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Da validade jurídica das portarias nºs 948 e 949, de 17 de outubro de
1989, do excelentíssimo senhor ministro do exército.
João Rodrigues Arruda *
Trata-se da validade jurídica das portarias ministeriais nºs 948 e 949, ambas de 17
Out 89, baixadas pelo Exmo. Sr. Ministro do Exército.
A discussão se restringe à limitação do tempo de permanência dos militares
denominados "temporários" no serviço ativo do Exército.
A Port. Min, nº 948, que trata dos Oficiais Temporários, segundo seu item 1, altera
a redação do art. 79 das Instruções Gerais da Convocação, Estágios e Promoção dos
Oficiais da Reserva, que passaria a ter a seguinte redação:
“Art. 79 - O Oficial Temporário não poderá atingir o prazo de 05 (cinco) anos de
efetivo serviço, contínuos ou interrompidos, computados, para esse efeito, todos os tempos
de serviço militar (inicial, de estágios, prorrogações e outros).”
A situação dos Sargentos Temporários é disciplinada pela Port. Min, nº 949, que
em seu item 1, altera a redação do nº 1, da letra d, do item 3, das Instruções Gerais para
Prorrogação de Tempo de Serviço Militar, in verbis :
“1) 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de efetivo serviço para o Sargentos
Temporários;”
Tem-se, resumindo, que segundo as portarias acima mencionadas, os Oficiais
Temporários não poderão ultrapassar 5 (cinco) anos de efetivo serviço, enquanto os
Sargentos Temporários têm a limitação nos 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses.
LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Além das portarias 948 e 949, temos, a serem analisados, os seguintes diplomas:
- Lei nº 4375, de 17 Ago 64 (Lei do Serviço Militar)
- Lei nº 6391, de 09 Dez 76 (Dispõe sobre o Pessoal Militar do Exército)
- Lei nº 6880, de 09 Dez 80 (Estatuto dos Militares)
- Lei nº 7963, de 21 Dez 89 (Institui indenização pecuniária)
- Dec. nº 90.600, de 30 Nov 84 (Regulamento para o Corpo de Oficiais da Reserva
do Exército - RCORE)
DA CARREIRA MILITAR
Inicialmente cabe abordar a dicotomia militares de carreira - militares temporários,
contida no art. 3º, da Lei nº 6391/76, onde se lê:
“Art. 3º. O Pessoal Militar da Ativa pode ser de Carreira ou Temporário.
I - O Militar de Carreira é aquele que no desempenho voluntário e permanente do
serviço militar, tem estabilidade assegurada.
II - O Militar Temporário é aquele que presta o serviço militar por prazo
determinado e destina-se a completar as Armas e os Quadros de Oficiais e as diversas
Qualificações Militares de praças, conforme for regulamentado pelo Poder Executivo.”
Segundo o entendimento predominante na Administração Militar, os Oficiais
formados na Academia Militar das Agulhas Negras, os formados na Escola de Saúde do
Exército e os do Quadro Auxiliar de Oficiais (oriundos dos quadros de sargentos de
carreira), seriam oficiais de carreira, enquanto os formados nos Centros e Núcleos de
Preparação de Oficiais da Reserva, apenas temporariamente seriam oficiais do Exército.
É sabido, no entanto, que os cargos públicos, aí incluídos os militares, se dividem
em cargos de carreira e cargos isolados, sendo que os cargos de carreira "pressupõem,
desde logo, uma possibilidade de marcha, de caminho continuado, de acesso ou promoção."
(Cretella Junior, in Direito Administrativo Brasileiro, Vol I, p. 505/506).
Pontes de Miranda, em seus Comentários à Constituição de 1967 (com a EC nº
l/69), é incisivo a respeito: "A lei, se há promovibilidade, não pode estatuir que não é de
carreira o cargo" (Tomo III, p. 480) e resume didaticamente a questão:
“Na técnica legislativa de direito público, há cargos de carreira e cargos isolados.
Os cargos de carreira supõem graus, que se atinjam por promoção, ou, excepcionalmente,
por ingresso em graus intercalares, ou em grau superior. Os cargos isolados ou são
singulares ou plúrimos. Para ser posto o assunto no plano exclusivamente constitucional,
convém partir-se de exemplos:.......................À carreira objetivamente considerada
pertencem quaisquer pessoas que hajam ingressado no grau objetivamente inicial, ou em
grau objetivamente intercalar, ou no superior, com todas as conseqüências.
