim... ou:: no México também... ele não tem (AYDA, O, N)
A seguir são apresentados os resultados relativos aos graus de integração
detectados para os dados com o verbo querer:
Menor inte- Graus
gração
de
integração
QUERER
Aplic
%
0
0
0
1
0
0
2
7
1
3
22
4
4
25
4
5
19
3
6
73
13
7
139
25
Maior inte-
8
194
35
gração
9
72
13
TOTAL
551
100
_________
Tabela 21- Graus de integração de cláusulas com
o verbo querer.
Através dessa categoria, vê-se que a maior parte dos dados com o verbos
querer está concentrada nos graus 7 e 8 (60% de toda a produção). Além disso,
há uma grande incidência de verbos no último grau estabelecido:13%. Isso
demonstra que o verbo querer é um modalizador (para expressar vontade) que
está bastante gramaticalizado e, no contínuo que vai do verbo pleno ao morfema
168
flexional, passando pelo auxiliar prototípico, esse é um item próximo do auxiliar.
O termo verbo modal pode ser usado aqui, pois, além de expressar uma
modalidade, esse verbo ocorre majoritariamente em perífrases. Além disso, sabese que há usos de oração sem sujeito (“Está querendo chover”) e usos de sujeito
inanimado (“A mancha não quer sair”).
Os dados com graus mais baixos são geralmente aqueles codificados com
complemento introduzido por conectivo. Dos 61 dados com conectivo (“querer +
que”), 7 dados apresentam grau 2, 21 dados apresentam grau 3, 24 dados, grau 4
e 9 dados, grau 5. E, repetindo, a integração mais fraca desse uso é definida
principalmente pelo sujeito diferente.
Os graus de integração mais altos apenas apresentam as construções de
querer com infinitivo. As diferenças de graus de integração detectadas para esses
graus mais altos são decorrentes sobretudo do fator ‘Implicação’.
Segundo
Givón (1990), as construções implicativas são mais integradas, porque o evento
codificado na cláusula principal determina a realização do que é codificado na
cláusula subordinada. Dessa forma, as indivíduos interpretariam de forma mais
integrada as duas idéias. No capítulo 4, foi descrita a categoria ‘Implicação’ e
apresentados os exemplos que ilustram a categoria. Aqui será feito um
cruzamento entre essa categoria e os graus 2 (o mais baixo detectado para o
verbo querer), 7, 8 e 9 (os mais altos):
GRAUS DE
INTEGRAÇÃO
DADOS
DADOS
NÃO- TOTAL
IMPLICATIVOS
IMPLICATIVOS
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
2
0
0
7
100
7
100
7
54
39
85
61
139
100
8
160
82
34
17
194
100
9
70
97
2
2
72
100
Tabela 22- Relação entre Implicação e Graus de integração
Os dados com conectivo (grau 2) são todos não-implicativos. O grau 7
apresenta um aumento bastante considerável de dados implicativos: 39%. No
169
entanto, nos graus 8 e 9, o número de dados implicativos é muito maior: 82% e
97%, respectivamente. No último grau, os dados são quase categoricamente
implicativos. Portanto, os eventos desejados são realizados, o que justifica uma
das versões de um provérbio: “Querer é poder”.
As categorias controladas demonstram que o uso de querer está
equilibrado. Em todas os graus de escolaridade, a média de dados com o verbo
por palavras é praticamente a mesma: cerca de 12 dados em 10.000 palavras.
Ocorre uma média um pouco mais alta na 8a. série (15 dados), sem que qualquer
motivação fosse detectada. Não há um tipo de texto que seja o espaço mais
propício para esse verbo: 31% dos dados ocorrem nos relatos de opinião, 29%
nas narrativas recontadas, 22% na narrativas experienciais, 11% nos relatos de
procedimento e 6% nas descrições (que apresentaram valores baixos para todos
os verbos). Os relatos de opinião tem um percentual maior, porque nesses textos,
além de os informantes expressarem sua opiniões, também dão sugestões e
expressam seus desejos de mudança do país, da escola e do sistema penal; ou
expressam a opinião do que acham que os governantes, religiosos, etc., objetivam
(querem) fazer a partir de determinadas atitudes. Os relatos de procedimento e as
descrições são textos mais objetivos, com verbos específicos, em geral não
havendo uso da modalidade que expressa desejo.
Como o item querer está próximo de um elemento gramatical na trajetória
verbo pleno > auxiliar > morfema, seu uso é freqüente e se equilibra na produção
lingüística de informantes homens e mulheres de diferentes graus de escolaridade
e nas narrativas e relatos de opinião.
Os usos do verbo querer em construções com função metalingüística38 (cf.
exemplos) apresentam o mesmo comportamento que os outros usos sem essa
função. No entanto, ao se separarem os dados com função metalingüística (62
dados ou 11%) dos demais usos, duas diferenças importantes são detectadas: (a)
o uso metalingüístico é feito geralmente na primeira pessoa, como forma de o
38
Vale ressaltar que não estão computados os casos de “quer dizer” como marcador discursivo ou com o
sentido de ‘significar’.
170
falante se referir a sua própria atividade lingüística de dizer, criticar, opinar,
descrever, etc., enquanto os dados sem essa função são produzidos geralmente na
terceira pessoa; (b) o uso metalingüístico é muito mais freqüente no terceiro grau,
o que é coerente com a idéia de que os informantes mais escolarizados têm mais
recursos lingüísticos para expressar diferentes funções, principalmente a
metalingüística. A tabela a seguir apresenta o resultado da média de ocorrência
dos dados em 10.000 palavras:
Função Metalingüística
Média em 10.000 palavras
Graus de escolaridade
Terceiro grau
Segundo grau (terceiro ano)
Oitava série
Quarta série
ª
Série inicial (alfa + 1 série)
Com FM
Sem FM
2,3
12
1
13
1,5
15
0,5
11
1
10
Quadro 10- Relação entre construção com Função
Metalingüística (FM) e Graus de escolaridade.
A média de uso do verbo querer em perífrases com função metalingüística
dobra da Série inicial para o 3o grau, enquanto a média de uso do verbo com
valor neutro mantém-se praticamente a mesma nestes dois graus.
Esse uso determina a criação do marcador discursivo “quer dizer”(já com
fusão das duas palavras), que tem principalmente a função metalingüística de
ratificar ou parafrasear um trecho do discurso precedente.
5.1.3.3- O verbo deixar
Em toda a amostra analisada, foram coletados 249 dados com o verbo
deixar seguido de complemento. Os sentidos atribuídos aqui ao verbo deixar são:
A) permitir, consentir:
171
(1) eu vou contar a história da minha mãe... a minha mãe... quando... ela era
adolescente... a minha avó não... deixava que ela fosse pro/ para os bailes se
divertir... né? e a minha mãe detestava isso... (CRI26, R, R)
(2) eh:: sobre os meus pais... eles são... super::/ ah... eles não deixam eu sair...
sabe? eu acho que::... é um bando de careta... (PAT30, O, R)
B) aguardar, esperar:
(3) um copo... de mais ou menos... duzentas e cinqüenta gramas de leite... e
despeja numa panela... e bota pra fi/ pra esquentar... né? aquecer... aí você deixa
aquecer até uma certa temperatura mais ou menos... e aí despeja o fermento
biológico... né? aquele fermento quadrado... aí você dissolve o fermento ( CAL9,
P, R)
(4) aí tu vai... bota um pouquinho de óleo... aí depois tu põe o macarrão lá... aí
deixa ficar dez minutos... cozinhando... você tira o macarrão... põe no
escorredor... abre a torneira... (JEA17, P,R)
C) causar, fazer:
(5) Pegou a mão da irmã, passaram a roleta, não pagaram e pediram ao motorista
que parasse, saltaram e deixaram todos sem entender nada, até o ladrão.Isto em
questão de segundos. (CRIS11, R, R,ESC)
(6) Pego uma estopa passo numa pasta branca e esfrego no painel, tirando todas
as manchas, deixando-o brilhando. (JOS11, P, J,ESC)
D- parar, terminar:
(7) namorado... de colega minha não... eu acho (covardia)... QUER sair com o
cara ou com o namorado... a gente mesmo tem que arranjar... né? concorda
comigo? ((riso)) eu acho isso... mas... olha... elas deixaram de falar comigo... por
causa dessa bobeira... né? ontem mesmo a professora perguntou por que o motivo
da... fofoca... (ROS78, R, R)
(8) e acho que a família deve ser preservada ... uma sociedade sem esses ... sem
esses ... princípios básicos ... a família eu acho que é sagrada ... se ela deixar de
existir a humanidade vai ... vai sucumbir ... entendeu? que existam suas variações
... seus é ... é ... discordâncias é ... pessoas cheguem a se separar ... mas que não
seja uma tendência ge/ geral ... (ITA4,0,L)
E- evitar:
(9) Como não poderia deixar de acontecer, os dois parceiros desconsiderados
(PSDB e PFL) entraram em ação e contestaram a ganância do PMDB (SOL, JB)
172
(10) Como não poderia deixar de ser, criou-se um déficit descomunal na
previdência do servidor público, muito superior à dos trabalhadores privados
(ORD, JB)
O sentido de ‘permitir’ tem duas acepções: a) permitir que um outro
referente-sujeito faça algo; b) permitir ser controlado por um outro referente. Os
exemplos dados em (1) e (2) são do primeiro tipo, em que o referente-sujeito do
verbo deixar exerce algum controle sobre um outro referente-sujeito apresentado
na cláusula subordinada. Os exemplos dados a seguir ilustram o segundo tipo, em
que ambas as cláusulas (a principal e a subordinada) têm o mesmo referente. O
controle é feito pelo referente que está codificado através de um sintagma
preposicional com função de agente da passiva:
(11) O então candidato do PDT se deixou levar pela pressão corporativa dos 13
mil empregados da CEDAE (JB. Solução tardia)
(12) olha ... é um assunto bastante polêmico ... né ... um dos mais polêmicos e
que ... você tem que analisar ... friamente ... muita gente se deixa levar pela
emoção ... né ... você tem que ver coisa por coisa ... eu sou totalmente contra a
pena de morte ... (GUS2, O,L)
No exemplo (11), o referente “o candidato” sofre manipulação através da
pressão corporativa dos 13 mil empregados da CEDAE. Em (12), o informante
afirma que a opinião de muita gente é construída através da emoção; e dessa
forma opinam a respeito da pena de morte. Esse tipo de sentido não é feito com a
subordinada introduzida pelo conectivo. A comparação a seguir deixa claro que
há diferenças conceptuais:
(13) Ela se deixa levar pelo namorado.
