Nossa vida muda a expressão dos genes
Segundo a epigenética, nosso comportamento influencia a maneira como o código
genético se manifesta
A epigenética estuda como as emoções e nossa história de vida interferem na manifestação do
genoma.
Você já parou para pensar como sua relação com a família, seus hábitos alimentares, sua
casa, seu ambiente de trabalho e sua condição econômica mudam o funcionamento biológico
do seu corpo? Será que existe alguma relação?
Segundo a epigenética, sim. Em oposição à genética tradicional, que estuda a estrutura fixa do
DNA, a epigenética procura entender como o meio em que vivemos, aliado a determinados
comportamentos, muda a forma como o nosso código genético se expressa. Quem explica é o
professor Moshe Szyf, PhD em bioquímica, que estuda esse campo da Biologia há mais de 30
anos.
Pontos e vírgulas do genoma
“A epigenética é a forma como o genoma é pontuado. Nós herdamos o DNA, que são como as
letras de um idioma, mas para fazer com que essas letras tenham algum sentido precisamos
pontuá-las com vírgulas, pontos finais, pontos de interrogação. É isso que a epigenética faz”,
descreve Szyf, que é professor do departamento de Farmacologia e Terapias da Universidade
McGill, no Canadá.
Quando esteve no Brasil, durante o Simpósio Internacional Integração Corpo-Mente-Meio,
promovido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Szyf
explicou que um dos mecanismos que permite isso é a metilação do DNA. A adição de uma
unidade química chamada grupo metila a uma parte da molécula de DNA impede que os genes
daquela região se expressem. A partir dessa ação bioquímica, a sequência de genes ativos do
DNA é modificada. “A metilação do DNA dá ao código genético uma identidade própria”,
simplifica Szyf.
É dessa forma que o mesmo código genético faz diferentes tecidos do corpo realizarem suas
funções próprias. A partir do DNA de uma pessoa, os neurônios são programados para realizar
um tipo de atividade, enquanto as células do estômago realizam outra.
Adaptação ao ambiente
Uma série de comportamentos que adotamos no dia a dia interfere nesses mecanismos
epigenéticos e fazem com que nosso corpo desenvolva uma identidade própria em termos
biológicos. Isso quer dizer que, dependendo do clima do país onde você vive, de sua condição
socioeconômica, da maneira como você se alimenta e se relaciona com as pessoas a seu
redor, seu corpo irá se adaptar de uma forma específica para esse ambiente.
“Na alimentação, por exemplo, se uma mulher grávida estiver em condições adversas, passa
um sinal para o bebê que diz: esse é o mundo em que vivemos. Caso a mãe sinalize que a
comida é escassa, o corpo do bebê vai se preparar para ganhar pouca comida e armazenar
tudo que come na forma de gordura porque isso pode salvar sua vida”, exemplifica o professor.
Carinho na infância
As nossas emoções e nossa história de vida também interferem no funcionamento biológico.
“Qual é a contribuição do relacionamento entre mãe e filho na saúde de um indivíduo? E qual é
a diferença quando essa relação acontece em um lar com boas ou más condições
financeiras?”, questiona o professor Szyf.
Para responder à questão, o cientista tomou como base um estudo feito com ratos em 2004,
também na Universidade McGill. “Os animais que tinham recebido muitas lambidas da mãe,
demonstrando carinho, apresentavam claramente um comportamento mais tranquilo em
comparação com os ratos que tinham recebido poucas”, relata.
Ilustração de uma cadeia em dupla hélice de DNA
A partir daí, Szyf decidiu estudar a mesma relação em seres humanos. Como não era possível
sujeitar pessoas ao mesmo tipo de experiência, o pesquisador usou dados do Banco de
Cérebros do Douglas Mental Health University Institute, também no Canadá, codirigido pelo
brasileiro Gustavo Turecki. “Dividimos os indivíduos em três grupos: pessoas que tinham sido
abusadas quando crianças e cometeram suicídio, pessoas que não foram abusadas, mas
também cometeram suicídio e o grupo de controle, com pessoas que morreram por outras
causas. Com a análise da mesma região do cérebro dessas pessoas, percebemos diferenças
significativas.”