À carreira subjetivamente considerada pertence quem ascendeu dentro dela;
portanto, sem vir de fora. O membro do Ministério Público ou o advogado que foi feito
Desembargador pertence à carreira objetivamente considerada, posto que, subjetivamente,
não tenha ele feito a carreira.” (Tomo III, p. 436, mantidos os grifos).
No art. 35, do Dec. 90.600/84, encontramos a norma que sepulta quaisquer dúvidas
ou tentativas de negar aos Oficiais oriundos dos CPOR ou NPOR, quando convocados para
o serviço ativo e após exercício continuado, inclusive com promoções até o posto de
capitão, a condição de Oficiais de Carreira, objetivamente considerados:
“Art. 35 - Os Oficiais R/2, poderão, em tempo de paz ter acesso gradual e sucessivo
nas respectivas Armas, Quadros e Serviços, até o posto de Capitão...........”
O Art. 5º da Lei nº 6880/80, Estatuto dos Militares, que "regula a situação,
obrigações, deveres, direitos e prerrogativas dos membros das Forças Armadas" (Art. lº),
também milita em favor dessa tese:
“Art. 1º. A carreira militar é caracterizada por atividade continuada e inteiramente
devotada às finalidades precípuas das Forças Armadas, denominada atividade militar.”
No que respeita às promoções, às quais também os Oficiais denominados
"temporários" têm direito, conforme já dito acima, o Estatuto dos Militares preconiza em
seu art. 59:
“Art. 59. O acesso na hierarquia militar, fundamentado principalmente no valor
moral e profissional, é seletivo, gradual e sucessivo e será feito mediante promoções, de
conformidade com a legislação e regulamentação de promoções de oficiais e praças, de
modo a obter-se um fluxo regular e equilibrado de carreira para os militares.”
Vê-se, deste modo, que a dicotomia militares de carreira - militares temporários,
contida no art. 3º da Lei nº 6391/76, apresenta flagrante imperfeição técnico-legislativa, que
pode levar a interpretações completamente divorciadas da doutrina e da realidade factual.
Há que se buscar exegese própria para o referido texto legislativo, de modo a tornálo harmônico no caso de permanência prolongada de militares "temporários" no serviço
ativo do Exército.
O fato de o legislador lançar a classificação no texto legal não implica em sua
aceitação indiscriminada, sem perquirir sobre a legitimidade da norma escrita.
Dissesse a lei, formalmente perfeita, que o preto é branco ou que o quadrado é
redondo, e nem assim tais afirmações teriam validade. Como diz Diogo de Figueiredo,
"mesmo uma Assembléia Constituinte, por mais independente que seja, por mais inovadora
que pretenda ser, por mais distante ou antagônica da sociedade à qual se proponha
organizar e regrar, embora não esteja juridicamente vinculada, não pode ignorar por
completo as vigências sociais emergentes como interesse público - está, portanto, jungida à
legitimidade." (in Legitimidade e Discricionariedade, Forense, 1989, p.9).
Aliás, o tratamento que vem sendo dispensado aos militares temporários lembra a
figura do "interino" nos quadros do funcionalismo civil. A esse respeito assim se
manifestou, com muita propriedade, o constituinte Pedro Vergara, representante gaúcho na
Assembléia Constituinte de 1934:
“E nós sabemos Sr. Presidente, qual é o sentido da expressão funcionário interino;
ela significa para a praxe administrativa do nosso conhecimento, que o funcionário não tem
garantia alguma de estabilidade, seja qual for a natureza da função e o tempo de serviço;
pelo uso e abuso da interinidade e sobretudo pela sua persistência sine die, os governos têm
obviado os óbices da vitaliciedade e por esse sistema, o poder de nomear e de demitir dos
presidentes só tem prosperado; pode-se dizer, mesmo, que as interinidades têm sido um dos
fatores da hipertrofia do Executivo. É preciso, pois, delimitar, juridicamente, o sentido da
expressão.” (Anais, Vol. 12, p. 28, mantidos os destaques).
A rigor, os militares "temporários" vêm sendo tratados como se fossem servidores
ocupantes de cargos de confiança, demissíveis ad nutum, quando em verdade os cargos que
ocupam não são de tal natureza.