(14) Ela deixa que o namorado a leve.
No exemplo (14), o sentido de levar é mais concreto, tendo como
sinônimo o verbo ‘carregar’ ou ‘conduzir’, enquanto no exemplo (13), com
infinitivo e o sintagma preposicional, o sentido é mais abstrato, expressando algo
relacionado a atitudes e pensamento. Uma paráfrase poderia ser “Ela segue as
idéias do namorado”.
173
Foram apenas 9 dados como os exemplos (11) e (12), que estão incluídos
no sentido de ‘permitir’.
Dos 249 dados, 105 dados têm o sentido de ‘permitir’, 88 dados têm o
sentido de ‘aguardar’, 40 dados têm o sentido de ‘parar’/’terminar’, 5 dados têm
o sentido de ‘evitar’ e 5 têm o sentido de ‘causar’/’fazer’, como mostra a tabela a
seguir:
Permitir/con- Aguardar
Parar/terminar Evitar
Causar/fazer
TOTAL
sentir
DEIXAR
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
105
42
88
35
40
16
5
2
11
4
249
100
Tabela 23: Usos do verbo deixar.
Optou-se por juntar os dados com o sentido de ‘parar’ com os com o
sentido de ‘evitar’, que tem uma freqüência muito baixa. A junção dá-se porque
ambos os sentidos são codificados com a mesma estrutura – “deixar de mais
infinitivo” – e geralmente nos dados com o sentido de ‘parar’ também está
implícita a idéia de ‘evitar’. A partir daqui só haverá referência aos termos
‘parar’/ ‘terminar’.
Com exceção do sentido de ‘parar’/‘terminar’, todos os outros estão
relacionados à idéia de manipulação de um ser. O sentido ‘parar’/ ‘terminar’ é,
como foi dito, sempre codificado pela estrutura “deixar de mais infinitivo”, tendo
sujeito idêntico. É o uso mais gramaticalizado do verbo deixar, que passa de
núcleo da cláusula principal para marcador de aspecto terminativo. Passa a um
grau mais próximo a de um auxiliar prototípico. Aceita inclusive sujeito
inanimado como em:
(15) A exploração política das favelas deixou de oferecer vantagens depois de
demonstrada a incapacidade de deter a ocupação desordenada e predatória dos
morros (CEM, JB)
A ocorrência de deixar com o sentido de ‘aguardar’ é geralmente atribuído
aos usos do verbo nos relatos de procedimento em que um ser deve realizar
174
alguma ação que durará algum tempo para se conseguir o efeito desejado. Mas o
sentido de manipulação, de permissão, ainda está presente. Nos exemplos dados
para o sentido B, o verbo deixar poderia ser interpretado como “permitir que o
evento codificado na cláusula completiva aconteça” ou “aguardar que o evento
aconteça”. O sentido de ‘esperar’/’aguardar’ durante um tempo é predominante.
Geralmente, esses usos vêm acompanhados de expressões de tempo, como
‘depois’, ‘durante algum tempo’ e ‘durante alguns minutos’. O uso está
relacionado a uma etapa do procedimento, que normalmente dura algum tempo
para que se possa realizar a etapa seguinte, como nos exemplos dados.
Em
todos
os
dados
classificados
como
tendo
o
sentido
de
‘aguardar’/’esperar’, o ser manipulado (objeto do verbo deixar e sujeito do verbo
da cláusula completiva) é inanimado e o verbo da cláusula subordinada sempre
está no infinitivo. O sentido de ‘não se importar’ também tem na subordinada um
sujeito inanimado.
Já o verbo deixar com o sentido de ‘permitir’ tem seu complemento com
um sujeito animado. A oração completiva, neste caso, pode ser reduzida ou
desenvolvida (como nos exemplos atribuídos ao sentido A, acima).
O referente-sujeito da cláusula com deixar controla total ou parcialmente
as ações do sujeito da cláusula completiva, como será mostrado com os
exemplos:
(16) porque... “mas a gente não pode/ você não pode levar a gente porque nós/
eu/... minha mãe não deixa eu namorar... eu namorava escondido... se você for lá
perto da minha rua... ela vai me ver contigo... aí vai depois brigar comigo...”
(QUE32, N, R)
(17) nunca tinha acontecido isso comigo... a minha mãe falou “ah... vai lá... fala
com a professora que você não... não estava colando... não teve culpa...” aí no dia
seguinte eu voltei lá... falei com a professora e... resolvi tudo... expliquei
direitinho... aí ela deixou fazer a segunda chamada... aí eu fiz a segunda chamada
e até que eu tirei uma boa nota na prova... (ISA16, N, R)
Dados como o expresso no exemplo (16) têm o sentido de ‘permitir’, mas na
verdade o referente da cláusula principal não controla totalmente a ação expressa
175
pela subordinada, porque, pelo próprio contexto, se sabe que a informante
namora independentemente da vontade da mãe. Já no exemplo (17), a professora
controla a ação expressa na cláusula subordinada e manipula o sujeito, que só
pôde fazer a prova depois da autorização da professora.
Usos com controle parcial são mais comuns:
(18) I: é... né? porque... aí... ele era/ porque ele era mais novo do que eu... ele era
mais novo do que eu ( ) não queria deixar... a gente namorar... mas não
adiantava nada... a gente namorava escondido assim mesmo... (ADR72, N,R)
(19) Ela estava com uma blusa branca e ficou toda suja de sangue... aí ela
começou a gritar pessando que o tiro tinha pego também nela foi um desespero
total... aí o motorista quiz fechar a porta não deixando ninguém sair mais ela
muito esperta arrastou dali sua cunhada e sua subrinha para fora do onibus e
foram embora. (MAR77, N,R,ESC)
(20) e essa garota foi sem o emblema da escola no bolso e sem a estrelinha... que
é um brochinho que a gente usa pra indicar de qual ano que... que... é... né? então
ela foi sem isso e o diretor barrou... não deixou ela subir... pra ir assistir à aula...
e ela ia fazer prova... então o diretor foi até a coordenação... pra pegar um papel e
dar advertência... quando ele foi na... coordena... na... coordenação pegar esse
papel... a garota subiu:: e entrou dentro de sala de aula... ele ficou procurando ela
pela escola sem saber (SUZ21, R, R)
Nestes casos, foi considerado que o controle e a implicação eram parciais,
atribuindo-se 0,5 ponto para cada categoria.
A integração dos verbos numa espécie de locução verbal indica uma
integração semântica forte. Em “minha avó não deixava que ela fosse para os
bailes”, por exemplo, há duas unidades conceptuais: o fato de a mãe não permitir
algo e a ida ao baile. É possível separar as duas unidades, a ponto de a filha sair
independentemente da vontade da mãe. Já em “elas deixaram de falar comigo ...
por causa dessa bobeira”, não há como separar os dois eventos. Não é possível
separar deixar e falar como duas unidades conceptuais e o verbo deixar ganha
um sentido gramatical, que é o de indicar aspecto terminativo.
O uso de “deixar de mais infinitivo” é predominante nos textos do corpus JB,
o que indica que essa gramaticalização está ocupando os meios mais formais e
provavelmente vem aumentando a sua freqüência em ambas as modalidades:
176
(21) Mesmo o trabalhador industrial (...) que está deixando rapidamente de ser o
eixo central da classe trabalhadora não conseguirá boa produtividade (...) se não
se atualizar constantemente (JB.Porta da Frente)
(22) Governos que espalham incerteza deixando de honrar o que devem, apenas
contribuem para anuviar o horizonte. (JB. Banco dos Bancos)
O sentido de ‘causar’/ ‘fazer’ é atribuído aos casos em que o sujeito de
deixar modifica o estado do referente-sujeito da cláusula subordinada, mas não
tenta manipulá-lo. O sujeito do verbo pode ser inanimado:
(23) Pego uma estopa passo numa pasta branca e esfrego no painel, tirando todas
as manchas, deixando-o brilhando. (JOS11, P, J,ESC)
Na maior parte dos casos, após a determinação desses quatro sentidos
básicos, não houve dificuldades para a codificação dessa categoria. No entanto,
há um tipo de dado de difícil interpretação: quando há um advérbio de negação, o
sentido da locução “deixar de + infinitivo” é uma afirmação do verbo que está no
infinitivo:
(24) que mostra Deus mais acessível ... que as pessoas tenham mais condições de
se aproximar dele ... você pode ... você pode até se questionar e você obtem
resposta ... se você parte para o candomblé ... né ... a macumba ... propriamente
dita ... não deixa de ser uma forma de atingir Deus ... porque eles também falam
em Deus ... só que sob outro aspecto ... o candomblé também é dividido ...