Segundo o professor, os genes que regulam a atividade dos receptores de glicocorticoide, o
hormônio do estresse, estavam 40% menos ativos do que os mesmos genes nos indivíduos
que não sofreram abusos na infância. Com isso, os pesquisadores comprovaram que crianças
que sofrem abusos são mais sensíveis ao estresse quando adultas.
Desequilíbrios e câncer
Szyf explica porque o estresse em condições inadequadas faz mal para nosso corpo. “Quando
estamos estressados, o glicocorticoide é liberado e atua em diferentes tecidos, preparando o
corpo para lidar com situações de perigo. Ele desacelera o sistema imunológico, disponibiliza
energia e isso nos permite correr de um leão, ou ficar alerta em uma guerra. Contudo, se
continuarmos secretando esse hormônio, ele vai começar a prejudicar o sistema imunológico, o
cérebro, e isso não é bom.” Szyf alerta: “O estresse que pode salvar sua vida em uma situação
adversa pode matar em um mundo confortável.”
Outra grande contribuição da epigenética é uma possível explicação para o desenvolvimento
de câncer. “Percebemos que, em 99% dos casos, os genes que deveriam nos proteger do
câncer eram desligados pela metilação do DNA. Em apenas 1% os genes sofriam mutações, o
que é a causa mais comumente associada ao câncer.”
Adaptações ao longo da vida
Segundo o professor Moshe Szyf, a epigenética nos mostra uma forma rápida e dinâmica pela
qual o indivíduo se adapta ao meio em que vive, diferente da evolução, que pode levar
milhares de anos para ocorrer. O padrão de metilação do DNA pode, inclusive, ser modificado
ao longo da vida de uma pessoa se ela mudar o ambiente em que vive. “Se uma família decide
mudar-se de Estocolmo para o Equador, a estrutura do genoma não vai mudar para se adaptar
a essa mudança drástica de ambiente. Mas a maneira como o código genético funciona na
Suécia é diferente daquela do Equador.”
Medicamentos epigenéticos
A estrutura da molécula de DNA é fixa em cada pessoa e não pode ser mudada. “Exceto pelo
planejamento genético, ou seja, casando com a pessoa certa”, brinca Szyf. “Contudo, já que a
epigenética é um processo normal do corpo, ele pode ser estudado e sofrer uma manipulação
fisiológica, ou seja, ele pode ser alterado com remédios e pelo comportamento da pessoa.”
“Já existem medicamentos epigenéticos para tratar câncer e algumas substâncias estão sendo
testadas para problemas psiquiátricos. Acredito que, em breve, os medicamentos epigenéticos
poderão atuar na dependência química, na obesidade”, comenta Szyf. “A epigenética nos dá
mecanismos para entender coisas que já sabíamos, mas que não tínhamos uma base científica
para entender. Ela também combate o determinismo genético, que nos diz de forma simplista
que não importa o que você faça, se você nasceu com genes inteligentes, será inteligente, se
você nasceu com genes saudáveis, será saudável. A ideia da epigenética é que não basta
você nascer com o gene, você tem que fazer algo com ele.”
Comportamento e prevenção de doenças
De acordo com o professor, isso pode definir políticas públicas e comportamentos pessoais
para que tenhamos cada vez mais qualidade de vida. “A grande revolução ocorrerá quando
aprendermos a prevenir doenças apenas com o nosso comportamento. Talvez, se
conseguirmos prever quem tem mais risco de cometer suicídio, desenvolver depressão ou
estresse pós-traumático, possamos intervir antes que os sintomas clínicos se expressem”,
defende Moshe Szyf.
Alessandra Leite - Terapeuta corporal
Tel: (11) 98643-9330
Email: [email protected]
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