DOS VÍCIOS
Quanto à competência
O primeiro ponto a ser abordado diz respeito à competência para fixação do limite
temporal de permanência dos militares temporários em serviço ativo, através de portaria
ministerial.
Conforme já comentado, os oficiais tiveram o tempo de permanência limitado, a
partir de 17 Out 89, pela Port. Min. nº 948, em 5 (cinco) anos. Para os sargentos o limite de
permanência passou a ser de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses, segundo a Port. Min., nº 949.
Veja-se inicialmente a questão dos oficiais, que apresenta ligeira diferença em
relação a dos sargentos.
Até a publicação da Port. Min. nº 948, o tempo máximo de permanência dos
oficiais temporários em serviço ativo era de 10 (dez) anos, segundo os termos do art. 34, do
Dec. 90.600/84 - Regulamento para o Corpo de Oficiais da Reserva do Exército (RCORE).
Deste modo, temos evidenciado que o tempo máximo estabelecido em decreto foi
reduzido através de uma portaria.
A ilegalidade é flagrante.
Quanto aos sargentos, o tempo anteriormente fixado em portaria, foi reduzido por
ato do mesmo nível, sem aparente vício de competência.
Em ambos os casos, no entanto, é de se lembrar a existência de leis ordinárias
tratando da matéria.
A Lei do Serviço Militar - nº 4375/64, em seu art. 33, trata das prorrogações de
tempo de serviço dos militares nos seguintes termos:
“Art. 33. Aos incorporados que concluírem o tempo de serviço a que estiverem
obrigados poderá, desde que o requeiram ser concedida prorrogação desse tempo, uma ou
mais vezes, como engajado ou reengajado, segundo as conveniências da Força Armada
interessada.
Parágrafo único - O prazos e condições de engajamento e reengajamento serão
fixados em Regulamentos, Normas e Instruções especiais, baixados pelos Ministérios da
Guerra, da Marinha e da Aeronáutica.”
Note-se que a Lei do Serviço Militar deixa aos ministérios militares a fixação dos
prazos e condições, mas não o número de prorrogações, que podem ser uma ou mais vezes,
como quer o legislador ordinário, que deixou em aberto o termo final.
Poderia então o Executivo, através de um decreto (nº 90.600, art. 34), ou portaria
(nºs. 948 e 949) inserir a norma limitadora substituindo o legislador em sua função ?
Obviamente que não.
O professor Geraldo Ataliba, em excelente tese aprovada por unanimidade na VIII
Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, assim se refere:
“Não tolera a nossa Constituição que o Executivo exerça nenhum tipo de
competência normativa inaugural, nem mesmo em matéria administrativa. Essa seara, foi
categoricamente reservada aos órgãos da representação popular. E a sistemática é cerrada,
inflexível. Se a tal conclusão não foi levado o intérprete, pela leitura das disposições que
delineiam a competência regulamentar, certamente esbarrará no princípio da legalidade, tal
como formulado: ninguém, nenhuma pessoa, nenhum sujeito de direito será constrangido
por norma que não emane do legislador.”
E adiante:
“Donde a impossibilidade material de o regulamento suprir a eventual omissão do
legislador, ou pretender completar sua obra, onde ela tenha sido insuficiente.” (in Revista
de Informação Legislativa, nº 66, a. 17, 1980, p. 45 e seguintes).
Pontes de Miranda (obra citada) preleciona sobre o mesmo tema:
“Se a lei fixou prazo, ou estabeleceu condição, não pode alterá-lo ou excluí-lo o
regulamento. Se a lei falou de prazo razoável, deixando a apreciação ao Poder Judiciário,
ainda que implicitamente ou a alguma autoridade registária, ou concebido a favor dos
particulares, à verificação das autoridades administrativas, não pode o regulamento
substituí-lo pelo prazo fixo. Nem transformar em prazo razoável, ou a líbito da autoridade,
ou marcável em cominação, o prazo fixo.”...................Determinar o dies a quo ou o dies ad
quem de regra jurídica é legislar.” (p. 316 e 319)
E arremata às fls. 615:
“Porque regulamentar além do que se pode segundo o conceito da Constituição, é
infringir a Constituição: quando o Poder Executivo, regulamentando, vai além da lei, ou
diminui o campo de incidência da lei, não comete, apenas, ilegalidade, usurpa função de
outro poder, o Poder Legislativo.”