(DIV2, O, L)
[a macumba é uma forma de atingir a Deus]
(25) sabemos que existe ainda ... feudos de dominação ... sociedade de
dominação ... é:: dentro do nosso país ... do que uma novela daquela ... mas se
bem que num deixavam de ter seus personagens feudais como o Senhorzinho
Malta era? não é ... aquele lá o Lima Duarte e a ... e a ... Renata Sorah ... eram
senhores feudais mas ... diluídos dentro de um tema (ITA4,O,L)
[uma novela daquela bem que tinha seus personagens feudais]
Ainda há um outro sentido do verbo quando ele aparece na expressão
“deixa eu ver”. Aqui ocorre um amálgama e não é possível a separação entre as
orações com deixar e ver. A expressão serve como um marcador discursivo
usado nos momentos em que o informante precisa de tempo para se lembrar de
177
alguma informação, mantendo o turno com esse marcador. O sentido original
pode ser ambíguo: “permita-me ou espere-me ver”, com o verbo ver usado
metaforicamente como pensar (ver no plano mental).
(26) eu descrever... né? é um quarto de pi::so ((riso)) antes era uma cama
beliche... aí meu irmão mais velho casou... eu tirei a cama beliche... ficou com a
cama de baixo... deixa eu ver... meu lençol é azulzinho... minha mãe... vire e
mexe está trocando... né? minha mãe é muito vaidosa... é uma pessoa muito
vaidosa... (JOR4, D, R)
(27) I: E: tá... me explica então como é que faz...
I: ((riso)) eh... pega... deixa eu ver... três cenouras... médias... descasca e corta...
picadinha... pequenininha... bota no liqüidificador... pega um copo de óleo... três
ovos... bate tudo (FLA15, P, R)
Há usos intermediários em que se percebe como esse marcador está sendo
gerado. Neste caso, a expressão “deixa eu ver” não está estrutural e
foneticamente separada do contexto seguinte:
(28) ... e quando eu chego ele se torna uma zona... porque minha mãe tem aquele
trabalho todo de arrumar o quarto e quando eu chego volta aquela bagunça toda...
deixa eu ver o que que tem mais no meu quarto... tem uma televisão... tem um
vídeo... tem uma estante... tem uma escrivaninha... (JOR4, D, R)
(29) tem o meu quarto... que... eu passo bastante tempo... o que mais? ah... a área
externa ((descrição da área externa)) e::... deixa eu ver dentro de casa... dentro de
casa tem... meu quarto e a cozinha... eu acho que a cozinha é o lugar predileto
((risos)) de todo mundo... né? (REG7, D, R)
Como marcador ou mesmo nesses usos intermediários, o informante não
pede autorização para pensar. Na verdade, ele se dá um pequeno espaço de tempo
para lembrar o que há ainda para falar e, dessa forma, completar uma descrição,
por exemplo.
As ocorrências com “deixar eu ver” não foram computadas nesta análise,
uma vez que o uso já está gramaticalizado ou em fase bastante avançada de
gramaticalização em que o verbo deixar com sujeito na segunda pessoa juntou-se
ao verbo ver com sujeito na primeira pessoa. As categorias que determinam o
grau de integração levam a analisar separadamente a cláusula principal da
subordinada e somariam um grau baixo de integração se se analisasse
178
separadamente deixar e ver, porque o sentido básico é o de ‘permitir’ e as
cláusulas têm sujeitos diferentes. Mas essa não é a realidade. Portanto, foi
preferido eliminar esses usos da análise quantitativa. Usos como “deixa eu
pensar” e “deixa eu lembrar” foram considerados na análise quantitativa, porque
(a) estão numa fase menos avançada de gramaticalização, havendo normalmente
complemento para os verbos pensar e lembrar; (b) são mais raros que “deixa eu
ver”; (c) podem não apresentar a mesma erosão fonética que a expressão “deixa
eu ver” ([∫o’vê]). Alguns dos dados considerados na análise são exemplificados
em (30) e (31):
(30) num precisava matar ... então se matar pra defender vai morrer os dois ...
porque um ... por exemplo assim ... matar pra defender ... deixe eu dar um
exemplo ... e se morrer os dois na hora ... um matar ... o outro mata também
((riso)) ... os dois se matarem ... (ROS3,O,L)
(31) E: quantas pessoas ficavam no quarto?
I: lá no meu quarto ... no quarto que a gente ficou ... quantas? deixa eu contar ...
tinha o grupo lá ... três ... quatro pessoas né aqui da igreja ... na faixa de nove
pessoas no meu quarto ..SOL4,N,L)
As estruturas encontradas foram:
a) cláusula com o verbo deixar mais uma cláusula completiva com conectivo e
verbo no modo subjuntivo (exemplo 1, desta seção): apenas 4 dados ( 2% da
amostra).
b) cláusula com o verbo deixar mais uma cláusula completiva com sujeito e
verbo no modo não-finito, podendo ser o infinitivo ou gerúndio (exemplos
exemplos 2, 3, 4 e 6): 200 dados ( 80% da amostra).
c) cláusula com o verbo deixar com a preposição de mais infinitivo, (exemplos
de 7 a 10): 88 dados (35% da amostra).
As duas primeiras estruturas apresentam sujeitos diferentes e a última
sujeito idêntico.
A hipótese é a de que em cada estrutura o verbo tenha um sentido
diferente e o grau de integração espelhe diferentes estágios de gramaticalização
179
para o verbo deixar. Essa hipótese é confirmada através dos resultados
apresentados a seguir.
Antes, porém, cabe uma observação: na análise quantitativa, foram
eliminadas as construções com sentido de ‘causar/fazer’, pois o número de dados
é muito baixo (menos de 5% de dados amostra). Portanto, o total de ocorrências
passa a ser 238 dados.
A- Pessoa gramatical
Não há uma pessoa gramatical que retenha grande parte dos dados. Mas há
uma diferença entre os usos: os sentidos de ‘permitir’ e ‘parar’ apresentam a
maior parte de seus dados com sujeito na terceira pessoa; o sentido de ‘aguardar’
é o único entre os três que é utilizado na segunda pessoa numa freqüência alta:
60% dos dados com esse sentido tem sujeito na segunda pessoa. Isso porque o
informante refere-se ao entrevistador ou a um referente genérico, você, no
momento em que está explicando as etapas para se realizar alguma atividade
descrita nos relatos de procedimento.
B- Graus de integração
Os resultados referentes à categoria ‘Graus de integração’ encontram-se na
tabela a seguir:
180
Menor inte- Graus
gração
Maior integração
_________
de
integração
DEIXAR
Aplic
%
0
0
0
1
0
0
2
1
1
3
25
11
4
47
20
5
39
16
6
80
34
7
13
5
8
25
11
9
8
3
TOTAL
238
100
Tabela 24- Graus de integração das cláusulas com
o verbo deixar.
A soma das categorias apresentadas no capítulo 4 permite que se chegue à
conclusão de que esse verbo tem um número maior de dados no grau 6: 33% dos
dados. Mas há um número considerável de dados nos graus intermediários 4 e 5 e
nos graus mais altos de integração. Uma análise dos usos do verbo permite
verificar que o uso com o sentido de ‘parar’/’terminar’, como era previsto, é o
mais integrado dos três usos. Mais do que isso, o uso com esse sentido é o mais
gramaticalizado de todos os usos analisados para todos os seis verbos:
181
sentidos
Permitir
Aplic
%
Aguardar
Parar/terminar
Aplic
Aplic
%
Aplic
Graus
0
0
0
0
0
0
0
1
0
0
0
0
0
0
2
1
1
0
0
0
0
3
24
23
1
1
0
0
4
45
43
2
2
0
0
5
13
12
26
30
0
0
6
18
17
57
65
5
11
7
3
3
2
3
8
18
8
1
1
0
0
24
54
9
0
0
0
0
8
18
105
100
88
100
45
100
TOTAL
Tabela 25- Usos do verbo deixar e Graus de integração.
O sentido de ‘parar’/’terminar’ tem 54% dos dados com o grau de
integração 8 e 18% com o grau 9. Isso significa que o verbo deixar, neste uso,
está muito próximo de um verbo auxiliar prototípico, no contínuo de
gramaticalização. O uso com o sentido de ‘parar’/ ‘terminar’ está distante do
sentido do verbo pleno e a sua função principal deixa de ser lexical para ser
gramatical, expressando aspecto terminativo.
Quanto aos outros usos, o sentido de ‘permitir’ é o menos integrado, tendo
maior freqüência nos graus 3 e 4 (estando a maior parte neste último grau). O
sentido de ‘aguardar’ concentra seus dados nos graus intermediários 5 e 6, tendo
65% neste último grau.
Como era esperado, cada sentido do verbo deixar é codificado na língua
através de uma forma diferente e está em diferentes estágios de gramaticalização
no português contemporâneo. O uso menos integrado, aquele com o sentido de
‘permitir’, pode ser expresso pela estrutura “Sujeito (animado) + verbo + que +
cláusula finita” (apenas 2% dos dados) e principalmente pela estrutura “Sujeito +
verbo + cláusula não-finita com sujeito (no acusativo). O sentido de ‘aguardar’ é
182
uma gramaticalização que está ocorrendo com sujeito na segunda pessoa
principalmente e a cláusula completiva sempre no modo não-finito. Além disso,
na amostra a maioria dos sujeitos da completiva vêm apagados, como em “Deixa
ferver”, “Deixa fritar” e “Deixa secar”. O sentido de ‘parar’ é codificado somente
por “deixar de mais infinitivo”, podendo ter sujeito animado ou inanimado. O
passo seguinte é a aceitação do critério “Sujeito inexistente”, que talvez já seja
uma realidade: uma frase como “Deixou de chover por aqui” não soa de forma
estranha.
C- Canal, Tipo de texto e Escolaridade.
A formalidade do uso de deixar de mais infinitivo explica os resultados
das categorias ‘Canal’, ‘Tipo de texto’ e ‘Escolaridade’.
Verificou-se que o sentido de ‘permitir’ é mais usado na língua oral,
porque é o mais subjetivo dos três e porque é informal. A escrita apresenta outros
itens mais formais que o substituem como os itens consentir e permitir. O uso
mais gramaticalizado tem três vezes mais incidência na língua escrita,
principalmente a mais formal (aqui representada pelos editoriais). Esse uso não
tem a subjetividade da construção com o sentido de ‘permitir’ e tem suas
restrições contextuais reduzidas, porque aceita sujeito inanimado.
Sentidos
Permitir
Aguardar
Parar/terminar TOTAL
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
Fala
85
53
56
35
20
12
161
100
Escrita
20
26
32
42
25
32
77
100
Canal
Tabela 26- Usos do verbo deixar na fala e na escrita.
O sentido de ‘permitir’ está distribuído em todos os tipos de textos
analisados. Como era esperado, o sentido de ‘aguardar’ é típico dos relatos de
procedimento, com 98% de ocorrências. Esse uso está se gramaticalizando neste
tipo de texto, tendo a função de marcar os momentos em que se deve aguardar
183
um determinado período para a realização de um procedimento antes de passar
para a etapa seguinte. Como foi dito, o sujeito dessa construção geralmente está
na segunda pessoa, referindo-se ao entrevistador ou a um você genérico. O
sujeito da cláusula completiva está oculto numa grande parte dos dados.
O sentido de ‘parar’ ocorre mais freqüentemente nos relatos de opinião,
principalmente nas textos mais formais.
Sentidos
Permitir
Aguardar
Parar/terminar
Aplic
%
Aplic
%
Aplic
%
23
22
0
0
5
11
24
23
1
1
4
9
38
36
1
1
28
63
13
12
86
98
2
5
7
7
0
0
6
14
105
100
88
100
45
100
Tipos de textos
Narrativa
experiencial
Narrativa
recontada
Relato
de opinião
Relato
de procedimento
Descrição
TOTAL
Tabela 27- Usos do verbo deixar em diferentes Tipos de texto.
Quanto à escolaridade, o quadro das médias de uso dos sentidos de deixar
mostra que o sentido de ‘parar, terminar’ é mais freqüente na produção dos
informantes do terceiro grau. A quarta-série não apresenta esse tipo de dado e a
série inicial só produziu um dado:
Escolaridade
Permitir
Aguardar
Parar/terminar
Ocor.
MÉDIA
Ocor
MÉDIA
Ocor.
MÉDIA
Terceiro grau
33
2,7
25
2,1
27
2,2
Segundo grau
15
1,3
19
1,6
6
0,5
Oitava série
29
3,3
14
1,6
11
1,2
Quarta série
15
2,1
22
3,1
0
0
Série inicial
13
2,8
8
1,7
1
0,2
Quadro 11: Médias de ocorrências dos sentidos de deixar em cada
10.000 palavras.
184
A explicação é a mesma dada para os fatores Canal e Tipo de texto: esse
uso de deixar é mais formal. Pode ser substituído por uma cláusula negativa e o
advérbio: “Ela deixou de estudar/ Ela não estuda mais” ou “ A UNE deixou de
ser importante/ A UNE não é mais importante”.
Mas aqui há um problema quanto à questão da freqüência. A literatura diz
que a gramaticalização costuma ocorrer com os itens mais freqüentes, que são
normalmente os mais informais. No caso de ‘deixar-terminar’, a gramaticalização
está se processando com um sentido mais formal e menos freqüente. Pode ser
que seja porque a gramaticalização ainda esteja no seu início quanto à formação
de um marcador de aspecto terminativo. Mas sintaticamente a integração é muito
maior do que a que ocorre com os outros dois sentidos.
5.1.3.4- Graus de integração de verbos volitivos – conclusões parciais.
O gráfico a seguir representa os graus de integração dos três verbos
volitivos estudados:
Gráfico 3: Graus de integração de cláusulas com verbos volitivos
40
35
Percentuais
30
25
20
15
10
5
0
O
1
2
3
4
5
6
7
Graus
MANDAR %
QUERER %
DEIXAR %
8
9
185
A hipótese é a de que cada verbo apresente diferentes graus de integração
com a subordinada em decorrência de fatores estruturais, semânticos e sobretudo
pragmáticos. O verbo mandar é o menos gramaticalizado desta lista,
apresentando muitos dados com escores iguais aos dos verbos cognitivos. Pelo
gráfico, vê-se que o ponto máximo desse verbo está no grau 4, havendo uma
queda na freqüência nos outros graus. Não há dados com graus mais altos (7, 8 e
9).O verbo mandar é pouco integrado à subordinada principalmente porque o
evento codificado na subordinada pode ou não ocorrer em função do que é
ordenado. O referente-sujeito da subordinada tem a opção de se negar a fazer o
que é ordenado.
O exemplo (11) da seção 5.1.3.1 é um caso em que não há simultaneidade
temporal, não há controle do sujeito da principal sobre a subordinada e não há
implicação da ação. Nesse exemplo, os sujeitos não são idênticos, ocorre massa
fônica entre os dois verbos, o sujeito da subordinada é individuado e é animado.
A integração, portanto, é mínima.
O verbo querer está muito integrado à subordinada, apresentando, no
gráfico, o ponto máximo no grau 8. Há ainda 13% de dados no grau mais alto.
Esse verbo tem a maior parte de seus dados num estágio avançado de integração
em decorrência de vários fatores, sendo estes os principais: a) os dados
geralmente são implicativos; b) o sujeito é geralmente idêntico e c) as duas
cláusulas têm tempo simultâneo. No entanto, o sentido básico do verbo não é
alterado.
O verbo deixar concentra seus dados no grau 6. Pelo gráfico, parece que o
verbo querer é mais integrado à subordinada do que o verbo deixar. Mas o uso
do verbo deixar com o sentido de ‘parar’/’terminar’ é o mais gramaticalizado da
lista como pode ser visto pelo gráfico 4, em que estão somente os usos de deixar
com o sentido de ‘parar’/ ‘terminar’ (além dos outros verbos).
186
Gráfico 4: Graus de integração de cláusulas com verbos volitivos
e o uso de deixar gramaticalizado.
60
Percentuais
50
40
30
20
10
0
O
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Graus
MANDAR %
QUERER %
DEIXAR - 'parar' %
Através desse gráfico, verifica-se que deixar tem uma freqüência mais alta
nos graus 8 e 9 do que o verbo querer. O uso de deixar com o sentido de ‘parar’
é aquele expresso na forma “deixar de + infinitivo”. Esse uso é o mais
gramaticalizado, tendo sempre sujeito idêntico e referindo-se ao mesmo tempo.
Além disso, o sentido dessa construção é muito diferente do sentido de ‘permitir’
ou dos sentidos do verbo quando seguido de SN. Sua função principal é a de
marcador de aspecto terminativo.
As variações de estruturas das construções com o verbo deixar são formas
de codificação das diferentes funções expressas pelo verbo, principalmente a
função relativa à volição (expressa por ‘deixar-permitir’); a relativa à marcação
de um tempo para se realizar um procedimento (expressa por ‘deixar-esperar’) e
a referente à marcação de um aspecto terminativo (expressa por ‘deixar-parar’).
De acordo com Heine (1993), há uma série de esquemas cognitivos
capazes de gerar os auxiliares presentes nas línguas. Esses auxiliares descrevem
determinadas noções como localização, movimento, atividade, desejo, etc. O
esquema de movimento é responsável pelo aproveitamento do verbo deixar como
187
marcador de aspecto terminativo. Esse verbo, quando seguido de SN, tem o
sentido básico de movimento, como em “Maria deixou a sala.” e “Deixei o livro
sobre a mesa”.
O esquema de volição gerou o modal querer. Além do modal, o mesmo
esquema gerou o marcador ‘quer dizer”. Em outras línguas esse esquema gera
auxiliares de tempo, como o verbo inglês will, que passou a auxiliar de tempo
futuro através desse esquema de volição.