A competência do Poder Executivo está assim restrita à regulamentação.
Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, assim se manifesta sobre
regulamento:
“Por ele, instituem-se regras de execução, não de legislação.....” (destaques do
original).
Não há que se confundir, portanto, com regular termo que o mesmo Plácido e Silva
assim registra:
“REGULAR - Do latim regulare, de regula (regra), em sentido jurídico quer
exprimir legislar ou estabelecer nova ordem jurídica, mediante instituição de regras ou
princípios disciplinadores dos fatos ou das coisas.” (mantidos os destaques).
Vimos, anteriormente, a Lei do Serviço Militar em seu art. 33, parágrafo único,
permite aos ministérios militares fixar os prazos e condições das prorrogações de tempo de
serviço, que poderão ser concedidas, repita-se, uma ou mais vezes.
O Executivo, através do Decreto nº.90.600/84, da Port. Min, nº 948 e da Port. Min.
nº 949, ambas de 17 Out 89, fixou o limite máximo, criando o termo final da prestação de
serviço para os temporários.
Do Dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, temos:
“DELIMITAR: V.t.d.1. Fixar os limites de; estremar, demarcar. 2. Por limites a;
circunscrever, restringir.”
No campo do Direito isso é legislar. Se o decreto ( ou a portaria) delimita, institui,
fixa prazo final, não regulamentou e sim regulou, ou seja, criou regra jurídica, restringiu,
delimitou direito, exorbitou da competência à qual estava restrito, invadindo a esfera de
competência do Poder Legislativo.
É, portanto, ILEGAL.
Ao mesmo tempo, é de se ter em conta que quando o legislador faz uso de
expressões tais como "na forma a ser regulamentada pelo Executivo" ou "compete ao
Ministro do Exército baixar instruções a respeito", e outras semelhantes, não está delegando
competência ao Executivo ou ao Ministro para legislar sobre o tema, mesmo porque uma
delegação de tal ordem seria inconstitucional, pelo princípio da indelegabilidade das
funções, que só excepcionalmente pode ser ultrapassado mediante procedimento específico.
Ao Poder Executivo cabe, nos limites constitucionais, "expedir decretos e
regulamentos para a sua - da lei - fiel execução."
Do mesmo modo que expressões do tipo "poderá ser concedido", quando dirigidas
pelo legislador ao administrador, não se traduzem em faculdade concedida ao mesmo para
conceder ou negar ao seu talante.
O equívoco na interpretação do vocábulo “poder” é comum quando são
transplantados precipitadamente para o Direito Público conceitos próprios do Direito
Privado.
“O poder-dever de agir da autoridade pública é hoje reconhecido pacificamente
pela jurisprudência e pela doutrina. O poder tem para o agente público o significado do
dever para com a comunidade e para com os indivíduos, no sentido de que quem o detém
está sempre na obrigação de exercitá-lo.” (Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo
Brasileiro, 5ª Ed. p. 76, mantidos os grifos)
Merece atenção, também, que "a conveniência do serviço" das Forças Armadas, de
que trata a parte final do art. 33, da Lei do Serviço Militar, já reproduzido, requer que a
Administração explicite os motivos que levaram o administrador a praticar o ato, sob pena
de vir o mesmo cair sob a apreciação do Judiciário.
Quanto à finalidade
A finalidade dos chamados temporários está explícita na Lei nº 6391/76, em seu
art. 3º, inciso II, antes transcrito. No mencionado inciso podemos destacar:
“II - O Militar Temporário é aquele que presta o serviço militar por prazo
determinado e destina-se a completar as Armas e os Quadros de Oficiais e as diversas
Qualificações Militares de praças..........”
Especificamente para os Oficiais, temos semelhante finalidade descrita no Art. lº do
Dec. nº 90.600 de 1984, ou seja, "completar os efetivos de Oficiais nas Organizações
Militares."
A finalidade da criação do quadro dos militares denominados temporários é
cristalina: completar as Armas e os Quadros de Oficiais e as diversas Qualificações
Militares de praças (Lei nº 6391/76, Art. 3º, II).