Chega-se ao fim da análise do português contemporâneo com vários dos
objetivos da tese atingidos: a) compararam-se os grupos de verbos cognitivos e
volitivos entre si; b) analisaram-se os usos de cada verbo; e c) compararam-se os
comportamentos dos verbos de um mesmo grupo semântico. As hipóteses
principais foram confirmadas, no sentido de se comprovar a atuação do
subprincípio da proximidade na subordinação do português.
Na próxima seção, o último objetivo da tese será cumprido: comparar o
português atual com fases anteriores para verificar se a hipótese da
unidirecionalidade se aplica à história dos seis verbos e à história do período com
claúsula completiva. Dessa forma, pretende-se inserir o trabalho nas discussões
mais amplas da lingüística teórica.
5.2- Integração de cláusulas e os princípios da gramaticalização
Nesta última seção, será apresentada uma pequena análise diacrônica da
integração de cláusulas substantivas e dos sentidos dos verbos estudados com o
objetivo de verificar as hipóteses relativas à unidirecionalidade da mudança de
sentido – do concreto para o abstrato – e relativas à integração de unidades – da
construção menos integrada para a mais integrada (cf. capítulo 3).
Para isso, foram usadas as informações contidas em gramáticas históricas,
em dicionários etimológicos e no trabalho de Votre (1999), que trata dos verbos
188
achar, saber, ver e pensar.39 Mesmo com o inconveniente de se trabalhar com
dados descontextualizados (presentes nas gramáticas e nos dicionários), é
possível fazer algumas constatações com relação ao modelo da gramaticalização.
Para o português arcaico, além dos dados presentes em Votre (1999), também
foram coletados dados das 100 primeiras páginas do livro O Orto do Esposo.
Portanto três momentos são considerados aqui: latim, português arcaico e o
português atual.
Para cada verbo é feita uma análise da amostra do português arcaico e em
seguida a trajetória do latim ao português. O quadro a seguir apresenta o número
de dados (com complemento oracional) encontrados nas 100 primeiras páginas
do livro O Orto do Esposo (OE). Esse livro escrito provavelmente no fim do
século XIV ou início do século XV é um sermão com o objetivo de mostrar ao
leitor as vantagens de se levar uma vida cristã e os perigos da vida pagã. O tipo
de texto predominante é a argumentação, mas há alguns trechos descritivos em
que se apresentam detalhes do que seria o paraíso e há também, ao longo do
livro, diversas narrações para ilustrar milagres ocorridos com pessoas de muita
fé. As descrições e narrações são utilizadas como ilustrações das argumentações.
Verbos
Número
de dados
Achar
10
Ver
16
Saber
16
Mandar
21
Querer
66
Deixar
21
Quadro 12: Número de dados
no livro O Orto do Esposo.
Alguns exemplos são dados a seguir:
39
A amostra latina analisada por Votre foi Anfitrião de Plauto e a amostra do português arcaico é
composta pelos seguintes textos: Demanda do Santo Graal, O livro de Vita Chisti, Crestomatia Arcaica,
Boosco Deleitoso, Antalogia Arcaica, Livro dos Ofícios, Um tratado da cozinha portuguesa do século
189
(1) Ay, que triste e chorosa mudãça que o home, morador do parayso, senhor da
terra, cidadãão do ceeo e domestico do Senhor Deus, jrmãão dos spiritus
bemaueturados e herdeyro cõ elles, cõ hua mudaçõ tam arreuatada achou-se jazer
eno esterco! (OE, p. 84)
(2) quando virõ que nõ queria perdoar (OE, p. 9)
(3) ca aquele que sabe fazer o bem e nõ o faz, peccado ha (OE, p. 74)
(4) E mãdou-lhe que cada dia e cada noyte rezase o salteyro per aquelles cem
dias (OE, p. 24)
(5) e elle nõ quis perdoar per nehua maneyra (OE, p.9)
(6) nõ leixou elle de fazer uida de hermitam, em quanto podia (OE, p. 71)
O número de dados é pequeno, mas é possível fazer algumas
generalizações. Foram encontrados 10 dados com o verbo achar. Somente 1
dado tem o sentido de ‘incerteza’ e os demais têm o sentido de ‘encontrar’’.
O dado com sentido de incerteza é feito com a estrutura igual a atual: com
a completiva introduzida por uma conjunção integrante (exemplo 7). Dos 9 dados
com sentido de ‘encontrar’, 7 têm as completivas justapostas e são, portanto,
menos integradas (exemplo 8). Os outros 2 dados apresentam as completivas
com infinitivo com sujeito, como no exemplo (1), acima.
(7) os antigos astroligos acharõ que emno ceeo ahia huu tal sinal (OE, p. 68)40
(8) ca em este liuro (...) o ffamiinto achara com que sse mãtenha. Lea per este
liuro o estudioso e achara cõ que se delyte (OE, p. 2)
Optou-se por considerar a construção exemplificada em (8) como uma
construção com completiva justaposta como foi feito com o verbo saber ( “saber
como....”). Hoje a construção poderia ser “O faminto achará como se manter” e
“O estudioso achará como se deleitar”.
O uso de achar como sugestão (achar + dever/ter que) não ocorre na
amostra analisada aqui e na analisada por Votre (1999).
XV, Historiadores Quinhentistas, Peregrinação, Crônica de Dom Fernando, Crônica de Dom Pedro I e
Bíblia Medieval. Portuguesa.
40
Na amostra atual, não foram considerados os dados com completiva sem sujeito.
190
Segundo consta em vários dicionários etimológicos (como Saraiva, 1993;
Machado, 1967 e Nascentes, 1955), o verbo achar, do latim afflare, tinha o
sentido original de ‘soprar para ou contra’, ‘bafejar’. A direção da corrente de ar
podia ser inversa: ‘inspirar’. O verbo também era usado na caçada para se referir
ao momento em que o cão cheirava caça. Daí o sentido de ‘encontrar’,
‘localizar’.
Por extensão do sentido de ‘inspirar’ ou ‘soprar’, tem também ainda em
latim o significado de ‘ser atingido por uma emanação’, ‘ser inspirado’, ‘sofrer a
influência de um astro’, segundo Saraiva (1993) e Torrinha (1937):
(9) Afflare sidere. ‘Sofrer a influência de um astro’.(Plinius)
(10) Afflare divino spiritu. ‘Ser inspirado pelo sopro divino. (Cicero)
Vê-se que esses últimos sentidos deram origem ao sentido português de
‘perceber’, ‘ter uma opinião’. Por inspiração, o homem perceberia algo ou
elaboraria uma opinião. O uso de ‘soprar’/inspirar’ é fonte para o sentido de
‘encontrar pelo faro’ e para o de ‘opinar’ e ‘avaliar’. Os sentidos concreto e
abstrato são derivações independentes.
Através da análise do trabalho de Votre (1999) acerca de verbos
cognitivos e de vários dicionários etimológicos, constata-se que os usos
modalizadores (‘percepção’ e ‘incerteza’) não estavam presentes no latim
clássico.
O uso mais integrado do verbo achar com infinitivo do português arcaico
praticamente desapareceu no português atual. Nessa estrutura, o verbo achar
tinha um sentido mais concreto, tendo como sinônimo o verbo ‘encontrar’.
Quanto ao verbo ver, na amostra arcaica foram encontrados os sentidos de
‘enxergar’ (9 dados) e ‘perceber’ (7 dados). Vê-se que os sentidos concreto e
abstrato estavam presentes no português arcaico e provavelmente o sentido
híbrido também lá estava, mas a amostra não apresentou esse tipo de dado. Os
usos mais gramaticalizados
“pra ver se” e “vai ver que...” não foram
encontrados. No entanto, são usos típicos da língua oral, o que não permite
chegar à conclusão de que não existiam no português arcaico.
191
Há uma diferença interessante quanto à integração de cláusulas: no
português atual há 76% de dados com esse verbo seguido de cláusula completiva
no modo finito e 26% no modo não-finito. Já no português arcaico, a diferença
na freqüência de uso do modo finito é menor: 9 (56%) dados no modo finito e 7
(44%) dados no modo não-finito. A estrutura menos integrada teve, portanto, a
sua freqüência de uso aumentada.41 Esse resultado parece ser contrário à
expectativa da unidirecionalidade da mudança em direção à maior integração. No
entanto, há outro fator atuando: o aumento de freqüência da estrutura com
cláusula finita dá-se porque ocorre um aumento de uso da forma modalizadora do
verbo ver, em que predomina a visão indireta sobre algo que é codificado na
cláusula completiva (cf. tabela 9). O uso com completiva no modo não-finito
apresenta o verbo ver no sentido mais concreto, relacionado à visão direta de
eventos.
Os dicionários etimológicos trazem os seguintes sentidos para o verbo
latino videre: ‘ver’, ‘avistar’, ‘descobrir’; ‘olhar’, ‘estar voltado para’; ‘ouvir’,
‘perceber’ (por um dos sentidos), ‘certificar-se’; ‘notar’, ‘compreender’; ‘ver’
(em sonho); ‘examinar’. Tanto os sentidos concretos como os abstratos estavam
presentes no latim. As estruturas com completiva desenvolvida e com infinitivo
também já eram usadas:
(11) Vidit se magno fore periculo. Viu que corria grande perigo. (Cornelius
Nepos)
(12) Mugire videbis sub pedibus terram. Verás (ouvirás) a terra mugir debaixo
dos pés. (Virgilius)
Com relação ao verbo saber, foram encontrados, na amostra arcaica, o
sentido de ‘conhecer/ter certeza’ e o uso mais gramaticalizado ‘ser capaz’. O
primeiro uso é mais freqüente (12 do total de 16 dados). No português
contemporâneo, os dois sentidos têm freqüência de uso muito semelhante: 261
dados (46%) com o sentido de ‘conhecer’ e 235 (41%) com o sentido de ‘ser
41
O resultado deve ser testado em amostras maiores, porque o número de dados é muito pequeno.