Desta forma, havendo necessidade eventual de militares para o exercício de
funções para as quais não existam militares "de carreira" em número suficiente, os
ministérios militares convocam os "temporários" ou, caso já estejam no efetivo exercício
das funções, e persistindo a falta de pessoal de carreira, prorrogam o tempo de serviço do
ocupante do cargo, temporariamente, por prazo determinado, de modo a não deixar os
cargos efetivos sem ocupante.
Daí que o legislador ordinário, sabiamente, prescreveu, na Lei do Serviço Militar
(art. 33), que as prorrogações poderão ser concedidas uma ou mais vezes e na Lei nº
6391/76, o mesmo legislador ordinário esclarece que as ditas prorrogações serão por prazo
determinado, atendendo à própria destinação do Quadro dos Temporários.
O prazo determinado de que trata a Lei nº 6391/76, consiste exatamente nas
sucessivas prorrogações de tempo de serviço, todas por prazo determinado - 1 ano, 2 anos,
etc. - a que periodicamente ficam sujeitos os militares temporários, até que os seus serviços
não mais sejam necessários, em virtude da disponibilidade de militares de carreira para a
ocupação dos cargos efetivos.
E quantas prorrogações, por prazo determinado, cada uma delas, poderão ser
concedidas aos militares temporários ?
O legislador ordinário preferiu não fixar e o Executivo, como já demonstrado, não
poderia fazê-lo.
Poderão ser uma ou mais vezes, cada uma por prazo determinado, repita-se, prazo
que será fixado pelo Executivo através de regulamentação específica.
Mesmo porque, caso o legislador instituísse um prazo máximo, qualquer que fosse,
poderia implicar em prejuízo para a Administração Militar. Vencido o prazo, tivesse o
legislativo fixado, mesmo havendo necessidade de continuarem os temporários em serviço
ativo, a Administração esbarraria na limitação temporal imposta pelo Congresso.
Assim, o militar temporário poderá obter tantas prorrogações quantas sejam
necessárias, todas por prazo determinado, para "completar as Armas e os Quadros de
Oficiais e as diversas Qualificações Militares de Praças" (Lei nº 6391/76, art. 3º, II).
Vale recurso aos ensinamentos do mestre Cretella Junior:
“O fim de qualquer ato administrativo, discricionário ou não, é, sem dúvida, o
interesse coletivo. Se a lei previu que o ato deveria ser praticado para atingir determinado
fim, mas o agente o praticou com fim diverso houve violação da intentio legis, contrariouse o animus legis, não interessando, no caso, que a atividade tenha sido lícita ou não,
porque o ato administrativo será inválido por contrariar o que prescrevera a norma de
direito.” (in Do Desvio do Poder, Ed. Revista dos Tribunais, 1964, p. 35)
É de se concluir, portanto, que também quanto ao elemento finalidade as portarias
ministeriais - e do mesmo modo o art. 34, do Dec. nº 90.600/84 - são vulneráveis.
Quanto aos motivos determinantes
Em razão dos termos das portarias ministeriais nºs 948 e 949, os militares
temporários quando ao final da prorrogação de tempo de serviço são licenciados do serviço
ativo ex offïcio, sendo o motivo determinante do licenciamento a impossibilidade de ser
concedida nova prorrogação por força da limitação temporal.
Ainda que se reconheça a capacidade discricionária do administrador, através da
qual o mesmo atua com maior liberdade quanto à conveniência e à oportunidade para a
prática do ato administrativo, é certo que quando se trata de ato que envolva direito
subjetivo a regra é a vinculação do ato, em maior ou menor intensidade.
Afastado o aspecto do mérito do ato, infenso ao exame pelo Poder Judiciário em
razão do princípio da independência dos poderes, resta o aspecto vinculado, este sujeito ao
judicial control.
No que respeita aos motivos ou fundamentos, suporte do ato administrativo, vale
recorrer aos ensinamentos do prof. Francisco Campos:
“Ora, quando um ato administrativo se funda em motivos ou em pressupostos de
fato, sem a consideração dos quais, da sua existência, da sua procedência, da sua veracidade
ou autenticidade, não seria o mesmo praticado, parece-me de boa razão que, uma vez
verificada a inexistência dos fatos ou a improcedência dos motivos, deva deixar de subsistir
o ato que neles se fundava.”(in Direito Administrativo, Rio, p. 122)
É pacífico, também, que mesmo em se tratando de ato discricionário, quando
motivado pela autoridade administrativa deixa a mesma subordinada aos fundamentos que
invocou para a prática do ato.