192
capaz’. O segundo sentido é codificado através de uma estrutura mais integrada:
sujeito sempre idêntico e modo não-finito. O grau de integração sintáticosemântico- pragmático é alto (geralmente grau 7). Poder-se-ia falar em aumento
de integração e no aumento do uso modal no português contemporâneo. No
entanto, esse uso costuma ocorrer com predominância nos relatos de
procedimento (cf. tabela 18). Como a amostra medieval não apresenta esse tipo
de texto, não se pode afirmar que esse uso era pouco freqüente naquela época. O
uso gramaticalizado “aí eu sei que...” não foi encontrado na amostra medieval.
Como foi dito, esse uso é praticamente ausente nos textos escritos do português
atual e pode constituir um uso mais recente na língua.
O verbo saber tem seu sentido fonte ligado ao sentido humano do paladar
(do latim sabere): ‘ter sabor ou gosto’ (exemplo 13), ‘ter bom paladar’,
‘experimentar’. Ainda em latim, passou também a significar ‘ter senso’, ‘ter
discernimento’, ‘ser sensato’, ‘compreender’ e daí ‘conhecer’ (exemplo 14). A
pesquisa de Votre (1999) e os dicionários etimológicos pesquisados não trazem
evidências de que o uso de saber com complemento oracional já era conhecido
no latim. Esse tipo de construção era feito com o verbo scire ‘saber’ com
complemento finito (exemplo 15) ou no infinitivo (exemplo 16).
(13) Sapere mare. ‘Ter sabor de mar’. (Seneco)
(14) Recte rem meam sapio. ‘Entendo bem das minhas coisas’ou ‘Sei bem dos
meus negócios’. (Plautus)
(15) Scire uelim num quid necesse sit . ‘Desejaria saber se é obrigatório’.
(Cicero)
(16) Nescibam id dicere illam. ‘Eu não sabia que ela disse isso’. (Terrentius)
O verbo mandar tem o mesmo comportamento em termos de graus de
integração ao se comparar o português arcaico com o contemporâneo. Não há
diferença também no sentido, que desde o latim (mandare) é ‘encarregar’,
‘ordenar’ (também tinha o sentido de ‘confiar’). Quanto à sintaxe, há uma
diferença que evidencia uma maior integração no português atual: na amostra
193
atual, 97% dos dados são codificados com a completiva no modo não-finito com
sujeito, enquanto no português medieval há 14 dados codificados desta forma
num total de 21. Mesmo com um pequeno número de dados na amostra arcaica,
pode-se dizer que hoje há uma tendência maior para usar o verbo mandar com
completiva no modo não-finito. O uso do infinitivo com sujeito é um resíduo da
sintaxe latina, que permanece para alguns usos de determinados verbos como
mandar, ver e deixar.
O verbo querer tem o mesmo comportamento semântico e sintático na
amostra do português arcaico. O sentido predominante é o de ‘desejar’ e os graus
mais integrados compreendem o maior número de dados. No entanto, há uma
diferença com relação à integração de cláusulas: no português arcaico 15% (10
em 66 enunciados) dos dados tem inserções de material fônico entre a cláusula
com o verbo querer e a cláusula completiva e no português contemporâneo esse
percentual cai para 7% (39 em 551 dados). Isso pode indicar um início de uma
restrição sintática.
No latim, o sentido básico desse verbo era ‘procurar’, ’buscar’, ‘andar à
busca de’ (exemplo 17). Mas os sentidos usados hoje lá estavam presentes:
‘pretender’, ‘desejar’ e ‘exigir’.
Esses últimos são extensões do sentido de
‘procurar’: se procura aquilo que se quer, se deseja. As estruturas com
completiva desenvolvida e com infinitivo também já eram usadas no latim
(exemplos 18 e 19).
(17) Quaerere mortem in acie. ‘Querer (Buscar) a morte no campo de
batalha’.(Plinius)
(18) Quaeris ut suscipiam cogitationem. ‘Queres (Pretendes) que eu pense.’
(19) Mutare sedes quaerebant. ‘Queriam (Desejavam) mudar de local’.
Com relação ao último verbo da lista, o verbo deixar, verifica-se que, na
amostra arcaica, ele tem uma freqüência relativamente alta de dados com o grau
8, enquanto no português atual o grau mais freqüente é 6. Mas essa diferença
acontece porque o uso de “deixar de mais infinitivo” (na forma leixar) é muito
freqüente no texto arcaico, com 16 dados num total de 21. O uso de “deixar de
194
mais infinitivo” tem 11 dados com o sentido de ‘parar’/’terminar’ e 5 dados com
o sentido de ‘evitar’ ou ‘afastar-se’. Apenas 5 dados do total de 21 têm sentido de
‘permitir’, enquanto no português atual o maior número de dados tem esse
sentido. Neste caso, o uso menos integrado (aquele com o sentido de ‘permitir’)
teve sua freqüência aumentada. A construção considerada mais gramaticalizada
já se encontrava no português arcaico e com freqüência mais alta que o uso de
‘permitir’. A hipótese é a de que a estrutura “deixar de mais infinitivo” tenha se
derivado diretamente do uso de deixar com objeto direto nominal. O uso de
‘permitir’ é uma outra derivação. As derivações são independentes e partem de
uma mesma fonte.
No latim, os sentidos denotativos do verbo laxare eram ‘afrouxar’,
‘relaxar’. ‘desapertar’ e ‘abrir’. Os sentidos mais abstratos eram ‘abrandar’,
‘aliviar’, ‘diminuir’ e ‘divertir’. No latim, os sentidos concretos relacionavam-se
a um corpo (normalmente humano) que exercia energia em outro (normalmente
inanimado) para mudar seu estado ou condição:
(20) a- Fidiculas laxare. ‘Afrouxar as cordas do violão.’ (Valerius Maximus)
b- Laxare rudentes. ‘Soltar as amarras.’(Virgilius Maro)
c- Laxare vincula epistulae. ‘Abrir uma carta’. (Cornelius Nepos)
O sentido básico está relacionado com o ato de deixar livre. O sentido de
‘permitir’ é uma extensão do sentido básico, pois relaciona-se com a idéia de
libertar, permitir que alguém faça algo, deixar livre para agir. O sentido de
‘evitar’ e ‘parar’ são criados por extensão do mesmo grupo de sentidos básicos,
sendo algo como ‘afastar-se’ ou ‘desapertar’.
Os demais usos do verbo deixar (‘aguardar’, ‘causar’ e ‘não se importar’)
não foram encontrados na amostra arcaica. O primeiro sentido, bastante freqüente
no corpus atual, é uma forma de codificação usada nos relatos de procedimento
e dessa forma não era esperado que ocorresse na amostra arcaica. Os demais
sentidos são raros na amostra atual, que é muito maior que a arcaica. Portanto,
não é possível afirmar que não existiam em outras fases do português. O uso de
“deixa eu ver” é derivado do sentido de ‘permitir’ e é típico da oralidade.
195
Também não foi encontrado na amostra arcaica. Quanto à sintaxe, não há
evidências de que o verbo deixar era usado no latim com complemento oracional
(com infinitivo ou com verbo finito).
Portanto, para os verbos achar, saber e deixar é possível falar em ganhos
de sentido e numa trajetória do concreto para o abstrato se se analisar a história
do português. Quanto aos outros verbos, é inconveniente apresentar conclusões,
pois os sentidos diferentes estão determinados pelo canal escrito/oral no
português atual ou pelo tipo de texto.
5.2.1- Modelos de subordinação e gramaticalização
A análise dos modelos de subordinação completiva não permite concluir
que a mudança geral é em direção à integração de cláusulas, pois, no decorrer da
história, uma estrutura menos integrada pode ter a sua freqüência de uso
aumentada.
Em latim, a subordinação completiva era feita de diferentes formas, o que
demonstra que a estratificação (coexistência de formas com função similar,
segundo Hopper, 1991) da complementação verbal estava presente lá. Todavia,
constata-se que determinadas estruturas desapareceram completamente; outras se
mantiveram para uns itens verbais (são os chamados vestígios) e desapareceram
para outros.
A oração subordinada completiva podia ser feita das seguintes formas em
latim: com a oração subordinada no subjuntivo sem conectivo (justaposta à
oração principal); b) com a oração subordinada desenvolvida introduzida por
conjunção integrante; c) com a oração subordinada constituída por interrogação
indireta (introduzida por pronome ou partícula interrogativa); d) com a oração
subordinada reduzida de infinitivo com sujeito no caso acusativo; e e) com a
oração subordinada introduzida por quod.
A estrutura menos integrada, a justaposta no modo subjuntivo, tem sua
freqüência diminuída no latim arcaico e clássico. As orações justapostas que são
196
interrogações indiretas também são menos integradas do que as introduzidas por
conjunção integrante. As interrogações indiretas são sintática e semanticamente
mais independentes da oração principal. Estas continuam a ser usadas no
português de forma similar ao uso latino.
Outra estrutura que desapareceu no português foi a construção com sujeito
de infinitivo quando o sujeito era idêntico ao da oração principal, mas que ainda
se encontra no português arcaico, como no exemplo 21. Esse uso era regular
quando o verbo era declarativo ou quando expressava sentimento. Hoje é
possível encontrar o sujeito idêntico no caso oblíquo com o verbo no gerúndio,
mas os usos soam de forma literária: “As vezes, me acho pensando nele”; “Eu me
vi saindo daquele lugar”. No português atual, os usos com sujeito idêntico são
codificados normalmente com cláusula completiva desenvolvida (exemplo 22)
ou no modo não-finito, mas o sujeito apagado (exemplo 23):
(21) E mãdou vijnr cõmigo hua muy honrada dona diaconyssa, per nome
chamada Romana, a qual, quando ueo, achou iazer aos pees do sancto bispo
Nono Pelagia, com gran planto e doo”.42
(22) aí eu já sei que eu posso jogar uma carta alta (DAN2, P, R)
(23) eu sei fazer molho branco (SUZ21, P, R, Esc)
Os verbos saber e deixar podem ter sujeito idêntico na subordinada com
infinitivo, mas sempre apagado. Os verbos achar, ver, saber e muito raramente
querer podem ter sujeitos idênticos explícitos, sendo a cláusula subordinada
desenvolvida. O verbo mandar exige sujeito diferente, assim como deixar com os
sentidos de ‘permitir’ (com completiva desenvolvida ou reduzida), de ‘aguardar’
e de ‘causar’.
Os verbos cognitivos achar e saber, com sujeitos diferentes, apresentam a
subordinada sempre desenvolvida no corpus atual analisado. No corpus arcaico,
42
Esse é um dos 7 dados (20%) de achar com infinitivo de um total de 35 dados (com esse verbo) com
complemento oracional na amostra do português arcaico pesquisada por Votre. No Orto do Esposo foi
apenas 1 dado em 10.
197
encontra-se
achar mais infinitivo com sujeito. Os verbos mandar e deixar
(exceto o uso “deixar de + infinitivo”) têm sempre sujeito da subordinada
diferente (codificado com o caso oblíquo ou, mais freqüentemente na língua oral,
com o caso reto).
Através dessas análises, observa-se que, no latim, havia várias camadas
(ou estratificação) para expressar a complementação e que havia variação de uso
para um mesmo item lexical. Vê-se que dois usos não são utilizados no português
(houve especialização, um dos processos expostos por Hopper, segundo o qual
ocorre uma diminuição das possibilidades de escolha): a) a oração completiva no
subjuntivo sem conectivo e b) a oração completiva com sujeito explícito no
acusativo idêntico ao sujeito da oração principal. O primeiro uso é menos
integrado do que o uso encaixado com o conectivo integrante; e o segundo uso é
menos integrado do que aquele com sujeito zero obrigatório.
A maioria dos verbos transitivos deixou de apresentar complemento com
sujeito acusativo, mesmo quando este era diferente do sujeito da oração principal.
A variação “Verbo + cláusula não-finita com sujeito no acusativo” e “Verbo +
cláusula finita”, que ocorre hoje nos usos dos verbos estudados, tem explicação
funcional: no caso do verbo ver, foi constatado que a primeira estrutura codifica
apenas os casos de visão direta, enquanto a segunda estrutura codifica todos os
casos de visão indireta e casos de visão direta; no caso do verbo mandar, quando
a cláusula completiva é infinitiva (“Mandei Maria sair”), a ordem é dada
diretamente ao referente-sujeito desta subordinada; quando a completiva é
desenvolvida, (Mandei que Maria saísse) a ordem pode ser dada direta ou
indiretamente ao referente-sujeito desta subordinada, como demonstrou Perini
(1977).43
Ao se comparar o português arcaico com a amostra do português atual,
podem-se apresentar os seguintes resultados (no entanto diversas ressalvas
43
O verbo deixar também tem essa variação, mas não foi possível detectar a motivação, porque o número
de dados com complemento desenvolvido é muito pequeno (apenas 4 dados).
198
devem ser consideradas como as já apresentadas quanto aos tipos de textos e à
modalidade oral):
a) a ausência de uso de achar com infinitivo com sujeito na amostra do português
atual;
b) o aumento de ver como modalizador epistêmico no português atual;
c) aumento de uso de saber como modal de capacidade;
d) a diminuição de inserções entre o verbo querer e a completiva no infinito;
e) e o aumento da freqüência do verbo mandar com completiva no infinitivo (uso
praticamente categórico na amostra atual).
Os usos como modalizadores dos verbos achar e saber não existiam no
latim, porque esses verbos não eram usados com complemento oracional.
Também não havia os usos de deixar com complemento oracional.
Dos verbos cognitivos estudados, apenas o verbo ver tem o uso como
modalizador no latim (exemplos 11 e 12), segundo as informações obtidas
através de dicionários etimológicos, gramáticas e do trabalho de Votre.
Dos verbos volitivos, apenas o verbo deixar parece não ter uso com
completiva no latim (não tendo, assim, os sentidos de ‘permitir’, ‘parar’ e
‘aguardar’).44
Os estágios de gramaticalização estão presentes em todas as fases da
língua desde o latim. Todos os estágios são camadas para codificar a
subordinação formada pela cláusula principal e a completiva. Os verbos
transitivos que aceitam cláusula completiva utilizam várias dessas camadas e
podem ter, de uma fase da língua para outra, um aumento de uso dos graus de
integração detectados. Pode ocorrer que um dos estágios de gramaticalização
desapareça ou quase desapareça como ocorreu com o verbo achar mais infinitivo
com sujeito, que ocorria no português arcaico. Ou pode ocorrer que o uso de um
estágio ainda não detectado numa dada fase passe a ter dados numa outra fase,
44
Ainda há poucas pesquisas com textos latinos para verificação de fenômenos relativos à articulação de
cláusulas.
199
como ocorreu com o verbo deixar, que passa a ter complemento oracional no
português arcaico.
Verifica-se que nem sempre a direção do aumento da freqüência é no
sentido da maior integração. O uso de achar de percepção provavelmente serviu
como fonte para o uso de incerteza. Isso não significa, contudo, que o segundo
uso seja mais integrado à subordinada que o primeiro.
Por causa da dificuldade de se comprovar a direção das derivações é que
Votre (1999) questiona a existência do principio da unidirecionalidade e propõe
que não existam nem mesmo derivações. Após estudar os usos dos verbos
cognitivos achar, ver, pensar e saber no latim, no português arcaico e no
português contemporâneo – o autor não encontrou evidência de que esses verbos
se tornaram mais abstratos em sua trajetória no tempo e no espaço. À mesma
conclusão chegou Ferreira (2000a e b) com relação ao verbo poder. Para Votre,
as estruturas e os sentidos (tanto concretos como abstratos) estão todos
disponíveis para um item verbal, quando este é usado pela primeira vez. Esse
mecanismo é denominado por Votre “Princípio de extensão imagética
instantânea”. Alguns sentidos e algumas estruturas podem estar submersas, mas
podem emergir a qualquer momento, substituindo ou não outros sentidos e
construções:
Segundo esse princípio, as tendências presentes num momento da
história da língua atuaram no passado, atuam no presente e
continuarão a atuar da mesma forma, indefinidamente. A hipótese de
trabalho é que a faculdade metafórica da linguagem opera de modo
instantâneo, no sentido de que todas as suas virtualidades e
potencialidades se tornam disponíveis na mente das pessoas que
interagem na comunidade discursiva, ancoradas no contexto
situacional de cada interação. Portanto, em vez de falarmos em
derivação de sentido, estaremos enfatizando relações entre diferentes
níveis de abstração dos sentidos, sem garantir qual resultou de qual
(Votre, 2000:72).
Postula-se nesta tese que cada sentido tem a sua história no que se refere à
integração com a subordinada. Em outras palavras, o uso fonte pode gerar usos
que vão se tornar mais integrados e pode gerar outros que se manterão menos
200
integrados à completiva. Há evidências de que alguns verbos ganharam sentidos
mais abstratos e diferentes estruturas ao longo da história do português (como o
verbo achar e deixar) e outros se mantiveram com os mesmos sentidos (como o
verbos ver) e as mesmas estruturas (como o verbo querer). Numa pesquisa
futura, a análise de um corpus do latim e de um corpus maior de diferentes fases
do português possibilitará verificar se houve aumento de freqüência de uso dos
graus mais integrados de subordinação.
201
6- CONCLUSÃO
Ao longo do último capítulo foram apresentadas várias das conclusões da
pesquisa sobretudo nas seções 5.1.2.4 e 5.1.3.4 e no final do seção 5.2. Aqui
serão feitas algumas considerações finais.
Através da análise dos verbos transitivos achar, ver, saber, mandar,
querer e deixar no português atual (a principal pesquisa desta tese) com
complemento oracional foi possível verificar que as construções com verbos
cognitivos são menos integradas que as com verbos volitivos. Na escala de
integração proposta, os verbos cognitivos concentram seus dados nos graus mais
baixos enquanto os verbos volitivos têm grande número de dados nos graus mais
altos. A integração é tanto morfossintática como semântico-pragmática. Foi
possível
verificar,
com
base
nos
pressupostos
funcionalistas,
que
é
principalmente o subprincípio da proximidade que atua para determinar as
diferenças entre os dois grupos de verbos.