Tal entendimento nos vem de Gaston Jèze, através de sua magnífica sistematização
da Teoria dos Motivos Determinantes, da qual nos fala Hely Lopes Meirelles em sua obra
Direito Administrativo Brasileiro:
“A Teoria dos Motivos Determinantes funda-se na consideração de que os atos
administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos
expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a
realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a
realidade. Mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses
motivos como causa determinante de seu cometimento e sujeitando-se ao confronto da
existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os
motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido.” (ob. cit. 5ª Ed. p. 169)
O legislador brasileiro, sensível à necessidade de disciplinar a atividade da
Administração, incorporou esses ensinamentos. Assim, na Lei nº 4717, de 29 Jun 65, que
regula a Ação Popular, temos no parágrafo único, do art. 2º, as normas a serem observadas
para a caracterização de nulidades dos atos administrativos:
“a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições
legais do agente que o praticou;
b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular
de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;
c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de
lei, regulamento ou outro ato normativo;
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em
que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao
resultado obtido;
e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim
diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.”
A jurisprudência já é tranqüila nesse sentido e temos exemplo no brilhante voto do
Ministro Washington Bolívar, no Mandado de Segurança nº 115.655-DF (DJ 19.ll.87) :
“A definição de ilegalidade é dada por Cretella Junior, em tais hipóteses, quando
diz: “Ilegal é o ato quando o motivo não existe. Ilegal é ainda o ato se, existindo o motivo,
dele extrai a autoridade ilações colidentes com a lei aplicada.
Se ao Poder Judiciário fosse interdito examinar a matéria de fato, básica para a
formação do ato administrativo, estaria ele transformado em mero homologador das
decisões do Poder Executivo, mediante superficial exame das formalidades extrínsecas do
ato editado por autoridade da esfera deste Poder.”(grifos do Acórdão)
Não menos elucidativo é o voto do Ministro Carlos Velloso, no mesmo processo:
“O ato administrativo, espécie de ato jurídico, compõe-se de elementos, e o Direito
Administrativo brasileiro formula, hoje, uma visão orgânica de sua legalidade. O que se
colocava somente na doutrina de Ranelletti ou de Gaston Jèze, e que foi exposto, no Brasil,
de forma magnífica pelo mestre de nós todos, o Ministro Seabra Fagundes, no seu livro “O
Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário”, hoje na 5ª edição, está posto na
Lei nº 4717, de 1965, que regula a ação popular, art. 2º. Competência, forma, objeto,
motivo e finalidade compõem a visão orgânica da legalidade do ato administrativo.
Quer dizer: se faltar um desses elementos, ou se um desses elementos foi inidôneo,
o ato administrativo é ilegal, e o Poder Judiciário tem o poder-dever de anulá-lo.”
Em outra segurança impetrada contra ato do titular da Pasta do Exército, aquele
mesmo Tribunal Federal de Recursos decidiu conforme a ementa que se reproduz:
“A discricionariedade da autoridade administrativa não tem vez quando se trata de
ato vinculado, para o qual a lei e o regulamento estabelecem as normas e condições de sua
realização; nessa hipótese, à Administração se impõe o dever de motivar sua decisão, para
demonstrar a adequação do ato às exigências legais, pressupostos necessários da existência
e validade.”( MS nº 119.272-DF, Relator Ministro Washington Bolívar, DJ, de 24.03.88)
Temos plenamente demonstrado que o Executivo carecia de competência para fixar
o prazo máximo de permanência dos militares temporários em serviço ativo, tendo em vista
os diplomas congressuais que regulam a matéria. Não bastaria, inclusive, que o ato fosse
incensurável apenas quanto à competência e demais formalidades, em suma, perfeito em.
sua aparência. Uma vez desvirtuado o seu fim, afastado que esteja da finalidade específica
do ato, este se desnatura tornando-se inválido, passível de apreciação pelo Poder Judiciário.