Foi visto que os conteúdos da subordinada de verbos cognitivos estão mais
distantes conceptualmente do que é expresso nas suas cláusulas principais. Os
complementos clausais expressam opiniões, interpretações, incertezas e os
referentes-sujeitos dos verbos cognitivos não podem manipular os referentessujeitos das cláusulas completivas. Já os verbos volitivos têm como complemento
algo que é um desejo, uma ordem, uma permissão dada pelo referente-sujeito.
Este manipula ou tenta manipular um outro referente codificado como sujeito da
cláusula completiva. Além disso, grande parte dos dados são implicativos e têm
as cláusulas principal e subordinada com tempo simultâneo. Como forma de
refletir essas diferenças, a morfossintaxe das construções com verbos volitivos é
mais integrada.
Há diferenças de integração também dentro de cada grupo de verbos. Do
grupo dos verbos cognitivos, saber tem usos menos integrados – quando seu
sentido é basicamente cognitivo – e usos mais integrados – quando funciona
como modal de capacidade (física ou intelectual). O verbo ver é mais integrado
202
do que o verbo achar, pois tem usos como complemento numa forma não-finita.
Essa construção expressa visão direta e não é um uso cognitivo prototípico. O
uso que expressa percepção, compreensão – ou seja, uma visão indireta sobre os
fatos – tem o mesmo grau de integração do verbo achar, apresentando uma
distância conceptual sobre o que é expresso na cláusula subordinada. Com os
verbos ver e achar, os informantes marcam um ponto de vista pessoal e
diminuem o comprometimento com a informação que é apresentada na cláusula
subordinada. A morfossintaxe reflete esse distanciamento através de cláusulas
com o mínimo de integração.
Os verbos volitivos também têm muitas diferenças entre si. O verbo
mandar é o menos integrado de todos (os volitivos). Um dos principais motivos
para isso é o fato de apresentar referentes-objetos animados e com força para
reagir ao controle expresso pelos referentes-sujeitos. O verbo querer tem uma
freqüência muito alta como modal para expressar vontade e no corpus é usado
principalmente nos contextos em que o objeto de desejo (expresso por uma
cláusula no infinitivo) é conquistado, é realizado (como foi feito pela análise da
categoria Implicação). Várias gramaticalizações são detectadas com esse verbo:
a) união de querer com verbos como falar e dizer, com função metalingüística;
b) amálgama de querer e dizer, formando um marcador discursivo; c) união de
querer com saber expressando os sentidos de ‘importar-se’, ‘interessar-se’; e d)
união de estar com querer mais infinitivo para expressar algo que está na
iminência de ocorrer.
O verbo deixar é bastante polissêmico e tem seus dados em diferentes
pontos da escala. O uso como ‘permitir’ é o menos integrado. Há um uso num
grau intermediário de integração (derivado do anterior)
que está se
gramaticalizando nos relatos de procedimento e significa ‘aguardar’. O uso de
“deixar de mais infinitivo” é o mais integrado, sendo um uso mais formal que os
demais. Aqui o sentido do verbo está bastante alterado, tratando-se de uma
gramaticalização para expressar principalmente um aspecto terminativo.
203
Ao se falar em gramaticalização, deve-se atentar sempre para o fato de
esse fenômeno ser bastante relativo. No caso dos verbos achar e ver, pode-se
dizer que seus usos com complemento oracional (no caso do verbo ver mais
complemento oracional finito) são gramaticalizações que desenvolveram
operadores modalizadores epistêmicos. São gramaticalizações se a comparação
for feita a partir do uso com objeto nominal (SN). Mas não o são se se pensar no
contínuo verbo>auxiliar>afixo, mostrado ao longo da tese. O uso de ‘deixaresperar’ foi considerado uma gramaticalização que auxilia no modelo de
formação de textos procedurais se for comparado ao ‘deixar-permitir’ com
estrutura semelhante, mas sem função numa tipologia textual.
A valorização da freqüência de uso permite constatar que há sempre
algum tipo de elemento de ordem morfossintática ou semântico-pragmática que
se repete para distinguir usos. O uso de ‘deixar-permitir’ e ‘deixar-aguardar’
podem ter sintaxes idênticas, mas o primeiro tem o referente-objeto de deixar
sempre animado e o segundo, sempre inanimado. Seus referentes-sujeitos são
sempre animados. Mas no uso com ‘deixar-parar’ os referentes-sujeitos podem
ser inanimados.
O trabalho de Heine (1993) e o de Givón (1990 e 1995) inspiraram a
pesquisa com a utilização de uma escala para os verbos. Mas os estágios
propostos por Heine não são detectados na sua maioria, porque ele trata do
contínuo que vai do verbo pleno com complemento SN até o uso do morfema
flexional. Os usos estudados aqui se inserem apenas nos estágios por ele
denominados estágio B e estágio C. No estágio A estão os verbos com
complemento SN e nos estágios B e C começa a auxiliaridade. Os usos de deixar
e ver com complemento com sujeito ilustram o estágio B. O uso de “deixar de +
infinitivo” e de “saber mais infinitivo” ilustram o estágio C. O uso dos verbos
com completiva desenvolvida com verbo finito também está no estágio B,
segundo Heine.
Como foi apresentado no capítulo 3, no estágio B a) os complementos são
verbos não-finitos; b) a identidade de sujeitos não é um requisito obrigatório; c) o
204
complemento verbal apresenta-se de diferentes formas: gerúndio, particípio ou
infinitivo; d) o complemento também pode ser uma construção clausal finita . No
estágio C, a) o complemento é um verbo não-finito, havendo forte conexão entre
os dois; b) a identidade de sujeito é um fator obrigatório; c) o verbo e o
complemento referem-se ao mesmo tempo; d) o verbo normalmente não
apresenta conjuntamente as distinções de Tempo, Aspecto e Modo (“TMA
distinctions”); e e) o verbo e o complemento representam uma só unidade
semântica.
À medida que essas estruturas tornam-se mais gramaticalizadas, novas
formas menos sintéticas, mais livres, surgem para dar conta de funções não mais
codificadas pelas formas antigas.
A proposta de uma escala de graus de integração feita a partir do controle
de categorias morfossintáticas e semântico-pragmáticas (como a feita nesta tese)
é adequada para percepção de pequenas diferenças entre usos de um mesmo
verbo e de verbos distintos.
O trabalho de Givón, assim como o de Votre (1992), foram importantes
por trazerem uma série de testes relativos à atuação do subprincípio da
proximidade. Muitas das categorias controladas por eles foram utilizadas aqui
tanto numa análise basicamente qualitativa quanto na medição dos graus de
integração.
A permanência de traços originais em novos usos como o uso de ‘acharparentético’ provindo do ‘achar-incerteza’ é explicada pelo princípio da
persistência, segundo o qual, no processo de gramaticalização, uma forma
derivada mantém vestígios do significado original.
Com relação à pequena análise diacrônica feita aqui, poucas constatações
podem ser apresentadas devido às diferenças dos corpora, mas o trabalho sugere
algumas possibilidades de pesquisas.
O estudo dos verbos realizado não permite comprovar a hipótese da
unidirecionalidade de mudança sintática (menor integração > maior integração)
porque cada item verbal tem uma história diferente: em alguns itens (como o
205
verbo mandar) verifica-se a maior integração ao longo da história do português,
em outros (como o verbo achar) houve um aumento de estruturas menos
integradas. Há itens como o verbo ver e querer que parecem ter desde o latim a
mesma sintaxe.
Quanto ao sentido, é possível dizer que houve derivações nos usos de
achar, deixar e saber, mas parece ter-se mantido uma estabilidade nos sentidos
de ver, querer e mandar. Os sentidos de ver e querer que não ocorrem nas
amostras do passado são típicas do português oral atual. Os fatos enumerados a
seguir são apenas indícios de mudanças que poderão ser estudados em outras
pesquisa: a) o (quase) desaparecimento do uso de achar com infinitivo com
sujeito; b) o uso de “pra ver se”(‘verificar algo no futuro) e do advérbio de
dúvida “vai ver que”; c) aumento de uso de saber como modal de capacidade; d)
o uso de “ai eu sei que”(‘constatar’); e) a diminuição de inserções entre o verbo
querer e a completiva no infinito; f) e o aumento da freqüência do verbo mandar
com completiva no infinitivo (uso praticamente categórico hoje). Além disso, os
itens achar, saber e deixar não tinham completiva clausal no latim. Com uma
metodologia adequada e com ampliação das amostras será possível dizer se esses
resultados são decorrentes de diferenças de canal ou de tipos de textos,
apontando para variações da língua presentes em diversas épocas, ou se de fato
são mudanças.
A escala proposta nesta tese para se medir a integração é um meio de se
verificar os estágios de gramaticalização dos verbos tanto no português
contemporâneo como em diferentes fases do português. Para o estudo da
sincronia, verificam-se os graus mais freqüentes e faz-se uma comparação entre
usos e entre verbos. Para o estudo de diferentes fases, é possível medir o aumento
ou a diminuição da freqüência de determinados usos dos verbos. Nestes termos,
outras pesquisas poderão ser feitas principalmente no sentido de verificar
alterações nas freqüências de uso.
206
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