Oportunos, mais uma vez, os ensinamentos do mestre Cretella Junior:
“Base para anulação dos atos administrativos que nele incidem, o desvio de poder
difere dos outros casos, porque não se trata aqui de apreciar objetivamente a conformidade
de um ato com uma regra de direito, mas de proceder-se a uma dupla investigação de
intenções subjetivas: É preciso indagar se os móveis que inspiraram o autor de um ato
administrativo são aqueles que, segundo a intenção do legislador, deveriam, realmente,
inspirá-lo.”(in Curso de Direito Administrativo, Forense, Rio, 8ª ed. p. 325)
Recentemente, quando ainda não baixada a Portaria nº 948 e a limitação de tempo
era considerada a do art. 34, do Dec. 90.600/84, a Administração Militar entendeu de
antecipar o licenciamento dos Oficiais Temporários que alcançassem os 9 (nove) anos e 8
(oito) meses de efetivo serviço, tendo um oficial impetrado Mandado de Segurança para
garantir seu direito de permanecer em atividade até o término da prorrogação já concedida.
Obteve liminar e sentença confirmatória, tendo o Tribunal Regional Federal (2ª
Região) confirmado em Acórdão a decisão de primeiro grau (DJ 12.10.89).
Da sentença extrai-se:
“As informações são contraditórias eis que afirmam ter sido a antecipação do
desligamento fundada em conveniência do serviço e, no entanto, assegura a autoridade
impetrada, que por ordens superiores, todos os oficiais temporários deveriam ser desligados
antes de contarem 9 anos e 8 meses de serviço.
Como bem lembrado pela ilustre representante do Ministério Público Federal, a
conveniência do serviço deve ser justificada, sob pena do ato administrativo não ser
discricionário, mas arbitrário, e nos autos não há qualquer demonstração da necessidade de
desligamento antecipado do impetrante.”(MS n 28008-0/1988, 5ª Vara Federal/RJ, Juiz
André José Kozlowski)
DA VULNERABILIDADE
Temos bem demonstrado que as portarias ministeriais nºs. 948 e 949 são
vulneráveis em três de seus elementos: competência, finalidade e motivo determinante.
A Administração Militar poderia anulá-las exercendo seu dever de controle interno,
como prevê a Súmula 473 (STF) .
À falta de iniciativa nesse sentido cabe ao Poder Judiciário intervir para
restabelecer o império do Direito.
No âmbito do Judiciário tanto podem ser usados os procedimentos mais conhecidos
(mandado de segurança, ação cautelar, etc.), como até mesmo a Ação Popular, esta por
parte de qualquer cidadão.
Sustenta-se o cabimento de ação popular uma vez que, com a Lei nº 7963, de 21
Dez 89, os Oficiais e Praças licenciados ex officio por término de prorrogação de tempo de
serviço, passaram a fazer jus a uma indenização pecuniária equivalente a uma remuneração
mensal por ano de efetivo serviço, excluído o período de prestação obrigatória inicial.
Logo, o militar que tenha, por exemplo, cinco anos de efetivo serviço, receberá o
equivalente a quatro meses de remuneração, considerada a data do efetivo pagamento.
Caso persista o entendimento atual, com a ilegal aplicação das portarias nºs. 948 e
949, outro militar temporário será convocado para o preenchimento da vaga aberta com o
licenciamento e durante os primeiros quatro meses o erário público arcará com o
pagamento a dois militares pelo exercício efetivo de apenas um deles.
Tal situação, sem dúvida, implica em prejuízo flagrante para o patrimônio público,
pela falta de motivação juridicamente válida e suficiente para o licenciamento de um militar
e sua substituição por outro.
Acresça-se que sendo um militar com seis, sete, ou mais anos de serviço, é de se
presumir que a experiência no exercício das funções é bem maior, sendo inexplicável a sua
substituição por um outro recém formado e, portanto, menos experiente.
Nestas circunstâncias o prejuízo para o bom desempenho do serviço é facilmente
identificável, robustecendo a necessidade de intervenção do Judiciário em benefício do
interesse coletivo.
Possível, ao mesmo tempo, a intervenção do Poder Legislativo em defesa de suas
prerrogativas, atingidas pelo abuso do poder de regulamentar, o que faria com respaldo no
art. 49, inciso V, da Constituição Federal, utilizando-se, para isso, o Congresso Nacional,
de um decreto legislativo.
A LEI Nº 7963/89
Não pode ficar sem registro o advento da Lei nº 7963, de 21 Dez 89, pelo profundo
alcance social e pelos antecedentes históricos daquele diploma.
As origens da Lei nº 7963, remontam ao ano de 1987, quando um grupo de Oficiais
Temporários resolveu questionar junto ao Judiciário o licenciamento ex officio dos
militares temporários, impedidos de obterem nova prorrogação de tempo de serviço que
ultrapassasse os 10 anos de que trata o art. 34 do Dec. nº 90.600/84.
A atuação daqueles oficiais levou o Ministro do Exército a enviar ao Congresso
Nacional o Projeto de Lei nº 3.362/89, que em seu Art. 1º, previa uma indenização
pecuniária, a título de pecúlio, aos que fossem licenciados ex officio com mais de 5 anos de
efetivo serviço.
O art. 2º fixava o valor da indenização em 5 (cinco) vencimentos brutos, valor
referido à época do licenciamento do militar e pago após 30 (trinta) dias da data do
licenciamento, excluindo, para efeito de pagamento, as verbas referentes ao 13º salário e
férias.
O texto inicial veio a sofrer inúmeras emendas na Câmara dos Deputados, inclusive
uma prevendo efeito retroativo aos militares licenciados a partir de 1987, de modo a
beneficiar justamente aqueles que lutaram para o reconhecimento da necessidade de
indenização.
Tal emenda, incorporada ao art. 4º da redação final, foi vetada pelo Presidente da
República, restando àqueles oficiais a satisfação de haverem contribuído, decisivamente,
para minimizarem, com a indenização, a dramática e injusta situação anterior.
SÍNTESE CONCLUSIVA
Com as portarias nºs. 948 e 949, de 17 Out 89, o Exmo. Sr. Ministro do Exército
limitou em 5 (cinco) anos e em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses, respectivamente, o tempo
máximo de serviço a ser prestado pelos Oficiais e Sargentos denominados "Temporários".
A limitação anterior, para os Oficiais, constava do art. 34, do Dec. nº 90.600/84 Regulamento para o Corpo de Oficiais da Reserva do Exército (RCORE), sendo, então, de
10 (dez) anos.
Os Sargentos tinham o tempo limitado anteriormente no mesmo nível de portaria
ministerial.
Em ambos os casos, entretanto, afigura-se ilegal a limitação imposta pelo
Executivo, uma vez que a competência para legislar sobre assuntos de pessoal da União é
do Congresso Nacional, que no caso se manifestou com a Lei do Serviço Militar (nº
4375/64) e com a Lei nº 6391/76, que dispõe sobre o pessoal militar do Exército.
Em conseqüência, os atos ministeriais se apresentam viciados quanto à
competência, quanto à finalidade e, por via de conseqüência, os atos administrativos de
licenciamento 'ex offïcio” baseados nas referidas portarias apresentam motivação inidônea.
Tais vícios permitem - ressalvada a atuação da própria Administração - o recurso
ao Judiciário para defesa dos direitos dos militares atingidos pelas mencionadas portarias,
bem como, qualificam qualquer cidadão ao ingresso na via judicial, através de ação
popular, em defesa de patrimônio público.
Por derradeiro, não menos importante por isso, ressalte-se que o ataque através de
ação popular não visa a própria Lei nº 7963/89, mas sim o seu uso pela Administração
Militar sem a necessária motivação juridicamente válida para o licenciamento.
Assim, uma vez que a Administração Militar demonstre a desnecessidade da
prorrogação do tempo de serviço do militar do quadro dos temporários, quer seja pela
extinção da vaga anteriormente ocupada, quer pela formação, em número satisfatório, de
militares de carreira, pode o militar temporário ser licenciado por término de prorrogação
anteriormente concedida, sem qualquer vício que macule o ato administrativo, percebendo
então, a indenização pecuniária a que tem direito em razão da Lei nº 7963/89.
Inaceitável é o afastamento ad nutum do militar temporariamente em serviço ativo,
antes pelo completo abandono em que ficava, sem qualquer direito, e agora, porque a
Fazenda Pública não deve arcar com o pagamento de dois servidores, sem que haja motivo
determinante válido para o afastamento do ocupante do cargo.
É o parecer, s.m.j.
Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de 1990
* Coordenador Acadêmico do CESDIM
Disponível em:< http://www.cesdim.org.br/temp.aspx?PaginaID=88>
Acesso em.: 01 out 2007
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Da validade jurídica das portarias nºs 948 e 949, de